Função Social Da Comédia PDF
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RESUMO
Palavras-chave: comdia, ator cmico, clown, palhao, intrprete cmico popular brasileiro,
Cl Estdio das Artes Cmicas
ABSTRACT
In this article it is discussed the sociological significance of the comedy, specially the theater
gender. Taking into account the work of G.E.C.A. (Grupo de Estudos de Clowns Annimos
Anonymous Clowns Study Group - team of Cl Estdio das Artes Cmicas Studio
Association of the Comic Arts) and having the historic point of view of the theater actor work,
it is detailed the way the comic phenomenon is improved and is intended to be a provoking
element of the occidental humoristic representation and some of its constitutive elements.
Keywords: comedy, comic actor, clown, Brazilian popular comic interpreter, Cl Estdio das
Artes Cmicas
RESMEN
En ese artculo se discute la significacin de la comedia, especialmente de gnero teatral.
Teniendo principalmente como enfoque el trabajo de G.E.C.A. (Grupo de Estudos de Clowns
Annimos - Grupo de Estudios de Clowns Annimos - ncleo de Cl Estdio das Artes
Cmicas Asociacin Estudio de las Artes Cmicas) y desde una perspectiva histrica del
trabajo del actor de teatro, se detalla el modo por el cual el fenmeno cmico se potencia, se
afirma como elemento provocador en la historia de la representacin humorstica occidental y
algunos de sus elementos constitutivos.
Palabras llave: comedia, actor cmico, clown, payaso, intrprete cmico popular brasileo,
Cl Estdio das Artes Cmicas
4
SUMRIO
1. INTRODUO........................................................................7
2. A RELAO ENTRE A FUNO SOCIAL DO ATOR E A
COMDIA BASE DO TRABALHO DO G.E.C. A.................10
2.1 Ningum ri sozinho ................................................................11
2.2 Comdia em teatro humanizao de comportamentos.........11
2.3 S o bobo pode!.......................................................................12
3. ESTRATGIAS HUMORADAS E SUAS FUNES............14
3.1 O gnero cmico popular como sofisticada estratgia de
comunicao........................................................................................16
3.2 O palhao: a autenticidade que o liberta das convenes.......18
3.3 A discusso para ser sria ou vai ser essa palhaada toda?...21
3.4 Relao com o pblico.............................................................24
4. CONSIDERAES FINAIS......................................................25
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS............................................28
5
LISTA DE ILUSTRAES
1. INTRODUO
1 O Cl Estdio das Artes Cmicas foi fundado em 2001 por Cida Almeida e Sofia Papo. Os princpios e
objetivos desse coletivo, alm dos que servem de base essencial para a pesquisa do GECA, incluem fomentar
e manter o desenvolvimento de artistas que tenham interesse em estudar a arte de fazer rir atravs da busca de
um resultado cnico orgnico e verdadeiro. A pesquisa de como produzir o riso feita pelo referido grupo
permanente de estudos, que j est em sua segunda gerao de artistas. Atualmente, o Cl oferece oficinas,
workshops, eventos e espetculos de tcnicas especficas dentro da linguagem cmica, em especial do
palhao. Trata-se de um grupo gerador e transmissor de conhecimentos tericos e prticos sobre a comdia, o
riso e o teatro.
2 Conceito criado por Eugnio Barba, diretor de teatro italiano fundador do Odin Teatret, hoje residente na
Dinamarca. Segundo Barba (1999, p.47), antropologia teatral o estudo do comportamento humano quando
o ator usa sua presena fsica e mental em uma situao organizada de representao e de acordo com os
princpios que so diferentes dos usados na vida cotidiana. A Antropologia Teatral proporia uma prtica
teatral na qual o ator enfrentaria a busca de sua prpria identidade, que se manifestaria por meio do exerccio
de seu ofcio. O teatro antropolgico sublinha a unicidade do indivduo, ou do ator, por isso permitiria
perceber a identidade de cada grupo e de cada horizonte histrico-cultural. O Teatro antropolgico s ser
possvel se o grupo faz de sua prtica cotidiana um ponto de partida para uma viagem de prospeco pela
histria e pela cultura.
3 Clown uma palavra em ingls (pronuncia-se clun), cuja origem est no sculo XVI, derivada de clod,
que, de acordo com Bolognesi (2003, p.62) cujo sentido aproximado seria homem rstico, do campo. Clod
ou clown, tinha tambm o sentido de lout , homem desajeitado, grosseiro. [...] Na pantomima inglesa, o termo
clown designava o cmico principal e tinha as funes de um servial. Clown traduzido para o portugus
significa palhao, mas as duas palavras tem diferentes origens: palhao vem do italiano paglia (palha -
porque a primitiva roupa desse cmico era feita com palha, exagerando as partes mais salientes do corpo) se
7
XXI. Dessa forma, o grupo acredita pensar a cultura popular pelo vis da comdia, mas uma
comdia muito diferente da produzida pelos meios de comunicao de massa: alienante, que
estimula preconceitos em relao a determinados grupos ou modos de pensar; rasa, vazia de
ideais ou objetivos que no sejam os mercadolgicos.
