A Igreja e o Convento de Vilar de Frades
A Igreja e o Convento de Vilar de Frades
A Igreja e o Convento de Vilar de Frades
Barcelos
1998
JOAQUIM ALVES VINHAS
Barcelos
1998
2
Aos meus familiares e amigos
3
PREFCIO
5
NOTA PRELIMINAR
de Frades, teve o seu incio no Outono de 1992, durante o primeiro curso de mestrado em
Ao longo dos quatro anos que se seguiram, fomos favorecidos pela colaborao de
diversas personalidades, que muito contriburam para o resultado final. Ser pois de toda
Antes de mais, agradeemos ao Revm Padre Aurlio Ribeiro Soares, ento proco
de S. Joo de Areias de Vilar e ao sacristo Sr. Manuel Pinheiro Ferreira, que nos
receberam sempre de braos abertos aquando das nossas visitas igreja e ao que resta do
Soares Arajo, Sr. D. Maria da Costa Martins e Sr. D. Lenida Rebelo Gomes,
Rodrigues, com quem muito dialogmos sobre a matria em estudo; Ana Carvalheira;
6
acompanhou nas visitas a Areias de Vilar, e ao Davide Barbosa, que nos deu um apoio
Oliveira, que nos facultou informaes importantes - das quais salientamos as referncias
orientou na escolha do tema e que muito nos ensinou, e a todos os Mestres que nos foram
Nas horas em que o desnimo espreitava, era um esteio do optimismo cientfico; nos
momentos mais exaltantes da nossa investigao, era o mestre comovido. Este sentido
Vilar. De facto, a publicao deste trabalho fica a dever-se ao empenho do seu presidente,
8
SUMRIO
FONTES MANUSCRITAS
PERIDICOS
BIBLIOGRAFIA
ABREVIATURAS E SINAIS
INTRODUO
CATTULO I
9
4.1. IMPORTNCIA DOS BENFEITORES: ARCEBISPOS E PAPAS, NOBRES E
MONARCAS
4.2. OS CONVENTOS DA CONGREGAO EVANGELISTA: SEU CORPO DE
RELIGIOSOS
4.2.1. CONDIES DE INGRESSO NOS CONVENTOS
4.2.2. DO NOVICIADO AO SACERDCIO
4.2.3. AS NOVE CASAS DA CONGREGAO
CAPTULO II
1. AS OBRAS NA IGREJA
1.1. A CAPELA-MOR E O TRANSEPTO MANUELINOS
1.2. DA POBREZA DO CORPO QUINHENTISTA MAJESTADE DA PORTADA
MANUELINA
2. AS OBRAS NO CONVENTO
2.1. O CLAUSTRO: SUA ESTRUTURA E FUNCIONALIDADE
2.2. DO CONJUNTO CONVENTUAL DE QUINHENTOS
2.3. JOO COELHO LOPES, MESTRE PEDREIRO DE GUIMARES, NAS
OBRAS DE 1593-1594
CAPTULO III
10
3.1. O NOVO CORPO E SEU ABOBADAMENTO: UMA OBRA DE 1620-1658
3.2. O NOVO CADEIRAL DO CORO: UMA OBRA DE ANTNIO JOO
PADILHA, MESTRE ENSAMBLADOR DO PORTO
3.3. A VARANDA DO NOVICIADO E A PORTA DA IGREJA: CONTRATO DO
MESTRE CARPINTEIRO SIMO ANTNIO, DO CONCELHO DA MAIA
3.4. A OBRA DE PEDRARIA NA CAPELA-MOR: CONTRATO DE PASCOAL
FERNANDES E JOO MOREIRA, MESTRES PEDREIROS DO PORTO
3.5. A TALHA DOURADA DOS FINAIS DO SCULO: OBRAS DE ANTNIO
GOMES E DOMINGOS NUNES, MESTRES ENTALHADORES DO PORTO
3.5.1. O RETBULO-MOR E SUA TRIBUNA
3.5.2. OS ALTARES COLATERAIS E O REVESTIMENTO DAS PAREDES DA
CAPELA-MOR
CAPTULO IV
11
5. OS CHAFARIZES
5.1. O CHAFARIZ DO CLAUSTRO
5.2. O CHAFARIZ DO TERREIRO DOS CABEDAIS
CAPTULO V
1. A IGREJA BARROCA
1.1. O INTERIOR: REMODELAO E EMBELEZAMENTO
2. AS OBRAS DOS FINAIS DO SC. XVIII E INCIOS DO SC. XIX
3. REVIVALISMO MEDIEVAL NA FRONTARIA DA IGREJA
4. A IGREJA DE VILAR DE FRADES NOS FINAIS DA POCA MODERNA
4.1. A CAPELA-MOR
4.2. O CORPO DA IGREJA
4.2.1. O TRANSEPTO: ALTARES COLATERAIS E CAPELA DO SANTSSIMO
SACRAMENTO
4.2.2. CAPELAS LATERAIS: LADO DO EVANGELHO
4.2.3. CAPELAS LATERAIS: LADO DA EPSTOLA
4.3. OS METAIS PRECIOSOS: SUA IMPORTNCIA NA DECORAO DOS
ALTARES E NO ENRIQUECIMENTO DO CERIMONIAL LITRGICO
4.4. O NARTEX INTERIOR E A PORTA PRINCIPAL
4.5. O CORO
4.6. A SACRISTIA
4.7. O CLAUSTRO
4.8. DO FRONTISPCIO DA IGREJA
CONCLUSO
APNDICE DOCUMENTAL
12
FONTES MANUSCRITAS
Pasta I
- C.D.B., of. 928
- c. do Arcebispo de 23-10-1943
- C.M.B., of. 383
- D.G.F.P./R.P., Proc. n 3678, L 6, of. A-3487-43
Proc. n 26, L 7, of. A-183-44
13
- J.P.A.M.V., c. 1931
- Ofs. ns 11, 12, 28, 38, 61, 251, 254, 266, 297, 338, 380, 383, 388, 390, 407, 514,
568, 678, 701, 744, 769, 787, 823, 866, 898, 924, 4046
- O.S. ns 163, 181, 258, 271, 350, 354, 380, 628, 765, 881, 1164, 1414, 2198, 2482,
2995, 3039, 3333, 3391, 3457
- P.A.P. (cinco Propostas de Ajuste Particular)
- P.V., c. 1941
- Proc n 62, est. 1937;
est. 1944
- Rt n 1
Arquivo Histrico do Ministrio das Finanas - Cat. n 439, Cx. 2264, docs. 5, 8, 10 e
2345.
ndice Geographico das Cidades, Villas, e Parochias de Portugal conteudas nos 43
volumes manuscritos do Dicionrio Geographico existente na Bibliotheca da Senhora
das Necessidades. Lisboa, 1832 - Vol. 41, Mc. 288.
Vilar de Frades, Convento de So Salvador - L 1, Cx. 1, Conv. Diversos-n 25.
Ms. 1272 - Henrique Duarte e Sousa Reis, Apontamentos para a Historia Antiga e
Moderna da Cidade do Porto, Vol. IV, 1865.
14
PERIDICOS
O Comrcio de Barcelos
Correio do Minho
Jornal de Barcelos
BIBLIOGRAFIA
15
ALMEIDA, Fortunato de - Histria da Igreja em Portugal, Vol. I, Porto, Ed.
Portucalense, s/d..
16
BRANDO, Domingos de Pinho - Obra de Talha Dourada, Ensamblagem e Pintura na
Cidade e Diocese do Porto. Documentao I, sculos XV a XVII, Porto, 1984.
CASTRO, Joo Baptista de - Mapa de Portugal, Tomos I e III, Lisboa, 1745 e 1747.
CORREIA, Verglio - A Arte do Ciclo Manuelino, Obras, Vol. II, Coimbra, 1949.
17
DIAS, Geraldo J. A. Coelho - Religiosidade Popular e seus Arqutipos Fundamentais no
Concelho de Barcelos, in "Barcelos-Revista", II Srie - N 5, Edio da Cmara
Municipal de Barcelos, 1994.
18
Sculos XVII e XVIII, in "Actas do I Congresso Internacional do Barroco", Porto,
1991.
Galeria das Ordens Religiosas e Militares desde a mais remota antiguidade at nossos
dias, Tomo II, Porto, 1843.
19
GODINHO, V. Magalhes - Estrutura da Antiga Sociedade Portuguesa, 4 edio,
Lisboa, Arcdia, 1980.
GIS, Damio de - Chronica do Prncipe D. Joam, Rey que foi destes Reynos, Lisboa,
1724; Chronica do Serenissimo Senhor Rei D. Emanuel, Coimbra, 1790.
Histria da Arte Portuguesa (dir. Paulo Pereira), Vols. I-III, Crculo de Leitores, 1995.
Histria de Portugal (dir. Jos Mattoso) - Vols. III e IV, Lisboa, Crculo de Leitores,
1993.
20
HOLANDA, Francisco de - Da Pintura Antiga (Introduo e notas de Angel Gonzlez
Garcia), Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1983.
KUBLER, George e SORIA, Martin - Art and Architecture in Spain and Portugal and
their American dominions. 1500-1800, Penguin Books, Harmondsworth, 1959.
21
Braga, no Sculo XV, Sep. da Bracara Augusta, Vol. XXXV, Braga, 1981; A
Extino do Mosteiro de Manhente, Separata da Barcelos-Revista, Barcelos,
1985; A Arquidiocese de Braga no Sculo XV, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa
da Moeda,1988.
22
OLIVEIRA RAMOS, Lus A. de - Uma Arcada Historiada de Vilar de Frades, Sep. das
Actas do III Colquio Portuense de Arqueologia (Lucerna - Vol. IV - 1965).
23
RIEGL, Alois - El Culto Moderno a los Monumentos. Caracteres y Origen, Madrid,
Visor, 1987.
SANTOS, Cndido Augusto Dias dos - Os Jernimos em Portugal. Das Origens aos fins
do Sculo XVII, Porto, 1980.
24
SANTOS SIMES, J. M. dos Azulejaria em Portugal no sculo XVIII, Lisboa,
Fundao
Calouste Gulbenkian, 1979.
SERRO, Joaquim Verssimo - Histria de Portugal, Vols. III-V, Lisboa, Ed. Verbo,
1978.
25
ZEVI, Bruno - Architectura in Nuce. Uma definio de Arquitectura, Lisboa, Edies 70,
1986.
ABREVIATURAS E SINAIS
ARQUIVOS
A.D.B. - Arquivo Distrital de Braga
A.D.G.E.M.N./D.R.E.M.N. - Arquivo da Direco Geral dos Edifcios e Monumentos
Nacionais/Direco Regional dos Edifcios e Monumentos do Norte
A.D.P. - Arquivo Distrital do Porto
A.H.M.F. - Arquivo Histrico do Ministrio das Finanas
A.N.T.T. - Arquivo Nacional da Torre do Tombo
26
F.C.S.H.U.N.L. - Faculdade de Cincias Sociais e Humanas da Universidade Nova de
Lisboa
Fig. - Figura
fl. - folio
fls. - flios
F.L.U.P. - Faculdade de Letras da Universidade do Porto
J.P.A.M.V. - Junta da Parquia de Areias e Madalena de Vilar
L - Lios
L - Livro
Mc. - Mao
Mc. - Microfilme
Ms. - Manuscrito
Mss. - Manuscritos
N - Nmero
n - nmero
ns - nmeros
Ob. cit. - Obra citada
of.(s) - ofcio(s)
O.S. - Ordem de Servio
p. - pgina
pp. - pginas
P.A.P. - Proposta de Ajuste Particular
Proc - Processo
Publ. - Publicao, publicaes
Rt - Relatrio
Sc. - Sculo
s/fl.(s) - sem folio(s)
Seg. - Segundo
Sep. - Separata
v. - verso
Vol. - Volume
Vols. - Volumes
27
(...) - Omisso de palavra ou palavras ilegveis no documento
[...] - Omisso de texto numa citao documental ou bibliogrfica
INTRODUO
O presente estudo teve como objectivo principal, desde que o inicimos no Outono de
1992, contribuir para um melhor conhecimento da dimenso arquitectnica e artstica da
igreja e do antigo convento de Vilar de Frades, a primeira casa-me da Congregao dos
Cnegos Seculares de S. Joo Evangelista - Lios.
As suas balizas cronolgicas coincidem genericamente com a fundao e a extino
desta Ordem Religiosa: 1425-1834.
No nos foi possvel encontrar todas as respostas para as perguntas que amos
formulando ao longo do percurso metodolgico encetado: umas suscitadas pelo trabalho
de campo realizado - foram inmeras as visitas igreja e ao antigo convento -, outras
pelas meias-verdades contidas em fontes manuscritas e impressas, de grande valor, alis,
porque nos esclareceram sobre diversos aspectos da vida conventual e da mentalidade dos
religiosos.
(8) S a leitura visual dos edifcios, confrontada com os registos documentais e bibliogrficos, nos
permite uma compreenso plena de certas fissuras e cicatrizes que ocorrem no decurso das construes
arquitectnicas, sobretudo nos conjuntos conventuais, cujas obras esto muitas vezes condicionadas pelo
pulsar econmico dos encomendadores.
(9) Uma boa parte do que hoje sabemos acerca dos lios deve-se, sem dvida, s obras de Jorge de S.
Paulo (1658) e de Francisco de Santa Maria (1697).
(10) "Hum convento admiravel e magestozo mui celebre na provincia de Entre Douro e Minho, e muito
mais nomeado e de maior fama em os mais de Portugal" - A.D.B. - Ms. 924, fl. 335.
A duas lguas a Ocidente de Braga e a pouco mais de meia para Oriente de Barcelos, "nas fraldas da
serra, ou monte de Ayr, a pouca distancia do rio Homem, & Cavado, est fundado o convento de Villar,
em sitio o mais alegre, & aprasivel, que pde formar a naturesa, & idear a imaginao. Apparecem no
circuito do convento dilatados campos, nos quaes, a qualquer parte, que se lance a vista, tem muito por
onde se estender, & muito em que se divertir: j no crystallino das aguas, j na verdura, e louana das
pltas, j no ameno, & frondoso das devesas, compostas de castanheiros, & carvalhos [...] A cerca, &
tapado se dilato na circunferencia do convento quasi huma legoa, povoada de infinitas arvores [...] Na
cerca ha muitas ruas de parreiras, ciprestes, buxos, platanos, murta, & de todo o outro genero de arvores,
que servem com as sombras para o fresco, com os fruttos para o gosto, com as flores para o olfato, & com
a verde, & inquieta confuso das folhas, & dos ramos para o agrado, & delicia dos olhos. He aqui por
extremo deliciosa em seus tempos a suave armonia dos passarinhos, a cuja musica serve de fundamento o
rudoso susurro de huma ribeyra, que atravessa pelo meyo da cerca, com outras fontes, de cuja agua se
alimenta huma dilatada, & fecundissima horta.
Em differentes lugares da mesma cerca ha cappelinhas de varios Santos, cousa muy perfeita, de
conchas, & pedrinhas refulgentes, dispostas com admiravel artificio, & brincadas com engenhoso primor:
a do Presepio he singular entre todas pela valentia, & propriedade das figuras" - SANTA MARIA,
Francisco de - Ob. cit., pp. 373-374.
29
de Areias, dando-lhe uma feio peculiar, histrica, esttica e cultural, de inegvel
riqueza e que urge conservar.
As qualidades do lugar so elogiadas por toda a bibliografia, depois dos relatos
apaixonados dos cronistas. Ora, como sabido, o stio desempenha um papel
fundamental na implantao da arquitectura e, "sem dvida que um qualquer monumento
arquitectnico marca o lugar onde est implantado, recriando ntimas relaes com o
stio. A sua envolvncia faz parte da sua memria histrica e esttica" (11).
"Depuis le dbut des temps, lhomme s'est rendu compte que le fait
de crier un lieu signifie exprimer l'essence de l'tre.
L'univers artificiel dans lequel il vit n'est pas seulement un
instrument pratique, ou le rsultat d'vnements arbitraires, mais il
possde une struture et il incarne des significations qui refltent sa
manire de ressentir le milieu naturel et la situation existentielle en
gneral" (12).
(11) FERREIRA DE ALMEIDA, Carlos Alberto - Patrimnio - Riegl e Hoje, Sep. da Revista da
Faculdade de Letras, II srie, Vol. X, Porto, 1993, p. 410.
(12) NORBERG-SCHULZ, Christian - Genius Loci. Paysage-Ambience-Architecture, Bruxelles, Pierre
Mardaga diteur, 1981, p. 50.
(13) ntida a desvalorizao social daqueles que riscaram ou dirigiram as obras (j para no falarmos do
pessoal menos qualificado), pois muito raramente os cronistas registam os nomes dos artistas nas suas
crnicas, cuja finalidade da escrita destacar a aco despesista de determinados reitores e protectores do
convento e a sobrevalorizao da sua igreja.
30
Frequentemente deparmos com os registos de uma memria fantasiada, sobretudo
pela mo dos cronistas particularmente preocupados com enaltecer os feitos dos seus
heris e dos reitores que mais embelezaram a igreja e enriqueceram o seu convento (14).
Acresce que nem sempre a organizao e funcionamento dos arquivos foram factores
facilitadores da investigao. O registo notarial de Barcelos, do Arquivo Distrital de
Braga, encontrava-se deficientemente organizado... dezenas e dezenas de livros do
cartrio do extinto convento de Vilar de Frades estavamo espalhados entre as muitas
centenas de exemplares dos vrios tabelies barcelenses. Tanto mais que o que resta do
antigo cartrio do convento, disseminado nos fundos notarial e monstico referidos, no
nos fornece a memria completa atinente ao cabal esclarecimento do nosso objecto de
estudo.
Oxal o futuro possa completar a histria arquitectnica e artstica da igreja e do
convento de Vilar de Frades que, necessariamente, fica incompleta.
(14) Tivemos sempre o cuidado de tentar distinguir quando os cronistas falavam verdade e quando se
deixavam conduzir pelos esquemas mentais inerentes s suas crenas e s reminiscncias da crise religiosa
31
CATTULO I
(15) "Les avis, il est vrai, divergent considrablement, e les dates avances vont de 1070 au dbut du
XIIIe sicle. Toutefois, en prenant comme point de repre l'attribution du couto par Sancho I (1185-
1211) et en compte des caractristiques des lments conservs, qui en font une oeuvre de stlyle roman
avanc, on pourrait considrer le dernier quart du XIIe sicle comme priode probable de sa ralisation" -
GRAF, Gerard N. - Portugal Roman, (traduo do alemo por G. Schecher), Paris, Zodiaque, 1987, p.
325.
33
primorosa, e para a qual, apesar dos retoques posteriores, no
concorreu smente a melhor qualidade da pedra" (16).
Em 1964, o professor Oliveira Ramos defendia que o que restava da primitiva igreja
romnica deveria datar do segundo quartel do sculo XII (17).
J em 1978, dizia o professor Ferreira de Almeida que o portal de Vilar de Frades, tal
como pode ser observado, constitui uma adaptao da poca romnica, como a sua
arcada interior bem mostra [...] possivelmente no so originais algumas impostas" (18). E
acrescentava: "Temos tambm dvidas sobre a adaptao da janela alta que a vemos"
(19).
(16) BARREIROS, Manuel de Aguiar - A Egreja de Villar de Frades, Porto, Edio Marques de
Abreu, 1919, p. 9.
Informa este autor que, "disseminados pelas hortas e ruinas do Convento encontram-se ainda alguns
capiteis e bases romanicas" - Idem, Ibidem (nota 4).
(17) OLIVEIRA RAMOS, Lus A. de - Uma Arcatura Historiada de Vilar de Frades, Sep. das Actas do
III Colquio Portuense de Arqueologia, Porto, 1965, p. 6.
(18) FERREIRA DE ALMEIDA, Carlos Alberto - A Arquitectura Romnica de Entre-Douro-e-Minho,
Vol. II, Tese de doutoramento apresentada na F.L.U.P, Porto, 1978, p. 150.
(19) Idem, Ibidem.
(20) Admitimos a hiptese desta janela ter como base a reutilizao de pedras do possvel portal lateral,
que comunicava com o claustro medievo. Quanto ao antigo prtico axial, sabido que houve adaptaes
nas arquivoltas, nos incios do sculo XIX.
(21) A.D.B. - Ms. 924, fl. 780.
34
A inexistncia de vestgios materiais anteriores ao perodo romnico e a escassez de
fontes escritas (22), tm impedido os investigadores de descerem s origens do mosteiro
beneditino de Vilar de Frades. Data de 1059 a mais antiga referncia que se conhece (23),
embora tenha sido divulgada uma lendria carta do beneditino frei Drumrio que,
segundo frei Leo de So Toms, teria sido escrita em 7 de Outubro de 571, missiva que
dataria a fundao do mosteiro de S. Bento, por S. Martinho de Dume, em 566 (24).
Ao mergulhar a fundao dos mosteiros beneditinos na conturbada Alta Idade Mdia,
frei Leo de So Toms pe em relevo o papel de S. Martinho de Dume, prelado da Igreja
de Braga entre 570-583 (25):
(22) Para alm de escassas, as fontes de que dispomos no nos permitem um olhar seguro sobre a
fundao do antigo cenbio de S. Bento.
(23) MARQUES, Jos - A Arquidiocese de Braga no Sculo XV, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da
Moeda, 1988, p. 652.
Cf. MATOS, Sebastio - Areias de Vilar. Das suas origens, Sep. da Barcelos Revista, N 2 - srie II,
Edio da Cmara Municipal de Barcelos, 1985, p. 4.
(24) SO TOMS, Frei Leo de - Benedictina Lusitana, Tomo I, p. 358v..
(25) A.D.B. - Ms. 1054, fl. 21.
Cf. SENNA FREITAS, Bernardino Jos de - Memorias de Braga Contendo Muitos e Interessantes
Escriptos Extrahidos e Recopilados de Differentes Archivos, Tomo I, Braga, Imprensa Catholica, 1890,
pp. 80 e 83.
(26) SO TOMS, Frei Leo de - Ob. cit., p. 358v..
D. Rodrigo da Cunha (arcebispo de Braga em 1627-1635), legou-nos sobre o assunto o seguinte
registo: "Vargense, Magnatense, foro a principio mosteiros, e ambos fundados por S. Martinho; o
primeiro se chamou S. Bento da Varsea, uma legoa de Barcellos: he hoje Igreja parochial unida ao
mosteiro de Villar de Frades, por renuncia, que delle fez o Abbade Vasco Roz chantre desta S varo de
muita virtude, e santos exemplos, foi dos primeiros Conegos Regulares (sic), que neste Reino florescero,
35
Foi provavelmente o conhecimento que tinha desta carta (caso ela tenha realmente
existido), ou seguindo a sua suposta publicao na obra de frei Leo de So Toms, que
Jorge de So Paulo (27) defendeu em 1658 (28), que o mosteiro de Vilar de Frades
estivera sob a Regra de S. Bento desde 566 (29) at 714, altura em que este antigo cenbio
teria sido destrudo pelas invases muulmanas (30).
A investida destruidora dos mouros teria provocado o desaparecimento dos vestgios
materiais, apagando os testemunhos da existncia do mosteiro beneditino anterior aos
incios do sculo VIII (31).
Uma vez reconstrudo o velho conjunto monasterial, nele voltar a imperar a Ordem
beneditina, entre 1070 e 1425 (32).
A reconstruo dos sculos XI-XIII ter-se- devido aco de nobres locais,
designadamente de D. Godinho Viegas e seus descendentes, que se destacaram na luta
pela Reconquista Crist e pela Independncia de Portugal, ao lado dos primeiros
viveo no reinado de Dom Affonso o Quinto, e em Villar de Frades est sepultado. So Martinho de
Manhente se unio tbem no mesmo tempo, pello mesmo Arcebispo Dom Fernando da Guerra a Villar de
Frades: era ento abbadia secular, e nesta frma persevera hoje, com seu vigairo, que administra os
Sacramentos aos freiguezes: dista pouco espao do mesmo mosteiro" - CUNHA, Dom Rodrigo da - Da
Historia Ecclesiastica dos Arcebispos de Braga e dos Santos Vares Ilustres, que florescero neste
Arcebispado. 1634, Braga, 1989, pp. 319-320.
(27) Cronista da Congregao dos Cnegos Seculares de So Joo Evangelista, vulgo Lios, Jorge de So
Paulo nasceu em Lisboa, filho de Felicio Rodrigues e Catarina Carvalho e no sculo tinha o nome de
Jorge de Carvalho - SO PAULO, Jorge de - Histria da Rainha D. Leonor e da fundao do hospital
das Caldas, Lisboa, Tipografia da Empresa Nacional de Publicidade, 1928, p. 7.
Jorge de Carvalho, tendo "a idade competente entrou na Congregao em 3 de Julho de 1609; e foi
novio nesta Caza de Villar de Frades. Ja contava 6 annos de habito, quando no de 1615 foi mandado para
o curso de Filozofia, que na caza de Arraiolos leo o padre mestre Manoel da Asceno" - MAGANO,
Fernando - A respeito e em respeito da congregao de Vilar de Frades - O "Compndio" do padre Jorge
de S. Paulo (manuscrito da Biblioteca de Braga), in "Boletim do Centro de Estudos Humansticos"
(Anexo Universidade do Porto), Vol. III, N 1, Porto, 1956, p. 10.
(28) Na sua obra manuscrita, depositada no Arquivo Distrital de Braga: "Eplogo e compendio da origem
da Congregao de Sam Joam Evangelista e do nacimento, vida e morte dos seus trs fundadores. Da
dundaam dos nove conventos, das suas rendas; encargos; e prelados; e dos onze hospitaes da sua
administrao; e de outras memorias, composto e escrito pello padre mestreJorge de Sam Paulo sendo
geral o reverendissimo padre Manoel da Madre de Deos, ambos naturaes da cidade de Lisboa corte del
rei Dom Joo quarto felecissimo restaurador deste reino de Portugal. 1658" - A.D.B. - Ms. 924 .
(29) Ano da suposta fundao, por S. Martinho de Dume - A.D.B. - Ms. 924, fl. 306.
(30) Idem, Ibidem.
(31) "Arruinado pellos mouros sem vestigios de mosteiro - 356 annos. Des o anno de 714 ate o de 1070" -
Idem, Ibidem.
(32) Idem, Ibidem.
36
monarcas, de quem recebem em troca determinados favores e privilgios, entre os quais a
elevao do mosteiro a terra coutada (33).
(33) "As concesses de coutos, frequentes entre os sculos IX e XIII como expresso clssica do regime
senhorial (e a que correspondem, alm-Pirenus, as cartas de imunidade), implicavam, como privilgio
mais importante, a proibio de entrada de funcionrios rgios (juizes, meirinhos, mordomos, etc.) na
terra coutada. Alm disso, escusavam-se, em geral, os seus moradores de cumprir servio militar no
exrcito do rei, de solver tributos pecunirios ou braais ao monarca, de pagar multas aplicadas ao fisco,
etc." - OLIVEIRA MARQUES, A. H. de - Couto, in Dicionrio da Histria de Portugal (dir. Joel Serro),
Vol II, Porto, Livraria Figueirinhas, 1989, p. 225.
(34) A.D.B. - Ms. 924, fl. 307.
(35) Idem, Ibidem.
(36) Idem, Ibidem.
37
Dume So Martinho pellos annos de Christo de 566 (37) e ao infante
D. Pedro pella reedificao por D. Godinho Viegas pellos annos de
Christo de 1070 [...] o que me parece he que este convento de Villar
quando hera governado pellos abbades de So Bento depois da
reedificao tinho seus padroeiros sucessivos; e o primeiro como
reedificador foi D. Godinho Viegas a que socedero seus filhos no
padroado e netos que seria este D. Pedro Salvadores que por seus
particulares servios feitos a el rei D. Afonso Henriques pederia em
satisfao a el rei D. Sancho seu filho lhe coutasse o dito convento
de Villar, como consta da carta referida" (38).
A me deste protector, Dona Gotinha, filha de D. Nuno e Dona Adosinda (39), ter
contribuda para o crescimento econmico do convento, ao fazer-lhe a doao de uma
propriedade rstica de Santiago de Encourados, nos incios do sc. XII:
"Attendendo obra pia e santa que tinha feito seu filho quiz
tambem accrecentar a renda do restaurado convento com lhe fazer
doao de huma herdade que possuia em Encourados pellos annos
de Christo de 1104" (40).
(37) Sebastio Matos chama a ateno para o facto desta datao carecer de provas documentais, "pois
nem elementos escritos, nem quaisquer outros vestgios nos permitem concluir por tal antiguidade" -
MATOS, Sebastio, - Ob. cit., p. 2.
(38) A.D.B. - Ms. 924, fl. 307.
Cf. SO TOMS, Frei Leo de - Ob. cit., p. 406.
Cf. SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., pp. 362-364.
(39) A.D.B. - Ms. 924, fl. 307.
38
Frades, e irmo de D. Troicozendo Guedes, o que fundou Pao de
Sousa. E ambos elles filhos de D. Guido Arnaldes, e netos de D.
