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Parte I

TEORIA DO
ESQUEMA EMOCIONAL
Captulo 1

A CONSTRUO
SOCIAL DA EMOO

Frequentemente voc pode ser visto sorrir, mas nunca o


ouviro gargalhar enquanto voc viver.
LORD CHESTERFIELD, Letters to His Son, 1774

Imagine o seguinte. Ned est namorando Brenda h trs meses, e para ele isso
tem sido como andar numa montanha-russa. As discusses so seguidas por in-
tensa intimidade sexual e, ento, por indiferena por parte de Brenda e suas quei-
xas de ambivalncia. Ele agora recebeu uma mensagem de texto da namorada di-
zendo que o relacionamento est acabado e que ela no quer mais comunicao
com ele. Ned est perplexo, j que esta parece ser uma forma insensvel de termi-
nar um relacionamento, e sua primeira resposta de raiva. medida que pensa
mais sobre isso durante o dia, ele comea a se sentir ansioso e a se preocupar com
a possibilidade de ficar sozinho para sempre. Ento fica triste, se sentindo vazio
e confuso. Ele tambm percebe momentos em que se sente melhor at mesmo
aliviado porque o relacionamento acabou , mas logo se pergunta se no estar se
enganando e se suas emoes iro voltar a inund-lo com sofrimento. Ned acha
que deveria ter somente um sentimento, no toda essa gama. Ele no consegue
compreender por que seus sentimentos so to fortes, j que ficou com Brenda
por apenas trs meses. Afunda em seus sentimentos negativos, sentado sozinho
em seu apartamento, bebendo e se empanturrando com porcarias. Ned comea a
achar que, se no se livrar desses sentimentos, vai enlouquecer; recorda de como
sua tia teve que ir para o hospital quando ele era criana. Com vergonha de con-
tar a seu amigo, Bill, sobre a profundidade dos seus sentimentos, ele se isola e no
quer ser um fardo para ningum. O que h de errado comigo?, ele pensa en-
quanto se serve de mais usque. Algum dia eu vou me sentir melhor?
A apenas algumas quadras de distncia na cidade, Michael est passando
por uma relao similar do tipo montanha-russa com Karen, de quem ele aca-
ba de receber uma mensagem de texto dizendo que o relacionamento acabou.
Michael est irritado com a insensibilidade de Karen, e suas emoes duran-
4 Robert L. Leahy

te os dois dias seguintes variam entre momentos de raiva, tristeza, ansiedade,


solido, vazio e confuso, passando por momentos de alvio porque o relacio-
namento terminou. Agora, Michael est mais reflexivo e aceitando a situao
melhor do que Ned; ele consegue refletir sobre suas emoes: Bem, faz sen-
tido que eu tenha muitos sentimentos diferentes, j que o relacionamento era
confuso. De fato, o relacionamento era feito de sentimentos intensos ele era
um passeio de montanha-russa. Eu s posso imaginar que muitas outras pes-
soas poderiam se sentir da mesma forma. Michael procura seu amigo, Juan,
que sempre foi um bom ouvinte, e lhe conta sobre a turbulncia pela qual est
passando. A conversa um pouco intensa, mas os dois amigos j passaram por
muitas coisas juntos. Enquanto ele fala, Juan balana a cabea demonstrando
compreenso. Limitando-se a algumas cervejas, Michael vai para casa e des-
cansa um pouco. Ele pensa: Eu j passei por momentos difceis antes. Meus
sentimentos so intensos neste momento, mas eu posso lidar com as coisas.
Tambm percebe que o motivo por ter sentimentos to intensos que relacio-
namentos so importantes para ele. Ele quer uma relao sria e no vai desistir
disso s porque esta terminou. As emoes so o custo de se importar.
O que distingue nosso infeliz Ned, o Neurtico de Michael, o Humano
que o primeiro tem uma teoria negativa sobre suas emoes, enquanto o se-
gundo aceita e usa suas emoes de formas mais construtivas. Essas duas abor-
dagens do mesmo evento refletem o que eu chamo de esquemas emocionais
ou seja, as teorias individuais sobre a natureza da emoo e como regul-la.
Uma pessoa pode tentar reprimir as emoes porque as encara como incom-
preensveis, esmagadoras, interminveis e at mesmo vergonhosas; outra pode
aceit-las como temporrias, ricas em complexidade e como parte de ser hu-
mano, que nos falam sobre nossos valores e necessidades. O modelo terapu-
tico que descrevo neste livro, terapia do esquema emocional, foca na identifi-
cao da teoria idiossincrtica de um indivduo sobre as suas emoes e as dos
outros, examinando as consequncias dessas construes emocionais, diferen-
ciando estratgias de regulao funcionais das disfuncionais e ajudando o indi-
vduo a integrar a experincia emocional a uma vida com significado.
Quase todos j sentiram emoes como tristeza, ansiedade ou raiva, mas
nem todos desenvolvem depresso maior, transtorno de ansiedade generaliza-
da ou transtorno de pnico. O que determina a persistncia das emoes que,
ento, se transformam em transtornos psicolgicos? Enfatizo durante todo este
livro que no somente a experincia das emoes que importa, mas tambm
suas interpretaes e as estratgias empregadas para lidar com elas ou regul-
-las. Existem caminhos que vo desde as emoes penosas at a psicopatologia,
e diferentes caminhos desde as emoes penosas at estratgias vitais adaptati-
vas. A perspectiva aqui desenvolvida que as interpretaes e respostas do indi-
vduo a emoes penosas vo determinar se a psicopatologia surge da experin-
cia. Por exemplo, uma pessoa pode sentir uma tristeza intensa sem desenvolver
um transtorno depressivo maior.
Terapia do Esquema Emocional 5

