10-A3 - Prova Ilícita No CPC - ALCIDES DE MENDONÇA LIMA

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A EFICCIA DO MEIO DE PROVA ILCITO NO CDIGO DE

PROCESSO CIVIL BRASILEIRO

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A EFICCIA DO MEIO DE PROVA ILCITO NO CDIGO DE PROCESSO CIVIL
BRASILEIRO
Revista de Processo | vol. 43 | p. 138 | Jul / 1986
Doutrinas Essenciais de Processo Civil | vol. 4 | p. 931 | Out / 2011
DTR\1986\123

Alcides de Mendona Lima

rea do Direito: Geral


Sumrio:

1. O Cdigo de Processo Civil (LGL\1973\5) Brasileiro de 1973, * em vigor desde 1.1.74, introduziu
dispositivo novo no ordenamento nacional, qual seja o art. 332, do seguinte teor: "Todos os meios
legais, bem como os moralmente legtimos, ainda que no especificados neste Cdigo, so hbeis
para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ao ou a defesa" (grifas nossos).

O diploma anterior, de 1939, que foi o primeiro federal do Brasil, estatua de modo mais conciso, no
art. 208, com esta redao: "So admissveis em juzo todas as espcies de prova reconhecidas nas
leis civis e comerciais".

Do confronto de ambas, nota-se que, em contedo, so iguais, salvo acrscimo do atual "bem como
os moralmente legtimos", que tm suscitado dvidas e controvrsias, no sentido de seu alcance na
apreciao pelo juiz do meio empregado.

No Direito Comparado, encontra-se, como exemplo, de norma similar, o art. 379 do Cdigo Procesal
Civil y Comercial da Argentina, com o seguinte texto: "La prueba deber producirse por las medias
previstos expresamente por la ley y por las que el juez disponga, a pedido de parte o de oficio,
siempre que no ajecten ia moral, la libertad personal de los litigantes o de terceros o no estn
expresamente prohibidos para el caso" (grifas nossos).

2. A matria tem sido objeto de larga digresso doutrinria, no Brasil e no estrangeiro, e de vrias
decises de diferentes tribunais, se bem que, em nosso Pas, a contribuio jurisprudencial seja
escassa, pelo menos no Cvel, que objeto deste estudo.

3. Os meios de prova podem ser legtimos (se configurados em lei expressamente, tanto no Cdigo
de Processo Civil (LGL\1973\5), como em outros textos) e lcitos (no configurados em lei, mas
admissveis, se "morais", como, antes do Cdigo de 1973, j se admitia, no Brasil, por praxe forense,
a inspeo judicial, atualmente includa no CPC (LGL\1973\5), art. 440 e ss.). Um meio legtimo
poder tornar-se ilcito, se for obtido ou for produzido fora dos ditames morais; mas o meio ilcito ser
sempre, evidentemente, ilegtimo, porque, alm de no ser estatudo em lei, ainda est maculado por
qualquer ato do interessado.

4. Se o ato de obteno ou de produo for considerado "imoral" ou, nos termos de nossa lei, no for
considerado "moralmente legtimo", ento isso se aplica aos legtimos (esto na lei, mas usado
qualquer um de modo "imoral"); e igualmente aos lcitos (no esto na lei, mas qualquer um poder
ser somente usado dentro da moral).

5. O progresso tcnico que gerou o problema, com meios que passaram a ser invocados como
teis e, at, indispensveis para a prova de fato controvertido, mas que no eram previstos em lei,
porque o legislador, ao elaborar um Cdigo ou diploma similar, no poderia prever a inveno, como,
v. g., exame de sangue, fotografias, gravaes etc. O Cdigo de Processo Civil (LGL\1973\5) do
Brasil de 1973 estabelece, como meio de prova legtimo, expressamente no art. 383: "Qualquer
reproduo mecnica, como a fotogrfica, cinematogrfica, fonogrfica ou de outra espcie, faz
prova dos fatos ou das coisas representadas, se aquele contra quem for produzido lhe admitir a
conformidade".

6. Nota-se, assim, que o dispositivo no prev a impugnao (do adversrio da parte que requer a

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produo) de um daqueles meios fundado na obteno imoral, mas, apenas, que no esteja
conforme ou no haja "conformidade" com a realidade que representa. Assim sendo, se, em que
pese ao modo como foi obtido, o meio representa o fato ou coisa, de forma verdadeira, isso , que
seja a expresso da realidade, o mesmo no se pode deixar de admitir e ser objeto da apreciao
judicial, servindo no conjunto da prova ou, at, como nico, se outro no existir para atestar o fato ou
coisa.

7. Ningum tem o direito de encastelar-se na mentira, na omisso, na falsidade, para obter vantagem
antijurdica ou imoral, e portanto ilegal, conseguindo, no final, que lhe seja dado ganho de causa,
reconhecido um direito que, na realidade, no merece.

O caput do referido art. 383 completado com o pargrafo nico, do seguinte teor: "Impugnada a
autenticidade de reproduo mecnica, o juiz ordenar a realizao de exame pericial".