Arnaldo de Bayo, segundo affirma o conde D. Pedro em seu
nobiliario titulo 42" (41).
Apoiados na tradio - que muito valorizamos, mas que nem sempre constitui
certificado de certeza -, o manuscrito de Jorge de So Paulo e toda a bibliografia
tradicional, fizeram recuar at segunda metade do sculo VI a fundao do mosteiro de
S. Bento.
No ltimo tero do sculo XIX, Arnaldo Gama reflecte na literatura o legado da
tradio escrita e oral:
(40) "A qual doao refiro aqui por antiquissima, e por se considerar o latim macarronico uzado nas
escrituras daquelle tempo" - Idem, fl. 306.
(41) SO TOMS, Frei Leo de - Ob. cit., p. 406.
(42) GAMA, Arnaldo - O Sargento-Mr de Villar, Vol. I, 2 edio, Porto, 1885, p. 10.
(43) Posteriormente, a fuso das 3 freguesias - Santa Maria Madalena de Vilar, S. Joo Baptista de Areias
de Vilar e S. Salvador de Vilar de Frades - resultou na que mantm o nome de S. Joo de Areias de Vilar -
Cf. FONSECA, Teotnio da - O Concelho de Barcelos Aqum e Alm-Cvado, (Reproduo fac-similada
da edio de 1948), Vol. II, Barcelos, Companhia Editora do Minho, 1987, pp.27-29.
39
partir de 1425 - no contexto da reforma pastoral e monstica de D. Fernando da Guerra -,
herdaram toda a riqueza espiritual (a riqueza material, como veremos, era reduzida) do
longnquo passado beneditino.
FOTO 2
Parte superior da portada de acesso ao terreiro dos cabedais
do convento, com a imagem de S. Joo Evangelista (sc.
XVII).
(46) "Em quanto aos nomes com que esta Congregao foi, & he conhecida em Portugal; o primeiro que
teve foi o dos Bons Homens de Villar, antonomasia, a toda a luz, gloriosa, da qual se fisero dignos os
nossos Conegos, & a logrro por muitos annos, pela virtuosa, exemplar, & santa vida, em que florecro
nos seus principios. Achose ainda hoje muitas doaes, & testamentos, nos quaes muitas pessoas de
authoridade, & supposio: Deixam [dizem] aos Bons homens de Villar, tal, ou tal propriedade" -
SANTA MARIA, Francisco de - O Ceo Aberto na Terra, Lisboa, 1697, p. 235.
(47) Idem, Ibidem.
Ver LANCASTRE, Maria do Carmo Henriques de - A Igreja do Convento de Vilar de Frades
segundo as Memrias do Padre Jorge de So Paulo (1658), Sep. da Barcelos Revista, N 2 - srie II,
Edio da Cmara Municipal de Barcelos, 1991, pp. 169-170.
(48) "Depoes pela devoo, que a Rainha D. Isabel, mulher de D. Affonso V insigne protectora nossa,
teve ao Evgelista, ordenou o Ptifice Pio II instancia del-Rey D.Affonso V [que pedio esta graa por
contemplao, & respeito da Rainha sua mulher] que se chamasse de S. Joo Evgelista, & este he o seu
proprio nome: Congregao dos Conegos Seculares de S. Joo Evgelista" - SANTA MARIA, Francisco
de - Ob. cit., p. 235.
41
Todavia, viria a designar-se por Ordem dos Lios, com a transferncia da sede para
Lisboa, em Santo Eli, vindo tal designao popular a merecer o seguinte reparo de
Francisco de Santa Maria: "por abuso he chamada de S. Eloy, costume vulgar deste
reyno, dar s religies o titulo derivado de algum principal mosteyro" (49).
Por outro lado, os lios eram tambm conhecidos por Cnegos Azis "derivando-se a
estravagancia deste appellido, da singularidade da cor do habito" (50).
Fundada em 1425 sobre as runas do antigo mosteiro beneditino de Vilar de Frades, a
Congregao dos Cnegos Seculares de So Joo Evangelista viria a implantar-se em
vrias regies do territrio nacional (51), ao longo do sculo XV e incios do sculo XVI,
sob o apoio e proteco de papas e de arcebispos bracarenses (a quem os padres se vo
opor, sempre que os seus direitos e interesses estiverem ameaados), mas tambm de
nobres e monarcas.
Como teremos ocasio de verificar, estes cnegos evangelistas, orgulhosos da sua
casa-me sita em Vilar de Frades, contam antes de mais com a proteco da Santa S e a
benignidade dos arcebispos de Braga, que os beneficiam atravs da anexao de 13
igrejas de S. Salvador de Vilar de Frades, entre 1425 e 1510.
Atente-se desde j no seguinte apontamento:
"O nome de Santo Eloi lhe rezultou da caza que tem na corte de
Lisboa; o de Evangelista, he por que tomaro a S. Joo
Evangelista por seu protector, e o seu verdadeiro instituidor e
fundador foi S. Loureno Justiniano. Foi este Sancto o primeiro
que se chamou patriarca de Veneza. Tambem o chamo
fundador da Congregao dos conegos nominados de S. Jorge de
Alga de quem somaro o nome os assima ditos. Entraro, estes
padres neste arcebispado no tempo do arcebispo D. Fernando,
que lhes deu a caza e antigo mosteiro de Villar de Frades, que
inda hoje possuem, e he huma respeitavel collegiada: o seu reitor
FOTO 3
Parte superior do portal do terreiro da igreja, com a imagem
de S. Loureno Justiniano (sc. XVII)
Entretanto, nem tudo estaria a correr bem nos Olivais j que, por obra "do espirito
maligno", o prior da igreja deu ordem de sada aos religiosos que abrigara, o que
constituiu uma ameaa aos progressos dos congregacionistas: Joo Anes refugia-se do
mundo na serra de Ossa, onde levar uma vida de ermito at morte; Loureno Anes
regressa sua igreja de So Julio; Rodrigo Amado volta para o hospital de Santo Eli;
Afonso Pedro e Martim Joo regressaram, enfim, s suas antigas ocupaes (62).
FOTO/GRAV. 4
Mestre Joo Vicente, fundador da Congregao dos Cnegos
Seculares de S. Joo Evangelista (futuro bispo de Lamego e
de Viseu)
busca na cidade dos arcebispos o apoio indispensvel fundao da nova Congregao - Cf. SANTA
MARIA, Francisco de - Ob. cit., pp. 216-217.
(67) Idem, Ibidem.
A.D.B. - Ms. 924, fl. 331.
(68) SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., pp. 217-218.
(69) Julgamos tratar-se do cnego que nos aparece como reitor entre 1472-1477 e 1480 - Cf. Lista dos
Reitores do Convento de Vilar de Frades..., no final deste Captulo.
(70) Ver LANCASTRE, Maria do Carmo Henriques de - Ob. cit., p. 199.
(71) Idem, Ibidem.
46
Joo Vicente ter encontrado o antigo mosteiro bento "mui dannificado com a claustra
velhissima que servia de corte de gado [...] e as mais officinas arrazadas" (72), enquanto a
igreja funcionava como celeiro e adega, tal era o abandono em que se encontrava, pelo
que "de todo o edificio antigo nada ficou aos nossos padres para morada sua do que huas
cellas terres, e a igreja velha" (73).
(81) "As questes no foram s com D. Fernando da Guerra e com D. Luiz Pires, mas tambem com D.
Diogo de Sousa e at com D. Fr. Bartholomeu dos Martyres" - Idem, p. 267
(82) A.D.B. - Ms. 924, fl. 350.
Reconhece o cronista que D. Fernando da Guerra foi um "mui grande bemfeitor", j que beneficiou
generosamente o convento de Vilar de Frades "primeira cabea da Congregao unindo-lhe nove igrejas"
que, com os cerca de 10 passais do antigo mosteiro de S. Bento, "rendem hum anno por outro tres mil
cruzados" - Idem, Ibidem.
(83) "Porm tiveram de sustentar com D. Fernando da Guerra, bisneto del Rei D. Pedro I, uma lucta que
durou vinte annos, e no fim submeteram-se" - FERREIRA, Mons. Jos Augusto - Ob. cit., p. 269.
(84) O poderio do arcebispo chocava com o "grande potentado" do duque de Bragana, D. Afonso, cujo
domnio senhorial se estendia a todos os lugares e vilas da arquidiocese, exceptuando-se as de Ponte de
Lima e de Valena - Cf. FERREIRA, Mons. Jos Augusto -, ob. cit., p. 270
(85) Cf. FERREIRA, Mons. Jos Augusto - Ob. cit., pp. 269-270.
49
quererem obedecer Sentena apostolica contra elles proferida"
(86).
"Reverendissimo Senhor.
Vista a eleiam do padre reitor Geral e mais padres da
Congregaam de Sam Joam Evangelista, a confirmamos e
approvamos, e damos por reitor da casa de Vilar de Frades ao
padre Diogo da Purificaam, e o investimos na dita reitoria per
imposiam de barrete cometendo-lhe o regimento espiritual com as
mais obrigaes deste officio. E pella presente avemos por
prorogada a proviso que o anno passado mandamos passar neste
caso ao dito padre Diogo da Purificaam, e que serve della ate o
Para alm de entregar a igreja de Vilar de Frades, que havia sido reduzida a igreja
secular (93), D. Fernando da Guerra anexou ao seu convento vrias igrejas (94), "e muitas
Cf. SENNA FREITAS, Bernardino Jos de - Ob. cit., Tomo IV, pp. 207-208.
Cf. Apndice Documental, doc. VI.
(95) A.D.B. - Ms. 924, fl. 331.
(96) Para alm das 9 igrejas que o prelado anexa ao convento da nova Congregao, nele incorporou o
"mosteiro dos padres Bentos de que no tivero os nossos padres lucro algum mais que os passaes e a
maior parte delles hero terras incultas e baldias, e por industria nossa so hoje passaes de muita
considerao em tapadas, devezas, vignago" e, num gesto de gratido, Jorge de So Paulo acrescenta:
"ainda no tempo das controversias no reparou em annexar e consentir na permutao de tantas igrejas, e
assi podemos affirmar nos deu de renda annual hum anno por outro hum conto de reis" - A.D.B. - Ms.
924, fl. 335.
(97) Idem, fl. 333.
Sobre a dependncia da Madalena ao antigo mosteiro beneditino e a sua anexao a Vilar de Frades,
ver MATOS, Sebastio - Ob. cit., p. 7.
(98) A.D.B. - Ms. 924, fl. 333.
(99) "E porque se perdeo a carta da unio o dito arcebispo a annexou de novo em 4 de Setembro de 1441.
Rende 50 mil reis" - Idem, fl. 334.
(100) Idem, fl. 333.
(101) Idem, fl. 333.
(102) Idem, fl. 333.
53
Mas para que no perdesse a jurisdio eclesistica sobre o convento, D. Fernando da
Guerra ter utilizado na carta de unio a seguinte frmula: "annexamos nossa igreja
collegiada de Villar de Frades" (103).
A de Maio do referido ano de 1439, o mesmo arcebispo ter anexado ao convento de
Vilar "fosse per obitum ou por renuncia" (104) a igreja de S. Romo de Fonte Coberta,
com as suas duas anexas, respectivamente S. Salvador e S. Joo de Silveiros, que distam
duas lguas do convento (105).
No entanto, aos 20 de Dezembro de 1441, talvez porque os padres as desejariam mais
prximas, trocaram estas trs igrejas por duas outras - a de S. Pedro de Ades, que fica a
sul mas junto de Areias de Vilar e a de Algoso (106). Esta, por sua vez, ser permutada
com a de Santiago de Encourados (107).
Nesta mesma data ter sido igualmente anexada a igreja de Santa Maria de Moure,
na sequncia do pedido dos padres "porque na troca com as duas igrejas de Ades, e de
Encourados achavo os padres ficavo lezos se permutassem quatro igrejas por duas"
(108), atendendo a que Santa Maria de Moure estava anexada de S. Romo (109). A
posse destas igrejas ter-se- verificado em 1442 (110).
Corria ainda o ano de 1441, D. Fernando da Guerra anexava a igreja de Santa
Leocdia da Pedra Furada, localizada a duas lguas (lado poente) do convento (111).
Esta igreja fora padroado de S. Salvador da Vrzea, "insolidum sem alternativa com outro
padroado" (112) e vagou no ms de Janeiro de 1441(113). Por consequncia, "como o
convento de Villar em aquelles principios tinha lemitada renda, e as igrejas annexas
estavo deminutas por falta de lavradores freguezes que as guerras e pestes tinho
consomido" (114), os religiosos pediram ao arcebispo que "houvesse por bem annexalla",
o que ter acontecido no mesmo ano (115).
D. Lus Pires (arcebispo entre 1467-1480), ser o responsvel pela anexao da igreja
de Santa Maria de Gis, na sequncia da renncia do seu abade, Diogo Anes que -
Assim, entre 1425 e 1510, os cnegos de Vilar de Frades logram a unio de 13 igrejas
ao seu convento, duas delas com mosteiro (S. Bento da Vrzea e S. Martinho de
Manhente), passando a beneficiar das suas rendas e da influncia directa e indirecta sobre
os fregueses, por fora da jurisdio temporal e espiritual, ainda que o reitor continuasse a
depender da confirmao do arcebispo de Braga.
(128) Como adiante referiremos, embora a primeira bula da unio tenha sido passada em 1448, a serem
verdadeiros os factos narrados, os padres de Vilar apenas tomaro posse da igreja de S. Martinho de
Manhente e do seu mosteiro em 1480.
(129) A.D.B. - Ms. 924, fls. 336-337.
(130) Idem, fl. 337.
(131) Idem, fl. 337.
58
O papa Nicolau V ter respondido favoravelmente, com a anexao da igreja de S.
Martinho de Manhente, atravs de uma bula de 1 de Junho de 1448, na qual afirmava que,
quando a referida igreja vagasse, por bito ou por renuncia do seu abade (132), "logo
tomassem posse della", tendo nomeado "por juiz das bullas ao doutor Diogo Serro
arcediago do Porto, o qual as julgou por boas no anno de 1449" (133).
Como persistissem dvidas sobre esta anexao, o Sumo Pontfice ter emitido uma
nova bula em 1450, que vinha confirmar a de 1448 (134).
Mas a tomada de posse da igreja de Manhente viria a ser contrariada por D. Fernando
da Guerra.
Com efeito, aquando da tentativa de tomada de posse desta igreja pelos cnegos, para
finalmente "comerem seus frutos" (135), havia falecido o papa Nicolau V e as contendas
entre o arcebispo e os padres de Vilar estavam ao rubro - "estavo no seu auge os pleitos
renhidos" (136), pelo que o prelado de Braga, na ptica do padre Jorge de So Paulo,
prosseguiu "com suas molestias e a vexar aos nossos religiosos" (137), impedindo a
tomada de posse efectiva, "antes collou logo nella a hum seu capello" (138).
A bula papal era considerada de nulo efeito, mas o "caso Manhente" havia de
continuar, no fossem os cnegos de Vilar de Frades ciosos dos seus direitos e jurisdio
conquistados.
Assim, o capelo colado em Manhente por D. Fernando da Guerra ter acabado por
renunciar esta igreja em Diogo Anes que "por amicissimo dos nossos padres consentio
O clamor da reforma, tendo como base a primitiva mensagem dos Evangelhos, levou
Joo Vicente a uma aventura religiosa, genuna nos princpios mas no isenta de
contradies.
No sculo XVII, Jorge de So Paulo (147) salienta o carcter reformista do fundador da
sua Congregao (148), ao recordar as condies difceis em que edificou o primeiro
(144) Nomeadamente os Jernimos e os Lios - Cf. SANTOS, Cndido dos - Os Jernimos em Portugal.
Das origens aos fins do sculo XVII, Porto, 1980, p. 230.
(145) A comenda, benefcio que permitia a um senhor laico ou eclesistico administrar em proveito
prprio igrejas ou mosteiros, foi introduzida na administrao dos mosteiros na segunda metade do
quatrocento, sculo em que os beneditinos e os cistercienses so gravemente atingidos pela "praga dos
comendatrios" - Idem, Ibidem.
(146) SO TOMS, Frei Leo de - Benedictina Lusitana, Tomo II, p. 411.
Cf. SANTOS, Cndido dos - Ob. cit., p. 230-253.
(147) Este cronista ter recebido o hbito de cnego evangelista no convento de Vilar de Frades em 20 de
Julho de 1609, onde viria a ser mestre em Teologia; duas vezes secretrio da Congregao; foi reitor dos
conventos do Porto e da Vila da Feira e provedor do hospital das Caldas da Rainha em 1653-1654, 1656 e
61
convento e a sua igreja - "em aquelles matos deshabitados vimos reedificado hum
sumptuoso templo" (149), destacando a natureza do lugar daquela que considera ser uma
grande casa de Deus e de toda a corte celestial, construda "naquelle solitario sitio
dezemparado da gente humana" (150). Foi ali, naquela terra quase erma, que "vimos
fundado hum magestozo convento de conegos seculares viventes em commum [...] que de
noite, e de dia havio de estar louvando ao Senhor [...] em aquelle antiquissimo mosteiro
arruinado tantas vezes" (151).
Inspirada na Congregao de S. Jorge em Alga de Veneza, a nova Ordem religiosa de
Vilar de Frades estava especialmente vocacionada para empreender a necessria reforma
espiritual, no interior do clero regular (152).
Segundo Santa Maria, os cnegos de Vilar foram os primeiros que, em Portugal,
reformaram o estado clerical, na perspectiva secular e comunitria da existncia religiosa,
"porque foro os primeiros clerigos seculares viventes em commum, que nelle houve"
(153). Muitos religiosos houvera antes mas, "ou ero Conegos Regrantes, ou Monges, ou
Frades, mas no havia, nem houve at o nosso tempo, Conegos, nem Clerigos, que sem o
vinculo de votos perpetuos, vivessem em commum, e os nossos Conegos foro os
primeiros, que em Portugal dero principio a este modo de vida" (154).
O facto de no serem regrantes no significa que os religiosos de Vilar de Frades no
tivessem adoptado os princpios fundamentais das restantes congregaes,
designadamente os votos de pobreza, obedincia e castidade. A diferena fundamental
residia no carcter no perptuo dos mesmos (155).
Lembra o cronista que a cristandade primitiva abraara o ideal da vida comunitria,
mas que os tempos mudaram e com ele os religiosos haviam comeado a abandonar este
(164) "Em todas estas obras [...] se seguiro depoes, e as imitro os muito religisos, exemplares, e
virtusos padres da Companhia de Jesu" - Idem, Ibidem.
(165) O padre Diogo Gonalves, confessor da rainha D. Leonor (mulher de D. Joo II) "reformou a
Ordem dos Eremitas da Serra de Ossa"; o padre Lus da Conceio visitou em 1544 um mosteiro
feminino, por ordem de D. Joo III, "que por justos respeitos no nomeamos"; em 1581, por breve de
Gregrio XIII, o padre Jernimo da Cruz, reitor do convento de S. Joo de vora, visita e reforma o
convento das religiosas de Santa Mnica, de vora; finalmente, o padre Joo de Santo Antnio visita o
arcebispado de Lisboa em 1524-1525-1526, por encomenda do cardeal D. Henrique, quando era
arcebispo de Lisboa" - Idem, p. 289.
(166) Idem, p. 290.
(167) Idem, p. 293.
(168) Idem, p. 290.
64
"O Veneravel Mestre Joo, nosso Fundador, reformou a Ordem e
Cavallaria de Christo instancia do Mestre della o Infante Dom
Henrique Duque de Viseu, filho del-Rey Dom Joo o Primeiro, por
commisso do Papa Eugenio IV como consta das Constituies
antigas da mesma Ordem" (169).
(171) Orgulha-se o cronista da "summa gloria da nossa Congregao" basear-se na "grande confiana, que
fisero sempre dos conegos della, os Sumos Pontifices, os Reys, os Principes, e os Prelados mais illustres,
para as visitas, e refrmas de diferentes religies, e Dioceses" - SANTA MARIA, Ob. cit., p. 288.
(172) A.D.B. - Ms. 924, fl. 350.
66
na sua S para vir acompanhar aos nossos padres no choro, e actos
da communidade" (173).
Amigo dos cnegos de Vilar, ter sido tambm D. Rodrigo da Cunha (arcebispo em
1627-1635), que igualou os anteriores "no amor e nas vizitas de parte a parte" (174).
O cronista lamenta os descuidos dos reitores, a quem atribui culpas pelo
desaparecimento de um breve do papa Nicolau V, "passado no anno de 1451" (175),
relacionado com a jurisdio espiritual "em que obrigava aos fregueses da Pouza, Areas e
Ades virem missa, e pregao a este convento de Villar em todas as festas de Christo, e
de Nossa Senhora como consta do cartorio" (176).
Nos finais do sculo XVII, Santa Maria podia orgulhar-se dos favores, indultos, graas,
isenes e privilgios da sua Congregao, mencionando os prelados da Santa S que se
destacaram na sua concesso: Gregrio VII, Eugnio IV - papa que promoveu o mestre Joo
Vicente a bispo de Lamego e "ordenou de seu moto proprio, que o convento de Villar,
ficasse sem dependncia do Arcebispo" (177); Leo X, Pio II (178), Alexandre VI, Clemente
VII, Pio V, Sisto V, Clemente VIII, "e em nossos dias Inocncio XI e Alexandre VIII" (179).
Apresenta como prova dos favores do papado os breves, guardados "em nosso bullario
impresso em Lisboa no anno de 1594 o qual se guarda em todas as nossas casas, e
livrarias" (180).
Jorge de So Paulo lamenta o enfraquecimento da jurisdio temporal do convento,
colocando em destaque os possveis privilgios constantes do couto atribudo por "El Rei
Dom Sancho no anno de Christo de 1172" (181):
Para os padres de Vilar, o extenso rol de missas que celebravam pela alma dos fiis
defuntos, antigos ou modernos benfeitores - missas quotidianas, semanais e de aniversrio
-, constitua a contrapartida de importantes doaes (terras, rendas, dinheiro ou gneros),
que vinham fortalecer a comunidade, quer do ponto de vista econmico, quer social e
religioso.
Nos finais do sculo XVII, no captulo da obrigao de missas, os cnegos lios
enfrentam a seguinte situao:
"Peno das missas, que esta casa tem conforme o rol das missas,
do triennio do reverendissimo padre Diogo dos Anjos (1680-1682),
he esta caza obrigada a dizer 2.257 missas. Mandou o reverendo
padre Geral 3.893 missas. Viero do livro do Capitulo 100 missas.
Todas fazem soma, de seis mil, duzentas, e sincoenta. Abatidas seis
72
RELAO DE DEVOTOS DA IGREJA DE VILAR DE FRADES (SCULOS XV-
XVI) E OS CORRESPONDENTES "ENCARREGOS" DOS RELIGIOSOS (199)
(199) A.N.T.T. - Vilar de Frades, Convento de So Salvador - L 1, Cx. 1, Conv. Diversos-n 25.
73
Ferno Pereira "Muita fazenda",
Torres de Angeja Missa de requiem, incluindo da "torre
1481 e sua mulher rezada velha, que esta abaixo
Dona segunda-feira "na sua da Requinha. Depois de
Leonor de Lemos capella; onde jax no viuvar, Dona Leonor
sobrinha de Dom cruzeiro a mo doou vrios casais.
Diogo de Sousa. esquerda".
"Todos os seus bens
moveis, e de rais;
Dois aniversrios em especial: as herdades
anuais, de Areias de Vilar e de
1483 Pero Vaz da a 25 de Janeiro e a 26 S. Tiago de Encourados;
Maia de Fevereiro, cada um trs casas com quintais
e sua mulher incluindo: 3 lies da Rua de Cima
Margarida "como de Vila - Barcelos;
Alvarez. costumamos", uma cavalaria "que
vsperas, esta ao penedo fora
nocturno, laudes e dos muros" e a
missa "devesa do Carregai".
cantada.
1512 Pero Bravo Um aniversrio e missa
quotidiana.
Bartolomeu
1524 Gonalves e sua
mulher, de
Areias
de Vilar.
74
Missa perptua s 2.200 reis de "esmola"
teras- e 40 reis de renda de
1555 Nuno Alvares feiras, na sua capela umas casas de Vila do
Pereira. que Conde que "hora gasto
est sob a "torre velha" mais na arrecadao do
- da famlia dos val".
"senhores
de Fareles".
5 missas rezadas em Os herdeiros
1574 Ins de Seixas e Setembro e uma missa "administradores da
"seus defunctos". cantada de requiem, capela" pagam 500 reis,
pelos finados. 300 pelas 5 missas e
200 pela missa cantada.
Gonalo Correia, Um aniversrio a 4 de
sua mulher Mar- Maro: com 3 lies,
garida de Prado vsperas, nocturno, Um casal.
e"seus laudes e uma missa
defunctos". cantada.
Maria de Prado
irm de
Margarida.
Trs lies, missa
Miguel cantada Quinta de Mides.
Fernandes. e duas missas no dia de
finados.
Leonor Vaz. 10 missas. Um casal.
Gonalo Dias e Aniversrio e missa
Catarina Dias. quotidiana.
75
Quanto aco dos monarcas o destaque vai, antes de mais, para D. Afonso V (1432-
1481). Um treslado de uma proviso de 1473, mostra o rol de direitos e isenes que
torna o convento de Vilar de Frades uma instituio tipicamente privilegiada.
O monarca autoriza os padres a possurem bens de raiz "ata contia de cinquoenta mill
rens brancos desta moeda hora corrente em nossos regnos" (200); enquanto os
procuradores do convento tm direito de se deslocarem atravs de "besta muar" (201).
Atravs da mesma proviso, D. Afonso V dita ainda que os padres de Vilar de Frades:
Mas a proteco senhorial de D. Afonso V, aos cnegos lios, foi mais alm:
(200) Podem os padres comprar "herdades de po, vinho, e azeite e quaisquer outros bems de raiz ataa a
contia dos ditos cinquoenta mil rens" - A.D.B. - Fundo Monstico Conventual, L 13, fl. 24v..
(201) No documento afirma-se que "aquelle que asi for procurador da dita casa [...] que o leixem andar na
dita besta muar" - Idem, fl. 30.
(202) Idem, fls. 32-32v..
76
os nossos padres pudessem andar em cavallos; e outros privilegios
que se podem ver no cartorio deste convento" (203).
A estreita relao do convento de Lisboa com a famlia real evidenciada pela escolha
do seu templo para a ltima morada. Tendo falecido a infanta Dona Catarina, a 17 de
Junho de 1463, no mosteiro de Santa Clara, em Lisboa (205), foi o seu corpo depositado
"no Mosteyro de Santo Eloy da mesma cidade, em entrando pela Igreja na Capella Mr da
mo esquerda, em huma sepultura de pedra" (206).
Francisco de Santa Maria afirma que foi D. Pedro, duque de Coimbra e governador do
reino, quem doou aos cnegos de Vilar de Frades o convento de Santo Eli de Lisboa
(207).
Por seu lado D. Manuel I (1469-1521), no convento de S. Joo de Xabregas, ter
mandado construir para si um quarto parte, uma "cmara" e "repartimentos" para os
A infante D. Maria, irm do infante D. Lus, como devota singular, ofereceu aos
padres lios o convento e igreja do "S. Crucifixo de Santarm" (sic); mandou fazer na
horta de S. Joo de Xabregas, a "hermida do Evangelista" e doou ao "referido mesmo
convento a relquia de S. Bento que nelle se venera" (211).
D. Joo III (1502-1557), por seu turno, quando esteve nas casas do conde de Basto,
em vora, tinha um "passadio" para o convento, onde tambm assistia na Semana Santa
e, imitando o que vira na sexta-feira maior, introduziu na sua capela real de Lisboa a
"devotssima procisso do Enterro, a que a nossa Congregao deu principio neste reino"
(212).
Como prova da grande capacidade organizativa dos padres lios e da influncia junto
da Corte, D. Joo III ter-lhes- confiado a administrao dos maiores hospitais do reino
(213).
D. Catarina (1540-1614), que frequentava muitas vezes a igreja de Santo Eli, em
Lisboa, ter contribudo para a edificao do "coro das rainhas" (214). Levava consigo o
neto D. Sebastio que, sendo pequeno, poderia cair das grades do coro, pelo que se
mandou colocar umas "tiras de ferro, que ainda duro" (215).