O enfoque na criao teatral se d porque a arte da representao vai ao encontro com
a questo que est sendo proposta ao enveredar pela comdia que um princpio revelador do
prprio teatro. Toda ao realizada em cena nos fala no apenas dela mesma; mas tambm do
homem que realiza essa ao. O ofcio do ator , no caso, como dizia Dostoivski do seu
ofcio de escritor, mostrar o homem no homem, atravs da ao. Ento na medida em que
um ator consegue, atravs da personagem cmica, sintetizar aspectos coletivos, particularizar,
resumir diversas caractersticas sociais numa personagem, temos onde pretende-se chegar: a
possibilidade do sujeito de representar o mundo como se estivesse representando a si prprio
essa a atitude esttica do humor! Para Saliba, (2002, p. 27) A atitude humorstica
desmistificadora por excelncia () o humorista () procura apreender todos os lados da
realidade, exercitando ao mximo, e levando ao limite, a sua percepo e o seu sentimento do
contrrio. Desse modo, v-se que o humor oferece novas possibilidades de enxergar o
mundo, geralmente crticas em relao a este.
Alguns autores como Henry Bergson, Freud, Jean Duvignaud, e o prprio professor
Elias Saliba buscaram ir alm da questo da essncia do humor, mostrando que ele tem
histria. Os conceitos elucidados por eles, bem como por outros pensadores da comicidade,
no apenas embasam o trabalho desenvolvido pelo GECA, na medida em que fazem parte da
bibliografia do grupo de estudos, mas tambm sero capazes de esclarecer e at justificar as
escolhas estticas da companhia. Alguns conceitos do filsofo e ativista poltico Antnio
Gramsci tambm se aplicam aos esforos do grupo, como veremos adiante.
Atravs do olhar sobre alguns recursos cmicos no teatro (como a questo da rigidez
mecnica, da distrao, do exagero, entre outros, para partir primeiramente dos conceitos de
Bergson) e da discusso de processos histricos, pretende-se discorrer sobre a funo social
da comdia como aparece no teatro do GECA.
importante que se diga que a pretenso do artigo no fazer uma avaliao no
sentido de verificar como a comicidade foi apropriada por determinado pblico, grupo social
ou como esse grupo usufruiu ou percebeu os efeitos ou o poder transformador da comdia.
O que est sendo considerado um processo fenomenolgico muito amplo. De antemo, j se
pode justificar o texto extenso para um artigo cientfico: a cultura ocidental criou diversas
reflexes sobre a comicidade, desde a famosa parte da Potica de Aristteles que se referia
comdia e que se perdeu, at os revolucionrios conceitos de Freud que abriram a percepo
para a questo do inconsciente, do chiste, do ato falho. Em comum tem, esses pensadores, a
condio de mostrar como o humor se trata de uma experincia humana muito imprecisa e na
qual caberia quase tudo. Apesar de sua simplicidade aparente, o humor pode ser muito
ameaador do ponto de vista de quem exerce a dominao sob outrem e no so poucos os
autores cmicos que foram presos e exilados em razo da capacidade que o humor tem de
transgredir padres de comportamento e pensamento. Nesse sentido, o humor se torna
reflexivo da prpria realidade e, sem dvida, contribui para se pensar a cultura. Para tanto,
muitos exemplos, alm dos que esto ilustrados aqui, poderiam ser encontrados no trabalho da
referida companhia de teatro e ter sido comentados neste artigo, desencadeando ainda mais
reflexes que completariam o vasto e estimulante tema. No entanto, devido s normas
acadmicas as quais este artigo deveria ter obedecido (sim, porque j desobedeceu! Est
extenso, com orgulho! Uma das funes dos comediantes, como iremos discutir, questionar
as regras mesmo!), tentaremos apenas saborear de leve o assunto.
Mais um motivo anima as paginas a seguir. Como um elemento emblemtico da
comdia, a figura do palhao ter um enfoque particular no presente artigo. A inteno no
estudar o mtodo de treinamento para se chegar no clown como ficou sendo chamado no
Brasil o palhao da sala do teatro, ou sua histria, mas, sem dvida, ele serve de base para a
criao da maioria das figuras cmicas existentes e por isso que o GECA comeou
trabalhando com ele. O palhao foi um dos primeiros profissionais da histria reconhecido
como trabalhador e, como diria Maria Alice Viveiros de Castro (2005, p.16) sobreviveu a
todas as catstrofes naturais, inclusive s construdas pelos homens. Esteve presente nas
batalhas, nas festas e nos rituais mais engraados, sempre cumprindo o mesmo papel:
provocar o riso.
9
Est se falando de comdia neste artigo como o uso do humor nas artes cnicas. Mas a
palavra comdia vem do grego komoida. Sua origem etimolgica komos (procisso jocosa)
e oid (canto). A palavra komos tem mltiplos sentidos no vocabulrio grego, inclusive o de
comunidade. A comdia pode ser interpretada ento, como o canto da comunidade
(informao verbal, grifo nosso)4.
Enquanto a tragdia grega era fundamentada na temtica mitolgica, a comdia no
tinha nenhum padro rgido. Ela tendia a criar situaes absurdas e, dentro destas, elaborar
uma crtica essencialmente poltica aos governantes e aos costumes da poca. O surgimento
da comdia s foi possvel por causa da democracia, conquistada no sculo V a.C., quando a
liberdade de expresso atingiu um nvel inigualado na histria para os chamados homens
livres (escravos, mulheres e estrangeiros eram excludos deste direito).