E evidente que a prova pericial a que ser submetido o meio produzido, ante a inconformidade da
parte prejudicada pelo mesmo, diz respeito apenas quanto "autenticidade" ( sic), isso , se a
reproduo exata, correta, regular, sem adulterao, como as chamadas "montagens" em
fotografias ou gravaes, intercalando falsos textos ou deturpando os existentes, para favorecer a
parte que usou do meio e, ipso facto, lesar o adversrio. De modo algum, se pode entender que a
autenticidade do meio se vincule ao modo como foi obtido, ou seja, de forma moral ou imoral. A
obteno pode ter sido imoral e, pois, ilegal, e O contedo ser a verdadeira expresso da realidade
em qualquer "reproduo mecnica" j referida ou outra que possa ser inventada, prevista na
expresso "ou de outra espcie" abrindo margem para engenhos futuros, ainda no revelados pela
cincia.

8. O juiz no pode abstrair-se de conhecer do fato e julgar conforme possa influir, isoladamente ou
no conjunto de provas, porque sua obteno foi considerada "imoral", por transgredir certos
postulados ou certas normas que amparam os indivduos, e, portanto, somente por isso, deixa de ser
eficaz para ser o litgio solvido. Se a parte dispuser apenas daquela prova, sem possibilidade de
outra, sobre fato, que, pela natureza, no enseja, normalmente, outro meio (v. g. corrupo;
adultrio; "chantagem", sempre realizados com "recato" e "sigilo", com a preocupao de ocultar o
mais possvel), a repulsa pelo juiz poder determinar uma sentena injusta e imoral, negando razo
ao que usou de meio de prova obtido "imoralmente" e dando razo ao que praticou o ato imoral e
ilegal, mas cuja prova foi considerada ineficaz por ter sido conseguida fora da moral. a negao do
ideal da justia!

9. O que importa para o juiz fazer justia, conforme sua convico na apreciao da matria de fato
(fundada em prova) ou no acolhimento das questes de direito em debate. O meio de prova somente
no pode ter eficcia ou validade se atesta algo que no existiu, mas que aparenta que existiu pelos
ardis, deturpaes, alteraes do original, como falsificar assinatura e letra, intercalar trechos, alterar
texto, porque, a sim, a atividade imoral modificou a verdade, que chegou at o juiz maculada ou, at
transformada integralmente. Nesta hiptese, no o meio atingido, mas o contedo, quanto
imprestabilidade de sentido moral.

10. A tendncia doutrinria brasileira , sem dvida, contra a validade e eficcia do meio obtido
contra a "imoral", seguindo, alis, a corrente dominante no estrangeiro. A nossa jurisprudncia se
mostra ainda vacilante, havendo julgados de Tribunais de Justia a favor da admissibilidade,
conforme circunstncias especiais do caso, mas, recentemente, o nosso STF, em dois respeitveis
arestos, no considerou vlida e determinou que o Juiz proferisse sentena com os meios de que
dispusesse, afastado o no considerado moralmente legtimo... Parece que, pela situao da causa
e pela natureza dos fatos, o autor ficou sem prova alguma e, portanto, deve ter perdido a causa. 1
Enquanto isso, o ru, que violou preceitos de direito material, que so a base da luta judiciria, para
dar a vitria parte que merece, mas cuja infringncia no pode ser "moralmente" provada, ganhou
a causa, contra todos os postulados ticos que devem nortear a prestao jurisdicional, colocando o
aspecto formal em segundo plano desde que o objetivo fazer justia.

11. Se o ato for ilegal, como invaso de domiclio ou violao do decantado direito privacidade,
ento que o infrator seja responsvel civil e, at, criminalmente, por seu ato ilcito e delituoso,
conforme o ordenamento aplicvel. Os direitos assegurados pela Constituio Federal (LGL\1988\3),
como no Brasil, incluindo vedando a violao de correspondncia, no podem ter o dom, e nem
isso foi pretendido pelo legislador mximo, de colocar obstculo invencvel ao que possa ser

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favorecido por meio de prova que, aparentemente, atente contra aqueles preceitos bsicos, e, por via
de conseqncia, favorecer o que somente levanta a "imoralidade" na obteno do meio, mas nada
ope autenticidade e veracidade dos fatos que o mesmo atesta. Um direito no pode servir para
ser uma injustia cometida. Configurar-se-ia, no mnimo, aquela expresso to usada,
universalmente, mas sem sentido lgico "abuso de direito": se abuso, no direito, se direito, no
h abuso. Mas seu alcance compreendido, na falta de outra forma de conceito da anmala
situao jurdica.

