A Técnica Na Psicoterapia Existencial - Artigo
A Técnica Na Psicoterapia Existencial - Artigo
A Técnica Na Psicoterapia Existencial - Artigo
Creio ter sido este o fator novo que surgiu no Congresso, seu maior legado, a
tentativa de pensar a questo da tcnica isento de pr-conceitos. Afinal j foi
muito explorado, discutido e elaborado nas ltimas dcadas as questes acerca
da fundamentao filosfica e epistemolgica, bem como a questo da relao.
Esta mais que claro a primazia da relao na Psicoterapia Existencial. Porm
o tema da tcnica foi deixado de lado, seja por preconceito, por medo ou por
ideologia. Finalmente parece que chegou o momento de falar abertamente
sobre o tema. Publicado no blog em 01/10/2013
Procurei fazer uma sistematizao das tcnicas na abordagem existencial e as
dividi em dois grupos: as tcnicas relacionais e as direcionais, sendo que o grupo
mais polmico das tcnicas relacionais pois so manejos que esto na fronteira
entre tcnica e relao e permitem ao terapeuta ser ele mesmo, autntico,
pessoa. Comentei e refleti sobre o tema em um artigo posterior j publicado no
blog em 26/01/2015 denominado Acolhimento: estratgia ou funo?.
O artigo que segue na ntegra tem como objetivo contribuir para esta reflexo
fundamental, principalmente nos dias de hoje, para o desenvolvimento da
Psicoterapia Existencial, que ultimamente tenho gostado de denominar
Psicoterapia Dinmica Existencial.
ARTIGO
A tcnica na Psicoterapia Existencial
Marco Portela
A metodologia padece sempre de um atraso cultural. Nosso problema consiste em ampliar
nossa viso para que abarque uma maior experincia humana, em desenvolver e liberar nossos
mtodos a fim de que, na medida do possvel, justifiquem a riqueza e vastido da experincia
humana.
Rollo May
Introduo
Um dos pontos mais frgeis e mais criticados da ou das Psicoterapias
Existenciais a questo da tcnica. Arrisco dizer que esta questo se configura
em um dos pontos cegos da prxis clnica em psicologia. A prxis se compe de
um trip que consiste em uma teoria, uma tcnica e a prtica propriamente dita.
Este trip esta fundamentado em um solo epistemolgico e antropolgico que
determina uma viso de mundo e de homem. Vrios so os fundamentos
epistemolgicos na psicologia, dentre eles os principais so o positivismo, a
fenomenologia, a dialtica (Minayo, 1994) e a psicanlise. Mas estes no
esgotam a lista, deve-se acrescentar aqui as cincias da linguagem e da
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informao dentre outras e considerar tambm as fronteiras que a psicologia faz
com muitos outros saberes e disciplinas em todas as reas da cincia, como a
biologia, sociologia, antropologia, servio social, na rea da sade a medicina,
terapia ocupacional, na educao com a pedagogia, enfim esta lista longa.
Yalom tambm fala da crise em nosso setor, e aponta um outro fator crucial que
leva a psicoterapia e os psicoterapeutas a um tecnicismo exacerbado a fim de
torn-la mais eficaz e atender o mercado da sade,
De forma que a tcnica em psicologia sempre foi um dos pontos mais frgeis,
em todas as abordagens, a ponto de correntes mais recentes como a Psicologia
transpessoal e holstica lanar mo de tcnicas ligadas rea mstica, como a
meditao por exemplo. Se ns psiclogos descobrssemos uma tcnica que
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fosse aplicada com a maior eficcia a todos os sintomas psicolgicos humanos,
quem a descobrisse sem dvida seria um candidato ao prmio Nobel.
Para boa parte dos autores existenciais, uma importncia exagerada na tcnica
se constituiria em um obstculo para uma relao autntica e para uma
compreenso existencial-fenomenolgica do ser, pois leva a uma coisificao do
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sujeito, a uma rotulao, a considerar o homem um objeto que se deve calcular
manejar e analisar. Ou como diria Castillo, leva a ver o sujeito como um
problema ou uma doena a ser tratada (Castillo, 1966). Para May (1967) no
ocidente existe a tendncia a crer que a compreenso segue a tcnica. Mas como
dito anteriormente na anlise existencial o contrrio.
Esta viso da tcnica persiste at os dias de hoje. A grande maioria dos textos e
livros recentes acerca da psicoterapia existencial no entra no tema da tcnica,
se limitando fundamentao filosfica, epistemolgica e terica da
abordagem. Quando citam a tcnica o fazem de forma pejorativa ou para criticar
as demais abordagens que a utilizam e, diga-se de passagem, de forma genuna e
autntica. Muitos se baseiam nas crticas dos pioneiros j citados, outros na
crtica Heideggeriana ao tecnicismo da era moderna.
Ora, a tcnica se constitui num dos pontos mais criticados das psicoterapias de
cunho existencial[1], e assume um carter extremamente obscuro na medida em
que os prprios tericos da abordagem se negam a falar ou quando falam mais
para criticar sem trazer nenhuma luz sobre o tema. Fazem uma articulao
muito consistente, falam dos objetivos do terapeuta ou analista existencial, mas
no apontam como este deve proceder para levar seu cliente a atingi-los. Usam
uma linguagem muito distante do que se vive dentro do setting teraputico, se
perdendo nos meandros tericos e filosficos, caindo numa linguagem vaga,
baseada numa terminologia filosfica e que no remete ao fazer mais concreto
do psiclogo.
Esta postura leva a crticas pesadas psicoterapia existencial. Duas que j esto
disseminadas e volta e meia ouvimos por a: quando o terapeuta no tem uma
linha de trabalho diz que existencialista; o terapeuta existencial atua
intuitivamente. Agora vejamos uma crtica mais embasada,
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crtica de dentro da prpria abordagem, enquanto o segundo fala com um olhar
externo. Estas crticas encontram ecos em muitos outros autores.
Podemos pensar que, se somente a relao fosse suficiente para levar cura ou
elaborao dos traumas e conflitos, ento no precisaria de psicoterapia ou
psicoterapeutas, um amigo ou parente seria suficiente. Na verdade, em muitos
casos so suficientes, mas em muitos outros casos em que a problemtica se
tornou crnica, em que j se desenvolveram sintomas importantes, um amigo
ou parente j no se mostra suficiente para levar a um alvio definitivo do
sofrimento. Como diz Bucher,
Portanto, em muitos casos preciso algo a mais que uma relao de confiana e
autntica. E aqui entra a psicoterapia ou o psicoterapeuta que, com a construo
de uma relao slida, de confiana, aliada a tcnicas eficazes pode levar o
sujeito elaborao e superao de seus traumas.
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do cliente que este fale de si e seus problemas, ao passo que espera-se do
terapeuta aes que levem o cliente a uma melhora de seu sofrimento, sua dor
ou seu sintoma. Isto esta implcito e no precisa ser dito.
Cita trs enfoques tericos que ele julga complementares no estudo da tcnica, o
psicodinmico, o comunicacional e o de aprendizagem e cita ainda as tcnicas
de apoio, de esclarecimento e de interpretao transferencial (Fiorini, 2004).
Neste ponto cabe uma leitura da relao entre tcnica e teoria. Em seus
primrdios ambas estavam coladas, porm, podemos dizer que nas ltimas
dcadas houve um descolamento das tcnicas e das teorias. O mandamento
bsico da psicanlise de pensar alto, ou seja, a livre associao com seu
corolrio, a interpretao, j no mais um apangio da psicanlise mas o
mandamento bsico de todas as psicoterapias que tem por base a fala e a escuta.
Outras tcnicas ligadas s terapias grupalistas, por exemplo, que em sua origem
tinham uma fundamentao fenomenolgica, como o psicodrama, foram
apropriadas pela psicanlise e outras correntes. A prpria hipnose hoje uma
tcnica adotada por psiclogos da teoria sistmica, psicanaltica, humanista e
outras, com as devidas adaptaes logicamente. Algumas abordagens no
conseguiram fazer este descolamento, como exemplo tem a comportamental
cujo comprometimento com as cincias positivas lhe confere um carter mais
rgido no que tange s questes tcnicas (Bucher, 1989).