Para Duvignaud, o prprio ator de teatro aparece na Grcia com um novo tipo de
sociedade representado pela cidade, pois vem corresponder a uma poca em que a conscincia
de um dinamismo e de uma transformao das estruturas sociais modifica a natureza dos
mitos e torna possvel a participao coletiva em experincias que no se reduzem aos
moldes da vida tradicional.
Se a tarefa do ator em geral consiste em representar um papel social,
mtico, imaginrio - () comea no momento em que um homem se
especializa em reproduzir personagens que expressam ora um desvio
fundamental em relao aos mitos antigos (teatro grego, N japones), ora
condutas afetivas novas que resultam do acrscimo do poder coletivo do
homem e de suas maiores habilitaes em plenitude. () O comediante
procura realizar uma fuso das conscincias, uma participao de todos os
indivduos nas condutas imaginrias. (DUVIGNAUD, 1972: p.19. Grifo
nosso).
No h duvida, portanto, de que existe uma relao profunda entre o ator (que aqui, foi
traduzido como comediante (!), pois em francs, o ator tambm chamado de comdien) e a
vida social. Essa relao se baseia na possibilidade que tem o ator de inventar os sinais e os
smbolos de participao, contribuindo para a criao de novos ambientes e assim alargar as
bases da experincia. O personagem Hamlet, vivificado por milhes de atores no mundo, fez
Shakespeare existir muito mais do que fosse possvel saber sobre a vida ntima do autor.
Ao representar, o ator no experimenta as emoes que exprime e comunica ao
pblico. Para Duvignaud, os que se rendem sua afetividade so fracos! O que o ator
expressa, resulta de uma elaborao consciente, de modo que os comportamentos estticos
constituem emoes originais distintas das emoes da vida cotidiana: a representao uma
atitude original que pressupe uma inteno diferente da que prevalece na existncia real.
Existe uma diferena entre a emoo verdadeira, que se apodera do ser e faz com este se deixe
levar, e a emoo representada, que construda pelo ator e no corresponde necessariamente
aos sinais que segue.
Este pensamento a base do conceito do efeito de distanciamento criado pelo
teatrlogo e autor alemo Bertold Brecht: trata-se do termo que designa a distncia da
conscincia de si prprio e a conscincia intencional que cria a personagem. Isso exclui a
identificao quase mgica dos espectadores com o que est sendo mostrado no palco.
Despertando assim, uma atitude crtica do espectador, levando-o a participar intelectualmente
do que v.
No por acaso, Brecht escolhia geralmente a comdia para tratar as questes que
apareciam em suas obras. A associao clara: a comicidade tem a indiferena como seu
4 Informao fornecida por Cida Almeida durante a entrevista realizada para a produo do presente artigo.
10
meio natural. Para Bergson, o riso no tem maior inimigo que a emoo (2007, p. 3). Nesse
sentido, a comdia tem muito em comum com o trabalho do ator (da a importncia do estudo
da comdia para os atores, inclusive para aqueles que no fazem comdias!): a comicidade
exige o que o autor chama de uma anestesia momentnea do corao: Que o leitor agora se
afaste, assistindo a vida como um espectador indiferente: muitos dramas se transformaro em
comdia. Basta taparmos os ouvidos ao som da msica, num salo de baile, para que os
danarinos logo nos paream ridculos (BERGSON, 2007, p. 4). A comicidade se dirigiria
ento ao que Bergson chama de inteligncia pura. O fato que qualquer radicalismo nesse
sentido pode destruir o processo to dinmico que o trabalho do ator. Ora, como diz Dario
Fo, em seu Manual Mnimo do Ator, experimentar a emoo e conservar ao mesmo tempo o
senso crtico no impossvel na prtica (). Tudo depende de quanto se est treinado para
conter certos estmulos, da sabedoria na administrao do emocional e do racional, de um
equilbrio capaz de se traduzir em efeito propulsor... e no esttico. (1998, p. 25).
5 . importante que entendamos o termo imitao aqui, no somente como pura reproduo mecnica, mas
no sentido de mostrar, acentuar, apontar determinado comportamento, de modo a ter uma significao
sociolgica na medida que que convida a um novo olhar sobre o objeto imitado.
11
Para Duvignaud, essa imitao dos comportamentos nobres pelo ator, () tambm um
esforo para laicizar esses comportamentos, inclu-los na trama da vida social real e, em
suma, humaniz-los. (1972, p. 57). O exemplo de Molire vai perfeitamente de encontro com
o que acontece com a prpria figura do palhao: ele era um ator que, no tendo xito no
gnero trgico, como desejava, procurou compensar com uma atitude como ator que, sem
suprimir a tragdia, a pe em dvida! Nesse sentido, a imitao no suprime valores nobres,
mas os absorve e os altera.
