A Dualidade Humana
A Dualidade Humana
A Dualidade Humana
DA NATUREZA HUMANA1
mile Durkheim
1
Texto extrado do Bulletin de la Socit franaise de philosophie, 13. O texto consiste em
uma exposio sobre o contedo de As Formas Elementares da Vida Religiosa, seguida de
um debate, realizados no ano de 1913. Na datao proposta por Lukes, o texto o 1913b,
e reproduzido na coletnea Textes 2 Religion, Morale, Anomie, Paris, Les Editions de
Minuit, 1975. Todas as referncias a Durkheim e seus interlocutores dizem respeito
primeira edio de Les Formes Elementaires de la Vie Religieuse, de 1912.
DISCUSSO
M. DURKHEIM No poderia almejar aqui resumir o livro que
recentemente publiquei. Porm, gostaria de pr em relevo o argumento
fundamental que permite preparar os espritos a aceitar a explicao da
religio que propus. Esse argumento refere-se ao carter essencial da religio,
todavia no imediatamente perceptvel, precisamente porque ele essencial.
Ademais, essa questo no est no incio do livro. Ela aparece progressiva-
mente, medida que o estudo avana e sobretudo na concluso que
posto luz. Este carter o que se poderia chamar de virtude dinamognica
de toda espcie de religio.
primeira vista, a religio apresenta-se a ns como um sistema de
representaes. Isto porque ela concebida, geralmente, como uma espe-
culao sobre o sonho ou sobre a morte, sobre a natureza infinita ou
sobre o ideal. Parece que todo o problema consiste em investigar como o
esprito humano chegou a conceber algo que no pode ser concebido pelos
mesmos procedimentos utilizados para se conhecer a realidade emprica,
algo que no est contemplado no universo do real. Ao resolver a questo
posta nestes termos, a palavra ideal particularmente cmoda, porque possui
uma dupla face. O ideal, em um sentido, uma coisa humana; elabora-se
nas nossas conscincias. Mas, ao mesmo tempo, parece enveredar-se a um
no sei o qu que excede o dado. Portanto, caso consiga-se explicar como
os homens chegaram a pensar alguma outra coisa alm daquilo que existe,
ser possvel, de uma s vez, dar conta do que h de mais fundamental na
mentalidade religiosa.
Tudo isso, no entanto, no o essencial da religio. Esta , antes de
tudo, da ordem da ao. As crenas no so essencialmente conhecimentos
a partir dos quais nosso esprito se enriquece: sua principal funo suscitar
atos. Logo, por detrs dessas crenas existem foras. Uma teoria da religio
deve, antes de tudo, fazer ver o que so essas foras, do que so feitas, quais
so as suas origens. Necessita-se de que tudo seja dito, quando se explica
como, para alm do real, ns chegamos a conceber teoricamente um ideal.
necessrio, ainda, mostrar como esse ideal opera enquanto uma fora
motriz, de onde ele tira as foras que o permitem atuar, e atuar da maneira
especial que o caracteriza.
Em que, ento, consiste esta ao? Quando o fiel est no estado religioso,
ele se sente em contato com foras que apresentam as duas caractersticas
seguintes: elas o dominam e elas o sustentam. Ele sente que elas so supe-
riores quelas das quais ele dispe ordinariamente, mas, ao mesmo tempo,
ele tem a impresso de que participa desta superioridade. Ele pode mais. Sem
dvida, ele frequentemente representa de maneira ilusria o modo como
esse poder excepcional reamente exercido. Ns acreditamos, erroneamente,
que ele nos permite dominar o mundo, impor a ele nossas vontades, torn-
lo dcil aos nossos desejos. Contudo, a iluso diz respeito unicamente
natureza dos fins mediante os quais esse poder pode ser empregado, e no
sua realidade. Ns nos equivocamos sobre o sentido a que pode servir o
afluxo de vida que sentimos em ns; o interpretamos mal; ns atribumos a
ele objetivos para os quais imprprio. Mas este afluxo, em si mesmo, no
nada de imaginrio; ele real. Esta vitalidade elevada traduz-se nos fatos,
pelas aes as quais ela inspira. O homem possui uma confiana, um ardor
por viver, um entusiasmo que ele no experimenta em tempos ordinrios.