D. Joo V (1689-1750), monarca que "confirmou os privilgios dos outros reis" (220),
pela "graa de Deus", concede ao convento de Vilar de Frades "o mesmo alvar que
concedera ao Hospital Real de Todos os Santos e ao reverendo cabido da S oriental"
(221), instrumento que impunha aos foreiros ou rendeiros que estivessem vinculados ao
convento pelos emprazamentos (os contratos enfiteutas, por trs vidas), o rigoroso
respeito por todas as obrigaes e as "mais condies costumadas" (222), entre as quais se
82
St Maria de Lij Salvador do Souto
St Maria de Igreja Nova Salvador de Teboza
St Maria de Turiz Salvador de Modivas
St Maria de Moz Salvador de Tormariz
St Maria de Aborim da Nobrega S. Simo de Vila Frescainha
St Maria de Ferreiros S. Tiago de Encourados
St Maria de Agram S. Tiago de Sequiade
St Marinha de Vicente S. Tiago de Mouquim
St Marinha de Remelhe S. Tiago de Amorim
St Marinha da Alheira S. Tiago de Creixomil
S. Martinho de Air S. Tiago de Carapeos
S. Martinho das Carvalhas S. Tiago do Couto
S. Martinho de Courel S. Tiago - cidade de Braga
S. Martinho da Gandra S. Verssimo de Tamel
S. Martinho de Manhente S. Vicente de Areias
S. Martinho de Galegos Vila do Conde
S. Martinho de Escariz Vila da Pvoa de Varzim
S. Martinho do Lago Vila de Esposende
S. Miguel de Cabreiros Vila Nova de Famalico
S. Miguel da Carreira
Para alm de grandes proprietrios de terras (236), os padres de Vilar possuam vrias
casas alugadas em Barcelos, Braga e Vila do Conde, entre outras localidades, cujo
pagamento das rendas era efectuado em dinheiro e gneros (237).
(236) "Tem mais o convento tres quintas, todas vista: a de S. Martinho, a do Quintorio, e a de Manhente:
nellas vo os nossos Conegos a tempos tomar as suas recreaes" - SANTA MARIA, Francisco de - O
Ceo Aberto na Terra, Lisboa, 1697, p. 385.
Por doao, atravs de testamento "digno de memoria" Maria Pinheiro "instituhio em Barcellos hum
morgado, declarando, que na falta de descendentes" fosse o dito morgado entregue aos "Bons homens de
Villar de Frades" - idem, p. 235.
(237) Por exemplo, o dr. Francisco Xavier de Faria, filho de Alexandre da Costa, pagava 1.350 reis pelas
casas com quintal que "possui na Quingosta da Palha", mais duas galinhas, laudmio, lutuosa e
quarentena, como "consta do prazo feito na Nota Geral em o anno de 1711 aos 27 de Agosto", data a
partir da qual tinha aquela famlia "pago ath o anno de 1771". Em 1772, entregava o mesmo Francisco
83
Das "casas de Braga" destacava-se um hospcio, que em 1814 foi requisitado para
alojamento de um oficial superior das Foras Armadas. Assim, na sequncia de ordens
recebidas do inspector dos Quartis Militares, a fim de se aquartelarem os oficiais do
Regimento de Infantaria n 15 em casas alugadas mas de preferncia pblicas, Francisco
da Maia escreve a 1 de Agosto de 1814 ao reitor de Vilar "se digne mandar que a chave
do hospicio pertencente a esse Collegio no sitio do Campo de Santa Anna nesta cidade
seja entregue, visto estar nas circunstancias de poder servir para acomodao de hum
official superior o mencionado hospicio" (238).
Xavier de Faria 2.650 reis de renda, ficando no entanto a dever duas galinhas - A.D.B. - Fundo Monstico
Conventual, L 4, fl. 249.
Outro exemplo: em 3 de Maio de 1753, foram entregues a elementos da famlia Vilas Boas (Jos
Antnio e Joana de Vilas Boas) o arrendamento de casas na vila de Barcelos: nas Ruas Direita, da
Misericrdia, da Praa, do Terreiro, de S. Francisco e na "Picota Velha" e ainda umas casas "que vo do
Passeio para os Assougues" - que haviam sido alugadas por dinheiro, penses e gneros - A.D.B. Fundo
Monstico Conventual, L 5, fl. 51.
(238) A.D.B. - Fundo Monstico Conventual, L 19, s/fl.
(239) A.D.B. - Fundo Monstico Conventual, L 24, fl. 162.
(240) Idem, fls. 162-162v..
(241) Idem, fl. 162v..
(242) Idem, fl. 162v..
(243) A.D.B. - Ms. 924.
84
diversas categorias de oficiais e criados (todos a viver no convento), o que denota uma
comunidade em crescimento:
Para ingressar num convento dos lios, o jovem candidato deveria possuir
determinados pr-requisitos. Antes de mais, "hade ter desoito annos" (245), podendo, no
entanto, abrir-se excepes, em respeito pela "calidade do sugeito" (246). Caso a posio
social do indivduo o justificasse, poderia ser admitido antes daquela idade, para o que se
havia de proceder a "inquiries da gerao, e da pessoa" (247), aps o que "o Gral lhe
passa as ordens necessarias para o Reytor da Casa onde ha de tomar o habito" (248).
Relacionadas com as preocupaes do combate s heresias - viessem elas disfaradas
de sangue mouro, judeu ou cristo-novo -, outras condies de acesso vida religiosa nos
conventos evangelistas foram regulamentadas e aprovadas pela comunidade conventual,
reunida em Captulo. Um livro do fundo monstico-conventual, do Arquivo Distrital de
Braga, permitiu-nos saber que entre 1635 e 1677 iniciaram o noviciado em Vilar de
Frades 71 jovens oriundos das mais diversas regies do pas (249).
Os termos de ingresso apresentam sensivelmente as mesmas caractersticas:
aparentemente eram recebidos pelo padre reitor, na sua cela, que lhes lia o captulo 16
das Constituies da Ordem, relativo aos "impedimentos que h para no poder ser
A nvel nacional, em 1658, havia cerca de 260 religiosos, distribudos pelas nove casas
da Congregao.
NOME CRONOLOGIA
Joo Vicente 1425-1430
Rodrigo Amado 1431-1433
Joo de Arruda 1434-1439
Martim Afonso 1440-1442
Joo Rodrigues 1443
Martim Pais 1444-1445
Vasco Gonalves 1446-1448
Joo de Arruda 1449-1451
(265) Encontra-se publicada a lista dos padres reitores, relativamente a 1425-1500 por MARQUES, Jos
- A arquidiocese de Braga no sculo XV, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1988, pp. 859-860.
Em 1991 foi a vez de Maria do Carmo Henriques de Lancastre tornar pblico um catlogo mais
completo (1425-1658), in "Barcelos-Revista", N 2 - srie II, Edio da Cmara Municipal de Barcelos,
1991, pp. 179-181.
(266) A.D.B. - Ms. 924, fls. 368 e 773-778.
A.D.B. - Fundo Monstico Conventual, L 78, doc. 82
A.D.B. - Fundo Monstico Conventual, L 79, docs. 120-121, 132 e 140-141.
A.D.B. - Fundo Monstico Conventual, L 80, docs. 165-169, 170 e 177-179.
A.N.T.T. - Arquivo Histrico do Ministrio das Finanas. Cat. n 439, Cx. 2264, doc. 8.
90
Martim Pais 1452-1454
lvaro Vaz 1455-1456
Diogo lvares 1457
Vasco Gonalves 1458
Diogo lvares 1459
Joo da Nazar 1460-1471
Paulo 1472-1477
Martim Pais 1478-1479
Paulo 1480
lvaro de Barros 1481-1482
Joo Vicente 1483-1484
Paulo 1485-1487
Silvestre Linhares 1488-1490
Manuel de Elvas 1491-1493
Ferno da Nazar 1494-1496
Bento dos Santos 1497
Pero de So Jorge 1498-1500
Joo de So Vicente 1501-1503
Afonso dos Santos 1504-1505
Pero de So Jorge 1506-1507
Joo dos Santos 1508-1510
Manuel de Elvas 1511-1513
Lus de So Miguel 1514-1516
Manuel de Elvas 1517-1519
Joo de Santo Antnio 1520-1522
Manuel de Elvas 1523-1525
Joo de Santo Antnio 1526-1528
Simo de So Miguel 1529-1530
Pero de So Miguel 1531-1533
Pero de So Joo o Velho 1534-1536
91
Antnio do Porto 1537-1539
Pero de So Joo 1540-1542
Cristvo da Purificao 1543-1545
Gabriel da Conceio 1546-1548
Joo da Nazar 1549-1551
Cristvo da Purificao 1552-1554
Ferno de Santo Antnio 1555-1557
Vicente da Conceio 1558-1559
Joo de Santa Maria 1560-1562
Diogo da Purificao 1563-1565
Ferno de Santo Antnio 1566-1568
Joo de Santa Maria 1569-1571
Gaspar de Cristo Baio 1572-1574
Pero de So Joo 1575-1577
Antnio do Esprito Santo 1578-1580
lvaro de Santa Maria 1581-1583
Jernimo da Cruz 1584-1586
Manuel Baptista 1587-1588
Gaspar dos Anjos do Porto 1589-1591
Antnio do Esprito Santo Cines 1592-1594
Baltazar de Cristo Sodr 1595-1597
Francisco da Madre de Deus 1598-1600
Baltazar de Cristo Sodr 1601-1603
Jernimo da Assuno 1604-1606
Baltazar da Anunciao 1607-1609
Manuel da Cruz 1610-1611
Antnio de So Bento 1612-1614
Simo de Santa Maria 1615-1617
Antnio da Ascenso 1618-1620
Pero da Conceio 1621-1623
92
Joo de So Paulo 1624-1629
Filipe da Ressurreio 1630
Manuel Gaspar dos Anjos 1631-1632
Gabriel da Anunciao 1633-1635
Manuel da Anunciao 1636-1638
Bernardo de Cristo 1639-1647
Manuel 1648-1649
Francisco das Chagas 1650-1652
Sebastio da Madre de Deus 1653-1655
Antnio da Ressurreio Vilela 1656-1658
Manuel de So Jos 1659-1661
Antnio de So Jernimo 1662-1664
Joo da Cruz 1665-1667
Jos de Santa Maria 1668-1670
Cristvo do Esprito Santo 1671-1672
Francisco da Conceio 1673
Antnio da Conceio 1674-1676
Jos dos Anjos 1677-1679
Diogo dos Anjos 1680-1682
Bernardo da Madre de Deus 1683-1685
Diogo do Esprito Santo 1686-1688
Francisco dos Santos 1689-1691
Lus da Anunciao 1692-1694
Nuno da Madre de Deus 1695-1697
Jernimo de Santa Maria 1698-1700
Ambrsio de Santo Agostinho 1701-1703
Manuel de Santa Maria 1704-1708
Lus das Chagas 1709-1711
Joo da Graa 1712-1714
Incio de Santo Antnio 1715-1717
93
Antnio da Conceio 1718-1720
Jos de So Francisco 1721-1723
Joo da Madre de Deus 1724-1726
Martinho dos Anjos 1727-1729
Loureno da Anunciao 1730-1732
Loureno da Graa 1733-1736
Jos da Purificao 1737-1739
Lus do Esprito Santo 1740-1742
Bento da Expectao 1743-1745
Jos da Purificao 1746
Loureno da Graa 1747-1748
Jos de Santa Maria Lancastre 1749-1751
Francisco de Santa Maria 1752-1754
Francisco de So Bernardo 1755-1758
Antnio dos Querubins 1759-1766
lvaro da Conceio Trindade 1767
Miguel de So Jos Pinto 1768-1771
Vitorino de So Carlos da Silveira 1772-1776
Domingos de So Jos Machado 1777-1780
Jos de So Bernardo de Brito 1781-1783
Domingos de So Lus Pinto 1784-1786
Manuel de So Bento Carneiro 1787-1789
Joaquim Lopes da Costa 1790-1792
Feliciano da Conceio Barbosa 1793-1794
Antnio Caetano de Meneses 1795
Manuel de So Tiago e Silva 1796-1797
Joaquim Lopes da Costa 1798-1800
Manuel Ribeiro de Brito 1801-1803
Martinho Jos de Almeida 1804-1805
Joaquim de So Paio 1806
94
Jos do Nascimento Guedes Pinto 1807-1809(?)
Joaquim Feliciano de Abreu 1810-1813
Jos lvares Pinto 1814-1816
Martinho Xavier de Sousa Barros 1817-1819
Manuel Lus Soares de Amorim 1820-1822
Francisco Pereira Marinho 1823-1825
Joo de Sousa Vieira de Brito 1826-1827
Jos Duarte Coelho de Amorim 1828-1831
Manuel Joaquim Delgado lvares 1832-1834
Aquando da extino das Ordens Religiosas, em 1834, de acordo com o termo "feito
pelo escrivo Domingos Jos de Faria", viviam no convento apenas 20 religiosos, pois
natural que o rescaldo poltico gerado pela guerra civil que ops miguelistas e liberais
tivesse provocado a debandada.
(267) A.N.T.T. - Arquivo Histrico do Ministrio das Finanas, Cat. n 439, Cx. 2264, doc. 2345, fl. 8v..
Cf. Apndice Documental, doc. XXXII.
95
Jos Vitorino Salgado
Jos Antnio Vieira da Mota Gomes
Antnio da Conceio e Azevedo
Joaquim Jos de Sousa Marinho
Bento Jos Pereira de Macedo
Antnio Teixeira Guimares Rola Lobo
Manuel Jos da Silva Peixoto
Antnio Bernardo Ribeiro
Antnio Jos Pereira de Azevedo Lobo
Jos Leite Pereira da Costa
Manuel Martins Pinto
Francisco Joaquim Barbosa
Nos finais do sculo XIX, um abade barcelense de nome Jos Rosa, deixou-nos o
seguinte apontamento acerca dos nossos cnegos:
96
CAPTULO II
(268) Jos Rosa, in Jornal "O Comrcio de Barcelos", Ano X, n 510, 10 de Dezembro de 1899.
97
1. AS OBRAS NA IGREJA
(269) Aquilo que resta do portal romnico, localizado na zona sul da fachada, no entender do cnego
Aguiar Barreiros "assentaria melhor em frente da porta principal, semelhando o antigo nartex, e onde,
presumivelmente, esteve antes da reconstruo do frontespcio" - BARREIROS, Manuel de Aguiar - A
Egreja de Villar de Frades, Porto, Ed. Marques Abreu, 1919, p. 6.
(270) A.D.B. - Ms. 924, fl. 350 e 356.
A.N.T.T. - Vilar de Frades, Convento de So Salvador, L 1, M. 1, Cx. 1, Conv. Diversos-n 25,
fls. 23-24 e 30.
(270) A.D.B. - Ms. 924, fl. 350.
A.N.T.T. - Vilar de Frades, Convento de So Salvador, L 1, M. 1, Cx. 1, Conv. Diversos-n 25,
fls. 23-24 e 30.
(272) A.D.B. - Fundo Monstico Conventual, L 24, fl. 127v..
98
substitudo pelo actual (273), mais espaoso e belo, em correspondncia com as
necessidades da liturgia na poca Moderna.
A traa desta igreja "erudita" tem sido atribuda a Joo de Castilho ou sua escola
(274) a partir da anlise formal e estilstica do conjunto dito manuelino: a capela-mor e o
transepto, o prtico axial e a nave (275).
Todavia, a descoberta do manuscrito de 1658 gerou dvidas sobre esta atribuio (276),
pois o seu autor nunca refere o nome do famoso arquitecto biscainho (que muito
trabalhou, sem dvida, em Portugal) e d a autoria do projecto ao mestre pedreiro Joo
Lopes, residente na vila de Guimares (277).
A figura de D. Diogo de Sousa aparece como o protagonista principal, enquanto
financiador da capela-mor e do cruzeiro.
(273) Erguido cerca de 1620-1640, uma obra iniciada nos comeos do mandato reitoral de Pero da
Conceio (1621-1623), conforme o "Eplogo e Compndio..." de Jorge de S. Paulo - A.D.B. - Ms. 924,
fls. 357 e 363.
Cf. LANCASTRE, Maria do Carmo Henriques de - A Igreja do Convento de Vilar de Frades
segundo as Memrias do Padre Jorge de So Paulo (1658), Separata da Barcelos Revista, N 2 - srie II,
Barcelos, Ed. de C.M.B., 1991, p. 186.
(274) DIAS, Pedro - A Arquitectura de Coimbra na transio do Gtico para a Renascena. 1490-1540,
Coimbra, 1982, p. 377; O Manuelino - in "Histria da Arte em Portugal", Vol. V, Lisboa, Publ. Alfa,
1986, p. 69.
(275) Chamamos, desde j a ateno para o facto da abbada da nave no ser do perodo manuelino, mas
do filipino (construda nas dcadas de 1620 e 1630), embora venha a respeitar as caractersticas da
cobertura da capela-mor, erguida mais de um sculo antes, na primeira fase do reinado do Venturoso.
O sucesso dos descobrimentos portugueses, com importantes consequncias no plano econmico e
na expanso imperialista europeia, abrilhantou a figura de D. Manuel (pelas novas condies socio-
econmicas e pelos programas construtivos ao nvel arquitectnico, ento implementados), de tal maneira
que vir, sculos mais tarde (em 1800), a dar o seu nome ao estilo que, durante o seu reinado, se espalhou
um pouco por todo o territrio nacional e at ultramarino. Trata-se de "um estilo decorativo surgido em
Portugal no incio do sculo XVI, durante o reinado de D. Manuel e que atingiu o seu apogeu nesta poca,
caracterizando-se, fundamentalmente, pelo exagero no emprego de motivos naturalistas que j vinham
sendo utilizados no gtico flamejante, e pela transformao de tradicionais elementos da estrutura dos
edifcios - colunas, colunelos, vergas, arcos de descarga, nervuras das abbadas, msulas, chaves, bases de
colunas e pilares, fustes, capitis, impostas, platibandas, grades, pinculos, etc. - em formas arrancadas
natureza ou fantasiadas a partir dela. A concepo do espao sempre, e ainda, gtica" - Dias, Pedro - A
Arquitectura de Coimbra na transio do Gtico para a Renascena. 1490-1540, Coimbra, 1982, p. 356.
(276) Depois de admitir que D. Diogo de Sousa "encomendou o projecto da igreja de Vilar de Frades a
Joo Lopes de Guimares", Lancastre, ao reflectir sobre a presena de Joo de Castilho no nosso pas e
das suas responsabilidades nas obras da S de Braga e na igreja de S. Joo Baptista de Vila do Conde,
questiona: "no ser que Joo Lopes tenha sido colaborador deste grande artista ou tratar-se- de outro
mestre-de-obras ou arquitecto?" - LANCASTRE, Maria do Carmo Henriques de - Ob. cit., pp. 184 e 186.
(277) A.D.B. - Ms. 924, fl. 356.
Para alm de Guimares, este artista tambm viveu em Lamego, no Porto e em Viana do Castelo -
Cf. FERREIRA-ALVES, Joaquim Jaime B. - As duas Igrejas do Mosteiro de So Bento da Av-Maria do
Porto, Sep. das Actas do I Congreso Internacional del Monaco Femenino em Espaa, Portugal y America.
1492-1992, s/d., p. 751, nota 36.
Cf. FREITAS, Eugnio de Andrea da Cunha e - O Mosteiro da Serra do Pilar no sculo XVI - Notas
de Histria e de Arte, Sep. de O Tripeiro, Porto, 1964, pp. 38-39.
99
Alis, inicialmente ter mesmo manifestado a vontade de patrocinar a generalidade do
projecto - a pensar no futuro, pois, tinha "teno deliberada" de ser a capela-mor de Vilar
"sua propria sepultura" (278) -, incluindo "a fabrica da capella mor, cruzeiro e corpo da
igreja [...] e logo encomendou ao famoso architecto e mestre de obras Joo Loppes de
Guimares" a execuo de "toda a machina de todo o edificio comeando pella capella
mor" (279).
No sem algum exagero, Jorge de S. Paulo categoriza Joo Lopes de "homem insigne
na architectura e de maior cabedal no reino" (280), tal era o espanto provocado pela beleza
inolvidvel do templo e pelo seu sistema de abobadamento.
Volvido quase meio sculo, em 1697, Francisco de Santa Maria (o novo cronista da
ordem evangelista, que por vezes limita-se a copiar o manuscrito de 1658), no faz
qualquer referncia aos nomes do arquitecto e do empreiteiro deste "grande templo",
erguido "a expensas dos nossos conegos, que nelle gastaro grandes sommas de dinheiro,
ainda em tempo que tudo corria mais barato" (281).
Reconhece, no entanto, "a grande divida, e obrigao" para com D. Diogo de Sousa "a
cuja generosidade se dve a fabrica da capella mr [...] porque concorreo
liberalissimamente para os gastos della" (282).
Acresce que os Lopes de Guimares tiveram realmente muita importncia nas obras de
pedraria de Vilar de Frades (286).
Ora, sempre que os documentos no falavam, ou simplesmente no existiam, nossa
convico que o cronista se apoiava nos "irmos" mais velhos, depositrios da tradio,
que por certo lhe contariam histrias ligadas presena dos artistas, sobretudo dos quase
(283) Matos Reis refere que Joo Lopes-o-Velho ter iniciado a sua carreira como "ajudante dos mestres
biscainhos que se sucederam na direco das obras da matriz de Caminha" e, como executante, trabalhou
na S de Lamego, no convento de S. Bento da Av-Maria e no chafariz do Largo de S. Domingos, na
cidade do Porto, no pelourinho dos Arcos de Valdevez, nos chafarizes de Caminha e de Viana do Castelo,
enfim nas obras da S do Porto - REIS, Antnio Matos - Lopes - Uma Famlia de Artistas em Portugal e
na Galiza, in Revista de Guimares, Vol. XCVI, 1986, pp. 151-155.
Cf. LANCASTRE, Maria do Carmo Henriques de - Ob. cit., p. 184.
Cf. OLIVEIRA RAMOS, Maria Teresa Calheiros Figueiredo de - A Igreja Manuelina de Vilar de
Frades (do Arquitecto, dos Cronistas e do Monumento), in Revista de Cincias Histricas, Vol. V, Edio
da Universidade Portucalense, Porto, 1990, p. 99.
Joo Lopes, de Guimares, ter ainda construdo, em Viana: a casa de Joo Jacome de Luna, na
esquina da Rua do Poo; as capelas de S. Bernardo (de Ferno Brando) e do Santssimo Sacramento, na
igreja matriz - FREITAS, Eugnio de Andrea da Cunha e - Ob. cit., p. 39.
(284) Cf. FERREIRA-ALVES, Joaquim Jaime B. - As duas Igrejas do Mosteiro de So Bento da Av-
Maria do Porto, Sep. das Actas do I Congreso Internacional del Monaco Femenino em Espaa, Portugal y
America. 1492-1992, s/d., pp. 746-748.
Cf. REIS, Antnio Matos - Ob. cit., p. 153.
(285) A.D.B. - Ms. 924, fl. 359.
(286) E no apenas, como veremos, nos comeos do sculo XVI.
101
lendrios Lopes, nas obras da "casa", pois um facto indesmentvel que os reitores do
convento recorriam quela famlia de artistas para a execuo de obras de pedraria (287).
Assim, estamos convencidos de que o autor do projecto da igreja de Vilar pode ter
sido o famoso arquitecto Joo de Castilho (288).
O projecto poder datar dos finais da primeira dcada do sculo XVI, numa altura em
que Castilho dava fim s obras da cabeceira da S de Braga, em 1509 (289) e se preparava
para trabalhar na igreja de S. Joo Baptista de Vila do Conde, em 1511 (290), podendo o
projecto da igreja de S. Salvador de Vilar de Frades ter sido concebido entre estas duas
datas (291).
(287) Com efeito, Joo Coelho Lopes, da ento vila de Guimares e mais que provvel descendente de
Joo Lopes-o-Velho assina, em 18 de Fevereiro de 1593, um contrato com os frades lios de Vilar de
Frades para a realizao de obras de arquitectura na rea conventual, designadamente o "cabido novo", a
enfermaria, escadaria, portais, cozinha e "as secretas", no corpo a nascente - A.D.B. - Fundo Monstico
Conventual, L 24, fls. 207-212v..
Em 1597, era chamado o mestre pedreiro de Guimares, Gonalo Lopes, para o assentamento de um
chafariz de mrmore que o reitor Antnio dos Anjos havia encomendado em Lisboa e que ser inaugurado
no Domingo de Pscoa daquela data - A.D.B. - Ms. 924, fl. 361.
(288) Indispensvel a qualquer estudo de Histria da Arquitectura peninsular da primeira metade de
quinhentos, Joo de Castilho (1475/80-1552) constitui "um dos exemplos mais impressionantes de rpida
ascenso cultural e social atravs do exerccio da profisso de arquitecto", desenvolveu a sua notvel
actividade criadora, depois da terra natal e de Sevilha, em Braga e Vila do Conde, decerto em Vilar de
Frades e Lamego, entre outras localidades nortenhas onde vrias obras lhe so atribudas, depois em
Lisboa, enfim no complexo estaleiro de Tomar e mesmo em terras de alm-mar, conquistando, assim, o
lugar de "figura central do Primeiro Renascimento portugus, com um papel mpar na histria da
arquitectura quinhentista tanto portuguesa quanto peninsular" - MOREIRA, Rafael de Faria Domingues -
A Arquitectura do Renascimento no Sul de Portugal. A Encomenda Rgia entre o Moderno e o Romano,
Dissertao de doutoramento apresentada na F.C.S.H.U.N.L., 1991, p. 408.
Natural da regio espanhola da Biscaia, filho de Diego Sanches e Micia de Neiva, Joo de Castilho
vir a casar em Portugal, em Freixo-de-Espada--Cinta, com Maria Fernandes Quintanilha. Este arquitecto
de renome, que trabalhou na Catedral de Sevilha, estaciona no nosso pas pelo menos a partir de 1509,
altura em que se encontra em Braga " frente da campanha que estava a reedificar a cabeceira da igreja
catedral, iniciativa que se deveu ao magnfico prelado humanista D. Diogo de Sousa, sendo a sua abbada
a primeira que se construiu em Portugal com nervuras curvas" - DIAS, Pedro - A Arquitectura de
Coimbra na transio do Gtico para a Renascena. 1490-1540, Coimbra, 1982.
(289) Um documento de 1529, relativo aos presentes de D. Diogo de Sousa ao monarca D. Joo III -
agora na Biblioteca Nacional da Ajuda e publicado por Rodrigo Vicente de Almeida, em 1883 -, informa-
nos que foi este prelado quem "mandou derribar a capella mor antiga, e fazer esta nova na forma em que
agora est dos alicerces at cima com seu lageamento e degraos de pedraria e vidraas das frestas, a qual
se acabou no ano de 1509. esta a primeira capella de abobada de combados e aljaroz de pedraria, que se
fez em Portugal at aquelle tempo" - citado por Pedro Dias - A Arquitectura de Coimbra, p. 373.
(290) DIAS, Pedro - O Manuelino, in Histria da Arte em Portugal, Vol. V, Lisboa, Publ. Alfa, 1986, p.
52.
(291) Com efeito, uma inscrio epigrfica com a data de 1513, documenta a construo da capela de
Nossa Senhora da Piedade (a norte do claustro da S) da responsabilidade de D. Diogo de Sousa, "com o
fim de servir-lhe de jazida, bem como aos capitulares", na sequncia dos desentendimentos com os
monges de Vilar, em virtude de estes terem mandado colocar no arco cruzeiro as armas da congregao
evangelista e no as dos Sousas - BARREIROS, Manuel de Aguiar - A Catedral de Santa Maria de
Braga, Braga, Edio Slivros, 1989, p. 80.
102
D. Diogo de Sousa, com a anuncia do reitor, ter-lhe- encomendado o risco, talvez no
momento em que este arquitecto do pas vizinho se encontrava, ainda, a dirigir os
trabalhos na S bracarense, onde, como sabido, introduziu no nosso pas a chamada
abbada de combados (292), um sistema inovador no contexto da arquitectura portuguesa
dos incios da poca Moderna e cujo esquema ser logo aplicado em Vilar de Frades.
Os materiais, como o granito, a madeira, a areia, a cal e o saibro devem ter sido
fornecidos pelos cnegos. Os serventes e oficiais diversos, que trabalhavam a tempo
inteiro no convento, deveriam transportar os materiais para junto do estaleiro e colaborar
na execuo de algumas tarefas: abrir valas para os alicerces, transportar os materiais para
o estaleiro, guindar pranchas e blocos de pedra, entre outras.
Ao reitor e ao seu convento deveria caber ainda a responsabilidade pelo fornecimento
de certas refeies e o alojamento, sobretudo ao mestre da obra.
Correspondendo aos anseios dos padres de Vilar, que certamente almejavam uma
igreja moderna e famosa, D. Diogo de Sousa dever ter encomendado a traa de todo o
edifcio a Joo de Castilho entre 1508 e 1511 (296), aquando da presena deste arquitecto
"montanhs" (297) nas obras de Braga, muito antes da sua partida para Lisboa (298) e
Tomar (299).
das grandes campanhas de obras joaninas no Convento de Cristo, representa um virar de pgina de
extrema importncia para a arquitectura portuguesa. Aqui se vai desenhar o ciclo final da evoluo
esttica daquele que, de pedreiro dos Jernimos, se transformar no primeiro grande arquitecto portugus
da Renascena" - Idem, Ibidem.
(300) Todavia, no excluimos as responsabilidades financeiras especficas dos padres de Vilar.
(301) A.N.T.T. - Vilar de Frades, Convento de So Salvador, L 1, Cx. 1, Conv. Diversos-n 25, fl. 30v..