O que Molire viveu tpico do que inspira a comicidade e o que acabou se
transformando em mote para o seu trabalho: a ingenuidade ante o inelutvel ou o trgico, a
estupidez simulada, a angstia resignada por no entrar para a representao dramtica. O uso
que Molire fez do corpo e da ligeireza de suas peas tendia sempre para o espanto ou a
estupefao de um homem colocado fora numa situao a cuja altura ele no pode elevar-
se. da apresentao da existncia da sua dimenso corporal, e por isso imperfeita, da sua
estupidez necessria, no seu espanto de idiota quando em presena de uma mquina
complicada, que ele vai tirar seus efeitos e criaes. A sua palermice equivocada pelo prprio
fato de estar mergulhado numa situao dolorosa, comunica uma srie de significados, que
so, inclusive, reforados por essa ambiguidade. A sua condio de bobo uma maneira de
situar-se em um mundo inexorvel. Os personagens de Molire so laicizados e reduzidos ao
natural, com incoerncias e distraes perfeitamente humanas e distantes do mundo sublime e
idealizado da tragdia. Ele se apodera do heri trgico para desacredit-lo. Esse exemplo
serve para ilustrar como o ator transpe os modelos teatrais anteriores, vivificando-os, e, na
evoluo da criao teatral das sociedades monrquicas, consagra uma ruptura.
Antes do sculo XVI no se fala em companhias organizadas como a de Molire, mas
j se constituem as chamadas corporaes de ofcio6 que posteriormente elevaram os atores
aos status de profissionais. Foi essa a origem do que hoje se chama Commedia Dell' Arte7,
gnero oriundo de companhias profissionais de teatro que se organizavam de maneira similar
s referidas corporaes. O Dellarte da Commedia significa, a idia de ofcio, ou seja, de
profissionalizao da arte do ator, de sua capacidade tcnica desenvolvida a partir de um
mtodo.
6 . Organizaes sociais divididas por artes: os queijeiros, por exemplo, seriam uma corporao
de ofcio, assim como os ferreiros, etc. Na economia feudal, com o advento das aglomeraes urbanas, os
mestres de ofcios, como eram chamados, se reuniam em corporaes em cidades com mais de 10 mil habitantes
para organizar, controlar e proteger o mercado de venda e consumo de seus produtos.
7 . Surgida entre os sculos XV e XVI, a commedia dell' arte ou comdia das mscaras era baseada em
um roteiro (canovaccio) que servia como suporte para que os atores improvisassem. Esse roteiro no era um
texto estruturado: indicava apenas as entradas e sadas dos atores, os monlogos, dilogos, temas, cantos e
danas. Era sempre criada a partir de personagens fixos (que possuam mscaras prprias cujas linhas revelavam
o carter pessoal de cada um) e situaes codificadas o que facilitava o jogo da improvisao. Esse teatro teve
uma grande aceitao na poca, pois o enredo se baseava no universo cotidiano do pblico. Fazia a descrio
viva de tipos caractersticos, costumes contemporneos e relaes hierrquicas pois sempre apareciam trs
grupos sociais na pea: os patres, os enamorados e os empregados. Os zanni, servos da commedia dell'arte,
provocavam a maior parte das cenas cmicas, por suas atitudes ambguas e suas trapalhadas e trejeitos.
12
8 Filsofo e enciclopedista francs que escreveu o famoso ensaio Paradoxo do Ator, no qual imagina um ator
capaz de programar e controlar toda a sua exibio, valorizando apenas a racionalidade. Assim, o que Fo
critica justamente a impossibilidade que parte desse pensamento de dar margem aos acaso, ao incidental,
estado fsico e de nimo, enfim, ao que seria impondervel no que se refere ao trabalho do ator.
9 Informao fornecida em aula de Histria do Teatro no curso de bacharelado em Comunicao das Artes do
Corpo na PUC-SP.
14
Foto 2 O G.E.C.A. e alguns monitores no evento Viradinha Cultura Uma Noite no CCSP. Fonte: arquivo
15
pessoal
10 RUBIM, Antonio Albino Canelas. Polticas culturais no governo Lula / Gil: Desafios e Enfrentamentos.
Texto apresentado no III Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura. Salvador, 2007.
11 UNESCO - Definio conforme as concluses da Conferncia Mundial sobre as Polticas Culturais
(MONDIACULT, Mxico, 1982), da Comisso Mundial da Cultura e Desenvolvimento (Nossa Diversidade
Criativa, 1995) e da Conferncia Intergovernamental sobre Polticas Culturais para o Desenvolvimento
(Estocolmo, 1998)
16
naquilo que est sendo representado. Patrice Pavis, no Dicionrio de Teatro confirma:
A tragdia () mitifica a existncia, visa no a um grupo social, mas a uma
camada universal e profunda do homem, cristaliza as relaes humanas. O
trgico necessita da aceitao, por protagonistas e espectadores, de uma
ordem transcendente e imutvel. O cmico, ao contrrio, indica claramente
que os valores e normas sociais no passam de convenes humanas, teis
vida em comum, mas dos quais poderamos nos privar e que poderamos
substituir por outras convenes. (PAVIS, 1999: p. 59)
a arte no museu ou para turista ver, mas eu estou falando uma linguagem que voc entende.
Pensar na sua histria e tradio, se conhecer, saber do que eu fao parte. A partir desse
reconhecimento, eu posso me conhecer e transformar pelo menos ao meu redor. (grifo do
autor). Essa reflexo vai diretamente ao encontro do conceito de historicidade proposto por
Gramsci: a proposio de que as sociedades e suas transformaes s podem ser
compreendidas atravs da percepo da sua localizao histrica - passado, presente e olhar
para o futuro (informao verbal)12.
Cida ainda enfatiza que uma das caractersticas do trabalho com o cmico a
generosidade, se colocar no lugar do outro: estamos ali para revelar: eu sou que nem voc!.