As provaes da existncia encontram nele mais fora de resistncia; ele
capaz de coisas maiores e assim o prova por sua conduta. esta influncia
dinamognica da religio que explica sua perenidade.
De onde vem este afluxo de vida? Evidentemente de uma fonte superior
ao indivduo, na medida em que ele resulta de um alteamento da vitalidade
individual. E esta fonte, onde encontr-la?
Em um mundo transcendente ou, como se diz, sobrenatural? Mesmo
sem examinar esta hiptese em si mesma, descarto-a, por razes de mtodo.
As religies apresentam-se a ns enquanto fenmenos histricos; e, como
todas as instituies humanas, as vemos nascer, crescer e morrer. Logo, no
faz sentido p-las a priori de fora da natureza. Sem dvida, em certo nmero
seja sem valor. Ela permite, ao menos, precisar em quais termos o problema se
coloca. Ela pe em evidncia o fato de que no possvel explicar a religio se
no se descobrir a fonte de energia que no meramente individual, mas com
a qual o indivduo se comunica. Encontramo-nos livres de todas as teorias
intelectualistas das religies, as quais, at o presente, atrapalharam a cincia
das religies. Ora, isso feito, a explicao das religies encontra-se natural-
mente orientada pela fora mesma das coisas, em um sentido sociolgico.
Ademais, a estas consideraes lgicas acrescentam-se provas de fato.
A propsito de uma religio determinada, demonstrei que no somente
todas as crenas essenciais, mas tambm todos os ritos dependem de causas
sociais. naturalmente impossvel que se reproduza aqui tais anlises e
demonstraes, s quais me limito a evocar. Censurou-se a esta explicao
seu carter sistemtico. Alguns mostraram-se surpresos com o fato de que
um mesmo princpio pudesse ser flexvel o bastante para dar conta de um
nmero to considervel de fatos. Entretanto, perde-se de vista que a religio
como um todo dominada por uma mesma ideia a ideia do sagrado. Para
o crente, todo o detalhe dos ritos e das crenas uma funo da natureza
da divindade. Por conseguinte, no surpreendente que os mesmos fatos
sejam todos uma funo da natureza da sociedade sendo a divindade
nada mais do que a sociedade transfigurada. necessrio, primeiramente,
acrescentar que a sociedade bastante diversa em suas especificidades para
poder explicar, tanto a diversidade dos fenmenos religiosos quanto a sua
unidade. Observamos, com frequncia, que os povos que perdem sua f
religiosa no tardam a cair em decadncia. Podemos, agora, compreender de
onde vem esta notvel coincidncia. Para dar-se conta disso, no preciso
imaginar que os deuses se vinguem dos povos que deles esquecem. As coisas
acontecem de forma bem mais natural e simples: os deuses no passam
de ideais coletivos personificados testemunha-se o enfraquecimento da
f quando o ideal coletivo, ele mesmo, enfraquece-se; e ele no pode se
enfraquecer sem que a vitalidade social seja ela prpria atingida. Em uma
palavra, inevitvel que os povos morram quando os deuses morrem, j que
os deuses so os prprios povos pensados simbolicamente. O crente, por
si mesmo, no pode no reconhecer a importncia desse fator sociolgico.
faz parte da natureza, onde ela encontra sua explicao, sem, todavia, ser
reduzida a nada que lhe seja inferior.
Por outro lado, essa explicao escapa objeo que endereamos
metafsica dualista. Esta apresenta um equvoco em relao a como e por
que os dois princpios contrrios, dos quais ela postula a existncia, podem
se unir, sendo eles repulsivos e contraditrios entre si. Porm, pelo nosso
ponto de vista, essa unio explica-se sem dificuldade. A sociedade realiza-se
nos e pelos indivduos, pois ela no nada mais do que indivduos reunidos e
organizados. Ela no pode penetrar nas conscincias individuais sem suscitar
todo um sistema de representaes sui generis que a exprimem, quer dizer,
sem integrar ao nosso ser individual um ser psquico de um novo gnero.