(302) Idem, Ibidem.
(303) Idem, Ibidem.
(304) A.D.B. - Ms. 924, fl. 357.
(305) Idem, Ibidem.
(306) Idem, Ibidem.
(307) A.N.T.T. - Vilar de Frades, Convento de So Salvador, L 1, Cx. 1, Conv. Diversos-n 25, fl. 30.
(308) A.D.B. - Ms. 924, fls. 359-360.
(309) Idem, fls. 361-362.
105
As capelas colaterais tero sido financiadas por D. Leonor de Lemos e D. Teresa de
Mendona, ambas "devotas sobrinhas" do prelado humanista de Braga (310), "s quais
senhoras devemos o grandioso edeficio das suas duas capellas collaterais, e ao Arcebispo
tio a magestoza capella mor e cruzeiro" (311).
Quanto a D. Leonor de Lemos, que patrocinou a capela do lado do Evangelho, a sua
ligao com os cnegos de Vilar de Frades datava, pelo menos, desde a dcada de 1480,
quando instituda uma capela de missas (312), desde o tempo do marido Ferno Pereira
Torres de Angeja em que doaram aos padres muita fazenda e a "sua torre velha [...] que
est abaixo da Requinha" (313).
Nesta capela podemos observar o escudo dos Pereiras, no plano circular e axial da
abbada, uma cruz que por vezes anda associada ao emblema dos Sousas, como acontece
na face exterior da capela-mor de S de Braga junto imagem de Nossa Senhora do Leite.
Por seu turno, D. Teresa de Mendona, segundo a tradio, ter financiado a edificao
da capela colateral do lado do Epstola:
"Segundo ouvi, quando seu tio arcebispo dava ajuda pera se fazer a
capella mr fez ella a capella do cruzeiro da parte da sanchristia"
(314).
No centro da abbada desta capela, visvel o braso dos Sousas em simbiose com a
guia da Congregao evangelista.
Segundo podia ler-se no seu testamento "que esta no cartorio" (315), esta devota
sobrinha de D. Diogo de Sousa instituiu em 1561 "huma capella de missas rezada,
(310) Influenciado pelo humanismo italiano, D. Diogo de Sousa realiza na cidade dos arcebispos uma
vasta obra digna de um grande mecenas: funda os Estudos Pblicos, reforma o clero atravs da sua
formao e instruo, emprende na S e na cidade um conjunto de obras notveis - Cf. COSTA, padre
Avelino de Jesus da - D. Diogo de Sousa. Novo Fundador de Braga e grande Mecenas da Cultura, Sep.
do livro Homenagem Arquidiocese Primaz nos 900 Anos da Dedicao da Catedral, Braga, 1993.
(311) A.D.B. - Ms. 924, fl. 350.
(312) O documento manuscrito "Lembranas deste Mosteiro de Villar de Frades", escrito no primeiro
quartel do sculo XVII (trata-se porventura de um esboo do Epilogo e Compendio..., de 1658?), informa-
nos de que a "capella de Dona Lianor" foi instituda em 1481 e que esta devota, depois de viuvar,
entregou ao convento vrias propriedades fundirias, sobretudo "casais", com "encargo da dita missa
rezada de requiem, a segunda feira, na sua capella, onde jax no cruzeiro a mo esquerda, o retabolo fez a
caza" - A.N.T.T. - Vilar de Frades, Convento de So Salvador, L 1, Cx. 1, Conv. Diversos-n 25, fl. 24.
(313) Idem, Ibidem.
106
quotidiana, e missa cantada todos os dias de Nossa Senhora, e dia dos finados, huma
cantada de requiem, com seu responso offertada pellos seus herdeiros" (316).
Com a cabeceira voltada a nascente, a igreja desenha uma cruz latina de reduzido
transepto, possui uma nave nica, ladeada por 5 capelas laterais intercomunicantes, de
cada lado, separadas daquela por grades de madeira: um modelo que se aproxima do tipo
de igreja criptocolateral, em voga a partir de meados de quinhentos (335).
A capela-mor apresenta um espao rectangular relativamente profundo (336) e uma
volumetria quase monumental, que contrasta com as relativamente modestas dimenses
do transepto, devido importncia e s funes que a cada espao sagrado so
historicamente reservadas.
Enquanto os reduzidos braos da cruz se destinavam primordialmente a capelas
particulares (337) e passagem dos religiosos pela porta que, do lado da Epstola,
comunica com a antecmara (que d acesso sacristia, ao claustro e demais aposentos do
convento, todos localizados a sul) e, por isso, exibem volumes e espaos contidos - j a
altura do cruzeiro, compreensivelmente igual da capela maior, supera a exiguidade deste
rectngulo espacial; a capela-mor uma caixa ptrea de grandes propores, um lugar
destinado revelao dos mistrios fundamentais da f catlica, onde o Santssimo se
expe aquando das solenidades e principais actos litrgicos, onde o cnego-sacerdote,
coadjuvado pelo "ministro", dirige o culto divino:
De facto, como palco sagrado por excelncia, este espao destina-se aco dos
padres-actores que ajudam o celebrante nos ofcios da liturgia, que agitam turbulos para
incensar toda a igreja e que, dispostos no duplo cadeiral do coro baixo, salmodiam, rezam
e cantam.
(337) O brao direito do transepto deve ter sido posteriormente aumentado, por forma a receber o altar do
Santssimo Sacramento, possivelmente na altura em que cessou o carcter privado deste espao.
(338) A.N.T.T. - Vilar de Frades, Convento de S. Salvador, L 1, Cx. 1, Conv. Diversos-n 25, fls. 78v.-
79.
112
o espao, afinal, onde tudo comea e no tem fim: porque simboliza a cabea da
cristandade e do Eterno Redentor da humanidade.
Por isso, no centro do altar-mor ser colocada a primeira de todas as invocaes:
Cristo Senhor Nosso, com o nome de So Salvador!
(339) PINHO LEAL, Augusto S. de Azevedo Barbosa de - Portugual Antigo e Moderno, Vol. XI, Lisboa,
1886, p. 1229.
(340) Julgamos tratar-se da mesma pedra referida no contrato da obra de pedraria da capela de Nossa
Senhora da Ponte (Barcelinhos) arrematada pelo mestre pedreiro Manuel Miranda, de Vila do Conde.
Assinada a escritura pblica a 20 de Junho de 1664 (na presena do tabelio Lus da Silva) relativa
"obrigao que fez Manuel Miranda de Vila do Conde a obra de Nossa Senhora da Ponte", o mestre
deveria fazer "de pedra he cal com seus cunhais he frontespssio de pedra fina da de Villar de Frades",
uma obra que deveria concluir-se at Dezembro do mesmo ano e ficar "a contento dos officiais da
confraria de Nossa Senhora e dos senhores vereadores da Camara desta villa" de Barcelos - A.D.B. -
Notarial de Barcelos, L 44, fls. 74v.-75.
(341) Pela valorizao das estruturas arquitectnicas e a clareza de linhas, numa busca da
monumentalidade contida, sem pr em causa o equilbrio e a harmonia e com recurso, como era inevitvel
no incio do sculo, a elementos da gramtica do estilo manuelino.
113
Ao exaltar a igreja do seu convento como "huma das grandisas, no s do Reyno, mas
de Hespanha" (342), o cronista no se esquece da "claridade de muitas, bem rasgadas, e
fermosas janelas, com suas vidraas de varias cores, que a fazem summamente alegre, e
aprasivel" (343).
De modo que:
Ela anunciava, do ponto de vista tcnico, uma novidade, devido ao seu rebaixamento e
s nervuras de combados, pelo que causava enorme admirao, mas tambm receios,
tanto entre os religiosos como junto de artfices, talvez menos experientes, que temiam o
seu desmoronamento:
"Por esta mesma traa e forma se obrou com tal arteficio nas
abobadas collateraes em forma esferica quazi em plano e o livel sem
concavo em que se segurasse os fechos de aquellas duas capelas, que
por sotil e delicada a traa de todo o edificio espanta aos mais
aventejados na arte affirmando ser singular engenho formar na
fantazia huma ideia to perfeita posta em execuo em receo de
executar huma obra que os artifices a temem espantandose como
permaneceo em pe fora dos simplices" (348).
E, com efeito, esta abbada de "perfil rebaixado" constitua um dos poucos elementos
estruturais que entrava em ruptura com os esquemas da arquitectura religiosa
quatrocentista.
Enquanto espao e volumetria, a catedral gtica havia rompido com a arquitectura
tradicional ao inventar o sistema ogival, respondendo assim com solues tcnicas s
novas necessidades da prxis religiosa da Baixa Idade Mdia.
117
Encontramos, por exemplo, o mesmo tipo de ornatos (vegetais, mas no s); as formas
circular e poligonal associadas, o mistilneo, na organizao de cestos de capitis e em
bases de colunas e colunelos - quantas vezes sem funo tectnica! -, em peanhas ou
msulas, designadamente nos portais e frestas da Catedral de Salamanca, em vestgios
arqueolgicos expostos no claustro da S de Tui (relativos interveno dos fins de
quatrocentos e incios do sculo XVI, nesta Catedral), entre inmeros exemplos que
poderamos apontar em Portugal e Espanha.
O friso que percorre a capela-mor de Vilar de Frades, bem como as rosetas que
decoram a sua cornija e vrios elementos do interior desta igreja, encontram-se
igualmente no embelezamento de diversas zonas na igreja dos Jernimos, especialmente
no friso das naves laterais e do cruzeiro. O prprio friso semelhante, bem como o
esquema, sobretudo a parte interior da janela "manuelina", muito em voga, alis, nos dois
pases ibricos.
(353) Na configurao das peanhas das capelas colaterais pode observar-se uma temtica oriunda dos
reinos vegetal, humano e animal, de valor decorativo mas tambm simblico, sobretudo a guia dourada
do falso capitel, lado do Evangelho - tema que simboliza a Ordem de S. Joo Evangelista e que se
118
De cada canto sai um feixe de cinco nervuras, mas apenas duas se vo cruzar no centro
da composio. Os restantes nervos criam vrios rectngulos e um pequeno crculo com
oito fechos de rosas nos ligamentos e a chave axial com a cruz como braso da famlia
Pereira (o marido de D. Leonor de Lemos chamava-se Ferno Pereira Torres de Angeja)
que unifica, no seu interior, duas cruzes simtricas e os oito rectngulos delas resultantes.
Isto na cobertura da capela colateral, do lado do Evangelho. Porque a do lado da
Epstola, que se organizou a partir do mesmo esquema bsico, complexificou-se no centro
da circunferncia: para alm de criar diversos tringulos, o artista construiu um quadrado
com os lados em forma bamba, dentro da roda grantica e no seu centro contemplou-nos
com uma bela flor de quatro ptalas, resolvida no fecho com a ligao dos smbolos dos
religiosos Evangelistas e dos Sousas. Para acentuar a sublimidade do efeito esttico, a
nervura do crculo foi levemente trabalhada e as chaves abriram-se em formosas rosas de
granito.
Duas frestas rasgadas em cada uma das capelas colaterais, uma semi-esfrica e outra
dentro do esquema formal do manuelino, mas sem qualquer apontamento escultrico,
permitiam a entrada da luz coada pelos vitrais que certamente exibiam.
Todavia, a evoluo do culto motivou alteraes, designadamente a restruturao e
ligeiro alargamento do brao norte do transepto - devido provavelmente ao incremento do
culto ao Santssimo Sacramento e escolha deste espao de capela colateral para a
retbulo dedicado a esta invocao (354).
No lado oposto, os vestgios de uma antiga janela, agora entaipada, atravessada por um
friso que ali se intrometeu, sobre a porta que d para a antecmara de acesso sacristia e
ao claustro, demostram sucessivas intervenes pontuais para as quais no dispomos de
qualquer base documental escrita (355).
Segundo um depoimento do actual sacristo, o senhor Manuel, o retbulo de Nossa Senhora das
Dores, que se encontra no lado oposto, esteve igualmente em risco de ser removido daquele lugar para
apodrecer ou ser transferido para localidade incerta (o retbulo desmantelado, do lado da Epstola,
dever encontrar-se na igreja de Almacave-Lamego), situao que foi evitada pela "resistncia" do proco
de ento que muito implorou aos "tcnicos dos Monumentos" a manuteno deste altar na igreja pela
falta que fazia ao culto.... "e eles deixaram-no ficar com pena que tiveram do coitado Senhor Abade".
(356) Um retbulo que constar de "coatro colunas salamoniquas duas de cada banda muito bem
emtalhadas com sua porta (?) meninos e passaros e no meio das ditas culunas hum pilar [...] as quais
colunas e pillar asentarao sobre hum banco todo emtalhado na forma que a traa o mostra, sobre as quais
colunas asentarao hum frizo todo emtalhado com seus Serafins na fronteira", uma obra realizada pelos
artistas Antnio Gomes e Domingos Nunes, pelo preo de 500.000 reis - BRANDO, Domingos de Pinho
- Ob. cit., pp. 833-835.
(357) Depois dos ecos do protesto de Aguiar Barreiros contra "as pavorosas reformas, ou as consolidaes
pretenciosamente restauradoras, dos seculos XVII e XVIII" (BARREIROS, Manuel de Aguiar - A
Portada Romanica de Villar de Frades e o seu Simbolismo, Porto, Ed. Marques Abreu, 1920, p. 12), da
denncia e comiserao geral relativamente ao estado ruinoso e grave insegurana em que se encontrava a
abbada manuelina, a Direco dos Monumentos Nacionais intervm em Vilar de Frades a partir de Junho
de 1941, depois de vrias hesitaes na dcada de 1930 - uma interveno por certo imbuda de uma
"nova" filosofia que se desenvolve " sombra do estado, guiada pelo dever, engrandecida pelo culto da
Arte e da Tradio, aquecida pela mais viva f nacionalista" - Boletim da Direco Geral dos Edifcios e
Monumentos Nacionais, N l, 1935, p. 7.
Com efeito, o arquitecto da Direco Regional dos Monumentos do Norte escreve a 7 de Junho ao
proco de Areias de Vilar, a inform-lo de que no dia 12 daquele ms teriam incio as obras programadas
para a sua igreja, para as quais haviam sido concedidos 50.000$00, acrescentando: "Aquelas obras tero
incio com o apeamento total da abbada de pedra da capela-mr pelo que o culto ter de ser interrompido
temporariamente naquele local" - A.D.G.E.M.N./D.R.E.M.N. - Vilar de Frades, Pasta I, of. 383.
(358) Mas nem sempre os sucessivos remendos respeitaram o conjunto deste templo magnfico. Certos
acrescentos (tanto na fachada, como no interior e no claustro) denunciam incongruncias formais e
inabilidade tcnica, por certo solues de "habilidosos" pedreiros, jamais trabalho de arquitectos.
120
efeitos especiais" focalizaram-se na estrutura da fachada, sobretudo no prtico axial e em
todo o interior, da base ao topo.
Da que as janelas da capela-mor (porque viradas para as traseiras do edifcio) se
apresentem austeras, sobretudo na parte exterior, exibindo um leve apontamento
iconogrfico vegetalista nos pseudo-capitis e os arcos que se insinuam so falsos, de
valor essencialmente arquitectnico.
Uma vez erguido o corporal, tecnicamente pobre e dentro do esquema tradicional das
naves com cobertura de madeira, era necessrio construir a portada principal do templo e
a infra-estrutura para a instalao do coro. De novo, as obras estaro a cargo de Joo
Lopes, da vila de Guimares, a quem o cronista volta a atribuir a autoria da traa (366).
Tal como aconteceu para a capela-mor e o transepto, no dispomos de documentao
assaz segura para datar com rigor esta "obra superior" conforme com o estilo manuelino,
decorativamente mais exuberante que o enxerto do mesmo estilo, casado com o
romnico, no prtico axial da S bracarense.
porquanto a entrada principal, o arco e a abbada "para fundamento do choro" haviam de seguir o mesmo
esquema estilstico da cabeceira, uma "obra superior e do mesmo toque da fabrica da S de Braga de que
era author o referido arquitecto Joo Lopes de Guimares" - A.D.B. - Ms. 924, fl. 357-358.
Cf. LANCASTRE, Maria do Carmo Henriques de - Ob. cit., pp. 184 e 190.
(363) Ainda que os tectos de madeira destas capelas fossem, tal como hoje os de pedra, muito mais baixos
que os da nave, esta, por si s, apresenta-se como um enorme salo do culto religioso.
(364) A.D.B. - Ms. 924, fls. 357-358.
(365) A.D.B. - Fundo Monstico Conventual, L 24, fls. 127v.-128.
A.D.B. - Ms. 924, fl. 375.
A.N.T.T. - L 1, M. 1, Cx. 1, Conv. Diversos-n 25, fl. 13v..
(366) A.D.B. - Ms. 924, fl. 357.
Cf. LANCASTRE, Maria do Carmo Henriques de - Ob. cit., pp. 184 e 200.
122
Socorrendo-nos de novo da crnica do padre mestre Jorge de So Paulo, ser legtimo
suspeitarmos de que, por volta de 1523 (367), j toda esta obra estaria concluda, pois a
partir desta data as obras que se vo realizando so em geral referenciadas (368).
, com efeito, a partir de 1523 que nos surgem inmeras obras descritas nas memrias
do padre Jorge de S. Paulo, relacionadas com o convento e seu "circuito" (369), com a
torre do lado norte (370), com a instalao de uma biblioteca sobre as capelas laterais
deste mesmo lado (371) e, logicamente, respeitantes ao embelezamento e ao culto no
interior da igreja.
Assim, do mesmo modo que defendemos a data de 1508-1513 para a edificao da
capela-mor e do transepto, estamos convictos de que o corpo da igreja, o portal e o nartex
quinhentistas tero sido construdos em 1513-1523.
Advertimos, no entanto, que at ao momento (e para todo o sempre?), no estamos em
condies de o provar documentalmente.
A organizao espacial e a volumetria do corpo quinhentista diferiam, naturalmente,
daquele que ser concebido nos anos 20 e 30 de seiscentos (talvez o mesmo, ou herdeiro,
do traado castilhiano), onde ser introduzido um imponente sistema de abobadamento.
Poder-se-ia pensar numa nave nica mais estreita e em capelas laterais mais profundas,
pois deste modo era mais fcil s "paredes delgadas" exercerem a sua funo tectnica:
segurar o tecto de madeira e o telhado de duas guas.
No entanto, as dimenses do arco que ajuda a sustentar o coro e a permanncia de uma
coluna (que deve ter funcionado como suporte do coro quinhentista) embutida na parede,
do lado do Evangelho, fazem crer que, tal como hoje, as capelas poderiam organizar-se a
partir deste ou de um arco semelhante, cujo alinhamento vai ao encontro do arco cruzeiro
(367) Nesta data, j os monges procediam a obras na zona conventual. Com efeito, "o dormitorio do
poente cujas janellas cahem sobre o terreiro dos Cabedaes fes o padre reitor Manuel de Elvas no anno de
1523 que devia custar 200 mil reis" - A.D.B. - Ms. 924, fl. 362.
(368) Ao noticiar a reforma quinhentista do convento, o cronista omite (porque desconhece) as datas das
obras das primeiras duas dcadas: "deviam os padres estarem mal acomodados por falta de apozentos, e
com officinas, e dormitorios mui limitados des o anno de 1425 ate o de 1525, em que acho a reedificao
de todo o convento e seu circuito" - A.D.B. - Ms. 924, fl, 362.
(369) O que nos parece, desde logo, improvvel que os monges procedessem realizao de obras na
zona conventual, sem darem por concludas as principais obras da igreja.
(370) As obras desta "torre grande", principiadas em 1540, s viriam a concluir-se no sculo seguinte.
(371) Esta biblioteca "mui fermoza assi no casco, como nos volumes", da responsabilidade do reitor
Ferno de Santo Antnio, que a mandou instalar em 1561, tornar-se-ia famosa pelos livros de religiosos
ilustres ali depositados: do doutor Martim Loureno, "hum dos nossos primeiros fundadores", do mestre
Joo da Gama, "eclesiastico illustre que se recolheo neste convento na sua ultima idade, e tambem da
livraria do nosso bispo Dom Francisco de Santa Maria", entre outros - A.D.B. - Ms. 924, fls. 361-362.
123
(372), dando-nos, consequentemente, uma organizao espacial prxima da que ainda
existe: um grande rectngulo no centro da composio, ladeado por capelas quase
quadradas.
No podemos, porm, esquecer que toda a zona do nartex passou certamente por
remodelaes, o que revelaria, obviamente, uma espacialidade diversa da que nos dada
hoje a observar.
Sobre as capelas laterais do lado do Evangelho, cujos tectos de madeira andariam ao
nvel da antecmara da torre que dava acesso ao coro pelo norte, corria uma biblioteca ou
"livraria", uma obra mandada executar pelo reitor Ferno de Santo Antnio, em 1561,
com custo de 270.000 reis, relativo ao "casco, bancos estantes" (373).
Tal biblioteca compreendia um espao rectangular que se estendia at ao brao direito
do transepto, com ligao ao interior da igreja, por via das quatro frestas rasgadas ao
longo do muro:
"Mui fermoza assi no casco, como nos volumes mais comprida que
larga com sua porta no antechoro da parte do pumar, e por sima
das capellas hia entestar na parede do cruzeiro com quatro janellas
rasgadas e suas grades de ferro" (374).
(372) Este arco pode ter sofrido uma ligeira adaptao, sobretudo no que respeita forma j que, embora
acuse o mesmo estilo do arco da capela-mor, este ligeiramente apontado, enquanto o do cruzeiro se
encurvou, aproximando-se do arco de volta inteira das capelas seiscentistas.
(373) A.D.B. - Ms. 924, fl. 362
(374) Idem, fls. 361-362.
(375) Idem, fl. 361.
124
"Resta o dormitorio da varanda que obrou o padre Gaspar de
Cristo Baio no anno se 1572 para apozento dos irmos ordenados,
ficando a galil junto ao choro livre para os novios. Custou
150.000 ris" (376).
No que respeita aos vos do corpo quinhentista, para alm da entrada principal e de
duas ou trs pequenas portas (duas de ligao s torres, como acontece hoje com uma? e
uma a comunicar com o claustro - chamada porta das procisses), cerca de nove ou dez
frestas (377), uma em cada capela lateral que, em nmero de cinco de cada banda correm
ao longo de toda a nave (378), lavradas nas paredes exteriores, de aparelho irregular,
toscas e rebocadas.
No registo intermdio, sete modestas janelas com gradeamento de ferro, decerto a
condizer com o que ainda se pode ver nas da capela-mor, ajudavam a iluminar todo o
salo: trs na parede do Evangelho, altura do coro e ao longo da biblioteca e quatro do
lado da Epstola, talvez comunicantes com a galil-dormitrio dos "irmos ordenados"
que ali pernoitaram at construo do "dormitrio da varanda", em 1572, possivelmente
a oeste (379).
sobriedade e pobreza deste corpo do primeiro quartel de quinhentos ope-se a
riqueza e majestade do prtico principal.
Cinco arcos abatidos, organizados em grupos de trs pseudo-colunelos cada, dentro de
uma moldura rectangular orientada por dois troncos de rvores esgalhados e decorativos,
compem este quadro escultrico da entrada da igreja.
Mais do que o desempenho das funes de suporte da fachada, o prtico de Vilar de
Frades tem sobretudo um valor decorativo (como, alis, corrente na arquitectura
manuelina), com o predomnio das formas arrancadas ao naturalismo vegetalista, na
(380) Encontramos trs cabeas de anjo em cada um dos inslitos "capitis" dos troncos lenhosos,
coroados por uma cabea de homem - gramtica de possvel importao italiana veiculada por artistas
espanhis ou, quem sabe, por algum cnego evangelista que, de terras do Vaticano, trouxera alguma
gravura. Encontramos o princpio da simetria em certos elementos vegetais que, esquemticos, preenchem
o espao entre arcos e ajudam a impor um pouco de ordem e clareza num universo ainda barroquizante e
instvel do formulrio artstico manuelino.
(381) DIAS, Pedro - A Arquitectura de Coimbra na transio do Gtico para a Renascena, p. 409.
(382) Idem, Ibidem.
Joo Lopes, de Guimares, como sugere o padre Jorge de So Paulo, ou algum familiar ou artista
ligado a este mestre nas obras de Vilar? - Cf. Ms. 924, fl. 357 (A.D.B.)
(383) DIAS, Pedro - Ob. cit., p. 409.
(384) Por exemplo, sabido que Joo Lopes trabalha em 1514 nas obras da S de Lamego e que, em
1518, se encontra na empreitada do mosteiro de Av-Maria do Porto.
(385) Defeituosamente construdo ou sujeito a sucessivas alteraes, designadamente nas paredes das
torres, este espao no dignifica a portada quinhentista e muito menos toda a arquitectura interior dos
sculos XVI e XVII.
(386) OLIVEIRA RAMOS, Maria Teresa Calheiros Figueiredo de - Ob. cit., p.105.
126
na parte superior" (387), mais significativa a existncia de um pilar embutido na parede
da nave (do lado do Evangelho) a sugerir uma nave menos desenvolvida.
Consequentemente, a nave do sculo XVI era de dimenses mais modestas e o coro,
mais pequeno que o actual, estava completamente implantado a partir do prtico (388).
2. AS OBRAS NO CONVENTO
Na sua descrio, Francisco de Santa Maria defende que "o claustro [que fica entre os
tres primeiros dormitorios, e a igreja] he correspondente em grandesa, e magestade,
magestade, e grandesa do convento: sostemse [e assim mesmo as varandas] em colunas
de marmore lustroso, e to polido, que parecem alabastros, tem varios portaes em todo o
quadro, com seu forro apainelado, e sua escada muy bem lanada" (392).
(390) Erguido aps 1425, na sequncia da entrega do antigo convento beneditino ao fundador da nova
Ordem religiosa, o claustro, tal como a igreja e o convento, seria uma estrutura modesta e frgil,
considerando que "os nossos primeiros padres como tinho seu trato e modo de viver acapuchado", ou
no possuam meios financeiros para mais, "tambem dero principio s obras do convento com alguma
lemitao na igreja, claustra, e officinas que mais parecia recoleta de Capuchos de So Francisco do que
de conegos de So Joo Evangelista" - A.D.B. - Ms. 924, fl. 356.
Cf. LANCASTRE, Maria do Carmo Henriques de - Ob. cit., p. 182.
(391) A.D.B. - Ms. 924, fls. 360-361.
(392) SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., p. 384.
128
Ao exaltar a beleza de um chafariz renascentista, mandado construir em Lisboa em
1596, Santa Maria escreve:
Deveria tratar-se de uma bela pea renascentista (a avaliar pelo testemunho de 1658) -
com um tanque quadrado na base, almofadado e assente num pedestal de "pedra
vermelha", em forma de "diamantes almofadados", descrito como "hum chafariz
perfeito de marmore polido com duas taas de quatro biquas quada huma com suas
carrancas" (396).
Colocado no centro do claustro por Gonalo Lopes, de Guimares, este chafariz veio
ocupar o lugar de uma palmeira, "arvore ordinaria em todas as claustras da Congregao"
(397), para cumprir a sua finalidade esttica, concretizada no "regalo dos religiosos" (398),
sem esquecermos a sua funo utilitria, j que a gua que corria "por alcatruzes de
pedra" era aproveitada para a higiene do convento e a rega das suas hortas (399).
Uma outra capela privativa e funerria foi fundada em 1529 "junto porta que vem da
claustra para o corpo da igreja da parte da mesma claustra". Esta fundao deveu-se a D.
Isabel Anes Pizarro de Baltazar de Vilas Boas e destinava-se ao descanso eterno dos "seus
descendentes moradores na villa de Barcellos coudelles mores de todo o dilatado termo
homens nobres dos principais da villa, em que esto suas honradas sepulturas" (406).
Sobre o arco da capela, muito provavelmente na mesma data, o senhor Vilas Boas
mandou colocar o seu escudo.
Mas outras inscries podemos ler no pavimento da igreja:
Tereza de Mendona, e seus descendentes e na outra da parte da Epistola Dona Leonor de Lemos e seu
sobrinho Ferno Pereira. Esto tambem sepultados no convento Diogo Lopes homem commendador de
So Romo e sua mulher Dona Branca de Azevedo; Gaspar Pereira e Bragua da Paz sua mulher Angela
de Sa e seu marido toda gente muito principal. Deixo outras pessoas illustres das geraes antigas dos
Maias, Braguaes, por perecerem suas campas com o novo lageamento da igreja, por ser duas vezes
132
PESSOAS "ILUSTRES" SEPULTADAS EM VILAR DE FRADES, SEGUNDO
JORGE DE SO PAULO (407)
reedificada depois que este convento se unio congregao. Concluamos com a sepultura authorizada sita
no meio do cruzeiro do nosso bispo Dom Francisco de Santa Maria" - A.D.B. - Ms. 924, fl. 351.
(407) A.D.B. - Ms. 924, fls. 350-351.
Ver Apndice Documental - doc. VIII.