12. No Brasil, ou em qualquer outro pas em que j exista regra igualou similar ao citado art. 383 do
CPC (LGL\1973\5) (item 5) , o juiz dever dar valor ao contedo do meio de prova, indiferentemente
ao modo como foi obtido, ainda que com violao de certos direitos conferidos em lei ordinria e,
mesmo, na Constituio Federal (LGL\1988\3), se disso puder resultar sentena injusta, vencido o
infrator, que ficou sem prova, e vencedor o verdadeiro mprobo pela transgresso de normas e
preceitos de Direito Material. Para evitar porm a controvrsia, cujos resultados so ainda contra
aquele que se sentiu obrigado a obter "imoralmente" (admita-se) meio de prova contra o adversrio,
que ficou com as honras de vencedor na sentena (?), o melhor ser preceito legal expresso,
formulado segundo a tcnica e os costumes de cada ordenamento, considerando eficaz e vlido o
meio, seja qual for o modo como foi obtido, salvo se revelar evidente afronta pessoa como ser
humano e, no apenas, como violao de direitos imponderveis, importantes, mas, no caso,
secundrios para ser feita justia, porque no afetam diretamente o indivduo em sua integridade
fsica e psquica, como quando ocorrem, v. g., torturas, aplicao de drogas que, cientificamente,
possam perturbar a conscincia e mente da vtima etc.

A soluo, portanto, acima apontada sem oferecer a redao de qualquer texto respectivo, pois isso
tarefa do legislador, procurando subsdios na contribuio doutrinria poder conciliar as duas
correntes: a ortodoxa, que nega a produo, e a liberal, que admite, embora com reservas, conforme
as circunstncias do caso, mas impondo responsabilidade a quem se utilizar de meio que no seja
"moralmente legtimo", se houver infringncia de norma legal a respeito da atividade desenvolvida.

13. A luta judiciria no um duelo, nem um jogo em que cada litigante se pode utilizar dos meios
que melhor lhe assegure a vitria. O juiz no pode ficar sujeito a essas maquinaes interesseiras
para sentenciar, dando um veredictum falso se comparado com a realidade dos fatos. Fazer justia
o ideal do magistrado, desde que possa conhecer lisamente, em seu contedo, todos os fatos
debatidos; para aplicar a lei a favor de quem a merea. Se o fato existe, mas deixa de ser conhecido,
por aspectos meramente formais, e isso influir no julgamento, no haver justia, no sentido
alcandorado do termo, mas embuste dos mais graves, porque se revela sob o plio, embora
conspurcado, do Poder Judicirio.

PRINCIPAL BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

Amaral Santos, Moacyr, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, 3. ed., v. 2./290, n. 599:
Comentrios ao Cdigo de Processo Civil (LGL\1973\5), v. IV, 3 ed., Forense, art. 332.

Barbosa Moreira, Jos Carlos, Temas de Direito Processual, 2. srie, p. 4, n. 4; "O juiz e a prova",
REPRO 35/178; voto, como relator, no AI 7.111, acrdo de 28.11.63, in Revista Brasileira de Direito
Processual, 43/137, e in RF 270, admitindo a prova clandestina.

Cappelletti, Mauro, "La testimonianza della parte nel sistema delloralit"; e "Eficcia de pruebas
ilegtimamente admitidas y comportamiento de la parte",in La Oralidad y Ias Pruebas en el Proceso
Civil, p. 138, trad. castelhana.

Costa Jnior, Paulo, O Direito de Estar S: Tutela Penal da Intimidade, ed. RT, 1979.

Couture, Eduardo J. Fundamentos del Derecho Procesal Civil, 1. ed., 1942 e 3. ed. pstuma.
Echandia, Hernando Devis, "Pruebas ilcitas", in REPRO 32/82.

_____. Compendio de Derecho Procesal, 4. ed., v. II.

Grinover, Ada Pellegrini, Liberdades Pblicas e Processo Penal As Interceptaes Telefnicas, 2.


ed. atualizada.

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Machado de Campos, Jos Rubens, Das Interceptaes Telefnicas Fonte de Prova Moralmente
Legtima? in RF 286/81.

Marques, Jos Frederico, Manual de Direito Processual Civil, v. II.

Pallares, Eduardo, Derecho Procesal Civil, 4. ed.

Pestana de Aguiar, Joo Carlos, Comentrios ao Cdigo de Processo Civil (LGL\1973\5), v. IV


(coleo RT); e "A Crise da Privacidade e os Meios de Prova", in RF 252/68.

Pina, Rafael e Jos Castillo Larrafiaga, Derecho Procesal Civil, 8. ed. revista e atualizada.

Pontes de Miranda, Comentrios ao Cdigo de Processo Civil (LGL\1973\5), 2. ed., v. IV.

Santos, Emane Fidlis dos, Comentrios ao Cdigo de Processo Civil (LGL\1973\5), v. III.

Vescovi, Enrique, Premisas para Consideracin del Tema de Prueba Ilcita, separata da Revista de
Derecho Procesal Iberoamericana, n. 2, Abril-Junho de 1970.

* Escrito a convite do "Instituto de Investigaciones Jurdicas Universidad Nacional Autnoma",


Mxico, para a coleo de "Estudos em Homenagem a Hctor Fix Zamudio", ao ensejo do 30.
aniversrio de sua atividade naquela entidade.

1. RTJ 84/609 e 110/798, acrdo de 11.11.77 e de 22.6.84. RE 85.439 (2. T.) e 100.094 (1. T.).

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