As ideias de Plato bastam-se a elas mesmas; no necessitam da matria para
existir; no podem se misturar matria sem sofrer uma espcie de perda.
Ao contrrio, a sociedade necessita dos indivduos para existir. Sob outro
aspecto, o indivduo necessita da sociedade, porque esta no seria possvel
sem um ponto de ligao com a natureza individual. Se os dois princpios
que em ns coexistem so tal como acabamos de apresentar concebe-se,
facilmente, que eles se evocam ao mesmo tempo que se opem.
Verifica-se, por este exemplo, o interesse que pode ter para o filsofo
o estudo das religies. Opostamente a um pr-julgamento que se tornou
quase que clssico, as cincias oferecem reflexo filosfica uma matria
menos rica, pois o centro da filosofia o homem. Ora, o homem que faz a
cincia e que a exprime um homem incompleto, fragmentado, reduzido
apenas ao pensamento e mesmo s funes superiores do pensamento.
Contrariamente, a religio obra do homem integral. Todas as formas
possveis do pensamento e da ao existem em ato e assim se manifestam.
Portanto, no h um ponto de vista a partir do qual se possa melhor abarcar
a complexidade da natureza humana.
Sr. DELACROIX [...] Parece-me [...] que os fatos nos apresentam um
dualismo, mas no isto que expe o Sr. Durkheim. O homem preso entre a
sua vontade e a ordem do mundo, a qual a necessidade de sua inteligncia,
entre suas aspiraes e a realidade, entre seus interesses individuais ou especficos
e a lei da ao elevada impessoalidade. Sua essncia no ento a antinomia
2
p. 99. A passagem foi citada pelo Sr. Delacroix.
religio, segundo a exposio que ele nos fornece pois sou forado, ainda mais
que o Sr. Delacroix, a empregar modstia nesta matria que no conheo
conforme o Sr. Durkheim, o totemismo constitudo por crenas nas quais se
encontram representaes de animais (o cl do corvo), de espritos (esprito de
ancestrais), de almas (as almas individuais) de fenmenos naturais (a chuva,
o trovo), toda uma cosmogonia (so todos os objetos do universo classificados
em relao ao totem)... Digamos que, por vezes, a encontramos o animismo e o
naturalismo que, com muito custo, no se concebem a priori ao menos como
os elementos essenciais das religies primitivas, pois essas religies deveriam, neces-
sariamente, ao que parece, extrair, nos dois nicos reservatrios da conscincia
humana, a percepo externa e a percepo interna. Entretanto, o Sr. Durkheim
acredita que esses elementos so secundrios e derivados; e cr encontrar a prpria
essncia da crena religiosa na ideia de fora. Pois bem, porm, essa ideia de
fora no diz respeito a uma dessas foras exteriores, particularmente opressivas
para os primeiros homens; no; a ideia da fora do cl, do grupo social. Todo
o resto das concepes: religies, crenas a espritos, a alma, as foras naturais, os
deuses, nada disso mais do que uma extenso da ideia do cl hipostasiada sob
as qualidades sensveis de um animal. E que prova apresenta o Sr. Durkheim
desta interpretao? Percebi apenas uma: o grupo social possui, aos olhos do
indivduo, uma fora, uma autoridade, uma majestade incomparvel. Este
argumento basta para tornar aceitvel uma ideia que se choca a toda a tradio
filosfica? Certamente que essa tradio possa ser posta em dvida. Mas enfim,
ela possui seu valor, pois ela tambm faz parte do pensamento coletivo.
Ainda h mais. Parece que entre as duas ideias fundamentais que acabo
de distinguir, segundo o prprio Sr. Durkheim, existe uma espcie de contra-
dio. Por um lado, as concepes religiosas no so obra de conscincias
individuais; elas no podem ser constitudas apenas pelo pensamento coletivo;
por outro, elas possuem por matria essencial, por substncia, a impresso de
poder, de autoridade que a sociedade imprime nas conscincias individuais.