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cura, o que sustenta todo o processo teraputico. Portanto, vamos falar de
tcnica deixando claro que a relao estar sempre na frente da tcnica. Como
diz Yalom a terapia no deve ser impulsionada pela teoria, mas sim pelo
relacionamento (Yalom, 2006, pag. 17).
As tcnicas
O que vou apresentar agora uma primeira tentativa de sistematizao de
algumas tcnicas dentro da abordagem existencial. No tenho a pretenso de
esgotar neste momento o tema, mas sim incitar a discusso, deixada de lado por
tanto tempo. hora de encar-la de frente. Os primeiros psiquiatras
existencialistas, por terem uma base eminentemente psicanaltica adotavam
basicamente a tcnica da associao livre e da interpretao. Boss (1958)
assume esta posio e se utiliza inclusive do div, assim com May (1967).
Porm, em sua maioria, como dito anteriormente, os existencialistas falam da
teoria, da fundamentao filosfica e epistemolgica, dos objetivos do
terapeuta, enfim, mas no explicitam seus mtodos e tcnicas. Vou ento tentar
sistematizar estes mtodos e tcnicas e pensar como se encaixariam dentro da
linha existencial. Deixo claro que vou beber de vrias fontes ou abordagens.
Tcnicas Relacionais
Como dito, este termo se refere a tcnicas ou manejos fundamentais para que o
terapeuta possa levar a termo com sucesso a terapia. Estas esto embutidas na
relao e so em grande medida imperceptveis ao cliente. Muitas inclusive so
utilizadas por psicoterapeutas de forma intuitiva ou inconsciente. Sem mais
delongas vamos a elas, lembrando que no tenho a inteno de esgot-las.
Trata-se apenas de uma contribuio inicial que espero possa instigar outros
terapeutas a pesquisar e enriquecer a discusso. Tcnicas diretivas, de apoio,
esclarecimento, sugestivas, adaptativas enfim, se enquadram no rol das
relacionais.
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Por outro lado, a tcnica bsica psicanaltica da livre associao e interpretao
hoje o mandamento bsico de praticamente todas as psicoterapias que tem por
base a fala e a escuta. O que vai diferir um pouco a interpretao que ser
sempre dentro do referencial terico de cada terapeuta. A livre associao pode
se enquadrar tanto nas tcnicas relacionais como nas direcionais, dadas as
caractersticas do contexto de uma sesso de terapia em que os papis por si s
j impe determinadas atitudes esperadas por ambos os atores.
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tempo todo, portanto tem um carter tambm prospectivo. Mas a prioridade
do aqui-agora, nas palavras de Yalom
o aqui-agora a principal fonte de poder teraputico o melhor amigo do
terapeuta refere-se aos eventos imediatos da hora teraputica, ao que
acontece aqui (neste consultrio, neste relacionamento, na intermedialidade
o espao entre mim e voc) e agora, nesta hora imediata. basicamente uma
abordagem no-histrica e tira a nfase (mas no nega a importncia) do
passado ou de eventos histricos da vida exterior do paciente (Yalom, 2006,
pag 54)[4]
As tcnicas relacionais so de suma importncia para a construo de uma
relao de confiana, autntica, para o advento do eros teraputico, exigi
presena do terapeuta e uma percepo apurada acerca de seu cliente. Sua
estrutura de personalidade, suas queixas, o momento no processo teraputico, o
nvel de angustia que circula entre ambos e muitas outras variveis devem ser
consideradas a fim de avaliar a melhor estratgia ou manejo tcnico. O
momento de ser mais ou menos continente, de dar uma orientao, um
esclarecimento, ou fazer uma pontuao e interpretao. At que ponto me
mostro ou me oculto. So manejos fundamentais para o sucesso da terapia.