133
Irm de D. Margarida de Na capela da torre
D. Maria de Prado. Prado, "senhora da "velha".
quinta
da Juncoza".
D. Diogo Correia. Senhor de Fareles, Na capela da torre
irmo "velha".
de D. Gonalo Correia.
D. Isabel Mulher de D. Diogo Na capela da torre
Correia. "velha".
D. Nuno Alvares Irmo de D. Isabel Na capela da torre
Pereira. "velha".
Na capela lateral
D. Isabel Anes da igreja (fundada
Pizarro de Baltazar Vilas Boas em 1529, por D. Isabel
de Vilas Boas), "junto
Vilas Boas. porta que vem da
claustra".
Familiares de Dona Na capela lateral da
Isabel Vilas Boas. Vilas Boas igreja, "junto porta que
vem da claustra".
D. Nuno Aranha, Sobrinho do arcebispo No lajeamento da
alcaide mor da vila de igreja, em 1498.
de Braga, D. Diogo de
de Pombal. Sousa.
D. Brites de Melo. Mulher de D. Nuno No lajeamento da
Aranha igreja.
D. Pero Bravo. Natural de Braga "e dos No lajeamento da
principais da cidade". igreja
134
D. Teresa de Sobrinha do arcebispo Na capela colateral do
Mendona. de lado do Evangelho.
Braga, D. Diogo de
Sousa.
Descendentes de D. Familiares de D. Teresa Na capela colateral do
Teresa de de Mendona. lado do Evangelho.
Mendona.
D. Leonor de Sobrinha do arcebispo Na capela colateral
Lemos. de do lado da Epstola.
Braga, D. Diogo de
Sousa.
D. Ferno Pereira Marido de D. Leonor Na capela colateral
Torres de Angeja. de Lemos. do lado da Epstola.
D. Diogo Lopes. Comendador de So
Romo.
D. Branca de Mulher do comendador
Azevedo. D. Diogo Lopes.
D. Gaspar Pereira.
D. Braga da Paz. Mulher de D. Gaspar
Pereira.
D. Angela de S
e "seu marido".
"Maias, Braguaes". "pessoas ilustres das
geraes antigas".
D. Francisco Bispo de Fez e de
de Santa Maria. Braga, antigo cnego do No cruzeiro da igreja.
convento de Vilar
Frades.
(408) Para alm de constiuir um espao de circulao, reflexo e "regalo" dos religiosos e da sua
indiscutvel funo funerria, o claustro chegou a revelar-se como um espao de culto, de milagres e de
prodgio. Aconteceu com o famoso "Santo Abbade" que, uma vez morto "o enterraro no claustro, e
comeou a ser venerada a sua sepultura como de homem santo; concorrendo a ella muitas pessoas, e
achando remedio a suas necessidades. Achamos posto em memoria hum admiravel prodgio, e he, que se
acontecia passar algum animal por sima da dita sepultura, logo quebrava huma perna, mostrando o Ceo
por este modo, quanto queria venerado o deposito daquelle veneravel cadaver" - SANTA MARIA,
Francisco de - Ob. cit., p. 367.
(409) A vida do sacristo, no mbito da sua famlia alargada, tem-se desenrolado entre o claustro e os dois
pisos superiores deste edifcio. Para alm de constituir uma estimvel fonte oral, na linha da tradio
familiar, o senhor Manuel um dos primeiros defensores do patrimnio artstico da igreja de que
sacristo h mais de meio sculo!
(410) Responsvel por toda a obra de carpintaria do mosteiro de So Bento da Av-Maria do Porto, este
artista residente nesta cidade "viria a falecer antes de Abril de 1527, altura em que a pedido da viva,
Branca Gonalves, foi feita vistoria de toda a obra que Bartolomeu Dias executara no mosteiro" -
FERREIRA-ALVES, Joaquim Jaime B. - As duas Igrejas do Mosteiro de So Bento da Av-Maria do
136
Ao ser contratado em 1520 para realizar as obras de carpintaria no mosteiro de Av-
Maria do Porto, entre as quais "a caza da emfermaria, que tem de comprido oito braas, e
mea, a saber, cimquo por bamda" (411), o mestre Bartolomeu Dias obrigava-se a execut-
las segundo o mesmo "teor, e ordenana e gramdura, como so os que elle dito
empreiteiro fez na emfermaria do mosteiro de Villar de Frades" (412).
Na mesma data e pelo mesmo contrato (publicado por D. Domingos de Pinho
Brando), Bartolomeu Dias compromete-se a forrar "a caza da saomcristia [...] pelo teor
dos outros, e far lhe ha seus allmarioz ao travez da caza, os quaes far pelo teor, e
ordenana, e gramdura dos que elle empreiteiro tem feito na saomcristia no mosteiro de
Villar de Frades" (413).
A notcia da presena de Bartolomeu Dias nas obras de Vilar permite-nos, desde logo,
concluir o seguinte:
1 - que cerca de 1520 as obras do convento, incluindo a sacristia, estavam concludas;
2 - que a obra de carpintaria de Vilar de Frades - pelo menos a sacristia e a enfermaria
- funcionou como modelo que o mesmo mestre carpinteiro deveria seguir no mosteiro de
Av-Maria do Porto, para o qual contratado a 9 de Agosto de 1520 (414).
Porto, Sep. das Actas do I Congresso Internacional del Monacato Femenino en Espaa, Portugal y
Amrica. 1492-1992, p. 748.
(411) BRANDO, Domingos de Pinho - Ob. cit., p. 25.
(412) Idem, Ibidem.
(413) Idem, Ibidem.
(414) Cf. FERREIRA-ALVES, Joaquim Jaime B. - Ob. cit., p. 747-748.
137
(415), ate o de 1525 em que a acho [...] a reedificao de todo o
convento e seu circuito" (416).
Porm, os quatro dormitrios que se construram ao longo do sculo XVI, "em quadro
com suas janellas para o nacente, poente e meio dia, no tem nada de grandiosos em que
se possa fundar a fama do convento de Villar e de sua magestade" (417).
Este era um argumento de peso, possivelmente sentido por toda a comunidade e que
explica a profunda remodelao encetada cerca de 1619: "para o edificio ter com a fama
correspondencia intentou o padre reitor Antnio da Ascenso dar com todos os
dormitorios e officinas por terra dando principio outro edificio mais magestoso" (418).
(415) Das edificaes quatrocentistas, poucas notcias chegaram at ns. Jorge de S. Paulo refere as obras
da cela dos padres reitores, da portaria e da hospedaria, que tero sido realizadas em 1449, sob o prelado
Joo da Nazar, com custo de 350.000 reis - A.D.B. - Ms. 924, fl. 362.
Refere ainda os aposentos dos criados e dos artfices - carpinteiros, alfaiates, sapateiros, ferreiros - e
as estrebarias dos animais, muito possivelmente localizadas a sul, "nas ilhargas do terreiro dos Cabedaes".
Porm [...] por serem obras antigas lhes no busquei authores" - A.D.B. - Ms. 924, fls. 363-364.
(416) A.D.B. - Ms. 924, fl. 362.
(417) Idem, Ibidem.
(418) Idem, Ibidem.
Seguindo a crnica de 1697, "O corpo deste convento consta de quatro dormitorios: hum que fica
para o nascente, e cahe sobre hum jardim com seus canteiros de flores, e chafariz no meyo. Outro, que
fica para o meyo dia, e cahe sobre a horta, e cerca. Outro, que fica para o poente, e cahe sobre o terreiro,
chamado dos Cabedaes. Outro novo, cousa grande, e magestosa, que cahe para o mesmo terreiro, e tem
todas as cllas para o meyo dia: em correspondencia delle se ha de fazer outro, cujos alicerces esto
lanados ha mais de oitenta annos" - SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., pp. 383-384.
(419) A.D.B. - Ms. 924, fl. 364.
(420) Idem, Ibidem.
138
Cristvo da Purificao ter sido o responsvel pelo dormitrio do "Vale de
Cavalinhos", erguido em 1543, "todo de pedra de cantaria" e "cellas largas" (422).
Ainda nos anos quarenta, Gabriel da Conceio encomendou, segundo a nossa fonte,
quatro importantes construes: o dormitrio "grande", o "colegio" para o funcionamento
de aulas de Filosofia e Teologia, o refeitrio novo e a cozinha.
Em 1546 ter mandado erguer o "dormitrio grande de pedra de cantaria que cahe
sobre a horta" e "obrou a caza grande que serve de aula de Philosophia, e sagrada
Theologia" (423). As despesas com estas obras tero ascendido aos 360 mil reis (424 ).
Quanto ao refeitrio, o nosso cronista infere a sua construo na mesma data, pois por
se tratar de uma "caza antiga" que "se devia obrar quando o padre reitor Gabriel da
Conceio fes o dormitorio grande", tanto mais que "pertencem as paredes do refeitorio
ao dormitorio" (425).
O seu custo, incluindo "o assento, meza e lavatorio podio custar 140.000 ris" (426).
Segundo Jorge de S. Paulo, foi ainda este prelado quem mandou construir a cozinha,
que deveria estar pronta em 1548 (427).
Quando, no final do sculo, se procede instalao do chafariz do claustro, esta
cozinha ser dotada de dois tanques, uma obra mandada executar pelo reitor Sodr:
estando edificada desde 1548, "entendeo o padre Sodr no anno de 1597 em que se
fizessem dous tanques pera receberem a agoa do seu novo chafaris pera o servio desta
officina. Custou tudo cento e dous mil ris" (428).
Utilizando uma nota informativa do padre lvaro da Conceio, Jorge de S. Paulo
atribui os "casorios sitos entre o cunhal da capella mor ate corrente da levada" (429) ao
reitor Cristvo da Purificao, casas que tinham "dous portaes mui bem lavrados e seu
lavatorio" (430). Desconhecia-se, no concreto, a especificidade das funes daquelas
dependncias, cujo custo calculado em 500.000 reis (431).
"Pella ilharga para o meio dia se fabricaro sinco lindas capelinhas com
seus brutescos, e embrechados, mil lizonjas de conchinhas, mil
variedades de conchas, varios quartes empedrados milhares de
pedrinhas brilhantes, e outras notaveis curiosidades que mais pedio
vista de olhos que pena de descripses; parece que em tudo a arte e
natureza se esmeraro no ornato desta cerca fresca, alegre, e aprazivel"
(438).
(446) Este mestre pedreiro deveria pertencer aos Lopes de Guimares, que desenvolveram a sua
actividade em todo o norte do pas. Tratar-se-ia do filho de Joo Lopes, o Velho (responsvel pelas obras
na igreja de Vilar de Frades, na primeira vintena de quinhentos), nascido por volta de 1530 em S. Julio
de Moreira - Ponte de Lima, a quem so atribudas vrias obras em Viana do Castelo, a torre da matriz de
Vila do Conde (1573) e que tambm participou nas obras de pedraria do convento da Serra do Pilar? Ou
ser outro descendente, porventura "o terceiro Joo Lopes" que viveu em Guimares onde viria a casar
(em 9 de Maio de 1603) com Mnica Barbosa, filha do mestre Gonalo Lopes (que tambm participa nas
obras de Vilar, designadamente no assentamento do chafariz do claustro) e de sua mulher Mnica Barbosa
e que "trabalhou principalmente naquela ento vila, nos fins do sculo XVI e primeiros anos do XVII e
em S. Gonalo de Amarante (1606)"? - FREITAS, Eugnio de Andrea da Cunha e - O Mosteiro da Serra
do Pilar no sculo XVI - Notas de Histria e de Arte, Sep. de O Tripeiro, Porto, 1964, pp. 38-40.
Cf. REIS, Antnio Matos - Ob. cit., pp. 151-172.
(447) Nos finais do sculo XVII, diz-nos o novo cronista: "O Cabido he muy claro, e espaoso: nelle se
venra huma imagem da Senhora muy devota. O refeitorio, e mais officinas so todas cousa grandiosa, e
perfeita. A livraria, que juntamente serve de aula, onde se lm Artes, e a sagrada Theologia, he huma
fermosissima casa; nella se celebrro muitas veses em outros tempos Capitulos Graes" - SANTA
MARIA, Francisco de - Ob. cit., p. 385.
(448) Ver Apndice Documental - doc. II.
(449) A.D.B. - Fundo Monstico Conventual, L 20, fl. 212-212v..
(450) A.D.B. - Fundo Monstico Conventual, L 24, fl. 54.
142
Segue-se a descrio do programa construtivo e as condies contratuais a serem
cumpridas pelas partes: durao das obras, custos e forma de pagamento, fornecimento
dos materiais, obrigao de pessoa e bens, entre outras (451).
Na presena do tabelio Marcos Veloso e de trs testemunhas (452), o contrato foi
assinado na hospedaria do convento, onde:
O mestre deveria construir "hua casa para o Capitullo e para as paredes da casa da
era, e da fruita ate ho primeiro arquo da levada e se ocupara todo ho mais dos meos e
segurara ho lavamento e ho dormitorio" (454).
Para o acesso casa capitular seria rasgado "hum portal romano muito fermozo que
repponda a hua vasa fermoza como hade fiquar aquella depois de acabada, em cabido
muito a guosto dos padres" (455); na parede a nascente, "rasguara tres frestas para tres
vidraas da parte dos camteiros de mui fermosa pedraria de squadria da comprido e
largura que a obra demandar" (456).
Certamente contgua quele espao seria construda uma pequena "casa de escortinho
au de milhor quadrar lambris muito bem acabados com seu portal para dentro e fresta
Uma escadaria e um prtico com arco de volta perfeita deveriam estabelecer a ligao
entre o cabido e o claustro:
Esta escada deveria subir ao piso do dormitrio e da enfermaria - "a dar serventia por
ella ha casa do foguo muito fermosa bem acabada com seus descansos e bem largua que
posso hir cepos almofreixes, caixas e todo o mais servio desta casa tudo sem
impedimento, mas mui follguadamente" (460), para o que "desfara elle mestre a esquada
velha, e fara a nova, e a pedra da velha fiquara para a nova e as mais que elle mestre fara"
(461).
Quanto enfermaria, deveria erguer-se "cimquo palmos hou seis pallmos acima tudo
em rdondo comvem a saber pella parte do pumar de pedra de squadria com suas capas
conforme vai a outra, e quanto ao mais porllo meo amtre esta emfermaria, e casa do foguo
e a mais que comvir e alevantar sera de alvenarias conforme a outra" (462).
Para a sua iluminao, "fara elle mestre as janellas da emfermaria que forem
necesarias" (463).
(464) Uma estrutura de 45 x 35 palmos que, sob o segundo piso, ligava-se a uma azenha e respectiva
levada. Situada no edifcio a nascente, tratava-se de uma reconstruo "onde hora estao a mesma officina"
entre a enfermaria e a porta do galinheiro" - A.D.B. - Fundo Monstico Conventual, L 20, fl. 207.
(465) Idem, 207v..
(466) Idem, fl. 207.
(467) Ver Apndice Documental - docs. I e II.
145
todo feito ate Maio deste que hora a hum anno que embora viraa
que seraa ho de noventa e quatro annos ho qual elle Juon Coelo
Lopes que presente estava disse que se obrigua a fazer no dito
tempo atras declarado sera feita e acabada no dito tempo atras
declarado (sic) para que se possa fazer Capitollo Geral que se hade
cellebrar no Maio de noventa e quatro annos todo limpo e tal que
ate fique aos padres e hos e hos aguasalhe" (468).
1 - De acordo com o "rol do que se gastou do paguo de joias para as obras do cabido e
fermaria" foi paga a primeira prestao dos 320 mil reis ao mestre pedreiro, no valor de
50 mil, conforme o fixado na escritura pblica:
"Demos a Juon Coelo Lopes a conta da obra que vai fazendo com
terceira pagua simcoenta mil reis, em que entraram vinte mil reis
do po que tinha recebido da mo do padre reitor" (479).
4 - No ltimo dia do ms de Outubro de 1593 foi entregue mais uma quantia, no valor
de 10 mil reis, desta vez a Bento Fernandes, um provvel oficial de pedreiro da confiana
do mestre e que o deveria substituir na sua ausncia:
Este pagamento ser confirmado pelo mestre, aquando do seu regresso s obras de
Vilar de Frades, no momento de arrecadar novo montante.
E confirma a verba recebida por Bento Fernandes ao fixar a sua assinatura sob o
seguinte registo:
6 - A 21 de Maro de 1594 foi entregue ao mestre outra quantia, desta vez no valor de
30 mil reis. Diz o documento que foi entregue ao procurador "pa dar a Juon Coelo Lopes
a vinte e hum de Maro a conta da obra que faz trimta mil reis" (483).
8 - A 16 de Junho ter o mestre recebido mais 50 mil, conforme uma nota algo
confusa:
"Digo eu Juam Coelo Lopes (sic) he verdade que me foi por paguo e
satesfeito de todo o dinheiro que o padre reitor Antonio do Espirito
Santo reitor de Villar de Frades que era obriguado a pagar-me
polla obra que me obriguei fazer asima a esta escritura asima dita
paguada a dinheiro acabada e feita e o dito padre se da por
satisfeito como visto o seja sendo todo dinheiro paguo que se me
devia de toda a dita obra dizemos esta obra acabada ho final.
Asinamos todos oje vinte e hum de Dezembro de 94 annos.
Juam Lopes
Antonio do Espirito Santo
Guaspar de Santa Maria" (487).
Com efeito, "elle padre reitor e mais padres se obriguo [...] a abrir hos alicecis e
desemtulhar ho cabido e outros entulhos se for necessario e a caretar toda a pedra e agusar
os piquos, e mais feramenta tirando a que for de novo mandar vir hos aparelhos para
allevantar ho jeito da emfermaria dar madeiras para estadas e esquadas e ao dia de
alevantar ho testo lhe dara gente conveniente allem dos officiaes de pedraria que elle
mestre amto com os que tiver, e quanto ao lageamento no seraa elle mestre a fazer que
ho que hos degraos" (489). E o padre reitor, reza a minuta, obriga-se "a lhe dar gasalhado
muito bom para sua pessoa quer de cama quer de comes" (490).
O valor recebido perfazia 300.000 reis e no 280.000. No valor indicado pelo escrivo no entrava,
por certo, o po que havia sido dado ao mestre, no valor de 20.000 reis.
(487) A.D.B. - Fundo Monstico Conventual, L 20, fls. 212-212v..
(488) A.D.B. - Fundo Monstico Conventual, L 24, fl. 55.
(489) Ver Apndice Documental - doc. II.
(490) Ver Apndice Documental - doc. I.
151
A obra de Joo Coelho Lopes, da ltima dcada do sculo XVI, enquadrou-se, sem
dvida, numa importante remodelao desta rea conventual, localizada a nascente do
claustro e de cuja memria apenas restaro dois portais, a escadaria e eventualmente toda
a zona sul do edifcio.
153
Antnio Pereira,
1566 Retbulo-mor. mestre entalhador Ferno de Santo
que vem de Antnio
Lamego
1572 Dormitrio da Gaspar de Cristo
"varanda". Baio
1574 Azenhas do interior Gaspar de Cristo
da Baio
cerca e sua levada.
1581 Casa da "limpeza". lvaro de Santa
Maria
1583 Capela(s) na cerca e Padres do lvaro de Santa
casas da conventos Maria
"procurao" e outros.
e do "azeite".
1585 Estofado, Antnio Fernandes, Jernimo da Cruz
douramento mestre pintor.
e pintura do altar-
mor.
1589 Entalhamento e Bento Loureiro Manuel Baptista
(antes estofado dos dois da Pousa,
de) altares colaterais. entalhador.
1589 Pintura dos altares Geraldo do Prado, Manuel Baptista
mor mestre pintor de
e colaterais. Braga.
Altares de Santo Gaspar dos Anjos
1590? Antnio e So do Porto?
Sebastio, nas
capelas
laterais.
154
1590 Capela(s) na cerca. Padres do Gaspar dos Anjos
convento. do Porto
Reforma do edifcio
conventual, a sudeste
1593- da igreja e a nascente Joo Coelho Lopes, Antnio do
-1594 do claustro: cabido, mestre pedreiro de Esprito
enfermaria, escadaria Guimares. Santo Cines
e
portais, cozinha e
"secretas"
1595 Altar do Esprito Baltazar de Cristo
Santo, Sodr
de capela lateral.
Encomendado a
uma oficina de
1597 Chafariz do claustro. Lisboa, foi Baltazar de Cristo
colocado Sodr
por Gonalo Lopes,
mestre pedreiro da
vila de Guimares.
1589- lajeamento do Gonalo Lopes, Francisco da
-1600 claustro. mestre pedreiro Madre
de Guimares? de Deus
155
CAPTULO III
156
1. REFORMA E EXPANSO DO CONVENTO NO PRIMEIRO QUARTEL DE
SEISCENTOS
No dia 20 de Janeiro de 1616 deflagrou no pas um temporal que viria a atingir com
particular violncia o norte e que levou o cronista a chamar-lhe a "notavel, e portentoza
tormenta de Sam Sebastio" (493), por coincidir com o dia da celebrao litrgica daquele
santo.
Observados em Vilar s 20 horas, as chuvas e ventos ciclnicos provocaram grandes
estragos na igreja e no convento, com particular incidncia, talvez, nas reas que no
haviam sido objecto de remodelao aquando das obras de 1593-1594, de tal maneira
que, "a passar, no remanecio mais que as ruinas de todo o edificio obrado em 191 annos
depois de se dar principio sua ultima reedificao" (494).
Por tudo isto deliberaram os religiosos "a dar principio huma obra to superior que
abatesse todo o mais edificio pondo por terra" (501). E por terra se lanou toda a estrutura
mais arcaica e insegura, "comeando da parte das hortas desde a caza da madeira at a
cal". No permetro dela havia dispendido o reitor Sodr 80.000 reis em 1596, "em cercar o outeiro do
Barco"; em 1606 gastou o reitor Jernimo da Assuno 230.000 reis com o chamado "muro do pinheiro"
e em 1613, Antnio de S. Bento, 320.000 reis com o muro de "Jorge do monte"; nos seus trinios, Pero da
Conceio (1621-1623) e Manuel da Anunciao (1636-1638) "fizero o muro da Frecha ate o monte
redondo que custou 105.000 ris". De salientar ainda que em 1607-1609 decorrem vrias obras no
convento, todas a cargo do reitor Baltazar da Anunciao, que "fez de novo todos os curraes, palheiros e
caza da recreao no campo da eira e a fonte de So Joo" onde a comunidade monstica gastou 310.000
reis - A.D.B. - Ms. 924, fls. 364-365.
Ver Apndice Documental - doc. VII.
(497) No final do sculo todo este espao ser ampliado 30 palmos para poente, uma empreitada
conhecida pela "obra da emmenda, da frontaria, dos dormitorios novo e velho" a cargo do mestre pedreiro
Manuel Fernandes da Silva - conforme documento exarado a 10 de Maio de 1700, pelo escrivo do
convento Loureno da Anunciao - A.D.B. - L 22, fls. 414-415.
(498) A.D.B. - Ms. 924, fl. 363.
(499) Idem, Ibidem.
(500) Idem, Ibidem.
(501) Idem, Ibidem.
158
parede da caza da limpeza, e da parte da igreja devachando o lano das estrevarias e suas
varandas ate porta da claustra por onde sahe a via pera o terreiro da Igreja" (502).
As obras devero ter comeado pelo muro fronteiro que se destinava a realizar a
unidade orgnica do convento e da sua igreja: "huma forte parede" construda "no anno de
1619 des o muro do pumar novo", que fica a norte, "ate a frente de So Joo" (503).
Esta importante obra do convento s pde concluir-se nos incios do sculo XVIII
(512). A longa interrupo a que ficou sujeita foi objecto de crticas, por certo mordazes,
entre os cnegos que, por um lado, almejavam melhores condies no quotidiano das suas
vidas e, por outro, desejavam reafirmar perante Braga e o pas a antiga fama e
grandiosidade do moderno instituto de Vilar de Frades.
As alteraes no rumo dos planos construtivos impunham-se, pois era foroso acudir
igreja que ameaava ruir, dotando-a de uma nova estrutura, mais vistosa e segura, em
substituio da nave nica e das capelas laterais de quinhentos: adequar o novo corporal
ao conjunto patrocinado por D. Diogo de Sousa e suas sobrinhas.
Porm, as obras que se seguiram no se limitaram ao corpo da igreja e ao seu
abobadamento.
Uma nota do escrivo da comunidade (513) d-nos conta de que o mosteiro gastou em
1625 cerca de 50.000 reis com a manuteno das celas e com a reforma da enfermaria e
da hospedaria (514).
Ainda segundo a relao de despesas do convento, desta mesma data, gastavam
anualmente os padres de Vilar de Frades 200.000 reis com o convento de S. Bento de
Xabregas, nas obras da sua "igreja que se faz todos os annos" (515) e 60.000 reis/ano com
o Colgio de Coimbra "por no ter rendas para sustento dos padres que a vivem, nos
estudos" (516).
"Por elles todos juntamente e per cada hum delles en solidum foi
dito en seus nomes e do seu mosteiro que elles ordenavo de fazeren
junto do mesmo mosteiro huma hermida da invoqao de Nosa
Sora do Secoro (sic) e que pera efeito de a poderen fazer lhe estava
mandado pello sor arcebispo primas que se obrigasem os beins do
convento a fabrica della e logo por elles foi dito que de comum
consentimento se obrigavo como de feito logo se obrigaro pellos
beins e rendas do dito mosteiro de fabriqarem a dita irmida de todo
o nesesario que ouver mister e pera iso obrigavo os beins do dito
mosteiro e asi o outroguaram (sic) seu tabalio como pesoa
publiqua estepulante e aceitante o estepulei e aseitei" (530).
Desta forma, cumprida a condio essencial exigida pelo arcebispo, a licena formal
para a construo da capela surge a 19 de Fevereiro de 1620 (531), numa altura em que, na
nossa opinio, j as obras estavam a decorrer (532).
Quanto ao mestre pedreiro e aos oficiais que trabalharam nesta data em Vilar de
Frades, no possumos qualquer informao.
Nem o contrato, nem os apontamentos ou outros quaisquer documentos nos do luz
sobre os artistas que trabalharam na reforma e ampliao do convento depois de 1616
(538), sobretudo no ano de 1619, no novo corpo da igreja e no seu esmerado e sublime
abobadamento, enfim, na capela de Nossa Senhora do Socorro.
At o cronista, infelizmente, omite a autoria do traado e da execuo das obras. Tero
estado a cargo, ainda, de algum membro da "dinastia" Lopes, de Guimares? A que se
deve o silncio de Jorge de So Paulo, contemporneo e testemunha das obras em Vilar?
So interrogaes para as quais no encontrmos respostas seguras.
O culo do fronto foi quase escondido pelo alpendre que se colou fachada, aquando
das obras de beneficiao que ali houve, provavelmente nos comeos do nosso sculo, a
A coroar este pequeno mas interessante templo, trs cruzes e trs pares de pinculos
(um dos quais substitudo, na zona da frontaria e cujo original se encontra no cimo do
escadrio, entrada do ptio) acrescentam plstica, movimento e beleza ao conjunto que,
perene, continua o seu dilogo multissecular com a terra, com o arvoredo verdejante e o
cu de Areias de Vilar.
3. A IGREJA
(559) Pelo estilo de linguagem e pela ortografia, estamos convencidos de que o seu autor foi Jorge de S.
Paulo. Este manuscrito poder mesmo ter constitudo um esboo, ainda que rudimentar, do "Epilogo e
compendio..." que este cronista redigiu em 1658.
(560) A.N.T.T. - L 1, M. 1, Cx. 1, Conv. Diversos-n 25, fl. 13v..
(561) Jorge de So Paulo apresenta um saldo negativo de 200.000 reis, relativo ao ano de 1624-1625,
justificado pelas inmeras despesas da "casa", que obviamente deveriam emperrar o andamento das obras.
Esclarece que viviam no seu convento entre 52 a 55 religiosos "aos quais se d de vestir perfeitamente
panno de linho, calado, e vestido de panno e sarjas com toda a pontualidade por assim o detreminar a
Constituio", oscilando esta despesa entre 500.000 e 960.000 reis por trinio; em cada ano gastavam-se
entre 550.000 e 560.000 reis em carne e peixe e 110.000 reis em salrios: "em soldadas de criados, que
so muitos, por a caza ser de grangearia e estar em hum monte afastada de povoao muito he assim ter
aalairados todos os officiais necessarios, como carpinteiros, ferreiro, pedreiros, alfaiate, apateiro e os
mais s em soldadas cento e des mil reis pouquo mais ou menos", isto em dinheiro, porque com os
"ordenados de po aos officiais aalairados" gastavam-se 675 alqueires de po destinado a "medicos;
surgioins, letrados, soliitadores e barbeiros, sangrador e mais officiais necessarios pera a sustentao da
caza" e 70 alqueires/semana "em familios da casa que so muitos por respeito da grangearia e nas esmolas
da porta cotidianas, que so muitas e grandes"; em todos os anos se consumiam 50.000 reis com a
"emfermaria e botica"; entre 110.000-120.000 reis em azeite, porque das rendas no vinha nenhum e
muito se gastava por ser uma "casa de estudantes e ter muitas lampadas obrigadas em a igreja"; 30.000
reis nas "obras" da sacristia e 120.000-130.000 reis nas "mudanas e caminhos" para fora de Vilar por
este convento "estar em o monte e em hum sitio muito humido e frio do qual procuro os religiosos por
respeito das emfermidades mudarsse para outras casas mais sadias"; finalmente, a despesa com as
Visitaes e com o Seminrio de Braga orava em 10.000 reis/ano - A.D.B. - Fundo monstico, L 24, fl.
128.
(562) A.D.B. - Fundo Monstico Conventual, L 24, fls. 127v.-128.
(563) Dizemos reforo porque estamos convencidos de que se manteve o mesmo muro externo do corpo
quinhentista, do mesmo modo que as frestas nele rasgadas e que viriam a ser entaipadas no sculo XVIII,
aquando da remodelao barroca no interior da igreja.
170
Testemunha-nos o escrivo da comunidade que "a igreja esta pera cair e foi necessario
sostentarem-na com botareos", sendo "comeada huma abobada em ella" (564).
E, preocupado com eventuais atrasos, defende que se no se lhe acudir "com prestesa",
correr o risco de ruir, "caira a igreja ou pello menos avera sempre perda no comessado"
(565), devido s infiltraes de gua que afectavam todo o "mais corpo da igreja que para
continuarem com a abobada se desforrou e assim esta aberto" (566).
Prev ainda que "pera a qual obra to neessaria so neessarios largos tres mil
cruzados" (567).
Contemporneo de toda a construo, o mesmo autor fornece-nos elementos mais
completos na crnica de 1658:
"Conservou-se esta obra do corpo da igreja at o anno de 1623 em o
qual considerando os padres no tinha correspondencia alguma
com o edificio da capella e cruzeiro e que o forro hia dando de si,
saltando as peas com o risco dos freguezes se deliberaro a darem
principio obra proporcionada capella repartida em seis paineis
e, assi o padre reitor Pedro da Conceio da Barca em 17 de Julho
(sic) do mesmo anno lanou a primeira pedra do corpo da igreja
(568) comeando pello primeiro painel do choro e foi-se continuando
este magestoso edificio firmado com altos e fortes botareos com a
mesma abobada enlaada de porcintas e rozas em correspondencia
igual da capella mor e cruzeiro.
Foro continuando com esta sumptuosa obra os reverendos padres
reitores Joo de So Paulo, Felippe da Ressurreio, Gaspar dos
Anjos, Gabriel da Anunciao, Manuel da Annunciao e Bernardo
de Christo ate o anno de 1641, despendendo-se nella quatro contos
outocentos e trinta mil ris em o qual anno pararo no se obrando
couza que avultasse at este de 1658 em que tivero fim as capellas
e seus retabolos que por agencia de hum padre nosso mestre de
(571) A pia baptismal constitui um belssimo exemplar de estrutura octogonal, lavrado moda manuelina.
(572) Admitimos a possibilidade das "Instructiones Fabricae et Supellectilis Ecclesiasticae", de S. Carlos
Borromeo (1538-1584), terem influenciado directa ou indirectamente a reforma seiscentista da igreja. No
que respeita s chamadas capelas e altares "menores", em primeiro lugar, "cuando sea menester edificar
numerosos altares, y la iglesia, construda en forma de cruz, que conste de bside y tenga dos como
brazos, entonces por el extremo de uno y otro brazo ser el lugar aptamente conveniente donde se
edifiquen dos altares, uno por el lado derecho, otro por el izquierdo [...] Todas las capillas menores
consten de una misma latitud, longitude y altitud; y finalmente, hasta donde sea posible hacer esto,
guarden armona entre s, por todos lados. Pero sin embargo las que estn en la cabeza de los brazos de la
iglesia que exhibe forma de cruz, por razn del sitio, podrn ser tambin de forma ms ilustre, as como
algo ms amplias que las dems, con tal que aqullas se correspondan entre s, una a la otra, por todos los
lados [...] El pavimento de las capillas menores debe construirse ocho pulgadas ms alto que el suelo de la
iglesia [...] Cada capilla, como se dijo de la mayor, erjase con obra abovedada. Los altares constryanse
en el frente medio de cada una de las capillas, no por los lados" - BORROMEO, Carlos - Instruccions de
la Fbrica y del Ajuar Eclesistico (Introduccin, traduccin y notas de Bulmaro Reys Coria e nota
preliminar de Elena Isabel Estrada de Cerlero), Mxico, Universidad Nacional Autnoma de Mxico,
1985, pp. 20-21, 23-25.
174
3.2. O NOVO CADEIRAL DO CORO: UMA OBRA DE ANTNIO JOO
PADILHA, MESTRE ENSAMBLADOR DO PORTO
(573) Cf. FERREIRA-ALVES, Natlia Marinho - A Arte da Talha no Porto na poca Barroca (Artistas e
Clientela. Materiais e Tcnica), Vol. II, pp. 413-414.
(574) Contrato este publicado por BRANDO, Domingos de Pinho - Ob. cit., pp. 548-554.
Ver Apndice Documental - doc. XII.
(575) BRANDO, Domingos de Pinho - Ob. cit., pp. 549-552.
(576) A.D.B. - Ms. 924, fl. 358.
Cf. LANCASTRE, Maria do Carmo Henriques de - Ob. cit., p. 190.
(577) Idem, Ibidem.
(578) Idem, Ibidem.
(579) Idem. Ibidem.
175
seus muitos e suaves registos" (580), uma obra encomendada pelo padre reitor Vicente da
Conceio, a quem ter custado 310.000 reis.
Segundo conta Jorge de So Paulo, o organista Manuel da Guerra (581) ter cobiado o
rgo de Vilar, que pretendeu compr-lo aos cnegos por "hum conto de reis" a fim de o
vender ao arcebispo de Santiago de Compostela por "tres mil cruzados", tal era a fama
que corria de to celebrado instrumento musical:
Ora, no dia 13 de Maio de 1682 havia sido contratado Antnio Joo Padilha (586),
artista portuense, para fazer o cadeiral, a estante e as grades do coro, bem como a tribuna
do rgo, conforme consta do contrato transcrito por D. Domingos de Pinho Brando
(587).
A leitura do contrato permitiu-nos saber os nomes das partes envolvidas; a existncia
de uma planta para o cadeiral, porventura idntica ao do convento da Serra do Pilar e de
Caso os religiosos pretendessem rematar esta estante com a imagem de S. Joo Evangelista e a
respectiva guia, seria "por conta dos ditos padres" - Idem, p. 552.
(595) Como ensina a professora Ferreira-Alves, o contrato era um "elo de ligao extremamente
importante"; era um documento registado notarialmente perante testemunhas, que "vinculava ambas as
partes ao cumprimento de vrias clausulas" - FERREIRA-ALVES, Natlia Marinho - Talha, in Dicionrio
da Arte Barroca em Portugal, Lisboa, Editorial Presena, 1989, pp. 466-467.
(596) BRANDO, Domingos de Pinho - Ob. cit., pp. 552-553.
(597) Idem, p. 552.
Para alm de pagar as eventuais "perdas e dannos", o mestre obrigava a sua prpria pessoa e
hipotecava os seus bens mveis e imveis, do presente e do futuro, "para assim aver de cumprir e
guardar", pelo que "disse que obrigava sua pessoa e todos os seus bens moves e de rais havidos e por aver
[...] por expesial ipoteca disse ipotecava ametade de huma caza de moinho alveiro [...] e huas cazas
sobradadas [...] e hum campo [...] e assi mais as suas cazas em que vive [...] que tudo valia mais de dous
mil cruzados as quais propriedades disse tinha livres e desembargadas de toda outra obrigao e ipoteca" -
Idem, pp. 553-554.
(598) Ver Apndice Documental - doc. XII.
(599) Idem, Ibidem.
179
Antnio Joo contou e recolheo emssi dizendo que estavao sertos e bem contados os ditos
coatrosentos mil reis sem erro nem falta algua de que eu tabeliam dou minha fee por elle
os reseber na minha presena e das testemunhas" (600). No que concerne aos restantes
2.600.000 reis, os padres "hiro dando em pagamentos [...] assim como for fazendo a obra
de maneira que acabada ella fique pago e satisfeito dos ditos tres mil cruzados e hira
dando resibos do que for reebendo para ao dipois o levar em conta" (601).
Parece-nos, pois, que as condies deste contrato visavam claramente, mais que
salvaguardar os interesses das duas partes outorgantes, garantir o cumprimento pleno por
parte do artista (602). A soma era efectivamente elevada, o bastante para justificar a maior
prudncia por parte dos cnegos, que ficavam com a possibilidade de ir sobre os bens
hipotecados (praticamente todas as propriedades) e sobre a prpria pessoa do mestre.
A sua mulher e o pessoal da sua oficina ficavam implicados, de forma a responderem
face a eventuais ocorrncias que impedissem a execuo plena e perfeita da obra
contratada.
"Outrossim pello dito Simo Antonio foi mais dito que sob a mesma
obrigao de sua pessoa e bens se obrigava a fazer as portas [...]
prinssipais da igreja deste convento de pau de angelim todas bronzeadas
e bornidas na mesma forma que se fizero as da igreja de Santo Eloi do
Porto com a obrigao delle Simo Antonio por todas as ferragens abrir
buracos e chunvar e tudo o mais que for nessessario para fazer portas e
fechaduras como por a chave tudo a seu custo tudo por presso de
trezentos e quinze mil reis e lhe davo enquanto travalhar em huma e
outra (obras) a reo na forma assima dito e sera mais obrigado a por no
De salientar que no era a primeira vez que Simo Antnio trabalhava para os padres lios. Para as
"importantes" obras que se realizam no convento de St Eli, do Porto, entre 1681-1697, designadamente
a empreitada de carpintaria do dormitrio que ligava a portaria igreja, sob um contrato de Junho de 1681
- Cf. FERREIRA-ALVES, Joaquim Jaime B. - Aspectos da Actividade Arquitectnica na Segunda
Metade do Sculo XVII, Sep. da Revista da Faculdade de Letras - Histria, Porto, 1985.
(604) A.D.B. - Notarial de Barcelos, L 750, fl. 82.
(605) Idem, Ibidem.
(606) Idem, Ibidem.
(607) Idem, Ibidem.
(608) Idem, fl. 82v..
(609) Idem, fl. 82.
(610) Idem, fl. 82.
181
pavimento da igreja duas faixas de bronze para as portas abrirem sobre
ellas na forma que esto as grades do cruzeiro porpocionandosse no
bronze ao presso das portas e que dara acabada as ditas portas acabadas
ate dia de Todos os Santos" (611).
Caso Simo Antnio no cumprisse o contrato dentro do prazo estipulado, havia "de se
avater" (612). O mestre fornecia "o chumvo pau e tudo o mais nessessario de sorte que
pora as ditas portas assentes a sua conta" (613).
Na verdade, o mestre Pascoal Fernandes no era natural de Santo Ildefonso, mas sim
da freguesia de Lobo (Vila da Feira), onde nasceu em 15 de Abril de 1648 de Antnio
Francisco e Maria Fernandes, sendo a baptizado no dia 23 do mesmo ms (617).
Em 1670 Pascoal Fernandes encontra-se radicado na cidade invicta, onde casa na
igreja de Santo Ildefonso com Catarina Fernandes, no dia 13 de Abril (618).
"Que estas paredes tenham de grosso as duas dos lados des o seu
fundamento ate onde vo as escadas des palmos e desde as escadas
para sima ficaro as paredes em tres e meio e a groza digo e a
grossura dos des palmos se entende no lugar aonde forem escadas
ficando estas assentadas na grussura da parede fa digo da parede
da largura de seis palmos e meio" (633).
A escada havia de conduzir ao "segundo patio", devendo ser dotada do seu "propianho
onde assentem as traves do solho que hade assentar a tribuna" (634).
Os mestres eram responsveis pelo corte da pedra, alguma dela "escodada", com
particular destaque a do envasamento do retbulo e sua tribuna, para o qual haviam de
abrir um alicerce de 8 palmos de largura:
(630) "Dessero elles ditos mestres que obrigavo por suas pessoas e bens prezentes e futuros e teros de
suas almas cada hum de per si e hum pelo todo mais comparado de cada hum delles a fazerem a dita obra
na forma dos apontamentos atras com todas as condisses e penas neles declaradas" - A.D.B. - Notarial de
Barcelos, L 760, fl. 10.
(631) Idem, Ibidem.
(632) Idem, Ibidem.
(633) Idem, fl. 9v..
(634) Idem, fl. 9v..
185
huma alta e outra refenhada pera fazer o filete da almofada e o
seistal que fas de meio (sic) sobre que assenta [...] a obra de dentro
sera feita de selharia escodada fazendo na parte de diante hum
painel com sua faixa revaixada des baixo deste banco se fara hum
alissesse em toda a largura da capela de oito palmos de largo para
assentar o dito banco" (635).
Pelo preo de 870.000 reis (645), setenta dos quais pagos no acto da assinatura do
contrato e os restantes oitocentos liquidados em prestaes mensais de 100 mil reis, a
obra deveria estar concluda no Natal do mesmo ano de 1697 (646), "com pena de que a
no dando acabada ate o dito tempo perderem (os mestres) da sua fazenda coatro sentos
mel reis" (647), excepto se a culpa no lhes fosse imputada, porquanto "isto cazo que os
reverendos padres faltem de sua parte com a cal pedra ou madeira e saibro sessara a esta
pena" (648).
Para alm do custo financeiro da obra, os encomendadores, que "obrigavo os bens e
rendas" (649) do convento, responsabilizaram-se pelo fornecimento da matria-prima - "as
madeiras cal e saibro e a chegar a pedra que for nessessario e grades [...] e as madeiras
que forem nessessarias para o semples planxas e [...] guendarlas" (650); pelas refeies e
pelo alojamento a um dos mestres - "a hum deles ditos mestres lhe daro todos os dias
huma rezo de frade e de mais almosso e caza digo e cama em que durma" (651); pela
residncia e cozedura do po para todos os oficiais que participarem na obra - "caza para
todos os ofeceais e lhe mandaro cozer a broa para estes" (652).
Este oramento chega a ser aprovado (669), mas as obras permanecero adiadas. Um
relatrio posterior, ainda que no datado nem assinado, mas elaborado antes do incio das
obras em 1941, apresenta dois aspectos considerao superior - o primeiro dizia respeito
necessidade premente de remodelar ou substituir os telhados da igreja; enquanto o
segundo tratava especificamente da capela-mr, revelando uma opinio positiva
relativamente ao retbulo:
"A capela-mr, cuja abbada est abalada e com largas fendas na sua
estructura, resultantes do apeamento da parede fundeira quando lhe
aplicaram o actual altar de talha dourada que no meu entender se deve
conservar por ser pea rica embora contrastanto com o estilo da abside"
(670).
(671) Pelo que as obras a realizar "neste Monumento de grande interesse artstico e que j foram descritas
na memria que oportunamente acompanhava aquele citado oramento, so as seguintes: a) Reforma
completa da cobertura com substituio da telha, sendo os canais romanos e capas aproveitadas da telha
velha; b) Limpeza do extradorso da abbada dos entulhos acumulados e que no faam falta sua
impermeabilizao e isolamento; c) Apeamento do tico sobreposto beirada e construdo posteriormente
sem qualquer interesse artstico e sem necessidade aparente para a segurana e conservao da armao
que apoiada na abbada; d) Consolidao da abbada da capela-mor para supresso das largas fendas
que apresenta. Esta consolidao, deve ser feita com o apeamento de parte da abbada. trabalho
dispendioso por obrigar a moldagem e zimbres de grande altura; todavia indispensavel pelo aspecto de
eminente runa que patenteia; e) Lavagem de tdas as cantarias internas. bom notar aqui que ste
Monumento, tendo riqussima abbada artesonada, com os limos e liquens formados ao longo dos seus
paramentos provenientes de longas escorrencias das guas meteoricas, tem um ar desagradavel de caverna
que contrasta com o labor da pedraria e lhe d aparencias de abandno que afinal bem justificado; f)
Reforma de vitrais. Possue em grande parte os vitrais lisos do sculo XVIII bastante combalidos mas
aproveitaveis" - Idem, pp. 1-3.
(672) Idem, Of. 383 de 20-04-1939.
192
do norte pela conservao dos monumentos esclarece que "aquelas obras tero incio com
o apeamento total da abbada de pedra da capela-mr pelo que o culto ter de ser
interrompido temporariamente naquele local" (674).
Da primeira empreitada, no valor de 20.000$00 (conforme a "Proposta de Ajuste
Particular" datada de 13 de Setembro de 1941), constou o seguinte:
(682) Ver FERREIRA-ALVES, Natlia Marinho - A Arte da Talha no Porto na poca Barroca, Vol. I,
pp. 123-129 e Vol. II, pp. 386 e 406; De Arquitecto a Entalhador. Itinerrio de um Artista nos Sculos
XVII e XVIII - in Actas do I Congresso Internacional do Barroco, Porto, 1990, pp. 355-369.
(683) Cf. FERREIRA-ALVES, Natlia Marinho - A Arte da Talha no Porto na poca Barroca, Vol. I,
pp. 124, 126, 128-129 e Vol. II, pp. 386 e 406.
Cf. BRANDO, Domingos de Pinho - Ob. cit., p. 832.
(684) Este contrato foi transcrito e publicado por BRANDO, Domingos de Pinho - Ob. cit., pp. 832-835.
Ver Apndice Documental - doc. XIV.
(685) BRANDO, Domingos de Pinho - Ob. cit., p. 833.
(686) A autoria do risco poderia pertencer a um ou a ambos os entalhadores, pois, tanto Antnio Gomes
como Domingos Nunes estavam altura para o fazer, quer pela qualidade da formao e experincia que
tinham, quer pelo prestgio e fama de que desfrutavam. Ao considerar as funes dos artistas seiscentistas
e setecentistas, diz-nos a professora Ferreira-Alves: "Antnio Gomes e Domingos Nunes so os casos
extremos, j que para alm de mestres arquitectos so tambm apontados como entalhadores, escultores,
imaginrios e ensambladores, sendo ainda citado o primeiro como torneiro e o segundo como mestre de
carpintaria" - FERREIRA-ALVES, Natlia Marinho - A Arte da Talha no Porto na poca Barroca, Vol.
I, p. 61.
195
Na presena do tabelio Antnio de Paiva Aguiar da cidade do Porto, o custo da obra
formalmente estabelecido no valor de 500 mil reis, a ser liquidado em 3 prestaes, a
saber:
1 - no valor de 150.000 reis, paga no acto da escritura;
2 - tambm no valor de 150.000 reis, a ser entregue em Janeiro de 1697;
3 - os restantes 200 mil reis, que seriam pagos em Junho do mesmo ano, volvidos os
10 meses estipulados para a realizao da empreitada (688).
No contrato faz-se seis vezes referncia "forma que a traa mostra", devendo a obra
ajustar-se "na forma da traa e apontamentos" (689), descrevendo-se com alguma mincia
a estrutura retabular a erigir, de acordo com o gosto da poca, ou seja, dentro daquilo a
que chamamos "estilo nacional": um envasamento suportando dois pares de colunas
pseudo-salomnicas, uma pilastra entre cada par de colunas corntias, entablamento e
remate do retbulo em arcos de volta perfeita.
Tudo a pedir uma tribuna profunda, em forma piramidal.
Entre as colunas que deveriam sustentar as arquivoltas "se fara hum primeiro corpo
que constara de banco, frizo, e culunas, sahindo no meio para fora a moda de seixtado, no
painel do meio se fara hum sacrario [...] e nos paineis dos lados se fara duas pianhas hum
banco para as duas imagens, sobre este frizo deste primeiro corpo se farao trez vem asi
sobre estes paineis" (690).
Quanto tribuna propriamente dita, seria constituda por um trono eucarstico cuja
"caza [...] hade ter doze palmos de pilar" e "das portas e respaldo que fiqua por detras
deste trono se fara hum arquo que ocupe todo o vao que fiqua livre do trono e resplandor
e querendo o padre reitor por em sima do trono o Salvador lhe porao o resplandor nas
costas" (691).
De salientar que caso fosse necessrio "demenuir ou acrescentar alguma couza na obra
para perfeio della os mestres o poderao fazer", mas com o pareer favorvel do padre
reitor (692).
De notar que aquando da interveno nos anos quarenta, a direco dos "Monumentos
Nacionais" com a anuncia do arcebispo de Braga procedeu remoo do retbulo do
(715) E que o sculo XVIII no deixar de completar e alterar, quando lhe juntar os formidveis Serafins,
os tocheiros e as sanefas de gosto rocaille.
(716) A.D.B. - Notarial de Barcelos, L 763, fl. 89.
(717) Idem, Ibidem.
201
hum pello outro a dar inteiro comprimento e satisfao a dita
obra na forma atras dita e declarada nos apontamentos e planta
que fica em poder do muito reverendo padre reitor pello coal foi
dito e mais padres deputados que dando os ditos mestres inteira
satisfao a esta obra na forma relatada nesta escritura
obrigavo os bens e rendas deste convento a darem aos ditos
mestres duzentos e setenta e seis mil reis pella dita obra" (718).
205
CAPTULO IV
206
1. O DORMITRIO DA ALA SUL DO CONVENTO: CONTRATOS DE MANUEL
FERNANDES E ANDR MARTINS, MESTRES PEDREIROS DO PORTO
(723) Recorde-se o testemunho de Francisco de Santa Maria que, ao descrever a estrutura conventual,
salientava a longa paragem das obras, nomeadamente quando se refere ao chamado dormitrio "novo"
seiscentista, "cousa grande, e majestosa" e, acrescenta, "em correspondencia delle se ha de fazer outro,
cujos alicerces esto lanados ha mais de oitenta annos" - SANTA MARIA, Francisco de - O Ceo Aberto
na Terra, Lisboa, 1697, p. 384.
(724) Alis, h j algum tempo que deveriam decorrer obras de cantaria, porquanto refere o mesmo
cronista que, desde a portaria do convento "at o sitio, onde se ha de fazer o dito dormitorio, se levantro
novamente sinco arcos de muita grandesa, e magestade" - SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., p.
384.
(725) Conforme registo de Domingos Fernandes, reitor de Campanh, Manuel Fernandes "filho legittimo
de Domingos Joam e da sua mulher Anna Fernandes moradores na aldeia de So Pedro", casou nesta
igreja a 30 de Janeiro de 1692, com Maria Martins "filha legittima de Andr Martins e sua mulher Maria
Gonalves da aldeia de Noeda" - A.D.P. - Paroquial de Campanh, N 319, L 3 dos Mistos, fl. 239v..
(726) A.D.B. - Notarial de Barcelos, L 763, fl. 90.
A.D.P. - Paroquial de Campanh, N 319, L 3 dos Mistos, fl. 239v..
(727) A.D.B. - Notarial de Barcelos, L 763, fls. 90-91.
Ver Apndice Documental - doc. XVII.
(728) A.D.B. - Notarial de Barcelos, L 763, fl. 90.
(729) Idem, Ibidem.
(730) Menciona o tabelio que "tamto as plantas como os ditos apontamentos logo na presena das ditas
testemunhas os subscrevi e assenei de meus sinais publico e razo para a todo o tempo constar" - Idem,
Ibidem.
207
Porm, como provaremos adiante, graves erros de construo, que implicaram a
assinatura de um novo contrato e a apresentao de fiadores de renome, por parte dos
mestres, acabaram por suscitar um atraso de cerca de dois anos.
Por consequncia, a concluso dos trabalhos ter-se- verificado cerca de 1705 e no
em 1704, como a leitura deste documento fazia supor.
Tudo leva a crer que os padres deveriam possuir o risco, que haviam comprado, pois,
"como as plantas esto ja pagas pelo convento ficaro elles mestres libres desta
obrigao" (733).
Aos religiosos cabia satisfazer certas condies de carcter logstico, a saber: fornecer
"a caza em que esta o forno e a torrinha e cho para a orta e naval e lenhas" (734) de que
os mestres necessitassem. Os mestres pedreiros tambm "se serviro da forge" (735) do
convento e bem assim compraro o "po do seleiro [...] pello presso que correr e vinho a
vender tambem pelo presso que se vender" (736), que ser modo nas azenhas da
comunidade (737).
Muito provavelmente para se protegerem do sol no Vero e dos rigores do frio e da
chuva no Inverno, "podero elles mestres fazer hum telheiro para travalharem e seus
oficeais" (738).
Indiciando a existncia de obras, antigas ou recentes, no estaleiro de Vilar, reza o
documento que os mestres utilizaro "toda a pedra que se acha no atrio do dito
dormitorio" (739).
bem natural que ao convento coubesse o fornecimento de toda a matria-prima:
pedra, areia, saibro, cal, madeira e ferro.
Como elementos da estrutura arquitectnica, apenas se faz referncia s janelas, que
deveriam levar gradeamentos - "as janelas do dito dormitorio que se hade fazer" levaro
Esta obra, a ser entregue dentro do novo prazo estabelecido, "sinco annos dipois",
deveria ser feita "de sorte que se dentro de sinco annos se arruine ou mostre que se
arruinara sero obrigados a segurala a sua custa" (754).
Da parte dos religiosos, que obrigam de novo os bens e rendas do convento, pagaro
aos mestres mais 100 mil reis e comprometem-se a retirar o forro (que j havia sido
pregado) para outra parte, a fim dos artistas "andarem com a dita obra" (755).
e colaterais - A.D.P. - Paroquial de Campanh, N 319, L 3 dos Mistos, fl. 240; A.D.B. - Fundo
Monstico Conventual, L 22, fl. 421.
(759) A.D.B. - Notarial de Barcelos, L 771, fl. 76.
A.D.B. - Fundo Monstico Conventual, L 22, fl. 421.
(760) Idem, Ibidem.
Ver Apndice Documental - docs. XXI-XXIII.
(761) "Manuel Martins, filho legittimo de Andr Martins e de sua mulher Maria Gonalves moradores na
aldeia de Noeda" casou a 18 de Fevereiro de 1692 com "Domingas Martins filha de Manuel Martins e sua
mulher Isabel Gonalves moradores na aldeia da Quinta", todos da freguesia de Campanh da cidade do
Porto - A.D.P. - Paroquial de Campanh, N 319, L 3 dos Mistos, fl. 240.
(762) Ver Apndice Documental - doc. XXII.
(763) Ver Apndice Documental - doc. XII.
(764) Usando dos poderes daquela procurao, e em nome dos referidos constituintes, Amaro Pinto "feava
aos ditos mestres Manoel Fernandes e Andre Martins a que dara satisfao a dita obra do dito dormitorio
na forma que declara esta escritura e a do primeiro contrato pellos pressos declarados nas mesmas
escrituras" - A.D.B. - Notarial de Barcelos, L 771, fl. 75v..
(765) Idem, Ibidem.
212
Evangelista do convento de Villar de Frades em quantia de doze mil e quinhentos
cruzados e sincoenta mil reis, e asim mais a obrigao de huns acresentamentos em preo
de cem mil reis" (766), o que no coincide com o valor apresentado no contrato de 1698 e
que era, como vimos, 12 mil cruzados e 250 mil reis (767).
Estamos convencidos de que foi, de facto, este valor e no aquele. Alis, aquele
documento, registado no Porto, revela outra impreciso, como seja a aluso a "huns
acresentamentos", quando na verdade se tratava de refazer uma obra que evidenciava
graves erros de construo (768).
Um documento no datado, mas sem sombra de dvida relacionado com esta obra,
descreve de forma sucinta mas clara as clusulas e condies desenvolvidas no contrato
de 26 de Fevereiro:
Arquivo Distrital de Bragana - Edital da Junta do Crdito Pblico, Lista 344/4-8, de 7 de Fevereiro de
1838.
Ver Apndice Documental, doc. XXXV.
(776) Jornal "O Comrcio de Barcelos" - Ano IX, N 442, 21 de Agosto de 1898.
(777) Idem, Ibidem.
(778) "A egreja, porem, cujo valor architectonico a elevou cathegoria de monumento nacional, depois da
visita do sr. Lino da Assumpo, ainda estava illeza, embora bastante ameaada" -Idem, Ibidem.
(779) "Os voluntarios de Braga, visto que o celleiro da casa tinha resistido poderosa aco das
chammas, devido segura construo de pedra e abbobada de tijolo que possue, trataram de afastar-lhe o
rescaldo para que, qualquer faulha, no fizesse tambem sevorar o grande numero de carros de cereaes que
ahi se armazenam" - Idem, Ibidem.
215
Malheiro e o comissrio da polcia interino, Alfredo Madureira, com onze guardas civis
(780).
A passividade parece ter sido a atitude adoptada por parte da maioria dos populares
que se concentraram frente s chamas devastadoras:
Ter sido, logicamente, a ala sul do convento (construda duzentos anos antes, por
Manuel Fernandes e Andr Martins), a mais atingida na sua estrutura original.
(786) Cidade onde se afirmar como " o grande arquitecto" da primeira metade de setecentos -
FERREIRA-ALVES, Joaquim Jaime B. - Ob. cit, p. 396.