Sendo assim, parece que, se a primeira ideia verdadeira, a segunda falsa e
reciprocamente. Se as concepes religiosas tm por objeto essencial a fora e a
autoridade da sociedade ao olhar dos indivduos, porque elas foram consti-
tudas pelas conscincias individuais, so representaes de origem individual.
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Uma nota pela qual Sr. Darlu precisou seu pensamento prova (p. 87), em feito, que
ele desdenhou. Sr. Darlu admite que o pensamento coletivo contenha toda a aquisio
intelectual e a conserve, mas sem que ele possa cri-la ou acrescent-la. Isto negar a
tese que sustento, no que h de mais essencial. Acreditava ter repetido quase com excesso
que, segundo eu, o pensamento coletivo inteiramente outra coisa alm de um simples
amontoado de pensamentos individuais acumulados.
[...] mas, no que o concerne, o problema mais complexo; pois elas so sociais
em um outro sentido e em grau secundrio. No somente elas advm da
sociedade, mas tambm as coisas que elas exprimem so sociais. No somente
a sociedade que as instituiu, mas tambm so aspectos diferentes do ser social
que lhes servem de contedo. (p. 627-628).
enquanto sua prpria liberdade. O Sr. Durkheim admite uma tal definio do
estado de alma verdadeiramente religiosa?
Sr. Durkheim Bem entendido, no saberia admitir que o esforo do
qual se fala seja solitrio por essncia e, necessariamente, que a solido seja
um dos caracteres distintivos da vida religiosa; e no vejo como poderia
justificar-se uma tal assero que tantos fatos contradizem. Mostrei, pelo
contrrio, que uma das funes essenciais da religio (no a nica), no que
concerne ao indivduo, precisamente o encaminhar libertao da natureza
profana, a se elevar acima de si mesmo e ultrapassar-se.
Sr. Lachelier No questiono nada mais, exceto a distino entre sagrado
e profano, que me parece, por hora, indiferente.
Sr. Durkheim Esta tendncia ao aperfeioamento, esta participao
em uma vida mais elevada, h tanto menos razo de ser negada, pois
encontrada desde religies as mais rudimentares...
Sr. Lachelier possvel ao estado virtual e latente. A verdadeira religio
que acabo de definir no possui nada em comum com as religies brbaras ou
se alguma parcela possa entre elas se encontrar, ser como levedura na massa.
Sr. Durkheim Por qual direito recusa-se a priori esta tendncia ao
aperfeioamento s religies chamadas brbaras? Entende-se, portanto, a
palavra aperfeioamento em um sentido especificamente cristo?
Sr. Lachelier Creio que o cristianismo, em efeito, elevou consideravel-
mente, no esprito dos homens, a ideia de perfeio espiritual. Entretanto, minha
definio possua, no meu pensamento, um tom confessional.
Sr. Durkheim Ento, se no est relacionado a esta noo de perfeio
nenhum teor confessional, se a entende-se em amplo sentido, de maneira
que ela possa convir s religies as mais diversas, observando-se certo esforo
em direo a um ideal supraindividual, da maneira pela qual este ideal tenha
sido concebido nos diversos momentos da histria e por distintos povos.
Enxergo, definitivamente, um elemento essencial e constante em toda reli-
gio, ao menos em todas as que conheo.
Sr. Lachelier Mas no necessita ser em um sentido to amplo. Atenho-me,
portanto, ao que ensaiei definir. Questiono se este estado da alma que chamo
religioso, este estado de isolamento do nosso ser ntimo e de destacamento de todo
o resto, acreditam vocs ser possvel coloc-lo em conexo com fenmenos sociais
quaisquer a mais forte razo, fazer resultar em ns o estado de sociedade e de
ao da sociedade em ns. Trata-se de saber se uma combinao qualquer dos
elementos naturais pode, de alguma forma, em um grupo de homens, produzir
ou suscitar um estado de conscincia que gostaria de qualificar sobrenatural
(apreendendo-se esta palavra em um sentido puramente interior e desviando
toda noo de evento milagroso)?