Enquanto o acrobata tem como mensagem subliminar eu sou MELHOR que voc,
olha o que eu consigo fazer! Eu sou especial!, o palhao vem dizer eu sou que nem voc!
como disse a Cida. Ele aparece como o ser que falha, passvel de erros, o mais humano, e
claro, o mais divertido.
Cida ainda justifica a escolha do trabalho com o clown: quando o Lecoq fala do
clown, ele est querendo falar de uma linguagem para dentro do teatro. Uma linguagem que
pressupe rever o prprio teatro, um teatro sem a quarta parede e que tambm no fosse uma
linguagem farsesca. O clown que trabalhamos esse que esbarra nos fatos cotidianos com um
humor non sense. A sociedade em que vivemos nos molda para correspondermos s suas
expectativas de consumo e de concorrncia. Temos que ser os melhores, os vencedores; temos
que ser o mais educado, o mais inteligente, o mais, o mais. E quando somos diferentes? E
quando no somos iguais queles que todos dizem que como temos que ser? E quando eu
percebo que sou canhoto num mundo de destros? Ser diferente ser nico. SOMOS
NICOS. O interessante descobrirmos como bom sermos ns mesmos, com nossos
sonhos e idias. Gostar de ser baixinho porque facilita olhar por debaixo das coisas; ser alto
porque no preciso de escada para pegar um livro numa prateleira alta, ser palhao porque
posso rir de mim mesmo e porque vou rir de todos ns ao mesmo tempo. Achamos que o mais
importante nesse mundo em que vivemos, falar para todo o mundo escutar que ser palhao
bom, porque ele autenticamente ele... sempre! Ele se permite fazer aquilo que acredita ser
correto, e ao faz-lo nos faz lembrar que ns tambm podemos. Ele acredita literalmente no
12 Informao fornecida pelo professor Dr. Dennis de Oliveira em aula da disciplina Teorias da Cultura do curso
de ps-graduao em Gesto de Projetos Culturais e Organizao de Eventos do CELACC / ECA / USP em
2009.
18
que lhe falam. Por exemplo: se algum diz que 'a noite caiu'! Ele vai procurar pelo cho por
ela. esse ser que nos aproxima do mais crvel de ns, nossos sonhos, nossa imaginao, de
quando achar que 'as paredes tinham ouvidos' ficvamos imaginando as orelhas na parede.
Assim, a lgica do palhao a da imaginao e no a da razo. Absurdos para a razo que
raciocina, podem ser verdades certssimas para a simples imaginao.
Sobre o que a diretora comenta, associa-se esse aspecto do cmico, reflexo que
Bergson prope sobre a comicidade ser acidental. De modo que, uma personagem cmica
geralmente cmica na exata medida em que ela se ignora como tal (BERGSON, 2007,
p.12), ou seja, as atitudes do cmico so mais engraadas quanto mais sem querer
parecerem (da inclusive, a necessidade de tanto treinamento! O humorista, deve, portanto,
antes de tudo, ser bom ator!). Ento, ao procurar pela noite no cho, como exemplificou a
diretora, o palhao ignora completamente a sua estupidez e isso que provoca a risada. Alm
disso, quando certo efeito cmico deriva de uma determinada causa, o efeito parece mais
cmico quanto mais natural consideramos a causa. Um bom exemplo uma famosa gag 13 que
j foi feita no GECA: um palhao, transportando uma escada grande embaixo do brao, ouve
algum chamando seu nome. No que ele se vira para olhar, bate com a escada na pessoa que o
chamou que estava atrs dele. Essa a tpica cena exaustivamente usada por humoristas no
mundo todo como Charles Chaplin, Os Trapalhes, O Gordo e o Magro, entre outros. A
continuao da cena tambm ilustra a questo: quando finalmente, depois de diversos
acidentes como aquele, o clown sobe na escada, chega ao ltimo degrau, pisa em falso e cai,
mas a surpresa que ele fica preso apenas por uma perna e de cabea para baixo! (o ator,
neste caso, deve ser um grande acrobata para cair e ficar preso por uma perna! Para a platia
isso causa grande surpresa e d a ntida impresso de ser absolutamente casual se bem
executado!) Isso a distrao, um dos recursos da comdia, como aqui sero chamados os
recursos cmicos que forem teis para o trabalho do ator.
Segundo o autor, rimos da distrao, do esquecer-se de olhar para si, porque isso a
causa do que chama de rigidez mecnica: As atitudes, os gestos e os movimentos do corpo
humano so risveis na exata medida em que esse corpo nos faz pensar numa simples
mecnica. Essa inflexo da vida na direo mecnica a causa do riso. () cmica toda
combinao de atos e de acontecimentos que nos d () a iluso de vida e a sensao de
arranjo mecnico (BERGSON, 2007, p.28). Um mecanismo inserido na natureza, ou alguma
espcie de regulamentao automtica da sociedade causa um efeito engraado. Rimos de
tudo o que h de involuntrio numa mudana brusca, rimos do mau jeito, como o caso da
queda da escada, na qual o clown foi subir, gesto absolutamente repetitivo, cotidiano
mecnico e devido a isso, no percebeu o degrau maior e sofreu a queda. O hbito de subir
imprimiu um impulso automtico. Mas ora, se os acontecimentos pudessem estar
incessantemente atentos a seu prprio curso, no haveria coincidncias, ocorrncias fortuitas,
sries circulares; tudo progrediria sempre. Nesse sentido, mais uma vez, o trabalho com o
cmico ganha relevncia no aspecto social: estimula a tolerncia e a capacidade de conviver
com a diferena.
