Tese - Taborda de Oliveira
Tese - Taborda de Oliveira
Tese - Taborda de Oliveira
PUC/So Paulo
2001
MARCUS AURELIO TABORDA DE OLIVEIRA
PUC/So Paulo
2001
Comisso examinadora:
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Resumo:
The following work intends to debate, from the history of education researchs
point of view, the relationships betweeen the institutional-legal support for the Brazilian
Physical Education from 1968 to 1984, and the apropriation of that support by the
school teachers. From the hypothesis that these two dimensions were related, the current
thesis in the historiography that the teachers would have been conformed in an one-
sided way by the official policies becomes faded, related to a perspective of cultural
dependece of the developed capitalist countries, specially the USA. As research source,
it gives emphasis to the Revista Brasileira de Educao Fsica e Desportos, published
by the Physical Education Division of MEC, the Physical Education Programs of
Curitiba Hall from 1972 to 1983, and the speeches of active school teachers at Rede
Municipal de Ensino of Curitba in those years. It comes to the conclusion that the
current thesis of a cultural transplant disregards the simple experience able to apropriate
the most different codes, when showing a tension between the tradition and the
renovation of Brazilian Physical Education and between the teachers life story and
professional story. Having the analysis on the field of school subjects history and
getting the reference on the thought of Edward Palmer Thompson, for whom the
dialogue between the being and the social conscience are builders of the experience, the
work reafirms the current perspective in the historiography, and the reduction of
Physical Education at schools to sports institution codes, but it capts the school
teachersactive combine for the consolidation of that process. So, it shows how an
adaptation between the ones who precognized the governamental policies and the
Physical Education professionals needs was developed. By this way, the experience of
the school teachers pointed to the rewording of Brazil Physical Education which could
have been placed along the 80s and 90s.
Nada mais sou que um poeta.
Amo todos vocs.
Ando errante pelo mundo que amo.
Na minha ptria encarceram os mineiros
e os soldados mandam nos juizes.
Mas eu amo at as razes o meu pequeno pas frio.
Se tivesse que morrer mil vezes,
nele quisera morrer;
se tivesse que nascer, mil vezes nele quisera nascer.
Eu no quero que volte o sangue a encharcar o lrio, o trigo, a msica.
Quero que venha comigo o mineiro, a criana, o advogado,
o fabricante de bonecas.
Que entremos no cinema e saiamos
a comer nosso po,
a beber nosso vinho...
Eu no vim resolver nada.
Eu vim aqui para cantar e para que cantes comigo.
CONSIDERAES FINAIS......................................................................................364
BIBLIOGRAFIA.........................................................................................................371
ANEXOS.......................................................................................................................387
Lista de siglas e abreviaturas
INTRODUO
Ocorre que, ainda que a fora dos pressupostos oficiais sejam inquestionveis,
a prpria Revista Brasileira de Educao Fsica e Desportos trazia, juntamente com o
iderio oficial, possibilidades alternativas de prticas pedaggicas para a Educao
Fsica no interior da escola. Alguns dos seus textos apontam discusses contrrias aos
22
Ao investigar a histria no estamos passando em revista uma srie de instantneos, cada qual
mostrando um momento do tempo social transfixado numa nica e eterna pose: pois cada um
desses instantneos no apenas um momento do ser, mas tambm um momento do vir-a-ser:
e mesmo dentro de cada seo aparentemente esttica, encontrar-se-o contradies e
ligaes, elementos subordinados e dominantes, energias decrescentes e ascendentes.
Qualquer momento histrico ao mesmo tempo resultado de processos anteriores e um ndice
de direo de seu fluxo futuro (Thompson, 1981: 58).
Assim, diante das inquietaes acima apontadas faltava definir com preciso e
amplitude onde se daria a busca pelas informaes que precisava. As fontes, ento,
foram se configurando e ampliando a partir da prpria natureza do objeto. Num
primeiro plano a Revista, como veculo privilegiado de divulgao do iderio do
oficial. Mas, muitos problemas se colocam frente a esta escolha. O primeiro deles diz
respeito ao alcance da Revista. Em que medida os professores que atuavam no
cotidiano das escolas tinham acesso Revista? Seria possvel afirmar que os
professores conheciam-na? Como certificar-me da sua influncia sobre a formao
dos professores? Da emergiu a necessidade de buscar outras fontes alternativas. As
fontes orais configuraram-se ento como uma possibilidade de resgatar a experincia
cotidiana dos professores de Educao Fsica naquele perodo, atravs do relato de
alguns dos seus agentes. Para Thompson (1992)
mundo exterior; e na prpria histria seja em livros, museus, rdio ou cinema pode
devolver s pessoas que fizeram e vivenciaram a histria um lugar fundamental, mediante suas
prprias palavras (p. 22).
1
A utilizao do termo memria estritamente descritivo e se dar, no decorrer do texto, no sentido
vulgar, ou seja, no sentido de rememorao de experincias passadas, individuais ou coletivas. No
utilizarei, portanto, a memria como um campo prprio de investigao ou como campo prprio de
preservao de uma determinada tradio/configurao cultural. Algumas diferenciaes fundamentais
24
entre memria e histria oral podem ser apreendidas em Ferreira e Amado (1996).
25
Um historiador est autorizado, em sua prtica, a fazer uma suposio provisria de carter
epistemolgico: a de que a evidncia que est utilizando tem uma existncia real
(determinante), independente de sua existncia nas formas de pensamento, que essa evidncia
testemunha de um processo histrico real, e que esse processo (ou alguma compreenso
aproximada dele) o objeto do conhecimento histrico. Sem tal suposio, o historiador no
pode agir: deve sentar-se numa sala de espera porta do departamento de filosofia por toda a
sua vida. Supor isto no implica a pressuposio de toda uma srie de noes
intelectualmente primrias. Como o de que os fatos revelam involuntariamente seus prprios
significados, que as respostas so fornecidas independentemente das questes etc. (...)
Qualquer historiador srio sabe que os fatos so mentirosos, que encerram suas prprias
cargas ideolgicas, que perguntas abertas, inocentes, podem ser uma mscara para atribuies
exteriores, e que mesmo as tcnicas de pesquisa emprica mais sofisticadas e supostamente
neutras (...) podem ocultar as mais vulgares intromisses ideolgicas (Thompson 1981: 38).
tem dois atributos comuns: (1) supem que o historiador est empenhado em algum tipo de
encontro com uma evidncia que no infinitamente malevel ou sujeita manipulao
arbitrria, que h um sentido real e significante no qual os fatos existem, e que so
determinantes, embora as questes que possam ser propostas sejam vrias e elucidem vrias
indagaes; (2) envolvem uma aplicao disciplinada e ponderada, e uma disciplina
desenvolvida precisamente para detectar qualquer tentativa de manipulao arbitrria: os fatos
no revelaro nada por si mesmos, o historiador ter que trabalhar arduamente para permitir
que eles encontrem suas prprias vozes. Mas ateno: no a voz do historiador, e sim a sua
(dos fatos) prpria voz, mesmo que aquilo que podem dizer e parte de seu vocabulrio seja
determinado pelas perguntas feitas pelo historiador. Os fatos no podem falar enquanto no
tiverem sido interrogados (Thompson, 1981: 40).
...a histria real construda por homens reais, vivendo relaes de dominao e subordinao
em todas as dimenses do social, da resultando processos de dominao e resistncia. A partir
da, pensar a produo do conhecimento histrico no como aquele que tem implicaes
apenas como saber erudito, com a escolha de um mtodo, com o desenvolvimento de tcnicas,
mas como aquele que capaz de apreender e incorporar essa experincia vivida, fazer
retornar homens e mulheres no como sujeitos passivos e individualizados, mas como pessoas
que vivem situaes e relaes sociais determinadas, com necessidades e interesses e com
antagonismos (Vieira et alii, 1989:17-8).
dilogo com as evidncias mostra que, independente do juzo que faamos desse
processo, a Educao Fsica brasileira sofreu uma renovao nos seus padres no
perodo compreendido por esse trabalho.
A Revista Brasileira de Educao Fsica e Desportos, sendo o veculo
impresso mais significativo do MEC na difuso do iderio oficial para a Educao
Fsica escolar no perodo aqui estudado, difundiu a idia do esporte como pressuposto
bsico da Educao Fsica escolar. No entanto, como j ressaltei anteriormente, vrias
outras possibilidades foram difundidas pela Revista, o que abria espaos para uma
compreenso da Educao Fsica como prtica pedaggica diferente daquela proposta
pelos programas oficiais. H que se considerar ainda que a Revista Brasileira de
Educao Fsica e Desportos ora caracterizava a Educao Fsica como mera
atividade ao divulgar uma tendncia claramente utilitarista para essa disciplina, ora a
descaracteriza como mera atividade fsica, quando divulgava a necessidade de um
trato cientfico e uma orientao humanista para a disciplina no interior da escola,
atrelados noo de um conhecimento a ser abordado por essa disciplina. Ou seja,
entre a prtica de uma atividade e a reflexo sobre uma rea de conhecimento o
debate estava aberto e era expressado nas pginas da Revista. Mas, fica a questo: o
que fizeram os professores com essa nova caracterizao dada pela Revista? E que
postura tomaram diante desse debate?
Procurei, ento, dessa maneira, reconstruir, no o real como foi efetivamente
vivido pelos atores diversos mas, uma interpretao do real, uma vez que o
conhecimento no est presente de forma esttica e pr-determinada no objeto.
pressuposio essa que eqivale a negar a sua historicidade, uma vez que no existem
fatos isolados, passveis de serem interrogados de forma atomstica. Entendo o real
como totalidade que se consubstancia na particularidade de fatos necessariamente
conexos entre si; totalidade concreta que busca a sntese entre o processo de abstrao
(que sempre subjetivo) e a prpria realidade histrica (empiria). Assumindo minha
responsabilidade como sujeito do processo histrico, busquei desvendar minhas
fontes e aquilo que elas trazem de intencional e de no-intencional. As evidncias
histricas exigem perguntas adequadas, orientadas pela situao temporal e espacial
do pesquisador. Isso porque a evidncia histrica existe, em sua forma primria, no
para revelar seu prprio significado, mas para ser interrogada por mentes treinadas
numa disciplina de desconfiana atenta (Thompson, 1981: 38). Assim, o processo de
30
hipteses autogeradoras, que no esto sujeitas a nenhum controle emprico, nos levaro ao
escravizamento da contingncia to rapidamente quanto se rendero ao bvio e manifesto.
Inclusive, um erro gera e reproduz o outro, e ambos podem ser freqentemente encontrados na
mesma mente. O que devemos recitar de novo, ao que parece, a natureza rdua do embate
entre o pensamento e seu material objetivo: o dilogo (seja como prxis ou em disciplinas
intelectuais mais conscientes de si mesmas) a partir do qual todo conhecimento obtido
(Thompson, 1981: 47).
um processo que tem na confirmao de nossas noes pelo real a sua objetividade
assegurada. Na medida que uma noo endossada pelas evidncias, temos ento
todo o direito de dizer que ela existe l fora, na histria real (Thompson, 1981: 54).
A possibilidade de buscar a memria dos atores da Educao Fsica no quadro scio-
cultural da dcada de 1970, confrontando suas impresses orais com seus registros
escritos e o iderio dominante (Revista e Programas Oficiais), configura-se como uma
tentativa de aproximao ao mximo possvel do real. Essa aproximao nunca
arbitrria ou involuntria mas, est sedimentada na lgica histrica apontada por
Thompson:
BALANO HISTORIOGRFICO
2
O termo crtico assume aqui dois sentidos: o primeiro diz respeito s perspectivas que emergiram no
incio dos anos 1980 como crtica do modelo anterior de Educao Fsica, baseado na aptido fsica. O
segundo sentido diz respeito auto-referncia feita por vrios autores de pesquisas sobre a Educao
Fsica brasileira a partir do incio dos anos 1980. Medina (1983) inaugura essa denominao ao
denunciar a crise da Educao Fsica brasileira. O termo aparecer de forma recorrente na produo
dos anos seguintes sempre vinculado a uma crtica estrutural da sociedade brasileira e do prprio
capitalismo. Portanto, so dois os usos possveis do termo produo crtica da Educao Fsica,
sendo que estes no necessariamente se confundem. Creio que como exemplo da consolidao dessas
noes na Educao Fsica podemos tomar a consolidao no lxico da rea das tendncias crtico-
emancipatria (Kunz, 1991) e crtico-superadora (Coletivo de Autores, 1992).
33
3
Para um estudo mais apurado da legislao especfica para a Educao Fsica nas dcadas de 1960 e
1970 ver Beltrami (1992) e Lucena (1991).
4
Chervel (1990) define os elementos bsicos constitutivos de uma disciplina escolar como sendo a
exposio pelo professor ou pelo manual de um contedo, os exerccios, as prticas de motivao e de
incitao ao estudo e as provas de natureza docimolgica. Todos esses elementos passaram a fazer
parte da Educao Fsica escolar a partir da sua reconfigurao pelo Decreto 69.450/71.
5
Para um aprofundamento da perspectiva de desenvolvimento do esporte ver dois trabalhos bastante
divergentes quanto aos seus pressupostos e as suas conseqncias: Tubino (1992) e Bracht (1997).
34
6
A respeito da produo historiogrfica da educao brasileira ver o trabalho de Barreira (1995).
36
Ao caracterizar esse tpico como leituras pretendo deixar claro que no foi
meu intento esgotar a anlise da produo historiogrfica referente ao perodo em
questo. Trata-se antes de uma leitura possvel de obras datadas e situadas. Com isso
pretendo alertar o leitor que no a minha inteno abarcar o conjunto da obra dos
autores aos quais me reporto. Mas, apenas debater com algumas obras escolhidas, seja
pelo seu forte impacto na rea da Educao Fsica escolar, seja pela sua caracterstica
fundamentalmente histrica. Assim que os textos escolhidos, antes de se
configurarem como um todo homogneo, caracterizam-se mais como entradas
possveis de leitura na histria recente da Educao Fsica no Brasil, a partir de uma
orientao crtica. Em comum esses trabalhos trazem um determinado olhar sobre a
histria e a produo humana com algumas nuanas, mas caracterizados basicamente
por uma forma vertical de conceber a relao entre os sujeitos histricos e as
estruturas sociais, polticas e econmicas. Muitos desses trabalhos no se
caracterizam sequer como estudos histricos. Mas fazem inseres nesse campo, o
que permite leituras e interpretaes de carter histrico. Esse foi o meu intento: a
partir das indicaes histricas dadas por esses autores que freqentam com
assiduidade os cursos de formao de professores e a produo acadmica da rea
40
(...) isto decorre, principalmente, do fato de que boa parte dos trabalhos no resulta de efetivo
interesse na investigao histrica, na efetiva preocupao de historicizar a educao como
objeto de anlise. Resulta mais de longos recuos no tempo com vista a encontrar,
supostamente, a origem da questo que se est examinando. Ao se realizar esse recuo,
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Essa orientao parece, mais uma vez, adequar-se bem orientao tecnicista que,
principalmente nas dcadas de 60 e 70 predominam no sistema educacional brasileiro, sob a
gide da ditadura militar, do projeto Brasil-Grande. a poca dos objetivos operacionais,
do primado do planejamento, da tecnologia de ensino. Menos o professor e o aluno tm
importncia no processo de ensino, e mais o planejamento (...). Sob esta orientao ocorreram
reducionismos, ou uma segunda reduo do movimento corporal nas aulas (a primeira reduo
j havia ocorrido atravs da assimilao dos cdigos do esporte), pela necessidade de
operacionalizar os objetivos, o que levou, pelo menos na tendncia, substituio do ldico
em favor de tarefas mecnicas (Bracht, 1992: 23-4).
Estamos a frente a uma das caractersticas de uma teoria da Educao Fsica. Enquanto teoria
de uma prtica pedaggica, ela precisa enfrentar a questo dos valores (penetrar no mbito da
tica). Ou seja, ela vai refletir (e fazer opes conscientes) em torno de uma viso (projeto) de
mundo, de Homem e de sociedade (Bracht, 1992: 41).
45
embora os pedagogos resistam em utilizar esta nova dimenso do cotidiano de boa parte da
populao como elemento de legitimao da Educao Fsica na Escola, bem provvel que a
Escola, concretamente, j esteja, atravs das aulas de Educao Fsica servindo a esta nova
indstria, e a Educao Fsica esteja recebendo reconhecimento a partir do reconhecimento
tcito (consumo) destas prticas corporais na sociedade como um todo (Bracht, 1992: 46).
7
Reconheo os esforos de Caparroz (1997), bem como de outros autores e agradeo as sugestes da
Prof. Eustquia Salvadora de Souza acerca dessa temtica. Mas pelo menos na realidade das escolas
com as quais venho trabalhando h muitos anos, no possvel falar em reinveno ou recriao
do esporte: ele tem sido apropriado tal qual difundido pelos meios de comunicao o que, nesse caso,
nos faz lembrar dos estudos de Chevallard (1991). Certamente eu no afirmaria o mesmo em relao a
outras prticas corporais no interior da aula de Educao Fsica. No caso dos depoimentos dos
professores, veremos que as duas possibilidades estavam presentes nas suas prticas: tanto a
transposio didtica, quanto a escola como lugar de produo de um saber prprio que reelabora os
cdigos dos saberes de referncia. Nesse sentido a minha nfase na necessidade de avaliar cada tempo
e lugar especficos antes de generalizarmos como a escola apropria os saberes produzidos fora de seus
contornos, conforme sugere Belhoste (1995).
47
8
Coletivo de Autores como comumente se identifica a autoria coletiva da obra Metodologia do
Ensino de Educao Fsica.. Sem dvida representa um marco na literatura especializada em Educao
Fsica escolar, no s pelo seu carter de denncia de modelos tradicionais mas, sobretudo, pela sua
(ainda incipiente) inteno propositiva. So seus signatrios: Carmen Lcia Soares, Celi Nelza Zlke
Taffarel, Lino Castellani Filho, Maria Elizabeth Medicis Pinto Varjal, Micheli Ortega Escobar e Valter
Bracht.
48
9
A respeito da influncia do liberalismo sobre o desenvolvimento do pensamento educacional ver
Warde (1984) e Oliveira (1994).
49
o percurso j delineado pelos autores precedentes, no que diz respeito a uma total
subservincia da sociedade civil sociedade poltica. Sua leitura da constituio do
CBCE10 parece-me um exerccio de anlise trans-histrica. Palafox caracteriza a
entidade como
Uma entidade ligada ideologia gerada e difundida pelo aparato estatal ps-64, onde
o novo racionalismo teria (...) um colorido mais tcnico, atuando, de um lado, como
elemento de desmobilizao poltica da sociedade civil e, de outro, como fundamento das
medidas estatais de estabilidade poltica e crescimento econmico (...). Isto devido, entre
outras razes, ao fato de que desde 1967, (atravs da Doutrina MacNamara) foi estipulado que
a estabilidade (segurana) dos pases latino-americanos seria garantida pelo seu
desenvolvimento econmico apoiado invariavelmente, no seu potencial de crescimento
cientfico e tecnolgico. Entretanto, parece interessante fazer notar aqui que, tanto
tecnoburocratas civis como militares, independentemente de terem se incorporado Ideologia
Nacional de Desenvolvimento ps-64, no sabiam ao certo o regime poltico que desejavam
no plano econmico enquanto que as burguesias local e multinacional sabiam o que
desejavam naquele plano, articulando-se esta aliana de classes sociais no regime poltico que
vigoraria no futuro...
Reforando estes fatos podemos constatar a tendncia inicial, da linha de pensamento
cientfico de origem positivista proveniente dos Estados Unidos, com o que o CBCE se
fundara no incio de suas atividades, uma vez que seus fundadores estabeleceram como
metodologia de trabalho (veja, por exemplo, suas normas de publicao cientfica), as
especificaes de uma entidade de cunho eminentemente racionalista, o denominado
American College os Sports Medicine (Palafox, 1990: 44-5).
10
O Colgio Brasileiro de Cincias do Esporte a maior e mais significativa entidade de cunho
acadmico-cientfico da rea de Educao Fsica no Brasil.
51
11
O leitor encontrar uma anlise rigorosa da criao e consolidao do Colgio Brasileiro de Cincias
do Esporte, inclusive no sentido de infirmar algumas das consideraes de Palafox, no trabalho de
Paiva (1994).
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prprio destino, se ele pode se fazer, se ele pode criar sua prpria vida. Digamos, portanto,
que o homem um processo, precisamente o processo de seus atos. Observando ainda melhor,
a prpria pergunta o que o homem no uma pergunta abstrata ou objetiva. Ela nasce
do fato de termos refletido sobre ns mesmos e sobre os outros; e de querermos saber, de
acordo com o que vimos e refletimos, aquilo que somos, aquilo que podemos ser, se realmente
e dentro de que limites somos criadores de ns mesmos, da nossa vida, do nosso destino.
E ns queremos saber isso hoje, nas condies de hoje, da vida de hoje, e no de uma
vida qualquer e de um homem qualquer (Gramsci, 1978: 38).
como a prtica real da Educao Fsica, pairaria em algum lugar assptico, longe da
contaminao humana. Os homens e mulheres capazes de soerguer esse mundo
deveriam ser educados, preparados, formados, esclarecidos. E no raro alguns desses
trabalhos apresentam-se como porta-vozes do novo, como portadores da potncia
transformadora, ou seja, como os candeeiros capazes de iluminar todos aqueles que
permanecem no obscurantismo de prticas reprovveis, uma vez que so prticas de
reproduo social. Em nome da crtica a um mundo efetivamente desumano e
reificador estabeleceu-se um protocolo de intenes que desconsiderou por completo
a prtica humana concreta atravs da histria, aquela que efetivamente se desenvolveu
no cotidiano, por homens e mulheres reais. Tambm preciso destacar como o
mergulho desses estudos na histria da Educao Fsica freqentemente foi para
reiterar que essa histria foi sempre a histria da manipulao, da submisso, da
dominao. Ainda que esse seja o trao marcante da sociedade capitalista, pouco se
falou que dominao corresponderam prticas de resistncia que nem sempre foram
explicitamente polticas, como as que estarei analisando na segunda parte. A vontade
que alguns desse autores manifestam de que o mundo e a Educao Fsica fossem
diferentes do que foram ou so, uma vontade legtima do ponto de vista individual
mas que no pode ser confundida com a vontade de todos, tampouco com um devir
histrico. Gramsci que nos lembra que ...no existe de fato, historicamente, uma
maneira de conceber e de agir igual para todos os homens (1978: 39).
Por fim, julgo interessante apontar ainda algumas das formulaes propostas
por Guiraldelli Jr (1988) e Betti (1991), dois autores que estabeleceram, de pontos de
vista diferentes, anlises sobre o desenvolvimento histrico da Educao Fsica no
Brasil, e mais precisamente, sobre as influncias governamentais sobre a sua prtica
escolar nos anos da ditadura militar.
Fiel tradio crtica que abdicou da empiria, Guiraldelli Jr. tece
consideraes sobre os usos da Educao Fsica pelos governos militares. Para o
autor
preciso tambm notar que, se por um lado a Educao Fsica Competitivista era
incentivada pela ditadura ps-64, pois tal concepo ia no sentido da proposta de um Brasil-
Grande, capaz de mostrar sua pujana atravs da conquista internacional, por outro lado,
obviamente, esse no era o nico interesse governamental ao endossar tal concepo.
Na verdade, o desporto de alto nvel, divulgado pela mdia, tinha o objetivo claro
de atuar como analgsico no movimento social. A preocupao com a possibilidade do
55
aumento das horas de folga do trabalhador, que mesmo um sindicalismo amordaado poderia
conseguir, incentivava o governo a procurar no desporto a frmula mgica de entretenimento
da populao (Guiraldelli Jr, 1988: 31-2).
Uma das fontes de Guiraldelli Jr. para extrair suas concluses justamente a
Revista Brasileira de Educao Fsica e Desportos, minha fonte escrita privilegiada.
E interessante notar como a autor opera uma apropriao dos registros da Revista da
forma que Thompson denominou de autoconfirmadora (1981: 21). Guiraldelli Jr. no
faz aluso ao rico debate que estava posto nas pginas da Revista, debate que era
internacional, e que remetia a uma consolidao do esporte que no tinha
necessariamente a ver com a poltica do Brasil-Grande. Outra preocupao que esse
autor no teve foi a de verificar o que se praticava antes desse perodo nas escolas
brasileiras. Alguns dos professores por mim entrevistados criticam no s o governo,
mas tambm a literatura, pela nfase dada por exemplo, ao Esporte para Todos (EPT)
no perodo em questo. Segundo Lubachevski (1998), as atividades que viriam a ser
denominadas de EPT j eram desenvolvidas em Curitiba desde meados dos anos
1950, portanto, num perodo de exerccio e vigncia da frgil democracia brasileira,
no qual o pas no estava sob a gide dos militares. Assim talvez seja exagero
considerar a tese que afirma que o interesse primeiro da divulgao das atividades
esportivas pelo governo fosse de analgsico social, como conclui Guiraldelli Jr. O
autor, a partir de algumas premissas que so mais ideolgicas que epistemolgicas,
confirma suas inferncias a partir de uma leitura apenas parcial dos documentos.
Havia um debate na Revista e havia denncias da prpria orientao esportiva para a
Educao Fsica brasileira.
J o caso de Betti (1991) no o mesmo. Esse autor opera uma crtica
esportivizao da Educao Fsica brasileira no perodo, a partir de um profundo
mergulho na legislao e na documentao oficial. Suas referncias principais para
tecer crticas s polticas educacionais do perodo so os trabalhos de Freitag (1986) e
Romanelli (1986), duas obras de referncia no campo educacional. A anlise proposta
por Betti por si s limita muito a compreenso do processo histrico, uma vez que a
efetivao das polticas oficiais em prticas escolares no foi analisada. Ainda assim o
autor afirma que
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O contedo esportivo deu ento uma nova colorao aos programas de Educao Fsica no
Brasil, centrados na velha ginstica sueca e francesa. O esporte pareceu tambm ir ao encontro
da ideologia propagada pelos condutores da Revoluo de 1964: aptido fsica como
sustentculo do desenvolvimento, esprito de competio, coeso nacional e social, promoo
externa do pas, senso moral e cvico, senso de ordem e disciplina (Betti, 1991: 161).
Julgo ser importante indicar que o autor tambm utiliza alguns nmeros da
Revista por mim aqui estudada. Nessa caso, a crtica anteriormente dirigida a
Guiraldelli Jr. permanece procedente na anlise do estudo de Betti. Ou seja, o autor
enxergou nas pginas da Revista apenas aqueles elementos que referendavam as suas
crticas s polticas oficiais do perodo referido, conforme as consideraes feitas
anteriormente. O seu estudo no to incisivo quanto os anteriores naquilo que
respeita organizao social. Certamente isso se justifica tambm pelo seu suporte
terico diferenciado, seno antagnico. Mas ainda assim suas anlises no
contemplam o desenrolar das polticas oficiais no plano das prticas concretas.
Segundo os professores por mim entrevistados o esporte apareceu como uma
alternativa ao descaso e improvisao que ento grassavam nas aulas de Educao
Fsica. Para a grande maioria desses professores o esporte era uma atividade educativa
por excelncia. Assim sendo, ele era muito mais uma alternativa positiva do que um
rebaixamento do valor formativo da Educao Fsica escolar. Ou seja, representavam
mesmo, uma nova colorao para a Educao Fsica escolar. Quanto aos usos
ideolgicos que se podem fazer do esporte no podemos falar o mesmo de qualquer
outra prtica cultural? E os professores partilhavam dessa compreenso ou haveria
compreenses diferenciadas em torno daquele uso?
Finalizando, julgo ser importante uma observao. A recorrncia obra de
Gramsci foi uma das febres intelectuais a partir dos anos 1980 no Brasil, tanto na
pesquisa em educao, quanto na pesquisa em Educao Fsica, conforme
demonstram vrios dos trabalhos aqui discutidos. No o objetivo desse trabalho
propor uma anlise crtica da obra do pensador italiano. Mas aquele momento da
produo acadmica-intelectual no Brasil indicativo de como as mais diversas
formulaes tericas podem ser tomadas sem o necessrio reconhecimento do seu
valor heurstico e sem a sua necessria historicidade. A questo nodal : estaria o
professor, que atuava na escola efetivamente, com todos os limites que a realidade lhe
impe, preocupado com uma sociedade de classes e com a violncia ideolgica do
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sistema capitalista? O conjunto dos professores por mim entrevistados, que durante o
perodo da ditadura militar estava se formando ou j atuava na rede escolar,
simplesmente considerou a ditadura militar como um fenmeno poltico qualquer
uma eleio, por exemplo sem maiores conseqncias para suas vidas, ainda que
reconhecessem o carter autoritrio e restritivo dos governos militares. Com isso
quero reafirmar que os homens e mulheres comuns, aqueles que no fazem parte
dos meios acadmicos-intelectuais e so parte das massas ou do povo, objeto de
estudo desses meios, tm maneiras muito prprias de operar com os dados da
realidade, para desencanto de alguns membros da academia.
Nos anos 1990 se inicia um processo de produo historiogrfica no campo da
Educao Fsica que procura repor algumas das questes no contempladas no
perodo anterior (anos 1980). Um desses estudos mais destacados o de Soares
(1994). Traando um painel da constituio da Educao Fsica, a autora nos d
elementos para compreender a influncia do pensamento mdico-higienista sobre a
Educao Fsica brasileira, um dos pontos a serem analisados em seguida. Mas a
autora mantm ainda resqucios da produo anteriormente analisada, ao escrever
uma interpretao da histrica estritamente em termos de dominantes/dominados, no
matizando as relaes sociais, inclusive as relaes de poder. Estando o seu trabalho
inscrito no campo de uma histria das idias, Soares afirma:
...A Educao Fsica, idealizada e realizada pelos mdicos higienistas, teve por base
as cincias biolgicas, a moral burguesa e integrou de modo orgnico o conjunto de
procedimentos disciplinares dos corpos e das mentes, necessrio consecuo da nova ordem
capitalista em formao. Acentuou de forma decisiva o traado de uma nova figura para o
trabalhador adequado quela nova ordem: um trabalhador mais produtivo, disciplinado,
moralizado e, sobretudo, fisicamente gil. Fruto da biologizao e naturalizao que dirige a
construo da nova sociedade, foi utilizada pelos mdicos higienistas como instrumento de
aprimoramento da sade fsica e moral, acoplada aos ideais eugnicos de regenerao e
purificao da raa. Ela se fez protagonista de um corpo saudvel, robusto, disciplinado, e de
uma sociedade assptica, limpa, ordenada e moralizada, enquadrada, enfim, aos padres
higinicos de contedo burgus. Podia ser a receita e o remdio para a cura de todos os
males que afligiam a catica sociedade brasileira capitalista em formao.
Objeto do saber e do fazer mdico, a Educao Fsica atuou na preparao do
corpo feminino para o desempenho de sua nobre tarefa: a reproduo dos filhos da ptria,
reforando, assim, o iderio burgus sobre espaos e papis sociais permitidos mulher
58
12
Essa leitura por mim denominada de conspiratria seria completamente abandonada pela autora no
seu segundo estudo histrico (1998). Nesse belssimo trabalho o conflito inerente sociedade
capitalista analisado de forma muito mais matizada e menos dogmtica. Esse , sem dvida, um
grande avano da pesquisa recente em histria da Educao Fsica no Brasil. Outros exemplos dessa
oxigenao dos estudos histricos so os trabalhos de Souza (1994) e Vago (1999). Um balano da
produo historiogrfica em Educao Fsica no Brasil pode ser encontrado em Melo (1999). Para uma
crtica noo de classe e luta de classes utilizada por essa tradio de estudos histricos da educao e
da Educao Fsica brasileiras, recorri ao ensaio de Thompson (1979) e aos seus estudos histricos
59
consecutiva. um engano tolo. A explicao histrica no revela como a histria deveria ter
se processado, mas porque se processou dessa maneira, e no de outra; que o processo no
arbitrrio, mas tem sua prpria regularidade e racionalidade; que certos tipos de
acontecimentos (polticos, econmicos, culturais) relacionaram-se, no de qualquer maneira
que nos fosse agradvel, mas de maneira particulares e dentro de determinados campos de
possibilidades; que certas formaes sociais no obedecem a uma lei, nem so os efeitos
de um teorema estrutural esttico, mas se caracterizam por determinadas relaes e por uma
lgica particular de processo (1981: 61).
(1987 e 1997).
60
DArajo e Castro (1997), haveria uma linha de continuidade entre o golpe de 1964 e
o sentimento anti-comunista desenvolvido no Brasil a partir das revoltas tenentistas
das primeiras dcadas desse sculo.
As reformas educacionais de 1968 e 1971 so resultado de um processo
contnuo de consolidao hegemnica, que no se deu sem profundos antagonismos,
divergncias embates e conciliaes. Amplas parcelas da sociedade civil debatiam-se
em torno do que representava a prpria reorganizao da cultura no ps-guerra, tanto
no plano interno quanto no externo. Assim, o Estado brasileiro configurava-se como
um amlgama de interesses diversos, no monolticos mas que, em ltima instncia,
no se propunha somente a fazer mecanicamente o jogo do capital internacional.
Havia tenses que parecem ter sido desconsideradas ao longo da produo
historiogrfica. Mesmo porque se delineava toda uma outra configurao para a
cultura brasileira, no sentido de sua modernizao. O sentimento de nao moderna,
forte, grande, difundido pelo Estado no trazia nada de novo; antes, era apenas uma
redefinio de um processo iniciado j no sculo XIX de construo da nao
brasileira, como nos indica Carvalho (1987). A prpria dimenso poltica da produo
do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) aponta nesse sentido.13 Resta
saber em que medida o povo brasileiro estava preocupado com a inveno ou no da
nao, proposta pelos governantes, para muito alm de seu cotidiano mais imediato.
Uma parcela significativa da histria da educao brasileira, da qual tomei
apenas alguns exemplos, tem sido escrita luz de determinantes estruturais, mas sem
captar a lgica de processo impressa no desenvolvimento histrico. Ora, parece-me
bastante difcil sustentar que havia consenso popular em torno do poder do Estado
militarizado. Mas tambm no podemos afirmar que os governos militares no
contavam com algum apoio entre a populao. Muitos autores reduzem a sociedade
civil a parcelas da intelectualidade e da classe mdia oposicionista e no a estende ao
conjunto da populao. Talvez fosse necessrio indagar o que alguns desses autores
caracterizam como povo e popular. Capitani (1999) lembra-nos que a resistncia ao
governo autoritrio nunca se tornou uma resistncia popular organizada e consciente
no que diz respeito a grandes parcelas da populao mas iniciativa de grupos e
13
No interior do ISEB so formuladas vrias e diversas teorias acerca do desenvolvimento brasileiro.
Intelectuais das mais variadas orientaes ideolgicas teorizavam sobre qual seria o modelo de
desenvolvimento mais adequado para o Brasil. Ver Toledo (1978).
61
organizaes que, alm de aes isoladas e mal coordenadas no contavam com apoio
popular significativo. Mesmo o movimento estudantil, um dos focos de maior
resistncia ditadura militar, refluiu diante da eminncia da transferncia do poder
para a esquerda, no perodo imediatamente anterior ao golpe, de elevada instabilidade
institucional, conforme aponta Martins Filho (1997). Creio que necessrio at
mesmo indagar se o conjunto da sociedade civil sabia ou imaginava o que estava se
passando em termos polticos no pas e at que ponto os governos militares no
tinham o apoio, ainda que velado, de significativas parcelas da populao. No se
trata de negar a represso, a exceo do regime e mesmo seu carter perverso. Mas, se
formos proceder a uma anlise dos fatos concretos, poderamos afirmar que sociedade
poltica teria perdido apoio da sociedade civil por conta da hipertrofia daquela,
conforme indica Saviani, (1988: 95)? A historiografia mais recente sobre o golpe
militar de 1964 tem enfatizado, inclusive, a prpria tenso interna das Foras
Armadas, que em hiptese alguma estavam coesas quanto aos rumos do pas aps os
acontecimentos de 31 de maro de 1964 (DArajo et alii, 1994; Sodr, 1997:
Gorender, 1997; Figueiredo, 1997). A anlise da histria por cima, pela sua
configurao estrutural, pouco espao deixa para a configurao de formas
particulares de correlao de foras, permeada pelas caractersticas prprias da cultura
brasileira. Para Gramsci Nas anlises concretas de fatos reais, as formas histricas
so caractersticas e quase nicas (1991: 61).
Finalmente, parece-me que tambm negada a historicidade da elaborao da
reforma educacional da ditadura quando se aponta a continuidade entre o texto das
vrias reformas aprovadas Lei 5.540/68 e Lei 5.692/71 (Brasil, 1978) e a ordem
scio-econmica gestada a partir de 1964. Creio que o mnimo que se espera de um
regime que pretende ampliar e consolidar o seu domnio, e a poltica educacional
pedra de toque nessa empreita. Dessa maneira, absurdo seria se no houvesse uma
certa organicidade entre as reformas educacionais e o novo modelo scio-econmico.
Mais: importante destacar que as vitrias encetadas pelo regime militar foram
expresso de um perodo de extrema ebulio poltica e de uma profunda
reorganizao cultural no Brasil. No vazio criado pelo fim do populismo no incio da
dcada de 1960 afloraram as condies histricas necessrias para a reorganizao
dos foras mais conservadoras, mas no sem uma permanente luta pelo poder em
torno das questes educacionais e polticas mais amplas (Ianni, 1987, 1997;
62
Fernandes, 1982, 1997). Assim, o nexo entre a organizao poltica, dinmica cultural
e a reorganizao do sistema educacional s pode ser compreendido luz da anlise
dos fatos concretos e no, de categorizaes externas prpria histria. Estas, quando
no apenas abstratas, correm o risco ainda de se tornarem arbitrrias. Frente a esses
riscos, Thompson (1981) nos alerta:
Este modo de pensar exatamente aquele que foi geralmente chamado, na tradio marxista,
de idealismo. Tal idealismo consiste no em postular ou negar o primado de um mundo
material ulterior, mas um universo conceptual autogerador que impe sua prpria idealidade
aos fenmenos da existncia material e social, em lugar de se empenhar num dilogo
contnuo com os mesmos. (...). A categoria ganhou uma primazia sobre seu referente material;
a estrutura conceptual paira sobre o ser social e o domina (p. 22).
partir da produo analisada. Mas tambm, deu-se muita margem para equvocos
quando se perdeu de vista o cotidiano da escola e duas das principais categorias
utilizadas por praticamente todos os interlocutores aqui contemplados: a histria
como movimento contraditrio e a sociedade como lugar de conflito. Tomado o
Estado brasileiro do perodo analisado como ttere do capitalismo internacional e dos
arroubos conspiratrios da burguesia, restou fazer a apologia da revoluo via
educao, via a escola, como aparece em alguns trabalhos. Quem perde com isso
somos todos ns, agentes portadores de experincias singulares, ainda que marcadas
por toda uma herana, como o so os professores e alunos das nossas escolas; quem
ganha so as prticas conservadoras, resistentes em larga medida s teorizaes
descarnadas de concretude histrica.
Os documentos por mim analisados, entre os quais incluo os depoimentos dos
professores de Educao Fsica, indicam o quanto as crticas desferidas contra os
governos militares diante da opo pelo desenvolvimento precisam ser relativizadas,
se tomadas como elemento apenas de juzo ideolgico. Em depoimento DArajo e
Castro (1997), o ex-presidente Ernesto Geisel definia com preciso as metas do seu
governo:
14
A crise de hegemonia entendida aqui no sentido conjuntural e no, estrutural. Antes do golpe de
1964, e acredito que uma de suas causas, o que se viu foi um vcuo no poder que precisava ser
preenchido. O plano internacional apontava para o recrudescimento da luta contra o comunismo, libi
perfeito para a rearticulao das foras mais retrgradas da poltica nacional. Como demonstram
DArajo et alii (1994), muitos projetos eram pensados mesmo no interior das Foras Armadas, tendo
prevalecido o mais conservador. Mas isso no se deu sem dissenses internas s Foras Armadas e a
classe poltica em geral. A prpria esquerda dividia-se entre diferentes alternativas para o
65
regime autoritrio mas, de forma alguma monoltico e, em alguns dos seus extratos,
profundamente nacionalista. Sendo assim, a ligao automtica entre as polticas
educacionais do governo brasileiro ps 1964 e o capitalismo internacional, aponta
para a desconsiderao da particularidade do desenvolvimento cultural brasileiro.
Em ltima anlise, o que nos demonstra Xavier (1990) quando critica as
generalizaes em torno da relao entre capitalismo e escola no Brasil, ainda que se
refira a um outro perodo histrico:
E continua:
O que pretendo ento, chamar a ateno para aquilo que considero como dois
problemas presentes numa determinada maneira de escrever a histria da Educao
Fsica no Brasil: a abstrao e a generalizao. No caso dos estudos analisados esses
problemas ficam patentes quando transformam o Estado em um ente superior, que
paira acima das mazelas humanas e dos interesses do homens e dos grupos que
desenvolvimento brasileiro. A histria indica que alguns setores das elites, ancoradas nas Foras
Armadas, agiram com mais rapidez e preciso que as esquerdas. Parece-me claro que isso no se
caracteriza como conspirao mas, antes de tudo, como expresso da correlao de foras. Ver
66
...essa espcie de discurso abstrato sobre educao tem um efeito paralisante sobre a prpria
ao educativa. Pois, negando-se qualquer grau de autonomia s prticas escolares concretas e
considerando-as invariavelmente como mero resduo de foras exteriores a elas, eventuais
caractersticas que assumam num certo momento s seriam modificveis por alteraes nessas
foras e nunca por uma mudana interior nas prprias prticas (1992: 48).
Dessa maneira, meu dilogo com os autores aqui indicados se inscreve numa
perspectiva de crtica ao seu estilo de ler e escrever a histria da educao e da
Educao Fsica no Brasil. Isso porque
Esse estilo configura-se como uma variedade do que se poderia chamar de abstracionismo
pedaggico, entendendo-se a expresso como indicativa da veleidade de descrever, explicar
ou compreender situaes educacionais reais, desconsiderando as determinaes especficas
de sua concretude, para ater-se apenas a princpios ou leis gerais que na sua abrangncia
abstrata seriam, aparentemente, suficientes para dar conta das situaes focalizadas (Azanha,
1992: 48).
PARTE I
Valnir Chagas
...se pode afirmar a dupla alternativa que as revistas de ensino oferecem aos estudos
histrico-educacionais ao serem tomadas simultaneamente como fontes ou ncleos informativos
para a compreenso de discursos, relaes e prticas que as ultrapassam e as modelam ou ao
serem investigadas, de um ponto de vista mais interno, se assim se pode dizer, quando ento
configuram-se aos analistas como objetos que explicitam em si modalidades de funcionamento
do campo educacional (Catani e Bastos, 1997: 7).
71
Esse cara acabou sendo o dirigente maior desse rgo, o diretor. Como eu queria me
escapulir eu falei com ele, disse das minhas intenes e ele me deu cobertura. Ento, em 1967 eu
estava entrando no MEC contratado - naquela poca ramos contratados por recibos - como
professor de Educao Fsica. Ento, assim que eu consegui esse status eu ca fora. E no me
arrependo. Eu acho que eu tomei a atitude correta porque eu no tinha mais perspectivas dentro
da Marinha. No tinha mais para onde ir. Isso foi em 67, antes do AI-5.
E o que aconteceu comigo? Eles me deram uma funo de acordo com as minhas
inclinaes e com o que o Costa Ferreira achava. E a fecha o negcio da literatura: Voc vai
ser editor dos livros tcnicos que ns temos aqui!. A eu comecei a criar colees e livros que
at hoje repercutem. Tinha uma revista que eu dirigia, onde eu lancei uma grande quantidade de
autores que depois se destacaram como o Coutinho, por exemplo. O Major Coutinho, o nosso
Parreira, que era estudante; eu mobilizava os caras para fazerem artigos e participava com eles.
Coisa curiosa. A minha vocao de editor. Ento eu fui editor. Eu tive um certo
choque quando eu cheguei no MEC. No primeiro dia em que eu fui, eu vi algo que me deixou
espantado. Eu no tinha essa experincia do mundo civil, governo, eu no tinha. E no tinha
militar tambm porque eu no tive atividade de militar como carreira. Eu fiz Educao Fsica
pelas razes j explicadas. E no primeiro dia que eu cheguei l - e que me marcou muito - estava
saindo o ento diretor do Departamento Nacional de Educao, que era um educador famoso e
que eu no vou citar o nome dele. Isso uma denncia grave. Quando cheguei eles estavam
arrumando as coisas para sair. E no dia seguinte eu soube que todos os documentos do ento
Departamento Nacional de Educao essa pessoa tinha levado para casa. Logo, estava sem
memria. E era exatamente o rgo que dirigia a Educao no Brasil. Eu fiquei perplexo com
aquilo. Eu fiquei perplexo! Isso marcou muito a minha vida porque a eu comecei a minha
carreira de funcionrio pblico. Eu sou funcionrio pblico do MEC. J me aposentei ano
passado, com 30 anos: 1967-97. E aquilo me marcou, mas eu aprendi. Resolvi ter a minha
prpria vida. Ali fiz meu nicho porque eu vi que a barra era pesada. Mas encontrei coisas, no
72
MEC, estranhas. Ao mesmo tempo que se via essas pessoas que se achavam no direito - um
direito patrimonialista, colonial - de carregar para casa os arquivos das entidades, o MEC tinha
pessoas excepcionalssimas. Quer dizer, no era a instituio, eram as pessoas. Por exemplo, no
andar embaixo do meu, era a sala do Lcio Costa, famoso arquiteto. Eu tive o privilgio de
descer vrias vezes e tomar ch com o Lcio Costa. Coisa que pouca gente tem. As pessoas que
o Lcio Costa recebia na sala dele eram fantsticas, pessoas que vinham do mundo inteiro. Era
uma elite. Ento o MEC era ambguo: ao mesmo tempo que voc encontra escndalos...
Encontrava! No sei se hoje ainda est assim, mas durante toda a minha carreira de funcionrio
pblico eu vi isso. Depois eu passei para as universidades, como funcionrio. Eu vi pessoas
excepcionalssimas e vi pessoas destrutivas. Ento eu decidi fazer o meu prprio caminho, como
at hoje ocorre. Eu no tive problemas como funcionrio pblico. Eu s tive problemas como
militar (...).
J que para falar sobre memria, a gente precisa falar algumas coisas do passado,
tambm. Eu tive problemas no de natureza poltica, mas eu acabei apoiando pessoas que foram
cassadas [apesar de enftico, emociona-se]. E essas pessoas confundiram que eu tivesse posies
polticas e eu fui includo na lista dos que deveriam ser cassados. Mas me tiraram dessa lista.
Tiraram-me porque eu no tinha nada a ver com isso. Tambm fiquei muito marcado com isso e
decidi que eu no ia participar daquilo. Porque na lista dos cassados da Marinha no eram s os
casos polticos, tinha de tudo: caras que abandonavam a mulher, homossexual... Quer dizer,
fizeram uma limpeza, tipo Idade Mdia, em uma fora armada. Ento vrios amigos meus,
inclusive pessoas que eu gostava muito, como o Guerra, que morreu depois, que foi um dos
revolucionrios... No revolucionrio das Foras Armadas, mas revolucionrio porque ele
pertencia ao Partido Comunista. Era muito amigo meu. Quer dizer, minhas fichas no eram no
SNI, eram no Servio de Informaes da Marinha. E no eram muito favorveis. Ento era uma
das razes que eu tinha que escapulir das Foras Armadas porque eu no tinha nenhuma
perspectiva. Eu no gosto de falar sobre isso porque eu no sou heri revolucionrio. Eu nunca
me filiei a nenhuma forma de partido. Eu no gosto disso, no da minha ndole. Mas voc
observa que essas pessoas acabam sofrendo, porque se voc no amigo, passa a ser inimigo. Eu
vejo isso at hoje na Educao Fsica e resolvi jogar uma bandeira, tambm, de lutar contra esses
grupos. Eu no me envolvo com grupos e luto nos menores detalhes (...).
Parece-me interessante que voc quer dar uma estrutura de pano de fundo para as aes.
A gente pode examinar bem essa questo daquelas minhas funes l no MEC, que voc
comeou a me perguntar sobre isso e eu preciso esclarecer melhor. Ento quando eu cheguei l
eu resolvi imprimir mesmo isso. Eu tinha o conhecimento na mo e o cara me apoiava. E tive
sucesso. Mais uma vez foi o acaso. Quando esvaziaram - voc v como que so as coisas - o
Departamento Nacional de Educao, no tinha ningum na parte de publicaes. Ento ns
assumimos as verbas desse Departamento, os funcionrios... Eu trabalhava com uma equipe. No
que eu tenha formado: eu encontrei l. E os funcionrios tinham muito interesse nessas funes
porque o funcionrio pblico do MEC naquela poca no gostava de ficar solto. Precisava ter
uma funo qualquer. Ento, eu tinha recursos oramentrios e caminhos para publicar. Ns
73
imprimamos na Imprensa Naval aqui no Rio de Janeiro. Enfim, tinha gente que fazia as
correes gramaticais, eu tinha todo um espao e ocupei todo este espao. E foi um senhor
programa (...).
E houve vrios outros. A questo das Olimpadas: ns arrumamos um grupo nas
Olimpadas do Mxico e produzimos literatura a respeito, fizemos artigos, examinamos os
efeitos da parte cientfica que estava sendo mudada, o treinamento, a prpria viso do esporte
naquela poca. Foi uma fase de transio em que eu estava no bojo dessa arrumao editorial. Eu
pretendo no futuro deixar isso por escrito porque eu acho interessante este tipo de coisa (...). Eu
acho at que eu dei partida em algo diferente naquela poca. Porque ns no tnhamos essa
mentalidade de publicao. Ns no tnhamos. Tinha um boletim da Escola Nacional de
Educao Fsica. Sempre houve muitas revistas, desde os anos 30, mas no era um programa em
que voc pudesse tomar conhecimento das coisas novas que estavam ocorrendo.
Eu at peguei aquele hbito: at hoje eu sou editor de coisas. Peguei o hbito. E s fiz
revista. Se eu fiz alguma coisa at hoje foi revista. Bom, o pano de fundo: o pano de fundo no
era muito agradvel. Havia vrios IPMs - Inqurito Policial Militar - dentro do MEC, inclusive
no Departamento Nacional de Educao. Quando eu cheguei j havia isso l, de maneira que eu
no fui atingido. Eu era novo: No estou sabendo o que houve. Mas os caras que faziam os
IPMs eram uma mistura de funcionrios do MEC, chamados de dedos-duros, e de oficiais que
vinham do Exrcito, Aeronutica e Marinha. Tinha mais de 800 IPMs e tinha uns 20 dentro do
MEC. H anos! Curiosamente esses IPMs transformaram-se em cabides de emprego. Havia um
l, que era coronel do Exrcito, da reserva, que tinha mais de 30 funcionrios; era amante de uma
funcionria, ao estilo brasileiro! Mas tinha o estilo da violncia. Aquilo ali foi o embrio - esses
IPMs - do que depois ocorreu e ficou at o final, em 1985, que era aquele rgo vinculado ao
SNI dentro dos ministrios, que controlava a vida dos funcionrios, abria as fichas etc. Agora, o
nosso programa era de publicaes. Ento o pessoal da segurana, como ns chamvamos, nunca
se meteu conosco e nunca foi atrs de ns. E gozado que a Educao Fsica vista como um
pessoal mais alienado, mais de fora; ento eu no estava muito preocupado, no. Havia vrios
fenmenos de eliminao de direitos civis e ataque aos direitos humanos, mas eu estava fora
disso. Eu no participava disso. Eu tinha outros objetivos que eram de natureza pessoal e dentro
das facilidades que eu encontrei ali. E me dedicava muito a isto porque eu gosto de fazer este
tipo de coisa. E, de certa forma, resolveu o meu problema profissional. A partir dali que eu
comecei a perceber que eu tinha que - a minha formao anterior era razovel porque eu fui
Sucia, eu me dava bem profissionalmente -, que eu deveria caminhar mais no sentido da
universidade, porque s a parte de publicaes no iria dar. E eu gostava muito da parte
cientfica e tcnica. J fazia pesquisas naquela poca (...).
O responsvel pela publicao era eu. Essas pessoas que voc citou eram funcionrias
do MEC. O Dr. Ovdio, de saudosa memria, foi submetido a um IPM e ele no foi afastado das
funes - houve demisses, no caso - porque esse coronel que dirigia, o Artur da Costa Ferreira,
interferiu no nome dele. Ele era advogado, funcionrio antigo do MEC, no tinha atividades
polticas. Ele foi acusado em um IPM porque trabalhava no Gabinete do Ministro e tinha acesso
74
a todas as informaes. E houve uma acusao de um outro funcionrio de que ele levava para
fora do MEC essas informaes. Por isso que ele caiu na Educao Fsica, porque era o lugar
onde botavam os caras que no podiam comprometer. Essa pessoa trabalhava comigo e era
encarregada do cuidado da Lngua Portuguesa. Ele que redigia os pareceres; ele era o alter-ego
do Artur da Costa Ferreira do ponto de vista legal. A Passarinho era parente do Passarinho. O
famoso Passarinho que foi Ministro do Trabalho, na poca. Yesis Passarinho, professora de
Educao Fsica, casada com um juiz muito famoso. E ela estava ali porque ela era funcionria
do MEC, da antiga Diviso de Educao Fsica, e no tinha outra funo. Ento colocaram ela
para trabalhar conosco. Era uma pessoa que eu respeitava muito, era professora de Educao
Fsica, mas ela no constava; era puramente... e a Milward era professora de Educao Fsica e
Inspetora, que era um cargo que havia na poca, de carreira. E ela ficou tambm como auxiliar
porque no tinha outra funo. Mas o pessoal que trabalhava mais era justamente os funcionrios
datilgrafos, essas coisas. Esse Conselho Editorial existia porque tinha que existir alguma coisa.
Nunca houve influncia poltica sobre os contedos do Boletim. Apenas o Costa Ferreira fazia
aqueles editoriais seguindo a linha que o MEC inteiro seguia. Voc tem toda razo. Eu no
mexia nisso. Eu deixava correr porque no era da minha alada. Eu cuidava da parte de contedo
tcnico. Se voc examinar bem, s tem coisas tcnicas ali. E naquela poca ns tnhamos
Estudos Sociais na Educao Fsica. Eu lembro que comeou se esboar ali alguma coisa. E da
Pedagogia ns partimos para a Sociedade e depois para a Cultura. Isso foi uma evoluo da
Educao Fsica. Quer dizer, uma redescoberta da Educao Fsica progressivamente do ponto
de vista tcnico, que era um fenmeno internacional, e que ns j vamos os primeiros sinais ali.
Mas, concluindo, no houve influncias. Ningum nunca chegou para mim e disse: Pe isso,
pe aquilo.... O prprio Costa Ferreira nunca influenciou os autores. Eu assumo inteira
responsabilidade pelos autores e por um detalhe at curioso: os autores tinham que ser feitos. Eu
catava os caras, eu perseguia as pessoas. No havia o hbito de escrever. Eu tinha que ensinar
at a fazer referncias! Era tudo assim! Ns estvamos inaugurando uma nova forma de trabalho
na poca: no existia mestrado nem doutorado, no havia pesquisa. A Educao Fsica era muito
emprica e ali foi uma tentativa, vamos dizer, preliminar, de todos os trabalhos que ns fazemos
de natureza tcnica. Ento eu fui responsvel por aquelas pessoas. E curioso que s pessoas do
esporte na Educao Fsica que tinham acesso quela Revista porque eu no encontrava todos,
eu tinha que cat-los. Inclusive tinha muitos artigos assinados por estrangeiros. Eram traduzidos
(...).
A FIEP [Fdration Internationale de ducation Physique] era muito forte na poca. Ela
tinha inclusive Congresso Luso-Brasileiro; era o que influenciava mais no Brasil. E tinha uma
revista que tinha artigos em ingls e francs, e eu, ou o Ovdio, ou a Yesis... A Yesis s vezes
traduzia porque ela falava francs muito bem. A parte em ingls era eu quem fazia...
QUADRO I
Total de trabalhos
sobre Educao 25 (5,7%) 2 (0,45%) 1 (0,22%) 28
Fsica escolar (6,39%)
Total de trabalhos
de outras sub-reas 360 (82,19%) 50 (11,41%) - 410
(93,6%)
Total geral
de trabalhos 385 (87,89%) 52 (11,87%) 1 (0,22%) 438
(100%)
15
Esse quadro foi construdo para cumprir uma funo meramente descritiva, no sentido de situar o leitor
no conjunto da produo da Revista. Ele no obedece nenhum critrio tcnico predefinido. Os assuntos
so agrupados por sub-reas da Educao Fsica; porm, essas sub-reas no so autnomas, estando duas
ou mais reas sempre interrelacionadas. O nico critrio utilizado na classificao em uma determinada
sub-rea foi o da preponderncia de uma abordagem sobre a outra (por exemplo, o Esporte para Todos faz
grandes consideraes de carter sociolgico, legislativo, esportivo, histrico etc.); porm, optei por
classificar como Esporte para Todos aqueles trabalhos que tm como tema central, privilegiado, as
atividades fsicas populares de massa; da, as demais sub-reas relacionadas com o tema principal ficarem
deliberadamente secundarizadas. Critrios diferentes foram utilizados por Pereira (1983) que classificou
os assuntos de forma cruzada. Ou seja, um mesmo assunto foi classificado em categorias diversas
conforme suas intersees. Dessa maneira, cada assunto foi recuperado pelo autor em at cinco categorias
distintas. Como nem uma nem outra forma so capazes de encerrar a multiplicidade de possibilidades de
classificao, optei pela alocao de cada assunto em uma s categoria.
16
A aprendizagem desportiva compreende todos os trabalhos relacionados com as vrias formas de
ensinar e aprender as prticas desportivas. Esto includos a aspectos relacionados a aprendizagem de
regras, tcnicas e tticas desportivas, de habilidades especficas de cada modalidade esportiva etc. O
motivo pelo qual no foram classificados como Educao Fsica escolar decorre justamente da sua
considerao do esporte como fim em si mesmo; ainda que alguns desses trabalhos faam menes
educao integral da criana e do adolescente, eles nada mais fazem do que prescrever sries de
exerccios de aprendizagem e fixao tcnicas, voltadas exclusivamente para a melhora do desempenho
desportivo, o que pode ou no ocorrer no interior da instituio escolar mas no prerrogativa desta.
79
QUADRO II
Lazer 4 0,91%
Dana 4 0,91%
Polticas de Educao Fsica e Esportes 3 0,68%
Entidades de classe e representaes 3 0,68%
Crescimento e desenvolvimento 3 0,68%
Capoeira 2 0,45%
Estatstica 2 0,45%
Tendncias da Educao Fsica 2 0,45%
Olimpismo 2 0,45%
Outros 32 7,30%
TOTAL 438 100%
Fontes:- Larcio Elias Pereira. ndice da Revista Brasileira de Educao Fsica e Desportos. Braslia:
MEC/SEED, 1983; Revista Brasileira de Educao Fsica e Desportos. n. 01 ao n. 53.17
Classifiquei como outros aqueles artigos que no se enquadram de forma predominante em nenhuma das
outras classificaes. Textos sobre torcidas organizadas, criminalidade, direito penal, bibliografias,
avaliao, entre outros. No caso da avaliao, cabe uma explicao: como o termo avaliao utilizado
indistintamente para avaliao motora, atltica, institucional, escolar etc., achei por bem no classific-la
como uma categoria parte, uma vez que essas vrias formas de avaliao no tm nada em comum.
Assim, os textos sobre avaliao, quando bastante definidos, foram enquadrados em outras categorias;
quando excessivamente dispersos ou imprecisos, foram enquadrados como outros. Por fim, preciso
lembrar que nem todos os trabalhos publicados na Revista caracterizam-se efetivamente como artigos, no
sentido acadmico do termo. Ao contrrio, encontramos nas pginas das Revista artigos, ensaios, relatos
de experincia, manifestos etc. Assim, ao optar pela denominao de artigos considerei basicamente a
nomenclatura editorial, que caracteriza todo trabalho publicado em um peridico como artigo, sem
estabelecer definies mais rgidas entre as diversas formas de manifestao do discurso escrito. Alm
disso, muitos artigos so sofrveis quanto aos seus critrios de apresentao e referenciao, fato que
parece confirmar as dificuldades apontadas anteriormente por DaCosta (1998) e que dificultaria ainda
mais uma classificao precisa.
17
Dois nmeros da Revista so monotemticos: o nmero 7 (1969) dedicado exclusivamente natao;
j o nmero 35 (1977) dedicado exclusivamente ao Esporte para Todos.
QUADRO III
CARACTERIZAO DO DESENVOLVIMENTO DA
REVISTA BRASILEIRA DE EDUCAO FSICA E DESPORTOS (SRIE TOTAL 1968/1984)
1a8 Boletim 1968/ 2.000 (n. 1 ao Conselho Editorial* Diviso de cel. Arthur Orlando da Costa Ferreira
Tcnico Informativo 1969 5) 5.000 (nos Educao Fsica/MEC
demais)
9 a 10 Revista Brasileira 1970 5.000 Conselho Editorial** Departamento de Educao Fsica cel. Arthur Orlando da Costa Ferreira
de Educao Fsica e Desportos/MEC
e Desportiva
11 a 20 Revista Brasileira 1971/ 5.000 Eric Tinoco Marques Departamento de Educao Fsica cel. Eric Tinoco Marques
de Educao Fsica 1974 e Desportos/MEC
21 a 46 Revista Brasileira 1975/ 5.000 Osny Vasconcelos Departamento de Educao Fsica cel. Osny Vasconcelos
de Educao Fsica 1980 e Desportos/MEC
e Desportos
47 a 53 Revista Brasileira 1981/ 50.000 e Jornalistas Secretaria de Educao Fsica cel. Pricles de Souza Cavalcanti
de Educao Fsica 1984 100.000*** responsveis e Desportos /MEC
e Desportos
FONTE: Revista Brasileira de Educao Fsica e Desportos. n. 1 ao n. 53.
Participavam do Conselho Editorial as seguintes pessoas: Lamartine Pereira DaCosta, Ovdio Silveira Souza, Yesis Ilcia y Amoedo Guimares Passarinho e La Milward.
** Passa a fazer parte do Conselho Editorial o Professor Inezil Penna Marinho.
*** A partir do n. 47 (1981) a Revista passa a ter uma tiragem de 50.000 exemplares; o nmero 53 (1984), ltimo nmero da srie, sai com uma tiragem de 100.000
exemplares.
**** A partir desse momento a Revista passa a ter um editorial eminentemente tcnico, funcionando mais como um guia de leitura. O secretrio de Educao Fsica e
Desportos passa a assinar a seo Tendncias.
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CAPTULO 1
Joo Calmon
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Por Teoria da Educao Fsica estou concebendo toda uma tradio de debates tericos em torno do
papel, da relevncia, do significado e da contribuio da Educao Fsica para a educao escolarizada.
Os limites desse termo se circunscrevem instituio escolar. No pretendo, portanto, indicar a
imprecisa noo de um estatuto epistmico para a Educao Fsica; primeiro, por no acreditar em
pretenses dessa natureza e, segundo, decorrncia da questo anterior, por compreender a Educao
Fsica como uma disciplina essencialmente polissmica, multifacetada, influenciada pelas mais
diversas reas de conhecimento.
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O Diagnstico foi publicado em 1971. Sua autoria de Lamartine Pereira DaCosta, poca editor
da Revista. O Professor Lamartine foi por mim entrevistado em dezembro de 1998, no Programa de
Ps-Graduao em Educao Fsica da Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro. O Diagnstico
representa um estudo quantitativo das condies de desenvolvimento da Educao Fsica no Brasil e
aponta uma srie de sugestes-propostas que iro redundar na poltica governamental para a rea na
dcada seguinte. Foi encomendado pelo IPEA Instituto de Pesquisa e Estudos Avanados, do
Ministrio do Planejamento e funcionou como diretriz bsica da poltica setorial do governo para a
Educao Fsica. Para um crtica dos seus pressupostos consultar o j referido trabalho de Castellani
Filho (1988). Ao longo do seu depoimento o professor DaCosta rebate as crticas de Castellani Filho.
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importante estabelecer esse nexo, uma vez que precisamos evitar dois
movimentos muito rpidos de interpretao histrica. O primeiro, que nos indica que
tudo que foi feito no perodo da ditadura militar no Brasil foi obra de uma conspirao
internacional. O segundo, que tenta relativizar a influncia externa e acaba por se
enredar num nacionalismo tosco. Uma e outra interpretao soam como inexatas, uma
vez que havia conexes claras entre o desenvolvimento brasileiro e a geopoltica
mundial. E, certamente, as autoridades da Educao Fsica no eram imunes a essas
influncias, como demonstra o depoimento do Professor Lamartine Pereira DaCosta.
Mas havia tambm um movimento interno de fortalecimento da Educao Fsica
principalmente no interior da escola.
No editorial do Boletim n. 8, de autoria do tenente coronel Arthur Orlando
Ferreira da Costa, a conexo entre Educao Fsica e desenvolvimento aparece com
uma clareza absoluta:
No importa que o Brasil tenha sido descoberto h mais de quatro sculos. O que
importa que os brasileiros como vs o descubram tambm. Temos de conquist-lo com o
nosso esforo e com o nosso patriotismo, enfrentando os novos invasores travestidos de
missionrios das idias novas, mas na verdade missionrios de ideologias perniciosas que
pretendem inocular no esprito desavisado da nossa juventude para fragmentar a unidade
nacional e corro-la de dentro para fora.
Divulga-se, promove-se a Educao Fsica atravs de cursos, encontros, estgios,
campanhas, visando ao nascimento da necessidade inadivel e imprescindvel da prtica de
exerccios fsicos em massa, capaz de sublimar-se nos estados de desenvolvimento do nosso
povo que os tempos atuais reclamam, o qual o clmax, o topo, a conseqncia, a finalidade
da Educao Fsica. Combate-se a malquerncia, a maledicncia, a crtica destrutiva, que
dividem, que desunem e obstam aos nossos esforos em ajudar o nosso atual governo a
construir uma grande Nao, mais forte, mais acatada e acreditada no conceito das demais
Naes: O BRASIL GRANDE. (Costa, 1969: 11, destaque no original.).
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Cabe destacar que a Ideologia do Desenvolvimento no prerrogativa dos governos militares. Antes,
os militares so continuadores de uma tradio que remonta aos anos iniciais da dcada de 50, ou seja,
um perodo conturbado da histria poltica brasileira mas marcado por um processo de
redemocratizao. Isso no significa, porm, que as suas polticas no tenham estabelecido formas e
padres de comportamento social e poltico (Cardoso, 1978).
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...toda uma estrutura, um processo secular, pois que vem desde os princpios de nossa
formao histrica, que perdura entre ns. E nela esto integrados, atuantes ou passivos, os
que, por esses meios, resistem sua mudana e impedem a evoluo.
Nela tambm se acha a grande massa dos que constituram os executantes, quase
sempre desassistida dos meios de sade, educao, alimentao e habitao, a qual,
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possivelmente por isso mesmo, negligenciava sobre suas prprias condies de vida e no se
empenhava por melhor-los. (Souza, 1973: 13).
Certamente a apologia ao regime no poderia faltar, na tentativa de fundar
uma nova Educao Fsica: Felizmente, para jbilo dos brasileiros, o Governo
Revolucionrio j vem adotando providncias que daro nova estrutura e meios
poltica nacional da Educao Fsica e dos Desportos (Souza, 1973: 16).
O Governo Revolucionrio inaugurava assim, como tpico da tecnocracia,
a modernidade. comum nos discursos militares ou civis daquele perodo,
obviamente no caso daqueles que colocavam-se ao lado das polticas oficiais, a aluso
necessidade de recuperar o tempo perdido em termos de desenvolvimento (Bastos,
s/d; Calmon, 1974; Chagas, 1978). Os arcaicos modos e prticas culturais anteriores
Revoluo, como freqentemente referido o golpe de 1964, eram
paulatinamente substitudos por um discurso de forte acento renovador, restaurador
mesmo dos mais altos e nobres valores da nao brasileira. O desenvolvimento
assumia uma dimenso bipolar: se, por um lado, os pssimos indicadores sociais ou
esportivos eram culpa das velhas formas polticas, por outro lado, eles s poderiam
ser equacionados a partir de uma profunda reforma institucional. E essa reforma era
colocada para frente pelo governo sob o manto do desenvolvimento. Construir o
Brasil Grande significava romper com o velho e inaugurar o novo, fosse no plano
poltico-institucional e cultural mais amplo, fosse no plano estrito da Educao Fsica.
Como exemplo ilustrativo dessa bipolaridade, extra fragmentos do texto de
Arlindo Lopes Corra, engenheiro, secretrio executivo do Centro Nacional de
Recursos Humanos do Ministrio do Planejamento, e tpico intelectual representante
do pensamento tecnoburocrtico (Revista Escola, n. 0, 1971: 25). Corra faz apologia
do esporte como elemento importante no desenvolvimento do pas:
Note-se que o texto aponta para vrias questes referentes a uma perspectiva
utilitarista da Educao Fsica e do esporte: aperfeioar a sade, preencher os
momentos de lazer, desenvolvimento de recursos humanos. E indica claramente o
binmio esporte e desenvolvimento, alis, ttulo do artigo de Corra. O esporte
incentiva e potencializa o desenvolvimento do pas. Para demonstrar a validade de
sua tese o autor recorre a uma srie de quadros comparativos que objetivam apontar
para a necessidade de uma poltica nacional de esportes, cientificamente concebida e
patrocinada pelo governo. Porm, seus dados acabam por diagnosticar a falta absoluta
de programas sociais na rea da sade, da educao e da nutrio no Brasil. E mesmo
seus comentrios sobre os dados apresentados permitem uma leitura diversa da
apologtica:
Apresentei essa extensa citao, presente na Revista n. 9, por ela ser bastante
significativa. De forma bastante sutil, o autor utiliza os dados para enaltecer os feitos
do governo central. Quando aponta para o absoluto descaso oficial com as demandas
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As conferncias anteriores foram realizadas respectivamente em Chicago, Genebra e Oxford
(Adams, 1964: 9).
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Em muitos casos, seria prefervel que a ateno nacional se focasse no treino dos
professores com os recursos locais mobilizados atravs de auxlio prprio e de projetos de
desenvolvimento da comunidade para a construo de escolas (Adams, 1964: 260-1).
mais extenso. Para os idelogos do governo essa era, certamente, a melhor maneira de
o pas atingir o desenvolvimento econmico, capaz de gerar riqueza. Some-se a isso a
defesa de princpios nacionalistas e temos um amlgama interessante: postulaes de
uma perspectiva de desenvolvimento acelerado, atreladas a uma dimenso poltica
reacionria e autoritria, de forte apelo nacionalista. Educao Fsica cabia uma
parcela importante no desafio de constituio do Brasil Grande.
Assim que a Educao Fsica deveria habilitar a juventude tcnica,
intelectual e fisicamente para o trabalho, segundo Veado Filho (1974: 60), aumentar
a produtividade industrial segundo Cantarino Filho e Negri Pinheiro (1974: 41),
alm de estimular a mocidade brasileira, uma foa pujante do desenvolvimento
nacional..., segundo o editorial da Revista n. 27, de 1975. Observe o leitor que essas
referncias datam j do perodo do governo do general Ernesto Geisel (1974-1979).
Mas o prprio Geisel afirmou a continuidade da poltica desenvolvimentista em
relao ao governo anterior, do general Emlio Garrastazu Mdici.
Dei nfase ao desenvolvimento porque acho que um pas do tamanho do Brasil, com
a populao que tem, com a sua pobreza, a sua debilidade, tem que se desenvolver. Se o Brasil
quer ser uma nao moderna, sem o problema da fome e sem uma srie de outras mazelas que
sofremos, tem que se desenvolver. E para isso, o principal instrumento, a grande fora
impulsora o governo federal. A nao no se desenvolve espontaneamente. preciso haver
algum que a oriente e a impulsione, e esse papel cabe ao governo. Esta uma idia antiga
que possuo, sedimentada ao longo dos anos de vida e esposada nos cursos da Escola Superior
de Guerra. Como o pas no tinha capitais prprios, como a iniciativa privada era tmida, s
vezes egosta, e no se empenhava muito no sentido do desenvolvimento, era preciso usar a
poderosa fora que o governo tem. A ao bsica do meu governo, o que mais me preocupava,
era, naquele perodo de cinco anos, fazer o possvel para desenvolver o pas. Mdici tambm
tinha feito isso, tinha se preocupado com o desenvolvimento. Tnhamos modos diferentes de
encarar a questo, mas houve de certa forma uma continuidade de ao. O desenvolvimento
que Mdici deu ao pas, o milagre brasileiro, influiu sobre o que eu tinha que fazer (Geisel
apud DArajo e Castro, 1997: 287-8).
No por acaso, uma vez que 1975 foi o ano do Plano Nacional de Educao Fsica e
Desportos (PNEFD). Segundo Octvio Teixeira
Alcancei o resto do I Plano, que vinha do Mdici e ainda vigorava. Dali passamos a
fazer o II PND, com grande participao do Veloso, que, como ministro do Planejamento,
tinha uma posio abrangente. O II PND em grande parte foi montado pelo Ipea, um instituto
especializado vinculado ao Ministrio do Planejamento, ento dirigido por um ministro que
faleceu h poucos anos [trata-se de lcio Costa Couto]. Era muito competente e substitua o
ministro do Planejamento nos seus impedimentos. O plano foi montado de acordo com
algumas idias que eu tinha exposto na primeira reunio ministerial e contou com a
colaborao de todos os ministros. Foi muito discutido, inclusive no Congresso, que o
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aprovou com algumas emendas, e entrou em vigor em dezembro de 1974. (...). Mas deve-se
observar que o II PND no era rgido. Era uma diretriz para os diferentes rgos do governo
pautarem suas aes e, como tal, foi sujeito a modificaes, com ampliaes ou redues
conforme a situao.
O desenvolvimento que o II PND pretendia alcanar era um desenvolvimento
integrado, no apenas econmico, mas tambm social. Alm do aumento da produo
nacional, nossa preocupao era, tanto quanto possvel, assegurar o pleno emprego, evitando o
agravamento dos nossos graves problemas sociais e promovendo melhorias na sua soluo.
Por essa razo, considerada a principal entre muitas outras, o Brasil deve sempre empenhar-se
efetiva e prioritariamente no seu desenvolvimento em todos os setores de atividade. Contudo,
no h no pas capitais disponveis. Existem ricos, mas esto pouco dispostos a enfrentar esses
problemas, e assim h relativamente pouco dinheiro para promover o desenvolvimento. Cabe
ento ao prprio governo, com os meios de que pode dispor, inclusive o crdito externo,
assumir a tarefa. Passamos ento a ser acusados, pelos tericos que nada produzem, de
estatizantes! (Geisel apud DArajo e Castro, 1997: 290).
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O Esporte Para Todos no Brasil oriundo de um movimento internacional iniciado no interior da
UNESCO, no Departamento de Educao de Adultos. Essa agncia preconizava a Educao Para
Todos e a Educao Permanente a partir da dcada de 1950. Por no ser o meu centro de interesse
privilegiado nesse trabalho, o EPT aparece apenas como um apndice nas minhas anlises sobre as
polticas oficiais nas dcadas de 1960 e 1970. A Revista n. 35 trata exclusivamente do EPT como
fenmeno mundial. H ainda a dissertao de mestrado de Cavalcanti (1983), os Anais do I Congresso
Latinoamericano de Esporte Para Todos, realizado em Santos/SP (1995) e uma parte significativa da
100
massa, seja pela competio, seja pela preparao para o trabalho, a Educao Fsica
pea fundamental no momento de consolidao do iderio do regime autoritrio e do
seu modelo de desenvolvimento.
Esse modelo exigia a necessidade de preparao da mo-de-obra para ser
includa no processo produtivo; da a vinculao da produtividade com a juventude,
entendida como fora propulsora das naes em desenvolvimento. Decorrncia direta
disso, temos os programas de educao, de Educao Fsica e, cada vez com mais
fora, de esportes.
Para Ren Maheu, diretor da UNESCO, em seu artigo na Revista n. 16, o
esporte tem um valor humano implcito e deve integrar cada vez mais a educao e a
cultura do homem moderno (Maheu, 1974: 09).
Tudo se resumia Educao Fsica atendendo aos interesses diretos da ordem
econmica internacionalizada. O Manifesto sobre o Desporto (Revista n. 14, 1973),
documento internacional subscrito por vrias entidades, indicativo daquela tendncia,
inicia-se da seguinte forma:
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Departamento de Estudos. TG 4-767. 4 Trabalho de Grupo. Anlise da Conjuntura Interna. Campo
Psicossocial. CSG. Subgrupo 3. Previdncia Social apud Rosemberg (1997: 151).
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CAPTULO 2
Antonio Gramsci
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Uma anlise bastante rigorosa do desenvolvimento da Educao Fsica na Europa e da sua influncia
sobre a Educao Fsica brasileira pode ser encontrada nos dois estudos histricos de Soares (1994 e
1998).
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de Antonio Gramsci e Karl Mannheim. Esse ltimo, inclusive, com forte assento no
interior da Revista.
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O termo cientificista aparecer no meu texto entre aspas, por conter em si uma certa carga
pejorativa. Ao meu ver, trata-se de uma forma de ideologia que pretende que toda a realidade seja
lida a partir dos cnones cientficos. Tomei a liberdade de assim proceder por entender que o apelo
cincia tem sido uma das maneiras de a Educao Fsica girar em torno dela mesma. Tanto a Revista
quanto uma vasta produo acadmica da Educao Fsica, como de resto, em outras reas do
conhecimento, tenta se legitimar atravs de um discurso de identificao cientificista. Sou bastante
ctico em relao a essa pretenso cientfica da Educao Fsica; ademais, entendo que, tirada da
Educao Fsica a base cientfica fornecida pelas mltiplas reas de conhecimento que compem,
creio que ficaramos apenas com uma prtica social. Ou seja, acredito que a Educao Fsica no
precisa da cincia para legitimar-se. Mas, por outro lado, o estatuto cientfico confere estatuto
acadmico que se afirma, por sua vez, como prtica alternativa de controle social, de poder. Assim, o
processo de consolidao da Educao Fsica via cincia, bem como de outras disciplinas, no
acontece por acaso mas, justificando uma determinada forma de conceber as relaes humanas,
subsumidas determinao da cincia (Goodson, 1990). Para aprofundar essa questo, ver: Warde
(1997). Para uma crtica ao cientificismo na Educao Fsica, ver Sobral (1995). Para um balano
crtico da vinculao da Educao Fsica cincia ver Bracht (1999).
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Nas pginas da Revista esse apelo cincia aflora nas mais diversas
perspectivas: em alguns momentos a cincia confunde-se com a tcnica; em outros, a
cincia confunde-se com o saber mais elaborado produzido pela humanidade,
chegando a ser confundia com a arte sob a denominao de cultura; alguns artigos
concebem a cincia apenas como um elemento da cultura; e a maioria dos artigos
concebe a cincia nos moldes tradicionais de mensurao, verificao, controle e
prova. Feitas essas consideraes, vale a pena verificarmos as diversas implicaes
que poderiam advir de um trato cientfico da Educao Fsica, a partir dos trabalhos
veiculados pela Revista, uma das marcas de distino entre o velho e o novo em
termos de Educao Fsica no Brasil, distino indicativa, como j apontei, da prpria
prevalncia do pensamento tecnocrtico.
Como em todos os outros temas por mim destacados e j mencionados, o tema
da contribuio da cincia para o desenvolvimento da Educao Fsica no se
apresenta de forma monoltica nas pginas da Revista. Ao contrrio, as mais diversas
compreenses esto manifestas ao longo dos 53 nmeros da srie. Cabe destacar que
essas diferentes posies cobrem um largo espectro que vai da apologia do
conhecimento cientfico condenao quase absoluta da subsuno da Educao
Fsica s formulaes de orientao cientfica. Desde o prprio Editorial do Boletim
n. 6 (1968) podemos observar a preocupao com a dotao da Educao Fsica de
um carter cientfico. Destaca o Editorial o papel daquela publicao: Boletim
Tcnico Informativo (BTI) [como] revista peridica tcnico-cientfica que visa
divulgar informaes atualizadas e resultados de pesquisa (p. 5, grifo no original).
Esse apelo cientfico fica bastante claro na profuso de trabalhos que fazem referncia
a uma Educao Fsica visceralmente ancorada em pressupostos cientficos. Como a
grande maioria dos artigos apresentados caracteriza-se por trabalhos de ordem
tcnica, voltados para a aprendizagem e o treinamento esportivo (Quadro I), a
indicao recorrente de uma concepo de cincia baseada na coleta, na observao,
na verificao, na mensurao e na quantificao de dados, como j mencionei. Mas,
paradoxalmente, raramente os textos trazem os procedimentos de anlise, os modos
como os seus autores chegaram a determinados resultados e no outros.
Tambm recorrente o uso do discurso da cincia de uma forma vulgarizada,
ou seja, como tentativa de legitimao das idias expostas, numa clara tentativa de
estabelecer formas mentis ou comportamentais. Se quisermos, num claro esforo de
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26
Um exemplo acabado dos usos possveis das atividades fsicas como portadoras da verdade
cientfica encontramos no mtodo desenvolvido nos Estados Unidos pelo Dr. Keneth Cooper, a famoso
teste de Cooper, contemporneo Revista. Por mais de 20 anos as formulaes de Cooper foram
acatadas e desenvolvidas, inclusive na escola, como o que havia de mais avanado cientificamente em
termos de atividades fsicas. Em torno dos seus postulados criou-se uma aura de impermeabilidade s
crticas, uma vez que os seus estudos eram resultado do mais acurado rigor cientfico. Suas
formulaes certamente ajudaram a disseminar a idia de que a sade, como problema individual,
apenas uma questo comportamental de responsabilidade de cada sujeito individual. Esse mito
transformou-se em poder conformador, o que certamente o coloca numa dimenso de ideologia. Como
corolrio da sade individual teramos o conjunto de indivduos saudveis construindo a sade da
nao, do corpo social, aspecto apontado por Lenharo (1986).
108
No campo mais restrito da Educao Fsica, por outro lado, s nos resta registrar a
inexistncia quase total de pesquisa, podendo-se to somente louvar os esforos isolados
desenvolvidos por uns poucos docentes.
Trs so os fatores responsveis pelo estado atual da pesquisa - insignificante ou
praticamente inexistente - no campo da educao e da Educao Fsica :
- falta de reconhecimento da necessidade de pesquisas educacionais;
- falta de aceitao dos resultados das pesquisas educacionais e
- falta de recursos para custear os projetos de pesquisas educacionais (Faria Jr., 1970:
29).
relativamente nova. Ela no deve, portanto, ser dogmtica e restrita a certas tcnicas
ou formas pedaggicas (Manifesto, 1971: 13) .
Observe-se a orientao completamente diversa dos textos acima. Enquanto
para Faria Jr. pesquisa em Educao Fsica pesquisa educacional, ligada ao ensino,
escola e aos professores, para o Manifesto a Educao Fsica uma cincia que vai
muito alm da dimenso pedaggica. Isso pode ser indicativo das correlaes
diversas: primeiro, a Educao Fsica ampliava seu objeto de estudo sob a batuta dos
rgos internacionais, como indica o Manifesto, documento patrocinado pela
UNESCO. importante destacar que o Manifesto trazia implcito uma poltica
internacional de Educao Fsica e esporte, o que ajuda a fortalecer a hiptese de
dependncia cultural. Mas pelo menos no plano interno brasileiro, essa ampliao do
objeto acaba por indicar a ampliao do campo de atuao dos profissionais da rea.
Assim que se aponta a necessidade, ainda no Manifesto, de a Educao Fsica
utilizar os mais eficazes processos tcnicos e pedaggicos. Esta necessidade acentua
novamente a importncia de slida formao dos educadores e da pesquisa cientfica.
Em Educao Fsica, como em outras atividades, no se pode deixar o indivduo
realizar prticas sem sentido (Manifesto, 1971: 17).
Considero esse um daqueles casos identificados no incio desse tpico: o
discurso ambguo. A referncia a outras atividades indica que a dimenso
pedaggica no era considerada como a nica ou a mais importante mas, comeava a
haver outras possibilidades de interveno para os profissionais da Educao Fsica.
Por prticas sem sentido no podemos compreender mais do que uma afirmao
vazia, uma vez que em momento algum o texto identifica o que diferencia uma prtica
com de uma prtica sem sentido. Agora, fica claro que aquilo que faz sentido tem
que estar balizado pela pesquisa. Ou seja, comea a emergir dentro do discurso
internacional uma relao direta entre o significado, a legitimao social e a
cientificidade da Educao Fsica. A partir da ela s gozaria de legitimidade quando
referida cientificamente. Para consolidar tal legitimidade no seria necessria a
ampliao quantitativa e qualitativa do processo de formao de professores de
Educao Fsica em nvel superior? Esse aspecto deve ser ressaltado na medida em
que as consideraes de tais documentos so contemporneas da Lei 5.540/68, da
Reforma Universitria. O Curso de Licenciatura em Educao Fsica foi um dos
cursos de maior expanso no Brasil ao longo dos anos que se seguiram Reforma
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27
A cincia , tambm, uma produo cultural, situada e datada. Pode ser utilizada como mecanismo
de dominao ou de emancipao, como nos indica toda uma tradio marxista nas cincias humanas.
Ela, em si, no produz ou reproduz melhores ou piores condies de vida. O seu uso, sim. Portanto,
no podemos reduzir a perspectiva da produo cientfica a uma simples questo de opo ideolgica,
como fazem os autores citados. No campo da historiografia vale a pena travar um dilogo com a
produo de Thompson (1981). Creio ser de grande valia tambm as consideraes crticas dos autores
de Frankfurt, principalmente Adorno e Horkheimer (1985) e Marcuse (1967 e 1999).
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algum outro lugar. Por sinal, esse conhecimento representaria, no entender do autor, a
possibilidade de a Educao Fsica ser reconhecida e reconhecer-se a si mesma como
relevante na educao, tese profundamente difundida a partir dos anos 1980, como
indica Bracht (1999). Assim que vo surgindo nas pginas da Revista as mais
variadas percepes sobre os benefcios (ou malefcios, como no caso de Maheu) da
cincia para a Educao Fsica.
Como que para contradizer uma determinada leitura histrica que considera
todo aquele rico debate, expresso no interior da Revista, apenas como
consubstanciao de uma grande conspirao mundial do capitalismo, do
liberalismo e do positivismo, Cagigal (1974) destaca:
partir do incio dos anos 1980, portanto, quase dez anos depois. Isso faz crer que a
Educao Fsica mundial passava por um intenso debate.
Outra voz destacada nesse debate Uriel Simri, que na Revista n. 40, procura
demonstrar quanto o apelo do discurso cientfico pode servir apenas de justificao
ideolgica para o fortalecimento de determinados grupos e perspectivas em
detrimento de outros. Usa como exemplo a conceituao de transfer na psicologia
para inferir que
No foi cientificamente provada, mas isso no impede que muitas pessoas da nossa rea
continuem a acreditar nisso, mesmo quando lhes demonstrado que suas teorias so baseadas
sobre suas aspiraes ideais e no sobre a cincia (Simri, 1979: 42).
Uma base no cientfica da Educao Fsica apresenta inmeros perigos para nossa disciplina
e pode at pr sua existncia em perigo. Quando no somos capazes de provar nossas
pretenses, ns, os professores de Educao Fsica, no podemos, no somente enfrentar o
descrdito a nosso respeito e a nossa rea, mas tambm os oponentes podem proclamar que o
o rei est realmente despido (Simri, 1979: 42).
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A discusso sobre o estatuto da Educao Fsica foi das mais acirradas no Brasil (e no mundo)
durante os anos 1970 e 1980. Basta destacar duas dessas perspectivas no plano mundial: Srgio (s/d e
1989) e, a partir das teorias psicomotoras, Le Boulch (1987). No plano da crtica s formulaes desses
autores encontramos os trabalhos de Kolyniak Filho (1996) e o j citado trabalho de Bracht (1999).
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Entretanto, essas bases cientficas so ainda questionadas. Sheedy, por exemplo, lanou a
idia de que fracassamos ao criar uma teoria da Educao Fsica, porque confiamos demais
nas cincias naturais das quais no somos demandas. Para Sheedy, as cincias naturais so um
deus que falhou na Educao Fsica, uma rea que no foi capaz de lhes fornecer as respostas
convenientes (Simri, 1979: 43).
A todos aqueles que buscam essa nova fachada o termo "educao" no pode ser conveniente
porque, para se obter o status acadmico, atualmente, preciso ser mais "cientista" ou, pelo
menos, parecer mais cientista e, como se sabe, poucas coisas so consideradas menos
cientficas, pelo menos pela comunidade cientfica, que a educao. Devo acrescentar aqui que
a utilizao do termo "cultura" levou ainda a confuso maior (Simri, 1979: 41).
O que restaria ento Educao Fsica? Qual seria a sua maior necessidade?
Justamente o rigor conceitual e a sua possibilidade de aplicao, responderia Simri.
Somente esses pontos seriam capazes de acabar com a polarizao entre teoria e
prtica, to prejudicial Educao Fsica, e somente eles seriam capazes de informar
uma teoria (ou vrias, segundo o autor) que conformassem o seu estatuto. Mas seria
necessrio acabar ou diminuir a distncia entre o cientista e o profissional de
Educao Fsica.
Para encontrar seu equilbrio a Educao Fsica necessita de uma filosofia clara, no
necessariamente nica, que nos conduzir num caminho resultante de um pensamento
sistemtico em direo a conceitos claros e por ele em direo a objetivos igualmente claros.
A Educao Fsica necessita de lderes que tragam uma base filosfica, conceitos e objetivos,
mas, talvez mais ainda, que sejam capazes de estabelecer uma ponte acima do vazio que
separa os tericos dos prticos. Nas condies atuais, esse fosso parece aprofundar a tal ponto
que o terico no Olimpo no poder jamais juntar-se ao prtico da Terra (Simri, 1979:
43).
Parece-me que a Educao Fsica encontra-se num perodo em que ela deve
encontrar seu equilbrio, tanto do ponto de vista terico quanto do prtico. No sonho com os
velhos bons tempos e duvido que eles tenham realmente existido...
Ser que acreditamos realmente que s as formas modernas de movimento so belas
e que nada temos a aprender do passado?
Posso ter parecido pessimista neste trabalho. Mas na verdade tenho muita f em
nossa disciplina. No momento, atravessamos uma situao confusa, e esto sendo realizadas
numerosas pesquisas para se encontrar uma soluo.
Faamos o que for necessrio para que a Educao Fsica saia da atual situao
melhor e mais forte (Simri, 1979: 43).
realidade. Nos dois casos a verdade oculta ser revelada pelo trato cientfico. E o
comando da sociedade na utopia cientificista estaria entregue a um conselho de
sbios-cientistas-planejadores, aos moldes dos propostos por Comte (1988) ou
Mannheim (1973). A tecnocracia nada mais seria do que essa perspectiva operando
por dentro do aparelho estatal (Covre, 1983).
Por fim preciso destacar dois pontos para mim nevrlgicos na abordagem do
tema do cientificismo. O primeiro, abordado acima, refere-se determinao
histrica dessa perspectiva, plural em suas mltiplas fontes de concepo e
elaborao. O outro destaque refere-se negao, no interior desse trabalho, de
qualquer tese anticientfica. Ora, entendida a cincia como um construto histrico,
operar a sua crtica no o mesmo que prescindir da sua contribuio para a
conformao da sociedade. Como procurei chamar a ateno anteriormente, minha
crtica recai sobre aquilo que identifico como uma ideologia da cincia, ou seja a
cincia como comeo, meio e fim da histria. Est descartada, dessa maneira,
qualquer adeso s teses irracionalistas ou oportunistas dos discursos que postulam o
fim das metanarrativas, dentre elas, a cientfica. O que procuro estabelecer, tendo
como pano de fundo a renovao da Educao Fsica brasileira no perodo por mim
estudado, uma compreenso de como o discurso da cincia tem conformado as
prticas mais variadas, sejam sociais, polticas ou culturais.
O fato que a Educao Fsica como prtica social foi influenciada pelo
discurso cientfico para muito alm daquilo que a literatura convencionou chamar de
tecnicismo. E isso tem implicaes diversas para a cultura brasileira no perodo em
questo: de um lado, observamos a profunda dependncia brasileira dos
conhecimentos produzidos nos centros mais desenvolvidos. Do outro lado, salta aos
olhos o esforo de integrao do Brasil no debate acadmico-cientfico internacional
da Educao Fsica em particular, mas no somente. Aqui possvel inferir que
realmente a Educao Fsica ganhava um impulso importante no Brasil na dcada de
1970. E esse impulso fruto de uma conjuno de fatores que repercutiam
mundialmente. Um desses fatores era a chamada tecnificao da vida, por alguns
louvada, por outros, odiada. Outro fator seriam algumas alteraes, mudanas no
plano da cultura, como a mudana nos padres de relao entre homens e mulheres, a
mudana no trato com o corpo etc. Finalmente, a Educao Fsica ganhava destaque
com a difuso dos conceitos de educao integral, educao para todos e educao
121
permanente, uma vez que a educao dos indivduos passava a ser concebida a partir
da sua totalidade e da sua unicidade. Mas em todos essas casos, a chancela da cincia
era uma referncia fundamental. No demais relembrar que a cincia acompanha o
desenvolvimento da Educao Fsica desde as suas origens (Soares, 1994 e 1998). E
se tomarmos como referncia os mais de cem anos que cobrem a distncia entre o
perodo estudado por aquela autora e o perodo estudado neste trabalho, veremos que
o discurso de afirmao pela via cientfica sempre foi utilizado na Educao Fsica
brasileira de forma superficial, indiscriminada e autojustificadora (Bracht, 1999).
Com isso pretendo chamar a ateno para aquilo que entendo como mudanas
profundas no plano cultural. A Educao Fsica mudou por ser uma prtica cultural
profundamente imbricada com outras prticas culturais que mudavam tambm, como
no exemplo desse tpico, a produo cientfica. Ela no mudou apenas para atender os
interesses de sistemas, governos ou grupos. Ela mudou porque a cultura mudou. O
debate entre a sua dimenso cientfica ou humana, tcnica ou integral, indicativo de
novas conformaes culturais. Reduzi-las sua dimenso estrutural econmica, como
tem feito parte da historiografia, no d conta de entend-la em toda a sua
complexidade. Mas essa compreenso no implica, por outro lado, abrir mo de um
entendimento da cultura como campo de disputa hegemnica, de relaes de poder, de
conflito e de dominao.
CAPTULO 3
122
Herbert Marcuse
Por definio, desporto e Educao Fsica so, portanto, coisas diferentes, mas no
necessariamente opostas, uma vez que o desporto, pode evidentemente, tornar-se um meio de
educao.
Ponhamos em evidncia algumas duras realidades, ilustrando, sem dvida,
situaes extremas, mas permanecendo significativas, de uma tendncia evolutiva que os
educadores podem lamentar: (...) o desporto moderno , sobretudo, desporto de competio,
rigorosamente seletivo, baseado no campeonato. Procede pela eliminao dos fracos. Aparece
mais e mais reservado a uma minoria de elementos fisicamente dotados e fortemente ajudados
123
(...) o desporto moderno no alcana, em realidade, na hora atual, seno muito pequena
minoria de jovens e ainda menos de adultos (...).
Esse quadro certamente um pouco enegrecido nos faz claramente compreender
que, nessas condies, o desporto no pode servir utilmente, em plano individual e social,
causa da educao pelas atividades fsicas. Aparece mesmo uma divergncia fundamental
entre a escola e o clube desportivo. (Seurin, 1973: 8-10, destaque no original).
Finalmente, o texto faz uma aluso aos educadores, que podem lamentar a
evoluo do esporte moderno: O fato social desportivo ser o desporto-espetculo
e no aquele dos praticantes (p. 10). Com essa afirmao Seurin critica a perda de
possibilidades de movimento da Educao Fsica, uma vez que o esporte, convertido
em espetculo, cada vez mais deixa de ser uma prtica corporal ativa para configurar-
se como uma prtica de espectadores passivos. Ou seja, o autor estava preocupado
com a reduo das possibilidades de movimento das pessoas em geral e convocava os
educadores para compartilhar de sua preocupao: a perda das amplas possibilidades
corporais educativas clssicas da Educao Fsica, em processo acentuado de
29
O esporte um fenmeno cultural inaugurado com a modernidade e inscreve-se no mbito das
tradies inventadas, segundo Hobsbawm (1984). Para Bracht (1997) as prticas corporais, fsicas e
ldicas anteriores idade moderna, no eram pautadas exatamente pelos mesmos pressupostos daquilo
que hoje identificamos como esporte. O termo esporte moderno uma referncia recorrente nas
pginas da Revista. Por isso algumas vezes mantive essa denominao.
125
Desde os gregos, sabemos que a Educao Fsica, bem compreendida, tem por
objetivo cooperar no desenvolvimento integral do indivduo. O jogo, a ginstica, o desporto, a
dana, o excursionismo so os meios empregados. O desporto, embora excelente, apenas um
dos meios, cumprindo empreg-lo de maneira adequada (Ramos, 1970: 26).
Para terminar, acentuando o ideal a atingir pelo exerccio fsico sob o ponto de vista
educacional, faamos nossas as observaes de Pierre Seurin, figura de primeiro plano da
FIEP, transcritas de sua obra L'Education Physique dans le Monde: O fato importante o
fato mundial que todos os pases tm tomado perfeita conscincia da importncia humana
e social da Educao Fsica; a confuso mais freqente entre exerccio fsico e desporto de
grande competio (amador ou profissional) ainda obstculo srio aos programas de
Educao Fsica no mundo. O poder central (por demagogia), o pblico (por interesse
imediato), mesmo os pais dos praticantes (por incompreenso) tm enorme tendncia a ceder
ao 'desporto espetculo'. No entanto, devemos esperar que, um dia, os educadores fsicos do
127
mundo inteiro, intimamente ligados pelos princpios essenciais, sabero impor, em todos os
pases, uma Educao Fsica racional, estruturada para ser posta, verdadeiramente, ao servio
do homem e da sociedade (Ramos, 1970: 26).
O que foi, para ns e para os nossos camaradas, uma coisa excelente e agradvel, no talvez
a melhor, ou pelo menos a mais interessante das atividades para a juventude moderna.
Sejamos, pois, moderados nos nossos 'entusiasmos desportivos' e prudentes na nossa ao
educativa. (Seurin, 1971: 32).
Tudo est por fazer, neste campo. Ns falamos, com efeito, de uma coisa que
conhecemos muito mal ou muito facciosamente, mesmo parcialmente. Por agora, no
podemos seno dar opinies baseadas na nossa f no desporto e em algumas observaes
pessoais (Seurin, 1971: 33).
Ousaria afirmar que Seurin antecipa crticas ao que viria a ser denominado, no
decorrer dos anos 1970, tecnicismo: a especialidade como um dos seus cnones. Ao
contrrio, ele defende a pluralidade da Educao Fsica e chega mesmo a relativizar o
papel do conhecimento especializado, uma vez que fala em educao geral, para a
vida, onde a escolha dos meios muitas vezes secundria. Colocando-se numa
posio conservadora, no sentido de manuteno de uma determinada tradio da
Educao Fsica, e apontando o esporte como um elemento da moderna pedagogia, o
autor ainda se refere aos efeitos sedutores que essas inovaes modernas teriam
sobre os educadores. E no se furta consider-los como maus educadores, uma vez
que os bons so aqueles capazes de superar a especialidade e debruar-se sobre uma
Educao Fsica plena, para a formao geral para a vida. Essa seduo do esporte
fica cristalina nos depoimentos dos professores analisados na segunda parte deste
trabalho, bem como a tenso entre o esporte como fim ou como meio educativo.
importante destacar esses aspectos, muito presentes na Educao Fsica
brasileira no perodo: a nfase na formao (inicial e continuada) de professores e a
tecnificao das aulas de Educao Fsica a partir da prtica esportiva. Esse segundo
aspecto profundamente diverso nas formulaes de Seurin e dos idelogos da
Educao Fsica brasileira no perodo estudado. Isso porque a mesma modernidade
reivindicada como desejvel pelo iderio oficial no perodo, fosse ou no na rea da
Educao Fsica, era rejeitada como a responsvel direta pela diminuio das
possibilidades educacionais da Educao Fsica por Seurin e pelos demais defensores
da denominada corrente dogmtica. Para os idelogos da concepo oficial o
tecnicismo educacional era sinnimo de um alinhamento com o que existia de mais
avanado em termos educacionais no plano mundial. Para Seurin, essa possibilidade
educacional representava a prpria decretao da morte da Educao Fsica como
prtica educativa privilegiada, pela nfase na especializao; ou seja, para esse autor a
subsuno da Educao Fsica escolar exclusivamente ao esporte representava um
franco retrocesso.
Essa dissenso deve ser destacada, uma vez que reafirma uma das minhas
primeiras hipteses de trabalho. Ainda que fosse um peridico patrocinado e editado
pelo governo autoritrio, a Revista trazia vises de autores completamente distintas
daquilo que era idealizado pelo governo para a rea da Educao Fsica. No meu
130
(...) educa o homem, mas dentro do verdadeiro sentido da educao integral, fazendo da
Educao Fsica a sua base.
As atividades fsicas em geral a ginstica e os desportos exercem na escola um
papel de relevo e de preponderncia no processo total de formao da personalidade, mediante
o estabelecimento de suas profundas relaes com tantas outras componentes da educao e
da cultura. Muito se tem escrito e proclamado sobre a importncia das atividades fsicas na
educao dos jovens, das oportunidades que elas lhes oferecem para a criao de sadio hbito
de cultiv-los, como preparao do esprito para o emprego adequado das horas de lazer e
como base de uma educao equilibrada e integral. E ainda que possa parecer axiomtico,
vale ressaltar que a Educao Fsica deve ser iniciada no princpio da grande jornada
educativa, na escola primria, com a devida orientao psico-pedaggica das tcnicas prprias
ao perodo etrio considerado. (Areno: 1969, 97).
A Educao Fsica bem compreendida, no tem por fim nico a cultura da fora, e
ainda menos a exibio das suas manifestaes. Ela submetida a uma lei moral diretriz.
Alm disso, ela comporta elementos moderadores e refreadores de qualquer excesso, como
sejam: medida, utilidade, altrusmo.
Segundo a concepo esportiva atual, no h freio, no h medida, no exerccio
estimulante. A idia de luta levada at ao extremo; a origem dos exageros to
freqentemente constatados. Acresce que a maior parte das atividades praticadas nos meios
esportivos so de ordem convencional, isto , sem aplicao prtica na vida corrente.
Finalmente, nenhum ideal nobre preside ao exerccio fsico. Essa ao um fim em si. O
esportista se entrega ao exerccio apenas com a idia de realizar uma proeza fsica, ou triunfar
dos concorrentes. S tem importncia o resultado material, sendo desconsideradas as
conseqncias de ordem fisiolgica, moral, mental e social. Tal concepo ferozmente
egosta: o interesse est concentrado sobre os vencedores e os triunfadores. Todos os outros,
e principalmente os fracos e os mdios que constituem a grande maioria, so sacrificados ou
desprezados.
O esporte assim concebido e praticado tende a criar uma aristocracia nova, baseada
na fora fsica e a despertar nos jovens uma mentalidade que vai contra a intentada pelos
verdadeiros pedagogos (Targa, 1969: 37-38, grifo meu).
30
Essa certamente no uma caracterstica exclusiva do perodo aqui estudado. A Educao Fsica
sempre esteve polarizada entre um discurso francamente baseado na formao humana e um discurso
de preparao imediata para um fim especfico, como a preparao para a guerra, por exemplo. A
particularidade do perodo talvez esteja nos acirrados debates em torno dos fins da Educao Fsica
como forjadora de campees esportivos ou como uma atividade potencialmente educativa.
135
to direta juventude, a todas as classes sociais e a todos os povos, alm das fronteiras de raa
e de lnguas, alm das barreiras polticas, todos esses valores fundamentais (Maheu: 1973a:
51-2).
Antes de tudo faz-se mister dizer que a integrao da atividade fsica no processo
total da formao da personalidade, mediante o estabelecimento de relaes profundas entre as
atividades desportivas e os outros componentes da educao, um problema que espera ainda
sua verdadeira soluo. Com demasiada freqncia, a atividade fsica continua sendo, NA
ESCOLA, uma forma de recreao, uma atividade de compensao ou uma vlvula de escape.
A atividade fsica no cumpre plenamente sua funo educativa seno quando as mesmas
disposies e atitudes morais da personalidade do estudante so desenvolvidas consciente e
sistematicamente, tanto nos exerccios fsicos como nos intelectuais ou prticos (Editorial,
1971: 5-7).
Note-se que aqui existe um movimento interessante: se, por um lado, tanto
quanto na orientao dogmtica, se imputa s atividades fsicas um valor moral, essas
atividades so reduzidas prtica esportiva. So especificamente as atividades
esportivas as referidas nesse texto. Ainda assim, a atividade fsica (esporte) s ser
educativa se formar moralmente o educando. Aproximando esse Editorial da Revista
ao texto de Maheu anteriormente apontado, emerge uma das claras intenes do uso
educativo do esporte: a conformao moral. Moral essa calcada na assepsia social e
na valorizao dos melhores, a ser discutida mais a frente. Em outro momento, na
mesma Revista n. 13, Maheu (1973a) afirma:
31
Para aprofundar a discusso acerca do papel dos organismos internacionais na conformao das
polticas educacionais dos mais variados pases ver Coraggio (1996). Tommasi (1996) et alii.
32
As datas aqui indicadas referem-se ao ano de publicao desses documentos na Revista. Alguns
desses documentos remontam dcada de 1960, assim como todo o debate expresso na Revista.
139
Pelo menos estamos nos esforando neste sentido. A alimentao bsica do sistema
foi proveniente do 'Diagnstico de Educao Fsica/Desportos no Brasil', mais os
conhecimentos de ordem prtica da antiga Diviso de Educao Fsica do MEC. Em linhas
gerais, pelas possibilidades previsveis, foi estimado um perodo de 10 anos para que o
sistema alcanasse o seu funcionamento pleno e efetivo.
Este planejamento prendeu-se aos objetivos gerais de:
A - elevao no Pas do nvel da Educao Fsica integral;
B - elevao no Pas do nvel do desporto;
C - elevao no pas do nvel de recreao ativa e passiva (Editorial, 1972: 85-6).
Em dez anos o Brasil estaria ocupando, nos planos oficiais, o seu verdadeiro
lugar no podium das naes mais desenvolvidas do planeta. Para isso o governo
comeava a sistematizar a prtica de atividades fsicas (reduzidas ao esporte) no
interior da escola, como indica o item A do texto acima. o incio da conformao
da Educao Fsica escolar, e no s ela, malfadada pirmide esportiva, que nos
apresentada por DaCosta:
ainda mais importante que 1/3 a 1/6 do emprego total do tempo [de permanncia
da criana na escola] seja reservado atividade fsica, diminuindo a proporo medida que a
criana cresce.
Uma grande parte desta atividade fsica deve ser orientada para o desporto,
aumentando a proporo com a idade da criana.
A educao desportiva, na medida do possvel, deve ser harmoniosamente
diversificada (Manifesto sobre o Desporto, 1973: 15-6).
141
O MEC, acompanhando todo esse trabalho, tem sua programao voltada para uma nova
estrutura esportiva. Instruindo e ensinando a criana desde seus primeiros anos, atravs de
modernas tcnicas de comunicao, a atuando com uma Campanha Nacional de
Esclarecimento Desportivo, na sua fase experimental.
O importante que a obra seja compreendida.
(...) o que coisa para ser feita no em 10 dias, mas em 10 anos, quando pretendemos contar
com uma gerao sadia e, efetivamente, de grandes atletas (Editorial, 1970: 6).
33
Creio que um dos indicativos da falncia daquela perspectiva seja a reedio desse discurso aps o
alegado fracasso dos atletas brasileiros nos Jogos Olmpicos de Sidnei, em 2000. A mdia,
intelectuais e professores da rea, rgos de representao e at mesmo o prprio MEC reivindicam
uma maior e melhor organizao da Educao Fsica escolar leia-se esporte a fim de dotarmos o
esporte brasileiro de uma base ampla e segura de formao e desenvolvimento de atletas olmpicos.
Parece-me que, 30 anos depois, continuamos a nos negar a olhar para a realidade scio-econmica do
Brasil e a justificar ideolgica e corporativamente os benefcios do esporte para a populao.
142
ao modelo piramidal, ainda que seja basicamente uma cpia do original presente no
Diagnstico, aparece nas pginas da Revista justamente no ano do I Plano Nacional
de Educao Fsica e Desportos (PNEFD). No vejo esse detalhe como mera
coincidncia. Ao contrrio, j identifiquei em torno de 1975 uma segunda fase na
Revista, na qual estava praticamente consolidada a perspectiva do esporte como
prtica privilegiada na Educao Fsica escolar e eclipsado o rico debate a que tenho
me referido at aqui. Veremos as implicaes desse fenmeno no captulo seguinte. A
partir de meados da dcada de 1970 localizei na Revista pouqussimos trabalhos que
se opusessem orientao pragmtica. Todo o debate inicial presente na Revista entre
as duas orientaes, o qual procurei privilegiar nesse tpico, se perde. E emerge
triunfalista o esporte consolidado, inclusive na literatura especializada. Eu chamaria,
esse momento de consolidao do tecnicismo na Educao Fsica escolar brasileira.
claro que no plano das formulaes tericas. Pois, a apropriao disso tudo pelo
professor, como esse debate todo chegou s prticas escolares, certamente no
ocorreu como gostariam os seus signatrios.
Antes disso, porm, vejamos como o governo trilha o caminho da
consolidao do esporte. O Editorial da Revista n. 15 bastante ilustrativo da ttica
de convencimento do governo nesse caso, admito o texto como oficial, uma vez que
de responsabilidade do diretor do Departamento de Educao Fsica e Desportos do
MEC. Primeiramente, o autor do texto adota uma postura consensual no plano terico,
como se essa expressasse a verdade: A importncia do desporto estudantil bvia
por si mesma e dispensaria outros comentrios (Marques, 1973: 4). Mas era bvia
para quem, se como tm demonstrado as fontes, havia um amplo debate, longe do
consenso, em torno dos benefcios do esporte? Como tpico de governos
autoritrios, o autor ainda enftico na determinao das obrigaes que devero ser
cumpridas, e procura dirimir dvidas quanto ao gerenciamento do esporte estudantil
no Brasil:
(...) falar do desporto estudantil falar do futuro desportivo nacional; apontar acertos e
desempenhos antever performances e alegrias.
(...) a administrao desportiva no pode depender de casos assistemticos, de engajamentos
espordicos.
143
(...) digno de realce o fato de que h notvel convergncia para o estabelecimento da aptido
fsica como objetivo principal da Educao Fsica e Desportos.
144
(...) possvel concluir que estamos passando por uma poca contingente a uma
sistematizao integrada, com base nos mtodos atuais e tendo como objetivo o
desenvolvimento da aptido fsica (DaCosta, 1973: 25).
Faz parte deste legado o pensamento de filsofos como o ingls John Locke, cujos
escritos influenciaram os homens que redigiram a Declarao da Independncia, e as idias de
economistas como o escocs Adam Smith, arauto das concepes capitalistas do LAISSEZ-
FAIRE (Governali, 1974: 9).
que a nossa, este retorno a velhos ideais afigura-se altamente improvvel (Governali, 1974:
11).
34
Apesar de aparecer na Revista em 1975, o texto original de 1971.
151
iniciativas oficiais lograram xito. A conseqncia mais nefasta de tal poltica para a
Educao Fsica escolar talvez tenha sido a consolidao de prticas isentas de
qualquer tipo de reflexo sobre o seu sentido por parte dos professores (Souza Jr.,
1999). Em um movimento de mo dupla, em que os profissionais de Educao Fsica
reivindicavam espao e o governo buscava afirmar-se, o governo foi hbil e bastante
competente ao conquistar largas parcelas da intelectualidade e do professorado para as
suas causas, pelo menos no que tange Educao Fsica. assim, pois, que
encontramos textos em que os autores convocam o governo a tomar iniciativas na
organizao da Educao Fsica, como o caso de Cantarino Filho (Revista n. 29,
1976: 61): O Estado deveria dar melhor ateno ao valor educacional, recreativo e
competitivo dos desportos...; Augusto (Revista n. 29, 1976: 77): O desporto uma
escola de civismo e sociabilidade; Andrade (Revista n. 36, 1978: 6): Pela exposio
feita, define-se o enfoque bsico da elaborao da PNEFD [Poltica Nacional de
Educao Fsica e Desportos]. Observa-se a profundidade do trabalho e o cuidado no
emprego da terminologia tcnica, acordado evoluo da filosofia e da cincia. E
mais:
pois o esporte tem um fim em si mesmo, que no educativo, enquanto para outros o
esporte poderia ser explorado pedagogicamente. Ainda que muitos desses intelectuais
no possam ser considerados como porta-vozes do governo, seus escritos acabavam
por reforar em larga medida as orientaes oficiais.
Esse conjunto de divergncias preocupao, por sinal, do artigo de Uriel
Simri, na Revista n. 40, intitulado Diversidade dos conceitos de Educao Fsica e
sua influncia sobre os seus objetivos. Para o autor a causa de confuses conceituais
na Educao Fsica ...so os ardentes defensores da filosofia pragmtica, que
consideram o termo Educao Fsica inadequado (p. 40).
Tomando essa ltima citao como ilustrativa, acredito que tenha ficado
claro o debate envolvendo duas perspectivas distintas de Educao Fsica presentes na
Revista durante a dcada de 1970, e tambm, que a perspectiva oficial, identificada
como pragmatista, obteve algum xito e procurou conformar a prtica da Educao
Fsica escolar, tanto pelo vis legislativo, quanto pela formao de uma mentalidade
desportiva.
Em um artigo do Boletim n. 4, denominado Estado atual e tendncias
modernas da Educao Fsica mundial, transcrito do Boletim da FIEP de 1966, A.
Leal DOliveira, ento presidente da FIEP denunciava os inconvenientes das
atividades cujo fim seja aprender tcnicas e treinar o esforo especializado (p. 13):
graves problemas, como seja o falso amadorismo e o doping. Mas quando se trata do recreio
dos outros, o problema apresenta alguns aspectos muito graves, como sucede exclusivamente
nas escolas.
A ateno unicamente ou principalmente dirigida para a formao de equipes de
alunos escolhidos para representarem as escolas em campeonatos, e os exerccios de natureza
espetacular so repetidos at saciedade pelos mais aptos, tambm, com manifesto prejuzo
para o ensino normal, ou, ainda, fazem-se demonstraes em massa de gestos muito
elementares e sem efeitos realmente teis (DOliveira, 1968: 13-4).
(...) mais uma vez em Braslia, a SEED promoveu o I Encontro Nacional do Desporto Escolar,
que em outubro reuniu representantes das Secretarias de Educao e de Cultura e de outros
rgos estaduais a que esteja vinculado o assunto. Nesse encontro foi discutida a proposta da
portaria ministerial de regulamentao do desporto escolar. O ponto fundamental da proposta
o aprimoramento do desporto na educao bsica mediante a interiorizao de sua prtica.
Esse princpio resultou da avaliao dos JEBs/81, pela qual constatou a SEED que a maioria
dos atletas envolvidos naquelas competies provinham das capitais, oriundos de clubes, e
no das escolas. Da a portaria a ser baixada prever a criao do Clube Escolar como forma de
garantir ao setor educacional a primazia na formao dos atletas participantes dos eventos
desportivos escolares (Cavalcanti, 1981: 4, grifo meu).
CAPTULO 4
AGOSTO - Interessar as crianas que retornam das frias, nas atividades do currculo,
favorecendo a aquisio de hbitos e responsabilidade de bom estudante. Valorizar o respeito
a autoridade e preparar a criana para compreender seu lugar na Escola e na Sociedade.
ATIVIDADES A EMPREGAR - Evolues e marchas.
SETEMBRO - Objetivo - Procurar maior desenvolvimento do amor Ptria, por meio da
educao para a Cidadania. ATIVIDADES A EMPREGAR - marchas, desfiles,
concentraes. OUTUBRO - Objetivo - Preparar o respeito autoridade constituda por meio
de torneios e campeonatos interescolares. Proporcionar um entrosamento entre as diversas
turmas de alunos, desenvolvendo o verdadeiro esprito esportivo (boa aceitao da vitria ou
da derrota). Promover um entretenimento til e sadio, de acordo com o calendrio do ms -
dia da criana. MEIOS A EMPREGAR - jogos/esporte, danas, dramatizaes, atividades
complementares, teatro, cinema, excurses (Milward: 1968: 58-9).
35
Do ponto de vista do higienismo e das relaes entre a atividade fsica e a sade social, vale a pena
consultar Soares (1994) e Carvalho (1995). A primeira autora tece suas consideraes a partir da
anlise da consolidao da Educao Fsica como prtica higienizadora e moralizadora no sculo XIX
e incio da sculo XX. J, Yara Carvalho faz apontamentos sobre o interesse oficial na relao entre
Educao Fsica e sade nas dcadas de 1970 e 1980, justamente o perodo por mim estudado. Estudos
importantes tambm encontramos da parte de Lenharo (1986), Anjos (1995), Carvalho (1997) e Costa
158
(1997).
159
editorial da Revista (Quadro III) e era alta funcionria do MEC. Com isso quero
destacar que, embora fosse um veculo indicado como autnomo, a Revista tambm
veiculava trabalhos bastante afinados com as polticas oficiais. Por fim, interessante
notar que a Educao Fsica no ensino primrio era praticamente inexistente no
Brasil, pelo menos na rede pblica de ensino (Beltrami, 1992), e oferecida em apenas
algumas escolas de forma bastante irregular, segundo os professores entrevistados.
A preocupao com a formao de uma determinada maneira de conduzir-se
moral e socialmente, expressa tambm pelo general Jayr Jordo Ramos quando se
refere educao do jovem trabalhador, no Boletim n. 8:
profissional (...). O desporto como atividade de tempo livre em que h uma larga margem de
protagonizao e autodeterminao, surge como uma forma de afirmao humana,
apresentando-se o desportista como a imagem humanstica do homem moderno. Ser possvel
e desejvel operar uma revoluo das mentalidades de modo a integrar o trabalhador, atravs
do Desporto, num processo scio-cultural vlido, moderno e atuante (Ramos: 1969 69-70,
destaque no original).
Esses dois aspectos so relevantes uma vez que procuro demonstrar que as
mudanas nos rumos da Educao Fsica brasileira operadas pelos governos militares,
tem um substrato muito mais amplo, de alcance mundial, temporal e espacial. O que
permite reafirmar a minha contestao da tese simplista da influncia imperialista,
americana ou no, sobre os rumos da Educao Fsica no Brasil e mesmo de uma
influncia exclusivamente militar naquele perodo sobre essa prtica social. Se essa
influncia existiu, e as evidncias tm demonstrado que existiu de forma relativa, ela
se deu amalgamada com um sem nmero de outras determinaes internas e externas.
As mudanas no cenrio cultural brasileiro nas dcadas de 1960 e 1970, a includa a
Educao Fsica, no so fruto de uma orquestrao maquiavlica e mecnica do
capitalismo internacional. Antes, so a consolidao de formas ou prticas culturais
lentamente gestadas e desenvolvidas, levadas a efeito pela conjugao de fatores
econmicos, sociais, polticos e culturais, no decorrer do processo de organizao da
sociedade e da cultura brasileiras, obviamente orientadas pelo modo de produo
capitalista. Isso nos obriga a reconhecer o movimento da histria como processual
(Thompson, 1981 e 1987), contrariamente viso estrutural-determinista que tem sido
privilegiada por uma parcela significativa da historiografia da educao e da
Educao Fsica brasileiras.36 necessrio considerar que, ainda que no de forma
linear ou sincrnica, tal renovao nada mais representou do que a manifestao das
mais diversas camadas de prticas outrora desenvolvidas que, orientadas pelos
contornos da situao da poca, emergiram e se fundiram em novas formas de
manifestao e organizao da cultura37.
36
A crtica a esse movimento de apropriao/reapropriao cultural ainda precisa ser feito pela
Educao Fsica no Brasil, apesar da to propalada crise da Educao Fsica que tem mais de 30 anos
e das contribuies da produo acadmica dos ltimos 20 anos. Esse movimento, porm, do ponto
de vista da Educao Fsica escolar, s se consolidar como alternativa aos velhos modelos, se emergir
da prtica escolar concreta. Sou bastante ctico quanto s possibilidades de alguma alterao no quadro
da prtica da Educao Fsica escolar a partir da academia exclusivamente. A produo acadmica s
poder apontar para uma efetiva superao de alguns dos problemas histricos da Educao Fsica se
se remeter sua prtica escolar concreta e s demandas pela manuteno ou consolidao dessa
disciplina nos currculos escolares. Creio que temos o necessrio distanciamento histrico para poder
afirmar que a tentativa de transformar a Educao Fsica escolar a partir da produo acadmica
fracassou na dcada de 1980 no Brasil. Uma viso simplista dessa problemtica nos dada por Tani
(1998).
37
Reporto-me aqui s mais diversas influncias sofridas pela educao em geral no Brasil, e pela
Educao Fsica brasileira em particular, a partir do sculo XIX. Dos embates entre diversas doutrinas,
escolas ou tendncias no decorrer dos sculos XIX e XX e, a partir das diversas incorporaes dessas
no aparato legislativo, seria ingnuo supor que uma renovao educacional nasceria do nada, sem a
influncia daquelas doutrinas, escolas ou tendncias. Com isso quero reafirmar que mais de um sculo
de desenvolvimento da Educao Fsica no Brasil no poderia ser simplesmente esquecido ou jogado
163
no lixo da histria. claro que as mais diversas orientaes terico-metodolgicas calaram fundo no
imaginrio dos professores de Educao Fsica. No campo da cultura, a mudana no se d por ruptura
mas por reapropriao, crtica ou no, de formas no mais eficazes de organizao e manifestao.
Nesse sentido o termo por mim adotado novo higienismo reveste-se de elementos da tradio da
Educao Fsica brasileira amalgamados com uma reorganizao da cultura brasileira no sentido do
modelo de desenvolvimento adotado pelos governos militares. Mantm-se, assim, alguns dos
pressupostos do higienismo de quase cem anos atrs, mas com uma nfase muito maior e sob novas
formas a respeito da necessria vinculao da nao brasileira ao mundo capitalista desenvolvido.
No fortuita a referncia de Jayr Jordo Ramos trade trabalho-esporte-tempo livre.
164
De fato consideramos o ser humano como o valor supremo, pelo que a idia que deve
presidir a toda a atividade social a do seu aperfeioamento, que inclui a maior dignidade
morfolgica, fisiolgica, intelectual, moral e social. Isto s se pode obter solicitando racional e
harmoniosamente, as suas mltiplas possibilidades por uma cultura geral adequada.(...) Trata-
se porm, preciso confess-lo abertamente, e uma opinio minoritria que continua a ser
posta prova por insuficincias de concepo e sintomas de degenerescncia que referimos
anteriormente. Os grupos sociais evoludos so, como todos sabem, uma minoria num mundo
essencialmente material e numa humanidade mais ou menos dominada por instintos, emoes
e pela ignorncia, nomeadamente porque no sistema nervoso de todos ns apenas uma
finssima camada de tecido cinzento parece estar afetada diretamente ao ato de pensar. H,
porm, razes superiores para lutar contra os erros da maioria, e s o podemos fazer pela
colaborao das pessoas que mais autoridade legal tenham para contribuir para a soluo
racional de um problema to difcil e importante. So elas os pedagogos, especialmente os
professores de educao fsica, os higienistas e cientistas especializados, que principalmente
se encontram na classe mdica. essa minoria que pode constituir o fermento reduzido, mas
muito ativo que, semelhante ao levedo nas grandes massas de farinha para as transformar em
po, possa contribuir para criar uma humanidade cada vez mais s e vigorosa. So esses os
objetivos da FIEP (DOliveira, 1968: 16-7, destaques no texto original).
Quais seriam esses grupos sociais evoludos, essas minorias, com autoridade
legal e moral para buscar uma soluo racional para o problema da degenerescncia
da juventude? Alm de indicar claramente alguns representantes da classe mdica,
tais consideraes podem indicar tanto pases (civilizaes) evoludos, quanto
classes sociais culturalmente melhor preparadas. Assim sendo, no creio que seja
casual a aluso classe mdica! Alis, ela um indicativo daquilo a que me referi h
pouco, ou seja, a permanncia de determinadas formas ou prticas no universo da
Educao Fsica. Refiro-me fora dos mdicos higienistas no sculo XIX e incio do
sculo XX e referncia a eles quase cem anos depois, feitas por DOliveira (Soares,
165
O desporto deve ser parte integrante de todo sistema educativo. O desporto afirma,
com efeito, o elemento compensador indispensvel s inibies da vida de hoje, ameaada
pelas conseqncias da industrializao, da urbanizao e da mecanizao. Ele se impem
como uma atividade especialmente adaptada s necessidades do mundo contemporneo. E
contribuir, no futuro, de maneira mais decisiva do que no passado, para a expanso do
homem e para sua melhor integrao social (Editorial, 1971: 7).
38
O texto, no corpo da Revista, no assinado. No sumrio aparecem as iniciais A.E.J. Diferentemente
de outros autores que consegui identificar com a leitura no todo da sria da Revista ou atravs do
cruzamento com outras fontes, o autor desse Editorial no foi identificado.
169
Observe-se que o homem nesse caso, o jovem precisa afirmar seus valores
humanos; e isso ele far atravs, tambm, da atividade fsica. O tom apologtico da
Educao Fsica aparece a seguir:
O importante que a Educao Fsica seja compreendida. O que coisa para ser feita
no em 10 dias, mas em 10 anos, quando pretendemos contar com uma gerao sadia e,
efetivamente, de grandes atletas (Editorial, 1972: 6).
transplante cultural, devemos ficar atentos para o fato no desprezvel de que havia
um conjunto bastante significativo de influncias externas na reorganizao da
Educao Fsica brasileira naquele perodo.
Essa vinculao bastante transparente num texto concebido como crtica
participao brasileira na Olimpada de Munique, em 1972. Para Ovdio Silveira de
Souza, autor do texto publicado na Revista n. 12 e membro do conselho editorial da
Revista, o fracasso da delegao brasileira nos Jogos Olmpicos de 1972 deveu-se
falta de estrutura da Educao Fsica brasileira. Apontando uma srie de indicadores
sociais (nutrio, habitao, sade, educao etc.) como de pssimo desenvolvimento
no Brasil, o autor ainda assim atribui Educao Fsica um papel importante no
desenvolvimento, como se ela subsistisse independente de outras condies sociais e
culturais:
A Educao Fsica uma causa nacional, cujos resultados podero dar ao brasileiro o
que algum j planejou para seu prprio povo: talhe mais delgado que grosso, gracioso,
musculatura flexvel, viso clara, pela s, agilidade, esperteza, direitura, entusiasmo, alegria,
fortaleza, imaginao, autodomnio, sinceridade, honestidade, pureza de pensamento e ao,
sentimento de honradez e de justia, complacncia, trazendo o amor de Deus em seu corao.
(...). Sejamos ns, professores de Educao Fsica, missionrios da grandeza do povo
brasileiro! (Becker, 1974: 49).
aquilo que herdaram. E dessa sntese entre o herdado e a sua agncia autnoma
consolidava-se a sua experincia (Thompson, 1981).
Assim, numa clara referncia educao integral, Saut (1974), na Revista n.
24, destaca a importncia da Educao Fsica para a adaptao social dos indivduos,
num artigo denominado O aspecto social de Educao Fsica:
Ainda que no se possa afirmar que a autora faz apologia do governo militar
brasileiro, o trabalho de Augusto ganha ainda mais relevo quando lembramos da
nfase das polticas governamentais de Educao Fsica sobre o incremento fsico,
material e humano da rea.
Esses ltimos trs extratos de textos do-nos uma dimenso daquilo que
alguns professores pensavam sobre a Educao Fsica nos idos dos anos 1960 e 1970.
174
entre os povos e, como no poderia deixar de ser num texto apologtico, com o
nacionalismo. Um exemplo tpico no novo higienismo que, como temos
acompanhado a partir dessas evidncias, no era to novo assim. Deve-se destacar
ainda, a importncia conferida Educao Fsica e aos esportes como um recurso
indispensvel poltica educacional, tanto quanto uma poltica de esportes. Esse
ponto no menor se considerarmos que os programas de Educao Fsica
desenvolveram-se ao longo dos anos 1970 de forma independente dos programas e
propostas educacionais, como atestam os programas da Rede Municipal de Ensino de
Curitiba (Curitiba, 1972).
Do ponto de vista oficial, o coronel Osny Vasconcelos, responsvel pelo
Editorial do nmero 33 da Revista, reitera a necessidade de domesticao dos
impulsos humanos e, para isso se refere ao Manifesto sobre o Fair-Play, de
responsabilidade da UNESCO, e publicado na ntegra no mesmo nmero da Revista.
Para a UNESCO
apresenta um corpo sadio e que ao mesmo tempo sabe utiliz-lo. Decorre disto algo
sumamente importante: a aceitao do corpo traz mais segurana e liberta a pessoa de
ansiedade qual poderia sentir-se presa.
(...) falta de exerccio, de uma vida ao ar livre, de sentir o sangue correr livremente
pelas nossas veias e sentir, ao mesmo tempo, nosso corpo desenvolver-se na sua
potencialidade. Um outro aspecto que impede o bom desenvolvimento da personalidade
humana est num exagerado narcisismo que oculta a falncia da inter-relao harmnica entre
a imagem do indivduo e o seu desenvolvimento corporal.
O conceito de 'corpo pessoal inclui as crenas que o ser humano possui sobre as
suas capacidades, assim como limitaes. Constri ao mesmo tempo um conceito de si
mesmo, dos outros homens e a importncia que isto tem para uma boa sade pessoal. Deste
modo, podemos dizer que a Educao Fsica promove uma melhor sade do ser humano
atravs dos diferentes aspectos educacionais levados a efeito nos esportes, nos jogos, nas
competies.
Os contatos fsicos, o desenvolvimento de todo o corpo, os exerccios de carat, ioga,
de anlises bioenergticas, assim como a especializao e treinamento do movimento humano
podem ampliar a viso mais significativa da pessoa humana. Como a beleza e a harmonia so
colocadas atravs da Educao Fsica como parte de uma educao global? Ao educar de
forma fsica, voc est contribuindo para a educao psquica. Nenhum tcnico desportivo ou
professor de Educao Fsica pode ser indiferente ante a sade total do seu atleta ou aluno.
Voc um promotor de sade (Mosquera, 1977: 56-7, grifo meu).
39
Essa orientao fundamenta-se principalmente em estudos de carter fenomenolgico, tendo como
nome de referncia, principalmente o do pensador francs Maurice Merleau-Ponty (ainda que no
exclusivamente). Exemplos desses trabalhos encontramos em Santin (1984), Moreira (1991),
Gonalves (1994). Um exemplo da influncia da psicologia nesse caso, rogeriana sobre a Educao
Fsica pode ser encontrado no trabalho de Oliveira (1985).
179
40
O nmero 40 da Revista traz a primeira parte do Curso de Psicomotricidade ministrado por Jean Le
Boulch, que foi a introduo dessa orientao metodolgica no Brasil. O nmero 41 traz a segunda
parte do curso, em cooperao com Renne Essioux. A psicomotricidade fincaria razes no s na
produo acadmica da Educao Fsica como na prtica pedaggica de muitos professores de
Educao Fsica, como veremos nos captulos seguintes. Se, por um lado, a psicomotricidade
representou uma alternativa excessiva tecnificao esportiva da Educao Fsica escolar, por outro
lado ela se fundamentava nos mesmos princpios que orientavam aquela perspectiva, exceo talvez,
nfase dada a competio e performance. Mas continuava tratando a Educao Fsica de um ponto de
vista prioritariamente antomo-fisiolgico (ainda que se propusesse multidisciplinar) e
individualizante, alm de se basear no desenvolvimento de tcnicas, tanto quanto a orientao anterior.
Dentro da vasta produo terica da e sobre a psicomotricidade, acredito que vale a pena conferir duas
obras: do prprio Le Boulch (1987) e numa outra perspectiva, a obra de Lapierre e Aucouturier (1986).
Vale a pena destacar ainda que esses ltimos autores identificam pelo menos cinco orientaes
diferentes no campo da psicomotricidade. Com relao Revista, a partir do nmero 40 at o seu
ltimo nmero (53), sempre haver em suas pginas trabalhos enfocando a psicomotricidade, o que
indica mais uma vez que a Educao Fsica brasileira, pelo menos a oficial, alinhava-se ao debate
180
Fsica infantil. Como j apontei, todos os nmeros da Revista a partir desse perodo
trazem artigos referentes psicomotricidade. Mas, por seu turno, esses trabalhos
nunca abrem mo da referncia explcita sade individual ou social. o caso, por
exemplo, do artigo de Pricles de Souza Cavalcanti, ento Secretrio de Educao
Fsica e Desportos do MEC, publicado na Revista n. 48:
mundial.
181
CAPTULO 5
41
O modelo piramidal, j anteriormente referido, criticado nas obras de Betti (1991), Bracht (1992),
Mariz de Oliveira (1988), entre outros.
187
O leitor pode obstar que muitos (no saberia precisar quantos) dos diretores de
Escolas de Educao Fsica poderiam ser militares. Esse no era o caso da Escola de
Educao Fsica e Desportos do Paran, por exemplo. Mesmo se assim fosse, esse
dado apenas reforaria um dos aspectos que tenho constantemente destacado neste
trabalho: o perodo por mim estudado foi de renovao sim, mas com a observao
necessria de ser um perodo fortemente marcado por vrias das influncias
constitutivas da Educao Fsica brasileira. Com isso quero destacar que a influncia
militar uma das marcas da constituio da Educao Fsica no Brasil, qui, no
Ocidente. Fatalmente a maior parte dos profissionais de Educao Fsica naquele
perodo era oriunda de uma formao marcada pelos ditames militares.42 Mas isso no
a mesma coisa que dizer que esses professores oriundos de uma formao militar
trabalhavam de acordo com os interesses do governo. Acredito ser necessrio
diferenciar as duas coisas. Muitos profissionais, ainda que com uma formao calcada
na Educao Fsica de orientao militar, no necessariamente acatavam ou seguiam
simplesmente as orientaes oriundas da DEF/MEC. Ao contrrio, acredito que os
rgos dirigentes da Educao Fsica brasileira souberam ler com rara felicidade o
momento de valorizao dessa prtica, a partir de uma interveno direta na realidade.
E essa interveno contava com a contribuio indispensvel dos professores de
Educao Fsica:
Quer-se dar ao professor de Educao Fsica a convico de que ele, por fora da
profisso, um condutor de jovens, um lder e no pode aceitar ser conduzido por minorias
ativas que intimidam, que ameaam e, s vezes, conseguem, pelo constrangimento, conduzir a
maioria acomodada, pacfica, ordeira.
E, por ltimo, um apelo: lanai-vos luta titnica, em que o Brasil se empenha, de
extirpao do tenebroso mal da ignorncia, dessa cegueira que assola milhes e milhes de
brasileiros, causadora de tantas outras mazelas. Dedicai-lhes, pelo menos, parte do vosso
esforo, do vosso amor, iluminai um pouco as trevas dos nossos irmos. Essa contribuio
tambm possvel no setor da Educao Fsica.
42
Ainda assim essa constatao precisa ser relativizada. Todos os professores por mim entrevistados
formaram-se pela mesma instituio, a Escola de Educao Fsica e Desportos do Paran, que daria
origem, em 1977, ao atual Departamento de Educao Fsica da Universidade Federal do Paran. A
influncia militar dentro dessa escola existia no contexto de inmeras outras influncias. Desde a sua
fundao em 1939, a Escola teve uma conformao basicamente civil, inclusive nos seus quadros
docentes. Dois dos professores entrevistados estiveram entre os primeiros alunos a se formar por essa
escola e uma das professoras entrevistadas fazia parte do primeiro corpo docente e relatou as tenses
constantes com os professores de orientao militar.
190
Fazer algum feliz merecer s-lo, j ensinava J. Rousseau (Ferreira, 1969: 14 - 15).
Na formao desses educadores a tnica deve ser posta na cultura geral, nos
conhecimentos cientficos e tcnicos fundamentais (dados que tm valor geral e permanente),
nas intenes educativas e no desenvolvimento do esprito cientfico. O estudo aprofundado
das tcnicas desportivas bastante variadas e constantemente modificadas deve ser olhado
como uma especializao livre, durante e aps os estudos gerais;
A Educao Fsica da criana deve ter um slido valor formativo e educativo, no se
limitando a uma simples 'recreao (...).
Utilizar os mais eficazes processos tcnicos e pedaggicos. Esta necessidade acentua
novamente a importncia de slida formao dos educadores e da pesquisa cientfica. Em
Educao Fsica, como em outras atividades, no se pode deixar o indivduo realizar prticas
sem sentido (Manifesto Mundial da Educao Fsica, 1971: 16 - 7).
... a lgica e a prudncia obrigam o educador a desconfiar das motivaes criadas pelo meio, e
a construir, ele prprio, motivaes a partir das necessidades biolgicas e psicolgicas
particulares dos alunos e em funo de perspectivas educacionais bem definidas. Neste quadro
a competio e a especializao desportivas podem e devem ser motivaes vlidas, mas
43
Para uma melhor compreenso das diversas motivaes que orientaram a poltica externa brasileira
nos anos da ditadura, nem sempre marcada por uma idia mecnica de transplante cultural, ver
193
apenas entre outras que no o sejam menos. o educador que deve fazer a escolha e no o
meio (com os desejos da criana suscitados pelo meio) a impor-lhas.
A "motivao desportiva" situa-se, assim, muito naturalmente, na grande corrente da
pedagogia moderna e isso que, para muitos educadores, a torna sedutora.
Manifesta-se, assim, a tendncia para 'girar volta da especialidade uma
educao pela especialidade e para a especialidade, o mesmo acontecendo em relao ao
desporto (como se no existissem outros objetivos para uma educao para a vida!). E pode
ainda admitir-se que, para certo nmero de educadores, pelo menos ( preciso ser realista), a
educao geral, a partir de uma tcnica particular, se transformaria, por fim, em ensino para a
especialidade. E isto, apesar das recomendaes expressas dos responsveis pela Educao
Fsica! Poderia admitir-se, em tal caso, o desaparecimento do conceito fundamental de
Educao Fsica, que educao geral por meio de atividades psicomotrizes. Ora, esta noo
essencial, porque, neste domnio como em muitos outros domnios educativos, a escolha dos
meios muitas vezes secundria, em relao ao esprito que anima a sua utilizao. S os bons
professores podero superar esta barreira inicial que ser, entretanto, tanto menos perigosa
quanto mais elevado for o nvel cientfico e pedaggico.
De qualquer modo, a condio mxima da eficcia da educao no reside,
propriamente, na escolha das motivaes, mas sim no valor cientfico, pedaggico e humano
do professor, o qual se colocar, assim, numa situao bastante favorvel para ser o mais til
possvel aos seus alunos (Seurin, 1971: 36 -7).
Recupero essa citao de Pierre Seurin por aquilo que ela tem de esclarecedor.
Seurin no deixa dvidas quanto ao papel atribudo ao professor dentro da perspectiva
dogmtica. O professor seria o centro do ato educativo pois, sendo conhecedor da
realidade e responsvel primeiro por ela, deve ser valorizado na sua formao e
atuao. Mais do que isso, como demonstra o texto acima, Seurin considera a
absolutizao do esporte nas aulas de Educao Fsica como um problema grave que
s tende a diminuir a importncia educativa da Educao Fsica escolar. Conclama os
professores a no se deixarem seduzir pela especializao esportiva no interior da
escola, considerando, j naquela poca, as facilidades que da decorreriam para os
professores e as nefastas conseqncias sobre a dimenso educativa da Educao
Fsica escolar. Contra isso Seurin reivindicava uma slida formao cientfica e
pedaggica para os professores, bem como a elevao do seu reconhecimento como
um educador. Mas, no caso brasileiro, no era isso que pensavam as autoridades da
Educao Fsica, aliadas, como j vimos, perspectiva pragmtica.
Vizentini (1998).
194
O MEC, acompanhando todo esse trabalho, tem sua programao voltada para uma
nova estrutura esportiva. Instruindo e ensinando a criana desde seus primeiros anos, atravs
de modernas tcnicas de comunicao, e atuando com uma Campanha Nacional de
Esclarecimento Desportivo, na sua fase experimental. Em muito depender do concurso dos
Professores de Educao Fsica, para que produza os efeitos para os quais est voltada:
despertar uma conscincia desportiva, divulgando conhecimentos bsicos em mbito
nacional. A Campanha Nacional de Esclarecimento Desportivo pretende ir ao encontro das
melhores aspiraes do Professor de Educao Fsica, mas tambm deseja receber a sua
colaborao. Entre as suas peas, encontra-se esta Revista, reformulada agora para
desempenhar um efetivo papel nesta fase. Vamos somar os esforos e confiar no que nosso.
Do professor de Educao Fsica aguardamos um desempenho destacado no quadro geral.
195
Esperamos muito dele, e, mais do que ns, esperam os jovens, os quais caminharo com maior
desenvoltura, se aprenderem a calar seus tnis desde cedo (Editorial, 1971: 6, grifos meus).
Sabemos que voc, o professor de Educao Fsica, ser o executante de uma tarefa
que no ganhar as manchetes e que, por to annima, se reveste de um significado ainda mais
transcendental. Mas sabemos que podemos contar com a sua participao (Marques, 1972: 5).
E, cientes da sua disposio, entre outras coisas, apresentamos ainda no ano passado
a reestruturao da sua Revista, desejando que a mesma venha constituir-se no verdadeiro
ponto de contato entre a classe, no que diga respeito difuso de conhecimentos tcnicos. A
sua experincia importante, e o que talvez lhe parea assunto rotineiro poder servir de
soluo para um companheiro. Atravs dessas pginas, tambm veicularemos artigos
internacionais, sempre que os mesmos tiverem interesse para ns no momento em que
partimos para a recuperao de um tempo passado, precisamos ter o nosso arsenal bem
municiado , e a sua Revista existe para isto: veiculando temas tcnicos, quer ser o ponto de
discusso dos mesmos, somando experincias, difundindo a experincia de cada um.
Acreditamos na necessidade da Revista para cobrir essa faixa, do mesmo modo que
acreditamos na necessidade das outras peas que integram a nossa linha de ao para garantir
a difuso de informaes tcnicas, aspecto bsico de uma reformulao da Educao Fsica.
Mas o fato de acreditarmos numa coisa no significa o acerto desta, e poderemos
estar errados esta Revista poder ser incua, mas s aceitaremos sua improdutividade no
momento em que no contarmos com a sua presena nestas pginas, quando os prprios
professores de Educao Fsica se desinteressarem por sua atividade a ponto de se ilharem
dentro da sua coletividade (Marques, 1972: 6 7, grifo meu).
professor de Educao Fsica (Carmo, 1982, 1985; Guiraldelli Jr., 1988; Mariz de
Oliveira, 1988; Ferreira, 1988; Carvalho de Freitas, 1991; Kunz, 1991; Bracht, 1992;
Coletivo de Autores, 1993; Oliveira, 1994). A pergunta que devemos fazer a
seguinte: que condies objetivas podemos inferir da experincia humana na histria
para defender a tese de que o acesso cultura (via educao) seja capaz de
desenvolver a conscincia humana? Na carta de intenes de alguns tericos percebe-
se muito mais a vontade de um mundo diferente do que um anlise acurada da histria
como campo de possibilidades, da cultura como uma luta poltica e de homens e
mulheres (professores) como sujeitos ainda que condicionados da sua prpria
histria. Com isso quero reafirmar que a histria como processo nos provoca muito
mais questes do que a insuficiente polarizao maniquesta entre conscincia e
alienao dos sujeitos histricos, nesse caso, os professores. Muitas das opes
cotidianas dos indivduos so feitas sem qualquer apelo acadmico, cientfico ou at
mesmo racional, como ensina Thompson, (1968 e 1998). A educao escolarizada, e a
Educao Fsica como uma de suas possibilidades, no tem qualquer relao
necessria e automtica entre experincia e conscincia. Ao contrrio, a educao
escolar pode desenvolver a conscincia desde que considere como ponto de partida a
experincia humana, em um movimento de dupla determinao (Thompson, 1968:
23). Como procurei mostrar na Introduo deste trabalho, essa perspectiva no
prpria ou exclusiva da Educao Fsica brasileira. Antes, ela representativa de uma
determinada forma de ler e escrever a histria da educao nesse pas.
Como uma mostra disso a que me refiro, reporto-me ao III Encontro de
Professores de Educao Fsica do Estado da Guanabara, realizado entre 30/06 e 2/07
de 1972, pela Associao do Professores de Educao Fsica do Estado da Guanabara.
Aquele encontro permite uma idia de qual era a postura profissional frente s
orientaes governamentais. Tendo como objetivo central do Encontro congregar os
professores de Educao Fsica num movimento de defesa dos interesses da classe
(Revista n. 13, 1973), numa referncia inequivocamente corporativa, possvel
perceber aquela entidade fazendo eco s polticas governamentais:
alegria, o prazer, a sade fsica e mental da infncia, da adolescncia e dos adultos (Soares,
1973: 35).
Para tanto, contaramos com voc, Professor de Educao Fsica, que melhor do que
ningum, sabe que a vitria importante, mas no tudo e nem verdadeiramente o mais
importante. Voc, Professor de Educao Fsica, que sabe e conhece que s a competio em
alto nvel benfica para o atleta, pode e deve comear o trabalho agora, mostrando que o
vencido hoje poder ser o vitorioso de amanh com muito mais tranqilidade do que aquele
que encastelar a vitria como propriedade cativa e necessria. Competir ainda importante, e
no podemos aceitar nenhuma outra concepo e isto no pode significar um abrandamento
na preparao, no quer dizer um descaso passivo nos treinamentos (Marques, 1972: 6).
(...) impensvel que nesta profunda refundio da educao, a educao fsica e o desporto
no encontrem o seu verdadeiro lugar.
necessrio ainda, certo, que aqueles que tm a se cargo essa formao tomem
conscincia do movimento de renovao educativa que se propaga atravs do mundo e se
elevem ao nvel das circunstncias. Chegou o momento de mostrarem, eles tambm, que so
mestres no sentido exato do termo, isto , portadores de mensagens e demonstradores de
exemplos capazes de MODELAR A VIDA (Maheu, 1973: 17, destaques no original).
Saber o desporto aproveitar as ocasies que assim se lhe oferecem para a profunda
reforma da educao que principia? Saber, enfim, desempenhar plenamente a sua funo na
formao individual e social do homem? No estou to certo disso como gostaria de estar,
porque, para isso, necessrio que tambm o desporto se reforme e no menos
profundamente, por duplo processo de retorno s suas fontes e de inveno contnua.
202
1971 e todo um aparato legislativo em torno dessa prtica cultural. Mas preciso
indagar se a Educao Fsica tinha um papel destacado na poltica desenvolvimentista
dos governos autoritrios ou era apenas uma das dimenses a serem contempladas
pela poltica setorial do Ministrio do Planejamento. Nesse caso, poderamos infirmar
a tese corrente na historiografia para a qual a Educao Fsica foi um elemento
estratgico na consolidao do regime. preciso analisar essa questo com cuidado.
De um lado, existia uma Comisso de Desportos das Foras Armadas CDFA,
vinculada ao Estado Maior das Foras Armadas, segundo DaCosta (1998). Por outro
lado, exceo de Jayr Jordo Ramos que pode ser considerado uma personagem
histrica da Educao Fsica brasileira, todos os demais militares que colaboravam
com a Revista eram detentores de baixas patentes. Como vimos no depoimento do
professor Lamartine Pereira DaCosta, militar da Marinha e membro da CDFA, alm
de o pessoal da Educao Fsica ser considerado um grupo parte, ele tambm era
considerado alienado. Ou seja, diante de evidncias to dspares preciso
reconhecer que a Educao Fsica talvez no tenha representado para os governos
militares um elemento to significativo assim na manuteno e consolidao do
regime. Se lembrarmos que um dos principais rgos internacionais da Educao
Fsica era justamente o Conselho Internacional de Desporto Militar (CISMI), alm da
histrica vinculao da Educao Fsica brasileira caserna, no creio que possamos
sustentar que os anos 1960 e 1970 tenham sido um perodo de uma interveno
privilegiada das Foras Armadas sobre a Educao Fsica. Novamente parece que a
fora da tradio fazia-se presente atrelada uma necessidade scio-cultural de
revalorizao da Educao Fsica. Assim, aquela revalorizao no teria sido gestada
pelos governos militares. Antes, aquele momento parece ter sido a sntese de um
conjunto muito mais amplo de determinaes conjunturais e histricas, muito bem
aproveitado pelos tcnicos do governo para implementar uma poltica setorial de
Educao Fsica, devidamente afinada com as perspectivas de desenvolvimento do
Brasil. Ou seja, no devemos inverter os termos da questo: a Educao Fsica, como
qualquer outra dimenso da cultura, est sujeita a avanos e retrocessos. A Educao
Fsica no foi submetida pelos governos ditatoriais brasileiros aos interesses do
capitalismo internacional, como corrente na literatura especializada em Educao
Fsica. Antes, o governo reorganizou, ou pelo menos tentou faz-lo, uma determinada
prtica cultural de acordo com um modelo que se hegemonizava no mundo inteiro,
206
preocupao central desse estudo. Mas como ficou evidenciado, a prtica dos
professores foi determinada em larga medida por suas experincias vitais mais
amplas. Da a necessidade de ouvir a voz do professor para alm das suas
experincias estritamente escolares (Goodson, 1995c: 69).
Alm disso, a partir da anlise da sua memria sobre as suas intervenes
cotidianas nas aulas de Educao Fsica, pretendi compreender como um determinado
nmero de professores da Educao Fsica da Rede Pblica Municipal de Curitiba nas
dcadas de 1970 e 1980 procedia a mediao entre a prtica cotidiana e as
formulaes dos programas oficiais.
Tambm foi importante saber se o professor conhecia e utilizava a Revista,
alm de ter acesso a outros impressos. Sendo a Revista minha fonte escrita
privilegiada, esse tipo de informao foi fundamental. Cruzando essas informaes
com aquelas obtidas na leitura da Revista e dos programas oficiais do perodo,
procurei construir uma interpretao, dentre tantas outras possveis, para aquilo que
alguns chamam de consolidao do modelo esportivo nas aulas de Educao Fsica
escolar no Brasil, a partir da realidade de alguns professores da Rede Pblica
Municipal de Curitiba.
Por fim, os roteiros procuraram nos permitir captar a interseo das histria de
vida com a histria da sociedade. Os desenvolvimentos dos depoentes acerca de temas
como a participao poltica, a ditadura militar, o autoritarismo, a organizao da
sociedade civil, entre outros, indicam compreenses ora precisas, ora difusas, tomadas
de posio muitas vezes bastante claras, e uma interpretao do processo histrico
como se esse fosse problema dos outros. Tambm nesse sentido o relato dos
professores est longe de ser unvoco.
O contexto das entrevistas foi o mais diverso: a maioria dos professores foi
entrevistada em suas casas, alguns em seus ambientes de trabalho e outros, nas
dependncias da Universidade Federal do Paran. Vale destacar que o local, o dia, e o
horrio foram sempre determinados previamente pelos prprios depoentes. Quanto
durao, ao tempo das entrevistas, ele foi se configurando em funo dos
desdobramentos dos prprios depoimentos, bem como em funo das necessidades
pessoais, particulares cansao, compromissos, emoo etc. dos depoentes. Todo o
desenvolvimento das entrevistas, desde a coleta do depoimento at o seu
processamento final (copidesque) foram executados por mim. A nica exceo diz
213
respeito transcrio da forma oral para a escrita, uma vez que, em funo do grande
volume de tempo despendido nessa tarefa, optei por lanar mo de um transcritor
free-lancer. Procedi, posteriormente a essa tarefa, a conferncia de fidelidade do
depoimento oral. Vale lembrar que todos os depoentes tiveram acesso ao seu
depoimento transcrito e assinaram uma carta de cesso de direitos sobre o mesmo.
Os professores foram escolhidos de forma aleatria, medida que seus nomes
apareciam nos programas escolares ou da Prefeitura Municipal de Curitiba, ou ainda,
na fala de outros professores. Como o presente trabalho pretendeu restringir-se
Educao Fsica escolar no mbito da ditadura militar, privilegiei professores que
concluram sua formao universitria entre o final dos anos 1960 e o incio dos 1970,
e que atuaram como professores ao longo dos anos 1970 e 1980, uma vez que o
incremento da Educao Fsica brasileira se deu a partir da reforma universitria de
1968, e da publicao da lei 5.692/71 e do decreto 69.450/71. Esse aspecto pode
parecer contraditrio luz do que foi exposto no incio desse trabalho, acerca das
anlises em torno da legislao. Mas fato aceito pela historiografia o incremento da
Educao Fsica nesse perodo. Um dos meus objetivos foi justamente investigar at
que ponto esse processo se deu de forma vertical ou foi conseqncia da configurao
de campos de fora nem sempre to claros. A ntegra do depoimento do professor
Lamartine Pereira DaCosta (1998) poder ajudar na compreenso de algumas das
tenses postas naquele momento, a partir da tica de algum que atuava por dentro da
mquina estatal.
Em Curitiba (Paran), como a Rede Municipal de Ensino comeava a se
configurar e nela a Educao Fsica estava em processo de implantao, no eram
muitos os professores que atuavam junto s escolas municipais. Tanto que o
primeiro concurso pblico municipal para a rea ocorreu em 1972. Assim, optei por
privilegiar aqueles professores que chegaram rede municipal atravs de concurso,
uma vez que no so claros os processos anteriores de contratao de professores pela
prefeitura. Com isso quero enfatizar que existiam ainda que poucos professores de
Educao Fsica na PMC antes do perodo aqui estudado. A diferena desses para os
por mim entrevistados residia justamente no fato dos depoentes terem feito carreira
como professores da rede municipal.
Mas logo ficou claro que o professor tpico da rede municipal praticamente
no existiu. Alm do fato bvio de o professor escolar trabalhar normalmente em mais
214
44
Consegui localizar dois outros professores que se enquadravam nessa situao de vnculo exclusivo
com a Educao Fsica escolar e com a PMC, mas eles no se dispuseram a conceder depoimento.
215
4 de professores universitrios:
- Darcy Olavo Woellner;
- Diva de Almeida;
- Halina Marcinowska e
- Julio Lubachevski;
217
mesma maneira que ocorre com os documentos escritos. Portanto, ao longo desse
captulo no trabalhei nem com a infalibilidade do depoimento oral, nem com sua
pretensa impropriedade. Tendo optado por cruzar fontes de diferentes naturezas
(Thompson, 1992: 302), creio ter sido possvel partir do resgate que os professores
fizeram da sua experincia, assumindo o sentido amplo da sua representao, como
aquilo que foi apreendido por eles na sua memria, no seu pensamento e por que
no? na sua imaginao. Assim, a anlise cruzada, em que ...a evidncia oral
tratada como fonte de informaes a partir da qual se organiza um texto expositivo
(Thompson, 1992: 304), permitiu a articulao de trs nveis de discurso: o discurso
do Estado, representado pela poltica de Educao Fsica para o perodo, o discurso
acadmico, juntamente com o anterior, manifesto nas pginas da Revista, e o discurso
dos agentes do ensino, os professores escolares. Um dos objetivos do roteiro de
entrevistas elaborado foi apanhar aproximaes, dissenses, integraes ou rupturas,
enfim, a (possvel) articulao desses trs nveis discursivos.
Alm disso, necessrio destacar que o depoimento oral submetido a uma
transcrio, perde parte de sua fora como tal. Mesmo assim, tendo sido o responsvel
por todas as fases do processamento das entrevistas, julgo poder ter mantido parte da
sua fora documental original. Nesse sentido, o que discutirei a seguir parte do
contedo dos depoimentos orais transcritos, e no os depoimentos orais em si,
conforme as exigncias desse estudo. Portanto, no farei consideraes aqui sobre as
convenes lingsticas por mim adotadas na transcrio dos depoimentos, por julgar
que essas consideraes no contribuiriam significativamente com o meu trabalho,
alm de poderem cansar o leitor. Mas o leitor poder conhecer os procedimentos por
mim adotados quando tiver acesso ao contedo integral dos depoimentos no CD-
ROM em anexo. Mas ainda assim preciso uma palavra sobre a maneira de citar os
depoimentos.
No foi fcil decidir sobre essas questes. Quanto sua extenso, o leitor
poder surpreender-se com citaes que s vezes ocupam pginas seguidas. Mas optei
em transcrever trechos to longos dos depoimentos na tentativa de oferecer ao leitor
uma perspectiva mais ampla do contexto dos mesmos, com o fluxo o mais
aproximado possvel do prprio discurso do depoente. No foi minha inteno
interpretar cada elemento agregado pelo entrevistado ao longo do seu depoimento. De
cada trecho escolhido discuti apenas aqueles elementos que considerei vitais para a
219
CAPTULO 1
A Educao Fsica foi integrada no currculo escolar de nvel primrio em nosso pas
com o advento da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional. Entretanto, foi atribuda
inteira liberdade aos professores para ministrarem novas tcnicas de sua livre escolha, de
acordo com as preferncias, as possibilidades profissionais, o material e a instalao
adequada.
Comumente, em algumas escolas, os professores elaboram o programa de Educao
Fsica sem uma finalidade, ficando as crianas limitadas a um punhado de jogos, sem
planejamento e sem objetivos, como simples recreao.
Um programa bem planejado permite que as crianas trabalhem em constante
cooperao; estimula nos alunos qualidades de liderana, desenvolvimento de vrias
habilidades, sade, e de uma srie de atividades, sem recair na monotonia. Havendo
progresso pedaggica, biologicamente adequada a cada faixa etria do desenvolvimento
infantil, a criana nunca se sentir desencorajada em face de qualquer obstculo (...).
O educador fsico dispe, com efeito, de uma numerosa variedade de disciplinas
desportivas utilitrias, ginsticas ou estticas que se inserem totalmente nas relaes da
criana com seu mundo (Barros e Barros, 1970: 34-5).
221
No ano de 1970 ainda no havia uma proposta curricular elaborada pela PMC
para as escolas da Rede Municipal. Os documentos que consegui localizar dizem
respeito a planos de ensino de Educao Fsica de trs Unidades Educacionais. So
elas o Centro Comunitrio Joo XXIII, o Centro Comunitrio Isolda Schmid e o
Centro Educacional da Vila Nossa Senhora da Luz. Todos eles se referem s sees
de recreao orientada. Esses documentos foram reunidos em um volume e
arquivados no Arquivo da Secretaria Municipal de Educao.45
Os Planos de Curso para o 1 semestre de 1970 trazem-nos alguns indcios
significativos:
Ainda que haja uma nfase sobre a sade como fator a ser desenvolvido,
permanece tambm nos textos acima uma preocupao com o tempo livre, com uma
vida ao ar livre e prxima natureza. Essas dimenses no so desprezveis se
considerarmos que esses elementos so enfatizados constantemente pelos defensores
da perspectiva dogmtica de Educao Fsica. Essa mesma perspectiva que, como
vimos, destaca a necessidade de uma educao integral da criana.
45
Segundo o Programa de Educao do Departamento de Bem Estar Social da Diretoria de Educao
da Prefeitura Municipal de Curitiba de 1979, existiam, at 1971, dez escolas no municpio. Assim
sendo, e considerando o programa das trs escolas citadas, fica a questo em aberto acerca dos
programas das demais escolas: ou eles no existiam, ou foram extraviados.
222
Iniciamos este ano letivo, com esperanas de melhoria em nossos trabalhos pois
sabido que esta seco tem as suas atividades condicionadas s limitaes do local que alm
de imprprio (p, lama, acidentes de terreno), acanhado, sem instalaes para qualquer
modalidade. Felizmente, as crianas aceitam com prazer tudo que se lhes oferece e aceitam a
Educao Fsica com grande prazer tambm.
Podemos, atravs de improvisao e adaptaes, dar aulas contando com o material
didtico, de ginstica, pequenos jogos, algumas modalidades de atletismo, utilizando os
224
terrenos vizinhos, ruas de pouco movimento, gramados, porm, com riscos de acidentes e com
pouca motivao pois tambm no h possibilidade de organizao de campeonatos e
torneios. O plano que se segue foi elaborado contando com os nossos atuais meios, podendo
ser alterado, uma vez que esto em andamento, as obras necessrias para o funcionamento
normal da seco. No pode haver produo, sem que haja um planejamento e por isto apesar
de tudo procuramos evitar e superar a rotina. (Curitiba, 1970: 1).
apenas consideraes de ordem tcnica (objetivos). Mas, ainda assim, o programa nos
deixa uma pista, que so as suas consideraes finais:
Este plano s poder ser realizado desde que conte-se com elementos capacitados,
em nmero suficiente em relao ao nmero de alunos e turmas existentes. Apresentamos
portanto as seguintes justificativas: a) as aulas devero ser de no mnimo duas (2) por semana
para cada turma; b) no calendrio no apresentamos o relacionamento dos dias, nem totais de
aulas durante o ano, nem por unidade, nem mesmo horrio, uma vez que seriam irreais; j que
estes dados vo variar de acordo com a disponibilidade e nmero de professores disponveis
por turno (1970, s/p).
Cvico. Ento era uma reunio enorme: crianas vestidas de azul e branco. E havia uma
competio muito grande entre as escolas. E eu sempre fui habituada desde cedo a fazer o
melhor possvel, porque eu tinha que defender a escola. Era a professora rica. Eu lembro que
ela era durona, bem sargento. Ela fazia a gente marchar contra o sol porque ela dizia que na
hora da marcha, se o nosso grupo casse na posio que estivesse de frente ao sol, ns jamais
poderamos baixar a cabea. Ns tnhamos que marchar olhando para o sol! Ento eu lembro
muito disso, daquele alinhamento, daquele perfilamento, aquela organizao; foram muito
fortes. E a bem da verdade, Marcus, era interessante na minha cabea porque eu vivia em um
caos. Eu havia sado do seio familiar, perdido meu pai, ido e voltado para a minha av. Depois
eu tive que me adaptar a outro espao que era meu, mas no era meu. E depois fui para uma
escola que era mais catica ainda, que no era meu espao, era completamente diferente de
mim: pensavam diferente, falavam diferente, comiam diferente. Para voc ter uma idia eles
comiam coisas muito mais para o azedo e ns no tnhamos esse hbito. E eu estava nessa
outra escola que era um caos maior. A bem da verdade, a minha noo de organizao era
muito catica. E essa forma que a professora rica fazia comeou a me dar uma noo de
organizao. Que coisa louca, no ? E eu me lembro que ela impunha, fazia aquela
manipulao toda, porque quem marchar melhor vai ficar com o melhor chapeuzinho. Era
um detalhe: Vai ganhar o broche da escola. Enfim, aquela manipulao que se faz para a
criana. E eu respondia a essas manipulaes. Eu era uma criana que queria, que competia
para ficar entre as melhores. E eu fui selecionada para marchar; fui escolhida para ser o
manequim do uniforme. Era a maior festa: poder sair da escola para provar o chapeuzinho. Na
minha cabea era o modelo de chapu, de feltro, no sei o qu; a saia: comprimento; a bota,
aquela coisa! Para mim era a maior festa. claro, eu manipulei e respondi manipulao dela.
E ganhei com isso: comecei a me abrir para um outro mundo, conheci outras coisas fora.
Essa foi a primeira noo de uma Educao Fsica mais regrada, mais sistematizada, mais
normatizada. E uma outra coisa que a gente teve, por mais catica que tenham sido as escolas,
a gente sempre teve brinquedo. Em todas as escolas. A gente brincava muito. Eu fui uma
menina que viveu na ntegra toda a histria dos brinquedos tradicionais. E muito raro
algum me falar de um brinquedo que seja dessa regio aqui, do Paran, de Santa Catarina,
que eu no tenha vivido na minha infncia, que eu no tenha brincado. Das cinco marias ao
bete-ombro, sei l. Tudo o que voc pode imaginar a gente viveu. E foram muito ricas as
minhas experincias psicomotoras nessa fase, e eu me dava muito bem com isso. Quando eu
saio dessa escola, porque eu tinha um bom rendimento, para vir estudar em uma outra escola...
Ali eu tive uma Educao Fsica mais normatizada. Eu comecei a ter coisas diferentes na aula
de Educao Fsica. E a o fato de ser um homem o professor de Educao Fsica. E era um
homem muito bonito. Muito bonito em todos os sentidos: fisicamente... E era absolutamente
bondoso conosco, muito delicado, muito amoroso com as crianas. Era uma aula muito
gostosa. E com ele eu comecei a ter as primeiras noes de esporte e comecei a me destacar no
atletismo, embora no tivesse estatura, nada. Mas houve uma poca em que eu saltava em
extenso muito bem.
227
Passei um ano tendo aula com esse professor e nos anos consecutivos, comecei a ter
uma professora. E foi ela que me definiu para a Educao Fsica. Foi a professora Terezinha
Nicole. Com certeza! Eu j tinha todo esse... Eu tinha uma parte motora muito boa, eu me
destacava ali tambm, e ela foi me incentivando, me incentivando e eu comecei a me apropriar
de umas coisas do esporte. E quando eu fui fazer Educao Fsica ela foi a referncia para
mim.
que existe em muitas escolas pela periferia: a criana no tem oportunidade, depois de
terminar a sua aula, de tomar um banho; pelo menos lavar o seu rosto, dar uma refrescada,
molhar o seu cabelo, pentear. Ela entra na sala suada, as professoras acham ruim; e a mesma
coisa! Mas foi evoluindo.
E ainda sobre esse meu tempo de garoto de colgio: eu lembro que a gente s jogava
futebol de salo. Ento o professor chegou no final do ano e falou: Hoje tem prova de
Educao Fsica!. E a eu pensei, como eu era goleiro: Vo mandar algum chutar e eu vou
defender. Se eu deixar passar, tiro 5; se eu defender tudo, 10!. Que nada! O homem
mandou a gente subir corda: eu nunca tinha tentado subir uma corda! Tanto verdade que
quando eu desci a minha mo ficou toda ferida; porque queimou, mesmo! No sabia nem
como subir, imagine como descer! E subir em tronco: tinha um tronco em que a gente se
encostava na hora do recreio, tipo um cavalo de pau. O professor dizia: Quem passar se
equilibrando naquele tronco tem uma mdia. E a fazer os exerccios de equilbrio em uma
barra de ferro que tinha l: nunca pediram para gente fazer um equilbrio ali, nem se pendurar!
Ningum conseguia colocar o pescoo at a barra. Tudo isso foi feito assim... aquela tal
histria: tem que ter uma nota!
E leva o aluno ao sacrifcio. Quem sabia fazer... Lgico, sempre tem aqueles mais
dotados. Quem no sabia fazer levava nota baixa. Tambm, voc veja que por a no avaliava,
no tinha parmetro nenhum da sua condio fsica. Voc no sabia: Por que eu fiz aquilo?
Por que tive que subir na corda? Porque eu tive que passar aquele cavalo de pau? Por que eu
tive que fazer aquele equilbrio?. No tinha razo! E voc s jogava futebol! No via razo
nenhuma para ser feito aquilo. Depois, mais tarde, em um grande colgio de Curitiba, eu
estudei noite. E noite a gente era isento de Educao Fsica. O trabalho que a gente fazia
era levar uma bola de meia e na hora do recreio jogar embaixo da marquise do colgio. E
assim foram as aulas de Educao Fsica em colgio. Eu quase praticamente no tinha. Era
aquela que a gente inventava, que o guri ainda hoje inventa na rua, no ptio do colgio. No
tinha direo nenhuma a aula de Educao Fsica. Mas no desvalorizo, no! Porque ali
comeou...
Veja bem: eu vou me reportar antes da Lei, porque na poca eu estava na faculdade,
eu era aluno. Eu me lembro que no ginsio, no Caetano Munhoz da Rocha era s esporte. A
gente praticava muito esporte. Ns fazamos ainda aquele teste de suficincia fsica, dos
militares, aqueles cinco exerccios! E era muito esporte! Ns tnhamos muito pouco...; no
existiam professores formados, meu professor era leigo. Professores leigos! Ento realmente
era esporte.
Depois da Escola de Educao Fsica passar por uma srie de situaes difceis o
que eu digo hoje, que muitos se queixam da Educao Fsica mas ns passamos por uma
verdadeira apoteose. Porque a Educao Fsica na minha poca estava funcionando com um
currculo de trs anos. Funcionava naquela pracinha que tem ali, do Inter Americano, bem na
esquina. Tinha a casa de uma secretria do curso, que era a professora Jeroslava. Ali tinha a
232
E a faculdade estava passando assim, por um perodo, acredito, meio difcil. Ento
esses professores se formavam e eram contratados para trabalhar com os professores da
disciplina: alunos que se destacavam e tal. E era difcil porque no tinham aquele preparo.
Atletismo, por exemplo, tambm era uma matria que eu tive diversos professores. E alguns
muito bons at, que no eram professores, eram alunos recm-formados que pegaram a
disciplina e se saram melhor que os professores. E assim terminei a faculdade a trancos e
barrancos, sem ter muito destaque. Eu tenho colegas, por exemplo, que ficaram na
233
universidade, da universidade passaram para a Federal, que foi incorporada e hoje tem assim,
um trabalho bem rico na parte esportiva, mesmo.
Voc veja: a questo de momento. Ali que voc d certas guinadas na sua vida.
Foi considerada uma prova dificlima e poucos restaram para fazer as outras provas; se eu
passo ali, havia grandessssimas possibilidades de eu passar em engenharia e hoje ser
engenheiro. Um amigo meu tambm reprovou, no passou nessa prvia: Vamos fazer
Educao Fsica?. Eu disse: O qu? Fazer Educao Fsica? Escolinha Wallita? (sic!). Era
conhecida a Escola de Educao Fsica, naquela poca, que pertencia ao estado, Escola de
Educao Fsica do Estado do Paran, como Escolinha Wallita (sic!). Eu fazer Educao
Fsica? Em primeiro lugar.... Voc veja: eu tinha uma mentalidade de que era um curso de
segunda categoria! (...).
A fiz o curso na ex-Escola de Educao Fsica. Eram trs anos naquela poca. Fiz
um bom curso, comecei a me interessar pelas coisas da Educao Fsica, mas era um curso
tecnicista. Muito tecnicista: muito voltado para o desporto, para o rendimento, o treinamento.
E eu j era fruto disso, porque era atleta. Fiz o curso, tudo bem, veio bem ao encontro do que
eu j fazia anteriormente, estava achando sensacional o curso. Naquela poca houve mudanas
na direo, porque at ento eram professores tradicionais de Educao Fsica que eram
diretores, e entrou um mdico como diretor com idias meio revolucionrias, digamos.
Primeiro, ele queria mudar a imagem da Educao Fsica. Ele achou que tinha que trazer
sangue novo, pensamentos novos; queria fazer o curso de Educao Fsica ser mais
conhecido e at foi muito para o lado desportivo. Tanto que ele fez questo que ns
fossemos campees, no ano que ele assumiu, nos Jogos Universitrios, que naquela poca,
fazendo aqui um parnteses, eram maravilhosos, muito motivantes. Eram a Engenharia, a
Medicina da Federal, os cursos bicho-papo dos jogos; depois os outros cursos, sempre
brigando por colocaes secundrias. Educao Fsica saa-se bem em um ou outro desporto,
ficando sempre l atrs. E ele fez questo: Ns temos que ganhar estes jogos! .
46
Na Revista n. 22, de 1974, o professor espanhol Jos Maria Cagigal prope a substituio do termo
235
O professor graduado era uma das exigncias da poca. E no parece ter sido
uma prerrogativa exclusiva da Educao Fsica. A historiografia tem destacado as
campanhas pela expanso das vagas no ensino superior como uma das bandeiras de
luta da dcada de 1960, campanhas que redundariam na Reforma Universitria de
1968 (Cunha, 1983). Mas independente das questes mais amplas, o professor de
Educao Fsica buscava afirmar-se mesmo diante da sociedade. Na continuidade do
seu depoimento a professora Hermnia afirma:
A partir da nossa turma de 68 e 69 que a Educao Fsica teve um auge, subiu. Ela
foi muito dinamizada. At a as escolas particulares tinham uma vez por semana, e as escolas
estaduais tinham duas vezes por semana. E em algumas escolas de 1 a 4 tinha um ou outro
professor que dava atividades, mas no havia uma consistncia de ter Educao Fsica. A
nossa turma lutou e conseguiu aumentar o nmero de aulas, inclusive. O que a dor de
cotovelo de muitos professores, porque algumas matrias no conseguiram aumentar o nmero
de aulas e a Educao Fsica passou a ter trs vezes por semana; e em colgio particular duas
(...).
E ns mudamos muitos hbitos. Quando eu comecei a dar aula, a freira, a irm dizia:
Meu deus, voc vem assim dar Educao Fsica? A antiga professora vinha de saia e sapato
de salto!. Mas como que vai dar a prtica? A gente tem que estar preparada para dar a
prtica!. E os uniformes de Educao Fsica eram bermudas agarradssimas, com zper. Os
alunos no tinham mobilidade. Ento era uma briga, porque eu queria mudar.
Mas naquela poca as confeces que faziam para os colgios particulares eu dei
aula no N. S. Esperana e no N. S. de Lourdes no queriam ceder, porque achavam que
aquilo que elas idealizaram... E depois eles tinham muita coisa para vender para os alunos, no
? Uma bermudinha de zper arrebentava e machucava a menina. E ns mudamos muita coisa!
Pode reparar que os alunos comearam a usar moletom e malhas a partir dessa poca. A gente
andava na rua e o pessoal olhava para gente: Credo!. E eu ainda me lembro, grvida, de
uniforme de Educao Fsica. A gente chamava a ateno, porque ningum... Porque as
mulheres quase no usavam cala comprida. Imagine voc usar uniforme agarrado! Mesmo
que fosse soltinho, estava mostrando meio agarrado. (...) s usava agasalho na rua o aluno de
Educao Fsica. E eram mal vistos. Os alunos de Educao Fsica eram mal vistos. Na poca
eles falavam muito mal do alunos de Educao Fsica (...).
Porque achavam que moa que fazia Educao Fsica era, voc sabe, mulher de programa. E
era o contrrio! Porque ns ficvamos l no Tarum, fechadas, e elas aqui no centro, nas
outras faculdades. E aqui a oportunidade era bem maior, para as moas. Ento ramos mal
vistas, na poca.
depois fiz uma tcnica em recreao. Havia um certo confronto entre essas orientaes; no se
sabia se a recreao poderia ser entendida como uma tcnica, porque a tcnica estava
condicionada ao esporte.
A tenso era, ento, entre aquilo que era esportivo e aquilo que no o era. No
seria a recreao, naquele perodo, representativa do que era o velho? Os
depoimentos de alguns professores indicam que as atividades recreativas eram
recorrentes nas aulas de Educao Fsica quando essas aconteciam e conviviam
aparentemente sem muitos problemas com as atividades esportivas. O mesmo
pudemos observar em relao aos programas escolares localizados.
Estava em curso um processo de afirmao de algumas reas acadmicas j
tradicionais e a emergncia de outras. No caso da Educao Fsica, expandia-se
tambm a necessidade do seu reconhecimento como rea autnoma, capaz de
desvincular-se das suas amarras histricas, pelo que possvel inferir do depoimento
do professor Lamartine Pereira DaCosta:
melhor sobre isso. Ele tambm partiu para desmitificar essas coisas. Foi mais um momento de
desmitificao e no de criatividade, de elementos cientficos que revolucionariam a Educao
Fsica. Essa tendncia j era potencialmente estabelecida. Outro momento: os anos 70. Os
anos 70 so mais a descoberta do saber. A autonomia j estava mais clara (...).
O governo militar tem muitas crticas, mas tem algumas coisas interessantes. Esta
talvez seja a melhor. Essa frase no minha, do Affonso Romano de SantAnna, esse da
literatura: foi mandado pessoal para o estrangeiro. Nunca se distribuiu tantas bolsas como
naquela poca, no verdade? (...).
Mas se existiu alguma contribuio de algumas pessoas importantes e eu me incluo
entre elas, evidentemente porque queriam que ns tivssemos um saber prprio. Quer
dizer, l naquela revistinha, o Boletim Tcnico Informativo, j era isso a. Embora no fosse
totalmente delineado. Ns pensvamos que era uma escola e no era. Era autonomia. Quando
voc compara com outros pases a mesma coisa. Agora ns j temos meios de fazer
comparaes. Eu mesmo tenho vrios trabalhos que mostram isso. At na Alemanha assim.
Ento, esse fenmeno ocorreu muito bem no Brasil e tambm com algumas influncia
institucionais e mercadolgicas. Houve o crescimento da economia em alguns momentos, o
famoso boom econmico dos anos 70, creditado ao governo militar. O governo militar, como
tudo no Brasil, foi ambguo. Teve um momento que subiu... Ele mesmo subiu e ele mesmo
destruiu, demonstrando o perigo das ditaduras. E as ditaduras so muito assim. Mas de
qualquer forma houve um crescimento econmico e no bojo dela houve o crescimento do
esporte. Com isso ns vamos ver que o Diagnstico mostra o crescimento exagerado dessas
escolas e a merda que iria dar. E que est a. Acertou em cheio! Alis, o acertos das previses
l foram de 90%. Eu mesmo fico admirado com isso, se normal. No que ele tenha sido to
bem feito. Houve um certo sentimento que mostrou onde estavam os defeitos e depois eles
afloraram mais nitidamente naquela experincia.
importante entender que, se temos que tomar alguns cuidados quando falamos de uma
renovao da Educao Fsica brasileira no final dos anos 1960 e incio dos 1970,
alguma coisa mudou na forma de conceber a sua importncia no interior das escolas.
E esse movimento no se deu sem o consrcio do professor de Educao Fsica. o
que sugere um depoente que no foi atleta ou militar, o professor Evaldo Kerkoski:
Graas ao... Muitos falam mal. Mas eu ainda acho que graas ao militarismo daquele
perodo de represso que ns tivemos, da Revoluo de 64 e da para frente, a Educao Fsica
comeou a ser olhada com outros ngulos. O governo talvez pensando: Puxa, ns temos que
mostrar o poder do povo atravs do esporte, atravs do vigor fsico. A comeou o pessoal a
pensar... No meu pensamento isso, no ?
Eu via assim. Da que comearam as autoridades... Comearam a observar que pelo
esporte, pela Educao Fsica, o pas poderia ser beneficiado. Eu penso que o esporte hoje em
dia, apesar de no Brasil ainda estar engatinhando, o esporte que leva informao da cultura
do povo, do vigor do povo, da alegria do povo; quando falo povo, falo povo brasileiro, no ?
Povo que eu... [Nesse momento o professor emociona-se e comea chorar. Ele retira-se por
alguns minutos. Quando volta, desculpa-se e pede que reiniciemos a gravao] (...).
Eu nunca tinha ouvido falar em salto em altura, salto em distncia, arremesso de
peso, corrida longa, corrida curta, corrida de velocidade; nunca tinha ouvido falar. E ali eu
aprendi e comecei a aplicar o atletismo como a primeira matria como professor formado,
recm-formado em Educao Fsica, no Colgio Papa Joo XXIII. E l formei uma grande
equipe de atletismo. E tambm como eu gostava de futebol, formei uma equipezinha de
futebol e estava comeando o handebol na Rede Municipal.
O meu chefe me encaminha para uma escola no bairro do Atuba, Vila Nova
Esperana: Escola Ansio Teixeira. E eu me lembro muito bem, foi no ano de 73, quando eu
me apresentei, e a diretora falou assim para mim: Vamos ver se esse ano a Educao Fsica
vai ser dada, porque at agora, s porcaria....
Ela fazia aluso a algum que tinha estado l e no teria desempenhado um bom
papel. E aquilo ali foi uma injeo para mim, porque eu j vinha de um ano com muitas
atividades. E foi uma injeo para mim. E eu comecei a trabalhar Educao Fsica nessa
escola da Prefeitura e me lembro que eu no tinha espao. Era terra, no tinha nada. Era um
ptio de terra, o terreno irregular; se quisesse dar alguma coisa de corrida tinha que ir para
fora do colgio. Tinha uma rua com asfalto em frente, tinha um bosque ao longe, muito
bonito, e um grande campo de futebol. E ali eu fazia minha atividades. Mas dentro da escola
eu comecei a treinar voleibol com bolinha de borracha n. 10, essas bolinhas de ginstica
rtmica desportiva. Comecei a treinar voleibol no paredo e comecei a inventar exerccios para
treinar o voleibol. E de repente eu montei uma equipe. Veja voc: a minha equipe tinha sete
jogadoras. S sete! Dentre todas as meninas do colgio eu consegui descobrir sete meninas
240
para formar uma equipe. E com a cara e a coragem fomos disputar os Jogos, Primeiros Jogos
Infantis do Municpio de Curitiba. Para quem no sabe, foram realizados na Escola Omar
Sabbag em 1973. E l ns fomos campees no voleibol feminino com sete; uma s no banco!
CAPTULO 2
241
Marcel Proust
47
O Programa de Educao Fsica por Temporada empresta sua denominao das competies
esportivas. Refere-se a uma forma de organizao do trabalho pedaggico de Educao Fsica em que,
a cada perodo de tempo (ms, bimestre, trimestre ou outros) se desenvolve uma determinada
modalidade esportiva. Da resultou a tradicional forma de organizao da Educao Fsica escolar, to
em voga ainda hoje, de trabalhar uma modalidade esportiva em cada um dos quatro bimestres letivos
do ano. Essa forma de organizao da Educao Fsica escolar contribuiu, indiscutivelmente, para a
reduo da sua amplitude temtica (de contedos) para algo em torno de meia dzia de modalidades
esportivas que, por sua vez, aparecem nos programas escolares sem nenhum critrio predefinido. No
raro, so determinadas pelo maior um menor conhecimento tcnico que o professor tem dessas
modalidades.
243
referncia feita sequer possibilidade dos indivduos fazerem opes prprias. Ele
constantemente concebido como um ente abstrato que conta com o zelo do poder
pblico no seu vir a ser. Tanto o professor quanto o aluno so considerados nessa
perspectiva, ainda que o primeiro esteja, na verdade, sendo reeducado. A Educao
Fsica s pode ser eficaz, significativa, se atender a esse postulado da formao moral
do homem para a vida. Nesse caso, a vida pressupe a sociedade equilibrada,
harmonizada. A Educao Fsica cumprir seu papel de uma maneira assumidamente
utilitria pelos autores do Programa.
sendo, no um fim, mas um meio, a partir desta data est fazendo parte de um plano de
mbito Municipal.
Desta forma pretendemos acabar por vez com o regime de improvisao dentro das
escolas municipais, fornecendo orientao educacional sistemtica, formal e organizada
dentro da conceituao moderna48 da educao. (Curitiba, 1972: 18, destaque no original).
48
No texto original encontramos o seguinte trecho: ...dentro da conceituao modo na da educao.
Isso no faz qualquer sentido. Como o texto traz inmeros outros erros ortogrficos, de pontuao e de
datilografia, e considerando ainda a recorrncia ao conceito moderno de educao, transcrevi esse
247
Ento, ali fui, vamos dizer assim, o primeiro coordenador pedaggico. Eu comecei a
fazer visita nas escolas, reunies com os professores de Educao Fsica; at ento s existia
algum trabalho do professor Braulio Zanoto. Ele escreveu uma proposta de Educao Fsica
para as escolas municipais. Ele fez esta escrita; ele, o professor Haroldo Pacheco e o prprio
professor Renato Werneck participou, o professor Adilson Seixas e alguns professores
participaram. E este documento chegou na minha mo logo que eu assumi. Eu me lembro que
foi o primeiro documento que o professor Renato Werneck me passou: Olhe, disse, voc
estude esse trabalho. Voc comece a pesquisar! E, coincidentemente com a 5.692, a lei tinha
recentemente sido introduzida, foi aquela revoluo na educao. Era o governo militar
tomando a todo vapor; e a gente comeou j a ter que buscar, pesquisar esta lei. E da, em
seguida, saiu o decreto 69.450/71 que regulamentava a Educao Fsica e que amarrou,
engessou, vamos dizer, a Educao Fsica. Ento, a partir dali, a gente tinha que seguir aquela
regulamentao que era a nvel nacional. E foi quando comearam a surgir os primeiros livros
que traziam alguma coisa sobre as aulas de Educao Fsica por mdulos. A gente comeou a
estudar aquilo ali. E de posse deste documento do professor Braulio e mais estas idias de
estudos e alguns seminrios e cursos que fizemos, a gente comeou a pensar num documento,
num documento nico. Naquela poca eram apenas cinco escolas na Prefeitura; depois passou
para nove, onze. A a gente pensou o seguinte: vamos fazer um documento nico em que
todas as escolas trabalhassem a partir daquele documento: se l no Papa Joo XXIII
estivessem trabalhando basquete, deveria ser trabalhado tambm no Omar Sabbag, na Vila
Nossa Senhora da Luz, na Izolda Schimid, no Julia Amaral de Lena, enfim, em todas as
escolas. Era um programa nico, unificado de trabalho. Pensvamos ns na poca que era o
modelo ideal (...).
Por temporadas! Exatamente! Este era o termo usado: por temporadas e mdulos.
Ento, voc comeava l com os objetivos, j ia seqenciando e, dentro da proposta, j tinha
aquele objetivo que deveria ser avaliado. Voc j dava a dica para o professor. E era
interessante, Marcus, que ns fazamos o controle. Por exemplo: o professor trabalhava l um,
dois, trs, quatro meses e a a gente comeou a formar uma equipe de superviso dentro da
Prefeitura. E veio o professor Pedro Simes de Lima Filho trabalhar comigo, depois o
professor Evaldo Kerkoski, a professora Aldali e o professor Mrio Miranda. E este grupo ia
nas escolas, e fazia uma avaliao. Hoje ouve-se falar do provo; era mais ou menos um
provo de Educao Fsica! E ento voc chegava na escola e ficava l um determinado
tempo. Voc pegava uma turma qualquer; escolhia l uma 4 srie. Este supervisor da
prefeitura tirava essa turma para fora da sala de aula e aplicava uma avaliao para atingir
certos objetivos: vamos ver se os alunos sabem driblar com a bola, vamos ver se sabem
arremessar a bola... Isso tudo para ver se o professor tinha trabalhado ou no aquele mdulo.
Era realmente um trabalho de flego, um trabalho pioneiro. Muitos fizeram muitas crticas
porque eles achavam que era o militarismo de voc ir l avaliar; mas a nossa viso no era
essa: nossa viso era ver onde o professor estava precisando de auxlio e de realimentar o seu
trabalho. No de cobrar olha, voc no trabalhou!; no era isso! Era exatamente de voc
249
ver at onde as crianas estavam sendo trabalhadas. Porque naquela poca foi uma poca
maravilhosa (...) a gente tinha condies de levar materiais para as escolas (...).
Ento, foi uma poca assim de muita fartura. Ns levvamos sacos de bolas de vlei,
de basquete, de borracha, maa, arco, entendeu? Material de atletismo: peso, disco, dardo.
Colches de ginstica. A escola estava abarrotada. Ento voc municiava o professor; ele
tinha, vamos dizer, material. Ele no poderia, primeiro, reclamar de espao porque ele tinha
quadra, tinha tudo. Material ele tinha de sobra. Ento era, eu acho, que era um direito do
Departamento. Ns achvamos na poca que fazer esse provo, este teste e cobrar... E
realmente foi um negcio interessante. Era interessante tambm ver que no incio o professor
chorava; mas depois que eles viram que realmente era uma avaliao e que aquilo era uma
maneira de voc ver onde que estava errada a coisa, e melhorar e avanar, e era para ajuda
do professor... E com isto ns fazamos os cursos em cima dessas deficincias. Todo nosso
curso de capacitao se baseava nessas avaliaes. E tambm todo ano ns
retroalimentvamos aquele nosso programa de Educao Fsica. Chamava-se Programa de
Educao Fsica nas Escolas. A gente comeava e tambm retroalimentava ele. Esse era o
objetivo. Jamais passou na nossa cabea a idia de fiscalizar se o professor dava aula,
trabalhou basquete, trabalhou vlei. Agora, foi interessante Marcus, na poca, que ns
tivemos vrias transferncias de alunos, de uma escola para outra. A gente via que este aluno
que saa, vamos dizer do Papa Joo XXIII e ia l para a Vila Nossa Senhora da Luz, ele
conseguia acompanhar aquela turma da Nossa Senhora da Luz. Porque as temporadas eram as
mesmas. Ento ele chegava l e estava mais ou menos, talvez uma aula ou duas atrasadas ou
adiantadas; mas havia uma seqncia de trabalho. E, sei l, aquilo foi gratificante. Tanto que
depois ele foi batizado de Bblia. A Bblia da Educao Fsica. E ela perdurou! Eu fiquei de
1974 at 1978, frente dessa, dessa..., dessa Bblia. Agora, eu via tambm na Bblia que ns
tnhamos os testes que o professor Ademir Piovesan participou, o professor Clodoaldo Rossa e
outros. O Ademir tinha vindo recentemente da Alemanha; ento ele nos ajudou muito.
Tambm o professor Clio Amaral Carneiro! No quero tambm aqui omitir nomes! O Mater,
o professor Guilherme, vrios professores. Muitos professores que nos ajudaram na
retroalimentao desse programa. E ano a ano ele era modificado, era retroalimentado. Mas
ele tinha um objetivo. Enfim, era realmente voltado para a busca do talento esportivo. Ainda
estava arraigado a estes princpios. De uma certa forma era direcionado para isto porque
aqueles testes de avaliao eram exatamente para visar aquele aluno com maior habilidade,
melhor desempenho esportivo etc., para encaminhar ele j para as aulas especializadas. Porque
a Prefeitura, a par disto, tinha um programa de jogos. E foram criados jogos mirins, pr-
mirins, os jogos infantis, infanto-juvenis e juvenis. Eram cinco faixas etrias de jogos
exatamente nas escolas da Prefeitura. Comeou somente com as escolas da Prefeitura; depois
ampliou para o estado e para as escolas particulares. Mas eu peguei bem aquela fase que ns
fazamos estes jogos nas escolas: ns deslocvamos todo o contingente de alunos, das 7, 8
escolas que tinham na Prefeitura e amos todo para o Papa Joo XXIII. E ns corramos na
rua, jogvamos dentro da escola, sabe..., no tinha..., no era nada...! Ns fazamos
250
basquetinho, ns fazamos voleibol gigante. Mas sabe, realmente era um festivalzo mesmo
nos jogos. Mas voltado para o talento! Porque da o talento ia para uma outra fase de jogos.
Ento realmente o programa teve, talvez, esse princpio. Foi uma das deficincias dele na
poca. No meu ponto de vista hoje, com uma viso do outro lado de Educao Fsica, a gente
pecou por a. Ns poderamos ter encaminhado por um outro lado, mas no tnhamos essa
viso na poca e nem formao para isso (...).
Quando a lei entrou em vigor, a entrou a questo das temporadas. E da era
obrigatrio mesmo voc seguir aquilo que estava ali, porque era um programa da Prefeitura.
Engessado mesmo! Eu posso dizer porque fazia parte do comando naquela poca. Ento, tinha
que ser seguido aquilo ali, era a ordem que se seguisse aquilo ali. O professor no podia
desviar, no podia criar; se criasse era pecado, iam pegar no p dele. Voc veja como so as
coisas. lgico que a gente achava que isso era o correto. Ento, acho que respondendo sua
pergunta, acho que houve na minha poca de aluno... era o esporte muito presente. Pelo menos
na minha vida foi assim! Ao ingressar no Omar Sabbag, as nossas aulas, no projeto da
escola... Ns que determinvamos o que ns queramos de acordo com a nossa realidade e
com as nossas necessidades, disponibilidade de material, de espao fsico, de tempo. Depois
eu peguei a poca na qual a Prefeitura determinava e voc tinha que seguir. Da, em 1978, eu
sa da Prefeitura e fui para o estado.
Por volta dos anos sessenta, observava-se que o trabalho da maioria dos docentes de
Educao Fsica no apresentava uma continuidade desejada. Desta forma, num dia era dada
uma aula de volibol, a seguir era ministrada uma de basquete e depois outra de futebol.
Ao mesmo tempo, alguns professores aplicavam certos procedimentos, normas e
tcnicas, em suas aulas, que contrariavam frontalmente os conhecimentos oriundos da
Psicologia da Aprendizagem e da Sociologia Educacional.
Estas distores, julgou-se na poca, eram oriundas, em grande parte, da formao
oferecida pelas Escolas Superiores de Educao Fsica.
Entre 1965 e 1970, muitas iniciativas foram encetadas par evitar que o tratamento
emprico do processo ensino aprendizagem continuasse a desenvolver-se. Este perodo, uma
vez mais revelou-se profcuo para a nossa especialidade, com a determinao tcita de uma
estratgia e sua posterior implantao (Faria Jr., 1987: viii).
Essa estratgia indicada por Faria Jr. no era assim to tcita. Como vimos nos
programas acima e no prprio depoimento do professor Alusio da Rosa, havia uma
inteno declarada de alterar o estado de precariedade e improvisao atribudos
Educao Fsica e ao seu profissional. E o conjunto de procedimentos legais e
institucionais do perodo parecem confirmar essa inteno manifesta. Mas como
posicionavam-se os professores diante de tal situao? E mais: preciso compreender
como eles participavam dessa mudana de postura diante da Educao Fsica escolar.
Segundo a professora Carmen Lucia de Camargo Piovesan,
O conceito da Educao Fsica subiu muito na escola por este tipo de atuao nossa.
A gente estava preocupada em melhorar a Educao Fsica na escola como um todo,
procurando melhorar os locais, procurando material. A Prefeitura no mandava material, ento
como que a gente iria conseguir dinheiro para materiais? E surgiu a idia de fazer esse sarau
(...).
Ns tnhamos 30 dias ou 45 dias de frias, eu no me lembro bem. No perodo em
que ns no estvamos com os alunos em aula, essa diferena das aulas, normalmente eram
oito meses, talvez um pouquinho mais, nove meses menos um ms e meio de aulas, sobravam
45 dias no ano. Eles nos faziam estar presentes ou no colgio fazendo planejamento,
levantamento de material, buscando melhorias para a Educao Fsica, ou concentrados na
Prefeitura ou em outro local fazendo cursos de aperfeioamento e especializao. A aerbica
tambm apareceu naquela poca. Eles traziam gente especializada para os cursos. Acredito
que nisso os dirigentes da Prefeitura estavam dando um encaminhamento muito positivo s
questes da Educao Fsica nas escolas (...).
253
Agora, eu vivia muito a escola. Como eu falei para voc, a gente comeou a crescer
muito, a viso de Educao Fsica comeou a crescer muito dentro da escola, principalmente
por esse trabalho. A gente era muito bem recebido, muito bem recepcionado. A gente
comeou a participar do cafezinho; porque at ento os professores de Educao Fsica
ficavam recolhidos na sua sala, dando uma olhadinha nos alunos na hora do recreio, no
participavam do cafezinho junto com os professores. A gente comeou a participar, e muitos
talvez at envergonhados. Hoje de uma forma mais amena, mas naquela poca Educao
Fsica era uma profisso de segundo plano. Segundo plano! Os outros professores eram
professores de uma categoria maior do que os de Educao Fsica. E com nosso trabalho a
gente comeou a reverter esse quadro. Tanto que em vrios problemas comportamentais das
crianas, ali na escola, ns ramos os primeiros a ser chamados (...).
E naquela poca, no Papa Joo XXIII havia um grupo de dirigentes muito voltado
para a questo educacional como um todo. E vendo as modificaes que estavam ocorrendo
com a Educao Fsica com a nossa entrada, comearam a respeitar, admirar o trabalho; e a
gente acabou tendo uma afinidade muito grande com todas as questes da escola.
...no estado no tinha tanta organizao como teve a Prefeitura. A Prefeitura tinha um livro
tcnico, um livro chamado Bblia. E essa Bblia tinha desde a primeira aula at a ltima
254
aula, em mdulos. No mdulo atletismo tinha 18 aulas com toda a programao. E no estado
no. Ento, todo conhecimento que voc tinha de faculdade e a sua experincia prtica, voc
usava no estado. E na Prefeitura tinha aquela seqncia do Caderno Pedaggico, que
chamavam de Bblia e a gente seguia. E se adaptava um do outro: fazia a adaptao estado-
Prefeitura (...).
O pessoal era consultado. Tinha um grupo tcnico em cada modalidade. Era
selecionada, era convocada, era convidada uma srie de professores que mexiam naquela
atividade, naquela modalidade, e o pessoal confeccionava (...).
E a cada ano que passava, parece que de dois em dois anos ou de quatro em quatro,
se fazia uma reformulao desse programa de Educao Fsica. Sempre eram convidados
novos elementos, jovens, pessoas que estavam na... Mas sempre de dentro da Rede. Eram
professores da Rede, que nem o Cludio Miajima, da Universidade Federal, mas que era
professor da Rede; o Ademir Piovesam, era um professor da Rede; a esposa dele, Carmen
Lcia Piovesan. Ento era uma srie de professores tcnicos que confeccionam, faziam. Quer
dizer, saa um trabalho muito bom (...).
Claro, todo mundo! Porque todos os professores de escola que iam usar, gostavam do
trabalho porque eram os tcnicos mesmos, os professores que eram considerados os bons na
coisa no momento que estavam desenvolvendo o trabalho. E os professores, tambm muitas
vezes diziam: Isso aqui eu acho que est errado, no est certo. Que tal se arrumasse?. A
saa um anexo tentando melhorar a parte daquele programa.
Foi bom voc tocar no assunto porque eu no lembrei desse detalhe. A gente
acompanhava um programa de Educao Fsica. Um deles... dois deles, por sinal, eu fui o...,
fui..., fiz parte da equipe de professores que organizou. Mas foi estudado, a partir de 73, um
programa. Aquele que sabia passava para o papel e organizava aulas. Colocava em papel, em
programao, para aqueles que estavam comeando. Por exemplo, os estagirios da Rede
Municipal de Ensino, eles consultavam... Era tipo um dicionrio. Erroneamente chamavam de
Bblia. Bblia o livro sagrado, no ? (...).
Mas ns chamvamos de Programa Educao Fsica. Mas hoje ainda a turma diz a
Bblia. Existia realmente um programa e esse programa era bem montado. E ns seguamos
aquele programa, porque eu tambm participei dele. E dentro do programa que eu criava os
exerccios. Porque, lgico, voc no vai colocar no papel tudo o que voc faz em uma aula
prtica de Educao Fsica. E voc comea a dar um exerccio que est ali... Voc fazia a
programao, voc tinha um roteiro. Hoje voc no v nenhum professor de Educao
Fsica... Eu, pelo menos, no vejo ele levar um papelzinho na mo, uma canetinha e olhar por
trs, discretamente, e ver um roteirozinho. No tem! Pelo menos nos ltimos dez anos eu no
tenho visto isso. que eu fico restrito a mais um rea s, da cidade, um colgio onde eu dirijo.
No tenho visto, no tenho acompanhado mais por fora. Mas naquela poca ns tnhamos um
255
roteiro. E esse roteiro era feito baseado no programa e a gente ia dando os exerccios. E
naqueles exerccios a gente via: Ser que est bom? Vamos inventar outro!. E dentro da
prpria aula voc inventava o exerccio que depois voc colocava no programa do ano
seguinte. Voc dava como sugesto, como idia, apresentava no relatrio, e aquelas aulas que
voc deu de improviso, voc comeou a organizar como aulas oficiais. Porque do improviso
saiu a legalizao das suas idias. E isso que falta hoje em dia, que eu estou notando. Falta
improvisao para voc tentar melhorar. E principalmente, o gosto da criana pelo esporte.
Ns seguamos um programa, mesmo. Programa esportivo! E veja s que tinha at ginstica
olmpica. E existiam escolas em que no havia as mnimas condies de dar ginstica
olmpica. Mas voc recebia material de ginstica olmpica. E naquela ocasio apareceram
grandes professores de ginstica olmpica.
Porque havia uma clara direo do que se poderia chamar de formao em servio.
No s da Educao Fsica no sentido restrito, mas da escola em sua globalidade. Havia
grupos de estudo na escola. E os grupos de estudo se constituam, eu diria, mais orientados
pelos matizes ideolgicos das pessoas que dirigiam a escola do que propriamente pela
Prefeitura com uma direo. Tinha uma direo clara, lgico. O projeto das escolas da Rede
Municipal de Ensino era o primor daquilo que se chama de Pedagogia Tecnicista. Tudo era
absolutamente funcional, com seus papis bem definidos e com as coisas absolutamente
planejadas: o mdico, o dentista, o recreador, o professor de Educao Artstica, os Centros
Comunitrios. Era um modelo! Mas, evidentemente, como os modelos totais no existem,
eles so operacionalizados por seres humanos com suas contradies e conflitos, as coisas no
aconteciam como na prancheta do arquiteto ou no desejo do planejador educacional. Ento eu
acho que esses grupos de estudo, em diferentes escolas, se orientavam pelos matizes
ideolgicos das ideologias emergentes. Isso ns j estamos em 75, ento voc j tem uma
outra estrutura. A gente j est com o Geisel. Eu lembro que eu no tinha muita clareza, assim,
nesse momento.
Desde 70 que ns comeamos a montar. Era um pequeno dossi que depois foi
ampliado com margem maior. Quando entrou a equipe do... Porque primeiro, quem trabalhava
no Setor de Educao Fsica era o Pacheco. Da quando entrou o Renato...
Na poca do Renato ns comeamos a montar um planejamento mais especfico que ns
comeamos a chamar de Bblia. E a cada ano era aprimorado. E tanto que esse planejamento
serviu de base para todo o Paran, porque todo mundo vinha atrs do nosso planejamento. Era
257
um planejamento muito bonito, muito bem explcito. A maioria das escolas do estado porque
o professor que atuava na Prefeitura atuava no estado... Ento comeamos...
No! Inicialmente ns preparamos e depois eles chamavam um grupo de professores
para sempre haver uma reciclagem do planejamento. Ela vinha e ns adaptvamos escola
(...).
Todo mundo inveja, porque teve uma poca em que toda permanncia ns tnhamos
atividade visando o melhoramento do professor (...).
Voc sabe que de Educao Fsica no tem muito, no ? Ento, o que ajudava muito
eram esses cursos que a Prefeitura dava. Porque a literatura de Educao Fsica comeou a
surgir de uns tempos para c. Era difcil voc achar livros de Educao Fsica. O que a
Secretaria enviava... Porque a Secretaria de Estado enviou muitos livros para gente. Algumas
editoras fizeram alguns ensaios de fazer livros didticos para serem colocados para alunos
comprarem, mas no deu certo (...).
[Era desenvolvido o] Contedo geral de todos os setores, da parte de jogos, de tudo o
que a gente tinha. Eu nunca me fixei em autores. Eu procurava ler assuntos gerais e a gente se
atualizava mais nos cursos da Prefeitura, entre os amigos. Um falava uma coisa, outro, outra.
De ler, ler mesmo sobre Educao Fsica, muito pouco (...).
No existia quase bibliografia. Comeou a surgir bibliografia de Educao Fsica
porque a gente comeou a comentar com muitas pessoas que vinham vender livros e eles
comearam a procurar; e com colegas que comearam a escrever. Porque no tinha. A minha
irm foi Santa Maria fazer curso de especializao, e a que ela trouxe algum contedo,
alguma coisa. Mas aqui no se achava (...).
Ele [o professor Julio Lubachevski] fazia assinatura e ela vinha por correspondncia
na minha casa. Ela tinha bons contedos. Muito bons. Fazia atualizao de contedos para a
gente. Voc sabe que as regras de jogos, como dar as atividades, tudo, vinham dentro dessa
Revista, atualizados. Foi nessa Revista que apareceu o movimento dos professores de
Educao Fsica para ser feito um rgo de classe, alguma coisa de classe, mais o pessoal
lana a idia e no germina (...).
Gostei. Depois sumiu. Meu marido me invejava: Meu Deus, vocs tem tanto curso,
vocs se atualizam!. Porque na matria dele tem muitos livros, mas quase no tem cursos de
atualizao. O meu marido professor de Cincias. Mas voc pode ver nas outras matrias. E
ns, professores de Educao Fsica, todo ms ns tnhamos algum curso. Os professores
diziam: Como? Esto sempre em curso! (...).
Ento fazamos cursos. E os professores trocavam experincias. Iam fazer um curso
fora, traziam e passavam para os colegas. Isso que era muito bom. Eu, muitas vezes, na
258
poca... A Regina estava l, o Adilson: Hermnia, voc no quer dar curso?. No! No
sirvo para lidar com adulto (...).
E ns professores de Educao Fsica na Rede no ramos muitos, atuando de 5 a 8.
Ento a gente se encontrava muito e fazia uma troca de experincias muito boa. Havia muita
troca de experincias. (...) amos para algum lugar e eram feitas as reunies. Se no fosse de
15 em 15 dias, uma vez ao ms ns tnhamos reunies com o pessoal na Secretaria, e
passvamos as experincias. E a melhor maneira, porque o livro voc fecha. a melhor
maneira, de pessoa a pessoa, trocar experincia de como faz, como no se faz...
J a professora Olga Lubachevski foi uma das convidadas a trabalhar junto aos
demais colegas, comunicando as suas experincias com a recreao. Segundo ela,
O programa... acho que foi muito importante dentro da Prefeitura, essa Bblia, porque
pelo menos era um ponto de partida para tudo (...).
No comeo era mais rgido, era cobrado. Ns tnhamos os inspetores que iam at a
escola e faziam, vistavam livros de chamada, os dirios de classe, que naquela poca eles
diziam dirios de classe. Eles davam o andamento, o que voc tinha trabalhado, o que voc
no tinha trabalhado, porque no trabalhou, o que estava faltando para trabalhar. Ento era
acompanhado e aquilo que voc no havia trabalhado voc teria de alguma forma recuperar. E
depois j ficou mais malevel (...).
Mas por isso que de dois em dois anos, s vezes em quatro anos, ns reavalivamos
aquilo tudo, o que poderia ser feito e o que no poderia. E dentro desse tempo a escola
cresceu, a parte fsica da escola. Ns conseguimos quadra, quadra polivalente, e ns tnhamos
um centro social que estava nossa disposio. O centro social teve um perodo, o perodo do
professor Frederico, que o centro social estava nossa disposio. Ento, durante o dia quem
trabalhava no centro social ramos ns. E nos sbados, fins-de-semana, era para a
comunidade. Depois, de repente, ns perdemos o centro social. Quer dizer, ns no tnhamos
mais o centro social e ns no tnhamos... s tnhamos uma quadrinha pequena. E dentro
daquela quadra ns tnhamos que nos virar com trs, quatro professores.
A nossa literatura vinha toda da Argentina. A Argentina, para a poca era a ponta
em termos de literatura do desporto. Eles tinham um cara no lembro o nome que era
considerado uma autoridade em desporto. Porque eles tambm importavam muito pela
facilidade de contato, principalmente com a Espanha. Tinham muitas tradues espanholas e a
gente fazia essa ponte via Argentina. E a ns produzamos, baseados nessa literatura, uma
variedade grande de assuntos ligados, principalmente, rea do treinamento. A gente no
tinha nada, aqui. No se editava. O nosso conhecimento limitava-se a rea do treinamento.
E da deu uma loucura em mim e no meu colega de irmos para a Argentina, Buenos
Aires. Fomos com a cara e a coragem. Naquela poca eu fui com 300 acho que era
cruzeiros mil cruzeiros no bolso. Financiamos a viagem, a estada e fomos fazer curso de
extenso universitria no basquete e no handebol, porque basquete, na poca da Escola de
Educao Fsica a gente teve pouco, e o handebol estava comeando na Escola de Educao
Fsica. Fomos aprender handebol na Argentina e fizemos um curso de 15 dias. Era
denominado Curso Internacional de Educao Fsica Especializao em Basquete e tinha
direito de fazer dois cursos, um em cada perodo. E ns fizemos handebol tambm. Minhas
notas foram altas: no handebol tirei 9 e no basquete 7, eu que nunca tinha pego uma bola de
basquete e nunca tinha ouvido falar em handebol (...).
E as referncias eram consultas com aqueles professores da prpria Escola de
Educao Fsica e ex-atletas, atuais professores da poca. E que tambm iam atrs de
bibliografia e no encontravam. Em Curitiba era pouca a bibliografia que falasse
especificamente de Educao Fsica. Eram raras as livrarias em que voc entrava e
encontrava livros que falassem sobre Educao Fsica e desporto em geral. Voc s via
basquete, futebol... Tinha livros de futebol em espanhol...
49
Talvez um indicador dessa deficincia de bibliografia e da influncia internacional sobre a Educao
Fsica brasileira no perodo seja o livro que serviu como introduo ao tpico anterior (Barros e Barros,
1970). Na sua bibliografia temos o seguinte quadro: das 19 obras listadas apenas trs so brasileiras.
Das demais, oito obras so alems, seis so francesas, uma uma traduo do francs e a ltima
referncia diz respeito aos Boletins da FIEP de 1962 a 1968. A Educao Fsica brasileira ou estava
261
Eu acho que at o contato que o Brasil mantinha [com o exterior], na poca em que
eu entrei, em 68, 69; a Educao Fsica estava mais...; parece que as informaes eram
melhores do que as informaes a partir de 70. Aps 70 no existiam livros, no existia nada.
Uma dificuldade muito grande. E quando a gente faz um reviso...; eu tenho pela nossa
Escola... Se voc for na Biblioteca da nossa Escola voc vai ver uma rica bibliografia da
dcada de 50, da dcada de 40. Coisas que a gente jamais poderia imaginar que existissem na
poca. Uma forte influncia, claro, de conhecimentos que vieram da Europa, sei l. Aquelas
antigas escolas. Mas a coisa no era to simples quanto a gente imagina. Mtodo francs:
achar que a Educao Fsica, l, era s era aquilo ali, no tinha mais nada, a questo
pedaggica, a questo de um modo geral. Ento, se voc fizer um levantamento da
bibliografia existente na dcada de 40, dcada de 50 voc vai ver que coisa era muito mais
rica.
um vazio interessante. Livros, por exemplo. Se voc for l na Biblioteca voc vai
encontrar inmeros livro italianos, franceses... relquias! (enftico). Tem l. L na [Biblioteca]
do [Departamento de Educao Fsica]. Se voc for l fuar, acha! Claro que no esto na
estante. Devem estar jogados em algum canto. Mas se voc perceber a riqueza em termos de
Encontros, de Congressos...; o Brasil participava desse processo que era mundial. O Brasil
parece que estava acompanhando tudo. A partir de 70 parece que a coisa piorou; o Brasil se
isolou em relao a [inaudvel], coisa que tem acontecido recentemente na Argentina, agora,
nos ltimos anos (...).
Toda a publicao tinha um carter oficial, mesmo. Vinha tudo do MEC. Vinha tudo
do MEC! Todo o aspecto cientfico, o aspecto pedaggico, tudo vinha de l.
a Educao Fsica que eu fiz na escola, com a Dona Iara, onde eu aprendi a danar, virar
cambalhota, vou usar bem essa expresso: virar cambalhota; aprendi a jogar, jogava todos os
jogos, todos os jogos esportivos que eram possveis de serem jogados no se jogava futebol
mas se jogava basquete, se jogava vlei. Depois comeou a aparecer o handebol, a gente
jogava tambm. A gente fazia, ao final de toda aula uma srie, que a Dona Iara montava, de
exerccios, que ao final do ano a gente juntava com todas as turmas e apresentava no ginsio,
o que hoje a gente chama de ginstica geral, mas era uma ginstica de demonstrao. Era o
mximo aquilo! Me sentia o mximo demonstrando aquilo. A gente treinava nas aulas, todo
mundo. Ento aquele ginsio, com mais de 500 crianas, adolescentes... Ia todo mundo para
263
essa... A Educao Fsica como um lugar em que se aprende coisas, em que se faz coisas
interessantes e que tem espao dentro da escola, porque ela tem o que ensinar dentro da
escola. Eu acho que esse o eixo que ns precisamos recuperar no mbito escolar para a nossa
Educao Fsica como matria curricular.
Ento, eu digo que isso tem alguma relao com alguns aspectos at da prpria
Educao Fsica, quando eu me interligo com as idias do naturalismo. Porque veja bem:
quanta coisa eu imagino que fazia de forma inconsciente e que, a bem da verdade, eu estava
me desenvolvendo de uma forma fantstica. Inclusive at nas atividades de lazer. Quando eu
lembro que ns colhamos barro e amassvamos o barro para fazer carrinhos, fazer
determinadas figuras humanas, figuras de animais e pelotes para depois sair nas caadas com
estilingue, para caar passarinho. So coisas que depois 20 anos depois eu vim fazer no
Colgio Estadual do Paran, em Colnias de Frias, orientando crianas, amassando barro e
fazendo as mesmas coisas que eu fazia quando menino, com seis anos de idade, no mato, sem
orientao de ningum.
Naquela faixa de idade, 10, 12 anos, eu nunca pude conceber que havia uma outra
possibilidade de fazer alguma outra coisa na Educao Fsica. Porque at no segundo colgio
de freira, em que eu tive influncia grande dos meus professores de Educao Fsica, a gente
brincava de caador com bombacho: um calo todo franzido, vestido branco. Eu nem
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imaginava que se podia fazer alguma outra coisa. No me ocorria. uma coisa interessante,
Marcus, para mim: se voc observar, toda histria da minha educao eu passo sempre em
ambientes fechados. Eu no circulo com outras informaes. Eu circulo com as informaes
desse meu ambiente. O que vem porque Deus manda! (...).
Foi assim. E na poca, tambm eu no lembro, no vou lhe precisar a data mas
aquela coisa da ordem. Por exemplo, a ordem, na aula de Educao Fsica... As crianas...
Aquela disciplina, aquela imagem de ordem, de tudo certinho, eu trago isso dos colgios de
freira. E eu tambm fui uma professora que assumi isso como importante na minha aula de
Educao Fsica. Aquela coisa da ordem... Era uma alegria, berrava o que dava, saa para
jogar. Mas na hora da ordem...! A tal ponto, por exemplo, que minhas crianas nunca saram
em arruaa! E ns saamos, amos para aqueles arredores de So Jos, Tijucas. Minhas
crianas nunca fizeram arruaa, nunca tiveram esse Vamos l para brigar! Vamos quebrar
garrafa!, qualquer coisa assim. Nunca! Aquilo para mim era fundamental. A gente veio para
se divertir e o limite da diverso esse. Ento a gente ia... (...).
Ento essa coisa da ordem eu trago muito... Essa verso militarista, ela vem muito
pelos modelos da educao nos colgio de freira. A ordem estava impregnada no corpo. Uma
corporeidade de rigidez, at. Assim, sabe... Aqueles espaos asspticos, aqueles corredores
brilhando. No havia sujeira, Marcus, nada! Eu nunca convivi com algum assim, em
absoluto. E, evidentemente, quando comeava a ver televiso nos anos 60 a gente teve
acesso eu seguia aquelas paradas militares. No sei quantos anos tinha. Eu no sei dizer
quantos anos eu tinha. Eu acordava para ver a parada militar na televiso. No que eu
concordasse com aquilo, mas achava... Ontem eu vi na televiso sobre a questo dos
militares chineses, a forma que eles estavam marchando, eu no sei se voc viu? Como que
pode, todo mundo no mesmo tempo! Aquela simetria das coisas me chamava a ateno. No
necessariamente a razo, porque eu nem estava entendendo a razo, porqu eu assistia aquilo.
Ento essa relao sempre foi muito forte. Muito forte! Agora, para compreender que era uma
relao de ideologia, do governo militar, toda aquela coisa, foi uma formao toda subversiva.
Isso j foi na minha adolescncia, na minha mocidade, e se consolidou em Santa Maria, como
eu lhe contei.
Essa formao de que nos fala a professora Idelzi e que calava fundo nos
professores, seria uma prerrogativa da ideologia militar ou seria uma marca da prpria
sociedade brasileira e, por que no, ocidental? Poderamos supor que estamos frente a
um paradoxo quando afirmamos que a oferta de atividades pela Educao Fsica
escolar at os anos 1960 era muito mais rica do que aquela presente na dcada de
1970, ao mesmo tempo que as aulas eram consideradas mais rgidas, mais baseadas na
ordem e na disciplina. Mas no h nada de paradoxal se entendermos que os mais
inocentes dos jogos e das brincadeiras podem ser desenvolvidos a partir de uma
265
Isso era interessante. Gozado que por mais que tivesse sistema militar e que a coisa
vinha de cima para baixo pronta, ns no; ns usvamos uma metodologia diferente na poca.
Ns socializvamos isso, ns discutamos com os professores, ns amos nas escolas. Ns
discutamos, levvamos nossa Bblia..., eles discutiam nas escolas. Cada escola discutia para
fazer suas anotaes. Mas no dava para trazer todos os professores para escrever a proposta.
Ento, eles indicavam o elemento, um ou outro elemento. Ento um grupo de oito, dez
pessoas participava e a gente acabava elaborando isso a. Mas era de pleno consentimento dos
professores; eles sabiam, davam e a gente aceitava sugestes; era aberto. Eu me lembro bem
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que o professor Renato e acho que nesse ponto a gente tem que destacar que na
administrao dele o nosso Departamento era a casa do professor de Educao Fsica. Era
interessante que os professores viviam l, entendeu? Era um espao aberto; nossas portas
sempre abertas, ningum trabalhava de porta fechada, est entendendo? O professor entrava e
saa a hora que queria e ns atendamos. A gente sempre foi aberto. Acho que mesmo vivendo
numa poca de militarismo a gente tentava trabalhar a democracia. E o Renato nesse ponto foi
muito legal. E o nosso trabalho, ento, j se pautava por isso. A gente dava abertura ao
professor; se ele tinha que dar uma opinio: Pois no professor, chegue, vamos l, escreva ou
venha pessoalmente, ou ns vamos na sua escola. Eu cansei de ir nas escolas, sentar com os
professores e eles apontarem as falhas, as sugestes. Eu juntava e trazia tudo isso. A gente
trazia como documento e respaldava. E eu acho que por isso que o documento era aceito nas
escolas, no sei. Porque ele era uma determinao, mas s que ele chegava de uma forma
agradvel. Ele no era... o professor no tinha desconhecimento dele. Pelo contrrio, ele sabia
que estava sendo elaborado aquilo l. Ento, quando ele recebia ele estava at ansioso, porque
ele sabia que tinha que trabalhar. As aulas dele j estavam programadas ali. Realmente era
receita pronta, no ? Era receita pronta e facilitava a vida do professor. Agora no tenha
dvida que se por esse lado era positivo, pelo outro, hoje j com outra viso, ele era negativo.
Porque ele realmente engessava o professor, ele tolhia a questo da criatividade do
professor, a busca de estudo. Porque s vezes o professor at se tornava preguioso: ele j no
lia mais! Talvez at a gente tenha contribudo para isso de uma certa forma; , mas a gente
notou que basicamente seguiam a nossa Bblia e as apostilas que a gente soltava em relao
quilo ali.
como o que achavam ser o melhor para a Educao Fsica escolar e manifestavam
ainda os limites da produo bibliogrfica da rea. Isso, como vimos acima, acontecia
mesmo antes da publicao da lei 5.692/71 e do decreto 69.450/71. O que orientava a
confeco de tais programas era o esporte de rendimento, transplantado para as
escolas na forma de mdulos e de temporadas. Mas mesmo vendo que tais postulados
no eram passveis de ser desenvolvidos, como indicou a professora Olga, o que fazia
com que se insistisse naquela forma de trabalho e se negasse ou omitisse uma
dimenso ampliada da Educao Fsica, baseada em um conjunto muito mais amplo
de prticas corporais?
Aqui dois elementos devem ser marcados. O primeiro diz respeito a uma
abordagem por mim relativizada ao longo desse estudo, na qual o professor seria um
mero reflexo das posturas autoritrias daqueles que formulariam as polticas de
Educao Fsica daqueles anos. A segunda diz respeito a uma dimenso pragmtica,
ativista do professor de Educao Fsica (Souza Jr., 1999), no sentido de ele prprio
conceber o seu trabalho como atividade e no a partir de uma relao com o
conhecimento. Talvez isso ajude a explicar a nfase, s vezes at tediosa, sobre a
necessidade de buscar um atitude cientfica e no emprica para os professores de
Educao Fsica. Nos dois casos preciso procurar compreender como os professores
se colocavam diante dessas questes. No que se refere ao aspecto legal-institucional,
afirma o professor Julio:
Na poca... Quer ver uma coisa? Na poca, agora eu no lembro o decreto que era,
mais era um decreto que foi estabelecido para a obrigatoriedade da atividade fsica em todos
os nveis de escolaridade. Trs ministros militares chegaram l e simplesmente tacaram um
chamego e obrigaram a prtica da Educao Fsica em todos os nveis de escolaridade, e no
sei o qu. Resultado: Portugus no tem isto, Matemtica no tem isto, Cincias no tem isto;
nenhuma disciplina tem isto! No entanto, Portugus est l: tem que ter. Tem por que tem, e
no precisou de lei nenhuma para isso. E a Educao Fsica tem tudo aquilo l e simplesmente
no adiantou grande coisa. Quer dizer, no adiantou dizer para os diretores que obrigado,
tem que fazer, tem que no sei o qu, tem que isso, tem que aquilo. Tinha padres de
referncias, do que se podia dar ou no dar, aquela coisa toda que complicava um pouquinho
o negcio. Mas pelo sim, pelo no, o fato o seguinte: era uma norma, era um decreto
presidencial, com a assinatura dos trs ministros militares. No adiantou! Ento no vai
resolver o problema! Mas da, se voc for ver as coisas, voc pega, por exemplo, e vai ver o
que foi feito no Brasil em matria de Educao Fsica, a Escola de Educao Fsica da Polcia
de So Paulo, a Escola de Educao Fsica do Exrcito, l no Rio, a Escola de Educao
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Fsica da Marinha, se voc pega referncias disso, no adianta: porque historicamente a nossa
referncia uma referncia totalmente militar (...).
No adianta. Voc pega a Educao Fsica do Paran: comeou... Se voc for ver
quem comeou a Educao Fsica, dando cursos, foi coronel no sei de onde, general no sei
das quantas, que comeou a desenvolver atividades, a fazer cursos, a promover. Ento
tambm dizer que eles no fizeram nada, que so tudo assim... Podem ser! No vou dizer que
no! Porque a viso pedaggica deles... Eles no tem obrigao de ter uma viso filosfica e
pedaggica, sei l, avanada. No vou dizer avanada, mas dentro daqueles ditames mais
apropriados para o desenvolvimento da criana. Eles tem a viso de como lidar com
adolescentes, com homens. E que tambm tem o seguinte: reconhecer, sobretudo, que essa
atividade importante para a sade da pessoa. Por um lado, a sade da pessoa, por outro lado,
benefcios contra o desvirtuamento da vida da pessoa. Sei l! Uma srie de coisas que se voc
imaginar bem, tem relao com a Segurana Nacional. Porque quando voc v esses milicos
metidos nos esportes, em campeonato nacional, em no sei o qu, a coisa est relacionada com
isso tambm.
O problema a ateno das pessoas para as atividades esportivas, se ocupar com isso
em vez de criar baderna, fazer confuso por a afora. Ento no meu modo de entender, de
pronto, assim, muito difcil de fazer uma anlise negativista in extremis deles. Porque
picham! Eu nunca fui militar, nunca entrei numa caserna. Entrei porque fui professor do
Colgio Militar. Mas acontece que eu no servi o exrcito porque no podia. At no sei
porqu, se eu fui fraco, no sei. S sei que no me quiseram. Ento veja bem: fica difcil voc
tomar uma posio. Teria que fazer um estudo muito mais aprofundado, sabe? Porque tem
muita gente boa que, afinal de contas, dedicou a vida... Tubino um militar, Lamartine um
militar, no sei quem militar. Se voc for l no fundo, verificar quantos so militares e
quantos so civis, voc vai ver que tem muitos militares metidos nisso. E que a contribuio
desse pessoal tanta quanto a dos civis. s vezes o cara est atuando e nem est se dando
conta da funo dele, de ser militar ou no ser militar (...).
No! Tem escolas que nem sabiam que existia aquilo! Porque eu, quando ia numa
escola, a primeira coisa que eu fazia era entregar para o diretor o decreto, para cortar qualquer
conversa: Olha, no fui eu que fiz isso aqui! O senhor sabe qual a estrutura das Foras
Armadas, quem manda afinal de contas? Ministro da Aeronutica, Ministro do Exrcito,
Ministro... Est aqui o nome deles; aqui embaixo. Foram eles que assinaram. Est aqui de
presente para o senhor! Leia e depois me diga alguma coisa. E estamos conversados! No
quero mais conversa e est acabada a histria! Eu confesso o seguinte: no fui eu que fiz isso
ai, ento o senhor no me venha com conversa que no pode, que no deve fazer isso a,
porque isso que tem que seguir. Se o senhor no quiser seguir, ento no siga! Eu tambm
vou embora e est acabada a histria!. Entendeu?
Agora, nesse pas, a coisa toda tem sido feita assim. Quer dizer, desobedincia total e absoluta
a Carta Magna da nao! O que voc quer? A fica difcil.
270
tenho todo um respeito por aquilo! Hoje vocs v os caras relaxados, no esto nem a. E at
essa falta de respeito que eu no sei... Eu fui educado por isso e acho bom. No vou abrir mo
de forma nenhuma desses valores, desses princpios; acho altamente saudveis. E eu pude
sentir isso quando fui atleta, quando fui representar o Brasil. No tenho palavras para dizer o
que , em um pas de fora, ouvir o Hino Nacional, ver aquela Bandeira subindo. No sei: para
mim muito tocante, eu defendendo... essa Ptria que eu estou defendendo!. So coisas
que a gente no v: o amor ptria, e que a gente vai estender para outros valores menores.
Assim como eles no tm respeito Bandeira, eles no tem respeito aos pais.
Naquela poca, se meu pai olhava, do jeito que ele olhava eu j sabia que eu estava fazendo
alguma coisa errada, que ele estava me censurando, s pelo olhar. Hoje em dia, meus filhos
esto fazendo coisas erradas, eu chamo ateno, eles tiram sarro de mim! No tem respeito!
(indignado). Embora eu ainda tentasse trazer aquela educao tradicionalista que eu tive; mas
no foi o suficiente para eles terem aquele respeito que eu tive antigamente. Esses valores a
gente tem que pensar em resgatar. Tanto ns da Educao Fsica, como os outros professores:
valores familiares esto muito perdidos. Eu fico muito preocupado.
Tem muita coisa, muitos manuais. Aquilo nunca funcionou direito. Tem uma fase
interessante que foi a fase da avaliao da Educao Fsica. Se passou a dar nota para a
Educao Fsica. Se achava que a partir do momento em que ela fosse avaliada com nota, ela
teria uma importncia igual s outras... Ento, naquela poca, essa questo da avaliao foi um
fato marcante (...).
A avaliao foi... eu inicio da dcada de 70? Em 72, 73. Porque at a era como
conceito, A, B, C. Depois teve uma poca em que ela fazia parte da houve uma
reforma na poca Comunicao e Expresso. Valia como uma nota. Era Portugus, no sei o
qu, no sei o qu, isso no funcionou muito, no. Foi uma reforma bastante curta. At na
poca, eu lembro que haviam discusses, porque o aluno tinha uma nota nessa rea, que era
274
Comunicao e Expresso. Era uma rea do conhecimento. E a Educao Fsica fazia parte
dela. Ento, eu lembro muito bem, voc tinha que dar uma nota. Foi a primeira vez que se
comeou a graduar, quantificar o desempenho da Educao Fsica. E o pessoal da rea no
aceitava muito isso. Havia uma proposta de pesos: Portugus valia peso x; a Educao
Fsica foi aceita no grupo, mas com um peso menor. Mas a partir do momento em que a
Educao Fsica passou a ter peso, isso foi uma reivindicao no sentido de valoriz-la,
coloc-la em um valor maior. Teoricamente eu acho que isso foi positivo. Mas s que tambm
no se sabia avaliar. A que se fortaleceu a questo de avaliar sobre o desempenho sob o ponto
de vista motor. Isso veio junto com a reforma. Ento, por exemplo, na poca dos objetivos
instrucionais: o aluno dever ser capaz de acertar.... Ento houve essa fase da exigncia da
performance sob o ponto de vista do desempenho. E isso funcionou por um curto perodo de
tempo. Mas isso tambm j foi...; no se encaixava na Educao Fsica. Na poca j se
questionava. No caso do rolamento eu tenho uma histria interessante: O aluno dever ser
capaz de fazer um rolamento para frente, ao completar no poder apoiar as mos como ajuda,
dever sair em uma posio de equilbrio, no sei mais o qu.... Nota 10! Se rolasse de
maneira um pouco enviesada e fizesse um pequeno apoio, nota 8. Essa era a questo! Na
poca a gente comeou a questionar. Algumas pessoas comearam a questionar: vamos
levantar a hiptese que esse garoto faz um rolamento perfeito, levanta sem apoiar e sai: o
instrumento d 10. Mas to logo ele terminou, ele d uma escarrada no colcho! Como
que fica agora? Essa foi a primeira coisa que surgiu. Foi questionando. A avaliao no s
essa questo [de rendimento]. Ento a a avaliao comeou a ser minimizada para outras
reas. Ento tinha a chamada avaliao educativa. Essa subdiviso foi tirada, muito
claramente: o motor, avaliao psicomotora, avaliao educacional, que era subdividida em
social, no sei o qu... da passou a avaliao educativa. Ento ns criamos na poca eu fazia
parte a avaliao motora. Ela passou a ser na forma de um teste. Um teste de rendimento,
um circuito. Mais isso tambm funcionou muito pouco, porque logo foi superado. As coisas
iam sendo criadas. Voc no tinha... (...).
Colocava-se em prtica, via que no funcionava, tirava! Essa foi uma das coisas. Na
poca a gente criou um circuito que tinha que fazer em tal tempo. Mas a gente procurava
cercar a questo educacional, o que era feito atravs da observao do comportamento do
aluno, da assiduidade etc. Isso era muito difcil tambm: a assiduidade aula, higiene, no sei
o qu, isso tambm era considerado. Mas de qualquer maneira, eu achei essa uma fase
interessante. Ao nvel do currculo das escolas, a gente tambm tinha uma viso, nessa questo
do desporto, uma viso de continusmo. Digamos, na 1 srie ele faria tal coisa. Usando o
atletismo, por exemplo. medida em que ele ia se desenvolvendo mais, tinha-se o
pressuposto que ele tinha um pr-requisito. Ento ia-se exigindo tcnicas cada vez mais
complicadas. Por exemplo, o salto triplo, que era um negcio diferente. Ento voc colocava
mais para frente. Salto em altura: salto tesoura era na 5 srie. Depois salto rolo, que era um
pouco mais difcil, voc fazia em tal srie... Voc fazia uma determinada progresso. Porque
tambm no se conhecia muito na poca a questo do crescimento, desenvolvimento motor. A
275
gente no tinha muita formao nessa rea. A questo da aprendizagem motora, sobretudo.
So reas do conhecimento mais recentes, da dcada de 80. Ento a gente levantava a hiptese
de que o crescimento, o desenvolvimento, a aprendizagem, era um troo linear. Ento a
gente percebia, por exemplo, no caso das meninas, l no 2 grau, que o nvel de habilidade
delas era bastante inferior ao das meninas da 5 e 6 srie. A gente fazia uma programao de
um grau de dificuldade maior achando que era cumulativo. S que a gente no tinha muita
noo que era uma fase delicada, que havia um crescimento em largura, vamos assim dizer,
das meninas. So coisas que saam da cabea das pessoas. Porque no se produzia
conhecimento, no se tinham referncias em termos do que acontecia na Educao Fsica de
um modo geral, a no ser pouca coisa. Eu acho que at a dcada de 70 a coisa chegou. A
partir de 70 a coisa realmente...; eu imagino que de 70, 75 a quase 80 parece que a Educao
Fsica sofreu sobre todos os aspectos, principalmente no nvel de informao. Na dcada de 80
que a coisa comeou a mudar, vieram mais informaes.
Mas a que eu digo o seguinte: veja a pobreza que ns, professores de Educao
Fsica, tnhamos de publicaes na rea. E ns, de um modo geral... Tambm a dificuldade de
pessoas encorajadas a escrever alguma coisa. Isso era um outro problema srio. No mundo,
voc sabe que dentro dessa rea de desportos, recreao, lazer e Educao Fsica grande o
acervo (...).
O que se escreve no est escrito. O Brasil um misria total e absoluta. E acontece
que, tambm, na grande maioria dos pases, as revistas, os peridicos, tm tradio. Eles no
so... uma coisa que de anos a fio, e dificilmente se extingue. E no Brasil uma coisa
276
Quanto Revista: a Revista no teve assim um... Ela no foi um documento especial
para mim, sabe? Ela foi um documento de referncia sobre o que se pensava e o que se
produzia na Educao Fsica. E a Revista sempre representou para mim uma coisa do
Exrcito. Lembro: ela era editada em Braslia, parece. Mas ela sempre me trazia, ela sempre
me passava mensagens do Exrcito. Eu lembro, lia alguns artigos do Tinoco, que depois veio
a falecer. O Tinoco era um militar! Eu colhia alguns materiais tcnicos sobre handebol; na
poca eu trabalhava bastante com handebol. Vrios artigos daquele material que eu lhe
passei... Voc vai achar muitos artigos de handebol e muitos artigos de atletismo (...).
Porque a bem da verdade, era onde centralizava o desenvolvimento da Educao
Fsica. No havia outra possibilidade de ter desenvolvimento da Educao Fsica. E pelas
relaes histricas da Educao Fsica, o Exrcito foi o primeiro a fazer a demanda pelo
trabalho corporal, que era performance. Veio de l. E eu venho muito por uma formao
militarista. Eu lembro que eu lhe contei... Eu vim de colgio de freira. Colgio de freira
verso militarizada. A minha aula de Educao Fsica sempre foi militarizada. Eu demorei
para compreender.
Olha, fica um pouco difcil voc se posicionar diante disso a, pelo seguinte: porque
muito difcil, numa sociedade, voc dizer o civil e o militar. Quer dizer: dizer que aquilo ali
277
uma corporao que no d para engolir e o civil uma corporao que d para engolir, que
tem uma viso muito espetacular, muito humanista, no sei o qu, e isso e aquilo... Porque
pode [ser] que naquela corporao militar existam n pessoas que tambm tenham uma viso
humanista grande. E por isso que difcil de separar uma coisa da outra. Mas lgico e
evidente que no regime militar o problema das normas que so estabelecidas, da maneira
como a pessoa aprende a seguir as normas estabelecidas, pode provocar no indivduo uma
situao dele ficar um pouco cego a certas possibilidades de dilogo. No ter, no permitir e
no aceitar situaes que so importantes na vida em comum; que provocam situaes
importantes, assim, de criatividade. Porque a regra limita mesmo. Voc bateu ali: Olha, no
d porque no d! No d! Est estabelecido ali. Esquerda volver! Esquerda volver! No
direita volver meu caro? O que voc quer? Quer que eu invente uma outra coisa se diz que
isso e no aquilo?. Ento eu no vou discutir mais nada, sabe? Se diz que isso, isso e
est acabada a histria. No venha me perturbar!. Entendeu? Ento fica uma coisa difcil
quando, em um outro mbito, as coisas so colocadas de uma maneira completamente
diferente. Quer dizer: Ns temos aqui um problema. E agora, como que ns vamos
resolver essa situao? Ns vamos escapar por aqui, ns vamos para l, ns vamos fazer isso,
vamos fazer aquilo? Como que ns vamos dar uma soluo para esse problema? lgico
que uma sada muito mais complexa, muito mais cheia de situaes difceis, porque voc
tem que saber ouvir, voc tem que saber ponderar, voc tem que saber dialogar, voc tem que
permitir, voc tem que engolir uma srie de coisas que voc pessoalmente no aceita, mas
dois ou trs, que so a maioria, aceitam. E da como que faz?
Ento o problema complicado. lgico que na hora da operao, da execuo de
uma coisa... Vamos pegar aqui a Revista de Educao Fsica e Desportos: Ns temos que
fazer uma revista para orientar esse pessoal todo a seguir uma determinada linha de
orientao. A coisa o seguinte: o projeto assim, assim, assim. Vem a verba de onde? De l!
E no muda mais nada! Pronto! isso e acabou!. o militar que est mandando,
compreende? Agora, se vai fazer hoje um negcio desse aqui, no vai... Simplesmente no
sai! E da vai e volta, vai e volta, discute, discute, no sei o qu, bom, mau... Discutiu,
discutiu...
prticas escolares desde o incio dos anjos 1970 antecipavam a mirade de tendncias
pedaggicas da Educao Fsica dos anos 1980 e 1990.
Espero que minhas afirmaes no sejam tomadas nem como uma condenao
daquilo que possamos considerar ausncias no fazer dirio do professor por
exemplo, sua participao poltica tampouco como um julgamento brando das
influncias de uma ditadura militar sobre a cultura brasileira. O que quero pontuar
aqui o fato de que o prprio processo de afirmao e valorizao da rea da
Educao Fsica e do seu profissional propiciou o desenvolvimento de uma
conscincia da necessidade de uma maior organizao daqueles profissionais em
torno de questes que extrapolassem o estrito mbito da Educao Fsica. Certamente
isso no se deu sem a influncia de fatores estruturais como a abertura poltica, a
reorganizao da sociedade civil, as campanhas pela anistia e pela redemocratizao,
a legalizao dos partidos polticos etc. Mas essas influncias no foram as nicas ou
exclusivas na reorientao do papel e da condio do professor de Educao Fsica na
sociedade. Por dentro da prpria organizao da rea, num processo de afirmao da
corporao dos especialistas em Educao Fsica, o professor foi gradativamente
ampliando tanto a sua compreenso, quanto a sua participao em instncias mais
amplas e, ao mesmo tempo, inscrevendo a Educao Fsica num quadro mais
ampliado de produo cultural. Paradoxalmente, ou melhor, dialeticamente, ao mesmo
tempo que buscava afirmar-se como campo autnomo, a Educao Fsica estreitava os
seus laos com outros campos, inscrevia-se no debate poltico, fazia sua autocrtica e
reconhecia-se como espao de conflito. E na experincia localizada dos professores
da Rede Municipal de Ensino de Curitiba, podemos afirmar que aqueles indivduos
foram sujeitos ativos em todo esse processo. Afirma a professora Carmen Soares:
Ento eu acho que, de certo modo, era como se a formao fosse o dia inteiro. Como
se a escola fosse mais um momento da formao. Porque a escola tinha essa caracterstica: ns
tnhamos um ambiente nas escolas da Prefeitura, naquela poca, que tinha essa caracterstica:
ns tnhamos tempo para conviver, ns tnhamos tempo para preparar as coisas. Eu no sei...
As pessoas ficavam na escola. Voc no tinha alta rotatividade (...).
Mas a, tambm, veja: ns estamos em 78 e quando ns vamos...; quando eu vou para
a So Mateus do Sul, o que estava colocado? A mesma coisa: os tais jogos. E como
coordenadora eu tinha que me responsabilizar por essas tais equipes, times, e coisas do
gnero. E, ao mesmo tempo, eu encontro uma escola onde a Educao Fsica, naquele
momento, estava sendo muito criticada. Ento, na verdade, eu tinha que fazer, em primeiro
280
lugar, um processo, diferentemente das outras escolas onde eu tinha trabalhado, onde a
Educao Fsica era tratada como uma deusa, porque havia toda uma competncia declarada.
Eu chego nessa escola e no essa a imagem da Educao Fsica que est l. O meu trabalho
seria mudar a imagem da Educao Fsica dentro da Escola, em primeiro lugar. Para depois
pensar em fazer qualquer coisa mais consistente e at, digamos assim, concretizar certas coisas
que j aconteciam l na So Brs em relao aos jogos. Quer dizer, tomar posicionamentos
mais radicais perante as determinaes da chamada Diviso de Educao Fsica. E de fato, o
ano de 78 s no foi pior porque a Regina estava l, porque tinha essa moa da Educao
Artstica e porque as professoras comearam a perceber que a Educao Fsica era uma coisa
que acontecia: que tinha aula, que elas podiam conversar comigo sobre as crianas. Eu
conversava com elas sobre as crianas, respeitava o que elas faziam, e elas tambm passaram a
respeitar o que eu fazia. E a tinha algumas coisas, eu diria que eu aprendi l, tambm: eu
tinha uma coisa muito da Educao Fsica, de a gente achar que sabe muito, que sabe tudo e
l, sobretudo com a Regina, essa orientadora educacional, eu percebi que era interessante voc
poder fazer as coisas com algum, com o outro. Porque eu lembro, isso foi muito claro, eu
lembro claramente disso: eu queria organizar um campeonato de atletismo na escola. Bom:
criana correr no tem problema, saltar no tem problema; era aquilo que a gente chamava de
atividades naturais. Era bem isso, dentro do iderio, digamos assim, acadmico e ideolgico
do perodo. E eu sozinha, me descabelando, a Regina veio se oferecer para ajudar-me. E o que
a minha sapincia disse? Mas voc no sabe mexer com isso!. E ela, na sua sabedoria: Mas
eu posso aprender!. E a a gente comeou uma grande parceria, que inclusive criou uma
histria na Rede. A nossa escola foi muito falada em determinado perodo pelo trabalho
pedaggico que era realizado a partir da Educao Fsica (...).
E digamos assim: ns estvamos um pouco mergulhadas nesse clima de final dos
anos 70, com a possibilidade de abertura, em 79 a Anistia; parecia que voc respirava
literalmente era uma coisa da respirao e a Ioga tinha tudo a ver. Vamos trabalhar a
respirao porque acalma. As crianas esto agitadas; vamos fazer esse tipo de coisa!. E
ento: O que os trabalhos corporais podem fazer pelas crianas?. E a esses trabalhos
corporais vinham mais da minha formao paralela dos trabalhos com a Ldia Noda tambm,
claro do que propriamente daquela formao mais voltada para o desporto que a prpria
universidade dava (...).
Porque tambm as malhas do poder estavam se desgastando. Porque voc j estava
em 1980. Voc j no tinha mais o absoluto do Regime Militar, e digamos assim, daquela
viso das Secretarias de Educao como coisas muito...; a Secretaria como aquele locus do
planejamento total e da direo total. Porque essa direo total nunca aconteceu. Eu que
estava na escola desde 75 sei disso. Essa idia de que ela acontecia, de que esse total
acontecia. E a idia dos sujeitos que estavam l de que aquilo estava acontecendo. E na
verdade no estava.
281
Se, como diz a professora Carmen Soares, ao final dos anos 1970 ainda era
necessrio mudar a imagem da Educao Fsica nas escolas municipais, podemos
seguramente afirmar que nem o aparato legal, nem o programa desenvolvido desde
1972 pela PMC, vingaram efetivamente. Alm disso, a perspectiva esportiva voltava a
ser questionada e sequer tinha sido desenvolvida amplamente em algumas unidades
escolares. Isso s reafirma a necessidade de no trabalharmos com absolutos. O
iderio oficial para a Educao Fsica naqueles anos s parcialmente vingou, e com a
anuncia dos professores escolares. A exploso esportiva do Brasil no aconteceu
pela Educao Fsica escolar, a escola no se tornou um celeiro de talentos esportivos.
A Educao Fsica na verdade, sequer conseguiu afirmar-se nos currculos escolares.
O aparato legal que a sustentou por 25 anos ruiu levando com ele uma boa parte
justa ou no da justificativa para a sua manuteno como disciplina escolar (Vago,
1999b).
Mas confirmando a nossa compreenso de que a almejada afirmao da
Educao Fsica deu-se como um processo multifacetado e no como uma operao
pelo alto, a partir dos gabinetes dos tecnocratas, o prprio MEC fornecia elementos
para um redirecionamento da Educao Fsica nos anos finais da dcada de 1970. J
vimos isso quando analisamos aquilo que chamei da terceira fase da Revista, com o
aparecimento da psicomotricidade e da crtica especializao precoce no esporte. E
os depoimentos dos professores parecem confirmar tanto essa tendncia, como afirma
a professora Idelzi Massaneiro: ...com a questo da psicomotricidade eu queria
resolver um problema da escola, que era a questo das deficincias de aprendizado.
Porque a gente comea a mudar essa dimenso motriz da Educao Fsica. Quanto
influncia do MEC, declara a professora Carmen Soares:
...o discurso da psicomotricidade sendo veiculado pelo Estado. Voc tinha um caderninho
verde do MEC, tambm, do DED, da Secretaria, da SEED, um caderno verdinho com as
diretrizes da Educao Fsica de 1 a 4 srie, que eram diretrizes psicomotricistas. Ento era
uma coisa assim: era supercontraditrio o que a gente fazia. Ao mesmo tempo que a gente
criticava a Prefeitura, a gente se aliava ao DED, porque o DED estava com um discurso
psicomotricista que vinha ao encontro do que a gente acreditava que era a verdadeira
Educao Fsica: Descobrimos a plvora!. Eu entendo que naquele momento a
psicomotricidade veio ao encontro do professor de Educao Fsica de um modo interessante
para ele, porque ela permitia que a Educao Fsica fosse verdadeiramente integrada ao
discurso pedaggico da escola, que era tambm um discurso psicomotricista, da prontido
282
alguns ela descaracterizou-se justamente quando a atividade deu lugar a uma relao
mais significativa com o conhecimento. A professora Olga lamenta:
O que eu tenho a dizer que o trabalho, quando eu comecei na Prefeitura, era de uma
organizao muito maior e muito melhor do que quando eu sa. Porque quando eu sa ns
simplesmente tnhamos que dividir um espao grande onde ns tnhamos quatro quadras.
Essas quatro quadras no eram polivalentes, todas, e era o mesmo espao fsico para trs,
quatro professores. Ento havia interferncia de uma aula na outra. O aluno, por exemplo, se
eu estava dando voleibol, o aluno do outro professor vinha para mim e atrapalhava minha
aula. Havia aquele problema, assim, terrvel. Ento ns, nos ltimos tempos, estvamos
fazendo um trabalho quase conjunto, sem ter condies de fazer, de cobrar essa interferncia
do aluno. Se o aluno veio para c, veio participar da minha aula, foi participar da aula dele,
ns tnhamos que conviver os trs, assim, no mesmo espao fsico, harmoniosamente. Porque
alm de ns trs aqui, tem, em volta da escola, a comunidade, o pessoal do noturno que vinha,
que queria entrar, que pulava o muro, que entrava; s vezes agredia, roubava bola, levava a
bola, enfim, era assim um tormento (...).
Ento a importncia maior, de importante realmente na escola o computador!
Deixou de ser a Educao Fsica. No sei se est assim... aquele interesse maior, entende?
Porque hoje se gosta da Educao Fsica dentro da escola mas no aquela loucura que era
antigamente, entende? Ento eu, na minha opinio, eu acho que o profissional at ficou assim
um pouco desvalorizado com tudo o que, com essa, sei l... Porque na realidade, est assim
muito bem estruturado dentro dos manuais; mas na realidade aquilo no funciona! Ento eu
acho ainda que a fase melhor da Prefeitura foi aquela poca, para a Educao Fsica. Eu no
digo em termos de educao. Em educao, de uma forma geral, eu acho que a Prefeitura
cresceu enormemente. Agora, acho tambm que a prova maior disso ns no termos uma
diretoria nossa, um departamento todo como ns tnhamos nos ureos tempos em que a
Educao Fsica era, como que eu posso lhe dizer isso, ela era separada da educao. A partir
do momento que colocaram com a educao, eu acho que a Educao Fsica teve pessoas
assim que... mais pedagogos e tal, que, quem sabe vissem de outra forma a Educao Fsica.
Eu nunca fui destaque em prtica. Eu sempre fiz boas prticas mas eu me destacava
mais em aulas tericas. E no fui professora terica, entende? Porque a gente tem que ter bons
conhecimentos. A poca minha, no foi aquela poca que exigiam um ndice do professor,
porque depois teve uma poca que exigiam um ndice. Na nossa poca no. Ns tnhamos que
ter conhecimentos, participar de todas as aulas e executar tudo o que era dado para ns
aprendermos como que ns iramos fazer. Seno, voc no tem conhecimento. Sem prtica
voc no tem conhecimento da tcnica! (...).
Na verdade a gente vai aprender ser professor na prtica, no interesse de cada um.
Handebol no existia na poca; tnis tambm, nunca ouvimos falar na faculdade. Era dentro
do vlei, para ser dado em um bimestre, sobre o assunto tnis, e o professor no deu. Tem
atletismo, que foi muito aprimorado, muito bem dado pelo professor Saporski e o Berezoski,
que era ajudante dele. Depois que o Saporski se aposentou ele ficou no lugar. Basquete,
voleibol, natao, ginsticas, todos os tipos de ginstica; inclusive na poca, ginstica
olmpica, eles contrataram uma alemzinha, a Margarete [inaudvel]. Ns tnhamos bons
professores. Na poca a gente pode considerar bons professores. Na dana, ento, a professora
Halina, que j deve ter ido, porque ela era bem velhinha e a gente nem fica sabendo. Eu no
reclamo da faculdade. Foi muito boa a faculdade. Deu uma boa fundamentao (...).
Voc veja bem: uma Educao Fsica que dizem autocrtica, que eu no vejo nada de
autocrtica: botar o aluno no jogo e depois o aluno ver que no sabe jogar? Como que ele vai
ter uma autocrtica? No sei fazer isso. E professor que est do lado no vai l ensinar?
Tem professor que deixa a bola e vai passear, resolver problemas, e depois pega o aluno e
leva para sala. Ento ele no visou nada naquela aula. Eu vejo a decadncia da Educao
Fsica nesse problema: o professor desinteressado. Eu estava conversando outro dia com uma
professora aqui da escola e ela disse: Eu no sou que nem esses a. Eu procuro dar mais a
prtica do que teoria e aliar como era na poca do militarismo: aliar o terico-prtico. Voc
tem que dar teoria junto com a prtica (...).
A teoria histrico-crtica existiu e os professores achavam uma maravilha. Influiu e
ajudou muitos professores que no queriam fazer nada com nada. Porque no souberam agir
285
dentro do histrico-crtico. Porque voc teria que dar a atividade, ver o que o aluno tem
dificuldade e ir l e ensinar. Pelo contrrio: deixavam o aluno errar, errar. Por qu? Ele tem
que fazer a crtica e ele tem que melhorar. No? Qual o papel do professor? Ele vai
diagnosticar. Seria na base da diagnose. Eu diagnostico e eu vou ter que fazer o remdio para
ele melhorar. Seria o trabalho de um mdico na Educao Fsica. O professor detectou o
defeito, vai trabalhar para melhorar o defeito. E os colegas se acomodavam e no faziam isso.
...o professor gostava realmente daquilo que fazia, sabe? Era difcil porque a clientela era
difcil; mas ele gostava daquilo que ele fazia. Quando ele fazia, se envolvia em alguma coisa,
ele procurava fazer o melhor possvel: ele pesquisava, ele ia... Porque ns no vamos... Voc
sabe muito bem que quando a gente sai da faculdade a gente no sai, assim, sabendo. A gente
sai simplesmente mais para l do que para c, mas no sabendo o que vai fazer e como vai
fazer. Agora, a sua atuao eu acho que independe, digamos assim, muito de voc ter, como
que eu vou dizer? A sua atuao depende de voc, de voc ser humano, de voc professor.
Voc no deveria ser assim to condicionado quele espao. Porque hoje em dia o professor
diz: No tem quadra de voleibol. Que jeito que voc quer que eu d voleibol?. Tudo bem!
Mas eu vou criar, eu vou fazer; mas eu posso chegar at aqui, eu vou dar um joguinho que
meio parecido com o voleibol em uma quadra menor... Quer dizer, na Prefeitura, na poca,
existia o problema da competio. Mas dentro da aula, em si...
Nos anos 70, a gente era o carregador de armrio da escola, organizador de festas, essa coisa
toda. Quando eu fao esse trabalho eu reflito muito, sobre o que eu lhe contei. Se a gente
continua no sendo o organizador de festas! O que eu queria era aquela dimenso, aquele
espao que a festa dava para unir todo mundo, juntos.
Depois o que vai acontecendo o que eu percebo na minha formao. Novas
informaes vo minando essa hegemonia esportiva como identidade do professor de
Educao Fsica (...).
Eu acho que ns apostamos na nossa ociosidade mental. Uma das coisas marcantes,
marcante em todo processo de lidar com o povo de Educao Fsica... Ou quem sabe seja o
oposto? Por que ele percebe muito? Mas sempre foi essa resistncia em adquirir outras formas
de saber. Na politizao eu acho que at o professor j se envolveu mais. No se poderia dizer
que ele um sujeito ingnuo, despolitizado, no. Eu acho que houve uma poca que sim. At
pode ser quando a maioria da populao era. Ele tambm era! Mas acho que ele aproveitou
bons espaos de politizao. O que ele no aproveitou foram os espaos de mergulhar na
produo de conhecimento. Todo esse meu trabalho, em que eu passo por uma reflexo muito
grande junto a professores de Educao Fsica, sempre me deixou ansiosa, entristecida. Essa
negao, essa resistncia a uma reflexo mais profunda. Talvez ingenuamente eu lhe dissesse:
falta filosofia para ns. Se filosofssemos mais... No que a gente deixasse de discutir o corpo,
de fazer, de ser pragmtico, nada disso! Mas no meio desse nosso pragmatismo, ou entre,
faltou essa ser que justo dizer habilidade mental? No, no justo. Mas faltou para ns
essa dimenso no nosso desenvolvimento intelectual. Do nosso desenvolvimento intelectual
como sujeitos e que da fez falta em nosso desenvolvimento intelectual em algumas
categorias. Isso que eu tenho sentido, independente de ter sado ou no da universidade. Que
faltaria... Eu no nego: que curta esporte, que curta sua academia, curta! Mas se ele fosse
aberto para refletir mais, seriam outros os caminhos, outras as possibilidades de luta. Da
questo de ser ingnuo, mesmo! Da talvez a minha crtica seja pior que a do Mauri: no
que ele seja ingnuo. Ele ocioso mentalmente!
no possvel afirmar que o professor no tenha concebido aqueles anos como anos
dourados para a Educao Fsica. E mais: sua auto-estima foi elevada em relao ao
perodo imediatamente anterior. Afirma o professor Evaldo:
No. No s esporte. A gente fala muito em esporte porque eu, por exemplo, na
Educao Fsica, trabalhei mais na rea do esporte. Mas a Educao Fsica: eu acho
extraordinrio. A Educao Fsica subiu uma escada, ela veio em ascenso. O pessoal deu o
primeiro passo, eu penso que, mais ou menos, aqui no Paran, um valor extraordinrio, a
partir da dcada de 70. Que foi sendo valorizada, mesmo! A prpria Prefeitura de Curitiba
criou a sua Coordenao. Comeou como Coordenao com o professor Renato Werneck,
antes pelo professor Moacir Gouveia, professor Haroldo Pacheco. E ela foi subindo uma
escada. E nessa escada ainda no chegou, e acho que no vai ter, no ltimo degrau. Porque
medida que o tempo vai passando os estudiosos buscam melhores caminhos para a rea da
Educao Fsica em geral (...).
A Educao Fsica no geral est progredindo. diferente do meu tempo. No meu
tempo tinha olha o cacfato a: tempo tinha! muitos espaos, mas no havia profissionais,
no havia materiais. Os terrenos estavam a, as praas abandonadas, aqueles imensos jardins
por a, aqueles locais pblicos sem nada em cima. E voc corria, fazia tudo desordenadamente.
Hoje tem as orientaes tcnicas, tem os aparelhos, tem as mquinas, tudo moderno, mas est
estrangulando a participao do povo na parte, assim, de liberdade, de ir fazer por vontade
prpria.
CAPTULO 3
Edward Said
Muito se insistiu, a partir dos anos 1980, na polaridade entre Educao Fsica
e esporte. Para negar uma orientao tcnica-pedaggica de cunho esportivo,
convencionou-se denunciar a esportivizao da Educao Fsica escolar, como j
vimos. Mas pouco se investigou como os professores concebiam essa relao. Em que
medida podemos considerar, luz do depoimento dos professores, o esporte como
parte da Educao Fsica ou como sendo a prpria Educao Fsica?
Primeiramente, julgo importante destacar a origem dos professores
entrevistados, em vrios aspectos. No que se refere a uma possvel formao
esportiva, dos doze professores escolares entrevistados, cinco deles tiveram uma
formao esportiva e desenvolveram atividades como atletas. Esse teria sido,
inclusive, o grande motivo para a formao superior em Educao Fsica. Os outros
sete depoentes no tiveram essa formao; tampouco foram atletas. A justificativa
para a formao em Educao Fsica vai desde uma vinculao com a natureza, at
290
50
Estou chamando vagamente de vinculao com a natureza uma tendncia dos professores de
justificar a sua opo pela Educao Fsica a partir de experincias da infncia e da adolescncia, na
forma de brincadeiras, jogos e atividades prximas natureza. Os demais justificaram a sua adeso
rea nica e exclusivamente pela sua vinculao ao esporte, na condio de atletas.
291
A prpria Prefeitura incentivava isso. Voc tinha que preencher uma determinada
carga horria com treinamento de equipes, ou alguma coisa assim, para participar dos jogos. A
prpria Prefeitura incentiva isso, com jogos, competies etc.; mas isso era em um horrio
parte. A aula era uma aula comum. Segundo a minha experincia na escola da Prefeitura o
padro de aula, veja bem, era o desporto; era a essncia. Porque na poca, at encaminhado
pelo prprio currculo de formao, a gente tinha essa tendncia desportiva. Mas no o
desporto com aquela viso, que muita gente afirma: como uma formao de base para preparar
futuros atletas. Embora o currculo, a viso poltica da poca, fosse essa: que a escola era um
local para a descoberta de talentos. Isso existia.
nunca gostei de trabalhar. Foi um dos desportos que eu desenvolvi menos. Era esta a nossa
prtica e ningum entendia de atividade fsica; eu no tinha ningum que fizesse crticas ao
trabalho. As crticas se davam porque uma menina tinha saltado e doa o joelho, ou
machucava o p (...).
E no Afonso Pena o estilo de Educao Fsica era na perspectiva do esporte, do
esporte de competio. E eu fui muito por esse caminho: mobilizei muito a cidade, tive muita
sorte. Consegui atrair. Nunca tive problemas de aluno reprovar por faltas, de no querer
participar de aulas. Nada. As meninas vinham, assim, e s vezes... Eu sempre tive um perfil,
assim, mais duro como professora, de no deixar escapar. As mes se apavoravam um
pouco; mas nunca foi problema (...).
A obrigatoriedade estava implcita. Diga-se de passagem que eu tambm era
apaixonada pelo esporte de competio. Eu curtia bastante e tambm me sentia envolvida por
todas aquelas coisas que haviam. Na Educao Fsica da escola havia esse contedo do
esporte. Eu sempre trabalhei...
Eu sempre fui a favor da competio. S que eu sou a favor da competio dele com
ele mesmo, primeiro de tudo. Toda escola em que eu estou eu atio, eu vou, eu levo para
participar e competir sempre, sempre, sempre. Mesmo que a gente saia, perca, as crianas
nunca voltaram... Ento eu digo que a competio prejudicial dependendo de quem est
293
conduzindo aquela criana, da forma que ela compete. Porque perca ou ganhe, eu nunca tive
uma criana que dissesse assim: Ah, eu nunca mais quero competir, professora!. (...).
Eu brigo muito, assim, brigava na poca, sobre a histria da competio, porque eu
acho que um ponto positivo a competio. Porque uma vivncia. Como eu sempre
trabalhei em periferia, a criana sair da escola e ir participar em uma outra escola, era o supra-
sumo. No interessa se ela vai ganhar ou perder. Porque eu sempre botei isso na cabea:
Vocs lembrem que vocs j so os melhores da escola. Se vocs vo ser o melhor l no sei
onde, no interessa! Vocs j so os melhores da escola, j so superiores a muita gente,
porque vocs esto participando, representado a escola!. Sempre foi assim. Sempre levei a
competir, sempre gostei de competir. E eu acho que agita a escola. (...).
Tambm nunca fui assim de levar a participar por participar. No! A criana vai
participar sabendo as condies que ela tem. Nunca fui de jogar a criana no louco. Sempre
elas foram sabendo as regrinhas bonitinhas. Podiam at no estar no nvel, mas eles sempre
souberam aquilo no que eles iam participar, e o que eles iriam encontrar. Eu dizia: uma
corrida difcil, longa, vo cansar, podem cair. Expliquei tudo, tudo!
Ora, mas quando a professora Carmen Piovesan afirma que brigava na poca
por aquilo que ela considerava ser significativo na formao dos alunos, ela nos d
uma pista para compreender que o discurso em torno dos benefcios do esporte no
era unvoco. Havia uma diretriz clara por parte da PMC, como indica o professor
Alusio:
[O planejamento] ...ano a ano ele era modificado, era retroalimentado. Mas ele tinha
um objetivo. Enfim, era realmente voltado para a busca do talento esportivo. Ainda estava
arraigado a estes princpios. De uma certa forma era direcionado para isto porque aqueles
testes de avaliao eram exatamente para visar aquele aluno com maior habilidade, melhor
desempenho esportivo etc., para encaminhar ele j para as aulas especializadas.
Na verdade desejvel eu estou dizendo, mas eles eram obrigatrios. Por que eu
coloco a palavra desejvel? Porque dependia do modo como isso era trabalhado no interior da
escola, essas atividades tornavam-se atividades interessantes. E nessa escola, como depois na
escola em que eu coordenei em seguida, essas atividades no eram as atividades centrais da
escola. Elas eram as atividades secundrias. Era um atendimento a uma exigncia da Diviso
de Esportes, porque a gente ganhava material se participasse dos Jogos. No s! No posso
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fazer... eu estaria sendo injusta em dizer que s ganhava material quem participasse dos jogos.
Mas quem participasse do jogos, digamos assim, ganhava mais material, sobretudo se voc
tinha, por exemplo, equipe de handebol. Ento, com a equipe de handebol, voc ganhava mais
bola de handebol do que a outra escola. A outra escola tambm vai ganhar, mas no vai
ganhar tantas. A o que eu digo: o lugar que isso ocupava na escola. Ele no ocupava um
lugar de seleo dos melhores. Mas ele ocupava o lugar de mais uma atividade que a escola
desenvolvia fora do horrio com as crianas. E nesse sentido que eu achava interessante tudo
isso que ns fazamos. E isso, de certo modo, com essa professora que era muito... ela era
muito segura do que fazia.
Eu me destacava muito bem na teoria e no era muito boa na prtica. Fazia tudo o
que era necessrio, mas eu sempre me fechei. Quando eu passei a lecionar eu dizia: O bom
professor no aquele que atleta!. Porque eles queriam que todo mundo fosse atleta na
faculdade. Voc tem que saber transmitir e dar o gosto. Eu tinha gosto pela atividade mas no
queria competir. E depois, como professora, fiz o contrrio: desenvolvi o gosto e fazia os
alunos que tinham presena, competir. Agora, a Educao Fsica, para mim... Eu nunca vi a
Educao Fsica s como competio. Como eu tive uma vida muito livre, eu achava que eles
tinham... A Educao Fsica... Eles no tem mais espao para nada! E na hora da Educao
Fsica que eles voltam s razes das brincadeiras antigas, tudo. Nesse momento... a gente tem
que ver a Educao Fsica no s como esporte. E no como hoje em dia com o pessoal quer:
teoria, teoria, teoria! Tem que pr a criana brincar, tem que pr a criana participar, sentir o
que est fazendo.
No. Isso no existia! (enftico). Porque eu acho que era meio terico. Porque a
formao, a descoberta eu no sei de onde veio esse modelo de talentos no uma tarefa,
295
assim, to simples. Esse era o princpio que norteava as coisas: da aula voc extrair talentos
que deveriam fazer uma formao parte. A Prefeitura, o estado, tinham esse esquema. Voc
ganhava para treinar. Mas o preparo, a formao de um talento no uma coisa to simples
assim. Haja vista as prprias condies. No tnhamos condies. A formao de equipes no
to simples assim, sei l. Voc ganhava, no seu padro, um determinado nmero de horas
para se dedicar quilo. Mas voc no tinha nenhum apoio em termos de condies materiais.
Hoje a gente observa que h muito mais condies. At nibus vai buscar as crianas, traz de
volta, tem lanche na escola...; antigamente no tnhamos nada. O professor que tinha que
carregar os alunos para cima e para baixo, ele tinha que dar lanche e, s vezes, ele mesmo
comprar tnis. A coisa estava meio equivocada. Como que voc ia trabalhar a descoberta de
talentos? Talvez descobrir at seja fcil, mas encaminhar aqueles talentos...! Mas aquela coisa
ficou. Agora, no havia, assim, uma cobrana de resultados. E na poca j havia muitas
pessoas que questionavam essa questo da competio. H muito tempo. At hoje se discute
os aspectos negativos da premiao, mas esse um debate desde 73, de premiar os melhores,
no premiar os outros. A questo da especializao precoce, hoje to marcante...; hoje muito
mais marcante do que na poca. Porque hoje se tem condies para trabalhar as crianas. Os
malefcios do desporto, hoje, so muito maiores do que antigamente. Porque antes a coisa era
meio improvisada, sem recursos (...).
Bom. Eu vejo que foi um negcio positivo. A transformao, digamos, essa
questo do tecnicismo uma questo meio complexa para analisar historicamente. Primeiro
porque aqueles malefcios que se colocavam, da busca do rendimento, etc., confundindo esse
trabalho com o trabalho escolar, eu no percebi isso muito na poca. Eu no percebi. E olhe
que eu tive uma participao muito ativa nessa rea. Eu era tcnico. Mas eu acho que as coisas
no se misturavam muito. Com exceo dessa ligao oficial que teria que treinar equipes nas
escolas, que todas as escolas tinham [que participar]. Mas eu acho que no passava muito
disso. A questo educacional da Educao Fsica, eu acho que ela era to forte quanto hoje.
Claro que hoje..., a literatura...; h mais pessoas envolvidas, e mais pessoas em condies de
discutir essa problemtica.(...).
Em 68, 69: Quais eram as caractersticas dessa prtica? Por exemplo, aqui no Paran,
ela foi mais ou menos distorcida. Porque a legislao falava em clubes desportivos. No era
aula de Educao Fsica visando..., sei l, o lazer ou mesmo a questo higinica. No. Ela
tinha um carter formativo, que seria uma coisa mais ou menos baseada no modelo americano.
Se prepararia a criana, o jovem, em um processo contnuo de descoberta de talentos, e
quando chegassem na universidade, na universidade seria o esporte de elite. O pice. E a coisa
no funcionou. No funcionou por n motivos. Agora, o governo trabalhou em cima disso. A
partir da preocupao com a questo fsica. No incio da dcada de 70 eu sei porque eu
trabalhei como tcnico de seleo e viajei o Brasil inteiro at hoje... A grandiosidade dessa
estrutura desportiva era uma coisa fabulosa para a poca.
296
Mas a viso que a faculdade nos passava era exatamente esta da busca de talentos e
que a escola era um grande celeiro onde voc poderia formar ou forjar atletas.
Mas de qualquer forma ns samos da faculdade voltados para o esporte e assim
chegamos escola para dar aula. Era realmente a formao de atleta; nossas aulas de
Educao Fsica eram voltadas para isso. Voc j observava o talento e j convidava esse
menino a vir treinar num outro perodo. E s vezes voc separava os alunos. Voc tinha uma
turma de 40 alunos; chegava na poca de competies voc deixava 20, 30 de lado em
detrimento de 10. E deixava de lado mesmo! E deixava de lado com uma bola. Acho que a
gente pecou muito nesse sentido. Isso o algo que a gente tem que concordar que fez. Eu acho
que seria extremamente, vamos dizer assim, no seria leal da minha parte, esconder este lado
da moeda. Ele foi verdadeiro! Pelo menos comigo aconteceu isso! Por mais que voc
trabalhasse, chegava na poca da competio voc realmente deixava de lado aquelas trinta
crianas em detrimento de 10; e isto somado... daria quantas crianas? Realmente foi
lamentvel essa fase. Essa pgina da Educao Fsica ns temos resqucios at hoje.
...o meu trabalho foi muito difcil no comeo porque a professora que trabalhava l era uma
professora que estava se aposentando. Ento, evidentemente, tinha uma viso de Educao
Fsica diferente daquela que eu tinha. E da ns estvamos, assim... A Secretaria estava
iniciando aquele trabalho aerbico, circuit-trainning e a parte dos esportes: voc tinha que
trabalhar o esporte praticamente. Mas voc tinha que trabalhar a regra, voc tinha que
trabalhar o fundamento, voc tinha quer dar, dizer para o aluno o que era, o que ele estava
fazendo, afinal de contas. E a foi meio difcil porque ningum na escola achava que a
Educao Fsica fosse o que realmente a Educao Fsica: uma prtica esportiva e educativa
que pode envolver todas as disciplinas. E no incio eu no tive condies porque
simplesmente ningum aceitava: nem a direo, nem o corpo docente, nem a pedagogas e nem
os alunos. Ento o voleibol que era trabalhado era um voleibol que no existia! Voc tinha
que passar uma bola direto, primeiro, e da outro dava l; e depois, no segundo toque, voc
poderia dar os trs toques. Eram umas coisas assim que no existiam! Era mais, digamos
assim, uma atividade recreativa.
E aos poucos eu fui me impondo, porque logo no primeiro ano em que eu estive l...
Eu fui me impondo, no: eu fui fazendo com que eles vissem a importncia que existia com
relao Educao Fsica na parte no s de crescimento do aluno, do envolvimento com as
298
outras matrias, mas tambm o aluno sentir aquela prtica importante, ou aquela teoria
importante. Ele no precisava ser bom em todas as disciplinas, em todos os esportes ou
modalidades esportivas que eu tinha condies de fornecer, que a escola fornecia. Porque eu
tinha que fazer um plano usando o que eu tinha na escola, que eu pudesse realmente
desenvolver. Porque tinha modalidades que no era possvel desenvolver porque ns no
tnhamos material. E ao poucos, devagar, ns fomos conseguindo este lugar e chegamos ao
ponto de, alm de conseguir fazer com que houvesse os treinamentos separados da parte
educativa, ns tnhamos a parte de aula normal onde ns desenvolvamos, digamos, o b-a-b
de uma forma crescente de 5 a 8 srie (...).
Ento, aqueles alunos que tinham boas notas, que tinham habilidade, que os pais
permitiam e que os pais queriam, tambm, poderiam participar dessas atividades no horrio
contrrio. Mas aquele incio era nosso, de encaminhar esses alunos. Tanto que eu tive, por
exemplo, uma aluna que tinha problemas na 5 srie. Quando ela chegou ela destoava de todo
mundo por causa da altura dela. Eu agora no lembro o nome dela, mas ela foi jogadora de
basquetebol da seleo brasileira. No sei lhe dizer o nome dela, agora. Pode uma coisa dessa?
Tinha ela e a irm. Bom, era uma menina muito alta e que tinha dificuldade em
trabalhar. E se identificou com o basquetebol. E ns tnhamos uma quadra boa, polivalente,
mas ns nunca tnhamos tabela. E quando a gente falava em cesta para o diretor, o diretor
dizia: Mas porque a senhora no pega uma cesta daquelas que tem... (risos). Ele no
entendia de esporte. Nada! Ele dava condies de voc trabalhar mas ele no entendia
absolutamente nada. E ela foi, sabe. Como ns s tnhamos arcos, trabalhvamos com aquilo
que ns tnhamos, mesmo. Ela foi bem e tal e eu conversei com o professor Herivelton: Olha,
eu tenho uma menina, assim. Ele fazia treinamento no Curitibano. Voc no quer fazer um
teste com a menina para voc ver se aproveita ela? Quem sabe uma oportunidade dela se
sentir um pouco mais feliz. Porque com a altura dela, ela est toda vida abaixadinha,
insatisfeita. Conforme a atividade ela no quer participar. E ele disse: Mande ela para
mim!. A me, os pais tambm incentivaram e a menina foi. J trabalhou em So Paulo, ficou
em Piracicaba muito tempo e foi nos Jogos Olmpicos de... Foi a uns trs ou quatro Jogos
Olmpicos, que ela foi (...).
No teve assim aquele destaque, no era uma jogadora fora de srie tipo Hortnsia,
Paula, mas era uma aluna que teve um destaque muito bom. E a irm dela, ao contrrio, era
baixinha, mas tinha uma vontade com aquele basquete! E eu dizia para ela: Por favor, veja,
escolha outro esporte!. Porque ela no tinha chance. Mas era to teimosinha, to teimosinha e
foi treinar com o Herivelton. Mas no teve o mesmo sucesso que a irm, evidentemente. A
altura uma coisa assim, importantssima. E a outra era toda mole, assim, sabe, ela tinha
dificuldade, voc sentia. E uma menina que eu acho que cresceu e se realizou com o esporte.
forma de trabalho impressa pela professora em comparao com aquilo que era
desenvolvido antes da sua chegada escola. Contra uma prtica recreativa, uma aula
que no existia, ela no s imprimiu um trabalho eminentemente esportivo, como
tinha uma preocupao com a seleo e o encaminhamento dos alunos que se
destacavam. Mesmo o interesse da aluna que no era to alta no implicou um apoio
da sua parte, para que jogasse o esporte que gostava. Tratava-se, pois, de ter os
requisitos bsicos necessrios para a prtica de determinada modalidade esportiva.
Nesse caso, a vontade da aluna, na perspectiva da professora, perdeu espao para a
sua estatura. Essa era a prtica desejvel, expressa de maneira muito transparente nos
programas oficiais.
Se retornarmos ao contexto de uma outra escola no incio dos anos 1970,
podemos observar uma avaliao bastante simtrica, ainda que enaltecendo a
dimenso tecnicista da Educao Fsica. O professor Clodoaldo assim se manifesta:
trabalho que eu fazia, principalmente esse que aparecia, que era o do lado desportivo, embora
nas aulas de Educao Fsica, como eu falei, havia, sim, um certo descompasso. Porque
naquela poca os professores que se formavam eram muito voltados para a parte tcnica, o
tecnicismo. E com o tempo a gente foi mudando isso a...
Onde que o militar entrou nisso? O militar entrou apoiando as competies, apoiando
as atividades esportivas, dando oportunidade que os acadmicos de Educao Fsica, os
professores de Educao Fsica, os atletas tivessem abertura em clubes. Cito uma grande
escola, o Colgio Militar, onde os alunos da Escola de Educao Fsica faziam estgio e
usavam todas as instalaes do Colgio Militar. Eram abertas para a Escola de Educao
Fsica at as aulas de especializao. E havia, vamos dizer, uma poltica da boa vizinhana
entre a Escola de Educao Fsica e o Colgio Militar, e dali saram grandes atletas e grandes
professores. A que entra a parte militar no meio. E o militarismo foi o que deu impulso. Na
minha opinio; pode ser que eu esteja errado! Mas na minha viso... Muitos falam mal do
militarismo. Cada um fala do seu ngulo, da sua viso, do seu prisma. Mas eu agradeo o
militarismo porque eu tive oportunidade de trabalhar com militares e vi tambm ordem,
disciplina, comando; inclusive usei esse estilo de trabalho nas minhas equipes. Mais tarde eu
vim trabalhar em colgios. Um famoso de Curitiba que depois voc vai ouvir falar e que voc
foi meu aluno l. Bem, eu sa desse colgio em 1973, com grande glria. Fui o primeiro
professor de Educao Fsica na Rede Municipal de Ensino que inventou um relatrio do que
se fez durante o ano e encaminhou ao chefe superior. E da passaram a cobrar relatrios dos
302
outros professores, das outras escolas da Rede Municipal, naquela poca em nmero de 15 ou
20 escolas. E veja s: o progresso atrapalha, s vezes. E dentro da rea de Educao Fsica,
nas escolas da Rede Municipal de Curitiba o progresso diminuiu o entusiasmo, o mpeto, o
valor do profissional, o trabalho (...).
E o jogo, a prtica desportiva, ajuda o elemento a se desenvolver intelectualmente?
Ajuda! Eu fiquei pensando: Eu estou aprendendo a ser mais intelectual. Eu estou usando
mais a minha cabea, a minha memria, mais o meu intelecto. Ento eu estou me
desenvolvendo intelectualmente. Socialmente, o que o esporte faz? Eu me lembro de uma
frase que era o slogan de uma emissora: O esporte faz amigos. E realmente, o esporte
socializa as pessoas, ele puxa os grupos. Ele s competitivo na hora em que voc est
defendendo a sua camisa. Depois que passa aquele momento voc social com qualquer um.
Veja o exemplo dos jogos olmpicos: foram criados para esse fim e graas a Deus continuam
para esse fim. Mudou um pouquinho, mas a raiz dos Jogos Olmpicos continua. Veja que
todos os povos querem competir e cada ano aumenta o nmero de participantes. um
congraamento social, um aglomerado de povos que em algum momento da vida tentam
falar a mesma lngua, tentam fazer o mesmo gesto, socialmente. Ele desenvolve muito
socialmente. E moralmente? Voc veja uma pessoa que no pratica esportes, que no d valor
ao esporte, que no pratica nada: ele moralmente abatido. Se dizia: Voc um amoral.. A
pessoa se desenvolve moralmente praticando esportes, praticando Educao Fsica.
A importncia? Eu acho que fundamental para o desenvolvimento integral do
indivduo! A Educao Fsica importante em todos os setores. Ela tem que ter importncia
at no consultrio mdico, at na frente do computador, at em um culto, at em uma grande
festa religiosa, at em um momento triste ela tem o seu valor. Porque a Educao Fsica puxa,
movimenta o corpo em todos os sentidos. de importncia fundamental para o ser humano.
fundamental para a sociedade. fundamental para o desenvolvimento integral do indivduo e
falando do indivduo, da sociedade, em si (...).
Ento, voc veja: o aplauso na hora da dor, e a vaia na hora da alegria, quando um
time conquista uma vitria que os outros no gostaram; ento jogam a vaia para cima. Ento
tem os lados, os momentos antagnicos. Por isso que o esporte maravilhoso. Por causa
disso. Ele coloca os dois lados ao mesmo tempo em choque e veja s: ocorrem brigas,
ocorrem tragdias, mas no tem a guerra. Se todos os povos praticassem o esporte, talvez a
guerra diminusse. Talvez a gente acabasse com as guerras. O esporte aquele que une. Une,
faz amigos e sacramenta as amizades. E as histrias esto a para contar as grandes amizades
que existem atravs do esporte, atravs da Educao Fsica. Quando falo esporte eu sempre
fao uma aluso Educao Fsica, porque a Educao Fsica o futebol, o vlei, o bal, a
dana, a corrida, o salto, tudo. um elemento cortando uma rvore, rolando um tronco,
pulando uma cerca, se pendurando em um galho, tudo isso o esporte. Tudo isso faz com que
as pessoas se unam.
303
...como se diz... (risos), bom para a sade!. Esse era o argumento! Mas muito
com essa conotao biolgica da coisa. difcil. Hoje ela tida..., eu sempre digo: o que
caracteriza mesmo [a Educao Fsica], e jamais vai ser negado, o esporte. Seja ele de
competio ou no. Ele o objeto clssico da Educao Fsica. Os outros ainda coloca-se em
dvida se pertencem realmente Educao Fsica. At mesmo alguma coisa da rea
psicolgica. Mas como se fosse uma atividade relaxante, que canalizava o stress... alguma
coisa nesse sentido! Mas no uma prtica corporal, como hoje apregoada. Esse discurso no
existia! Era difcil vender o peixe para os outros, mostrar a importncia. Esse no foi um
trabalho fcil, no! Ainda hoje, por incrvel que parea, ela ainda recebe uma discriminao
forte. Ainda hoje. Ainda hoje recebe! (...).
Qualquer recm-formado tem uma viso muito mais ampla do que se tinha na poca,
que se caracterizava quase como que sinnimo de esporte. E o pior de tudo, esporte de
rendimento, que era uma viso pior ainda. Depois veio essa viso higienista dela, que talvez
304
foi pior ainda, como se a Educao Fsica fosse resolver o problema da sade, fosse prevenir
todas as doenas, fosse curar todas as doenas... Isso uma balela. Ns sabemos que a coisa
no por a.
Ainda que procure precisar mais o que seria a Educao Fsica, o professor
Ademir no extrapola o mbito do esporte. Ele apenas no confere ao termo esporte a
amplitude emprestada pelo professor Evaldo. Mas ele nos d uma indicao preciosa:
na poca a Educao Fsica se caracterizava quase como que sinnimo de esporte.
Essa flexibilidade ou plasticidade dos conceitos de Educao Fsica e esporte parece-
me caracterstico daquele perodo. No imaginrio do professor eles estavam fundidos
num s conceito: a Educao Fsica. Mas esse conceito gradativamente tinha deixado
para trs um universo muito mais amplo de prticas corporais escolares, como
podemos inferir do depoimento do professor Jlio Lubachevski:
Quando eu vim fazer o curso de Educao Fsica aqui, eu tambm demonstrei que
tinha condies de lidar com crianas. No s com atividades esportivas, mas lidar com barro,
como eu lidava, como eu fazia, entendeu? Bom, acontece que eu passei no curso de Educao
Fsica e fui convidado para trabalhar no Colgio Militar. E tinha a famosa calistenia! E eu
quis mudar o mundo l! Porque na poca, o professor Germano... Tinha aqueles cursos
internacionais que a Associao do Professores de Educao Fsica do Paran promovia com
muita eficincia, diga-se a bem da verdade. E o Gerhard Schmitd, um austraco, vinha aqui e
dava aulas belssimas, alegres. Todo esse trabalho que feito dois a dois, trs a trs,
dancinhas, no sei o qu, atividades alegres que iniciam nas atividades, que esto inventando
aqui, e que at no futebol usam e dizem que so os pais da criana, tudo isso aqui... Os pais
da criana j morreram faz tempo, compreende? Isso uma coisa incrvel! A mesma coisa
que a atividade aerbica, os movimentos de dana, de deslocamento no espao, de msica, de
no sei o qu: h 30 anos atrs, a gente, no Colgio Estadual, fazia isso diretamente da Sucia,
que vinha com filme e com o raio que o parta, compreende? isso a. No adianta esse
pessoal vir enganar a, dizer... Eu no falo nada porque no adianta falar, dar murro em ponta
de faca. Porque o pessoal est com um fiapo de cueiro naquele lugar e no entende nada.
Ento no adianta eu comear insistir nisso aqui. No querem entender no entendam!
Pacincia!(...).
Mas continuando, ento: do Colgio Militar, com os entreveros que a gente teve na
poca, quem estava comandando l, era o coronel Sidnei, o coronel que reitor da Tuiuti,
hoje. O coronel Sidnei era o comandante do Colgio Militar. E quem comandava a Educao
Fsica, na poca, era o capito Olissia, que hoje l da Esprita, compreende? Ento eu fui
305
l: Esse troo aqui da ustria, um negcio rico, um negcio fantstico!. Mas o regime
militar aquele negcio... Ento vamos obedecer o que tem que fazer! (...).
Mas voc pode notar o seguinte: por qu? Devido a essa viso do mundo e essa
valorizao que eu dou para tudo, entendeu? Porque quando eu vou tratar com o aluno, o meu
tratamento no um tratamento puramente tcnico, mas um tratamento como um ser
humano. Voc deve ter tido experincias comigo. Afinal de contas, eu quando tratava com
voc, no tratava com voc pura e simplesmente sob o ponto de vista tcnico, mas voc como
pessoa humana, voc como pessoa que tem desejos, que tem interesses, afinal de contas,
sonhos. Tem sonhos na vida, e que a coisa no assim. E quando eu falo com uma aluna l,
sei l, que est com problemas de relacionamento afetivo ou qualquer coisa assim, no
simplesmente tampar o ouvido e deixar a coisa passar. Mas conversar com a pessoa. Afinal
de contas, eu sou um educador, eu sou um pedagogo, eu sou um orientador educacional, eu
me preparei para isso. So cursos que eu fiz para isso, tambm. Entendeu? Ento eu no posso
ter uma viso estreita do mundo. E da as coisas se modificam at no um-dois da Educao
Fsica, que muitos obtusos dizem que um-dois. E no assim! Porque quando voc faz
determinados movimentos, determinadas coisas, voc j pode relacionar aquilo com n
situaes de vida. E da a coisa toma outra figurao, outro valor, outra importncia. No
uma coisa to simples quanto se possa imaginar.
Tudo bem: tinha uma ligao poltica? Tinha, claro, como tem at hoje. Quando voc
convidado para uma gesto do estado voc est ligado a uma corrente poltico-ideolgica
desse estado. No tem por onde escapar. E eles tambm! Mas isso no significa dizer que
aquelas pessoas todas tivessem um leitura nica das coisas. E por no terem essa leitura nica
que o campeonato acontecia, acontecia o festival, que era uma coisa que criticava o
campeonato, que era uma conquista nossa. Na verdade eu vejo assim, hoje eles
provavelmente faziam um leitura nossa, dos professores da escola, assim: Vamos atender ao
festival deles porque assim eles param de berrar e ns continuamos com o nosso
campeonato. Possivelmente tinha isso tambm. No sei se necessariamente de modo
consciente, mas isso estava colocado.
Eu nunca gostei, por exemplo, em toda a minha vida de trabalho, de dar oportunidade
para as pessoas chamarem a minha ateno. Nunca gostei de ser criticada porque eu no
estava trabalhando, principalmente por no estar trabalhando. Esse perfil de ociosidade: eu
nunca dei pano para a manga. Mas, mesmo que no houvesse obrigatoriedade, eu criava a
necessidade de... Eu acho que era mais por meu entusiasmo do que pela obrigatoriedade, no
estado. Agora, na Prefeitura, sim. Na Prefeitura a gente tinha um tipo de presso muito
violenta. Alm de voc levar, era a presso de no classificar seus atletas. Se voc no
classificava voc no tinha feito um bom trabalho.
Hoje eu tenho uma idia de Educao Fsica muito diferente daquela que eu tinha
antigamente, uma idia muito mais voltada para a sade do que eu tinha antigamente.
309
Antigamente era mais esporte, desporto, competio, treinamento; hoje no! Minha cabea
mudou, mudou muito! Estou no rumo certo e pena que eu no tive uma formao, naquela
poca. Eu achei at que foi falha na ex-Escola de Educao Fsica. Infelizmente, meus mestres
falharam nessa viso da Educao Fsica. No todos, acredito! Mas muitos eram partidrios da
Educao Fsica tecnicista, e como eu era atleta, me abracei neste lado da Educao Fsica.
Claro que havia profissionais na Escola realmente imbudos da Educao Fsica como um
meio de educao, sade, tudo mais. Mas na minha cabea no entrava muito isso, no entrou
muito isso a. O tempo que foi me ensinando.
Da entrei na Educao Fsica. E diga-se de passagem, que no era uma viso voltada
para o magistrio que eu tinha. Eu vinha com uma estimulao muito grande para rea de
esportes. Mas l no curso, o curso ainda fortemente esportivizado, eu tive uma relao muito
sofrvel com as disciplinas pedaggicas. At hoje eu sou apaixonada por didtica. A didtica
que eu tive... Eles nos colocavam naquelas arquibancadas e ditavam a prova para cento e...
Duzentos alunos! Essa foi a didtica que eu tive! Noventa alunos na sala de aula, aquelas
coisas todas. Por qu eu quero resolver as questes dessa disciplina? Porque foi uma coisa que
ficou vazia na minha formao. Eu no tive referncias dessas disciplinas na minha formao.
Mas ela no rompe com nada. Mas, naquela poca, eram respostas interessantes que voc
tinha.
E o pessoal da Prefeitura via e dizia que isso no era Educao Fsica. Isso
motricidade, mas no Educao Fsica! Ento est bom, no Educao Fsica!. Da eu
comecei a descaracterizar essa hegemonia da Educao Fsica de treinar a criana, do esporte.
E na aula, em si religiosamente as crianas tinham, ningum deixava de ter aulas a gente
comeou a incluir alternativas de contedo que no ficassem centralizados na bola. A gente
comeou a combater. E combatia as colegas de escola que centralizam no caador: colocava
todos no caador, corda para as meninas e bola para os meninos; estavam comeando a jogar
futebol. E a gente trabalhava... Para voc ter uma idia, a gente passava todos os finais de
semestre trabalhando duro com a crianas e as crianas pediam bola. A gente vinha a trabalhar
com bola no ltimo bimestre. O ltimo bimestre era um bimestre dedicado exclusivamente
para as aulas de bola. O que voc possa imaginar a gente trazia. No primeiro semestre a gente
trabalhava muito... No primeiro bimestre era fundamental o corpo. O corpo era o objeto da
Educao Fsica: se mexer, dobrar, esticar... A criana tinha que se perceber, se situar dentro
daquela estrutura antomo-funcional que ela tinha. No segundo bimestre a gente trabalhava
muito com a questo rtmica porque ainda tinha aquela vinculao com a festa junina. No
terceiro bimestre a gente trabalhava com folclore. Fiz trabalhos belssimos com folclore, o
resgate... pena que naquele tempo a gente no registrava, no dava tempo; ns recuperamos
jogos fantsticos. E o quarto bimestre era bola. Da troquei aquelas bolas de vlei, aquelas
bolas de handebol caras, de couro, por bolas dente-de-leite, por bolas de borracha, bolas de
plstico. Era um festival de bolas (...).
Com essa forma de minar, se comea a criar posies diversificadas. E essas
posies diversificadas fazem as pessoas comearem a se agregar em grupos menores. Ento,
313
era o grupo do esporte que era atacado pelo grupo das psicomotricistas! E a ficou uma coisa
assim, bem de gnero: a maioria das meninas adotou o paradigma da psicomotricidade, que
fazia crtica ao paradigma do esporte; e os meninos se fechavam como forma de fazer uma luta
pesada. Foi bem interessante. E surge um outro grupo que o grupo da recreao. E foi difcil
entre os anos 80 e o anos 90. E eu tenho a impresso de que no aconteceu ainda a superao
desse senso comum conceitual entre recreao e psicomotricidade. Parece que no ficou claro.
Ficou um amlgama (...).
Seriam esses trs momentos: aquela hegemonia do esporte, a diluio em cima de
paradigmas do esporte, psicomotricidade e recreao. Aquela confuso conceitual que eu
tenho a impresso de que no se superou ainda...
Naquela poca, por exemplo, tinha grupos de poder da Educao Fsica que no
gostavam da parte cientfica. A minha amizade com o Alfredo foi por causa disso. Eu sou o
editor do Alfredo porque eu pincei ele de onde ele estava. Ele era um dos poucos caras que
tinha uma formao que pudesse passar para os ento educadores fsicos um status melhor. Eu
era um cara privilegiado que vivia em outros pases e via isso acontecer. Ento eu servi de
ponte para isso. Depois apareceram vrios. Quer dizer, eu no fui um cara excepcional. Era
uma poca.
Havia vrios. O Tubino produto dessa poca. Ele tambm viajou pela Frana e
encontrou o Cooper l, por acaso. Fontainebleau. O famoso Congresso de Fontainebleau. E
com isso ele fez outro livro sobre treinamento esportivo que saiu uns quatro ou cinco anos
depois daquele primeiro e que vendido at hoje. E est a o Tubino que um dos lderes da
Educao Fsica. Isso para dar um exemplo. Mas surgiram vrios. O prprio Coutinho imps
ao treinamento esportivo, dentro do Exrcito, depois na Seleo de Futebol, critrios de
natureza cientfica. E curiosamente os professores de Educao Fsica que vinham da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, antiga Escola de Educao Fsica, no tinham essa
viso. O Alfredo era um dos poucos. Tanto que houve momento que chamavam Escola
Cientfica Pedaggica e eram uns caras que tentavam impor na Educao Fsica uma viso
pedaggica que no havia, e uma estrutura cientfica.
Quer dizer, uma coisa assim, se voc olha, humanitrio, estava dentro desse
universo bem sensvel, bem daquele momento. Voc tinha uma coisa muito do amor, do
magistrio como amor. Talvez exagerado (...).
Por essas coisas que a gente achava que treinar uma equipe era uma coisa muito
pequena, entende? A gente tinha outras coisas para fazer na escola que eram muito mais
importantes do que isso, do que treinar equipe. E a eu acho que comeava a se formar, eu
diria assim, uma conscincia mais intelectualizada (...).
Quando eu fui trabalhar na So Miguel, que era uma escola de 5 a 8, eu acho que
ali, nesse perodo, eu comecei mesmo a sistematizar as crticas ao esporte. E sobretudo porque
era uma escola de 5 a 8 srie. E ns na escola tambm tentvamos fazer um trabalho legal.
Eu acho que a gente fazia um trabalho bem interessante naquela escola. Ns ramos em trs
professores de Educao Fsica e duas recreacionistas, eu acho, e fazamos um trabalho
muito... Quer dizer, tinha a Bblia que era por temporada, ns trabalhvamos de 5 a 8, mas
eu acho que ns introduzamos o elemento ldico sempre em nossas aulas, mesmo naquela
poca.
A gente seguia a Bblia. Mas sabe que isso um coisa interessante de ser dita aqui:
seguir a Bblia no significava... seguir a Bblia! Quer dizer, a Bblia era assim: esse bimestre
tenho que dar vlei. Mas o vlei que eu dava no era o vlei que estava na Bblia. Era o vlei
possvel com meus alunos, com meu material, com as minhas condies, com o que as
crianas sabiam. Digamos assim, com uma certa dose de considerao pelas possibilidades
que voc tinha de desenvolver um trabalho que fosse mais..., mais ldico mesmo, a palavra.
316
Veja bem: d oportunidade das crianas demonstrarem aquilo que elas aprenderam
nas aulas. Hoje a gente diz especializada. Antigamente no tinha esse tipo de aula
especializada. Ento, d oportunidade do garoto desenvolver aquilo que ele est
desenvolvendo, o que aprendeu na escola ou com seu professor, competindo. Ele vai
demonstrar tudo aquilo que ele aprendeu. Eu acho que essa atividade dever sempre ter; e
uma coisa que eu fao aqui tambm, na Rua da Cidadania. Alm da Escolinha de Futebol,
volta e meia fao um joguinho com eles para motivar mais, para mostrar, fazer a correo
daquelas atividades que a gente d para eles, para eles procurarem melhorar. E atravs de uma
competio voc pode aperfeioar o erro da criana. Voc d aula, ensina, mostra e no jogo
voc vai corrigir.
Eu acho que nenhuma competio faz mal criana, no meu ponto de vista. Voc
orientando perfeitamente em todos os sentidos a criana, a competio s traz benefcios. O
esporte s traz benefcios a todos.
No sei o que se passava muito na cabea das pessoas, agora me parece que isso j
era uma tendncia mundial. No sei se o governo via, atravs do esporte, alguma forma de
fortalecer o regime. No sei como que isso poderia acontecer. Mas eu acho que o desporto era
uma tendncia mundial na poca. O Estados Unidos tambm. Um pas que, vamos assim
dizer, reconhecidamente democrtico, e tem uma forte tendncia ao desporto de competio.
Ento eu no sei como que o esporte, nesse sentido, poderia estar dentro da ideologia do
governo, como que ele poderia ser usado. Hoje o pessoal critica muito isso. Agora eu no sei,
mas eu acho que era um tendncia mundial, da poca.
Eu acho que o futebol, ele realmente foi usado. O futebol foi usado! O futebol de
elite, de competio, porque representava o Brasil. Agora, o esporte em nvel escolar, no sei
no!
321
CAPTULO 4
Raymond Williams
haver registros outros sobre a maneira como eram desenvolvidas as aulas de Educao
Fsica. Como j indiquei, mesmo no que se refere aos programas escolares que em
hiptese alguma poderiam ser tomados como expresso do que acontecia de fato
eles simplesmente no foram localizados. Parto da hiptese que, uma vez que havia
um Programa geral organizado com a participao dos professores, no eram
desenvolvidos programas prprios das unidades escolares. Essa impresso foi
confirmada por alguns depoentes, que afirmavam ser a Bblia em si o programa de
cada escola.
Alm disso, no foram localizados dirios de classe os quais, ainda que
sujeitos a imperfeies como evidncias, poderiam ajudar a encorpar o universo
documental. Segundo informaes da professora responsvel pelo arquivo da
Secretaria Municipal de Educao de Curitiba, esses materiais so queimados aps
cinco anos de arquivamento, por determinao do CONARQ.51 Na secretaria de vrias
escolas quais me dirigi, essa informao foi confirmada. Por fim, diferentemente de
outras disciplinas passveis de terem o seu desenvolvimento histrico apreendido por
livros, cartilhas, cadernos etc., a Educao Fsica simplesmente no oferece a
possibilidade de lanarmos mo de fontes dessa natureza, pelo fato de no fazerem
parte da dinmica de atuao de professores e alunos no interior das escolas. Por um
curto perodo de tempo os supervisores de Educao Fsica valeram-se de fichas para
acompanhar o desenvolvimento das aulas, segundo os professores. Mas infelizmente
tambm no consegui localizar esse material. Dessa maneira, o depoimento dos
professores que efetivamente atuavam nas escolas naquele perodo ganha relevncia
como possibilidade aproximativa do que teria acontecido na realidade.
O conjunto dos professores entrevistados aponta para as dificuldades no
trabalho cotidiano: a falta de material, de espao adequado, caractersticas dos alunos
etc. Ao mesmo tempo os seus depoimentos nos do indicaes valiosas sobre o
desenvolvimento das aulas, seja quanto ao contedo, forma de desenvolv-lo,
participao dos alunos, sendo que muitos deles chegaram ao requinte de relatar
detalhes bastante significativos do dia-a-dia da escola. Portanto, vou privilegiar nesse
tpico justamente essas duas dimenses da aula: a dimenso fsica, espacial, material,
e a dimenso relacional, naquilo que diz respeito relao professor-aluno e relao
51
Conselho Nacional de Arquivistas.
323
Herbert Marcuse
Como j afirmei, uma das metas polticas para a expanso da Educao Fsica
na dcada de 1970 era justamente o incremento de recursos financeiros e materiais.
Pelo depoimento dos professores, a maioria das escolas ressentia-se da falta de espao
e material adequados, o que implicava uma constante improvisao e adaptao dos
recursos exigncias dos programas. Considerando que a PMC desenvolveu uma
poltica de Educao Fsica e, ainda assim, apresentava essas dificuldades, podemos
deduzir que naqueles lugares onde a Educao Fsica ainda no era objeto de uma
maior sistematizao, a situao fosse bem pior, o que nos permite relativizar a
implementao in toto do prprio iderio oficial.
Vimos acompanhando que uma das caractersticas da Educao Fsica
brasileira no perodo aqui abordado era justamente a busca de sua afirmao. Um dos
elementos dessa afirmao passava, sem dvida, pelo incremento do apoio fsico
necessrio para o seu desenvolvimento. O Diagnstico de 1971 enftico ao destacar
a necessidade de investimento em infra-estrutura, de intercmbio, de melhora nos
padres de formao etc. Quanto aos dois ltimos aspectos, pudemos observar
324
Ento, foi uma poca assim de muita fartura. Ns levvamos sacos de bolas de vlei,
de basquete, de borracha, maa, arco, entendeu? Material de atletismo: peso, disco, dardo.
Colches de ginstica. A escola estava abarrotada. Ento voc municiava o professor; ele
tinha, vamos dizer, material. Ele no poderia, primeiro, reclamar de espao porque ele tinha
quadra, tinha tudo. Material ele tinha de sobra. Ento era, eu acho, que era um direito do
Departamento.
Prefeitura e na poca quem atuava na parte de Educao era o Sidnei. O Dr. Coreolano era o
Diretor de Educao. Eu cheguei l para conversar e o Sidnei disse: Vem c: est vendo isso
aqui? Isso vai ser feito l perto da sua casa, l na Vila Oficinas. Ento eu vou dar aula a!.
Isso foi mais ou menos no ms de maio de 70. E quando ns fomos escolher vaga, estava o
Aluisio da Rosa: Pega o Omar Sabbag!. No. Onde fica isso?. Pega o Omar Sabbag que
voc mora no Guabirotuba; e o Omar Sabbag fica na Vila Oficinas. uma escola nova que
eles esto construindo. Pegue o Omar Sabbag que voc vai gostar!. Ento o Aluisio da Rosa
veio para c. No sei se voc conhece? Ai ns dvamos aula, eu, ele o Enofram aqui. E a
[inaudvel]. Ns viemos em quatro professores.
Olha, como sempre, Educao Fsica eu gostava. Ns dividamos, como eu falei, as
turmas em feminino e masculino. No havia turmas mistas. A turma mista era de 1 a 4. A
gente atuava e era o trabalho mais difcil de fazer porque os interesses so muito diversos.
Atuei muito tempo dando aula de 1 a 4; e da ns dividimos. As 6 e 8 tinham aula de tarde e
Educao Fsica de manh. As 5 e 7 tinham aulas normais de manh e vinham fazer
Educao Fsica tarde. Situaes invertidas. Ento eram divididas. De 5 a 8 srie era
dividido, quando foi implantado o 1 grau. E de 1 a 4 tambm eram dividas: as 1 e 2 sries
tarde e 3 e 4 sries, de manh. S que da as aulas j eram em horrios encaixados. De
sala, de 1 a 4 era horrio encaixado e de 5 a 8 era perodo contrrio. Ento, o alunos
vinham: quem tinha Educao Fsica nas 2, 4 e 6 vinha e nas quartas-feiras eles escolhiam o
professor, porque era hora de treinamento (...).
No sei o que eles esperavam. Eles achavam que ns tnhamos muita criatividade,
provavelmente! Inclusive, quando eu comecei o padro, eram 20 horas. E depois eles
implantaram um grupo de 24 horas e todos ns tivemos que participar das 24 horas. Ns
tnhamos aulas de segunda a sbado. Era ruim. S que ns, professores de Educao Fsica
vnhamos de segunda a sexta, e outros professores tinham aulas no sbado. Ns no vnhamos
no sbado por causa do problema difcil de encaixar as aulas, eles diziam. Depois ns
descobrimos que eles vinham das 7h30min s 11h30min e ns trabalhvamos todos das
7h30min s 12h00min. E ningum abria a boca para avisar os professores de Educao Fsica.
Ento ns trabalhvamos mais durante a semana e amos nas competies sbados e
domingos. No tinha aula no sbado para ns por causa disso (...).
Ns tnhamos fartura de material. Espao era exguo. Ns no tnhamos nada. Ns
amos para rua, ns amos na frente das casas que tinham uns vazios, terreno baldio;
aproveitvamos tudo. Aqui estava sendo construdo e a comeou... Fizeram uma quadrinha
pequenina l nos fundos e gente usava aquela; dividia entre a gente. Com o tempo fizeram a
quadra de cima. Com uma escola deste tamanho o espao para Educao Fsica muito
pequeno. Ns no temos espao aqui. Todo mundo acha que tem, mas para uma escola que
tem 40 turmas em um perodo, a quadra muito pequena. Eu sempre costumei ir para rua.
Peguei quadras l nos fundos, no Centro Social, no Arion. E eu tinha colegas com os quais era
difcil dividir a quadra. Eles achavam que quando pegavam a quadra, ela era deles e no
precisava dividir com outros professores. Cada um... Se voc usava uma lateral eles
326
reclamavam. Os prprios professores de Educao Fsica no deixarem nem usar uma lateral
de quadra! Era pesado! Alguns professores no eram colegas. No vou citar nomes porque eu
acho melhor no citar. Porque no havia espao. Ento cada um lutava pelo seu espao.
52
Se partimos do pressuposto que o espao escolar tambm conformador do currculo, devemos
admitir que uma efetiva esportivizao das aulas de Educao Fsica s poderia ter ocorrido com a
disponibilidade daquele espao determinado pelos cdigos esportivos. No se trata, pois, de ter apenas
espao livre disponvel, mas sobretudo, de ter o espao adequado, com os seus equipamentos, suas
marcaes etc. possvel praticar todas as variantes da ginstica olmpica sem o equipamento
adequado? Talvez por ter conscincia desses limites a professora tenha ironizado sobre a capacidade
criativa do professor de Educao Fsica. Para aprofundar a questo referente ao espao escolar, ver
Viao Frago (1996) e Viao Frago e Escolano (1998).
327
Eu acho que foi muito gostosa essa passagem no Papa Joo XXIII. Realmente fiz
muita coisa no colgio. O conceito da Educao Fsica subiu muito na escola por este tipo de
atuao nossa. A gente estava preocupada em melhorar a Educao Fsica na escola como um
todo, procurando melhorar os locais, procurando material. A Prefeitura no mandava material,
ento como que a gente iria conseguir dinheiro para materiais? E surgiu a idia de fazer esse
sarau. Um belo dia eu vi l, sarau da 8 srie: Para qu isto?. Para angariar fundos para a
formatura da 8 srie. No d para fazer um sarauzinho para a Educao Fsica?. Foi a que
ela [a diretora] me deu essa abertura: Se o senhor se responsabilizar, pode fazer quantos
saraus quiser aqui dentro!. Peguei a brecha e fiz quatro saraus. Para voc ter uma idia,
naquele tempo na Escola de Educao Fsica no tinha colcho gordo e no Papa Joo XXIII
ns tnhamos colcho gordo para salto em altura! Entende? Sobrou um dinheirinho, ainda, de
todas as compras do material, e dei um prmio para os alunos. Porque eu no fiz sozinho isso,
fiz com os alunos. Eu j tinha equipes representativas na escola que participavam de Jogos
Mirins da Prefeitura, Jogos Infantis... A gente j tinha as equipezinhas de competio e foi
essa piazada que me ajudou a fazer os saraus. Como prmio para eles, eu resolvi fazer uma
viagem Paranagu de trem. Foi fantstico! Eu digo para os meus alunos: o que para muita
gente um programa de ndio Isso palha!; eles tem usado muito este termo, palha:
coisa que no serve, no presta, ruim enquanto para a maioria das pessoas uma ida a
Paranagu de trem programa de segunda categoria, para aquelas crianas, naquela poca, foi
uma coisa inimaginvel. Eles nunca tinham... No conheciam trem, achavam que Paranagu
era mar, era praia; queriam entrar naquela gua suja. Foi um trabalho fantstico nestes
aspectos.
fossem as iniciativas do professor e dos seus alunos (atletas), talvez aquilo que
estava proclamado na lei no pudesse ter sido desenvolvido. A crena do prprio
professor na pertinncia daquele modelo parece t-lo movido a buscar as condies
ideais para o desenvolvimento das suas aulas. Condies essas que estavam sendo
negadas justamente pelos rgos que orientavam como a aula de Educao Fsica
deveria acontecer. Mas como prprio das normas que se prendem quilo que deveria
ser, sua aplicao no poderia ocorrer sem o atendimento das exigncias bsicas
necessrias para o seu desenvolvimento. Como em tantas outras dimenses da cultura,
a Educao Fsica parece no ter escapado incongruncia entre a realidade brasileira
e as determinaes da tecnocracia. E aqui estamos diante de um sistema que inovava e
buscava avidamente adaptar-se norma legal. Se tomarmos como referncia a
realidade de algumas escolas estaduais tudo indica que as condies eram ainda mais
precrias.
E d-lhe correr. E como essa escola era em um topo, eu ficava no final da quadra e
enxergava eles assim, subirem (desenha um crculo imaginrio no ar); s no enxergava as
crianas correrem atrs da escola e depois as via descerem. Ento, enxergava trs quadras eles
correndo e uma atrs da escola, que no dava. Mas no tinha como cortar, no tinha nada;
ento eles corriam mesmo. E era uma rampa do capeta.
Todo mundo fazia que seguia. O pessoal estava dando aula e seguia mais ou menos
aquele planejamento. Ningum assim: vou fazer s... Voc pode saber que os seus alunos...
Voc vai dizer para eles... Cada um adapta ao seu prprio momento. O professor no um
burrinho que vai seguir o caminho. Voc vai ver que cada turma uma turma, cada momento
um momento. Voc planeja uma coisa, chega aqui, est chovendo, e voc j no pode mais
dar aquele contedo. Tudo tem que ser adaptado: o material, voc chega precisa de... No
pense que voc podia contar com mais de quatro bolas. Ento voc, com 35 alunos em uma
quadra , tem que se adaptar quelas duas bolas que naquele momento voc encontra na escola,
porque voc no tem mais do que aquilo. Ou ento voc tem que juntar com outro professor e
dividir uma quadra de vlei em duas turmas; e um trabalhar na metade da quadra, e o outro em
outra metade. Voc tem que se adaptar! Ento eles no podiam exigir demais. E a gente dava
alm do que eles esperavam, porque sem material e sem espao...
Evidentemente que eu lia as regras dos esportes, porque a gente recebia da Secretaria
as regras dos esportes. Eu ficava irritada, no gostava disso. Achava uma bobagem ficar
lendo, mas lia. E eu diria, assim, que eu gostava muito, me deparava com aqueles livros
argentinos que tinham um descrio da aula do jeito que eu gostava de dar aula, que era o jeito
que a Ldia Noda dava aula, que era com msica, com muito material, em um lugar que no
era uma quadra, que era qualquer outro espao menos uma quadra. E eu no tinha quadra nas
minhas escolas, o que era timo! Na So Miguel tinha, mas na So Mateus no tinha quadra.
Ento eu no dava aula em quadra. Ento era uma coisa assim... Eu gostava de ler esses livros.
Aquela coisa de pegar materiais que no fossem os materiais oficiais, criar esses materiais. Eu
tinha um monte desses materiais na escola. Eram coisas muito vivas. Eu gostava de trabalhar
com coisas muito vivas, assim, criar materiais com os alunos que eles usassem na aula. E a
misturava os materiais, esses construdos, com os materiais que tinham na escola. Quebrava
um pouco aquela... Era a Educao Fsica muito ligada dana e ao teatro. Por exemplo,
mmica: eu fazia muito trabalho de mmica e pantomima com as crianas. Mas muito trabalho!
Muito, muito, muito. Coisa muito ligadas... E a que eu lhe digo, Marcus: so as agregaes de
conhecimentos na formao. Porque como eu era muito ruim em ginstica olmpica, eu queria
ensinar ginstica olmpica para as crianas. Ento eu ia atrs de modos de aprender que
fossem possveis. Porque se eu no consegui aprender com aqueles mtodos da faculdade, as
crianas, na minha concepo, tambm no aprenderiam. E a tambm uma coisa interessante
que eu esqueci de falar para voc. L na Monteiro Lobato, um dia em que eu estava dando
aula eu nunca esqueo a Tereza, que era orientadora educacional, me ajudou para
caramba. Eu estava com uma dificuldade enorme porque eu tinha que dar parada de mos
para as crianas de 3 srie. Estava l na Bblia e eu tinha que dar parada de mos. Bom, a
Tereza era pedagoga... E eu no conseguia fazer aquilo, porque eu pegava as progresses
pedaggicas que a Viclia ensinava na faculdade e no dava certo. O que dava certo na
faculdade... Quer dizer, no dava, porque eu nunca consegui fazer parada de mos. Mas era
para dar. No dava porque eu j era ruim, era adulta, tinha medo, todas essas coisas. Um
monte de defeitos que estavam em mim, e no no mtodo. E eu no admitia que era um
problema da criana, no caso, no era um problema meu. Porque seu eu era atleta de vlei,
atleta de esgrima, atleta de handebol, atleta de corrida de fundo, porque eu no podia fazer
uma parada de mos? (...).
333
E a a Tereza disse para mim isso era em 1975 quando eu fui conversar com ela:
Tereza, eu estou com dificuldade; no consigo ensinar isso para as crianas. Acaba ficando
uma baguna a aula; no sei o que fazer. E ela disse assim: Bom, eu no sei exatamente o
que voc precisa ensinar. Mas vamos pensar, vamos olhar como que as crianas brincam. E
a fomos olhar como que as crianas brincavam. Marcus, pasme: as crianas brincavam de
me de rua, pega... sobre as mos! E ela me disse: Mas me parece que o que voc quer
ensinar para eles, eles j fazem aqui, no ?. E eu falei: ... mas eles tem que ficar com a
perna esticada, com o p para cima, com o ombro encaixado. E ela falou: Mas mais fcil,
ento. Se eles j tem isso, eles tem o que voc precisa, um equilbrio invertido. A Tereza, que
uma pedagoga, foi me dizer isso! Eu podia ter aprendido isso na faculdade; economizava um
caminho de caminho (risos). Mas eu nunca esqueo disso. A Tereza, se eu a encontrar, se eu
a ver, ela talvez nem lembre disso. Mas para mim aquilo foi to importante, foi to marcante.
Quer dizer, dessas pequenas coisas que eu acho que a minha formao se fez. E foi dando
uma formao interessante. Isso que eu tinha esquecido de contar foi timo, Marcus. Voltou
para essa coisa toda da aula, do que eu lia.
[No municpio](,,,) o trabalho l era muito difcil. Era um trabalho de luta porque a
clientela era difcil de trabalhar. Eu lembro que eu tinha uma sala, que era a tal da sala 9, que
eram assim uns alunos, acredito eu... juntou-se tudo o que tinha de problemtico; estavam
naquela sala. E ns ainda tnhamos naquela poca um parquinho, perto. Ento... Tinha a
escolinha de artes, tinha esse parquinho que eles iam, sempre fora da aula de Educao Fsica
e s vezes, dentro da aula de Educao Fsica. Eles pediam para ir at o parquinho para ficar
alguns minutinhos. No sei se era porque eles achavam que era uma atividade mais livre,
mais... porque eram crianas de 1 a 4 que eu trabalhava, l. Foi uma turma que marcou. Era
uma turma difcil. Naquela poca j existiam as tais das Bblias. Ns seguamos um trabalho
dentro de outro trabalho que a gente s vezes at participava da elaborao. E tnhamos uma
avaliao dentro de umas fichas: no funcionaram muito bem aquelas fichas. Ento as fichas,
medida que foi sendo realimentado o programa, foram sendo eliminadas. Naquela poca
ainda no havia um trabalho de treinamento quando eu entrei, logo que eu entrei. Depois mais
tarde j comearam a elaborar. Ento ns tnhamos um horrio determinado. Era diferente do
estado. No estado se voc quisesse participar voc participava, mas voc no tinha horrio, era
diferente. E aquele horrio voc se preocupava em melhorar dentro daquilo que era, para a
faixa etria, decidido fazer. Ento, por exemplo, o primrio: o que tinha sempre era aquele
jogo de caador, que um grande jogo, e que durante muito tempo ns participvamos. Tinha
tambm atletismo. Ns tnhamos ali ao lado ns podamos usar, porque era tudo meio junto
ao lado tinha um campo de futebol. Ento ns tnhamos espao. E a escola era enorme, uma
334
escola que tinha condies de fazer um trabalho de 5 a 8. Porque tinha quadra de basquete,
voleibol. Quatro quadras, alm do parquinho e um espao dentro da escola que voc poderia
trabalhar. S que fazia muito barulho. Ento no era permitido dentro da escola, a no ser que
chovesse: ou voc ficava na sala ou voc ia para esse ptio coberto. Depois que comearam os
jogos, a escola sempre queria se apresentar bem porque as crianas, a clientela, eram, assim,
magrinhos... Parece que tudo era feio, tudo era pobre, tudo era difcil para voc conseguir as
coisas. Ento ns fazamos sempre sainha de papel crepom, campanha para conseguir uma
camiseta... E nesse ponto sempre a direo nos deu um apoio acima do normal. O que ela
podia fazer ela sempre fazia. E a gente sempre vinha e se apresentava. Arrumvamos eles e
eles ficavam at bonitinhos. Eu lembro que na Prefeitura uma das passagens, assim, que eu,
que uma coisa que me preocupou muito, foi quando ns tivemos uma competio ali no
Estadual, de atletismo. A gente ficava um dia, dois dias, tentando alguma medalhinha (...).
Ento era um trabalho diferente no qual, quando eu comecei na Prefeitura, mesmo
tendo assim uma organizao maravilhosa, a clientela era muito difcil. Ns no tnhamos,
assim, a escola no tinha condies de fazer um trabalho criativo (...).
Eram coisas assim que a gente fazia com aquela nsia louca de querer, digamos, que
aquela clientela tivesse, assim, uma forma de comparar mais ou menos com as outras. Porque
no tinham as mesmas condies. Embora na Prefeitura ns tivssemos, assim, digamos,
metade do trabalho, porque o planejar dentro de uma realidade um trabalho muito intenso. E
voc j receber as coisas prontas, j sabendo que voc pode tirar dali o que dar para a sua
realidade, um trabalho bem diferente. E eu sei que da eu comecei a querer mudar, sair dali,
do trabalho que eu fazia de 1 a 4 e ir para 5 a 8 srie, que era uma escola que ficava a uns
quinhentos, mil metros da escola onde eu comecei a trabalhar. Da fui para o Albert
Schweitzer. E da, no Albert j foi diferente. Porque se eu tinha espao fsico l, ali eu no
tinha espao fsico. Eu no tinha nem uma quadra. Ento da ns comeamos a fazer aquele
trabalho de 5 a 8. Comeamos a fazer um trabalho com... tirando grama, deixando mais ou
menos retinho, marcando; marcava sempre com giz. Isso em 74. No sei. Eu fiquei uns sete
anos mais ou menos. 78, 79. Mais ou menos por a. E no Albert era difcil. A clientela era a
mesma, assim; um pouco mais difcil porque eram adolescentes. L existiam outros problemas
como agresso, problema de droga, problema de pedras que vinham de fora para dentro da
escola a escola era meio aberta e na Educao Fsica ns trabalhvamos expostos ento
havia inmeras situaes de perigo total e absoluto. Porque a gente no sabia como agir. No
comeo era difcil at conquistar os alunos, os pais, para voc se sentir mais ou menos
protegida. Porque eles realmente nos protegiam. Eram de acompanhar a gente at o nibus, at
o carro, e costumavam dizer: No mexam que esta a minha professora!. Eles nem
chamavam de professora: Essa minha dona!. Ento era um trabalho diferente do que eu
fazia de 1 a 4, que era um trabalho mais de motricidade, pequenos jogos, um trabalho assim
muito diferente do que a gente procurou fazer a partir de 5 a 8 (...).
Dentro de 5 a 8 srie ns tnhamos que seguir a Bblia. Dentro da Bblia ns
tnhamos os esportes, ginstica. Enfim, todas as modalidades. Algumas ns tnhamos
335
professor, em funo dos problemas com material e espao adequado. Mas a noo de
um trabalho mais amplo, nesse caso, refere-se a uma maior quantidade de
modalidades esportivas. Assim, mesmo participando da elaborao do Programa, a
professora no poderia desenvolv-lo plenamente diante de tantas dificuldades.
Por outro lado, a falta de recursos compelia alguns professores a buscar
alternativas ao seu trabalho, inclusive relativizando a influncia esportiva sobre as
aulas de Educao Fsica. o caso do depoimento anterior, da professora Carmen
para quem as dificuldades em termos de recursos representavam uma possibilidade
concreta de a professora extrapolar os limites esportivos expressos na Bblia.
Duas reaes bastante distintas diante de realidades muito aproximadas. No
entanto, as conseqncias da posio tomada por uma e outra dessas professoras so
radicalmente diferentes. E isso tudo no mesmo o perodo meados da dcada de 1970
, no mbito da mesma rede de ensino e, consequentemente, sob a influncia das
mesmas diretrizes. Assim, os depoimentos acima corroboram o que temos visto at
aqui: a aula de Educao Fsica desenvolvia-se a partir de uma riqueza de
experincias dos professores, experincias que incluam elementos da sua formao
universitria inicial e da sua formao permanente. Mas aquelas experincias
incluam tambm formas diversas de reao diante da adversidade aqui manifesta pela
falta de recursos adequados para a realizao do seu trabalho. Em muitos casos o
professor acabava determinando o que era ou no adequado para o desenvolvimento
das suas aulas. As condies objetivas estavam dadas: material, espao, equipamento
e perfil da comunidade. A realidade dos professores rebelava-se contra o absoluto da
lei e do Programa. A sua atuao revelava as reais possibilidades de desenvolvimento
da aula de Educao Fsica. Eles no eram to ingnuos assim. Antes, reagiam diante
das agruras do dia-a-dia com as armas que dispunham. Talvez uma dessas armas
possa ser caracteriza como um voluntarismo, um fazer por fazer, uma vez que a
prpria adversidade das condies de trabalho seriam um empecilho para o
desenvolvimento e a organizao da Educao Fsica escolar para alm daquela
compreendida como atividade, como gostaria Souza Jr. (1999) e toda uma larga
tradio investigativa da Educao Fsica brasileira.
A falta de espaos e materiais adequados, alm de condies outras como o
perfil da comunidade, em alguns casos simplesmente negou o absoluto do
planejamento baseado no esporte e em outros possibilitou o desenvolvimento de
337
Agora, eu no gostaria de dar Educao Fsica do jeito que eu dava. Porque a gente
entra para dar aula s 7h30min da manh, d aula at 17h45min, e ningum diz para a
professora: Cuidado com seu corpo, sua pele, seu cabelo, sua sade. Eu perdi a voz, perdi a
sade; eu tenho dores no corpo. E ningum valorizou o que eu fiz. Entende? Eu fui desviada
de funo por perder a voz. Porque ns ficamos sujeitos ao sol, poeira, garoa, ao frio. E
voc sabe que o tempo fecha e abre o dia inteiro; e voc est ali, naquilo. cansativo,
desgastante, irritante s vezes, mas mesmo assim... Eu louvo a Educao Fsica, mas eu no
gostaria mais de voltar dar aula. Deixar o campo para os jovens. Ainda essa semana o Evaldo
me disse: Hermnia, vai l no banco de aulas! Vai abrir um banco de aulas para os
aposentados!. Eu disse: No. Eu dei aulas 15 dias depois que me aposentei e eu vi que no
d frutos (professora Hermnia Piazzetta Xavier).
Nas quartas-feiras cada professor pegava o aluno que escolhia a atividade que iria
fazer. Em duas aulas existiam atividades normais com professor determinado e nas quartas-
feiras eles mudavam de professor. E a ns conseguimos montar as equipes. Era o nosso
trabalho para fazer equipes. Aula normal era o que a gente estava desenvolvendo no
planejamento (...).
De 5 a 8 srie a gente dividia por bimestre: atletismo, handebol, basquete, vlei.
Dias de chuva na sala de aula com noes de higiene, teoria e joguinhos; jogos de sala.
Conversas importantes... Principalmente com as meninas a gente tinha que ter uns assuntos...
E costumvamos combinar, eu o Alusio e o Enofram, os assuntos que a gente ia conversar
com o masculino e o feminino, para saber o que a gente ia falar. Dividia, no ? Noes da
parte de higiene, noes da parte de sexo, que tinha que ser ensinado. As meninas tinham
dificuldade com perodo menstrual... E o que perguntavam, no ? Porque os alunos, sendo
separados, tinham mais liberdade de perguntar os assuntos (...).
Choveu, era o assunto que eles gostavam de conversar. Mas eram assuntos que a
gente evitava de ficar a aula inteirinha conversando, porque algumas despertavam a
curiosidade do que era, e outras j tiravam as dvidas. Ento, os alunos perguntavam e tinham
liberdade de perguntar. A gente talvez no escrevesse o assunto no planejamento mas
colocava-se que em dia de chuva iria ser conversado, iriam ser feitas palestras sobre esses
assuntos. Cada turma conversava. Era o interesse da turma, no ? No momento em que
aparecia o assunto a gente conversava (...); sempre houve drogas, sempre houve violncia.
Mas no em ndices como existe hoje em dia (...).
[Sobre a aula especial de quarta-feira] Ns dividamos entre os professores: um dava
vlei, basquete, handebol, atletismo. Eu dava handebol antes do recreio e depois do recreio,
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atletismo. Ento, a gente dividia. Os alunos iam para o vlei, para o basquete, e depois eles
tinham atividade com atletismo. E os professores faziam assim: feminino, em um horrio e
masculino, no outro. Porque quem dava para as duas equipes... Ento os professores davam
antes do recreio feminino, e depois, o masculino. Eu e o Enofram atendamos o atletismo
masculino, e eu e a Rosilda fazamos o handebol, inicialmente. Depois vieram outros
professores e comearam a dar atividades tambm com os alunos. A professora Rosilda
atendia a metade da equipe em um horrio, pela manh, e eu atendia tarde. E os alunos, na
verdade, iam ter um conjunto quando chegavam para competir. Era muito difcil unir a equipe.
Os professores normalmente no gostam que tire de sala de aula. Ento era assim: um dia ia
l bater na porta, pedir por favor, de professor em professor para poder juntar e escolher os
titulares para depois sair a equipe boa. E nossas equipes sempre tiveram timos resultados
(...).
Era uma maneira que ns encontramos para poder tirar os alunos para a competio.
Porque a Prefeitura exigia que a gente apresentasse as equipes. E dessa maneira... Depois, com
o tempo, que ns comeamos a ter hora de treinamento (...).
Trabalhava... No! Tinha professores de vir de capanguinha, largavam a bola e iam passear.
Porque sempre teve professores que diziam: Joga o couro, deixa o couro a e depois volta
buscar. Eu e mais trs ou quatro colegas sempre fomos de trabalhar muito a fundamentao e
chegar no jogo devagar. Nunca fomos assim de... Ns estvamos aqui para ensinar (...).
[A preocupao era] Pedaggica mesmo. E outros, no. Outros deixavam o aluno se
batendo, principalmente na parte masculina; eles sempre deixavam o aluno se defender porque
o guri sabe mais, e no sei o qu... Mas no! Todos os alunos esto aqui para aprender. Com
essa evoluo do planejamento que veio, essa histria de crtica pedaggica, de que se deve
deixar o aluno mostrar o que sabe... Eu nunca me adaptei a esse planejamento. Eu acho que o
professor est aqui para ensinar. Tinha alunos de outras turmas que diziam: Professora, a
senhora ensina como dar saque?. Eu no. A sua professora est l! Quando ela voltar.... Ela
dava bola e dizia: Joguem vlei!. Como que o aluno vai jogar vlei se ele nunca teve
contato com uma bola? Ainda mais na 5 srie! (...).
O professor tem que estar l, orientando, ensinando: voc d toque assim, d saque
assim, basquete assim; vai circulando. Eu, quando dava basquete e handebol, eu ensinava
fundamentao e devagar ia fazendo os alunos jogarem um contra um, dois contra dois, trs
contra trs. E eles: Professora, quando que ns vamos jogar?. Mas o que vocs esto
fazendo? Vocs no esto nem vendo, mas vocs j esto jogando!. Quando eles viam o jogo
estava saindo (...).
(...) o adolescente, ele mais pesado, ele mais difcil, ele quer impor a idia dele.
Eu fui introduzindo, mostrando que a minha idia era a idia do adolescente. Ento eu dava
fundamentao... Para a 5 srie, tudo o que voc d timo e eles gostam. Tudo o que o
professor... No interessa se menino, menina: eles adoram, esto vidos para aprender.
Agora, na 7 e 8 sries eles acham que sabem tudo, que so os doutores. Eu fazia assim: dava
toda a fundamentao e dividia as equipes do dia. Depois da fundamentao eu fazia jogos,
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jogos, jogos. Ento, pela lista de chamada eu contava o nmero de alunos e dividia em n
equipes e colocava eles para arbitrarem. Ento, eles achavam que eles que estavam
mandando na aula, mas eu estava no lado, ali, vendo. Porque apitar eu deixava, mas quem iria
dar o ponto final era o professor. Foi uma maneira de eu me adaptar bem com os adolescentes.
Foi a melhor maneira. E quando voc d teoria ligada prtica, o aluno tem capacidade no
final inclusive de apitar, fazer pequenas competies. Ia bem, no dava problema (...).
Sim, porque voc fazia uma adaptao daquele contedo geral que vinha por sries, o
que a gente tinha que fazer por sries. E era adaptado escola. Voc sabe que cada srie no
vai seguir... Voc pode planejar a mesma aula para uma turma e no sai tudo igual. Cada
turma uma maneira de agir, cada aluno uma maneira de agir. E voc tem que se preocupar
com aquele que tem menos habilidade e no aquele que tem mais habilidade. Eu tive sempre
essa poltica: me preocupar com o de menos habilidade. O de mais habilidade no precisava
mais do professor, ele conseguia, porque tem aluno que bom em tudo.
Mas veja bem: o aluno faz Educao Fsica no visando competio. Agora, os
melhores, eles... Quando voc faz um trabalho e sai um bom trabalho, voc vai ter bons...
Chegou uma poca em que ns no tnhamos treinamento. Ns tirvamos o aluno da sala para
ir para competio. E saam timas equipes. A escola sempre estava bem em competies.
Diziam: Mas como que vocs fazem?. Quando voc est dando aula de Educao Fsica
voc d o contedo para todos. Mas sempre tem os alunos que se destacam e voc vai
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notando. Na hora de fazer uma competio voc tira aquele aluno, burila com um grupinho e
vai para uma competio. Ento, ns no visvamos o desporto em si, a competio.
Visvamos a Educao Fsica; e da Educao Fsica saa... Voc veja que nem treinamento
fixo s vezes no havia e saa uma equipe boa (...).
Bom, eu sou contra s contedo terico. Porque aquele professor que fica fazendo
provas, trabalhos e no d prtica, est mutilando o aluno. Porque a Educao Fsica de 5 a 8
no para ser terica (enftica). A prtica essencial por causa do desenvolvimento do aluno.
Se o aluno est em fase de desenvolvimento ele no tem que ser um professor. Ele vai
aprender a teoria ligada prtica. Na minha concepo. Eu nunca fui de exigir muita teoria do
aluno. Eu exigia mais participao, e no resultados.
[Trabalhava-se tudo]. Ginstica em geral. Tudo de Educao Fsica. O aluno no
precisa ser esportivo. O aluno... Um gosta de basquete, um gosta de handebol, outro de vlei,
outro gosta de ginstica, outro gosta de dana. Voc tem que dar de tudo um pouquinho. E
ginstica formativa porque eles esto em desenvolvimento. No esporte, esporte. Educao
Fsica no s esporte. Voc ensina, porque voc... Veja bem: na hora em que voc vai sair
por a e vai escutar falar sobre vlei, voc tem que ter conhecimento; vai assistir uma partida
de vlei voc tem que conhecer. Voc tem que ter contedo de regras, contedo especfico
daquilo que ele foi assistir para saber, se no vai ficar feito bobo, comendo. Que nem eu com
futebol: eu, com futebol, sou leiga totalmente. Sei, posso at discutir, mas no conheo tudo.
Meu marido d risada porque eu no gosto de futebol. No gosto! Mas no como com farinha.
Eu tenho um contedo que eu acho que todos os alunos devem ter em todos os esportes.
Porque vai assistir um futebol, sabe o que est acontecendo. Vai assistir um handebol, sabe o
que est acontecendo. Tnis, o povo sofre, porque o tnis no divulgado. Tnis de mesa: a
melhor experincia que eu tive na escola. Quando a escola estava iniciando, nos primeiros
dias em que ns viemos para a escola, no tinha local. Porque era um entulho em volta da
escola e ns tnhamos que sair. Ento chovia, e onde que ns iramos dar aula? No tinha.
Eu com a Luiza resolvemos: tinham umas mesas lindas de tnis de mesa e ns tnhamos s 1
srie. O que ns vamos fazer? Vamos dar tnis de mesa?. Vamos!. A gurizadinha no
alcanava a mesa, mas as professoras vibraram porque melhorou a coordenao motora dos
alunos. Fomos ensinar pingue-pongue para crianas de 1 srie. Adoraram. Quando chovia
eles diziam: Vamos naquela mesa, professora?. Eles nem sabiam o que estavam fazendo. E
a movimentao do pingue-pongue para eles, melhorou a coordenao motora. E depois vo
dizer que Educao Fsica no ajuda? Ajuda que nossa!
E o aluno no tendo habilidade fina ele no consegue fazer as atividades de sala de aula. E
tinha pocas em que ns tnhamos que casar Educao Fsica com os contedos das salas.
Tinha que ver o que o professor de Portugus, o professor de Histria estavam dando e fazer
atividades com aqueles contedos (...).
E olha que houve poca que ns no podamos dar aula depois das 11h30min e nem
antes da 13h30min por causa do problema da alimentao, que era a poca do militarismo. [Se
isso positivo?] Claro! Veja bem: o aluno saa daqui cansado e ia para casa se alimentar.
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Quando voc faz um esforo muito grande voc no se alimenta direito. E tambm chegavam
aqui na escola, tinham acabado de comer e iam fazer Educao Fsica? Ento, a Educao
Fsica nunca comeava antes de 13h30min. J chegava, fazia tudo para depois iniciar a
Educao Fsica. Era bem melhor. Ainda mais tarde, que era mais difcil. O aluno chegava,
vinha correndo, cansado, o clima quente. Eu achava mais positivo! (...).
Mas no noturno antigamente no existia Educao Fsica! No. Da foi introduzida,
houve uma valorizao dela, e depois houve os professores que no souberam valorizar.
Porque a Educao Fsica, inclusive noite, deveria ser obrigatria e no optativa (...).
Pelo fato de ser uma cadeira optativa os alunos deixam de praticar. Muitos alunos
lembro de colegas que contavam chegavam cansados do trabalho e iam, porque eles queriam
fazer atividade fsica. E eles esto precisando. No tem porqu. Porque casado... claro que
uma grvida tem que ser liberada. At aquela histria do perodo menstrual: tinha uma
professora que dava dispensa com um pontinho. Eu no dava! Eu dizia: Est no segundo dia?
Ento hoje modere a atividade!. Pronto. No tem... A Educao Fsica no vai afetar, assim!
Depois aquela histria de no fazerem exame mdico. Eu sempre exigi exame mdico. Tive
um incidente de morrer aluno na minha mo. Eu tive problemas.
No foi na aula propriamente dita. Mas no horrio de aula ns fizemos um
levantamento e uma triagem, e eu convidei um grupo de alunos para fazer uma eliminatria
tarde para classificar e ir uma competio. E a menina foi destaque pela manh. No teve
problema nenhum. Foi para casa, almoou, ajudou a me, e trs horas estava aqui na escola
para fazer novamente a atividade. Eu disse que no precisava vir muito cedo porque ela ia
participar dos 750 metros. Ento, fizeram o aquecimento, e quando ela estava participando, ela
teve uma convulso. Peguei a menina, trouxe para dentro da escola e aqui eles deram ch:
uma criana com convulso no poderia tomar ch! Da, levaram de carro. E quando a pessoa
percebeu que ela estava vomitando, no conseguiu tirar o vmito da boca. Quando chegou no
pronto-socorro, s seis horas da tarde, ela j estava morta. Foi uma toxina que foi para o
pulmo; acharam que ela tinha ingerido txico. Uma criana de 10 anos, uma excelente aluna.
Tudo por qu? Um cansao que ela j estava e a gente fica com medo, depois. E era uma
menina que no tinha histria de problemas de escola. Nunca houve queixas. Era uma menina
que estava desde o pr at a 5 srie quando aconteceu a fatalidade. E teve uma poca que a
secretria Gilda Poli dizia que ns tnhamos que olhar nos olhos dos alunos e ver se o aluno
tinha capacidade ou no para fazer Educao Fsica. Como se... Voc vai mostrar... Tem aluno
malandro e tem aluno que est ruim, mesmo. E quem que tem capacidade para dizer se pode
ou no pode fazer Educao Fsica? Eu tive casos graves de alunos que operaram corao;
tudo que foi descoberto naquele examezinho simples antes de fazer Educao Fsica (...).
Olha, eu selecionava... Eu nunca visei nas minhas aulas o melhor aluno. Eu sempre
visei e me preocupei com o aluno que tinha problemas. Eu deixava: ele j era destaque, ele j
tinha a atividade natural dele! Ento ele me ajudava a puxar aquele que tinha menos
coordenao motora, aquele que tinha menos habilidade. E aquele que se destacava eu levava
em competio. Mas eu nunca visei tirar o melhor. Se eu tenho um aluno que se destaca, a
343
que est acontecendo. E tem mais uma: Hoje prova!. Mas naquele dia que voc diz: Hoje
prova! o aluno pode ir mal. E a Educao Fsica processo que todo dia... Hoje eu posso
estar com mal estar e no fazer atividade. A avaliao um processo contnuo. Tudo o que
acontece na aula o professor tem que avaliar. E eu acho que no s na Educao Fsica.
Porque tem aluno que vai bem, faz exerccios e depois no dia da avaliao no consegue fazer
nada. Bloqueia! (...).
Era trabalhado [a dana]. Lutas, no! Lutas, no. Dana, sim. Dana, lutas, a
ginstica de uma maneira geral. A Bblia tem a parte de ginstica. Tem ginstica rtmica,
olmpica, de solo. Ns tivemos muita criana que se destacou, ns tivemos um trabalho
bonito. Teve um ano em que eu fiz um trabalho de dana; a gente deu tudo de movimentao
para os alunos. Dividi em grupos e elas apresentaram a dana rtmica para apresentar na festa
Rainha da Primavera. E os melhores grupos foram convidados a se apresentar no Colgio
Militar (...).
Sempre teve a ginstica rtmica, a dana. Ns tivemos tambm festivais folclricos.
A escola teve vrios festivais folclricos. Mas um dia ns fizemos um trabalho maravilhoso,
todo mundo gostou, envolvendo todos os professores, as reas. Cada rea tinha um ano, cada
rea iria ajudar a Educao Fsica. A o diretor disse: Para apresentar aquela baguna? No
havia necessidade. Ningum mais aceitou trabalhar folclore. Nenhum professor. E foi um
festival to lindo. Foi a que a Prefeitura comeou a fazer os festivais folclricos e as
apresentaes de danas na Praa Osvaldo Cruz. Porque o ltimo festival folclrico que ns
fizemos foi na Praa Osvaldo Cruz. Foi feito pelo colgio. Ns fizemos cinco ou seis festivais
folclricos. Danas tpicas... Foi muito bonito. Teve um ano em que eu estava com as 5s
sries e ns ensaiamos, ensaiamos, ensaiamos aquelas 5s sries, e o movimento no saa. E o
Lerner iria assistir. E ns estvamos danando a tpica israelita, com movimentos. E aquela
musiquinha charanga. E ns com o movimento da dana israelita; ns estvamos com uma
msica de dana folclrica japonesa danando uma msica israelita! (risos). E a pessoa que
estava ajudando era japonesa, e ela dizia: Mas tem alguma coisa diferente! (...).
Foi pesquisado, foi buscado. Porque era um grupo que ia buscar e a gente ensinava
os movimentos. Ns interpretvamos os movimentos e ensinvamos. Mas aquela dana no
cabia naquela msica. E foi bem o perodo em que eu estava com problema de sade; e de um
dia para outro ns tivemos que ensinar os alunos da 5 srie encaixar na outra msica. Foi um
desespero para descobrir que aquela musica no era... Porque a pessoa que trouxe a dana que
ns amos ensinar, trouxe aquela msica. Era bem caracterstico. E envolvia no s a
Educao Fsica: envolvia as outras reas tambm. Era um trabalho muito bonito. E
era em turmas. Cada turma tinha o seu: tinham as turmas de 5, 6, 7. Era a turma que ia. Era
um trabalho muito bonito. Envolvia, assim... Imagine: para ocupar toda a quadra l da Praa
Osvaldo Cruz! Tinha bastante alunos. As danas italianas, alems; tinha os trajes tpicos aqui
na escola (...).
Uma coisa lhe digo: Educao Fsica para mim foi minha vida. Eu nunca fui uma
aluna que participasse de jogos, de nada. Mas como professora de Educao Fsica eu me
345
realizei. E um engodo o atleta achar que ele vai ser um bom professor de Educao Fsica.
Todo bom atleta um pssimo professor de Educao Fsica. Ningum vai me tirar isso da
cabea. Porque ele sabe fazer mas no sabe ensinar direito. E para ser professor de Educao
Fsica voc tem que ensinar, tem que ter pacincia. Eu tive colegas que disseram assim: Eu
no vou pr o meu nome, sujar o meu nome nesse lixo para levar em competio!. Quando
voc professor voc no o tcnico. Voc o professor! Se voc no trabalhar que o
aluno vai virar lixo. Vou por meu nome nesse lixo?. Teve muita gente, tcnicos, at da
seleo paranaense que trabalhavam comigo, que diziam que no se dispunham a levar esses
lixos para competio. E no era lixo! Criana nunca foi lixo e nunca vai ser lixo. A criana
trabalhada e acata o que voc ensinar. O professor tem que ter muita pacincia e saber que ns
temos diferenas individuais. E nas diferenas individuais que ns temos os indivduos. Ento
eu vou ser uma pessoa mostrando a minha personalidade. Porque a criana tem uma
personalidade, um carter desde pequenininho. E o professor de Educao Fsica o professor
que mais influi no aluno. O professor de Educao Fsica tem a escola na mo, ele quem faz
a escola. Ele vai dar disciplina para escola e ele que vai fazer a escola ser bem representada
fora. Todas as escolas que tem boas equipes e que levam os alunos com bom comportamento
so reconhecidas. Porque se dizia assim: Que alunos so?. So da Escola Omar Sabbag!.
Ento a escola era projetada participando de jogos. E os professores das salas de aula eles
diziam: Ah, vai incomodar, vai atrapalhar!. E eu muitas vezes discutia com os professores.
Mas eu sempre fui assim... Eu tenho, eu digo, um sexto sentido. Quando eu olho para
a criana eu digo: Voc vai ser boa em salto em distncia!. E bate!! Olha, voc tem dom
para isso!. E acontece a reao. Por exemplo, eu consigo fazer com que eles gostem
realmente da Educao Fsica (...).
No veio... Ou se veio de mim, ou do jeito que eu trabalho. Mas a vida inteira eu
trabalhei assim. Por isso que eu digo: muda, tem que dar chance. Eu sempre fui... As crianas
esto... Estou dando aquecimento: eu fico sempre assim de olho atento. Ento apareceu um l
que est fazendo uma forma diferente daquele mesmo exerccio, eu digo: Vamos cobrar.
Vamos fazer de uma forma diferente: daquele jeito que ele est fazendo!. No deu certo
aquele exerccio, eu mudo para outro. Ento eu sempre pego da prpria aula os exerccios.
347
Vario muito: Hoje quem vai dar o aquecimento ele. Vamos ver quem sabe uma forma
diferente de pular!. Sempre! Isso foi a minha vida inteira! E agora, nesses Parmetros
Nacionais, esto l outra vez dizendo sobre a variedade, sobre formas... Isso so... Eu no
sei... Faz anos... (demonstra indignao). Eu j estou saindo da vida de Educao Fsica e isso
eu sempre fiz! s vezes eu fico parada, pensando: parece que acharam a lmpada do Aladim!
Credo! Faz duzentos anos que eu j fao assim, dessa forma! (...).
A Educao Fsica importante em tudo! (enftica). J me perguntaram: Carmen,
como que voc vai dar, por exemplo, o vlei?, que uma criana adora. Principalmente de 5
a 8 srie adoram voleibol. Carmen, como que voc vai dar a importncia do voleibol? Para
que serve o voleibol?. Por que eu estou dando voleibol para eles? Eu no quero que ningum
v... Se aparecer algum e for l para o Rexona, timo. Parabns! um meio de vida tambm?
! (enftica). Mas o objetivo meu no que vocs se tornem um atleta. O objetivo meu ...
Por exemplo: se eu estou dando e eu converso muito isso com eles toque de bola. Por que
eu estou dando toque de bola? Para que serve? Na vida prtica para que serve o toque de bola,
pensando bem? Mas no o toque de bola; mas o tempo. O seu tempo em direo bola. A
mesma coisa quando voc vai correr para pegar o nibus, voc tem que saber qual a sua
velocidade e a velocidade do carro. Eu procuro jogar isso em cima deles. Para que eu vou
fazer corrida? Para que eu tenho que correr, professora?. Para quando chegar na minha
idade no ficar dando siricutico no corao (gargalhadas). Ento, para qu? A importncia de
sade! Da sade, em si! Eu uso o esporte para chegar ao objetivo. E o meu objetivo que
vocs sejam crianas saudveis, que vocs sintam, que vocs tenham capacidade de se
superarem. E a minha Educao Fsica dar condio para que eles se superem, que eles
atinjam um ndice, no s fsico, mas mental. A Educao Fsica ajuda a pensar! Para que
serve? Voc est desenvolvendo o raciocnio aqui tambm. Porque na hora em voc est
pensando naquilo que voc est fazendo, voc est desenvolvendo o raciocnio. Eu estou
dando xadrez: Professora, no quero aprender xadrez!. Eu cheguei para a menina que disse
isso: Voc j nasceu sabendo andar, saiu da barriga andando?. No. Voc aprendeu
andar, no aprendeu? Voc pode aprender xadrez!. Para que eu vou aprender xadrez?.
Para voc aprender a raciocinar. E isso vai lhe trazer benefcios na matemtica. Quando a
professora passar um exerccio voc no vai ficar olhando para o teto!. Eu no sei se essa a
vivncia, mas eu valorizo muito a Educao Fsica. E as crianas que so minhas alunas
valorizam tambm. Ningum acha que a Educao Fsica, nem as de 1 a 4, hora de brincar.
Na Educao Fsica eu estou trabalhando o corpo.
Eu no sei se eu tenho aqui... (procura nas estantes e nas gavetas); eu acho que eu
no tenho nenhum livrinho dela. Havia uma corrente, mas no o esporte de competio. Uma
corrente ligada ao esporte como uma atividade de lazer, uma questo de sociabilizao. Essa
outra fonte de informao vinha da Argentina. J falei isso. Quando eu entrei em 69, tinha os
Congressos Internacionais de Educao Fsica. No sei a proximidade do Paran com a
Argentina, mas a Argentina foi considerada um centro de Educao Fsica at 75, imagino,
muito superior ao Brasil em termos... em termos de tudo! E vinham vrios professores da
Argentina ministrar cursos. Eu fiz, eu acho, 4 ou 5 cursos seguidos. Todo ano tinha. O prprio
handebol foi trazido em um desses cursos.
que tinha que ser feito, realmente eles no achavam que era importante; ...as coisas que eu
sabia no eram suficientes para desenvolver aquilo que as crianas queriam. L eu tinha toda
uma estrutura natural, uma coisa fantstica que eu consegui fazer adequaes, consegui fazer
adaptaes. Imagine o que pular em profundidade: a criana urbana jamais pula. Saltar um
barranco e tentar pular para fora, brincar na gua, saltar sombra, sombra magra, sombra
gorda (...).
Eu tive de usar de n mecanismos de seduo para que eles passassem a gostar do
contedo. Eu estava me formando na poca e eu sa literalmente formada, amando,
apaixonada, em duas modalidades, e para as quais eu seduzi os alunos na poca: era o
atletismo e o handebol. Eu fui da primeira turma que teve handebol na poca e foi com esses
dois contedos que eu atra a crianada. Na poca dava-se aulas em turmas separadas por sexo
e nunca tinha professor do sexo masculino para atender os meninos. Sempre tinha algum que
sobrava. E sobrava para algum dar a aula de Educao Fsica. Enfim, os guris sempre
estavam conosco. E da fomos para as competies: a grande arma de seduo para que as
crianas viessem foram as competies. E eu acabei me envolvendo tanto, Marcus, que eu
literalmente morava na cidade. Vivia pernoitando na casa de cada aluno, porque no dia
seguinte tinha competio. Enfim, mobilizei a cidade em torno de saltar, correr, caminhar. E a
gente adaptou Educao Fsica em circunstncias muito naturais. Por exemplo: salto em
extenso a gente fazia com as sombras dos barrancos sobre a estrada; salto em profundidade
era saltar de barrancos sobre a estrada; salto em altura era saltar um galho do [inaudvel]. At
eu dava uma conotao... Porque eles jogavam todas as aulas de Educao Fsica no sbado; e
eu, alm de estar terminando o curso de Educao Fsica, fazia Biologia na PUC, na poca.
Ento eu ia para aula e trabalhava ainda, no ? Ento eu ia no sbado. No tinha me desfeito
do emprego anterior. As minhas aulas eram no sbado. Eu chegava l, as meninas estavam
todas arrumadinhas de calo, camiseta, aqueles dias maravilhosos. E elas usavam um espcie
de bolsinha que elas chamavam de boc, que um pedao de pano retangular preso por duas
tiras; e ali eles tinham a merenda. No chamavam de lanche, chamavam de merenda: po... As
coisas que eles queriam levar! Professora, a gente vai em um lugar X!. Ento a gente fazia
caminhadas e nessas caminhadas a gente ia saltando... Enfim, fazia uma Educao Fsica bem
natural. Eu levava um pacotinho de suco e no tal lugar a gente sentava sobre um local, em
uma casa onde nos pudessem ceder gua gua de poo e a gente fazia suco no balde,
adoava e todo mundo vinha beber. Eu tinha trs, quatro turmas de meninas juntas. Eram
aulas muito gostosas que tinham um jeito, um ar de piquenique. Era uma coisa... Eu envolvia
as crianas. E as crianas caminhavam de muito distante para vir para a aula. No precisava
ameaar com chamada, com freqncia, com notas, essas coisas todas. As crianas ficavam
esperando no ponto de nibus. E j tinham determinado o roteiro e a gente ia. Consegui
desenvolver bem, estimular muito o salto, que eram coisas desconhecidas: saltar em distncia,
saltar em altura. Para eles eram coisas... Para que fazer isso?. O arremesso... Eram coisas
significativas. E, consequentemente, isso teve boas repercusses no aprendizado do handebol.
Aquela poca era poltica do Estado fazer uma quadra polivalente em cada escola. At nem
351
tinha lugar: a escola era muito pequena e fizeram na praa pblica. Na minha aula de
Educao Fsica todo mundo queria opinar, inclusive o padre, que no era para deixar as
meninas ficarem s de calo l fora. Porque minha aula era em praa pblica. Mas, enfim,
essas coisas todas foram muito marcantes e a maioria dos alunos daquela poca que eu
encontro agora, seguiram por caminhos ou da Pedagogia ou da Educao Fsica, como eu j
disse. Foi muito importante (...).
Tinha uma situao interessante, porque ns mesmos fizemos a caixa de salto em
extenso: carregamos areia, fizemos... E da foi um tal de... Foi uma febre para entrar naquela
caixa de areia. E, evidentemente, eu recm-formada, e a crianada se esbaldou. E de repente
comearam a sentir dores musculares: eram dores que ningum identificava: no peito. No
sabiam se tinha machucado, se no tinha. E o pavor daquele povo todo porque as crianas
nunca tinham saltado tanto, nunca tinham tido tanto movimento junto! Enfim, no tendo mais
para quem apelar, o veterinrio foi l (risos) dar uma fora e examinar os meninos, ver se no
tinham quebrado nada. Um deles veio para cidade. Foi uma coisa muito marcante. Depois, o
veterinrio era um dos meninos que dava carona para a gente, os professores, at So Jos. E
ele ria muito, porque nunca tinha sido chamado para atender a espcie humana; s estava
dando conta da espcie animal. Estes foram uns anos muito prolferos, entre 74 e 78,
absolutamente prolferos. E a forma que eu usei para seduzir os alunos foi por esse tipo de
aula, uma aula muito voltada para as necessidades naturais de desenvolvimento da criana e
pelo esporte de competio. E pela mobilizao do esporte de competio, muito bem aceito
na cidade a gente fez coisas muito boas.
Em primeiro lugar, a professora Idelzi levou para os seus alunos o que existia
de mais avanado, segundo ela, em termos de conhecimento na Educao Fsica: o
esporte, principalmente o atletismo. Segundo ela, o professor tem obrigao de
oferecer ao seu aluno o conhecimento produzido culturalmente. Aqueles alunos
tinham o direito de conhecer o esporte e ela se sentia nessa obrigao. Esse momento,
em torno da metade da dcada de 1970, coincide com o momento de consolidao do
esporte nas postulaes oficiais (normas, leis, programas etc.), como temos visto.
Mas, observado com ateno, o que a professora defendia o prprio princpio das
vertentes crticas da pedagogia, divulgadas no Brasil quase dez anos depois: o
conhecimento como princpio orientador da prtica educativa. Porm, para alm da
sua justificao do contedo, seu relato tambm indica uma clara ruptura com todo
modelo preestabelecido: ainda que sua formao fosse considerada insuficiente, ainda
que os programas oficiais propusessem o esporte de competio e ainda que ela no o
desconsiderasse, sua prtica cotidiana era diferenciada. De um lado, no havia
352
Ns achvamos que ns tnhamos muitas coisas para fazer na escola que eram mais
importantes do que treinar uma equipe para participar de um campeonato uma vez por ano. E
nessa poca 78, 79 eu j tinha isso bem claro. Bem claro do ponto de vista da importncia
de outras atividades mais do que da desimportncia desta, chamada campeonato, uma vez por
ano. Porque ns fazamos muitas coisas na escola. Ns tnhamos, ns trabalhvamos por
temticas na escola e a Educao Fsica sempre esteve integrada s temticas. Ns
trabalhvamos...; s vezes tinha assuntos especficos com as professoras de sala de aula ou
delas com a gente que elas desenvolviam ou que a gente desenvolvia eu e minhas
recreacionistas e desenvolvamos o que elas desenvolviam. Tinha uma parceria muito
grande. A gente tinha uma parceria, inclusive, do ponto de vista da baguna das crianas:
aquela coisa de fazer da aula de Educao Fsica castigo. Era castigo no ir para aula de
Educao Fsica. Era castigo. Se as crianas aprontavam dentro da sala a professora ameaava
em parceria com a gente e as crianas no vinham naquele dia, no outro dia compensavam,
faziam duas aulas. Tinha isso tambm. Isso era um clima daquela poca. Ns fazamos
campeonato de pipa no bairro, ns fazamos, s vezes, jogos entre escolas do bairro, ns
fazamos comida com as crianas, fazamos po, fazamos horta... (...).
(...) o contedo da aula nos meses de maio e junho era todo voltado para essa
temtica, que era a temtica de escola. Ento eu no preparava um grupinho para apresentar a
dana, mas todas as salas apresentavam um nmero. E todas as salas danavam todos os
nmeros. Era isso: um pouco lembrando as aulas da Dona Iara, do meu ginsio, um pouco as
coisas que a Mirian trabalhava com a gente na faculdade, a Ldia Noda, o Cludio Miajima.
Quer dizer, tudo isso estava misturado: era a formao, a histria de vida, o nvel cultural que
voc atinge. So, por exemplo, as formaes paralelas: eu fazia curso de msica, de piano, de
dana criativa, eu freqentava o Teatro Guara, eu assistia leituras de peas. Em tudo isso a
escola era o eixo, era o centro. E fazia todas essas coisas voltadas para escola. E eu acredito
que outras pessoas tambm faziam isso. Eu lembro que em 78, tambm 78, 79 eu comecei
a fazer Ioga. A Regina tambm. E o conjunto das professoras da escola tambm. Ento ns
comeamos a fazer Ioga em horrios muito prximos. E isso, em 78, era uma coisa muito da
355
E era uma coisa incrvel, porque eu sempre gostei de msica clssica e sempre levei
muita msica clssica para escola. E as crianas... Tanto que as crianas da So Mateus do
Sul... Nessa poca eu trabalhava com msica clssica, a Regina tambm, enfim... Na So
Miguel tambm. E eu me lembro que uma criana da So Mateus do Sul eu usava muito
Bach e Vivaldi mas sobretudo Vivaldi era uma coisa que eles gostavam. E um dia eu
coloquei uma outra msica e no final da aula um menino falou assim: Dona, a senhora no
vai pr aquela msica levinha?. Qual msica levinha?. Aquela que a senhora sempre
pe!. E eu lembrei! Eu tinha a fita... A gente tinha uns gravadorezinhos da National, que
tinha naquela poca, pilha. A gente trabalhava em um campinho, e era com aquilo que eu
dava aula com msica. E eu pus: essa, dona, eu gosto dessa msica levinha. A msica
levinha era o Vivaldi. Que dizer, h uma associao, uma sensibilidade que essa criana
desenvolveu. O nico lugar na vida dela que ela ouviu Vivaldi foi na minha aula. Na escola!
No s na minha aula! Na nossa escola! Ento, essas coisas a gente fazia. E eu acho assim:
isso estava mais direcionado pela minha formao cultural, minha formao intelectual, do
que propriamente pela minha formao acadmica no sentido restrito, profissional.
Ento isso era muito legal. Porque isso dava uma clima interessante na escola. Era
bem legal. E tambm dava chance para mais crianas participarem disso. No caso, essas
meninas da So Miguel que tinham uma viso desse trabalho, elas desconheciam qualquer
coisa assim. O conhecimento delas sobre isso se dava na aula. E da a aula como espao de
conhecimento tambm. Eu acho assim: naquele momento eu no tinha a explicao que eu
tenho hoje. Mas eu tinha uma prtica daquilo que eu explico hoje, entende? Porque eu tinha
uma preocupao com o que eu ensinava para eles. Tinha um discurso do tecnicismo tambm.
Ns estvamos muito..., ns incorporvamos..., era... Como que a gente chamava...? Era
reteno? No! Reteno era reprovao. Como que era...? Era aquilo que o aluno aprendia...
Ento voc tinha que avaliar isso. E eu sempre ficava pensando: o que eu ensinei em uma aula
de Educao Fsica? Essa sempre foi uma preocupao minha: o que eu ensino em uma aula
de Educao Fsica? E o que o aluno aprende? Ento essa coisa de ter um espao alternativo,
que era o espao do treinamento, que eram esses outros espaos que a gente criava; era um
pouco isso. Por exemplo, com as crianas da So Mateus do Sul: a gente fazia aulas de dana
com essas crianas. Ns sempre demos aula de dana. Sempre! Sempre demos aula de dana!
Ns fizemos uma vez um espetculo para o Dia da Criana, e a gente fez uma dana com cada
turma. E com os bem pequenininhos usamos a Primavera; umas flores... A gente fazia tambm
aquelas coisas que voc vai aprendendo no cotidiano. E a professora de Educao Artstica
junto, e uma professora que danou ballet uma vez na vida. Bom, juntava tudo isso e fazia
uma coisa que se chamava teatro, dana. Ns fizemos uma que era...; porque eu adoro essas
msica de charlestown; tenho muitos discos. Tenho at hoje. Todos em vinil e esto todos
aqui porque eu adoro ouvir. No vou me desfazer nunca desses discos! E a gente fez! E uma
das equipes, a equipe de GRD, a gente fez o trabalho com uma msica do Grande Gatsby. E
depois ns ensaiamos uma msica, tambm, uma dessas do incio do sculo, com piano. Ns
ensaiamos com aquelas cartolas; fizemos aquelas cartolas para as crianas. E a gente fazia isso
358
com o qu? Com papel. E ficava lindo aquilo! Porque no era uma coisa assim...; no era
porque tinha que fazer. Mas porque tinha um aprendizado naquilo. Entende? A gente no
fazia porque tinha uma festa. Tinha a festa. Mas a gente fazia porque tinha um processo de
fazer. E esse processo se dava na aula. E quando tinha que treinar fora da aula, vinha treinar
fora da aula. Mas era mais a aula de Educao Fsica: nesse momento, se eu estou ensinando
dana, isso vai acontecer. Em algum momento as crianas vo querer mostrar. Elas tambm
queriam mostrar. E esse mostrar era mostrar para a escola. (...) porque a gente precisa fazer
as coisas para as crianas da escola, para essa comunidade, para esse bairro, com essas mes.
O senso comum era o esporte. Comearam a me chamar para dar cursos, porque eu
sabia essas e outras coisas que no eram... Eu sabia trabalhar com a criana. Eu tentava
trabalhar com a criana mesmo que no tivesse bola, mesmo que no tivesse quadra, enfim,
que no tivesse aquele material todo. E comearam a me chamar para dar cursos.
[As relaes] ...estavam afrouxadas e afrouxadas significa que voc no era mais
obrigada a treinar crianas. E voc no era mais obrigada a lev-las para competio. Ento
ns comeamos a criar alternativas de trabalho. E sempre nestas buscas de alternativas de
trabalho motor sempre foi uma coisa muito louca encaixar essa motricidade a gente
acabava no fazendo a prtica desportiva. E isso atraa a ateno do pessoal porque eles
sabiam que era a Idelzi que estava l e queriam saber o que eu estava fazendo. Ento eu
acabava atraindo uma coisa que eu sempre detestei: muito controle sobre mim. E o pessoal
queria saber, queria saber... E a gente inventando algumas coisas diferentes. Por exemplo, o
que a gente inventou nesse meio tempo: nesses horrios que eram para ser de treinamento, a
gente trazia as crianas com... que as professoras diziam que no tinham rendimento na sala de
aula. E a gente trazia para esse horrio. A gente chamava de reestruturao psicomotora, mas
no era nada daquilo. Na poca a gente acreditava que estava fazendo isso. A gente
reestruturava a parte motora das crianas de 1, de 2, de 3 srie; tinha esse projeto. Tinha
outro projeto de Educao Rtmica e tinha um outro projeto, que a a gente j estava muito
vinculada queles discursos de esquerda, de conhecimento norteador. E a gente queria fazer,
adequar algumas coisas com o trabalho de sucata. Eu trabalhei muito com sucata.
A gente tinha um horrio dedicado a trabalhos da comunidade. E ns trouxemos para
dentro da escola um senhor bem velhinho, polons, que transformava latas de azeite em
canecos para tomar gua, em utenslios domsticos. Ele trabalhava com uma populao no
359
sei se voc conhece uma populao de baixa renda mesmo, que no conhecia essa coisa
industrializada da caneca, da xcara, etc. Ento o material era as latas de azeite, que todo
mundo tem; e o rebite, voc deve saber o que , a escola comprava. O martelinho... E aquela
figura lendria do Seu Pedro ensinando as crianas a cortar latas de azeite tinha que ter uma
tesoura para cortar. Cortar lata de azeite, ensinar para no se cortar e transformar aquela lata
de azeite em canequinhos, em... Faziam umas formas, coisas assim. E o pessoal da Prefeitura
via e dizia que isso no era Educao Fsica. Isso motricidade, mas no Educao Fsica [ri
ironicamente]. Ento est bom, no Educao Fsica!. Da eu comecei a descaracterizar
essa hegemonia da Educao Fsica do treinar a criana, do esporte. E na aula, em si
religiosamente as crianas tinham, ningum deixava de ter aulas a gente comeou a incluir
alternativas de contedo que no ficassem centralizados na bola. A gente comeou a
combater. E combatia as colegas de escola que centralizam no caador: colocava todos no
caador, corda para as meninas e bola para os meninos; estavam comeando a jogar futebol.
E a gente trabalhava... Para voc ter uma idia, a gente passava todos os finais de semestre
trabalhando duro com a crianas e as crianas pediam bola. A gente vinha a trabalhar com
bola no ltimo bimestre. O ltimo bimestre era um bimestre dedicado exclusivamente para as
aulas de bola. O que voc possa imaginar a gente trazia. No primeiro semestre a gente
trabalhava muito... No 1 bimestre era fundamental o corpo. O corpo era o objeto da Educao
Fsica: se mexer, dobrar, esticar... A criana tinha que se perceber, se situar dentro daquela
estrutura antomo-funcional que ela tinha. No 2 bimestre a gente trabalhava muito com a
questo rtmica porque ainda tinha aquela vinculao com a festa junina. No 3 bimestre a
gente trabalhava com folclore. Fiz trabalhos belssimos com folclore, o resgate... pena que
naquele tempo a gente no registrava, no dava tempo; ns recuperamos jogos fantsticos. E o
4 bimestre era bola. Da troquei aquelas bolas de vlei, aquelas bolas de handebol caras, de
couro, por bolas dente-de-leite, por bolas de borracha, bolas de plstico. Era um festival de
bolas.
Aqui tem um detalhe importante, Marcus, porque a gente comea a mudar essa
dimenso motriz da Educao Fsica.
Agora, essa questo educacional, ela afeta a todas as disciplinas da escola. Parece
que a Educao Fsica acha que ela ... Quando eu falo isso, normalmente eu recebo crticas,
360
Talvez a preocupao manifestada por Souza Jr. (1999) possa ser melhor
compreendida se expressada nos termos propostos pelo professor Ademir Piovesan.
Seus termos so a tenso. Talvez o professor de Educao Fsica no tenha tido ainda
o tempo necessrio para desenvolver-se na direo de um fazer mais crtico reflexivo,
361
como gostaria o autor citado. Para os professores escolares essa perspectiva parece ter
se caracterizado como excessivamente terica, menos corporal e mais explicativa.
Acredito que precisemos ainda de algum distanciamento histrico para entender que o
fazer por fazer, para muitos professores, no era um problema em si. At porque eles
no concebem que estavam fazendo o que quer que fosse somente por fazer. Talvez as
suas justificativas no nos agradem, mas dividir os professores entre aqueles que
atuavam (ou atuam) baseados no fazer por fazer e aqueles que orientavam o seu
trabalho por um fazer crtico-reflexivo, parece-me excessivamente esquemtico. Em
muitos casos, como temos visto, os professores atuavam a partir de um amlgama
entre o que era possvel fazer e o que eles gostariam e concebiam como verdadeiro,
correto, relevante. Se lembrarmos que aqueles eram anos de obliterao geral das
possibilidades de participao da sociedade, o que dizer dos professores de Educao
Fsica que carregam a marca de uma formao com uma forte tradio autoritria e
instrumental? Ou seja, a crtica tambm precisa ser matizada.
Creio ter sido possvel demonstrar que muitos professores desenvolviam o seu
trabalho sem necessariamente preocupar-se com qualquer ingerncia oficial. As
demandas da sua realidade exigiam demais deles. Se havia uma orientao do
pensamento da Educao Fsica brasileira para as influncias internacionais, como de
resto, em muitas outras manifestaes culturais, para muitos isso era motivo mais de
jbilo do que de lamentao. Era sinnimo de que a Educao Fsica era reconhecida
como uma prtica importante, baseava-se em preceitos cientficos de reconhecimento
internacional e o seu profissional tinha um papel fundamental da escola: ele tinha a
escola na mo.
Entre o professor do fazer por fazer e o professor do fazer crtico-reflexivo
existiu um conjunto impreciso de vrias maneiras de fazer. Ora mais prximas de um,
ora mais prximas de outro. E tambm, como vimos, havia muitos professores que
no se enquadravam em nenhum tipo de fazer, pelo simples fato de nunca terem feito.
preciso pois, fugir do maniquesmo de que alguns fizeram certo e outros no, que
alguns foram crticos e outros alienados. As experincia dos professores foram
ambguas e revelam um sincretismo intenso. Mas elas se deram daquela forma e no
da forma como gostaramos que tivessem se dado. Se eles, os professores, no
desenvolveram um fazer mais crtico e reflexivo ou sequer se aperceberam disso,
algo que diz respeito no realidade objetiva, mas aos nossos juzos subjetivos de
362
CONSIDERAES FINAIS
eles reinventam, dentro dos limites permitidos pelas mais diversas determinaes, o seu
viver cotidiano. No eram simplesmente manipulados ou induzidos mas, faziam opes.
Conscientes ou inconscientes, mas racionais. Portanto, ainda que no tivessem clareza
disso mas, parece-me que a maioria dos professores entrevistados tinha sabiam que
eram possuidores de uma liberdade relativa frente s determinaes estruturais. E, em
muitos casos, eram capazes de desafi-las.
Assim, este trabalho procurou contribuir para recolocar, em outros termos, a
questo do professor alienado ou do professor militante, posto por uma vasta literatura.
Nem todos foram um ou outro. A maioria, arriscaria eu, simplesmente pretendia ser
professor. Quando pretendia! No raro, muitos tinham conscincia de que eram,
inclusive, maus professores. Mas jamais possvel afirmar que foram porque foram de
determinada maneira. Eles, os professores, mostraram-se a sntese (j to batida!) de
determinaes variadas, mas mediadas pela sua vontade humana, histrica e
culturalmente situada.
Ao nomear de renovao esse processo de afirmao social da Educao Fsica e
dos seus professores, procurei indicar que naqueles anos a Educao Fsica era um
domnio de interveno relativamente aberto. Sua organizao, finalidades, objetivos e
mtodos estavam no centro de um debate bastante intenso, de alcance internacional.
Esse debate fortalecia o discurso da Educao Fsica, que se desenvolvia em uma dupla
direo: por dentro do discurso da educao e, de forma autnoma com relao a essa, a
partir do discurso da instituio esportiva. Teria havido a subsuno de um a outro, ou
aqueles eram anos de afirmao de um sincretismo que no permitiria confundir a
Educao Fsica com nenhum desses domnios?
Como o que estava em anlise ao longo desse estudo era uma fase de transio,
procurei freqentemente olhar para frente e para trs no desenvolvimento do processo
histrico. Espero no ter dado a impresso de proceder de maneira linear. Procurei
captar o que existiu de continuidade e de ruptura naqueles anos com a tradio da
Educao Fsica brasileira. Nesse sentido os depoimentos dos professores ganham em
fora ao indicar que a tradio e o novo conviviam, nem sempre de maneira conflituosa.
Assim, se houve mudanas no plano da organizao da Educao Fsica brasileira
durante a ditadura militar e estou convencido que houve , isso no significa dizer que
ganhamos alguma coisa com isso. Ao contrrio, a mudana aconteceu no sentido de ter
a Educao Fsica perdido significativamente. Isso pode parecer paradoxal luz de todo
368
BIBLIOGRAFIA
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ANEXOS
"De acordo com a experincia acumulada em 12 meses de atuao editorial dou conhecimento aos nossos
leitores das diretrizes para a publicao e distribuio de livros e revistas tcnicas da Diviso de
Educao Fsica. A publicao de base o "Boletim Tcnico Informativo" (BTI) revista peridica
tcnico-cientfica que visa divulgar informaes atualizadas e resultados de pesquisas. A matria editorial
prioritariamente nacional mesmo com eventuais prejuzos quanto ao nvel: apenas em situaes
espordicas sero inseridos artigos de origem estrangeira. O aperfeioamento do BTI acompanhar a
evoluo da Educao Fsica e os Desportos em nosso Pas, dando acesso aos elementos de reais
qualificaes tcnicas e criando, assim, condies para estruturar o setor em consonncia com os
388
So Paulo e Rio Grande do Sul as atribuies referentes s Inspetorias Seccionais sero assumidas pelo
Departamento de Educao Fsica (DEF) e Diviso de Educao Fsica respectivamente. Para controle
das organizaes envolvidas pormenorizado abaixo o programa editorial da D.E.F., para 1969: 1
semestre: BTIs n. 6 e 7, Regras de Volibol, Basquetebol, Handebol de Salo e Atletismo; Livro "Didtica
da Educao Fsica". 2 semestre: BTIs n. 8, 9 e 10, Regras de Mini-basquetebol; Livro "XIX
Olimpadas - Mxico/68 - Aspectos Tcnicos Evolutivos". Dessa forma e acreditando ter esclarecido
sobre todas as dvidas at o momento suscitadas, solicitamos dar amplo conhecimento deste programa,
uma vez que ele representa um Plano de distribuio das publicaes da DEF/MEC do qual no
pretendemos nos afastar at que injunes outras possam vir a reformul-lo
I. SOCIALIZAO:
a) sua vida;
b) sua famlia;
c) seus relacionamentos;
d) seus hbitos.
a) influncias;
b) estudos;
c) leituras;
d) lnguas estrangeiras leituras no original;
e) viagens;
III. PARTICIPAES:
a) como entrou no debate da Educao Fsica;
b) como aconteceu o interesse pela Educao Fsica;
c) por que escolheu ser professor de Educao Fsica escolar;
d) como e porque chegou ao Estado/prefeitura/universidade.
V.EDUCAO FSICA:
a) o que e a sua importncia: existe?;
b) o debate esporte x Educao Fsica;
c) militares x Educao Fsica ps-64;
d) Educao Fsica escolar autoritria;
e) transplante cultural;
f) Educao Fsica x cincia;
g) Educao Fsica e teorias crticas;
h) Educao Fsica hoje: dentro e fora da escola;
i) o professor de Educao Fsica em 70 e hoje.
I. SOCIALIZAO:
a) sua vida;
b) sua famlia;
c) seus relacionamentos;
d) seus hbitos.
b) estudos;
c) leituras;
d) lnguas estrangeiras leituras no original;
e) viagens;
III. PARTICIPAES:
a) como entrou no debate da Educao Fsica;
b) como aconteceu o interesse pela Educao Fsica;
c) j atuou na Educao Fsica escolar;
d) como e porque chegou universidade;
e) qual sua vinculao com o Estado/governo militar;
f) de que grupos profissionais/polticos/tcnicos fazia parte;
g) por qu os trabalhos para o Estado? Diagnstico de 71; qual a sua importncia;
h) no conselho editorial da Revista.
V. EDUCAO FSICA:
a) o que e a sua importncia
b) o debate esporte x Educao Fsica;
c) militares x Educao Fsica ps-64;
d) transplante cultural;
e) Educao Fsica x cincia;
f) Educao Fsica e teorias crticas;
g) Educao Fsica hoje: dentro e fora da escola;
393
I. SOCIALIZAO:
a) sua vida;
b) sua famlia;
c) seus relacionamentos;
d) seus hbitos.
b) estudos;
c) leituras;
d) lnguas estrangeiras leituras no original;
e) viagens.
III. PARTICIPAES:
a) como entrou no debate da Educao Fsica;
b) como aconteceu o interesse pela Educao Fsica;
c) por que a Educao Fsica escolar;
d) como e porque chegou universidade;
e) como professora da Rede Municipal de Curitiba:
1. qual era a Educao Fsica oficial;
2. tenses, aproximaes e rupturas/diferentes grupos;
3. havia a participao dos professores na elaborao dos programas oficiais;
4. havia consenso no encaminhamento dos programas e das aulas/atividades;
5. como era a sua prtica cotidiana na escola/com a Educao Fsica;
6. o que pretendia/esperava com a Educao Fsica na escola;
7. escolas, sries, turmas e outros trabalhos/informaes.
a) No Coletivo de Autores;
b) Na assessoria da Prefeitura Municipal de Curitiba;
c) Na produo acadmica e na formao profissional;
V. EDUCAO FSICA:
395
I. SOCIALIZAO:
a) sua vida;
b) sua famlia;
c) seus relacionamentos;
d) seus hbitos.
a) influncias;
b) estudos;
c) leituras;
d) lnguas estrangeiras leituras no original;
e) viagens.
III. PARTICIPAES:
a) como entrou no debate da Educao Fsica;
b) como aconteceu o interesse pela Educao Fsica;
c) por que a Educao Fsica escolar;
d) como e porque chegou universidade;
e) como professora da Rede Municipal de Curitiba:
1. qual era a Educao Fsica oficial;
2. tenses, aproximaes e rupturas/diferentes grupos;
3. havia a participao dos professores na elaborao dos programas oficiais;
4. havia consenso no encaminhamento dos programas e das aulas/atividades;
5. como era a sua prtica cotidiana na escola/com a Educao Fsica;
6. o que pretendia/esperava com a Educao Fsica na escola:
a) escolas, sries, turmas e outros trabalhos/informaes.
b) Na produo de Lies Curitibanas;
c) Na assessoria da Prefeitura Municipal de Curitiba;
d) Na formao de professores;
e) Por que no uma produo acadmica e um doutoramento.
V. EDUCAO FSICA:
a) o que e a sua importncia
b) o debate esporte x Educao Fsica;
c) militares x Educao Fsica ps-64;
d) transplante cultural;
e) Educao Fsica x cincia;
f) Educao Fsica e teorias crticas;
g) Educao Fsica hoje: dentro e fora da escola;
h) o professor de Educao Fsica em 70 e hoje;
i) Educao Fsica escolar: existe? Ela foi/ autoritria?;
j) Sua produo acadmica/intelectual: mudanas e alternncias;
k) Seu interesse pelas Cincias Humanas;
l) As acusaes dos adversrios.
I. SOCIALIZAO:
a) sua vida;
b) sua famlia;
c) seus relacionamentos;
d) seus hbitos.
398
III. PARTICIPAES:
a) como entrou no debate da Educao Fsica;
b) como aconteceu o interesse pela Educao Fsica;
c) por que a Educao Fsica escolar;
d) como e porque chegou aos cargos de direo;
e) como professor da Rede Municipal de Curitiba:
1. qual era a Educao Fsica oficial;
2. tenses, aproximaes e rupturas/diferentes grupos;
3. havia a participao dos professores na elaborao dos programas oficiais;
4. havia consenso no encaminhamento dos programas e das aulas/atividades;
5. como era a sua prtica cotidiana na escola/com a Educao Fsica;
6. o que pretendia/esperava com a Educao Fsica na escola:
a) escolas, sries, turmas e outros trabalhos/informaes.
b) Na nos rgos superiores da Prefeitura Municipal de Curitiba secretarias etc.;
IV. REVISTA BRASILEIRA DE EDUCAIO FSICA E DESPORTOS:
a) tinha contato/conhecimento da Revista;
b) o que ela representava para a sua formao/atuao profissional;
c) qual era a importncia da Revista e o seu alcance (circulao);
d) critrios de seleo dos trabalhos;
e) havia algum tipo de controle na Revista;
f) quais eram os seus limites;
g) dispunha de outros materiais de apoio no seu cotidiano.
V. EDUCAO FSICA:
399