Sr. Durkheim Respondo: sim, este estado de conscincia sobrena-
tural entendo, por isso estado de conscincia pelo qual o homem se eleva
acima do que denominado natureza, acima do dado para viver uma vida
de puro ideal este estado existe; existe em toda sociedade e toda religio
tende a realiz-lo. E dizia-se, em outro momento, que preciso apreender-se
a palavra em amplo sentido, porque acredito, alargando a definio, no
desnaturar o estado religioso da alma pelo contrrio, por melhor descobrir
a sua natureza constitutiva. O que, em suma, o estado moral ele mesmo...
Sr. Lachelier Sim, mas no que h de mais profundo e mais ntimo.
Sr. Durkheim Acredito, de fato, que estes dois estados so parentes
prximos, que vigiam um ao outro. A distino do estado moral e do
estado religioso relativamente secundria; jamais possvel, a rigor,
no mais atualmente que outrora. No se pode compreender o que a
moral tem de especfico quando no se possui o sentimento do religioso
e, inversamente. Seja o que isso for, questiona-se se o social d conta de
explicar este estado religioso. Creio que a questo no se colocaria ao
menos, no nestes termos se houvesse h mais tempo o sentimento do
que o social. Apresenta-se, ainda, muito seguidamente, a vaga ideia que
se faz de sociedade. No enxergamos nela mais do que juzes, o exrcito,
funcionrios de toda espcie, encarregados da fazer reinar entre os homens
uma ordem inteiramente exterior; e tudo isso acarreta artifcios bastante
medocres que no saberiam afetar fortemente o fundo das conscincias.
Porm, com efeito, a sociedade inteiramente outra coisa. Esta uma
nova sntese, incomparvel, infinitamente mais rica e mais fecunda do que
todas as demais de onde resultam as outras formas do real pois uma
sntese de espritos que d nascimento a um esprito, a uma mentalidade
de novo gnero. disso que a sociologia nos faz ter conscincia. Esta ainda
no logrou estabelecer leis que possam ser incontestadas. Mas, ao menos,
nos ensinou, dando-nos o sentimento de que, para alm do mundo indi-
vidual, abre-se um mundo novo, onde jogam foras insuspeitas at ento,
pelas quais se podem explicar fenmenos que, durante longo perodo,
consideram-se inexplicveis. Esta descoberta de um novo reino, unido a
outros reinos da natureza, destinado a orientar a cincia do homem por
novas rotas, a abrir-lhe horizontes incomuns. Quando se sente tudo que
h de fora criadora na efervescncia mental que produz toda vida coletiva
por mais elevada seja a ideia que se faz da religio, d-se conta que difcil
dizer a priori: esta no explicar aquela. A comunicao das conscincias
que implica toda vida social no fonte de toda vida impessoal tanto na
ordem intelectual quanto na prtica. Esta aptido de viver de uma vida
impessoal, supraindividual, no uma das caractersticas da humanidade,
no possivelmente a que melhor nos distingue da animalidade? No
obstante, antes mesmo de a sociologia ter sido constituda, a maioria dos
grandes pensadores, os quais meditaram sobre a sociedade, bem sentiram
que esta era uma espcie de ente maravilhoso, superior natureza, um tipo
de Deus um deus mortal, como dizia Hobbes.
Sr. Lachelier A comunho das conscincias certamente existe: isso uma
coisa e, religio, outra. Por religio, no entendo prticas religiosas nem crenas
particulares, que evidentemente variam de um estado social a outro. Mas a
verdadeira religio incapaz de nascer de qualquer relao social, pois h nela
uma negao fundamental de todo dado externo e, por isso, h uma desvincu-
lao em relao ao grupo, assim como natureza. A alma religiosa busca-se e
se encontra fora do grupo social, longe dele e frequentemente contra ele.
Isto tambm pode se deduzir da comunho das conscincias?
Sr. Durkheim Se for posto a priori que a religio essencialmente
uma coisa inteiramente individual, que no possvel o seu nascimento
alm do interior da conscincia, evidente que no poderia ser explicada
por causas sociais. Trata-se, no entanto, de saber sobre o que se apoia esta
assero. Ora, eu nunca soube que os deuses, refiro-me queles que tiveram
uma existncia histrica, nasceram na solido. Sempre nascem para encarnar