Eu acho que o erro necessrio. No se pode eliminar o erro totalmente.
No h absolutos. O clown suscita interesse por aquilo que no sabe fazer,
pelas suas fraquezas. Exige uma explorao ao contrrio da lgica: Ele
como que organiza a desordem para denunciar a ordem reconhecida. Ele
fraqueja onde esperado que tal acontea e consegue onde ningum o
esperaria. Esta procura do prprio clown reside na liberdade de podermos
ser ns mesmos, e de nessa condio fazer rir aos outros, aceitando a nossa
verdade. (LECOQ, 2010: p. 215)
13 Efeito ou esquete cmica que o ator parece improvisar e que produzido visualmente, a partir de objetos, de
situaes inusitadas: () um achado irresistvel que revigora e multiplica o riso. () Jogos de cena que
contradizem o discurso e perturbam a percepo normal da realidade. (PAVIS, 1999, p. 181)
19
A citao acima de Jacques Lecoq explica bem a cena da queda da escada e completa
o que Cida comenta. Quando s vemos graa e flexibilidade num corpo vivo, desprezamos o
que h de pesado, de resistente nele. O tmido, caracterstica marcante de um dos palhaos do
grupo, um exemplo, pois trata-se de uma pessoa estorvada pelo prprio corpo, algum que
procura dentro de si, um lugar para se depositar. como se no houvesse um lugar para ele,
que no sabe sequer onde se pe. Ou seja, est se falando de uma ateno vigilante, e como
diria Bergson, de uma elasticidade de corpo e de esprito que a vida e a sociedade nos
exigem para que nos adaptemos a ela. De modo que no so exatamente os defeitos que nos
fazem rir, mas a insociabilidade, a inadaptabilidade. E disso, rimos porque comungamos o
fato de sermos humanos, com corpos-mentes inteligentes e falveis (segundo expectativas
culturalmente arraigadas).
A pesquisa do clown de cada um no GECA , portanto e antes de tudo, a pesquisa do
prprio ridculo de cada um. Os atores devem descobrir neles mesmos, a parte clown que o
habita e no entrar num personagem previamente estabelecido. Quanto menos se defender e
tentar representar um personagem, mais o ator se deixar surpreender por suas prprias
fraquezas, mais seu clown aparecer com fora sublinha Lecoq (2010, p. 214). A fraqueza
pessoal se transforma em fora teatral.
Outro recurso bastante utilizado no GECA o exagero, que encontrado nos prprios
figurinos de palhaos, com grandes sapatos, largas calas, e nos palhaos tradicionais de
circo, colarinhos folgados. Isso serve para fazer como uma caricatura de si mesmo: uma
palhaa gordinha geralmente usa roupas muito apertadas a lgica do palhao no se aplica
ao que adequado, mas ao que lhe parece bonito: como roupas justas so bonitas, a gordinha
no percebe que seria mais adequado usar um modelo feito para o seu tamanho real! O alto,
por exemplo, usa chapus compridos ou calas curtas que no chegam at os sapatos, o que
acaba evidenciando mais ainda sua altura. A escolha do figurino feita, geralmente, em
desacordo com os padres de elegncia ou tendncias da moda (claro, se perguntarem a um
palhao o motivo da escolha por determinada vestimenta, facilmente este dir que porque
assim se sente muito elegante e na moda! Rimos, ento da contradio de seu discurso com o
que vemos na prtica). O ator inteligente por trs da mscara aproveita para evidenciar
alguma caracterstica corporal para apontar alguma desproporo ou distoro, indo alm da
harmonia superficial da forma adequada de se vestir. O humor brota exatamente do contraste,
da estranheza e da criao de novos significados. importante que se diga que um clown no
pode ser composto por elementos externos, mas sempre a partir de caractersticas e
referncias pessoais dos atores que os interpretam. O clown no existe fora do ator que o
interpreta, confirma Cida. So as fraquezas que, quando se expressam, fazem rir. Um
defeito encontra no clown a possibilidade de exibir o referido problema e jogar com isso.
Podiam, enfim, existir tal como eram, com inteira liberdade e fazer rir afirma Lecoq (2010,
p. 214) sobre a descoberta dos clowns dos atores em seu treinamento.
De modo geral, a esttica dos trabalhos do GECA, sempre tendo como referncia os
pequenos circos e barracas das feiras populares do incio do sculo XX, prezam pelo apuro
dos figurinos e adereos que tambm do um toque contemporneo e crtico. No acusa,
apenas revela exemplos de um tempo em que os valores de natureza consumidora sobrepem-
se a tudo que v na contramo dessa lgica: ao conhecimento tcito, s emoes, bem como
outras necessidades primordiais dos seres humanos.
Outro exemplo de exagero uma cena, j muitas vezes apresentada pelo grupo: a
personagem Clowndete, distrada, passeia pela rua quando tropea e cai (como vimos, o
inesperado, a no percepo de si, o involuntrio). Ao levantar, sente uma dor no joelho de
onde sai um tecido vermelho sangue!! Msica dramtica ao fundo! Sua reao de
estupefao, temor, gravidade e vitimismo, atitude exageradamente trgica para um simples
escorrego. Qual no a surpresa do pblico quando percebe que a tragdia no parou por
a: Clowndete tira mais sangue dos braos, do peito, do pescoo, da cabea (a qual, ela
sequer bateu na queda!!) e a cena vai ficando cada vez mais dramtica e surpreendente.