Existem inmeras teorias da emoo, e elas variam amplamente. As emo-


es j foram vistas como respostas programadas de forma inata ao ambiente
relevante evolucionrio (Darwin, 1872/1965; Nesse & Ellsworth, 2009; Tooby &
Cosmides, 1992); como processos eletroqumicos que ocorrem em vrias partes
do crebro (Davidson & McEwen, 2012); como consequncias de pensamen-
to irracional (D. A. Clark & Beck, 2010; Ellis & Harper, 1975); como resulta-
do de avaliaes de ameaas ou estressores (Lazarus & Folkman, 1984); como
determinantes da capacidade de processar a informao (o modelo de infu-
so de afeto; Forgas, 1995); como contendo informaes sobre necessidades e
pensamentos que esto relacionados a essas necessidades (o modelo focado na
emoo; Greenberg, 2002); ou como primrias isto , precedendo a cognio
(Zajonc, 1980). Cada um destes modelos e muitos outros contribuiu enor-
memente para nossa compreenso da importncia da emoo na vida diria e
no desenvolvimento da psicopatologia. O modelo proposto aqui, ao qual me re-
firo alternativamente como modelo do esquema emocional ou como teoria
do esquema emocional, amplia nossa compreenso da emoo, propondo que
aspectos essenciais do processo de experincia emocional incluem a interpreta-
o e avaliao das emoes por parte do indivduo, bem como suas estratgias
de controle desses sentimentos. A partir dessa perspectiva, a emoo no ape-
nas uma experincia; tambm um objeto da experincia. Embora as emoes
tenham se desenvolvido durante a adaptao evolucionria e possam ser expe-
rincias universais, as interpretaes, avaliaes e respostas do indivduo tam-
bm so socialmente construdas.
Fritz Heider (1958) props que os indivduos mantm crenas sobre si
mesmos e os outros em relao natureza das causas do comportamento, in-
tencionalidade e organizao do self. O autor observou que a pessoa comum
um psiclogo por direito prprio, utilizando modelos de atribuio e avalia-
o e inferindo traos e qualidades pessoais. Essa psicologia do senso comum,
como chamada, tornou-se a base do campo da cognio social (que se mo-
dificou para teoria da mente). Descrevo a possibilidade de sua ampliao para
um modelo de como os indivduos conceitualizam as emoes em si mesmos e
nos outros, e como esses modelos especficos da emoo podem levar a estrat-
gias problemticas de regulao emocional.
A teoria do esquema emocional um modelo social-cognitivo das emo-
es e da regulao emocional. Ela prope que os indivduos diferem em sua
avaliao da legitimidade e da vergonha da emoo, suas interpretaes das
causas da emoo, sua necessidade de control-la, suas expectativas sobre a du-
rao e o perigo dela e a adequao de exibi-la (Leahy, 2002, 2003b; Leahy, Tir-
ch & Napolitano, 2011). Mesmo que a emoo tenha uma forte determinao
biolgica, e mesmo que esteja relacionada a estmulos desencadeantes espec-
ficos, a experincia da emoo frequentemente seguida de uma interpretao
do sentimento: A minha ansiedade faz sentido?, Outras pessoas se sentiriam
do mesmo jeito?, Isto vai durar indefinidamente?, Como eu posso contro-
6 Robert L. Leahy

lar isto? ou Eu vou ficar louco?. Essas interpretaes, s quais me refiro como
teorias da emoo, so o contedo central dos esquemas emocionais ou
seja, crenas sobre nossas prprias emoes e as dos outros, e como essas emo-
es podem ser reguladas. Refiro-me teoria do esquema emocional como um
modelo social-cognitivo porque as emoes so fenmenos pessoais e tambm
sociais que so interpretados por ns e pelos outros; como tal, mudanas nas
interpretaes (nossas e dos outros) resultaro em mudanas na intensidade e
desregulao emocional.
Neste captulo, examino brevemente como a emoo e a racionalidade
tm sido vistas na tradio filosfica ocidental e como as ideias ocidentais sobre
as emoes e as exibies emocionais se modificaram nos ltimos cem anos, su-
gerindo que a construo da emoo tem estado em fluxo contnuo. Tambm
discuto como os modelos atuais de previso afetiva sugerem que as teorias de
senso comum da emoo podem ter impacto na tomada de deciso e na ex-
perincia atual da emoo. O que importa no apenas a nossa experincia da
emoo, mas tambm nossas interpretaes da experincia e o que acreditamos
que acontecer a partir disso.

UMA BREVE HISTRIA DA EMOO


NA FILOSOFIA E CULTURA OCIDENTAL

Primazia do racional
Em A Repblica, Plato usa a metfora do cocheiro que tenta controlar dois ca-
valos um que obediente e outro que difcil de controlar. O filsofo encarava
as emoes como impedimentos ao pensamento racional e produtivo e ao
e, portanto, como desvios da busca da virtude. Plato (1991) descreve o im-
pacto inicial dos eventos que provocam emoo como a vibrao da alma. Se
pensarmos na progresso de uma resposta racional aos eventos, o primeiro mo-
vimento pode comear com um abalo ou vibrao da alma. Os movimentos
posteriores envolvem recuar e observar o que est acontecendo; depois, consi-
derar a virtude que relevante (p. ex., coragem) e, ento, considerar as aes e
os pensamentos que podem levar a uma resposta virtuosa. Como veremos mais
adiante, o modelo de esquema emocional reconhece que a primeira resposta a
determinada emoo pode ser caracterizada por uma sensao de perturba-
o ou surpresa. Esse processo provavelmente tambm reflete processos au-
tomticos ou inconscientes (Bargh & Morsella, 2008; LeDoux, 2007) isto , a
vibrao da alma de Plato. No entanto, os indivduos tambm podem recuar
e avaliar o que est acontecendo no momento, quais so suas opes, como isso
est relacionado a objetivos valorizados e como suas emoes podem aumentar
ou diminuir dependendo das suas interpretaes e do que eles fazem. Aristte-
les via a virtude como o trao de carter e a prtica que representam a mdia
Terapia do Esquema Emocional 7

ideal entre os dois extremos de uma qualidade pessoal desejada. No modelo do


esquema emocional como no modelo subjacente terapia de aceitao e com-
promisso (Hayes, Strosahl, & Wilson, 2012) existe o reconhecimento de que
os valores (ou virtudes) podem determinar como o indivduo encara as emo-
es e a capacidade de tolerar o desconforto no contexto da ao valorizada. O
objetivo no simplesmente uma emoo particular, mas o significado, o valor
ou a virtude que se deseja alcanar.
Aristteles (1984, 1995) enfatizou a prosperidade (eudaimonia) para bus-
car a boa vida um sentimento de felicidade ou bem-estar por que o indi-
vduo est agindo de acordo com as virtudes e os significados valorizados em
sua vida. Ele definiu virtudes como aquelas qualidades de carter que algum
admira em outra pessoa; isto , o objetivo se tornar quem voc admira. A expe
rincia emocional de felicidade resultado da prtica diria das virtudes,
como temperana, coragem, pacincia, modstia e outras qualidades. Assim,
sentir-se bem uma consequncia de buscar o bem e praticar o comporta-
mento isto , virtude. O modelo de esquema emocional se baseia na viso de
Aristteles de que a prtica dos hbitos ou virtudes valorizados pode facilitar
maior adaptao e realizao.
Os estoicos, como Epteto, Sneca e Ccero, viam a racionalidade como
superior emoo e sugeriram que as emoes levam o indivduo a reagir exa-
geradamente e perder de vista valores importantes; elas, assim, se afastam da
virtude e, por fim, escravizam a pessoa (Inwood, 2003). A nfase entre os estoi-
cos recaa sobre a conduta racional, eliminao do apego excessivo ao mundo
externo, disciplina sobre os desejos e liberdade das necessidades material e de
aprovao. Os exerccios dos estoicos incluam praticar fome, desconforto fsico
e pobreza para aprender que possvel sobreviver sem riquezas materiais; con-
templar a eliminao de objetos ou pessoas valorizadas na vida do indivduo
para reconhecer o seu valor; refletir todos os dias sobre o que se fez bem e como
se poderia melhorar; afastar-se de uma emoo e considerar o curso de ao ra-
cional; reconhecer que os pensamentos so o que torna a vida ruim, no a rea-
lidade em si; e iniciar cada dia, como fazia o imperador Marco Aurlio, com o
seguinte reconhecimento dos limites da realidade e da importncia da aceita-
o durante a busca da virtude: Comear cada dia dizendo a voc mesmo: hoje
eu vou me defrontar com interferncias, ingratido, insolncia, deslealdade, m
vontade e egosmo tudo isso devido ignorncia dos agressores do que bom
ou mau (Marco Aurlio, 2002).
A primazia da cognio ganhou maior apoio durante o Iluminismo euro-
peu, com crescente nfase no discurso racional, na razo, na liberdade indivi-
dual, na cincia e na explorao do desconhecido. Locke, Hume, Voltaire, Ben-
tham, Mill (Gay, 2013) e outros tentaram libertar o pensamento do que eles
viam como as limitaes da superstio, autoridade e apelos emocionais. Novas
descobertas na cincia questionaram a autoridade da doutrina crist. A nfa-
se de Kant numa vida racional e virtuosa baseada no imperativo categrico li-
8 Robert L. Leahy

bertou o raciocnio moral dos ditames da Igreja. A teoria do contrato de Lucke


localizava a legitimidade nos acordos em vez da autoridade bruta. E a explora-
o de novos mundos levou a um reconhecimento de que as normas culturais
eram possivelmente arranjos arbitrrios em vez de verdades eternas. No entan-
to, em contraste com o status privilegiado da racionalidade e da cincia, Hume
argumentou que a razo escrava da emoo, j que a razo no pode nos dizer
o que queremos; ela s pode nos dizer como chegar l. A emoo, na viso de
Hume, desempenha um papel mais central. De acordo com o autor, as emoes
nos dizem o que importa, enquanto a racionalidade pode nos ajudar a atingir
os objetivos estabelecidos pela emoo.
No sculo XX, a nfase na racionalidade, na praticidade e na descoberta
de fatos, em vez da f, tornou-se central para o pragmatismo, o positivismo l-
gico, a filosofia da linguagem comum e a rea geral da filosofia analtica. Gilbert
Ryle (1949), em O conceito da mente, rejeitou a ideia de que existe um fantas-
ma na mquina; ele criticou a ideia de que almas, mentes, personalidades e ou-
tras entidades inferidas determinassem alguma coisa. Os positivistas lgicos,
como o jovem Wittgenstein (1922/2010), Ayer (1946), Carnap (1967) e outros,
propuseram que o nico critrio da verdade a verificabilidade, que o conheci-
mento derivado da experincia e que os apelos emocionais so enganadores,
precisando ser submetidos ao teste do discurso lgico e definio clara. Austin
(1975) e Ryle (1949) desenvolveram a ideia de que a filosofia deveria se concen-
trar no uso comum da linguagem para esclarecer, por meio da anlise lgica, os
significados das afirmaes. A nfase estava na clarificao, na lgica, no empi-
rismo (em alguns casos) e se possvel na reduo a afirmaes matemticas
da lgica. A emoo era vista como rudo.

Primazia da emoo
Embora racionalidade e lgica tenham sempre constitudo uma influncia im-
portante na filosofia (e na cultura ocidental em geral), a emoo sempre foi uma
contrapartida, servindo a uma funo dialtica atravs da histria. A nfase de
Plato no pensamento lgico e racional estava em contraste com a grande tradi-
o da tragdia grega. Na verdade, As Bacantes, de Eurpedes (1920), represen-
tavam a viso trgica de que, se ignorarmos o deus (Dionsio ou Baco) que re
ne seguidores na msica, dana e um senso de total abandono, ento, ironica-
mente, nos defrontaremos com a completa destruio na loucura. O indivduo
ignora a emoo por seu prprio risco. O modelo de esquema emocional su-
gere que o objetivo no sentir-se bem, mas a capacidade de sentir tudo. No
existe self superior ou inferior nesse modelo; em vez disso, todas as emoes
esto includas no self. Tal modelo defende a incluso das emoes mesmo
emoes depreciadas, como raiva, ressentimento, cime e inveja e a aceita-
o dessas emoes como parte da complexidade da natureza humana.
Terapia do Esquema Emocional 9

A viso trgica reconhece que o sofrimento inevitvel; que o podero-


so pode cair; que foras alm do nosso controle ou mesmo da imaginao po-
dem destruir; que a injustia frequentemente inevitvel; e que o sofrimento
dos outros nos importa porque exemplifica o que pode acontecer com qualquer
um. Todos ns fazemos parte da mesma comunidade de pessoas frgeis, falveis
e mortais. Em contraste com a viso trgica, Plato privilegiou a racionalida-
de como a forma de poder e controle, e a tragdia como o maior nivelador, por
meio do seu apelo emoo.
No sculo XIX, Nietzsche (1956) sugeriu que o grande contraste na cultu-
ra e filosofia estava entre o apolneo e o dionisaco ou seja, entre a nfase na
estrutura, lgica, racionalidade e controle, e a nfase na expresso emocional,
intensa, individual e selvagem da liberdade total. Esta ltima estava refletida no
movimento Romntico, que incluiu a emoo completamente enfatizando a
intensidade emocional, a experincia individual, o heroico, o pensamento m-
gico, a metfora, o mito, o pessoal e o privado, o pensamento revolucionrio,
o nacionalismo e o amor individual intenso. A natureza recebeu precedncia
sobre o mundo construdo do Iluminismo, com uma nfase nos instintos na
turais, no nobre selvagem, nas paisagens naturais e na liberdade das restries.
A lgica era vista como uma distrao da experincia vivida. Os principais fil-
sofos do Romantismo incluam Hegel, Schopenhauer e Rousseau; entre os prin-
cipais poetas estavam Shelley, Byron, Goethe, Wordsworth, Coleridge e Keats.
O Romantismo tambm teve uma influncia significativa na msica, represen-
tada por Wagner, Beethoven, Schubert e Berlioz (Pirie, 1994).
Um elemento do movimento Romntico foi o movimento do sentimenta-
lismo do sculo XVIII, que enfatizava a intensidade da expresso individual em
vez da racionalidade ou normas aceitas, com a expresso intensa representando
a autenticidade, sinceridade e fora dos sentimentos. De fato, no era incomum
que membros da Cmara dos Lordes na Gr-Bretanha defendessem suas posi-
es chorando. O suicdio era a expresso extrema dessa intensidade romntica.
No final do sculo XIX e no sculo XX, o existencialismo foi uma reao
aos modelos racionalistas britnicos e americanos na filosofia, com os existen-
cialistas enfatizando o papel do propsito individual, da escolha, do reconhe-
cimento da mortalidade, da natureza arbitrria da existncia e das emoes.
Kiekegaard (1941) descreveu os dilemas existenciais do medo, a doena at a
morte e a crise da escolha individual. Heidegger (1962) props que a filoso-
fia precisava abordar as implicaes do ser lanado na vida e na histria, bem
como o dilema do indivduo na construo de significado. J Sartre (1956) ar-
gumentava que os indivduos precisam resolver os dilemas que so resultantes
da sua dada situao exercendo sua liberdade. O modelo de esquema emocional
prope que os sujeitos podem sofrer com a liberdade de escolha, com frequn-
cia tendo dificuldade com o que dado que arbitrariamente parte das suas
vidas dirias, ao mesmo tempo reconhecendo que as escolhas enfrentadas pelas
pessoas em geral envolvem dilemas ou negociaes que so emocionalmente dif-
10 Robert L. Leahy

ceis. Escolha, liberdade, arrependimento e at mesmo medo so encarados como


componentes essenciais da vida neste modelo, e essas realidades no podem
ser simplesmente eliminadas por anlises do custo-benefcio, racionalizao ou
pragmatismo. Embora a avaliao racional seja importante, toda negociao en-
volve um custo. E os custos com frequncia so desagradveis e difceis.
Esta breve reviso no faz justia viso dicotomizada da emoo e racio-
nalidade na cultura ocidental (e, claro, no trata da importncia desses fato-
res em outras culturas). Como sugeriu Nussbaum (2001), cada esfera a ra-
cional e a emocional tem seu valor, e cada uma informa a outra. O modelo do
esquema emocional reconhece que as emoes e a racionalidade esto frequen-
temente numa luta entre si em uma tenso dialtica quanto ao que ir influen-
ciar a escolha. Contudo, ambas so essenciais.

Fatores culturais e histricos na emoo


O campo emergente na histria referido como emocionologia rastreia as mu-
danas na viso das emoes em diferentes sociedades e em diferentes pero-
dos histricos; alm disso, investiga como as emoes so socializadas. De fato,
o estudo da histria da emoo oferece evidncias considerveis sobre a cons-
truo social do sentimento especialmente quais emoes foram valorizadas,
quais foram reprimidas e como mudaram as regras para manifestao das emo-
es. Em 1939, o historiador social austraco Norbert Elisa escreveu um estu-
do monumental sobre a emergncia da internalizao e do autocontrole na so-
ciedade da Europa ocidental (republicado, muitos anos depois, como O proces-
so civilizatrio: investigaes sociogenticas e psicogenticas; Elias, 1939/2000).
O autor rastreou as mudanas nas regras de conduta referentes ao discurso, ali-
mentao, vestimenta, cumprimentos, conduta sexual, conduta agressiva e ou-
tras formas sociais de comportamento desde o sculo XIII at o incio do scu-
lo XX. Com a consolidao do poder nas mos do rei e a ascenso da socieda-
de cortes em que os cavaleiros viviam parte do ano na corte do rei, as regras
de autocontrole se tornaram mais significativas. Elias defendeu que se seguiu
maior internalizao da emoo e do comportamento. De fato, a palavra corte-
sia derivada da palavra corte. Exibies ruidosas de emoo, confrontao e
comportamento sexual no eram mais aceitveis, medida que essas experin-
cias emocionais foram sendo internalizadas. Alm do mais, houve um aumento
da nfase no afeto pessoal e privado; a ascenso de um senso de self emocional
privado, por meio da disseminao da leitura e do uso de dirios pessoais; e um
maior sentimento de vergonha e culpa. Max Weber (1930), em A tica protes-
tante e o esprito do capitalismo, expandiu ainda mais a ideia de que a interna-
lizao da emoo ofereceu condies emocionais para o capitalismo e era um
subproduto deste. Assim, o adiamento da gratificao, a nfase no trabalho e
produtividade, o valor do sucesso como um reflexo do mrito individual, a co-
Terapia do Esquema Emocional 11