(787) Cf. ROCHA, Manuel Joaquim Moreira da - A Capela de Santa Madalena do Monte da Falperra, de
Braga, luz da Documentao Notarial, Sep. do Vol. V da Revista de Cincias Histricas, Porto,
Universidade Portucalense, 1990, pp. 231-269.
Cf. ROCHA, Manuel Joaquim Moreira da - Manuel Fernandes da Silva Mestre e Arquitecto de
Braga 1693-1751, Vol. I, Dissertao de mestrado na F.L.U.P., Porto, 1995.
Cf. SMITH, Robert C. - A Casa da Cmara de Braga (1753-1756), Braga, 1968.
Cf. SMITH, Robert C. - A Sacristia do Tesouro da S Primacial, Braga, 1972.
Cf. OLIVEIRA, Eduardo Pires de - Estudos sobre o Sculo XVIII em Braga, Braga, Edies
APPACDM, 1993.
(788) ROCHA, Manuel Joaquim Moreira da - Manuel Fernandes da Silva Mestre e Arquitecto de Braga
1693-1751, Vol. I, pp. 39 e 41.
(789) Idem, p. 47.
(790) Idem, p. 47.
(791) Idem, p. 48.
(792) ROCHA, Manuel Joaquim Moreira da - A Capela de Santa Madalena do Monte da Falperra, de
Braga, luz da Documentao Notarial, Sep. do Vol. V da Revista de Cincias Histricas, Porto,
Universidade Portucalense, 1990, pp. 231-269.
(793) "Se o experimentalismo veiculado pela mo do progenitor foi determinante na sua formao,
teoricamente foi levedada pela tratadstica" - ROCHA, Manuel Joaquim Moreira da - Manuel Fernandes
da Silva Mestre e Arquitecto de Braga 1693-1751, Vol. I, p. 48.
(794) Cf. ROCHA, Manuel Joaquim Moreira da - Ob. cit., Vols. I e II.
218
Para o novo templo do Senhor Bom Jesus da Cruz de Barcelos, o arcebispo D. Joo de
Sousa ter apresentado, em 1701, "cinco possveis projectos, todos de planta centrada,
trs do seu arquitecto bracarense, Manuel Fernandes da Silva, e dois outros do arquitecto
rgio Joo Antunes, para que os promotores da obra lhe escolhessem o que mais lhe
agradasse" (795), vindo a ser escolhido o de Joo Antunes.
Mas o arquitecto e mestre pedreiro de Braga e das obras da sua S (796), que ser o
mestre das obras na matriz da Pvoa de Varzim, entre 1742-1751 (vindo a falecer nesta
ltima data nesta cidade) e que fez o risco para a capela do Senhor Bom Jesus de Fo,
onde trabalha em parceria com Pascoal Fernandes (1710), colocou sobretudo ao "servio
de D. Rodrigo de Moura Teles e das principais foras da sua Corte" (797), o seu labor
tcnico e artstico.
(795) FERREIRA DE ALMEIDA, Carlos Alberto - Barcelos, Lisboa, Editorial Presena, 1990, pp. 64-
65.
Cf. OLIVEIRA, Eduardo Pires de - Estudos sobre o Sculo XVIII em Braga, Braga, Edies
APPACDM, 1993, p. 51.
Cf. ROCHA, Manuel Joaquim Moreira da - Manuel Fernandes da Silva Mestre e Arquitecto de
Braga 1693-1751, Vol. I, p. 51.
(796) ROCHA, Manuel Joaquim Moreira da - Ob. cit., Vol. I, pp. 69-71.
(797) Idem, pp. 222-227.
(798) A.D.B. - Fundo Monstico Conventual, L 22, fls. 414-415.
Ver Apndice Documental - doc. XIX.
(799) Como filho do conhecido mestre Pascoal Fernandes, com quem alis ter aprendido a arte de
pedreiro, Manuel Fernandes da Silva pode ter gozado do prestgio de seu pai junto dos cnegos
evangelistas: em 7 de Fevereiro de 1685, Pascoal Fernandes fora "contratado para fazer a obra do
acrescentamento da capela-mor da igreja do convento de So Joo Evangelista", na cidade do Porto -
FERREIRA-ALVES, Joaquim Jaime B. - Pascoal Fernandes, Mestre Pedreiro de Arquitectura. Alguns
219
Este documento (do fundo monstico do Arquivo Distrital de Braga) funcionou como
contrato, mas tambm como guia programtico desta obra que tinha um carcter
eminentemente tcnico e artstico: visava completar, ainda que mexendo no traado
inicial, uma obra emblemtica como era o frontispcio de todo o vasto conjunto
arquitectnico, daquele que fora o primeiro convento da Ordem dos Cnegos Seculares
de So Joo Evangelista.
Quem dirigiu ou executou a obra, pelo menos a parte respeitante frontaria, ter sido
o mestre Antnio Correia, que recebe das mos de diversos padres vrios montantes
referentes empreitada que havia sido entregue a Manuel Fernandes da Silva.
Todavia, o montante recebido por Antnio Correia das mos dos cnegos, 413.470
reis, no decurso de 1701 - verba que ultrapassa os 400 mil reis estabelecidos no contrato
assinado por Manuel Fernandes da Silva, mas que, neste caso, no inclua "o arco da parte
de fora, e as duas paredes laterais da portaria" (817) que seriam pagos " braa" -, coloca
em evidncia a presena deste mestre nas obras da referida empreitada.
(816) Cf. OLIVEIRA, Eduardo Pires de - O Edifcio do Convento do Salvador. De Mosteiro de Freiras
ao lar Conde de Agrolongo, Braga, 1994, pp. 91-92.
Cf. ROCHA, Manuel Joaquim Moreira da - Arquitectura Civil e Religiosa de Braga nos sculos
XVII e XVIII. Os Homens e as Obras, Braga, 1994, pp. 34-35.
223
Embora escassa e lacnica, esta documentao permitiu-nos datar com bastante
preciso as obras que vieram rematar o conjunto de seiscentos, a chamada "emenda" dos
dormitrios e a fachada principal do convento e compreender melhor a data de 1619 -
inscrita na padieira da portaria e encimada por um formoso e clssico friso, sobre o qual
duas aletas enquadram plstica e espacialmente o nicho que acolheu a escultura do
patrono da Ordem, S. Joo Evangelista -, que recorda as obras que ali se desenvolveram
naquela data e que foram interrompidas aquando da deciso dos padres de construrem o
novo corpo da igreja.
No registo superior, 8 janelas com suas sacadas de ferro (cada qual com duas cornijas,
uma sob a sacada e outra sobre a verga recta do rectngulo), do dinamismo a toda a
frontaria (ver Apndice - fig. 32). Duas peanhas sob cada sacada, a que correspondem
outras tantas que olham simetricamente da cornija do telhado, participam nos ritmos da
arquitectura, numa inteno clara de nobilitar todo o muro.
Quanto chamada hospedaria, seria forrada com uma estrutura em abbada de bero.
No tocante aos pormenores, porm, deveria seguir o mesmo esquema utilizado nos
dormitrios:
(835) Os "paineis" deste forro das celas sero lisos, e as suas juntas seram abertas com sepos de
esgravatil, e seram emgragalhados nos frizos, que ter de altura de gragalho huma polgada e os paineis
levaro por detrs nas juntas seos malhetes, que seram collados, e a grossura dos paineis sero de forro e
meio, e levaram seu friso vista (?) com sua meia cana e seu collarinho; esta obra se entende toda, das
cellas assim em baixo como em sima - A.D.B. - Fundo Monstico Conventual, L 22, fl. 416.
(836) No entanto, "seram os rompantes mais largos que se entende as mesmas mulduras ditas assima [...] e
o tamanho dos ditos paineis se faram conforme der de si a repartio, e estes ditos paineis levaro seu
friso, volta com sua meia cana, e seu collarinho" - Idem, fl. 116v..
(837) Idem, fl. 16v..
(838) Idem, fl. 16v..
227
emtabollamentos que levo os dormitorios na mesma forma, e os
rompantes desta obra toda seram guarnecidas as boquinhas com
suas meias canas, e os paineis desta caza seram pello feitio dos do
dormitorio com seu friso volta, e sua meia cana e seu collarinho, e
seram emgragallados como os ditos paineis assima" (839).
As portas e janelas seriam almofadadas e "estas almofadas seram de feitio com hum
redondo, e hum fillete, e seram emcaixilhadas com caixilhos a roda, com seu meio fio,
assim portas como jenellas; as jenellas das cellas levaram seos postigos de dois rebaixos"
(840). Os armrios dos celas levariam igualmente as suas portas almofadadas, de acordo
com o "feitio" das restantes (841).
Denotando a existncia de uma varanda, cujos vestgios desapareceram devido a
alteraes produzidas pelos novos inquilinos aps a extino do convento, ou na
sequncia do incndio de 1898 (842), deviam os mestres fazer "a varanda de cabo a cabo
na conformidade e feitio do dormitorio novo" (843), com a sua moldura "pella banda do
pateo", de acordo com o entablamento do mencionado dormitrio (844).
Do programa de carpintaria constavam ainda as latrinas, "com assentos com seos
tabiques" (845), as portas que davam acesso ao dormitrio novo e que "sero de
almofadas", as portas do rs-do-cho, as portas do carro "com suas almofadas o valente" e
que "sero forradas por detrs, levaro sua bandeira em sima, e ser fixa sem abrir, e
sero de altura as portas que ham de abrir que caiba hum homem a cavallo" (846).
5. OS CHAFARIZES
Em 1732 foi edificado um chafariz para o claustro (860), de estrutura octogonal, tanto
no tanque como nas suas duas taas.
A gua sobe ao topo do eixo curvilneo (de temtica vegetalista), escorrendo pelas
estrias dum remate em forma de cogumelo, para cair na taa superior; em cada plano do
232
octgono, uma carranca recebe a gua que desliza para a taa de baixo; finalmente, oito
guias encarregam-se do retorno do lquido ao tanque.
Alada nesta composio arquitectnica, uma figura masculina e jovem, de traje
setecentista e de postura teatral, salienta o carcter barroco do conjunto.
Num emblema adossado pea escultrica pode ler-se a data provvel do chafariz:
1732.
Desconhecemos o autor da traa desta interessante pea arquitectnica e escultrica,
concebida para embelezar e dar vida ao claustro, mas cujo destino, talvez definitivo, foi o
de vir embelezar o centro cvico de Barcelos.
De facto, este chafariz foi transferido em 1966 (por doao da Ordem de S. Joo de
Deus) para a cidade de Barcelos onde se encontra defronte do templo do Senhor Bom
Jesus da Cruz.
O imaginrio dos barcelenses que frequentam o Largo da Porta Nova no dispensar
jamais este belo chafariz de Vilar de Frades.
234
1. A IGREJA BARROCA
(863) A tribuna ou trono eucarstico do retbulo-mor, construdo nos finais de seiscentos, correspondeu
necessidade de reafirmar "a presena real de Cristo nas espcies eucarsticas" e veio permitir a exposio
do "Senhor" nos dias de maior solenidade. Mas por volta de meados do sculo XVIII, a capela colateral,
lado do Evangelho, ser restruturada e posta ao servio do culto ao Santssimo Sacramento, sob a
responsabilidade da respectiva confraria.
235
Renovaram-se ou substituram-se os altares de talha dourada (864); revestiram-se as
paredes laterais da capela-mor com painis pintados emoldurados a talha; colocaram-se
gradeamentos e sanefas; enfim, o ouro invadiu vastos espaos do interior do templo.
Nas dcadas de 1730 e 1740, revestiram-se a azulejo as paredes de capelas laterais
(865) e em meados do sculo, como resposta necessidade de luz do interior barroco,
rasgaram-se sete janelas na nave nica, trs na parede do lado norte e quatro na parede do
sul (866).
Relativamente importncia da talha dourada no nosso pas, nos sculo XVII e XVIII,
atente-se no seguinte:
(864) Encarado como "um servio prestado a Deus", que ultrapassa a viso tradicional de funo
decorativa, o douramento ganhou crescente importncia a partir da segunda metade do sculo XVII,
conduzindo " proliferao da talha no interior das igrejas - retbulos, plpitos, rgos, sanefas, cadeirais,
etc.", que levou a professora Ferreira Alves a falar da "fora magntica do ouro - indissoluvelmente
associada a Deus", vindo a afirmar-se como "um dado fulcral no espao sacro" - FERREIRA-ALVES,
Natlia Marinho - A Actividade de Pintores e Douradores em Braga nos sculos XVII e XVIII, in IX
Centenrio da Dedicao da S de Braga - Actas do Congresso Internacional , Vol. II, Braga, 1990, p.
315.
(865) Dois excelentes mestres lisboetas, Bartolomeu Dias e Nicolau de Freitas, so responsveis pelos
azulejos pintados a azul e branco, que revestem as paredes de duas capelas laterais.
(866) Em Junho de 1944, estas janelas de gosto rocc (a que Aguiar Barreiros chamou de "pombalinas")
sero demolidas pela D.G.E.M.N., que para o efeito contrata o mestre-de-obras de Vila do Conde Jlio
Gonalves dos Santos e cuja empreitada orou em 33.272$00. Na proposta de oramento (que foi aceite)
pode ler-se: "1 - Arranque dos apilarados de cantaria de 7 (sete) vos das janelas inferiores da nave
central e construo de parede com cantaria assente fiada em argamassa hidrulica para o entaipamento
dos msmos rasgos compreendendo o fornecimento de pedra nova de cantaria, a aplicao de alvenaria
existente no enchimento interior, pranchas, etc., pela quantia de 3.600$00 esc. cada janela dos quais
1.896$00 esc. so para material e 1.704$00 esc. para mo de obra; 2 - Reparao de 150,00 m2 de
armao e cobertura dos telhados das naves laterais da igreja com madeiras e telha nacional existente
compreendendo a reconstruo dos madeiramentos e a substituio das telhas avariadas a 32$00 esc. cada
1,00 m2 destinados a mo de obra; 3 - Remoo de 130,880 m3 de terras e entulhos resultantes da
efectivao dstes trabalhos para fra da zna de proteco da Igreja a 25$00 esc. cada 1,000 m2
destinados a mo de obra" - A.D.G.E.M.N./D.R.E.M.N. - Igreja de Vilar de Frades, Pasta I, P.A.P. de
Junho de 1944; Cf. Of. n 407 de 15 de Junho e O.S. de 20 de Junho de 1944.
236
exercendo simultaneamente sobre eles um grande impacto
sensitivo" (867)
Na igreja de Vilar de Frades, associados aos altares de talha dourada dos finais do
sculo XVII (da autoria de Antnio Gomes e Domingos Nunes, na capela-mor e no
cruzeiro), a pintura e o azulejo fizeram a sua apario no revestimento das paredes,
sobretudo das capelas laterais, dando um contributo decisivo na afirmao do esprito
contra-reformista e barroco, no sentido de que era necessrio garantir a adeso dos crentes
f catlica, atravs da espectaculosidade do rito e do apelo inevitvel aos sentidos e s
emoes.
Uma estratgia que em grande medida fora decidida no Conclio de Trento (868) e que
influenciou decisivamente as variadas formas de expresso do belo, particularmente nos
pases onde a Igreja catlica tinha o predomnio.
Para completar o ambiente barroco, os cnegos de Vilar de Frades recorreram aos
metais preciosos, sobretudo ao ouro e prata, paramentaria de luxo, s sedas e
brocados, aos cortinados de damasco e s alcatifas coloridas (869).
Neste contexto, a palavra arrebatada e convincente do pregador (870), as procisses
solenes nas festividades do calendrio religioso e os principais actos litrgicos
evidenciavam grandeza e dignificavam os intervenientes.
O povo cristo e catlico, ao participar nos actos e cerimnias de grande aparato, ao
contemplar os santos da sua devoo num ambiente de luxo divino, ao vibrar ante o
discurso teatralizado vindo do plpito (871), era atingido nos olhos e nos ouvidos, no
(872) Em 1919, protestava Aguiar Barreiros contra os maus tratos da igreja "provenientes do prurido
impertinente das reformas classicas do seculo XVII, do detestavel barroquismo do seculo XVIII, da
amaneirada renascena dos alvores do seculo XIX", revelando uma particular incompreenso face s
"sanefas de madeira" que classifica "d'um alarmante barroco, encimando os arcos de granito das capellas
lateraes, to bem lanados e de galba to distincta" e questionando "os retabulos aos lados da entrada da
capella mr [...] e, coroando toda esta orgia decorativa, aquelle apainelado de talha plana e desgraciosa,
humilhando, escondendo completamente o garbo e a pujana do arco cruzeiro - tudo isto, dizemos, define,
com a maior nitidez, o detestvel ambiente artistico d'uma epocha banal" - BARREIROS, Manuel de
Aguiar - A Egreja de Villar de Frades, Porto, Edio Marques Abreu, 1919, p. 6.
(873) O retbulo branco-dourado desta capela colateral, de estilo neoclssico, poder ter sido construdo
em meados do sculo XVIII, porventura na dcada de 1750, porquanto o inventrio de 1758 descreve-nos
"esta capella do Santssimo Sacramento, com hum novo, e admiravel retabulo" - A.N.T.T. - Dicionrio
Geogrfico, Vol. 41, Mc. 288, fl. 1770.
238
sagrados (eram locais de culto e de celebrao, mas tambm serviam de confessionrios).
Tratavam-se de capelas intercomunicantes, o que facilitava aos padres a circulao rpida
em toda a igreja, desde o transepto pia baptismal, pelo lado do Evangelho, ou at porta
"das procisses" que comunica com o claustro, pelo lado da Epstola (874).
Em cada altar havia uma banqueta, constituda por seis castiais, sendo os do centro
colocados junto ao crucifixo. Cada altar tinha tambm as suas sacras (875) e a respectiva
pedra de ara.
Um registo de meados do sculo XVIII, da autoria do "irmo" Manuel da Conceio
Trindade, baseado no "livro de despeza da sachristia" do trinio do padre reitor Lus da
Anunciao, "que foi na era de 1693" (876), mostra-nos a importncia de que se revestiam
as sacras:
(874) Votadas ao abandono h muitos anos, estas capelas encontram-se hoje profundamente deterioradas,
algumas feridas de morte, na espera melanclica de uma interveno que as venha restaurar. Enquanto a
vontade poltica se distrai ou encontra outras prioridades, belssimos exemplares de talha e a sua
imaginria apodrecem, amontoados, numa sala do velho convento.
(875) Cf. Apndice Documental - doc. XXXII.
(876) A.D.B. - Ms. 924, fl. 772.
Ver Apndice Documental - doc. XXX.
(877) Idem, Ibidem.
239
A anlise estilstica dos diversos altares das capelas laterais, leva-nos a pensar que
tero sido construdos na primeira metade do sculo (878) - excepto o chamado altar do
Sacramento, neoclssico, localizado no topo do transepto, do lado do Evangelho, que
pode ter sido construdo na dcada de 1750 (879).
LOCALIZAO ALTAR/INVOCAO
(878) Para alm dos altares, no podemos esquecer de que outras obras de talha se realizaram e que so
igualmente fundamentais para a compreenso do esprito e da mentalidade barrocas: os belssimos e
aparatosos tocheiros que se encontram hoje na capela-mor (mas que ocupavam um lugar de destaque no
transepto, entrada da capela do Santssimo Sacramento), as imagens da Corte Celestial e dos Santos e
Santas que justificavam toda a arquitectura dos retbulos, os relicrios e sacras que estimulavam a f e a
piedade populares, as credncias e estantes que serviam de apoio ao ofcio divino, as sanefas que
seguravam e enquadravam esteticamente os ricos cortinados de damasco vermelhos, os castiais na sua
funo de iluminar os espaos e toda a talha que os embelezavam, o rgo donde ecoava a msica solene,
os gradeamentos que se destinavam a organizar todo o espao interno da igreja.
(879) No inventrio de 1758, faz-se referncia a "esta capella do Santssimo Sacramento, com hum novo,
e admiravel retabulo" - A.N.T.T. - Dicionrio Geogrfico, Vol. 41, Mc. 288, fl. 1770.
(880) A.N.T.T. - Dicionrio Geogrfico, Vol. 41, Mc. 288, fls.1769-1772.
240
Quinta capela
("serve de pia baptismal")
Corpo da igreja - lado da Epstola:
Primeira capela Altar da Imaculada Conceio
Segunda capela Altar das Almas do Purgatrio
Terceira capela Altar de So Bento
Quarta capela Altar da Anunciao de Nossa
(Esta capela "he jazigo da familia dos Senhora
Villas Boas da villa de Barcellos,
familia nobre antigua illustre")
Quinta capela ("serve de porta das procissoes")
Capela sob a torre sul do frontispcio
da igreja (esta capela, "com serventia Nossa Senhora
para os claustros" era jazigo da
caza dos senhores de Farelais")
"Em o sitio onde oje se v a porta travessa da igreja que he das procissois
ao romper da parede que tem toda a largura da mesma porta em tres
distintas paredes, apareceo huma pedra com o letreiro que no principio
deste papel se v: estava esta antiga pedra da parte do claustro cuberta
de cal cujo letreiro foi tirado fielmente em papel com o mesmo feitio e
forma de letras, que estava asinado na dita pedra. Os pedreiros
(881) Deveria proceder-se nesta altura s obras nas capelas laterais, para o assentamento dos painis de
azulejo, sobretudo os da segunda capela, cuja inscrio no deixa dvidas - de um lado, "Nicolau de
Freitas a pintou" e, do outro, "Bartolomeu Antunes a fez em Lisboa anno de 1736"; na terceira capela
pode ver-se que "Bartolomeu Antunes a fez em Lisboa anno de 1742"
241
desacautelados, quebraro hua grande parte desta pedra esto tambem
as letras que ficaro cubertas de cal que fica da mesma parte do claustro
junto ao tranqueiro entre este, e o cunhal da torre piquena, que fica
imediata a porta da capela de Farelains da parte da igreja se achava dous
(...) piquenos, e juntos, que bem parecio sepulturas dos templarios, pella
forma, e pequenhs, mas de ba pedra" (882).
(885) Em 1886 Pinho Leal informava que "junto das dictas inscripes esto pintadas no azulejo as
figuras dos individuos, a quem elles se referem; - e o mesmo se d nas outras capellas" PINHO LEAL,
Augusto Soares de Azevedo Barbosa de - Portugal Antigo e Moderno, Vol. XI, Lisboa, Livraria Editora
de Mattos Moreira & Companhia, 1886, p. 1227.
(886) Cf. PINHO LEAL, Augusto Soares de Azevedo Barbosa de - Ob. cit., p. 1227.
(887) Idem, Ibidem.
243
Assim, em 1752-1754, o reitor Francisco de Santa Maria, natural da cidade de
Lamego, "mandou abrir as grandes frestas da igreja" (888), respondendo desta forma
falta de luz no interior do templo. Trs do lado norte e quatro do lado sul, ao gosto
rocc, as novas janelas vinham resolver um problema fundamental do interior barroco: a
luminosidade, to necessria visualizao do ritual religioso, dos santos, dos relicrios e
das sacras, dos cortinados, da talha dourada, das telas pintadas e dos azulejos, da riqueza
dos paramentos nos dias solenes e das correspondentes alfaias litrgicas.
Ainda no seu mandato, Francisco de Santa Maria (889) participa activamente na
remodelao do interior da igreja:
246
Em 1764, sendo reitor Antnio dos Querubins, mandou-se fundir em Braga 3 sinos da
torre da igreja "por quebrarem", com custo de 209.760 reis (894).
Nos finais do sculo XVIII, novas obras estaro no horizonte dos padres de Vilar, entre
as quais podemos documentar (ainda que minimamente) a interveno na fachada da
igreja, na sacristia, na zona do noviciado e no claustro.
Com efeito, entre 1796 e 1797, o reitor Manuel de So Tiago e Silva:
Ainda durante o seu governo, So Tiago e Silva "principiou a sacristia nova e vai
continuando com ella com grande zello da caza" (902), obra que ficar concluda no final
do sculo, aquando do mandato seguinte (1789-1800), liderado por Joaquim Lopes da
Costa (903).
No Captulo de 1800 foi eleito reitor o padre mestre Manuel Ribeiro de Brito, um
natural do Porto que fora visitador geral, depois de exercer o cargo de vigrio em Santa
Maria da Feira, onde jubilou (905).
Cerca de 1807-1809, o novo reitor, padre mestre Jos do Nascimento Guedes Pinto,
ter continuado as obras cujo risco havia sido realizado em 1796-1797, designadamente
na zona do claustro: "Fes o quarto reitural e alguma couza do claustro, comprou
munta prata" (910).
Entre 1810-1813, reitor Joaquim Feliciano de Abreu, natural da "antiga villa do Pico
de Regalados" (911).
Quanto torre do lado norte, a sua construo teve incio em 1540, com a reutilizao
de pedra oriunda do mosteiro de Manhente e de uma torre antiga de So Martinho de Air
(915).
Em 1919, Manuel de Aguiar Barreiros, depois de lembrar que das "duas torres
ameadas, subsiste apenas a torre Norte, e essa mesmo alterada, na parte superior, com um
acrescimo dos principios do seculo XVII" (917), interroga-se sobre "o que succederia
outra sua irm, denominada a torre velha, em cuja quadra os Senhores de Farelles,
"Por elle ministro lhe foi definido o juramento dos Santos Evangelhos em
forma devida, e lhe encarregou que bem, em a verdade descrevesse neste
inventario todas as sagradas imagens, e ornamentos dos altares, assim
como todos os ornamentos, e paramentos pertencentes ao culto divino
que na dita igreja, e sacristia se achassem pera de per si, e toda a
comunidade ficar sugeito as penas dos infieis inventariantes, e dos
detratores da real fazenda" (924).
(921) A.N.T.T. - Arquivo Histrico do Ministrio das Finanas, Cat. n 439, Cx. 2264, doc. 8, fls. 1-23v..
Ver Apndice Documental - doc. XXXII.
(922) A.N.T.T. - Arquivo Histrico do Ministrio das Finanas, Cat. n 439, Cx. 2264, doc. 8, fl. 1.
(923) Idem, fl. 2.
253
4.1. A CAPELA-MOR
O pavimento de pedra estava coberto por um soalho de madeira (930) revestido com
alcatifas floridas. Conjuntamente com os cortinados vermelhos, sobrepujados de sanefas
de talha dourada de gosto rocaille, as alcatifas da capela-mor contribuam para a
decorao e o enriquecimento do interior do templo barroco:
Entre o trono eucarstico e a mesa do altar, trs nichos de talha dourada "com huas
pequenas sanefas de veludo vermelho em bom uzo com bandas de damasco vermelho
muito uzadas" (934), construdo ao gosto rocaille, abrigam as imagens de So Salvador,
Nossa Senhora com o Menino e So Joo Evangelista:
(931) A.N.T.T. - Arquivo Histrico do Ministrio das Finanas, Cat. N 439, Cx. 2264, doc. 8, fl. 7v..
(932) Em 1697 tinha a capela-mor "hum rico retabolo de excellentissimas pinturas" - Santa Maria,
Francisco de - Ob. cit., p. 375.
(933) A.N.T.T. - Arquivo Histrico do Ministrio das Finanas, Cat. n 439, Cx. 2264, doc. 8, fl. 6v..
255
huma s cor sobre o escuro com ramos vermelhos, e dourados, e so
feitas com tal delicadeza que a arte a pouco mais pode chegar"
(935).
Na zona do transepto, encontravam-se trs altares (949) com as suas invocaes: dois
colaterais, encostados s paredes do cruzeiro, voltados para a entrada da igreja e onde se
celebrava o culto a So Loureno Justiniano (ainda presente em 1758) e a Santo Antnio
(950) e outro no topo do lado do Evangelho, dedicado ao Santssimo Sacramento, cujo
Este altar de talha dourada, de estilo nacional, com a sua sanefa feita ao gosto rocaille,
era "igual ao do outro altar" colateral do lado da Epstola (ambos realizados por Antnio
Gomes e Domingos Nunes) que no se encontra no seu devido lugar desde 1944, mas que
em 1834 mantinha como invocao Santo Antnio (954).
(953) A.N.T.T. - Arquivo Histrico do Ministrio das Finanas, Cat. n 439, Cx. 2264, doc. 8, fl. 8v..
(954) Idem, Ibidem.
(955) Idem, fl. 8v.-9.
259
.Altar - "de entalha com sua sanefa dourada .Altar - "todo de entalha dourada de
igual ao do outro altar com duas pernas gosto ao antigo com huma sanefa
de cortinas com galoes de ouro tudo ja de pau tambem dourada donde pendem
uzado". duas cortinas de damasco vermelho com
.Imagem "grande" do Senhor Crucificado seus galoes de ouro, e ja uzadas".
.Imagem de Nossa Senhora das Dores, .Uma imagem "grande" de Santo
dentro de um oratrio. Antnio.
.Quatro castiais "de pau pintados com .Quatro castiais e "hum crucifixo
frizos amarellos". sobre a banqueta os quaes so
.Duas "andarellas de lato que servem de de pau pintados de branco com frizos
porem as vellas quando se diz missa". - e flores amarellos - mais duas
.Uma estante do missal. andarellas de lato".
.Tres sacras "com seos vidros, e caixilhos .Trs sacras com "suas vidraas cujo
dourados". caixilho he de pau dourado".
.Quatro ramos, dois "dentro do oratorio .Duas toalhas de linho, uma por baixo
contrafeitos, e outros dous da parte de sem folhos, "ja uzada" e outra por cima
fora na banqueta". com "folhos em bom uzo".
.Um crucifico pequeno, "pregado na .Uma pedra de ara.
sacra do meio". .Uma estante do missal.
.Duas toalhas de linho, uma "sem folhos, e .Um manusterge.
outra por cima com elles de talagaige
em bom uzo".
.Um manusterge.
.Uma pedra de ara.
260
tribuna de cinco degraos do mesmo gosto com seu nicho em cima
em forma de sacrario, o camarim tem huma cortina de damasco
branco que encobre a tribuna = O sacrario pintado de branco com
seos ramos, e frizos dourados ao gosto moderno, tem hum pavilho
de seda com seus ramos de cores, e galens, e franjas de retroz
amarello - outro por cima deste mesmo o qual he de seda branca
com ramos a fingir ouro, com galoens, e franja de ouro ja uzado, no
cimo do pavilho est hum carneirinho, com huma bandeirinha
sobre o livro dos sete sellos = Seis castiaes de pau de entalhe
pintados de branco, e dourados, com hum crucifixo pequeno em
huma cruz, e peanha de pau pintada de preto, e quatro vazas de
pau com seus ramos contrafeitas em bom uzo = Huma toalha de
pano de linho sem folhos, e outra por cima tobem de linho com
folhos de talagaige, e por cima hum veo de seda verde velho, hum
vazo de estanho com sua toailha para a comunho - do lado do
Evangelho hum grande quadro em que se acha pintado o banquete
da Cea de Jezus Christo aos Apostolos = Do lado da Epistola outro
dito em que esta pintado o Lava Pedes por Jezus Cristo aos
Apostolos = Hum arco, e sanefas, com seu cortinado de damasco
vermelho com galoens, e franjas de ouro uzado na boca ou arco da
capella do Sacramento" (956).
O acesso dos crentes a esta capela estava formalmente vedado, atravs duma grade de
madeira pintada, colocada sua entrada (957).
Os dois plpitos, "que so de pau preto em forma de grade, com chapas de metal
dourado" (958), situam-se nas paredes da nave nica, entre o cruzeiro e a primeira capela
intercomunicante.
Sobre o arco da capela, havia uma sanefa "de pau de entalhe toda dourada" (965) e dela
pendiam duas cortinas de damasco vermelho com seus gales dourados. Uma grade
separa fisicamente este espao da nave nica - "a capella esta fechada com huma grade de
pau preto, e circulos de lato" (966). A segunda capela apresentava um retbulo "pintado
de amarello, e dourado nos relevos", exibindo uma imagem de "hum Santo Arcebispo
com huma cruz de duas astes na mo esquerda" (967). A entrada era igual de todas as
capelas laterais desta igreja: um sanefa rocaille sobre o arco seiscentista, donde pendiam
cortinados de damasco vermelho com seus gales de ouro, e um gradeamento de pau
preto com seus circulos de lato (968). A terceira capela do lado do Evangelho tem um
retbulo de talha dourada "de gosto antigo" e um "grande oratorio com sua vidraa ja
quebrada onde esta Nossa Senhora das Dores com huma espada, e coroa de folha da
Flandres, o vestido de seda vermelho e a capa de seda azul clara" (969).
No mesmo altar podia ver-se:
= Duas andarellas de lato aos lados do retabulo" - A.N.T.T. - Arquivo Histrico do Ministrio das
Finanas, Cat. n 439, Cx. 2264, doc. 8, fl. 9v..
(964) Idem, fl. 10.
(965) Idem, fl. 10.
(966) Idem, fl. 10.
(967) Tinha ainda uma banqueta com seis castiais "feitos ao torno"; uma cruz sem crucifixo (tudo isto
pintado de branco, com os frisos dourados); duas toalhas de linho, uma com e outra sem folhos "de
talagage em bom uzo"; uma pedra de ara - Idem, fl. 10.
(968) Idem, fl. 10.
(969) Idem, fls. 10-10v..
(970) E ainda "seis castiaes na banqueta feitos ao torno, e huma cruz sem crucifixo os quaes esto
pintados de branco com os frizos amarellos = Huma toalha sem folhos, e outra com elles de talagage em
bom uzo, huma pedra de ara" - Idem, fl. 10v..
263
A quarta e ltima capela deste lado do Evangelho, que "fica debaixo do orgo", tinha
tambm o seu retbulo dourado "antigo", a enquadrar a seguinte imaginria: Nossa
Senhora, o Menino Jesus e So Jos, "de estatura mediana" (971); So Pedro, de trs
palmos de altura (972); Santo Amaro, de igual dimenso (973); "duas figuras de meio
corpo, e hum buraco no peito talvez servissem para relicarios" (974). Como se pode aferir,
regista-se uma evoluo do culto, com alteraes nas invocaes, ao longo da poca
Moderna. Segundo Francisco de Santa Maria, em 1697:
"O corpo da Igreja tem sinco cappellas por banda: a primeira da parte
do Evangelho, he dedicada a Nossa Senhora do Rosario: a segunda a
Santo Antonio: a terceira ao Espirito Santo: a quarta s onze mil
Virgens: na quinta est a Pia" (975).
A pia baptismal que ainda se encontra na quinta capela lateral (ou na primeira
esquerda de quem entra na igreja), de traado manuelino, foi possivelmente ali colocada
no sculo XVII, aquando das obras de remodelao do corpo quinhentista. Esta capela
obedece s mesmas caractersticas das restantes:
A primeira capela do lado da Epstola, que nos fins do sculo XVII estava dedicada a
Cristo Senhor Nosso "no passo do Ecce Homo" (978), desde meados do sculo XVIII que
tem como principal invocao Nossa Senhora da Conceio (979):
Mas outras invocaes integravam o retbulo, em 1834: Santa Ana e Nossa Senhora,
do lado do Evangelho, "de tres palmos de alto, e adiante hum pequeno arco de damasco
vermelho com galoes de retroz amarelo" (981); Santa Luzia, do lado da Epstola, "e
adiante hum pequeno arco de damasco vermelho com seus galoens de retroz amarello"
(982); So Pedro de Alcntara, com trs palmos de altura colocada "em huma especie de
oratoria", aos ps de Nossa Senhora da Conceio (983); Senhor Crucificado "com huma
cruz de pau pratiada", integrada na banqueta que tinha, como as dos restantes dos altares
(977) A.N.T.T. - Arquivo Histrico do Ministrio das Finanas, Cat. n 439, Cx. 2264, doc. 8, fl. 11.
(978) SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., p. 376.
(979) A.N.T.T. - Dicionrio Geogrfico, Vol. 41, Mc. 288, fl. 1770.
A.N.T.T. - Arquivo Histrico do Ministrio das Finanas, Cat. n 439, Cx. 2264, doc. 8, fl. 11.
(980) A.N.T.T. - Dicionrio Geogrfico, Vol. 41, Mc. 288, fl. 1770.
(981) A.N.T.T. - A.H.M.F., Cat. n 439, Cx. 2264, doc. 8, fl. 11.
(982) Idem, Ibidem.
(983) Idem, Ibidem.
265
laterais, "seis castiaes de pau feitos ao torno, pintados de branco, e frizos de amarello"
(984).
A segunda capela, dedicada s Almas desde o sculo XVII (985), mantm esta
invocao at aos nossos dias.
Na descrio de 1758 pode observar-se que esta capela das Almas do Purgatrio tinha
irmandade, que alem dos sufrgios que mandava oferecer a Deus por vivos e defuntos ao
longo do ano "e na morte de cada hum dos irmaos", comemorava o seu aniversrio "com
despeza maior, e sermo no dia seguinte ao de Santo Andre" (986).
No inventrio de 1834, para alm das Almas, surgem-nos outras invocaes,
nomeadamente Anjos e a Famlia Celestial, Santa Quitria e Santa Rita de Cssia:
A terceira capela, que serviu "de porta das Procisses" (988), em meados do sculo
XVIII "he dedicada ao patriarcha So Bento" (989), invocao que mantm em 1834,
rodeada pelas imagens de So Lus Rei de Frana e de Santa Brbara :
Em todas estas capelas houvera no sculo XVII "retabolos dourados, com excellentes
pinturas, e imagens muy devotas" (995), que no entanto foram substitudos no sculo
XVIII (porventura na primeira metade), por retbulos barrocos "ao moderno,
excelentemente dourados com suas imagens mui devotas" (996).
Nos finais de seiscentos, a "quinta capela" servia para "se recolher nella alguma fabrica
da Frguesia" (997). Em meados do sculo XVIII funcionava como "porta das procissoes
para o claustro" (998) e em 1834 descrita do seguinte modo:
(990) A.N.T.T. - Arquivo Histrico do Ministrio das Finanas, Cat. n 439, Cx. 2264, doc. 8, fl. 12.
(991) SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., p. 376.
(992) A.N.T.T. - Dicionrio Geogrfico, Vol. 41, Mc. 288, fl. 1770.
A.N.T.T. - Arquivo Histrico do Ministrio das Finanas, Cat. n 439, Cx. 2264, doc. 8, fl. 12-12v..
(993) Com efeito, a quarta capela do lado da Epstola "he jazigo da familia dos Villas Boas da villa de
Barcellos, familia nobre antigua illustre" - A.N.T.T. - Dicionrio Geogrfico, Vol. 41, Mc. 288, fl. 1770.
(994) A.N.T.T. - Arquivo Histrico do Ministrio das Finanas, Cat. n 439, Cx. 2264, doc. 8, fl. 12v..
(995) SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., p. 376.
(996) A.N.T.T. - Arquivo Histrico do Ministrio das Finanas, Cat. n 439, Cx. 2264, doc. 8, fl. 12v..
(997) SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., p. 376.
(998) A.N.T.T. - Dicionrio Geogrfico, Vol. 41, Mc. 288, fl. 1770.
(999) A.N.T.T. - Arquivo Histrico do Ministrio das Finanas, Cat. n 439, Cx. 2264, doc. 8, fl. 12v..
267
ALTARES DAS CAPELAS LATERAIS E SUAS INVOCAES - EM 1834 (1000)
CAPELA/ALTAR INVOCAES
269
4.3. OS METAIS PRECIOSOS: SUA IMPORTNCIA NA DECORAO DOS
ALTARES E NO ENRIQUECIMENTO DO CERIMONIAL LITRGICO
I - CUSTDIAS
Duas custdias, uma "grande, e riquissima", com quatro palmos e meio de altura, "toda
muito bem trabalhada, e os raios so dourados", outra "toda de prata dourada, e bem
trabalhada, mas o seu pe he hum caliz" (1001);
II - VASOS
Trs vasos de prata, um "todo dourado, e todo cheio de labores", outro "pequeno"
dourado com o pe de lato perfumado a ouro" e outro "todo de lato perfumado a ouro o
qual esta no sacrario" (1002);
III - RELICRIOS
Quatro relicrios, dois de "prata perfumados de ouro, que tero dous palmos, e meio de
alto, e tem a figura de costodia" e outros dois "do mesmo feitio, que os cima referidos
mas so de lato perfumados a ouro" (1003);
IV - CLICES
Seis clices, um "riquissimo", de prata dourada, "e cheio de labores. A volta do copo
mostra os martrios do Senhor, e no p a figura de hum ainho = Huma urna, e duas aguias,
V - TURBULOS
Um turbulo de prata com sua naveta tambm de prata (1005);
VI - COROAS
Sete coroas de imagens sagradas, "huma grande", de prata, de Nossa Senhora do
Rosrio, "cercada de pedras azuis, e vermelhas", e um resplendor "com huma pedra
vermelha no meio o qual pertence ao Menino da mesma Senhora" (1006); outra "grande
cercada de pedras vermelhas, azuis, e verdes, a qual pertence a Senhora da Abbadia, que
esta na capella mr" (1007); outra mais pequena, do mesmo feitio, "a qual pertence ao
Menino da mesma Senhora" (1008); outra "cercada de pedras vermelhas, azuis, e verdes
toda aos pedaos, a qual pertence a Senhora da Conceio"; outra "cercada de pedras
vermelhas, azuis, e verdes com huma pedra azul no meio da cruz a qual pertence a
Senhora do Secorro"; uma outra, nova, "sem cruzeiro a qual ignora-se o santo, a que
pertence"; finalmente outra coroa "pequenina nova de prata a qual pertence a Senhora do
Rozario, que he da confraria" (1009);
VII - RESPLENDORES
Seis resplendores de prata, um grande "redondo que tera quazi dous palmos de
diametro com huma pedra verde no meio, e pertence a imagem de So Joo Evangelista"
VIII - GALHETAS
Quatro pares de galhetas de vidro "com cinco pratinhos de estanho, e hum de vidro
com ramos dourados" (1015).
Ao entrarmos na igreja deparamos com "hum anteparo de madeira todo pintado" (1016)
e "no meio da sanefa em cima huma guia de duas cabeas levantada em relevo" (1017) -
no forro de madeira, em caixotes decorados com suas rosetas e molduras.
Encostadas parede deste nartex interior, encontram-se duas pias de pedra para a gua
benta, que j existiam em 1834 (1018).
A porta da igreja tem gravada a data de 1694.
Porm, como tivemos ocasio de referir no Captulo III, o contrato para a sua
realizao assinado em 21 de Abril de 1695, entre o reitor Lus da Anunciao e o
mestre carpinteiro Simo Antnio, da Maia, devendo a empreitada estar concluda at ao
dia de Todos os Santos do mesmo ano (1019).
4.5. O CORO
O cadeiral do coro que hoje encontramos em Vilar de Frades, num estado deplorvel
(1022), data de 1682, uma obra levada a cabo pelo mestre ensamblador residente no Porto,
Antnio Joo Padilha (1023), responsvel igualmente pela estante, que semelhante da
igreja do antigo mosteiro de Tibes, o gradeamento e a tribuna do rgo (1024).
(1020) A madeira utilizada no foi o carvalho mas o angelim, de acordo com o contrato de 1695 - Idem,
fl. 82.
(1021) A.N.T.T. - Arquivo Histrico do Ministrio das Finanas, Cat. n 439, Cx. 2264, doc. 8, fl. 12v..
(1022) Enquanto a madeira do cadeiral, da estante e do gradeamento vai apodrecendo, vrias
misericrdias tm sido roubadas, apesar da esmerada vigilncia do actual sacristo, senhor Manuel.
(1023) Ver Captulo III.
(1024) Idem, Ibidem.
(1025) Os padres do convento Jos de Santo Toms, Jos Barbosa e Loureno Lopes - A.N.T.T. -
Dicionrio Geogrfico, Vol. 41, Mc. 288, fl. 1772.
273
livros em que em estantes esto collocados os do servio do choro
todos de finissimo pergaminho e muito bem emcadernados" (1026).
Neste coro, "magnificamente trabalhado pintado a fingir madeira com suas piramides
por cima douradas" (1027), conserva-se, para alm do cadeiral lamentavelmente arruinado,
a estante e uma imagem de Cristo:
4.6. A SACRISTIA
A sacristia do sculo XVI, possivelmente acanhada (1037), foi demolida nos finais do
sculo XVIII para dar lugar a um espao mais amplo e iluminado, no mbito de um
programa de reforma arquitectnica que incluiu a zona residencial do noviciado, o
claustro e a frontaria da igreja (1038).
Uma reforma empreendida a partir de 1796-1797 pelo reitor Manuel de So Tiago e
Silva, que encomendou o risco da "obra nova da sacristia, claustros e fronteira da
igreja"(1039).
Alis, ainda no seu mandato, este reitor procedeu ao incio das obras da "sacristia nova
e vai continuando com ella" (1040), ainda que a concluso dos trabalhos venha a verificar-
se entre 1798-1800, sob o comando do novo reitor, Joaquim Lopes da Costa (1041)
(1042) Em 1604, um religioso do convento de Vilar de Frades inicia o registo das determinaes de
vora, com a seguinte ttulo: "O cappitulo do anno passado, de 1603, que se fez em a nossa caza de
Evora, se approvaro as cerimonias seguintes, e se mandou, que todas as nossas cazas as uzassem" -
A.N.T.T. - Vilar de Frades, Convento de S. Salvador, L 1, Cx. 1, Conv. Diversos- n 25, fl. 63.
276
Vestido o sacerdote como dito he tomara o calix preparado na mo esquerda e
pondo a mo direita sobre a bola, sahira da sanchristia com os olhos baixos,
religiosamente composto, precedendo o ministro com o missal, e mais couzas
necessarias; passando o sacerdote para o altar mr onde esta o Santissimo
Sacramento, fara genuflexo, mas onde no estiver o Santissimo Sacramento lhe
fara reverencia inclinando somente a cabea, e se passando por outro qualquer
altar, e nelle levantarem o Santissimo Sacramento estando assi de joelhos tee
levantarem o calix; e passando por outro qualquer altar, alem dos sobreditos, no
fara reverencia.
Chegando ao altar fara funda inclinao, a crux, e se ahi estiver o Santissimo
Sacramento fara genuflexo, a qual feita subira ao meio do altar e pora o calix da
parte do Evangelho, e tirando o corporal da bola o extendera sobre a pedra de ara,
e sobre ella o calix cuberto; e a bola deixara ficar da parte do Evangelho, e havendo
de consagrar mais hostias ou particulas, que pela quantidade no posso estar sobre
a patena, as pora sobre o corporal diante do calix, ou em outro calix, ou vazo
consagrado, o qual cuberto com outra patena, pora detras do calix; isto feito ira o
saerdote parte da Epistola, e abrira o missal, que o ministro lhe tera posto sobre o
coxim da cor competente, e acommodara os registos em seus lugares; e sendo cazo
que se vista no altar fara o mesmo, antes que dea a comear a missa; feitas todas
estas sobreditas couzas tornara ao meio do altar para comear a missa, e se o altar
no tiver degraos, seno tabernaculo que tem diante sobre elle fara a confisso"
(1043).
A sacristia que ainda podemos admirar corresponde, na sua estrutura, que nos
descrita em 1834: um espao amplo, com "quatro frestas com suas grades de ferro, e
vidraas por dentro" (1044).
Cada uma destas janelas estava decorada com "duas bambinelas de fazenda de algodo
lavrado com suas franjas, e borlas as quaes fazem por todas oito" (1045).
Ao entrarmos pela larga e alta porta, de recorte axial e proporcional s dimenses deste
espao rectangular dos incios de oitocentos, os nossos olhos so imediatamente atrados
(1051) "Note bem: foro comprehendidos no inventario civil, por no serem objectos do culto religiozo" -
Idem, fl. 15.
(1052) Idem, fl. 15.
279
4.7. O CLAUSTRO
Como afirmmos no Captulo II, o claustro da segunda metade de quinhentos deve ter
sido derrubado, para dar lugar nova construo dos finais do sculo XVIII, da
responsabilidade de Manuel de S. Tiago e Silva, reitor em 1796-1797 (1053).
Tanto a fachada da igreja como o claustro, cuja reconstruo foi ordenada por este
reitor, ficaram incompletos.
Mesmo assim, a partir da obra feita, possvel imaginarmos toda a estrutura do
claustro que se projectou edificar: uma planta rectangular, prxima do quadrado, definida
no espao contguo ao corpo da igreja, a sul, com a qual comunica atravs de uma porta
rasgada na ltima capela do lado da Epstola (1054); oito arcos a norte e a sul, dez a
nascente e a poente, todos de volta inteira , marcariam o nvel trreo e organizariam um
corredor de trs metros de largura, a correr pelas quatro bandas (1055) .
Do que foi construdo, neste espao fundamental que realiza a unidade orgnica entre a
igreja e o convento, destacamos as arcadas trreas - da ordem toscana - que se encontram
a nascente e a norte, a escadaria que nos leva ao piso superior com os seus vos
rectangulares, em correspondncia com os macios arcos do rs-do-cho cujos pilares
so de seco igualmente rectangular.
Estes pilares apresentam uma imposta que recorda o antigo capitel drico, tm dois
metros de intervalo entre si e deles arrancam os arcos de volta inteira. Nos cunhais
existentes, dois arcos de cantaria, abatidos, saem das suas impostas e terminam cada qual
na sua msula que se salienta do muro ao mesmo nvel daqueles. Dos restantes pilares sai
um apontamento de arco abatido, em alvenaria, de acordo com os dos cunhais, dividindo
assim o tecto do corredor-norte (os restantes deveriam ser iguais, no ficasse a obra
incompleta) em sete tramos com o respectivo abobadamento de arestas cruzadas (1056).
(1057) Quando esta "bem lanada escada" foi construda, pelo preo de 44.000 reis, era reitor do convento
o padre Manuel da Anunciao - A.D.B. - Ms. 924, fl. 361.
(1058) Deste lado sul resta-nos, todavia, uma parede incaracterstica, com as portas e outros vos
entaipados, a lembrar-nos vrias solues de improviso com o objectivo de separar este antigo e belo
espao arquitectnico da zona rural contgua. (Com a extino das ordens religiosas em 1834 e a
consequente venda do convento em hasta pblica, os novos proprietrios que se foram sucedendo em
Vilar de Frades podero ter procedido a profundas alteraes na zona do claustro que se articulava
directamente com a zona rural (a sul) e o conjunto arquitectnico (a oeste); porm, a demolio desta rea
poder ter comeado em 1619, aquando da tentativa de se proceder a uma profunda remodelao nos
espaos conventuais, voltados a sul e a poente - Cf. Ms. 924, fl. 362 (A.D.B.).
281
nicas notas de plasticidade so-nos dadas pelas chaves salientes dos arcos no rs-do-
cho (esquema que se repete nas vergas das janelas do primeiro andar); pelos labores das
impostas que imitam o capitel da ordem toscana; pelos portais "ao romano" dos finais de
quinhentos e pelas linhas das duas cornijas que, ao cumprirem a sua funo estrutural,
encarregam-se de quebrar a monotonia visual e de dar a necessria iluso de
horizontalidade.
Mas nada h ali de escultrico: tudo arquitectura!
Quanto ao cho, que fora morada de religiosos e pessoas de primeirssima estirpe
falecidas (1059), subsiste a terra e alguns vestgios de sepulturas (1060) reveladoras da sua
importante funo cemiterial, desde os tempos beneditinos at ao sculo passado.
"Item dous grandes sinos, mais outro pouco mais pequeno - mais
outro, ainda mais pequeno. Item hum relogio de torre fechado com
sua barraa digo barraca = E huma campainha na torre que serve
de dar signal para se tangerem os sinos = E mais outra sineta em
cima da torre" (1061).
(1059) Segundo o cronista de 1697, "sendo tantos os que morrio com fama de vares excellentes, que at
os nossos tempos se conserva a tradio, de que os claustros de Villar de Frades, esto cheyos de crpos
de homens santos: raso, porque se tem por indecencia, e se castiga como culpa o passear sobre elles" -
SANTA MARIA, Francisco de - Ob. cit., p. 390.
Cf. Apndice Documental - doc. VIII.
(1060) Sobretudo no corredor do lado norte, nestas sepulturas foram encontradas urnas e ossadas, no
mbito das escavaes arqueolgicas que se realizaram em 1995 sob a responsabilidade do IPAAR.
(1061) A.N.T.T. - Arquivo Histrico do Ministrio das Finanas, Cat. n 439, Cx. 2264, doc. 8, fls. 13.
282
O corpo central, erguido sobre o prtico manuelino, possui elementos goticizantes
resultantes da interveno dos finais do sculo XVIII e incios do sculo XIX (1062).
Sobre as duas colunas que enquadram o nartex exterior, uma sacada percorre as trs
janelas deste corpo:
Sobre esta torre, que se localiza no lado sul, tendo na base a antiga capela dos senhores
de Fareles, apenas a confirmao de que a mesma "esta por acabar" (1064).
E por acabar ficou at aos nossos dias.
CONCLUSO
(1062) Admitimos, porm, a possibilidade de terem sido utilizados elementos da estrutura seiscentista,
porventura o mesmo tipo de frestas e talvez a roscea e as empenas. Embora desconheamos a antiga
fisionomia deste pano axial do frontispcio, construdo aquando da edificao do novo corpo da igreja e
seu abobadamento, na dcada de 1620, ela no deveria ser muito diferente da actual, tanto mais que as
alteraes nesta estrutura tectnica poderiam pr em risco a segurana da abbada na zona do coro.
(1063) A.N.T.T. - Arquivo Histrico do Ministrio das Finanas, Cat. n 439, Cx. 2264, doc. 8, fls. 13-13v..
(1064) Idem, fl. 13v..
283
reivindicar a completa autonomia, apelando junto do papa e do rei, vindo a contar com
importantes apoios, quer da Santa S, quer da famlia real.
D. Afonso conde de Barcelos e duque de Bragana, participou com armas ao lado dos
cnegos, contra a ameaa de despejo de D. Fernando da Guerra.
No obstante uma certa instabilidade na relao entre os reitores e os arcebispos de
Braga, D. Fernando da Guerra (com quem os padres entram abertamente em conflito) ter
anexado ao convento de Vilar de Frades nove igrejas, num total de treze unidas ao
convento entre 1425-1510.
Entre 1619 e 1658 realizam-se importantes obras de pedraria, com incio na construo
da capela de Nossa Senhora do Socorro (1065) e na expanso da rea conventual para o
poente.
(1065) Edificada em 1619-1620, a capela de Nossa Senhora do Socorro pode dever-se necessidade de uma
invocao que intercedesse directamente junto de Deus, diminuindo-lhe a ira que se traduzia nos temporais
tormentosos, que ciclicamente abalam a vida das criaturas.
284
Porm, a reforma e expanso arquitectnica do convento ser interrompida para dar
lugar reconstruo do corpo da igreja (1066) que havia entrado em runa, provavelmente
agudizada com a "tormenta de S. Sebastio" - um temporal de razoveis dimenses
ocorrido em 1616.
Da importante remodelao da nave nica e das capelas laterais quinhentistas,
encetada a partir de 1621 e concluda cerca de 1658, permanece ainda intacta toda a
estrutura arquitectnica: os muros e as janelas, os arcos das capelas laterais (1067) e todo o
abobadamento.
Em 1682 procede-se obra de carpintaria do coro, a cargo do mestre portuense Joo
Padilha. Em 1695 colocada a nova porta da igreja, uma obra do mestre carpinteiro da
Maia Simo Antnio, que na mesma ocasio trabalha nas varandas do noviciado e junto
ao coro.
Nos trs ltimos anos de seiscentos encontramos a trabalhar na capela-mor e no
transepto da igreja mais quatro artistas do Porto: os mestres pedreiros Pascoal Fernandes
e Joo Moreira, no aumento da cabeceira no sentido longitudinal; os mestres entalhadores
Antnio Gomes e Domingos Nunes, que realizam em parceria o retbulo-mor, com a sua
tribuna, vinte e dois painis emoldurados para o revestimento das paredes laterais da
capela-mor e os altares colaterais, localizados no cruzeiro.
Paralelamente, trabalham na ala sul do convento mais dois mestres pedreiros da cidade
invicta: Andr Martins e seu genro Manuel Fernandes.
Mas outros artistas de renome no contexto regional so chamados ao estaleiro de Vilar:
o arquitecto Manuel Fernandes da Silva, natural do Porto (filho do mestre pedreiro
Pascoal Fernandes) e Antnio Correia (de Palmeira, Braga), sero os responsveis pela
frontaria conventual, edificada por volta de 1702, no respeito por uma linguagem
arquitectnica maneirista.
Entretanto, ao longo do sculo XVIII e incios do sculo XIX, inmeras obras - na sua
maioria no datadas -, foram realizadas e das quais nada sabemos acerca dos seus
tracistas e construtores.
Contudo, uma parte da sua memria, felizmente, permanece viva.
(1066) Iniciadas a partir de 1618, as obras de expanso do convento (consideradas pelos cronistas como
grandiosas) haviam de interromper-se para darem lugar reconstruo do novo corpo da igreja, que estava
em risco de derrocada.
(1067) Os altares de talha que ainda se conservam nalgumas destas capelas, pertencero ao sculo XVIII.
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Do incompleto claustro e do vasto conjunto conventual bela e maltratada igreja,
ficam-nos as pedras e a gramtica arquitectnica de vrias pocas - do romnico ao
manuelino e ao estilo cho ou maneirismo, do barroco ao neogtico e ao neoclssico -;
restam-nos alguns dos altares de talha dourada e a imaginria a eles associada, como
testemunhos do culto divino e da cultura dos nossos antepassados, que alguns do presente
teimam em preservar. Bem hajam!
Representativos da nossa histria artstica multissecular, a igreja e o convento de Vilar
de Frades exigem de todos ns a responsabilidade poltica e cultural da sua preservao.
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