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Finalmente, depois de tanto chorar, Clowndete tira um micro guarda-chuva da pequena bolsa
e a crava no peito no pice do gesto melodramtico, caindo morta. Mais uma vez, o exagero
vem revelar a distoro e, nesse caso, caoar do prprio exagero, da afetao, do melodrama.
Fotos 3 e 4 Cena O Escorrego de Clowndete. Fonte: arquivo pessoal
3.3 A discusso para ser sria ou vai ser essa palhaada toda?
O termo palhaada, comumente empregado no sentido pejorativo, adquire grande
sentido filosfico e de mrito artstico nos trabalhos do grupo. Para os gequianos,
palhaada trata-se de uma grande constatao elogiosa.
No ltimo evento que o GECA realizou no Centro Cultural So Paulo, a Feira de
Trocas, temos um bom exemplo de exerccio do que se pode chamar da vocao que a
comdia tem para convidar discusso, mas de maneira delicada e afetiva, como em todas as
propostas da companhia. Tratava-se de um Museu Quase de Cera em que palhaos ficavam
parados, expostos em grandes praticveis de madeira, como se fossem obras de arte. Ao
passearem pelas exposies j existentes no CCSP, o grupo de crianas de escolas e orfanatos
da prefeitura, guiados por um monitor (tambm integrante do GECA, mas no caracterizado
de palhao, cumprindo ento uma funo pedaggica), passavam pelas esculturas. Ao lado
de cada uma, um pequeno sino que, quando tocado, provocava como que um despertar do
palhao, que comeava a se mover ao som da trilha sonora original, juntamente com a
gravao de um texto curto elaborado para a ocasio. O texto, ao qual o palhao reagia e
ilustrava atravs de aes, gestos e at participaes faladas, contava a histria do dinheiro e
como ele veio sendo usado pela humanidade. A primeira esttua, posicionada de costas p/ as
pessoas, era um clown caracterizado com um figurino de homens das cavernas estilizado que
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sempre provocava grande surpresa no pblico quando comeava a se mover pois as pessoas
muitas vezes no esperavam que se tratava de uma pessoa de verdade. Seu texto discorria de
maneira divertida sobre a questo do escambo e sobre como as pessoas trocavam objetos,
mantimentos e servios por outros objetos, mantimentos e servios, inclusive em tempos de
guerras, antes da inveno da moeda. Surpreendente tambm era a forma como o clown em
questo entendia e representava o que o texto procurava elucidar. Segue um fragmento de
texto: Era normal, antes de existir a moeda, de trocarmos com nossos vizinhos, concidados,
o que sobrava da nossa colheita (...) por aquilo que precisvamos e que tambm era necessrio
para o outro, que, por sua vez, fazia o mesmo em troca do que lhe era oferecido.. Neste
momento, o clown das cavernas que at ento estava executando aes como pegar piolho
em sua prpria pelagem, marretar o cho com uma marreta que provocava um barulhinho
engraado e ento perceber que a marreta era macia e que poderia bater em si mesmo que em
nada se machucaria pega um pedao de osso com formato pontiagudo e coloca no ouvindo
como se fosse um telefone e sugere fazer um escambo com algum que supostamente estaria
do outro lado da linha. Ao transformar um objeto em outro, o palhao inverte a lgica at
ento instaurada e quebra as expectativas anteriormente geradas. Em um contexto em que no
era esperado que um telefone estivesse presente, ele aparece, graas a capacidade que o
palhao tem de oferecer outras possibilidades de inveno do inusitado. Portanto, a
representao humorstica caracteriza-se tambm por aquele esforo de surpreender as
expectativas e dar vaso ao universo da imaginao, onde tudo permitido.
Resumidamente, a Feira de Trocas prossegue com as esttuas de homem da Ldia,
representando os ldios, um dos primeiros povos a cunhar moedas (cena em que o clown fica
incessantemente tentando gravar algo na moeda atravs do processo de cunhagem. Quando,
depois de cuidadosamente ter investido tanto trabalho nela, mostra ao pblico que no v
nada desenhado nem escrito na moeda. O riso ento provm de uma expectativa que se
resolve subitamente em nada.) e depois o homem da Idade Mdia, quando finalmente os
ocidentais abandonaram totalmente a prtica do escambo para usarem apenas o dinheiro e dar
valor as terras. ento que o clown se atrapalha todo com suas atividades para poder
conseguir dinheiro e terras para sobreviver. A ltima esttua, representa o prprio capitalismo,
com roupas douradas e brilhantes, absolutamente atrativa e propositalmente interessante aos
olhos. Agora sim, o texto explica o conceito de capitalismo e o modo pelo qual opera. Segue
um trecho: Toda sociedade que baseia sua economia na produo e consumo cada vez maior
de produtos e servios uma sociedade de consumo. E o capitalismo o sistema em que a
sociedade de consumo atingiu o seu auge na histria da humanidade. E isso tem um lado bom,
e outro ruim!. Neste momento, com a msica ainda bastante agradvel, o texto fala sobre o
lado mocinho (como diz o texto) do capitalismo. Quando comea a parte do lado
bandido, a msica fica densa e um clima de suspense no ar. ento que o palhao, at este
instante, muito simptico, que se divertia e divertia a todos com seu jeito engraado de
guardar pilhas de dlares na maleta, passa a ter atitudes menos nobres como querer todo
dinheiro s para si sem dividir com os outros, repelir algum espectador por no usar roupas de
marcas famosas, bombardear a todos com propagandas de objetos inteis como na fala
compre este lindo amassador de jabuticabas e leve, inteiramente grtis, quinze pentes de
cachorro!!!. Isso fazia com que, mesmo rindo, as crianas adotassem imediatamente uma
postura crtica em relao s atitudes ali presenciadas, justamente por rirem dos tamanhos
absurdos abordados pelo palhao. O texto, que nem era to enftico na crtica ao capitalismo,
ganha fora com a interpretao do artista que fazia uma sntese do que se transformou o
comportamento de um homem capitalista.