Tcnicas direcionais
Quanto s tcnicas direcionais, estas recebem este nome por serem tcnicas
dinmicas e que dependem de uma direo do terapeuta. Em sua maioria se
utilizam, alm da fala, tambm o corpo ou corporalidade. Exigem um manejo
mais cuidadoso do terapeuta. No so diretivas no sentido de se dar respostas
prontas ou sugestes ao cliente. O contedo vem do cliente e o manejo destas
tcnicas vai possibilitar insights e abertura de novos caminhos no processo
teraputico.
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Essas tcnicas so muito eficazes em vrios momentos do processo teraputico,
principalmente aqueles em que as resistncias esto mais evidentes ou
exacerbadas. Trabalham as resistncias ou no nvel corporal e vivencial ou no
nvel subconsciente, facilitando a emergncia do material reprimido, levando a
uma conscientizao mais rpida e eficaz pelo cliente de seus padres e
comportamentos rgidos e calcificados e de suas defesas sintomticas. Se bem
conduzidas pelo terapeuta, podem acelerar muito o processo psicoteraputico.
Afetos reprimidos que, com as tcnicas ortodoxas, tradicionais levariam meses
ou anos para vir tona, com uma tcnica psicodramtica, gestaltista ou a
hipnose podem emergir em uma ou poucas sesses.
Concluso
Deixei de lado algumas tcnicas muito importante e tambm polmicas, uma
dela a de se focar o sintoma ou sua causa, ou seja, usar uma tcnica adaptativa
ou elaborativa/interpretativa? No h dvida que no que tange psicologia
clnica temos que focar a causa, sem no entanto perder da vista o sintoma, pois
a expresso de algum conflito. A existencial procura focar as causas mas sem
deixar de trabalhar ou negligenciar o sintoma. Cabe novamente ao teraputa
saber a hora de desviar da causa e se voltar para o sintoma, e por outro lado
retornar ao trabalho de base, mais fundamental que essa compreenso do
Existente ou da Existncia.
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pura iluminao a decifrar as modalidades existenciais que iremos expor na
continuao tratando em segunda instncia aos enfermos como um mistrio,
o Dasein que o psicoterapeuta pode aclarar o Dasein que o enfermo
(Castillo, 1966, pag 15).
Neste trecho Castillo expe seu mtodo de trabalho, o que inclui o diagnstico.
um engodo pensar que um diagnstico possa carimbar pra sempre o sujeito
impossibilitando a cura, a mudana, o crescimento ou mesmo um
posicionamento do cliente em relao ao mesmo. O diagnstico um momento
importante do processo e cabe sim ao psiclogo faz-lo. Este servir como um
guia para sabermos como conduzir a terapia. O erro ou risco o de ver o cliente
no mais como uma pessoa, mas como uma classificao psiquitrica. So trs
os antdotos para isto: conhecimento terico-tcnico, colocar a relao e a
compreenso na frente da tcnica, discusso de casos clnicos com colegas
psiclogos e/ou a equipe de sade e uma atitude sempre vigilante em relao
aos sentimentos que surgem em si, diante do que o cliente lhe traz.
O fim da terapia outra questo importante e vai depender do foco, dos seus
objetivos e outras variveis. Ao questionarmos a existencial e suas tcnicas,
podemos dizer que, dentro de um certo ponto de vista, colocar a relao na
frente da tcnica no deixa tambm de ser uma tcnica ou uma forma de
manejo.
Bibliografia
_ Binswanger L. Anlisis Existencial y Psicoterapia in Ruitenbeek H. M. (org.)
Psicoanlisis y filosofia existencial Buenos Aires: Editorial Paidos, 1965.
_ __________ La locura como fenomeno biogrfico y como enfermidad
mental: el caso Ilse in May R., Angel E., Ellenberger H. F. (orgs.) Existencia
Madrid: Editorial Gredos, 1967.
_ Boff L. Ecologia: grito da terra, grito dos pobres 2. ed. So Paulo: tica,
1996.
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_ Weill P. Psicodrama Rio de Janeiro: CEPA, 1967.
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