ordenao com as foras do mercado e a relao vendedor-comprador condu-


ziram a um maior controle da emoo. Todos esses desenvolvimentos refletiam
a construo social da emoo.
Podemos ver um maior desenvolvimento do controle emocional na cultu-
ra puritana da Amrica do Norte dos sculos XVI e XVII, com nfase no contro-
le da raiva e da paixo, na negao dos prazeres mundanos, na modstia e sobre-
tudo na vergonha e na culpa. Os sculos XVIII e XIX na Amrica e Gr-Bretanha
tambm viram a ascenso dos livros de conduta, que tentavam instruir o lei-
tor sobre o comportamento apropriado. Durante esse perodo, especialmente na
Amrica, houve maior nfase na ideia do empreendedor, junto com a ascenso do
comrcio;o declnio da aristocracia; e a emergncia de uma nova classe de comer-
ciantes, empreendedores, negociantes e profissionais. Presumivelmente, um ho-
mem no estava limitado pelo seu status de classe e podia ascender no sistema de
classes sociais se dominasse a conduta certa. As mulheres, em contrapartida, pre-
cisavam depender dos casamentos oportunistas para progredir em seu status.
O Almanaque do pobre Ricardo, de Benjamin Franklin (1759/1914), dava conselhos
dirios aos leitores sobre o adiamento da gratificao, a importncia das econo-
mias, os benefcios do trabalho rduo e a importncia da reputao. Foi Franklin
quem cunhou uma verso inicial da expresso Sem esforo no h resultados
(No pain, no gain), ao propor que todos deveriam se exercitar 45 minutos por dia.
Um futuro presidente norte-americano, John Adams, que aspirava ascen-
der na hierarquia da classe social das colnias do sculo XVIII, ficava em fren-
te a um espelho observando sua expresso facial e postura, tentando controlar
sua expresso para no demonstrar alguma emoo desnecessria. O controle
sobre seu rosto, corpo, movimentos das mos e a entonao da prpria voz fa-
zia parte da nova nfase no autocontrole. Talvez o livro mais influente na defe-
sa do controle de si mesmo tenha sido Cartas a meu filho, de Lord Chesterfield
(1774/2008), que encorajava os leitores a fazer o seguinte: Mantenha um sen-
so de reserva, No demonstre seus verdadeiros sentimentos, O riso frequen-
te e alto a caracterstica de modos insensatos e doentes, Seja mais esperto
do que as outras pessoas, se puder, mas no lhes diga isso. Outros livros acon-
selhavam as mulheres a ocultar sua sexualidade e verdadeiros sentimentos por
trs de uma aparncia de indiferena corts, com nfase na modstia. O padro
era ser amigvel, mas no coquete, e no demonstrar interesse excessivo por um
homem. As mulheres tinham que controlar as paixes masculinas. O rubor era
aprovado para as mulheres porque demonstrava embarao sobre algum con
tedo sexual ou coquete. Mais uma vez, a nfase era no controle do corpo, da
face e da expresso verbal. De forma crescente, nos sculos XVIII e XIX a nfa-
se era que no se deveria demonstrar qualquer intensidade de emoo e, certa-
mente, no se deveria confiar na emoo.
Christopher Lasch, em Refgio num mundo sem corao (1977), descreve
a ascenso de um espao domstico centrado no lar para a intimidade emocio-
nal durante o perodo vitoriano e posterior. As emoes foram para trs de por-
12 Robert L. Leahy

tas fechadas, onde a harmonia domstica era enfatizada. O perodo vitoriano


tambm viu a ascenso da emoo de gnero isto , tipo de emoo de acor-
do com o sexo. Os homens ocupavam a esfera pblica do comrcio, enquanto as
mulheres passaram a estar confinadas esfera privada de casa. Assim, na esfera
pblica, os homens podiam ser competitivos, conflitados e ambiciosos, enquan-
to, em casa, homens e mulheres focavam na afeio, confiana e intimidade. Ha-
via maior nfase no amor entre os cnjuges, amor de me e harmonia familiar
(a raiva no era tolerada); o cime era condenado, j que perturbava a harmonia
da vida em famlia. Nesse mundo dividido, a raiva no era vista como apropriada
para a vida domstica, mas era considerada adequada para aos homens, que a di-
rigiriam ao exterior a fim de motiv-los. Na socializao dos filhos no sculo XIX,
era visto como apropriado ter medo mas era dito aos meninos que usassem a
coragem para superar o medo. No se esperava que as meninas tivessem coragem.
Tambm havia uma maior nfase na culpa em vez da vergonha.
Durante o final do sculo XIX e incio do sculo XX, as normas emocio-
nais mudaram ainda mais. Com o declnio da mortalidade infantil, os pais po-
diam esperar que seus bebs vivessem at a idade adulta; isto levou a maiores
taxas de natalidade. Um beb podia receber mais ateno e, assim, desenvol-
ver um lao de amor parental mais forte. Havia tambm maior nfase na in-
fncia como um estgio distinto da vida, com roupas especialmente criadas
para crianas, uma nova nfase na proteo do seu bem-estar e a perspectiva de
que elas no eram simplesmente adultos pequenos (Aris, 1962; Kessen, 1965).
Alm disso, a ascenso da economia comercial em especial a nfase crescen-
te nos servios e no comrcio significava que a expresso emocional precisa-
va se adaptar mudana nas relaes comprador-vendedor (Sennett, 1996). Fi-
nalmente, no sculo XX, com a emergncia da igualdade dos gneros, as vises
sexistas das mulheres como histricas, mais fracas ou mais emocionais e menos
racionais foram cada vez mais consideradas obsoletas, muito embora ainda per-
sistissem no comeo da teoria psicanaltica (Deutsch, 1944-1945).
Entre as dcadas de 1920 e 1950, surgiram novas teorias da socializao da
emoo, influenciadas tanto pela pesquisa de Watson (1919), que mostrava que
os medos eram aprendidos, quanto por meio do argumento psicanaltico, o qual
rastreou a neurose at dificuldades na infncia. Uma interpretao popular do
behaviorismo de Watson era de que a fuga a melhor estratgia para lidar com
o medo. No havia mais a nfase no uso da coragem para enfrentar dificuldades
ou temores; havia um destaque reduzido na tolerncia a sentimentos difceis; e
havia mais nfase no que poderia ser caracterizado como uma cultura expressi-
va e reasseguradora. A influncia da teoria psicanaltica levou nfase em um
ambiente seguro e reassegurador, conforme exemplificado nos populares es-
critos do pediatra Benjamin Spock, com suas exortaes da tranquilizao, de
expresses de carinho, mimos e superproteo como formas de lidar com os
medos de uma criana (p. ex., Spock, 1957). Uma vez que as emoes se torna-
ram experincias temidas e objetivava-se proteger as crianas de passar dificul-
Terapia do Esquema Emocional 13

dades, tambm houve a ascenso da frieza na cultura popular isto , a nfase


em autoconteno, controle da emoo, ausncia de sentimentos ou mesmo in-
diferena e inatingibilidade (Stearns, 1994). Os heris populares dos desenhos
animados no demonstravam medo (eles eram frios); eles no tinham que su-
perar ou enfrentar o medo. Personagens como o Super-Homem pareciam to
invulnerveis que no tinham que demonstrar coragem.
claro que havia uma contrapartida para toda essa internalizao, auto-
controle e expresso abafada da emoo, refletida nos costumes da contracul-
tura da autoexpresso, espontaneidade, intensidade da experincia individual e
liberdade sexual. Surgiram elementos mais rebeldes na cultura popular: a po-
pularidade do jazz, a partir da dcada de 1920; a era da Lei Seca com inmeros
infratores clandestinos; os beatniks da dcada de 1950; a ascenso do rock and
roll; os hippies da dcada de 1960; a msica de protesto da era do Vietnam; a
mensagem de se ligue, se entregue, da cultura da droga, defendida por Timo-
thy Leary e outros; bem como a eventual emergncia do gangsta rap e outras
expresses individuais intensas que apareceram para celebrar a total emociona-
lidade e a rejeio do autocontrole.
Assim, a emoo foi repetidamente construda e desconstruda na cul-
tura ocidental durante os ltimos trs mil anos. A histria das emoes refle-
te essa conscincia crescente de como elas so vistas, como a socializao e as
normas influenciam a expresso emocional e como algumas emoes deixam
de ser usadas (como o cime). Todas essas mudanas sugerem que as emoes
so, em grande parte, produto da construo social. A histria da emoo e das
escolas filosficas que privilegiam o sentimento ou a racionalidade sugere que
as emoes no so simplesmente fenmenos inatos, espontneos e universais
(embora com certeza exista uma predisposio universal para eles), mas que a
avaliao da emoo e as regras para a sua expresso variam consideravelmente
dentro da nossa cultura e entre as culturas.
Esta breve viso geral sugere que as interpretaes ou avaliaes cogniti-
vas da emoo e a influncia das emoes no pensamento so fenmenos
psicolgicos importantes em sua essncia. Agora, passo a uma breve descrio
das abordagens atuais em psicologia social que descrevem vieses comuns na
psicologia de senso comum da emoo. Essas abordagens refletem a interface
entre cognio social e a interpretao e predio do sentimento.

AVALIAES COGNITIVAS DAS EMOES


Considere os exemplos no comeo deste captulo: dois homens, cada um pas-
sando por um rompimento em um relacionamento. O mais abalado deles se
sente triste e sozinho no momento presente e, se perguntado como prev que
ir se sentir em alguns meses, poder predizer que vai continuar se sentindo
triste talvez ainda mais do que est agora. Esse um exemplo de previso afe-
14 Robert L. Leahy

tiva, que se refere predio de que uma emoo ser mais extremamente ne-
gativa ou positiva do que acaba sendo (Wilson & Gilbert, 2003).
Pesquisas sobre previses afetivas sugerem inmeros vieses ou heursti-
cas que levam predio exagerada de respostas emocionais. Um desses fato-
res o focalismo ou seja, a tendncia a focar em uma nica caracterstica
do evento, em vez de considerar tambm todas as outras que poderiam miti-
gar a resposta emocional ao evento (Kahneman, Krueger, Sckade, Schwarz, &
Stone, 2996; Wilson, Wheatley, Meyers, Gilbert, & Axsom, 2000). Por exemplo,
alguns indivduos podem acreditar que ao se mudar de um ambiente frio e nu-
blado, como Minnesota, para a ensolarada Califrnia, vo se sentir imensamen-
te felizes por muitos anos. Entretanto, descobrem que, aps um breve perodo
se sentindo melhor, sua felicidade volta ao mesmo nvel que existia no primei-
ro Estado. Isso acontece porque eles esto focados em um nico fator (luz do
sol), ignorando outros aspectos importantes, como suas relaes primrias e
seu ambiente de trabalho.
Outra caracterstica central da previso afetiva o vis do impacto, o qual
se refere tendncia a superestimar os efeitos emocionais dos eventos (Gilbert,
Driver-Linn, & Wilson, 2002). Isto , o indivduo pode prever que um aconteci-
mento positivo levar a um afeto positivo duradouro, enquanto um evento ne-
gativo levar a um afeto negativo duradouro. Por exemplo, um indivduo pode
prever que um rompimento em um relacionamento levar a sentimentos ne-
gativos eternos, mas acreditar que o incio de um relacionamento levar a sen-
tir-se infinitamente fantstico. Uma dimenso da predio de uma emoo
quanto tempo ela ir durar o efeito de durabilidade. Wilson e Gilbert (2003)
acabam de incluir o efeito da durabilidade no vis do impacto. Esse efeito refle-
te a crena de que uma emoo continuar por um longo tempo.
Outro fator que afeta a previso afetiva a negligncia imune isto , a
tendncia a ignorar a prpria capacidade de lidar com eventos negativos. Por
exemplo, Gilbert e colegas (2002) constataram que os participantes faziam pre-
vises exageradas quanto durao do afeto negativo aps seis situaes hipo-
tticas: o rompimento de um relacionamento romntico, o fracasso em conse-
guir um mandato, uma derrota eleitoral, feedback negativo da personalidade, o
relato da morte de uma criana e a rejeio de um empregador potencial. De
acordo com Wilson e Gilbert (2005), tais indivduos frequentemente ignoram
ou subestimam sua capacidade de enfrentamento; eles no reconhecem os efei-
tos poderosos de estratgias de enfrentamento como a reduo da dissonn-
cia, raciocnio motivado, atribuies que servem ao seu interesse, autoafirma-
o e iluses positivas, as quais mitigam os efeitos dos eventos vitais negativos
(Gilbert, Pinel, Wilson, Blumberg, & Wheatley, 1998, p. 619). Por exemplo, de-
pois do rompimento com a namorada, um homem pode reduzir o impacto ne-
gativo do evento alegando que est melhor sem ela (reduo da dissonncia),
encontrar atribuies negativas sobre a ex-parceira (raciocnio motivado), ver
a si mesmo como altamente desejvel agora que est solteiro (atribuies que
Terapia do Esquema Emocional 15

servem ao seu interesse), reforar sua esperana convencendo a si mesmo e aos


outros de que o melhor ainda est por vir (autoafirmao) e predizer que o seu
trabalho e sua vida afetiva s podem melhorar (iluses positivas). Embora se
possa argumentar que em cada caso esses ajustamentos envolvem distores
cognitivas ou racionalizaes, eles tambm podem mitigar os efeitos negativos
do rompimento. Alm do mais, possvel que ocorram eventos positivos im-
previstos, e estes tambm podem levar a um resultado mais positivo.
Alm disso, os indivduos so propensos a superavaliar uma perda versus
a valorizao de um ganho um fenmeno conhecido como averso perda
(Kahneman & Tversky, 1984). Um adgio comum, sofremos por nossas perdas
mais do que disfrutamos de nossos ganhos, tem apoio na literatura emprica.
Em um estudo de respostas s perdas e aos ganhos nos jogos de azar, os indiv-
duos previram excessivamente afeto negativo aps uma perda, no percebendo
que poderiam conseguir racionalizar suas perdas e que no era assim to pro-
vvel que fossem sofrer tanto quanto previam; isto , essas pessoas, na verdade,
enfrentavam melhor as perdas no jogo do que haviam previsto (Kermer, Dri-
ver-Linn, Wilson, & Gilbert, 2006). Em consequncia da averso perda, os in-
divduos frequentemente ficam presos a uma situao desagradvel, superesti-
mando o quanto se sentiriam culpados se tivessem desistido.
Outro fator na predio da emoo a heurstica do afeto uma forma de
raciocnio emocional em que o indivduo usa uma emoo atual para predizer
uma emoo futura (i. e., usa a emoo atual como uma ncora) ou prediz respos-
tas emocionais futuras com base em como se sente no momento atual (Finucane,
Alhakami, Slovic, & Johnson, 2000). A heurstica do afeto ajuda a explicar por que
se assumem mais riscos por comportamentos que parecem bons (Slovic, 2000;
Slovic, Finucane, Peters, & MacGregor, 2004). Por exemplo, se sexo sem proteo
parece ser bom, ento pode ser visto como menos perigoso do que na realidade
(Slovic, 2000; Slovic, Finucane, Peters, & MacGregor, 2004). Tambm pode expli-
car a avaliao do valor ou segurana das coisas com base em como o indivduo
se sente (p. ex., sei que perigoso porque eu me sinto ansioso).
Alm disso, os indivduos frequentemente estimam suas respostas emo-
cionais futuras com base em suas avaliaes atuais da incerteza; ou seja, quan-
to mais incerteza sentem, maior a negatividade prevista (Bar-Anan, Wilson, &
Gilbert, 2009). A intolerncia incerteza um fator-chave subjacente preo-
cupao, ruminao e ao transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), sugerindo
que a incerteza sobre resultados negativos pode ser uma heurstica que sustenta
esquemas emocionais. Por exemplo, no saber com certeza como vai se sen-
tir, quando est se sentindo mal no momento presente, pode aumentar as pre-
dies de afeto negativo posterior.
Por fim, muitos indivduos ignoram o valor de contar com o tempo como
alternativa, tanto que preferem um ganho menor agora a um ganho maior
posteriormente. Ignorar o tempo refere-se a uma nfase nos eventos presentes
ou disponibilidade de gratificaes, ao mesmo tempo reduzindo o valor da gra-
16 Robert L. Leahy

tificao adiada (Frederick, Loewenstien, & ODonoghue, 2002; McClure, Eric-


son, Laibson, Loewenstein, & Cohen, 2007; Read & Read, 2004). Esse vis em
relao ao presente pode contribuir para demandas de gratificao imediata, in-
tolerncia ao desconforto, dificuldade em persistir em tarefas difceis e desmo-
ralizao sobre o atingimento dos objetivos (ODonoghe & Rabin, 1999; Thaler
& Shefrin, 1981; Zauberman, 2003). Nessa forma extrema, as decises sobre a
regulao da emoo podem ser cegas; ou seja, o indivduo pode estar to in-
teiramente focado na reduo imediata de uma emoo desconfortvel que es-
colhe (por fim) alternativas autodestrutivas, como abuso de substncia ou co-
mer compulsivo. As gratificaes futuras so ignoradas a tal ponto que a nica
alternativa valorizada a mais imediata. Uma manifestao da desconsiderao
cega do tempo a armadilha da contingncia, em que um indivduo fica pre-
so s contingncias imediatas, desenvolvendo, assim, um hbito autoderrotista.
O modelo de armadilhas de contingncia foi aplicado ao comportamento aditi-
vo: a abstinncia leva dor imediata, enquanto o uso da substncia leva grati-
ficao imediata, resultando em maior momentum para o uso de maior quanti-
dade e uma disposio a pagar preos mais altos quando o indivduo se adapta
a nveis mais elevados da substncia (Becker, 1976, 1991; Grossman, Chalou-
pka, & Sirtalan, 1998).
Avaliaes cognitiva e heurstica como essas so componentes essen-
ciais dos esquemas emocionais. Elas contribuem para crenas de que as
emoes so duradouras, esto fora de controle e precisam ser eliminadas
ou suprimidas logo. Ironicamente, as emoes parecem ter uma evanescn-
cia. Elas com frequncia se dissipam com rapidez em vez de perdurar, du-
rando um perodo curto at que outra emoo aparea (Wilson, Gilbert, &
Centerbar, 2003). As predies sobre quanto tempo o indivduo ficar so-
frendo aps um rompimento, a perda de um emprego, algum dano fsico
ou conflito com um bom amigo tendem a superestimar o quanto as emo-
es sero extremas. Dados similares sugerem que felicidade ou infelicida-
de no so durveis aps eventos vitais significativos. De fato, as pesquisas
sobre resilincia indicam que uma porcentagem esmagadora de indivduos
voltou sua linha bsica pr-evento um ano depois de acontecimentos vi-
tais negativos importantes, sugerindo que danos emocionais so resolvi-
dos por meio de vrios processos de enfrentamento (Bonanno & Gupta,
2009). Alm do mais, os indivduos diferem na capacidade de recuperao de
um trauma ou perda, em parte como consequncia da flexibilidade regulat-
ria isto , a capacidade de recrutar processos adaptativos para enfrentar as
dificuldades que surgem (Bonanno & Burton, 2013). Isso sugere que os pro-
cessos de enfrentamento podem ser mais importantes do que a experincia
momentnea da emoo penosa.
Terapia do Esquema Emocional 17

A terapia focada no esquema emocional procura ampliar a abrangncia da


flexibilidade regulatria, de modo que a ocorrncia da emoo no precise re-
sultar em previso afetiva negativa ou estratgias autodestrutivas de regulao
emocional, mas, em vez disso, possa se transformar na oportunidade de recru-
tar uma ampla gama de interpretaes adaptativas e estratgias para enfrenta-
mento. A terapia focada no esquema emocional destaca teorias problemticas
sobre uma emoo atual e mostra como estas esto relacionadas a estilos de en-
frentamento disfuncionais que perpetuam ainda mais a disfuno. Os captu-
los a seguir examinam uma variedade de tcnicas para abordar inmeras dessas
crenas sobre a emoo e sugerem estratgias mais adaptativas para enfrenta-
mento de emoes que parecem preocupantes.

PLANO DO LIVRO
Este captulo mostrou como a teoria evolucionria, a construo social e os con-
textos histrico e cultural podem influenciar as crenas, as estratgias e a aceita-
bilidade de vrias emoes. Os dois prximos captulos descrevem as considera-
es essenciais na conduo da terapia focada no esquema emocional (Cap. 2) e
o modelo geral de esquemas emocionais (Cap. 3). A Parte II (Caps. 4 e 5) exami-
na a avaliao inicial e a socializao do modelo. A Parte III revisa os esquemas
emocionais e como abord-los. O Captulo 6 descreve crenas problemticas so-
bre validao, sua origem e formas de abordar essas crenas na terapia. O Captu-
lo 7 examina estratgias para modificar vrios tipos de esquemas emocionais es-
pecficos: aqueles que envolvem as dimenses de compreensibilidade, durao,
controle, culpa/vergonha e aceitao. O Captulo 8 discute a inevitabilidade da
ambivalncia, examinando como o perfeccionismo emocional e a intolerncia
incerteza dificultam que alguns indivduos convivam com sentimentos contradi-
trios. O Captulo 9, captulo final da Parte III, examina como o modelo do es-
quema emocional associa emoes desconfortveis aos valores e s virtudes que
podem ajudar os indivduos a tolerar os desafios necessrios para uma vida com
mais sentido. Na Parte IV do livro, Emoes e Relaes Sociais, foquei um cap-
tulo no cime (Cap. 10) e outro na inveja (Cap. 11), uma vez que essas emoes
se tornaram to problemticas que as pessoas matam a si e aos outros por elas. Eu
poderia ter discutido vrias outras emoes (como humilhao, culpa, ressenti-
mento ou raiva), porm cime e inveja frequentemente incluem essas outras e,
devido sua natureza social e suposta relevncia evolutiva e cultural, elas pare-
cem mais apropriadas para este modelo. Os dois ltimos captulos (12 e 13) exa-
minam como os esquemas emocionais podem ser relevantes para as relaes de
casal e para a relao teraputica, respectivamente.
18 Robert L. Leahy

RESUMO
Emoo e regulao emocional ganharam maior importncia na psicologia du-
rante a ltima dcada com os avanos na neurocincia da emoo, dos mode-
los cognitivos, da terapia comportamental dialtica, da terapia de aceitao e
compromisso, da terapia focada na emoo, da terapia de mentalizao e de
outras abordagens que variam desde a terapia cognitivo-comportamental at
a terapia psicodinmica. Neste captulo, apresentei a ideia de que um compo-
nente do processo de experimentar uma emoo a interpretao e avaliao
desse sentimento, junto com o uso de estratgias adaptativas ou desadaptativas
para sua regulao. Fao referncia a esses conceitos e processos como esque-
mas emocionais. Nas tradies filosficas e culturais ocidentais, sempre hou-
ve uma contnua dicotomizao de emoo e racionalidade com alguns ar-
gumentando que a primeira interfere na ao deliberativa, racional e virtuosa e
outros vendo a emoo como uma fonte de significado e conexo interpessoal.
Durante os ltimos cem anos, os conceitos ocidentais e as estratgias recomen-
dadas para enfrentamento da emoo se modificaram substancialmente, com
algumas emoes, como cime e coragem, perdendo seu status. Por fim, apre-
sentei a ideia de que a psicologia social da emoo e escolha pode ajudar a lan-
ar luz sobre algumas das fontes de vis nas interpretaes do sentimento e na
predio da emoo futura. O restante deste livro examina como diferenas in-
dividuais nos esquemas emocionais podem explicar a psicopatologia, a esqui-
va, a desconformidade e outros comportamentos problemticos; alm disso, ex-
plora como auxiliar os indivduos na compreenso e modificao desses esque-
mas emocionais pode aprofundar suas experincias de terapia e lev-los a con-
frontar as difceis experincias necessrias para o crescimento. No prximo ca-
ptulo, descrevo algumas das principais premissas da terapia focada no esque-
ma emocional.

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