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Foto 6 Participantes trocando os brinquedos no evento Feira de Trocas. Fonte: arquivo pessoal
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4. CONSIDERAES FINAIS
14 Informao fornecida durante a participao do ator no NEC (Ncleo de Estudos do Circo promovido pelos
Doutores da Alegria), 2004
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impensado.
O GECA acredita veementemente que possvel realizar experincias cnicas
contestadoras e provocadoras mas no por isso aborrecidas ou, para usar uma palavra da
moda, viscerais, densas, cansativas, agressivas, invasivas ou demasiadamente
intelectualizadas. A comdia oferece possibilidades de tocar em assuntos srios ou no de uma
maneira que o espectador aceita olhar para eles. Estimular o olhar do outro uma atitude
poltica na medida em que convida a uma outra forma de participar do que acontece no
determinado contexto. O teatro sem dvida, uma ferramenta para entender o contexto scio-
cultural e finalmente a ns mesmos, especialmente entender a maneira como nos
relacionamos enquanto poltica, enquanto participao. A representao cmica , como disse
Saliba, aquele esforo inaudito de desmascarar o real, de captar o indizvel e de surpreender
o engano ilusrio dos gestos estveis. Ela tambm o instante rpido da anedota, aquele ouro
do instante: ela s consegue revelar o impensado, o indizvel ao surpreend-lo naquele seu
momento supremo de estranhamento, que se realiza num timo. Nesse sentido, o GECA
segue a tradio do Cl ao assumir uma postura poltica de formadores de pblico e de
opinio mas em uma perspectiva de estimular o pensar o contexto social e histrico. Pode-se
dizer, inclusive, que essa postura vai de encontro com o conceito de intelectual orgnico de
Gramsci: pessoas compromissadas com as demandas do seu grupo social, que trazem a
discusso poltica, apresentando pontos de vista diferentes dos que esto em voga, visam a
emancipao em relao aos grupos que exercem o poder hegemnico, o que se d a partir do
momento em que tem conscincia de que pode escrever a sua prpria histria.
Sob essa perspectiva, cabe aqui uma ltima reflexo sobre a funo social do
comediante. Muitas pessoas defendem a valorizao da cultura, da arte, da informao.
Defendem tambm que o papel do comunicador (que tambm o caso dos artistas cmicos)
facilitar o acesso a esses bens. Mas cidadania se tornou um conceito esvaziado para ser
recheado por idias como fazer caridade e dar acesso ao que j existe no mercado. O
comunicador, formado pelo Cl Estdio das Artes Cmicas, um profissional que tem
postura poltica, de formador no apenas de platia mas de conceitos e prticas que estimulem
o que Gramsci chama de conscincia da historicidade de cada um que assiste e, assim,
participa das intervenes e espetculos: de onde ele vem, para onde ele vai, no sentido de
querer repensar-se, produzir-se. A filosofia da prxis sustenta justamente o que o grupo
reclama: preciso lutar no s em nvel poltico, mas tambm no sentido de pensar a cultura,
por um novo humanismo, com base nas crticas dos costumes, dos sentimentos, da esttica e
da arte.
Assim como para Gramsci (segundo informaes verbais)16, para o GECA, a obra de
arte diversidade, de modo que no pode se render ordem do capital. Mas que nem por isso
precisa deixar de ser um movimento ldico, que diverte. O espetculo ou o evento pode ser
vendido, mas isso no o que vale. O que interessa a obra enquanto processo ela meio,
sugere relacionamento, comunicao, emancipao. Portanto, nesse sentido ela no pode ser
tratada como fim ou produto. E por isso no pode ser chamada de mercadoria.
Ao GECA, com sua vontade sincera de propor acolhimento e transformao, restam
muitas tarefas, desafios, talvez muitas utopias, sujeitas inclusive ao riso, ao escrnio. Mas o
que so erros e acertos, alegrias e tristezas? A todos, no final, estar sempre reservada a eterna
gargalhada, o riso inextinguvel do melhor de ns divertindo-se, sobretudo, com nossa
pretensa seriedade. Ride em paz.
16 Informao fornecida durante discusso entre o historiador Clio Turino e a prof. Dra Roseli Fgaro no
Seminrio Gramsci e a Cultura, organizado pelo CELACC em So Paulo, 2010.
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REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS