Jorge Rizzini - Herculano Pires, o Apóstolo de Kardec
Jorge Rizzini - Herculano Pires, o Apóstolo de Kardec
Jorge Rizzini - Herculano Pires, o Apóstolo de Kardec
J. Herculano Pires
o Apstolo de Kardec
Contedo resumido
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Herculano Pires continua presente pela sua obra, pelo vigor
de seu esprito, pela nobreza moral de sua vida e pela defesa da
Doutrina Esprita em todos os momentos. Fosse quem fosse que
tocasse na Codificao ou tentasse minimizar direta ou indireta-
mente o papel inconfundvel de Allan Kardec, encontrava Hercu-
lano em posio com a sua cultura intensa e sempre atualizada,
sua argumentao convincente, seu desassombro tantas e tantas
vezes demonstrado. Temos nele, sem exagero, um dos mais
positivos padres morais e intelectuais do movimento esprita
brasileiro. (...)
Quando assumia posies polmicas ou defendia suas opini-
es, assinava logo J. Herculano Pires, pois as suas atitudes eram
sempre claras em tudo por tudo. Deixou, portanto, um exemplo
que deve ser recordado, ainda que seja por sentimento de justia
ao idealista e lutador, que muito fez pela Causa Esprita, especi-
almente nos momentos de definio e afirmao. (...)
Entre os escritores que projetaram e interpretaram a literatura
esprita com enriquecimento e abriram largo horizonte ao estudo
e crtica esclarecedora, o nome de J. Herculano Pires ter de
reluzir sempre.
Texto de Deolindo Amorim
Jornal Correio Fraterno do ABC
Janeiro de 1984.
3
O nome de Herculano Pires j est incorporado ao patrim-
nio do Espiritismo, entre os maiores defensores da integridade e
da pureza da Codificao de Allan Kardec.
Deolindo Amorim
Ao meu querido
Esprito Guia Manuel de Abreu,
pelo amparo que me tem dado na tarefa de
divulgar e preservar o trabalho de Allan Kardec,
4
Sumrio
Apresentao ..............................................................................8
1 O menino poeta ..................................................................11
2 Prodgios de um adolescente ..............................................17
Sonhos Azuis e Corao ........................................................ 19
A Unio Artstica do Interior ........................................................ 22
6 O apstolo em So Paulo....................................................63
Nascimento da USE .................................................................... 69
A verdade sobre o pseudnimo Irmo Saulo ........................... 74
6
14 As sesses de Herculano Pires e a trilogia pioneira .........199
Sesses medinicas com Herculano Pires .............................. 200
Os romances Lzaro e Madalena ........................................ 204
20 A grande batalha...............................................................258
A crucificao do Evangelho..................................................... 258
Herculano vai luta................................................................... 259
Reagem os adulteradores ......................................................... 263
Resposta aos detratores ........................................................... 267
A sentena final ......................................................................... 273
Os louros da vitria ................................................................... 275
21 O regresso Espiritualidade.............................................279
Apndice ..................................................................................284
Herculano Pires revela uma sua encarnao........................... 284
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Apresentao
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1
O menino poeta
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soltando muita fumaa quando atingia 40 quilmetros por hora, a
velocidade mxima...
Avar, embora pacata, vez por outra era sacudida por aconte-
cimentos dramticos. Quis a Espiritualidade que Herculano Pires
presenciasse alguns, certamente para faz-lo compreender,
embora ainda criana, que a terra era um planeta de angstias e
que muito havia por se fazer em prol da espiritualizao do povo.
Em seu dirio escreveu ele:
Ainda criana, vi muita maldade fervendo em Avar. Vi,
distncia de um quarteiro, o velho Joo do Prado, granda-
lho, sair de um cartrio da Rua So Paulo, dar alguns passos
e cair fulminado pelos tiros de revlver que um advogado lhe
desfechara nas costas. Vi, no Largo do Mercado, um homem
tombar esfaqueado por outro, esvaindo-se em sangue. Vi Ro-
sinha casar-se por amor e por amor suicidar-se tomando for-
micida. Vi um homem com a cabea arrebentada pela prpria
esposa. E vi crianas chorando na orfandade sbita, porque o
pai e a me haviam sido mortos pela ferocidade de alguns pa-
rentes. E vi ainda meu Deus, que horror! um homem car-
regar pelas ruas da cidade, obrigado pela Polcia, o tronco
carbonizado da vtima que tentara destruir pelo fogo.
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Esses brbaros crimes de morte, evidentemente, levaram Her-
culano Pires, menino ainda de cinco ou seis anos de idade, mas
dotado de aguda inteligncia, a pensar em Deus com frequncia.
A verdade que j estava sendo preparado pelos Espritos, a fim
de, quando adulto, bem cumprir sua misso.
Notemos agora que desde menino tinha vises espirituais. Es-
se fato, que teria importncia fundamental no decorrer de toda
sua vida, Herculano Pires revelou a Rizzini em uma entrevista
gravada. Ouamos suas palavras:
No eram vises msticas. Eram vises reais. Eu via Esp-
ritos andando pela casa, noite. Ainda me lembro muito bem,
eu era pequenino, me levantava, me firmava na guarda do
bero e ficava olhando os Espritos vagarem pela casa. No
eram apenas Espritos de mortos. Eu via o Esprito de minha
me, que estava viva, andar pela casa. Minha me dormia e
seu Esprito se desprendia. E isto eu via com bastante fre-
quncia. Esses fatos provocaram alarme em casa porque, s
vezes, via certos Espritos que me assustavam e ento eu gri-
tava e acordava todo o mundo. Vinham saber de mim o que
acontecera e meu pai dizia: Ele est delirando, preciso sa-
ber o que tem esse menino. Mas, eu explicava o que tinha
visto. Certa vez me aconteceu tambm um fato muito curioso.
Eu j tinha uns sete ou oito anos e na casa do meu av mater-
no, em Avar, havia um quintal muito grande (meu av ma-
terno era italiano e minha av materna brasileira). E eu, brin-
cando com as crianas no fundo do quintal cheio de grandes
mangueiras, de repente ouvi um estalo esquisito, estranho.
Olhei para o lado. Vinha vindo uma velhinha, mais ou menos
apressada, com um vestido que parecia estrangeiro e com
meias listadas de vermelho e azul; listas circulares em torno
da perna. E ainda me lembro tambm dos sapates, para mim
esquisitos... Ela no me deu satisfao, passou perto de mim
e se dirigiu para uma espcie de depsito que havia no quin-
tal, abriu a porta e entrou. A porta bateu e, com o estalo, vol-
tei a mim. Quer dizer, sa daquele encantamento. Fui corren-
do desesperado para casa, gritando. Meu av foi o primeiro a
sair ao meu encontro: O que h?. Eu contei. Repita isso!
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Eu repeti. Como era ela? Eu contei. E dei dois detalhes de
que hoje no me lembro. Ento ele virou-se para minha av e
disse: minha me! minha me! Foi um fenmeno que
ficou gravado na minha memria.
A famlia de Herculano Pires, j o dissemos, era, ento, cat-
lica. inegvel que essas vises na infncia tinham o objetivo
maior de lev-lo, posteriormente, ao encontro do Espiritismo.
Herculano Pires, quando criana, foi uma prova vigorosa da
reencarnao. Ele trazia da Espiritualidade um lastro cultural
vastssimo adquirido em vidas anteriores e uma vocao perfei-
tamente definida. Menino notvel, com nove anos de idade,
calas curtas, ainda nos bancos de uma escola primria na cidade
de Ita, para onde sua famlia se transferira em 1920, ele se
revelou poeta. J conhecedor das leis rgidas da arte potica (que
prodgio!), o menino redigiu em versos decasslabos um soneto
que , ao contrrio do que o vulgo pensa, a forma potica mais
difcil de ser dominada. O tema escolhido pelo garoto foi o
Largo So Joo, de Avar; tema adulto e rido.
Viveu Herculano Pires em Ita dos seis aos dez anos de idade.
No dia 7 de setembro de 1922 (relembraria ele cinquenta anos
depois em uma crnica), era ento um menino de oito anos e
formava numa tropa de escoteiros, orgulhoso do meu uniforme
cqui e do meu leno vermelho tatalando ao pescoo. Meu
comandante era o professor Victorino, gordinho e baixo, tambm
vestido de uniforme. E quem proferiu o discurso mais bonito e
mais retumbante, comemorando o primeiro centenrio da Inde-
pendncia do Brasil, foi naturalmente o meu pai. Na festinha da
escola, em dias feriados, ramos dois, eu e a menina Adlia,
minha namorada (os primeiros das duas turmas: masculina e
feminina), que ficvamos em p ladeando o mastro, na hora do
hasteamento.
Quatro anos depois seu pai, buscando melhoria financeira,
fixou residncia na cidade de Cerqueira Csar. Mas por pouco
tempo. Voltou a residir com a famlia em Avar, onde matricu-
lou o filho na Escola de Comrcio, fundada e dirigida pelo
Professor Jonas Alves de Almeida, de quem, ao longo da vida,
15
guardaria Herculano Pires a mais grata recordao. Mas no
pde concluir o curso.
A vida profissional de Jos Pires Correa no era fcil. E as-
sim, buscando sempre melhores condies para o sustento da
famlia, tornou a residir na cidade de Cerqueira Csar. Herculano
tinha, ento, doze anos de idade e... continuava a escrever poesi-
as.
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2
Prodgios de um adolescente
19
grar as crianas, numa festinha escolar. Que maior glria po-
deria desejar um escritor incipiente?
Com a publicao de Sonhos Azuis Herculano Pires ficara co-
nhecido na regio Sorocabana como o menino escritor. E esse
menino-prodgio prova inegvel da reencarnao tinha na
gaveta boa quantidade de crnicas, contos e noveletas. Parte
desse material foi publicado no jornal O Porvir e depois na
forma de opsculo, que oferecia aos amigos e conhecidos. o
caso de O Sonho das Vagas, poema em prosa escrito em janeiro
de 1930 (Herculano tinha quinze anos de idade), Cidades Vivas,
Cabo Velho e Cia., Nh Chico Bananeiro e O Serenista.
O segundo livro de Herculano Pires veio luz em 1932,
quando tinha dezoito anos de idade, dois anos depois de Sonhos
Azuis, tendo ele feito j o servio militar obrigatrio. Como o
primeiro livro, o segundo fora composto na tipografia da Casa
Ipiranga, impresso e encadernado pelo autor. Seu ttulo: Cora-
o. Livro de sonetos e poemas, o prefcio trazia uma dedicat-
ria misteriosa: A Lola de Oliveira e aos Meus. Lola... Essa
figura feminina, certamente uma espanhola, quem seria? Quaren-
ta anos depois Herculano revelaria:
Quem era essa figura feminina que merecera aparecer na
dedicatria? Alguma namorada? No. Era uma escritora e
poetisa pobre, autora do livro Rubis, que passara duas vezes
por Cerqueira Csar vendendo os seus livros de porta em por-
ta. J velhusca, percorria assim o interior, para ganhar a vida
com a sua produo literria. Emocionara-me a sua pobreza,
a sua simplicidade, a sua dedicao s letras. Guardo at hoje
os seus livros, com carinho. Num deles, h uma referncia ao
rapazinho poeta de Cerqueira Csar.
20
A imprensa de So Paulo, co-
mo a do Rio de Janeiro, registrara
o lanamento de Corao. O
conhecido crtico santista, lvaro
Augusto Lopes, no jornal A
Tribuna de Santos, escreveu que
o verso de Herculano Pires era
gil e correntio. A revista A
Cigarra, de So Paulo, transmitiu
a seus leitores que os versos de
Corao eram bons e que o poeta
moo e tem talento. A redao
da revista satrica O Malho, do Segundo livro de Herculano Pires.
Rio de Janeiro, observou que os Tinha ele 18 anos de idade.
versos de Herculano Pires so de
rara simplicidade e harmonia e o jornal O Estado de So
Paulo viu no livro uma linda promessa literria, cem pginas
de versos, mais poesia do que versos. O Correio Paulistano,
por sua vez, foi peremptrio: H uma maestria particular na
feitura do verso, que o ouro da imaginao polvilha agradavel-
mente.
A Espiritualidade, atenta, observava os movimentos do jovem
escritor e poeta. A ttulo de curiosidade, ofereamos aos leitores
um soneto inserido em Sonhos Azuis, que a comprovao de
tudo o que transcrevemos sobre os versos do ento adolescente
Herculano Pires:
Eu gosto muito desses ces vadios,
Magros e tristes, de olhos embaados,
Que vo nas ruas, pobres e erradios,
Aqui e ali, por todos aoitados.
Eu gosto desses ces. Aos ventos frios
Das noites de luar, uivam, coitados!
Lanando ao cu olhares luzidios
E enrodilhando os membros nus pesteados.
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Eu gosto desses ces. Magros, famintos,
Como esqueletos de outros ces extintos,
Ironias da vida e da matria,
Arrastam pela vida, humildemente,
Resignados como pouca gente,
Sua vida de fome e de misria.
24
infinidade de pacotes e canudos registrados, procedentes de
todo o Brasil, trazendo para o concurso a variada produo
dos nossos poetas annimos, sempre numerosos.
Um incidente curioso verificou-se, por esse motivo, e bem
merece ser evocado. O Sr. Joo Mericofer, geralmente co-
nhecido por Zico, era o agente postal da cidade. Tempera-
mento retrado, secarro, o Zico quase no falava. Desincum-
bia-se humildemente da sua tarefa diria, dava umas voltas
rpidas pela cidadezinha e voltava para o correio. Logo, po-
rm, que o concurso tomou vulto e a correspondncia come-
ou a abarrotar a agncia, encaminhou-se ele redao de O
Porvir, o semanrio local dirigido pelo Sr. Jos Pires Correi-
a, e fez a sua reclamao:
Esse concurso prejudica o comrcio da cidade! Chegam
tantas cartas e tantos registrados, que eu no posso distribu-
ir a correspondncia na hora de costume!
E prossegue o memorialista Herculano Pires:
Entre os duzentos e tantos trabalhos concorrentes, impu-
nha-se como vitoriosa a forma moderna de poesia. Havia
numerosos sonetos e alguns trabalhos extensos, metrificados
e rimados com todo o rigor da forma parnasiana. Mas os po-
emas modernos, de estro livre, eram em muito maior nmero.
Nada, entretanto, de futurismo, simbolismo ou coisa seme-
lhante. A liberdade mtrica e a substituio dos efeitos de ri-
ma pelas do ritmo e de imagens eram os caractersticos da
maioria dos concorrentes.
Havia versos como estes, de Pedro Jos de Camargo, de I-
tapetininga, descrevendo uma mulata sambista, num poema
que obteve meno honrosa:
Quanto ela ri,
Seus dentes simtricos, leitosos,
So duas carreiras de gros de milho verde.
E outros de um sabor estranho, lembrando a influncia do
sangue rabe na nossa formao racial, como este de Pedro
Chacair, de Santo Antnio da Alegria:
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Pudesse eu ser Maom moderno,
De espada em punho e o Cr ou morres na alma,
E diria a teu pau:
Cr no amor, ou morres!
Ou ainda do mesmo poeta:
Quero dormir, sonhar!
Que ideal, viver assim,
a vibrar, a esquecer, a enlouquecer aos poucos,
ao sabor voluptuoso de haschich!
E Herculano Pires recorda curioso incidente devido partici-
pao de seu amigo Raul Osuna Delgado, poeta irreverente:
O Porvir, pequeno semanrio de Cerqueira Csar, tornou-
se o rgo oficial do concurso. Divulgava as bases, noticiava
o recebimento de originais, informava os concorrentes sobre
o andamento do certame. Por isso mesmo, recusou-se a acei-
tar a reclamao do Zico Mericofer. Mas quando comeou a
publicar os trabalhos distinguidos com meno honrosa,
provocou certa vez um verdadeiro escndalo entre os leitores
da populao pacata e religiosa de Cerqueira Csar. Foi no
domingo em que inseriu o soneto SE..., de Raul Osuna
Delgado, um jornalista da vizinha cidade de Avar, j faleci-
do.
Osuna Delgado foi uma das figuras mais interessantes do
jornalismo de nosso interior. Inteligente, esprito vibrante, era
dotado de uma combatividade que transformou a sua existn-
cia numa luta contnua. O atual prefeito avareense, Romeu
Bretas, que ainda agora esteve em foco na Assembleia Legis-
lativa do Estado com o caso da agresso a um jornalista da
terra, teve lutas srias com Osuna, que naturalmente no le-
vou a melhor, dado o regime discricionrio que vigorava na
ocasio...
Fiel sua vocao combativa, Osuna Delgado inscrevera
no concurso um soneto que mereceu a meno honrosa em
virtude mesmo da sua audcia. No negaremos ao leitor o
prazer de saborear esse interessante soneto, que tantos abor-
26
recimentos causou ao pessoal de O Porvir, quando de sua
publicao:
Se aqui junto de Deus existe, realmente,
A desejada paz de inmeros mortais;
Se aqui junto de Deus, sob a luz dos vitrais,
O cura tem o dom de perdoar a gente;
Se aqui junto de Deus este ou aquele crente
Est longe da mo dos anjos infernais;
Se aqui junto de Deus os grandes temporais
Encontram um tit de fora onipotente;
Se aqui junto de Deus se ocultam mil cruzadas,
Capazes de abater milhes de renegados
Por esse mesmo Deus... ento, da igreja eu saio
E olhando para a cruz, alm do campanrio,
Eu pergunto, de chofre: ilustre e bom vigrio,
Que diabo faz, na torre, aquele para-raio?
O padre Jos Julianetti, j falecido, que por mais de vinte
anos foi vigrio da parquia, fez uma pregao especial con-
tra o poeta, o concurso e o jornal...
Aberto em 21 de outubro de 1934, o concurso encerrou-se a
21 de janeiro de 1935. A comisso julgadora era constituda por
dois consagrados intelectuais de So Paulo, os poetas Ribeiro
Couto e Menotti Del Picchia, mais Nair Mesquita, diretora da
revista Vantas, que atribura o primeiro prmio ao poema
Rodrigues de Abreu, de autoria de Jernimo Leite, poeta do
territrio do Acre. Houve catorze menes honrosas, entre as
quais se destacava mais um poeta acreano, Jos Carlos da Silva
Pires, residente em Saboeiro, Alto Juru.
Entre 1934 e 1935 o Brasil viveu poderosas agitaes polti-
cas, que atingiram tambm elementos da U.A.I.. Aproximava-se
o fim da instituio. A ltima ata, a de nmero 12, foi lavrada a
28 de maio de 1935 e mostra sua situao precria. Presentes
reunio apenas trs membros: Herculano Pires, que assinou-a, o
poeta Amrico de Carvalho e o contista Lus Aguiar. O ltimo
aparecimento pblico da nobre instituio se verificou uma
27
semana depois, no dia 5 de junho, atravs de uma conferncia
pronunciada pelo mdico baiano Adalberto de Assis Nazar, no
Cine Rio Branco, perante pblico reduzido.
A U.A.I. escreveu doze anos depois Herculano Pires
exerceu, durante os seus trs anos de funcionamento, influn-
cia considervel no interior paulista, em favor da populariza-
o da poesia e das artes modernas. Seu trabalho foi to revo-
lucionrio e atabalhoado quanto o da Semana de Arte Mo-
derna, podendo-se considerar como um reflexo caboclo des-
se grande movimento paulistano.
E, em outra crnica, Herculano assumiu a mesma posio e
fez uma justa reivindicao:
Os historiadores da literatura brasileira ainda no tomaram
conhecimento dessa revoluo literria das provncias, que
partiu de Cerqueira Csar e empolgou o Brasil. No teve ela
as propores nem o brilho da famosa Revoluo de 22, mas
foi, de certa maneira, uma das suas consequncias. A U.A.I.
representou uma tomada de conscincia dos que sofriam no
interior o isolamento cultural. Os dois concursos que ela
promoveu tiveram grande repercusso na imprensa nacional,
e um dia, forosamente, algum se lembrar desse feito cer-
queirense.
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3
Primeiros passos na juventude
30
A converso
31
rita pelo raciocnio. Isso ocorreu em 1936; eu tinha, ento, 22
anos.
Foi a lgica indestrutvel de O Livro dos Espritos que con-
verteu Herculano Pires, verdade, mas por outro lado no nos
esqueamos que tivera ele na infncia vises medinicas jamais
esquecidas e que, ao reencarnar, trouxera no inconsciente grande
parte do manancial de sabedoria contido na obra de Allan Kar-
dec.
Essa primeira leitura de O Livro dos Espritos teve a ao de
um vendaval na alma do moo Herculano Pires. A obra lhe
pareceu um marco na histria da evoluo da humanidade.
Kardec derrubara as barreiras da morte e obtivera dos Espritos a
soluo dos enigmas do destino. E, nessa noite memorvel, ao
constatar que o livro era constitudo de mil e dezenove perguntas
de Kardec, cujas respostas dos Espritos, plenas de sabedoria,
abarcavam as trs grandes reas do conhecimento cincia,
filosofia e religio no silncio de seu quarto Herculano Pires
fez a seguinte reflexo (mais tarde ele poria estes pensamentos
em letra de forma):
Nunca houve um dilogo como este. Jamais um homem se
debruou, com toda a segurana do homem moderno, nas
bordas do abismo do incognoscvel, para interrog-lo, ouvir
as suas vozes misteriosas, contradiz-lo, discutir com ele, e
afinal arrancar-lhe os mais ntimos segredos. E nunca, tam-
bm, o abismo se mostrou to dcil e at mesmo desejoso de
se revelar ao homem em todos os seus aspectos. 4
E ao pensar que fora at aquele dia teosofista, Herculano Pi-
res acariciou O Livro dos Espritos... E refletiu:
A Doutrina dos Espritos aborda desde logo os mais altos
problemas de filosofia que agitavam o sculo XIX e lanou
em terreno firme as bases de uma nova interpretao e de
uma nova concepo da vida e do mundo. Constitui mesmo,
desde o incio, uma poderosa reao a duas escolas que pare-
ciam ameaar o mundo com imediata conquista: o marxismo
e o positivismo.
32
A teosofia apareceu dezoito anos aps o Espiritismo, ten-
tando neg-lo atravs de uma elaborao cultural elevada,
mas muito mais ligada tradio hindusta do que ao esprito
cientfico do nosso tempo. S o Espiritismo, como queria
Kardec, enquadra-se perfeitamente na orientao cientfica.
Kardec logo nas primeiras pginas de O Livro dos Espritos
define os rumos seguros da Doutrina Esprita, a sua natureza
e o seu papel no mundo moderno. O Espiritismo uma dou-
trina que desloca o problema do esprito do terreno nebuloso
do dogmatismo religioso, abrindo-lhe as perspectivas da an-
lise e da investigao cientficas e ao mesmo tempo renova a
questo religiosa, oferecendo-lhe a possibilidade da f racio-
nal.
No dispondo de nenhum sistema litrgico, no possuindo
cerimoniais, sacramentos ou qualquer espcie de regras e
simbolismos para o culto externo, o Espiritismo se firma ape-
nas no corao e na conscincia dos adeptos. Representa o
Espiritismo, por isso mesmo, aquele momento anunciado por
Jesus Samaritana, quando lhe declarou: A hora vem, e a-
gora , em que os verdadeiros adoradores adoraro o pai em
esprito e verdade. Ser esprita, portanto, viver o Espiritis-
mo. transformar os princpios doutrinrios em norma viva
de conduta, para todos os instantes de nossa curta existncia
na terra. praticar, enfim, o Espiritismo, no apenas no re-
cinto dos Centros ou no convvio dos confrades, mas em toda
parte em que nos encontremos na rua, no trabalho, no lar,
na solido dos prprios pensamentos. 5
Herculano Pires assim agiu no decorrer de sua vida. E no dia
seguinte o jovem convertido adquiriu as demais obras de Allan
Kardec.
Mas a assimilao total de todos os conceitos da Codificao
Kardeciana s foi possvel aps anos de estudo sistemtico.
33
Encontro com Joo Leo Pitta
36
Voc inteligente, menino! Gostei de sua palestra, mas ela
teve muito de Teosofia... Voc precisa aprofundar-se mais na
Doutrina Esprita...
O bom Pedro Ammar, que o autor destas linhas teve a satisfa-
o de conhecer anos depois, na residncia de Herculano Pires,
era uma figura popular em Ipauu. Sua histria era conhecida
dos confrades mais velhos. O pai deu-lhe uma quantia em di-
nheiro e mandou-o viver em outro lugar, pois no desejava ter
um filho esprita em casa. Pedro Ammar pegou o dinheiro e saiu.
E semanas depois montou no centro da cidade um pequeno
estabelecimento comercial uma loja de miudezas, a que deu o
nome de Casa Esprita. A loja distava dois quarteires apenas
da residncia de seu pai. Ammar, atrs do balco, vendia de
tudo, inclusive livros espritas menos o que pudesse servir ao
ritual catlico: velas, fita azul (muito procurada pelas filhas de
Maria) e fil, tecidos com que as senhoras cobriam a cabea nas
procisses e na igreja...
O conselho de Pedro Ammar foi providencial. Herculano Pi-
res aprofundou-se no estudo da Doutrina Esprita. Era tal sua
intimidade com os livros da Codificao que se tornou, no dizer
correto de Chico Xavier, o mais profundo conhecedor da Doutri-
na Esprita.
37
escritor Paulo Setbal, em cujas pginas descrito, magistral-
mente, mas com humildade, seu encontro com Jesus. Confiteor
uma autobiografia comovente e inacabada porque sete meses
aps o incio de sua redao Setbal, j tuberculoso, faleceu. O
artigo de Herculano Pires tinha por ttulo Confiteor, um livro
doloroso e foi escrito em 1938, alguns meses depois do passa-
mento de Paulo Setbal. Onde public-lo? A Revista Interna-
cional do Espiritismo e o jornal O Clarim, ambos da cidade
de Mato sob a orientao superior de Cairbar Schutel, eram
nessa poca os veculos principais da imprensa esprita paulista,
o que vale dizer, do Brasil. E para l remeteu Herculano Pires
seu artigo. Cairbar Schutel, que pela sua enorme folha de servi-
os j era considerado apstolo do Espiritismo, pegou o envelope
e olhou o nome do remetente. Era-lhe totalmente desconhecido.
E leu o artigo, sem dvida, com muito interesse porque ainda
ecoava entre o povo o impacto da desencarnao de Paulo Set-
bal, consagrado autor de romances histricos de grande xito
como A Marquesa de Santos, que mereceu traduo para o russo,
o ingls, francs, rabe e o dialeto croata. Schutel no teve
dvida: incluiu o artigo de Herculano Pires entre os originais a
serem publicados na prxima edio da Revista Internacional
de Espiritismo, ou seja, em fevereiro de 1938. Mas, no chegou
a ver esse nmero da revista editado: Schutel desencarnou uma
ou duas semanas antes. Fato assaz significativo: dias depois da
desencarnao do insigne jornalista de Mato, sua bela revista
apresentava aos leitores o jovem estreante Herculano Pires, o
qual viria a ser um dos mais ldimos representantes do jornalis-
mo profissional brasileiro e, a exemplo do prprio Schutel, um
denodado e brilhante defensor dos postulados espritas! Quase
diramos que houve nesse gesto derradeiro de Schutel uma sutil
inteno premonitria que passou despercebida pelos seus bi-
grafos.
38
4
Novos passos na juventude
39
alugada que seria, tambm, ambulatrio mdico. O Dr. Nazar
prontificou-se, imediatamente, a dar assistncia gratuita s
crianas. E, assim, o Natal dessas criaturinhas infelizes passou a
ser permanente...
A primeira diretoria da Cruzada Papai Noel ficou, assim,
constituda: presidente, Jos Herculano Pires; secretrio, prof.
Enos de Abreu Sodr; tesoureiro, Dadcio de Oliveira Baulet,
companheiro de Herculano Pires na direo do Centro Esprita
Humberto de Campos. A Assembleia Geral da Cruzada que
elegeu a primeira diretoria foi realizada em 8 de agosto de 1938
na casa do escritor Lus Aguiar. Herculano contava vinte e
quatro anos de idade.
As funes da Cruzada com o decorrer do tempo foram am-
pliadas. Passou o ambulatrio a atender doentes pobres de qual-
quer idade. O mdico Adalberto de Assis Nazar desdobrava-se.
Mas o padre Julianetti no via com bons olhos a Cruzada Papai
Noel pelo fato de que sua diretoria no levava as crianas
igreja, alm de cometer a heresia de exaltar Papai Noel ao
invs de Cristo... E passou a atacar publicamente a instituio.
Como alguns associados com boas condies financeiras muda-
ram-se da cidade e o prof. Enos tornou-se portador de tuberculo-
se pulmonar galopante, a Cruzada entrou em decadncia. O
padre continuou a atac-la. Logo depois Elias Salomo Farah
contraiu tuberculose. Herculano Pires, ento, pessoalmente e
atravs das colunas de seu jornal, pediu Prefeitura de Cerqueira
Csar encampasse o Ambulatrio Infantil da Cruzada Papai
Noel, pois a cidade no possua Posto de Sade... Mas as crian-
as pauprrimas no tiveram sorte: o capito Moura Leite, que
era o prefeito e fabricante do Requeijo Maravilha, atendeu o
pedido, mas deixou que o ambulatrio em pouco tempo ficasse
coberto de teias de aranha...
Herculano Pires, mais tarde, rememorando o doloroso epis-
dio, escreveu, transbordando amor:
Eram lindas e delicadas as flores da misria; bebs de o-
lhinhos vivos, loiros, morenos, negros, castanhos, que refleti-
am em suas pupilas inocentes a esperana de viver; garoti-
40
nhos espertos que murcharam lentamente ao efeito das ver-
minoses e da disenteria; moleques de faces plidas ou amare-
ladas, como flores de guanxuma, que lutavam contra a fome e
as endemias devastadoras; anjos desprevenidos que desceram
Terra esperando melhor-la e no encontraram a proteo
dos homens; centenas de criaturinhas mimosas e tenras que
precisavam de leite e carinho, mas s encontraram gua com
acar mascavo ou de rapaduras, desconforto e abandono.
Quanto ao caridoso mdico Adalberto de Assis Nazar, conta
Herculano Pires que morreu em Assis, para onde se mudara, ao
atender uma parturiente, a altas horas da noite. Estava em repou-
so, por causa de uma crise cardaca, mas ao saber que a parturi-
ente no tinha um mdico que a pudesse assistir, levantou-se, fez
o parto, entregou a criana enfermeira e lhe disse: Ela chega
para ocupar o meu lugar. E caiu morto.
O casamento
41
Se a Espiritualidade Superior marca-
ra data para o reencontro nada poderia
evit-lo. Mas... os meses se passavam. O
segundo encontro aconteceu em 1938,
dois anos depois. Herculano Pires ia
constantemente cidade de Avar rever
parentes ou fazer palestras no Centro
Esprita Anjo Guardio e na Associa-
o Esprita F, Esperana e Caridade.
D. Virgnia Um dia, ao descer do trem na estao de
Avar pareceu-lhe ver o belo perfil de Virgnia. Aproximou-se,
rpido.
Virgnia!
Que surpresa! respondeu ela, risonha, sentindo o corao
bater forte.
Espera algum ou vai viajar?
Vou a Ipauu passar uns dias com a famlia do Dr. Raul So-
ares. Estou em frias. E voc? Veio visitar seus parentes?
Herculano Pires ia responder, mas o trem com destino a Cer-
queira Csar e Ipauu apitou e os passageiros com Virgnia
frente subiram nos vages. Herculano Pires fez o mesmo. Ela
olhou-o, espantada.
Aonde vai? Desa, que o trem vai partir.
Preciso falar com voc.
O trem partiu e Herculano Pires pediu-a em casamento duran-
te a viagem.
Mas no somos noivos e nem sequer namorados... disse
ela, sem poder esconder a sbita emoo.
E para qu? retrucou ele, sorrindo.
Abraaram-se. Era o dia 25 de junho de 1938. E a data do ca-
samento foi marcada: 11 de dezembro de 1938. Casar-se-iam,
pois, dentro de seis meses. Combinaram que o casamento civil
seria realizado na casa dela e que, sendo ambos espritas, no se
casariam na igreja.
42
Alguns parentes nos criticaro. Pacincia, mas no pode-
mos ceder!
Sim, no podemos. respondeu ela absurdo um esprita
conscientizado casar diante do altar e de um padre.
Mas, naqueles velhos tempos no era fcil ser esprita. O cle-
ro atacava o Espiritismo e a sociedade mostrava-se muito pre-
conceituosa. Assim, algumas parentas de Herculano Pires, que
diariamente comungavam e iam missa, ao saber que no have-
ria cerimnia na igreja abandonaram a sala no momento em que
o Juiz de Paz iniciava o ato solene. Essa atitude vexatria, no
entanto, no impediu que aps o casamento houvesse uma gran-
de festa. Herculano e sua esposa embarcaram nesse mesmo dia
para So Paulo, onde passaram parte da lua de mel. Pretendiam
tambm passear em Santos, mas, dentro de uma semana seria
celebrado o natal e resolveram regressar a Cerqueira Csar, no
antes de comprarem com o dinheiro que sobrara presentes que
distribuiriam no Natal s crianas pauprrimas.
Onze meses depois nascia o primeiro rebento de Virgnia e
Herculano: uma linda menina que ganhou o nome de Helena.
Por que Helena? um curioso perguntou ao casal.
uma homenagem que presto a Helena Blavatsky, funda-
dora da Sociedade Teosfica explicou Herculano, sorridente.
Essa justa homenagem significativa. Deixa em evidncia o
discernimento de Herculano Pires. Os ensinamentos teosficos
de h muito no mais o satisfaziam, verdade, mas esse fato no
impedia continuasse ele a admirar a inteligncia e o idealismo de
Madame Blavatsky. Sua segunda filha nasceria em Marlia e
ganharia o nome de Helosa. A menina seria mais tarde oradora
esprita e autora de uma obra carinhosa sobre o seu pai.
A vida jornalstica em Cerqueira Csar continuava difcil. O
pai de Herculano Pires j havia vendido a tipografia e liquidado
O Porvir. O jornal A Semana, que Herculano lanara e
depois transformara em modesta revista, tinha poucos anncios e
sua venda era apenas razovel. E dava muito trabalho. O prprio
Herculano Pires a compunha, imprimia e revisava. E no sbado,
43
noite, junto com a esposa, fazia a dobra e no domingo, pela
manh, a distribuio.
As dificuldades econmicas aumentavam. Com esposa e fi-
lha, que fazer para ganhar mais dinheiro?
Soube, ento, de um concurso para escrivo de coletoria esta-
dual. Fez o exame e ganhou o cargo. Mas, ao fim de um ou dois
meses abandonou-o por detestar os nmeros. Foi quando resol-
veu mudar-se para uma cidade com maiores possibilidades
profissionais.
Marlia foi, enfim, a cidade escolhida.
Corria o ms de dezembro de 1940.
44
5
A vida em Marlia
46
imprensa, quer atravs de cartas, com Artur Massena, Edgar
Armond, Pereira Guedes, Carlos Imbassahy (pai), Mrio Caval-
cante de Melo e, entre outros, Divaldo Pereira Franco.
Jornalismo e poesia
49
colocando em risco, se preciso fosse, a prpria vida. Assim eram,
incluindo o prprio Herculano Pires, Eurpedes Soares da Rocha,
Higino Muzzi Filho, Paulo Correia de Lara, Joo Barbosa,
Gabriel Ferreira, Lus Laraia, Santos Xand de Arajo e, entre
outros, o saudoso mdium Urbano de Assis Xavier. Foi com eles
que Herculano Pires conviveu durante seis anos consecutivos em
Marlia. Para que tenha o leitor ideia da fibra e idealismo desses
homens, citemos, como exemplo, Eurpedes Soares da Rocha,
fundador da cidade de Marlia, a quem Herculano Pires chamava
de o patriarca do Espiritismo de Marlia e exemplo de abne-
gao ao prximo. Proprietrio de inmeras terras, o generoso
Eurpedes Soares da Rocha, quanto mais dinheiro ganhava, mais
doaes fazia ao movimento esprita da cidade. Ele no somente
doava terrenos, como edificava ou ajudava a edificar, centros,
creches, asilos. O hospital esprita de Marlia, destinado ao
socorro gratuito dos doentes mentais no apenas de Marlia, mas
de toda a Alta Paulista e que , no dizer de Herculano Pires, um
grande monumento da caridade crist, obra de Eurpedes
Soares da Rocha. Graas ao prestgio de seu nome a obra rece-
beu contribuies do povo, comrcio, indstria e lavoura, inclu-
sive de cidades vizinhas. Ocupava esse hospital uma rea de
48.000 m e j dispunha no ano de 1947 acomodaes para
duzentos internados. Depois, tornou-se uma verdadeira cidade
hospitalar. Herculano Pires fazia parte da diretoria; tinha o cargo
de 2 secretrio e Eurpedes Soares da Rocha o de provedor.
Essa foi uma fase dura. Fase de lutas! O hospital ficou grava-
do para sempre na memria de Herculano Pires devido, tambm,
a uma polmica que sustentou com o mdico Rodrigo Argolo
Ferro, mdico-chefe da Casa de Sade So Lus, o qual comba-
tia pelas pginas do Correio de Marlia a iniciativa dos espri-
tas e reprovava o tratamento espiritual dentro de um hospital
psiquitrico. Herculano Pires respondeu-lhe pelas colunas do
Dirio Paulista. A polmica emocionou o pblico e durou
meses. Teve um feliz final na Basserie, bar situado no centro
da avenida Sampaio Vidal. Acompanhado de amigos, Herculano
e o Dr. ngelo abraaram-se e beberam o caf da paz. Mas, o
hospital continuou a empregar o tratamento espiritual juntamente
50
com o psiquitrico... Porque (escreveu Herculano Pires) sabemos
que sem o tratamento adequado, que o tratamento esprita,
esses casos no se resolvem, podendo, s vezes, sofrer passagei-
ros arrefecimentos, mas no geral agravando-se at a completa
loucura.
Essa foi a primeira defesa pblica que Herculano Pires fez do
inalienvel direito do livre exerccio da mediunidade. A segunda
interveno (agora em defesa dos postulados do Espiritismo) foi
devido publicao do livro Temas Espirituais do respeitado e
culto pastor protestante Otoniel Mota, fundador da Associao
Evanglica Brasileira, autor de sessenta livros e membro da
Academia Paulista de Letras. A defesa de Herculano, sinttica e
primorosa, brilhante mesmo, est contida no opsculo de vinte e
uma pginas s mestre... e ignoras estas coisas?, que a Casa
Editora O Clarim editou em 1946 e que Otoniel Mota recebeu,
leu e achou de bom alvitre no responder...
Registremos, ainda, que em novembro de 1941 Herculano Pi-
res fundou a Mocidade Esprita de Marlia.
53
Mato, velho companheiro de Cairbar, e que emocionado reco-
nheceu a perfeita identidade do Esprito comunicante.
Exaustivo, porm, foi o desenvolvimento do I Congresso Es-
prita da Alta Paulista. Diz a revista que em todos os trabalhos
do Congresso, desde a sua instalao at o encerramento, a
Comisso Executiva no descansou um s momento. Herculano
Pires e o Dr. Urbano Xavier demonstraram-se incansveis, dia e
noite em contnua atividade, coordenando as matrias e provi-
denciando milhares de coisas necessrias ao bom termo do
Congresso.
Anos depois, j residindo em So Paulo, registrava Herculano
Pires em artigo de jornal a seguinte informao preciosa para a
histria do movimento esprita paulista:
Uma das teses aprovadas no Congresso de Marlia reco-
mendava a formao de Conselhos Espritas Municipais em
todas as cidades para a unificao dos movimentos locais,
participando desses conselhos representantes de todos os cen-
tros existentes em cada cidade. Em consequncia, antes
mesmo que a USE (Unio das Sociedades Espritas do Estado
de So Paulo) estivesse criada em So Paulo, j eram organi-
zados os Conselhos Municipais de Marlia, de Gara, de Tup
e de outras cidades.
Essa tese foi aprovada por unanimidade e, registremos, era de
autoria de Herculano Pires.
Trabalho verdadeiramente pioneiro, o de unificar os centros
espritas da Alta Paulista. Porque a USE foi fundada oficialmente
no I Congresso Esprita do Estado de So Paulo quase um ano
depois do congresso de Marlia. A verdade histrica que o I
Congresso Esprita da Alta Paulista foi que deu estrutura e
orientao USE. Outro detalhe: Carlos Imbassahy, residente
em Niteri, colaborou com o congresso da Alta Paulista reme-
tendo a tese Os Animais perante a Doutrina Esprita, o que
leva a crer que data dessa poca sua correspondncia com Hercu-
lano Pires e, consequentemente, a amizade. E ainda outro detalhe
que merece relevo, mas com alguns reparos: no dia 3 de abril,
quando o congresso da Alta Paulista estava no apogeu, chegou
54
em Marlia uma delegao de So Paulo integrada por Pedro de
Camargo (o inesquecvel orador Vincius), Antnio Rodrigues
Montemor e a valorosa confreira Anita Brisa.11 Afirma Lus
Monteiro de Barros (ex-presidente da USE e da Federao
Esprita do Estado de So Paulo), numa entrevista 12 que Vini-
cius foi at l interessado na questo poltica e pensava obter
apoio do interior. E mais: A ideia inicial era facilitar ao espri-
ta os meios de entrar na poltica. Infelizmente, no informa Lus
Monteiro de Barros que Vincius fora, simplesmente, portador da
mensagem que representava o pensamento de alguns elementos
da Federao Esprita do Estado de So Paulo. A mensagem,
pois, no era dele, Vincius. E a bem da verdade, no era tambm
de Edgard Armond, secretrio-geral daquela federao. No h
documento que prove o contrrio.13 A referida mensagem, tendo
objetivos (quem agora depe Herculano Pires) provocou a
rejeio do plenrio, com numerosas crticas e protestos. E
mais: Vincius foi nomeado delegado do Congresso, pelo
plenrio, para tentar demover a FEESP dos objetivos polticos, o
que, felizmente, conseguiu. 14
Foram apresentadas no I Congresso Esprita da Alta Paulista
quatorze teses. Oito mereceram aprovao, entre as quais a de
Herculano Pires, que tinha por ttulo O Espiritismo e a Constru-
o de um Novo Mundo Estabelecimento do Reino de Deus na
Terra. Enfrentava esta tese um tema por demais envolvente e
atual. Foi lida em plenrio e s depois de caloroso debate rece-
beu aprovao unnime.
O que pregava Herculano Pires? A organizao de um am-
plo movimento social desprovido de qualquer aspecto sectarista,
que integrasse pessoas espritas ou no, com o objetivo nico de
implantar no mundo os princpios do Reino de Deus contidos no
Evangelho. Esse movimento no teria, no entanto, parentesco ou
semelhana com os partidos polticos. E como os partidos vivem
de demagogia, buscando o poder a qualquer preo, o movimento
do Reino no se envolveria com eles e empenhar-se-ia pelo
registro de candidatos livres.
Essa arrojada tese foi editada em 1946 por Antnio Batista
Lino (fundador da Editora Lake, de So Paulo), com o ttulo de
55
O Reino no mesmo ano, portanto, em que se realizou o I
Congresso Esprita da Alta Paulista.15 Mas, Herculano no estava
satisfeito com o enfoque. O Reino de Deus no poderia ser
estabelecido na Terra somente com a criao de um vasto movi-
mento cristo, e sim, como ensinava a Doutrina Esprita, atravs
do processo natural da evoluo. E, em 1967 (vinte e um anos
depois) retomou-a e deu-lhe o verdadeiro enfoque doutrinrio,
ampliando-a. O Reino tem hoje 168 pginas.
O Reino de Deus escreveu Herculano Pires, inspirado
est acima da sociedade de classes, do mundo injusto de ricos
e pobres, das competies polticas e econmicas. O Reino de
Deus est dentro de ns, na aspirao divina da Justia e do
Amor, que o prprio reflexo de Deus na conscincia huma-
na.
E, depois de afirmar que preciso transformar o mundo pela
transformao do homem (e transformar o homem pela trans-
formao do mundo), acrescenta, agora totalmente iluminado:
No atravs de um partido poltico, de um movimento
ideolgico-social, de uma sociedade secreta de natureza ocul-
tista, de uma cadeira de vereador, deputado ou senador, de
um cargo administrativo nas rodas governamentais ou coisa
semelhante que podemos atingir o Reino. Muitos j se iludi-
ram com isso e acabaram mais distanciados do Reino, atra-
dos que foram pelos reinozinhos terrenos. Afundaram-se na
politicalha ou perderam-se na rotina eleitoral, na caa mun-
dana e subserviente, hipcrita, aos votos do povo. O Reino
no comea por sinais exteriores, mas por luzes internas. S
quando o corao muda de ritmo e a noite do esprito apega-
do ao mundanismo se acende de estrelas espirituais, que es-
tamos nos aproximando do Reino.
Em defesa do Reino
56
nas livrarias a segunda edio com o texto definitivo impresso
pela Edicel), veio a causar aborrecimentos a Herculano Pires.
que os jovens que constituam o Movimento Universitrio Esp-
rita de Campinas (movimento que mereceu no incio o apoio de
Herculano Pires) publicaram em seu rgo oficial A Fagulha
artigos baseados na antiga tese, mas que traziam inegvel sabor
marxista. Herculano Pires advertiu-os. Os artigos, porm conti-
nuaram, citando-lhe o nome e comprometendo sua verdadeira
posio doutrinria. Temos em nosso arquivo cartas de Deolindo
Amorim, chamando a ateno de Herculano Pires para o fato.
de notar-se que o grupo havia publicado, um ano antes, o livro
Espiritismo e Marxismo, de Jacob Holzmann Neto, o malogrado
orador esprita que se perdeu nas teias do comunismo...
Herculano Pires s reagiu publicamente quando o grupo cam-
pineiro publicou em separata seu vasto prefcio ao livro Dialti-
ca e Metapsquica, de Humberto Mariotti. Herculano Pires
autorizara a publicao, verdade, mas ao receb-la teve uma
surpresa desagradvel: os rapazes, sem avis-lo, haviam includo
na separata um prefcio assinado pelo marxista Lus de Maga-
lhes Cavalcanti (membro do Movimento Universitrio Esprita
de Salvador), cujas ideias contrariavam as suas. Agora j no
havia outra soluo se no desmascarar publicamente o grupo de
Campinas. E Herculano Pires redigiu o magistral artigo Meu
desencontro com A Fagulha, publicado, simultaneamente, na
Revista Internacional de Espiritismo e no Mundo Esprita,
em setembro de 1971, e em Unificao, edio de novembro
de 1971.
Em carta endereada a Deolindo Amorim em 9 de novembro
de 1971, Herculano Pires havia escrito sobre A Fagulha:
No sou dos que cruzam os braos diante das mistifica-
es e dos abusos que se praticam no meio esprita. Voc
mesmo deve ter visto, pelas minhas atitudes e pelos meus ar-
tigos, que no sou homem de negaas.
E mais:
57
Parece-me que no temos o direito de calar e fugir nesses
momentos. Precisamos fazer como Paulo: tomar posio de-
finida e falar s claras.
E, referindo-se agora, diretamente, ao grupo campineiro:
Trata-se de um grupo de jovens universitrios, alguns de-
les brilhantes e promissores. Vi que estavam em caminho er-
rado e quis ajud-los a se corrigirem. No esse o nosso de-
ver? Poupei-os o mais que me foi possvel. Concitei-os a es-
tudar melhor a doutrina, a se furtarem s influenciaes de
certos elementos adultos que os orientam. Durante uns dois
anos ou mais me pediram colaborao para A Fagulha e eu
sempre os neguei. Eles passaram a reproduzir trechos de
meus escritos j publicados em livros, jornais e revistas, ex-
traindo o que lhes convinha e sonegando outros. Conversei
com eles vrias vezes, de maneira franca, at mesmo em as-
sembleias espritas. Tive debates ardorosos com eles. Mas
nada adiantou. Acabaram fazendo essa ursada do Espiritis-
mo Dialtico. Ento s me restava o que fiz: desmascar-los
atravs de um artigo incisivo e objetivo. pena, mas no ha-
via outro recurso.
Deolindo Amorim emocionara-se com o artigo de Herculano
Pires, e a certa altura de sua carta de 30 de outubro, exclama:
Agora, porm, abro a Revista Internacional de Espiritis-
mo e vejo seu formidvel artigo (no h outro adjetivo!) so-
bre seu desencontro com A Fagulha e no resisti vontade
de lhe escrever imediatamente, embora voc ainda me deva
resposta a outra carta, no mesmo sentido. Muito bem, Hercu-
lano! Aquele artigo uma definio objetiva, lcida, inequ-
voca. Eu bem gostaria que fosse divulgado em separata ou
fosse reproduzido em diversos jornais, a fim de que certas in-
teligncias vesgas, inimigas da cultura e da independncia in-
telectual, fiquem sabendo como voc pensa e como se situa
perante os grupos que querem levar o Espiritismo para os
despenhadeiros do marxismo. (...)
58
No vibrante artigo Herculano Pires inicialmente define sua
posio:
Minha posio uma s: o Espiritismo uma doutrina di-
altica por natureza, mas na linha crist-evanglica e na linha
hegeliana espiritualista; no na linha marxista, que critiquei e
critico, por consider-la at mesmo antidialtica.
E, a seguir o apstolo de Kardec separa o joio do trigo:
Minha opinio a de que o Espiritismo representa a snte-
se de todo o conhecimento existente. Dessa maneira, o que h
de bom no Marxismo, o que provm do prprio Cristianismo,
tambm est no Espiritismo, mas de maneira mais ampla,
numa viso interexistencial do homem e do mundo, que falta
inteiramente na viso materialista marxista.
E Herculano Pires insiste com sua costumeira lucidez:
No ser com os moldes do figurino marxista que conse-
guiremos dar ao Espiritismo a eficincia necessria na trans-
formao do mundo. Essa transformao, por sua vez, no
poder ser feita, segundo penso, nos moldes de nenhuma das
doutrinas sociais atualmente consideradas na Terra como de-
cisivas. A prova a est, no prprio choque apocalptico que
nos ameaa. S a Doutrina Esprita aprofunda as causas espi-
rituais das injustias e monstruosidades da nossa estrutura so-
cial, e que por sinal esto presentes no apenas no mundo ca-
pitalista, mas tambm no chamado mundo socialista.
E Herculano Pires finaliza com estas palavras plenas de bom-
senso:
... no precisamos de nenhuma complementao marxista
para o Espiritismo. Pelo contrrio, o Espiritismo que tem
muito a dar a todas as filosofias contemporneas e a todas as
cincias, complementando-as com a sua viso integral do
homem e da vida.
Esse artigo teve repercusso inclusive fora do Brasil. Oflia
Len Bravo, notvel intelectual cubana que viveu foragida em
Nova Jersey, nos Estados Unidos, por questes polticas (ela
59
fundou e presidiu em Cuba a Associao de Mdiuns Espiritis-
tas, foi presidente da Federao Esprita de Havana e fez parte da
Comisso Organizadora do III Congresso Esprita Panamericano
realizado em 1957 na capital cubana), desencarnada em 24 de
janeiro de 1990, enviou a Herculano Pires longa carta, da qual
extramos o seguinte trecho histrico:
En Cuba fuimos durante muchos aos activos militantes
del Espiritismo, hasta dos aos despus de la llegada del Cas-
tro-comunismo, en que lenta, pero ininterrumpidamente, fue-
ram desapareciendo instituciones y publicaciones. Hasta el
busto en bronce erigido a la memoria de Allan Kardec por la
Comision Organizadora de los Actos Pro Centenario de El
Libro de Los Espiritus y que se encontraba emplazado en el
parque comprendido em las calles Almendares, Lugareo y
Luaces em la Habana busto que fue develado, el domingo
21 de abril de 1957, el que fuera retirado por las autoridades
militares que gobiernan la isla, entre los meses de marzo-abril
de 1971.
Seria atrevido por nuestra parte decirle que pensamos con
Ud cuando dice: Mas entiendo y reafirmo, despus de largos
aos de observacin y de estudios, que no precisasmos de
ninguna complementacin marxista para el Espiritismo. Por
el contrario, el Espiritismo es el que tiene mucho que dar a
todas las filosofias contemporaneas y a todas las Ciencias,
complementndolas con su visin integral del hombre y de la
vida.
E o refinado poeta e filsofo argentino Humberto Mariotti,
que tinha grande afinidade intelectual com Herculano Pires,
remeteu-lhe estas linhas:
La juventude es bella, revolucionaria, pero cuando llega a
ciertos extremismos acerca de los valores eternos del Espiri-
tu, borra con el codo todo lo que afirmativamente realiza y da
argumentos a los conservadores que temem el progreso ince-
sante de la humanidad y del conocimiento. Tenga fe, Hercu-
lano, en lo Alto. El Espiritu de Verdad apoya su obra y le da-
60
r la inspiracin necesaria para que su obra marque en la cul-
tura esprita mundial un hito que nadie podr desarraigar.
Herculano Pires, ento deu o episdio por encerrado.
Dois anos depois desaparecia o Movimento Universitrio Es-
prita.
Finalizemos, esclarecendo os leitores que cerca de um ano
antes da edio de A Fagulha, edio que comprometia Hercu-
lano Pires, esses jovens de Campinas apresentaram no III Con-
gresso Educacional Esprita Paulista uma tese provocadora
intitulada Espiritismo e Socializao, cujo objetivo era (so
palavras de Herculano Pires) transformar a evangelizao em
propaganda poltica disfarada. O apstolo de Kardec, ento,
manteve debate com o marxista Adalberto Paranhos e, vitorioso,
conseguiu que o plenrio rejeitasse a tese, o que curiosamente
muito aborreceu Ary Lex (este confrade foi candidato a verea-
dor pelo partido Socialista Brasileiro vrias vezes, no conse-
guindo, porm, que os espritas o elegessem). Herculano Pires,
em carta dirigida ao emrito educador esprita Thomaz Novelino,
revela detalhes importantes sobre o incidente com Ary Lex
ocorrido durante o Congresso Educacional, incidente que, certa-
mente devido ao acmulo de informaes (nem sempre corretas)
contidas em seu livro 60 anos de Espiritismo no Estado de So
Paulo, Ary Lex esqueceu de acrescentar... Vamos rememor-lo.
A carta de Herculano Pires traz a data de 12 de agosto de
1970. Leia-se este trecho:
Ary Lex louvou a maturidade da tese dos jovens e decla-
rou em plenrio que os Centros Espritas so umas porcari-
as, com gente que se rene em torno da mesa para estrebu-
char com os ataques de histeria dos mdiuns. Eu no quis fa-
lar mais nada e preferi calar. Mas na sada do plenrio eu lhe
disse: Ouvi o padre Quevedo falando pela sua boca. As suas
palavras so as mesmas que ele usa para combater e ridicula-
rizar o Espiritismo na TV e no Rdio. Ele riu amarelo e dis-
se que no era bem assim, tratando de escapulir. Isso tudo
mostra a falta de maturidade de confrades que deviam j ter
amadurecido h muito tempo. Conhecemos as deficincias
61
dos Centros, mas sabemos tambm que isso decorre da falta
de cultura do povo, de maneira que no podemos tomar atitu-
des dessas num plenrio e em parte alguma.
E ainda mais:
Quanto s teses, me informaram que havia dez, sendo me-
tade delas muito substanciosa, incluindo-se duas sobre Peda-
gogia Esprita que valiam pelo Congresso. No pretendendo
aambarcar o assunto, deixei de elaborar a minha tese. Gosta-
ria que o problema fosse resolvido por outro confrade. Eu me
reservaria apenas para as comisses e os debates. Fui obriga-
do a redigir a minha tese s pressas, em cima da hora, e o Ary
Lex ainda teve a coragem de declarar em plenrio que a mi-
nha tese no devia ser aceita por estar fora do prazo.
Diante do que acabamos de expor, compreende o leitor por
que nosso companheiro Ary Lex,16 em seu j citado livro 60
anos de Espiritismo no Estado de So Paulo (Edies FEESP,
1996), escreveu que Herculano Pires como ser humano tinha
suas falhas. A acusao grave. Mas, as falhas, quais eram? Eis
as que aponta Ary Lex na pgina 153:
Herculano Pires no gostava de ouvir as palestras de outros
oradores e participar de reunies em que se perde tempo precio-
so, ouvindo coisas sem nexo.
o caso de perguntar-se: haver algum que goste de ouvir
coisas sem nexo?
Quanto afirmao de que Herculano Pires no gostava de
ouvir palestras de outros oradores, o autor deste livro acompa-
nhou o apstolo de Kardec durante trs dcadas e pode declarar
que no corresponde realidade. Herculano Pires gostava de
ouvi-las, sim, mas desde que proferidas por confrades competen-
tes, amantes da verdade, reais discpulos de Kardec, como Leo
Pitta, Anselmo Gomes, Deolindo Amorim, Carlos Imbassahy,
Lauro Scheleder, Humberto Mariotti e outros.
62
6
O apstolo em So Paulo
64
O interior hoje uma terra-de-ningum, em matria admi-
nistrativa. Porque, se os bons prefeitos puderam fazer alguma
coisa, foi muito menos do que as necessidades exigiam, e os
que os maus fizeram foi muito alm do que os municpios
podiam suportar. Diante de uma situao como essa, no se-
ria demais se as cmaras municipais se transformassem em
verdadeiros tribunais de julgamento pblico.
Vejamos agora alguns tpicos de mais dois artigos nobres de
Herculano Pires, redigidos tambm em 1947, em defesa do nosso
espoliado caboclo:
No interior de So Paulo, que , por certo, um dos mais
assistidos do pas, as populaes rurais, assoladas pela opila-
o, pela malria, pelas verminoses, pela tuberculose e por
um sem nmero de males derivantes da sfilis, esto pratica-
mente abandonadas. O homem da roa vive como um animal,
atirado ao trabalho e entregue a si mesmo. Mas, enquanto os
dramas sombrios vo se desenrolando no fundo das sitiocas
miserveis, ou nas colnias das grandes fazendas, os mdicos
oficiais e os sanitaristas especializados bocejam de enfado
nas salas dos centros de sade e mandam pregar editais rigo-
rosos nas esquinas e praas...
No, estas coisas no podem continuar. Temos de fazer
uma grande e profunda revoluo nos mtodos errneos e
criminosos de assistncia sanitria, que at hoje viemos em-
pregando nas desoladas regies do interior de So Paulo. Se-
nhores, no h verbas? Criemo-las sem demora, pois se h
dinheiro para tantos esbanjamentos inteis, com mais razo
h de hav-lo para um trabalho to necessrio! Programa sa-
nitrio para o interior, com servios permanentes nas zonas
rurais, com funcionrios que tenham por objetivo curar e so-
correr, ensinando e alertando o povo, eis o de que realmente
precisamos. E no mais esses pequenos centros de sade com
estrita funo urbana, distribuindo ordenados a funcionrios
que vivem com as mos pousadas nos regulamentos e os o-
lhos nas folhas de pagamento.
65
E Herculano Pires, da tribuna do jornal, volta a defender o
caboclo paulista com estas palavras viris:
Ser uma nova injustia praticada contra o caboclo es-
teio carcomido, pobre esteio vacilante, devorado de misrias
e de doenas, mas sempre esteio da nossa economia rural o
no se conceder a ele tambm o direito de adquirir com fi-
nanciamento a longo prazo o trato de terra de que necessita
para viver e sustentar a famlia. No pratique o nosso governo
mais essa clamorosa injustia. No permita que o nosso ho-
mem se estiole, explorado at a ltima gota de energia, nas
fazendas feudais, gordamente financiadas pelos bancos ofici-
ais...
E agora, com a necessria veemncia aliada ao amor ao pr-
ximo:
O nosso caboclo no possui gado de raa, nem maquinaria
agrcola ou experincia tcnica... Mas possui o direito ao cul-
tivo da terra em que nasceu, direito conquistado dolorosa-
mente, a peso de suor, sangue e lgrimas, atravs de anos de
martrio e de abandono. As crianas mortas aos milhes, cei-
fadas sem piedade pela misria e a ignorncia que lavram em
nossos campos as famlias inteiras aniquiladas pelo paupe-
rismo e pelas endemias, clamam no solo de So Paulo por um
pouco de justia e de compreenso, de parte dos nossos ho-
mens de poder e de dinheiro. Libertemos o caboclo da servi-
do em que vive, quando menos, no interesse da nossa pr-
pria liberdade, pois um povo que no sabe defender as suas
reservas raciais um simples rebanho a caminho da domina-
o alheia.
Herculano Pires tinha trinta e trs anos de idade quando pu-
blicou essa admirvel srie de artigos que poderia ser subscrita
por Monteiro Lobato ou Rui Barbosa. Esses artigos, clamando
por justia social, demonstravam que a linhagem intelectual de
Herculano Pires era, inegavelmente, a mesma daqueles dois
gigantes da cultura brasileira.
66
Foi no decorrer do ano de 1947 que Herculano Pires conse-
guiu equilibrar, mais ou menos, sua vida profissional, ingressan-
do nos Dirios Associados, o fantstico imprio jornalstico
criado pelo gnio de Assis Chateaubriand e que foi a maior rede
de jornais, revistas, emissoras de Rdio e canais de Televiso da
Amrica do Sul. Totalizava oitenta e oito veculos: trinta e dois
jornais dirios, dezoito revistas, vinte e duas emissoras de Rdio
e dezesseis canais de televiso espalhados em todo o pas. A sede
dos Dirios Associados em So Paulo ficava no centro da
cidade, na rua Sete de Abril n 230. Herculano Pires ingressou
como reprter e, meses depois, assumiu o cargo de cronista
parlamentar, passando a fazer para os Dirios a cobertura
jornalstica da Cmara Municipal de So Paulo, a qual ocupava,
ento, as dependncias do velho Palcio Conde Prates, na rua
Libero Badar. A Sala da Imprensa ficava no andar trreo,
onde Herculano Pires podia ser visto, tarde, datilografando
com dois dedos o noticirio da Cmara.
O grande jornalista (como grifou mestre Alceu Amoroso Li-
ma) aquele que escreve depressa, em face do acontecimento do
dia, com preciso e no menor nmero de palavras, levando uma
informao exata ao leitor e formando honestamente a opinio
pblica. Mais tarde, Herculano Pires seria presidente da Associ-
ao dos Cronistas Parlamentares da Cmara Municipal de So
Paulo 17 e ingressaria na Academia Paulista de Jornalismo,
ocupando a cadeira cujo patrono por ele mesmo escolhido
Cornlio Pires. No foi, pois, sem razo que Assis Chateaubriand
tinha por Herculano Pires uma admirao e uma ternura muito
especial, alm de profundo respeito pela integridade pessoal e
intelectual. 18
Foi na Cmara Municipal, ainda em 1947, que Herculano Pi-
res conheceu a figura carismtica do professor Jnio Quadros,
ento jovem vereador e futuro presidente da Repblica. Jnio
Quadros era um tipo nervoso, ambicioso e sagaz, cheio de atitu-
des demaggicas e teatrais, mesmo quando no estava em cam-
panha eleitoral. Era, porm, sincero em seu propsito de benefi-
ciar a municipalidade e, por isso mesmo, Herculano Pires divul-
gava no Dirio de So Paulo e no Dirio da Noite notcias
67
sobre ele. Uma amizade desinteressada uniu-os. Herculano Pires
encorajava-o a prosseguir na luta poltica, pois Jnio, pelo fato
de ser querido pelo povo, era por demais combatido pelos seus
pares. o que revela a dedicatria de Jnio Quadros a Herculano
Pires no opsculo Discurso de Paraninfo, discurso de Jnio aos
diplomandos do Colgio Dante Alighieri:
A Herculano Pires, a quem devo encorajamento, com toda
a estima de Jnio Quadros.
03-06-1948
A figura de Jnio Quadros aparecer, ainda, algumas vezes no
desenrolar da vida de Herculano Pires. O eplogo dessa amizade
foi tragicmico e ser contado oportunamente.
Quando Herculano Pires desembarcou em So Paulo trazia
nas malas originais datilografados de romances e poesias, entre
eles O Caminho do Meio, um romance escrito em 1944, em
Marlia, que a Editora Brasiliense, ento dirigida por Artur
Neves, editaria. No era uma obra-prima, mas revelava j nos
primeiros contornos o forte talento criador de Herculano Pires,
aguda observao psicolgica, a par de um estilo depurado que
dava s frases uma nova e encantadora magia. O Caminho do
Meio, lanado por uma grande editora, no sacudiu, no entanto,
os meios literrios do pas. Mas, os trs mais famosos romancis-
tas paulistas se ocuparam da obra. Afonso Schmidt, da Academia
Paulista de Letras, escreveu no Jornal de Notcias:
J. Herculano Pires foi direto fonte da inquietao huma-
na. Entrou pelo caminho da teologia, da metafsica, dos dife-
rentes ismos em que se reparte a Humanidade. O captulo
primeiro da II Parte, em que o Mal discorre sobre o Bem, tra-
tando-o de igual para igual, ningum mais esquece. Um albi-
gense de Tolosa no o teria sentido mais fundamente, um vol-
taireano da Grande Revoluo no o teria contado com mais
graa e desenvoltura.
Jos Geraldo Vieira, tambm membro da Academia Paulista
de Letras e que vivera alguns anos em Marlia, observou pelas
colunas do Dirio de So Paulo:
68
A sua concepo do Bem e do Mal fica equidistante da di-
altica e da controvrsia cannica.
E Menotti Del Picchia, da Academia Brasileira de Letras, pe-
la A Gazeta:
um slido e bem construdo romance.
Herculano Pires, certamente, sorriu satisfeito ao ler essas opi-
nies. de notar-se que, na verdade, O Caminho do Meio um
livro de fico que pertence literatura profana, mas desenvolvi-
do sobre o plano da concepo esprita da vida e do mundo.
Nascimento da USE
70
a) desvirtuamento da doutrina por fora de interpretaes
capciosas e individualistas e de prticas nocivas, visando
interesses e ambies pessoais, com evidente desprezo
dos seus postulados fundamentais, mormente os do cam-
po moral;
b) disseminao de prticas exticas, misto de magia e de
superstio, com a introduo de outros credos, e ceri-
mnias religiosas de estranho aspecto e significao;
c) infiltrao nas fileiras espritas de ideologias estranhas,
ligadas a movimentos poltico-revolucionrios e tentati-
vas reiteradas de dominao poltico-partidria, tudo in-
compatvel com as finalidades essenciais da doutrina.
Grande, pois, era a confuso doutrinria. E j existiam no Es-
tado de So Paulo setecentas e trinta e trs instituies espri-
tas devidamente registradas de acordo com a lei, sendo que as
filiadas Federao, Liga, Unio Federativa e Sinagoga eram
menos que a metade... E cada qual seguia sua prpria orienta-
o... Na verdade, quantas tinham por base a Codificao karde-
ciana? Em 1947 funcionavam o Centro Esprita Santssima
Trindade; Centro Esprita As Trs Marias Virgens; Centro
Esprita Indiano, etc. E as instituies rotuladas de espritas e
que, na verdade, praticavam tambm a Umbanda?
Era premente o trabalho de unificao dos centros espritas.
Mas, como realizar a exaustiva tarefa? Foroso reconhecer que
as quatro instituies federativas haviam fracassado. Dos sete-
centos e trinta e trs centros espritas existentes no Estado de So
Paulo elas s haviam conseguido filiar duzentos e noventa.
Edgard Armond entendia, porm, que se a Unio Federativa
Esprita Paulista, a Liga Esprita do Estado de So Paulo, a
Sinagoga Esprita Nova Jerusalm e a prpria Federao Esprita
do Estado de So Paulo se comprometessem a no mais disputar
o poder e, em nome da fraternidade trabalhassem unidas no
sentido de se criar um novo organismo com o objetivo precpuo
de unir os centros espritas e difundir a Doutrina em seu trplice
aspecto cientfico, filosfico e religioso , a crise que assolava
o movimento doutrinrio paulista seria debelada. Para isso,
71
promoveu duas reunies com representantes daquelas institui-
es, tendo ficado resolvido que o movimento de unificao dos
centros espritas, primeiramente intitulado de Movimento de
Unificao Esprita, chamar-se-ia Unio Social Esprita
(USE). O plano tinha por base trs itens:
1) arregimentao de todas as entidades estaduais em torno
da legenda unificadora;
2) levantamento censitrio de todo o movimento esprita es-
tadual;
3) convocao do I Congresso Esprita Estadual, como
complemento e remate do movimento, devendo desse
congresso sair a entidade permanente e oficial da unifi-
cao.
O plano de Armond parecia perfeito, at porque o congresso
trataria, nica e exclusivamente, da unificao do movimento
esprita. Ento, uma Proclamao aos Espritas foi amplamente
divulgada em todo o Estado de So Paulo, na qual se garantia
que um empreendimento dessa natureza est completamente
fora de qualquer cogitao de carter poltico-partidrio e s
pode congregar os trabalhadores do Bem que visam exclusiva-
mente o estudo, a prtica e a difuso da doutrina oportuna
advertncia que, por certo, desagradou aos confrades polticos,
que visando interesses particulares conspurcavam os centros
espritas com folhetos de propaganda, implorando voto.
O I Congresso Esprita do Estado de So Paulo realizou-se de
1 a 5 de junho de 1947 na capital paulista. Herculano Pires com
seus trinta e trs anos de idade no conhecia, at ento, pessoal-
mente, Edgard Armond, muito mais velho. E nem o grupo que se
reunia em torno do comandante, a no ser dois que haviam
participado do I Congresso Esprita da Alta Paulista realizado em
Marlia. No lhe pareceu fcil colaborar com os lderes espritas
de So Paulo. Conta Herculano:
Procurei ligar-me ao movimento, mas encontrei muitas di-
ficuldades. Afastei-me. Certo dia, Vincius me procurou e me
disse: Precisamos de voc na USE em formao. Bezerra de
Menezes me incumbiu de procur-lo. Disse que voc tem ex-
72
perincia e pode ajudar-nos. Fiquei radiante e integrei-me no
movimento.
Na verdade, quando Herculano Pires ligou-se ao movimento
doutrinrio, j estava aprovado o projeto geral do I Congresso
Esprita do Estado de So Paulo. Mas, muito colaborou com sua
realizao, pois havia adquirido experincia com o Congresso de
Marlia.21 Entregou-se a esse trabalho durante meses consecuti-
vos. Mas no apresentou tese. Preferiu trabalhar no congresso
como Diretor de Propaganda e na Comisso de Teses, junta-
mente com Vincius e outros confrades. Examinou 34 teses,
separando o joio do trigo. A tese vencedora foi a de Edgard
Armond. Nesse congresso foi a USE fundada no dia 5 de junho
de 1947, tendo j 551 instituies doutrinrias adesas. Edgard
Armond, inegavelmente, o pai da USE, foi seu primeiro presi-
dente. Vincius, Jlio Abreu Filho e Herculano Pires, entre
outros confrades ilustres, fizeram parte do Conselho Deliberativo
da USE, a qual, a partir de 1952, passou a denominar-se Unio
das Sociedades Espritas, conservando, assim, a mesma sigla.
Em 1952 Herculano Pires elegeu-se vice-presidente da USE, mas
em meados de 1955, escreveu ele, diante dos rumos que o
movimento comeou a tomar (polticos), renunciei ao cargo e
passei a figurar apenas no Conselho Deliberativo, representando
o Clube dos Jornalistas Espritas de So Paulo.
Anos depois, referindo-se USE, escreveria Herculano Pires
com o infalvel bom senso:
Nenhum Centro e nenhum Grupo Esprita gozam de liber-
dade se esto sob a autoridade de uma instituio de cpula.
No h responsabilidade onde prevalece a padronizao. O
Espiritismo no fbrica de robs, de autmatos, mas doutri-
na de criaturas livres e conscientes.
E arrematou:
Para evitar o autoritarismo, a USE ficou proibida nos esta-
tutos de possuir qualquer espcie de propriedade. Devia fun-
cionar em sedes de entidades j constitudas, evitando sempre
a aquisio de bens materiais. Assim, no teria a possibilida-
73
de de converter-se numa instituio vaticnica. Sua finalidade
no era mandar, padronizar, ditar normas, mas apenas estabe-
lecer o relacionamento fraterno das entidades doutrinrias,
para trabalhos em comum.
Mas, volvel o ser humano e por isso, s vezes, absurdos
so cometidos. Encabeando as 551 instituies adesas USE
estavam a Federao Esprita do Estado de So Paulo, Unio
Federativa Esprita Paulista, Liga Esprita do Estado de So
Paulo e Sinagoga Esprita Nova Jerusalm, as quais impor-
tante lembrar tinham-se comprometido, publicamente, a no
mais filiar centros espritas. Pois bem: tempos depois, voltou a
Federao Esprita do Estado de So Paulo a federar, rompendo
o compromisso com a USE com a autorizao, portanto, do
prprio pai da USE, o secretrio-geral da FEESP, Edgard
Armond.22 O fato no aconteceria se a Federao Esprita do
Estado de So Paulo tivesse trocado de nome... A Liga Esprita
do Estado de So Paulo e a Unio Federativa Esprita Paulista,
por sua vez, deixaram de federar, passando a atuar como centros
espritas, mas... a exemplo da FEESP, tambm no trocaram de
nome. E isso, evidentemente, serviu apenas para confundir o
pblico.
74
Ouvimos as primeiras conferncias do jovem esprita e
brilhante jornalista, de quem podemos dizer que um orador
completo, pela maneira simples de explicar os assuntos de
suas teses, pela simpatia com que se apresenta na tribuna e
pela sinceridade que imprime s suas palavras.
Um pormenor que no pode passar despercebido: Herculano
Pires, para bem realizar sua misso esprita, se viu obrigado em
1948 a reduzir a atividade profissional. Deixou a folha da
Manh e o Jornal de So Paulo, ficando apenas nos Dirios
Associados, embora o salrio fosse pequeno. quando passou a
fazer uso do pseudnimo Irmo Saulo, cuja histria com
lances dramticos merece registro especial.
Em 1948 publicava o Dirio de So Paulo uma coluna esp-
rita diria sob a responsabilidade da Federao Esprita do
Estado de So Paulo. O precioso espao era mal aproveitado
porque a FEESP divulgava apenas mensagens psicografadas j
conhecidas do pblico e trechos da obra A Grande Sntese, de
Pietro Ubaldi. Foi por essas razes que a coluna saiu das mos
do redator da FEESP para as de Irmo Saulo, que a tornou
famosa. O fato serviu para que Adenolf Pvoas, que se dizia
esprita, mas era autor de Lama no Espiritismo (tenebroso livro
que caluniava companheiros nossos) acusasse Irmo Saulo de
haver roubado da FEESP a coluna. Herculano Pires achou me-
lhor calar-se, j que Adenolf era escritor desacreditado; mas a
pulga ficara atrs da orelha de alguns confrades invejosos... O
tempo, no entanto, tudo esclarece. Vamos, pois, agora narrar
com detalhes a verdade.
Em seu dirio ntimo, escreveu Herculano Pires estas pala-
vras:
Acusava-me de haver roubado a coluna Esprita, que du-
rante vinte e tantos anos publiquei no Dirio de So Paulo,
das mos dos dirigentes da Federao Esprita do Estado de
So Paulo. E citava, como sua fonte de informaes, Benedi-
to Godoy Paiva, autor de Quando o Evangelho diz no. Nun-
ca me interessei por apurar a verdade. Tratava-se de uma toli-
ce. Passei a fazer a crnica quando Hermnio Sacchetta, as-
75
sumindo a direo do Dirio, considerou intil a coluna
que a Federao mantinha e resolveu suprimi-la.23 Chamou
ento Wandick de Freitas e eu, que ramos redatores, e pro-
ps-nos que assumssemos a seo e lhe dssemos um carter
jornalstico mais dinmico e atualizado.
E Herculano Pires prossegue:
Eu e o Wandick nos prontificamos a atender, evitando a
perda da coluna, e convidamos Odilon Negro para nos aju-
dar. Foi ento que inventei o pseudnimo coletivo de Irmo
Saulo, em homenagem a Saulo de Tarso, o apstolo esprita
da 1 Epstola aos Corntios, onde expe vrios princpios es-
pritas e relata como se faziam sesses medinicas no seu
tempo. Wandick e Odilon me deixaram s e o pseudnimo
coletivo se tornou individual. Pvoas no sabia nada disso.
Adenolf Pvoas padecia de forte obsesso espiritual. Desen-
carnou em So Paulo quando intervinha em um assalto a mo
armada no armazm que ele frequentava. Recebeu trs tiros no
peito por haver aconselhado os delinquentes a desistirem do
assalto. O infeliz Adenolf contava mais de setenta anos de idade.
A seo esprita do Dirio de So Paulo tinha, aproxima-
damente, quinze centmetros de altura e era diria. Manteve-se
assim por quinze anos, mas depois tornou-se dominical e em
compensao passou a ocupar duas colunas de vinte centmetros
de altura, ganhando destaque. Alm de uma crnica ou artigo,
divulgava nela Herculano Pires os principais acontecimentos,
mas se necessrio defenderia a integridade da Doutrina, mesmo
se atacada dentro do movimento doutrinrio, porque entendia o
apstolo que aqueles que desejam oferecer ao pblico uma
imagem artificial do movimento esprita enganam-se a si mes-
mos, antes de enganar os outros. E mais: O Espiritismo, por
oferecer a Verdade, no pode conciliar-se com as simulaes e
fantasias das convenes humanas.
A Coluna Esprita marcou poca. Boa parte do pblico inte-
ressado nos problemas espirituais adquiria o jornal devido s
crnicas. O pseudnimo tornara-se respeitado porque Irmo
Saulo discutia os temas com profundidade jamais igualada,
76
encantando os leitores; inclusive, porque era seu estilo literrio
incisivo e elegante, mas sbrio, pleno de musicalidade e magia.
Estilo olmpico. Redigidas com o bom senso kardeciano, ou seja,
com muita sabedoria, mas sem paixo, as crnicas do apstolo
movimentavam a opinio pblica. Uma delas, por exemplo,
transcrita em setembro de 1960 pelo jornal O Imparcial, de
Araraquara, e intitulada Praticar a caridade cumprir o manda-
mento do amor ao prximo, repercutiu na Cmara Municipal
daquela cidade. Os vereadores Clio Biller Teixeira e Flvio
Thomaz de Aquino fizeram constar em ata um voto de louvor a
Irmo Saulo por haver defendido de maneira impecvel sua f
esprita com profundo respeito opinio de outros religiosos.
Herculano Pires, agradecendo o voto de louvor, declarou: O
gesto de Vossas Excelncias tanto mais significativo por ter
partido de quem no segue os meus ideais religiosos. Essa com-
preenso humana, que supera os sectarismos exclusivistas do
passado, caracterstica da civilizao. Defendendo-a, defende-
mos o prprio homem, cuja essncia e cujo destino devem estar
sempre acima dos sistemas de ideias ou de crenas.
O clebre mdium Chico Xavier, em carta datada de 31 de
outubro de 1971 endereada a Herculano Pires, assim se referiu
s crnicas:
As suas crnicas aos domingos, no Dirio esto admir-
veis. A Doutrina Esprita sempre brilhando em seus conceitos
e esclarecimentos com o equilbrio, elegncia, elevao e
bom senso que lhe caracterizam os recursos de Missionrio
da Nova Revelao.
evidente que as crnicas do apstolo de Kardec no poderi-
am permanecer soterradas no arquivo dos jornais. E, por suges-
to de Jorge Rizzini, o editor Frederico Giannini lanou em
1962, com o selo da Editora Edicel, uma coletnea que recebeu
de Herculano Pires o ttulo Os Trs Caminhos de Hcate. Vinte
anos depois a Editora Correio Fraterno do ABC lanaria mais
quatro coletneas: O Homem Novo, O Infinito e o Finito, Viso
Esprita da Bblia e O Mistrio do Bem e do Mal. de esperar-se
que outras surjam...
77
A extino da coluna esprita no Dirio de So Paulo foi
um momento amargo na vida de Herculano Pires. Ele a redigiu
por mais de vinte anos, ininterruptamente e sem aceitar um
centavo a mais do jornal.24
78
7
Herculano Pires e a imprensa esprita
80
Uma viso realista da imprensa esprita
83
Bezerra, de Batura, de Cairbar Schutel, de Petitinga e outros
nomes apostolares do passado.
84
8
Clube dos Jornalistas Espritas de So Paulo
(a menina dos olhos de Herculano Pires)
Fundao do Clube
85
instituio em todo o mundo a congregar jornalistas e escritores
espritas o Clube dos Jornalistas Espritas de So Paulo.
Curioso o fato de Herculano Pires todas as manhs orar a Ma-
ria. Ele prprio, porm, explica-nos:
Esprito elevadssimo, a quem coube a misso indiscuti-
velmente superior de conceber o corpo que devia servir a Je-
sus de Nazar na sua misso divina, Maria ocupa lugar de re-
levncia no pensamento esprita. O Espiritismo a reverencia,
portanto, como expresso de pureza espiritual, de elevao
moral, de abnegao e de obedincia s determinaes do Al-
to. Uma prece a Maria, portanto, ter tanto valor como a pre-
ce dirigida a um esprito da mais elevada hierarquia espiritu-
al. 25
E sobre o ato de orar:
A prece verdadeira, brotada do ntimo, como a fonte lm-
pida brota das entranhas da terra, de um poder no calcula-
do pelo homem. O esprita deve utilizar-se constantemente da
prece. Ela lhe acalmar o corao inquieto e aclarar os ca-
minhos do mundo. 26
A reunio deu-se na sede do Sindicato dos Jornalistas Profis-
sionais do Estado de So Paulo. Data histrica: 23 de janeiro de
1948. Presentes quinze confrades da imprensa escrita e falada,
inclusive profissionais: Odilon Negro, da Rdio e Jornal A
Gazeta, cuja esposa, Hilda Negro, era notvel mdium de
efeitos fsicos; Domingos Antnio dAngelo Neto, de A Noite;
Wandick de Freitas, do Jornal de Notcias e presidente do
Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de So Paulo;
Demetre Abrao Nami, do Dirio do Comrcio; Jorge Mussa,
da Folha da Manh; Jos Herculano Pires, dos Dirios Asso-
ciados e idealizador do Clube, que, por sua indicao, teve o
Esprito Batura por patrono; e, entre outros, Paulo Alves Godoy,
da revista O Revelador, da Unio Federativa Paulista. A
valorosa companheira Anita Brisa, que presidia o Centro Esprita
Trs de Outubro, participou da solenidade.
86
Herculano Pires, por unanimidade eleito presidente do Clube
dos Jornalistas Espritas de So Paulo, fora empossado pelo
presidente provisrio dAngelo Neto. O apstolo de Kardec
elegeu-se por dois motivos bsicos: conhecimento profundo dos
trs aspectos do Espiritismo aliado sua moral inatacvel, dentro
e fora do movimento doutrinrio (lembremos que a Associao
Brasileira de Jornalistas e Escritores Espritas ABRAJEE, que
teve Deolindo Amorim como primeiro presidente, foi fundada no
Rio de Janeiro em 1976, ou seja, vinte e oito anos depois do
Clube).
A sede social do Clube dos Jornalistas Espritas de So Paulo
(escritores podiam fazer parte do quadro social) funcionava,
inicialmente, no escritrio de advocacia de Domingos Antnio
dAngelo Neto, na Praa da S n 297, 4 andar, sala 418 (Pala-
cete Santa Helena). As reunies eram realizadas no segundo
sbado de cada ms, s dezoito horas, e ao lado de Herculano
viam-se outros confrades tambm inesquecveis: Pedro Granja,
autor de Afinal, quem somos?, que Monteiro Lobato prefaciou,
Jlio Abreu Filho (tradutor da Revista Esprita, de Kardec),
Lusa Peanha Camargo Branco, etc.. Dois ou trs anos depois
foi a sede transferida para a rua de So Bento n 21, sobreloja,
cujo prdio tambm no corao da cidade era propriedade do
confrade Heitor Giuliani. Foi quando se associaram Jorge Rizzi-
ni, Amrico Della Monica, Hugo de Freitas Cunha, Vicente S.
Neto, Jorge Reina Filho, os irmos Vicente e Alfredo Cruso,
Fernando Campos Ferreira da Cunha (portugus, representante
da Federao Esprita Portuguesa), Manoel Tavares, Renato
Wasth Rodrigues, Aristides Lobo e outros.
O Clube dos Jornalistas Espritas de So Paulo no era for-
mado apenas de elementos da imprensa falada e escrita. Escrito-
res faziam parte do quadro associativo. Essa notvel instituio
democrtica funcionava pelo sistema de mesa-redonda, ou
seja, do livre debate, em p de igualdade, de todos os assuntos,
por todos os associados, reunidos livremente, sem submisso a
nenhum presidente, diretor ou diretoria. A diretoria do Clube era
organismo executivo e as deliberaes sempre eram tomadas
pela mesa redonda.
87
Eis o artigo onze dos Estatutos:
A mesa-redonda do Clube o poder mximo da entidade,
incumbindo-lhe referendar ou no os atos da diretoria execu-
tiva, assim como determinar quela as providncias que jul-
gar oportunas no cumprimento do programa social.
Trs eram os objetivos do Clube: apoio aos empreendimentos
em prol da fraternidade universal, difuso da Doutrina Esprita e
preservao da pureza doutrinria.
Nesse esforo de preservao estava includa a defesa da li-
berdade do movimento esprita, pois o Clube s admitia a unifi-
cao do movimento no plano da colaborao permanente entre
as entidades, sem autoritarismo, conforme escrevera o prprio
Herculano Pires.
88
um talentoso escritor. Escreveu sobre seu caso livros que abala-
ram o mundo, como A Face Cruel da Justia e A Cela da Morte.
O Clube dos Jornalistas Espritas de So Paulo era to respei-
tado pelo povo e instituies culturais, que em 1950 recebeu da
Fundao e Escola de Jornalismo Casper Libero (a primeira
escola de jornalismo fundada no Brasil e subordinada Univer-
sidade Catlica de So Paulo) convite para a solenidade de
colao de grau da primeira turma que concluiu o curso. A
solenidade realizou-se no Teatro Municipal e o paraninfo foi o
cardeal-arcebispo de So Paulo, D. Carlos Carmelo de Vascon-
celos Mota. Herculano Pires no teve dvida: compareceu,
representando o Clube dos Jornalistas e Escritores Espritas de
So Paulo.
O Clube e a menina-prodgio
Gianella de Marco
92
Compreendia-se facilmente naquele momento a expresso
do crtico de msica do Dirio de So Paulo, Antnio Ran-
gel Bandeira, ao afirmar que no podia criticar um concerto
de Gianella, por no ser crtico de milagres. Milhares de
crebros ali se encontravam no Ginsio do Pacaembu, nessa
mesma situao, naquela tarde de domingo. Vibrando ansio-
sos, excitados pela presena do milagre, pela revelao mgi-
ca do poder do esprito sobre o corpo, na apresentao da
maestrina-prodgio.
Centenas de crianas
94
Chave de ouro para o festival
96
duo, porque atenta diretamente contra o prprio Cristo, ofe-
recendo a espritas e no-espritas uma viso deformada da
vida do Senhor e dos seus ensinos, acusando os espritas kar-
decistas de intransigentes e sustentando o dogma da Sants-
sima Trindade. (...) Entre as suas novidades figuram estas: Je-
sus no carregou a cruz; nada disse aos seus companheiros de
suplcio; no foi o Cristo, mas o mdium do Cristo (tese teo-
sofista); durante a gravidez de Maria, procurou impregnar o
seu novo corpo com o gosto dos alimentos de sua predileo
em encarnao anterior (!); sua entrada em Jerusalm foi uma
baderna que ele no pde controlar, e assim por diante. Jesus
no tinha conscincia de sua misso e Maria Madalena era
um esprito elevado, que combinou com Jesus, no espao, o
encontro na Terra.
Nossa responsabilidade grande, ao aceitarmos e ajudar-
mos a semeadura desses absurdos, que ridicularizam o Espiri-
tismo. concluiu o mestre.28
Em outra crnica estampada tambm no Dirio de So Pau-
lo sob o pseudnimo de Irmo Saulo, Herculano Pires adver-
tia que o Espiritismo no era doutrina utpica, que sua natureza
cientfica e o lugar que lhe compete no na regio dos sonhos,
mas no plano do conhecimento positivo.
102
selvagens ou semi-selvagens atuais. Espiritismo no medi-
unismo.
Que nos perdoem as pessoas ilustres, algumas de projeo
no meio esprita, levadas na onda de confuses. O simples fa-
to de se terem deixado envolver demonstra que, indiscutivel-
mente, no estavam seguras no terreno doutrinrio. Um sli-
do conhecimento esprita no permite a mais leve discrepn-
cia nesse sentido. Porque o Espiritismo uma doutrina espiri-
tual de bases cientficas, de estrutura filosfica bem definida
e de consequncias morais ou religiosas enquadradas nas exi-
gncias da razo. Uma doutrina, portanto, que no comporta
supersties, resduos do irracionalismo primitivo ou apegos
msticos a frmulas rituais e sacramentais.
Do ponto de vista doutrinrio, simples absurdo, verdadei-
ra aberrao dizer que Umbanda Espiritismo. Se, por outro
lado encararmos o problema do ponto de vista histrico, a
confuso se torna impossvel, pois os dados histricos nos
mostram que o Espiritismo uma doutrina recente, formulada
na Frana em meados do sculo passado (1857), que s se
transplantou para o Brasil nos fins daquele sculo, enquanto a
Umbanda uma forma de religio primitiva dos negros afri-
canos, que veio ao Brasil com o trfico negreiro.
O saudoso escritor e jornalista Deolindo Amorim, que tanto
colaborou com o Clube dos Jornalistas Espritas de So Paulo,
por sua vez escreveu:33
No cabvel qualquer tentativa de fazer equiparao en-
tre Umbanda e o Espiritismo, porque as origens, as organiza-
es e as prticas so diferentes.
E Carlos Imbassahy como Deolindo Amorim, mestre em
Espiritismo veio tambm, atravs do jornal Mundo Esprita e
na sua seo Na Hora da Consulta, reafirmar que fenmeno
no doutrina esprita, que o Espiritismo encaminhamento e
aperfeioamento da Humanidade.
E acrescentou:
103
Suponhamos uma sesso com elementos atrasados, quer
os do Espao, quer os da Terra, onde se fuma, se bebe, se
dizem palavres, se ofendem a presentes e ausentes, se fazem
despachos e se pratica o mal. H fenmenos; mas chamar isto
de Espiritismo confirmar o que dizem de ns os nossos ad-
versrios, que tambm chamam de Espiritismo toda a bacafu-
sada que h a, onde existem manifestaes de Espritos ou
supostos Espritos.
Devemos registrar ainda que a Unio das Sociedades Espri-
tas do Estado de So Paulo, no obstante filiada Federao
Esprita Brasileira, enviou a Wantuil de Freitas um documento
com dezesseis pginas refutando, uma por uma, as absurdas
declaraes do Conselho Federativo Nacional. E que a revista O
Reformador, como era, alis, de prever-se, ocultou dos leitores
a reao que o escndalo febiano provocara na seara esprita.
Demorou, verdade, mas Wantuil de Freitas achou por bem
pr de lado tamanha heresia menos o roustainguismo, que a
FEB pregava acintosamente e que o apstolo de Kardec, mais
tarde, haveria de combater.
Wantuil de Freitas (presidente da FEB, de 1943 a 1970) clau-
dicou com a doutrina no decorrer de seus anos febianos porque
ningum perfeito, mas no esquea o leitor que a ele que o
movimento esprita brasileiro deve como bem lembrou Geraldo
de Aquino a idealizao e criao da mais gigantesca obra de
propaganda esprita do mundo, o Departamento Editorial da
FEB.
Wantuil de Freitas visitou So Paulo pela primeira vez em
maro de 1959. A Unio das Sociedades Espritas do Estado de
So Paulo convidou diretorias de importantes instituies para
recepcion-lo. O Clube dos Jornalistas Espritas, ento adeso
USE, atendeu ao convite por uma questo de fraternidade e tica.
Coube ao autor deste livro representar a instituio na sesso
solene na FEESP, porque nesse ano de 1959, indicado por Her-
culano Pires, assumira a presidncia do Clube.
104
O comando jornalstico e a epidemia de fraudes
105
Os fenmenos espritas ultimamente se vm difundindo de
maneira assustadora. Os jornais esto cheios de reportagens
sobre casos de materializao, de transportes de objetos por
meios invisveis, de milagres de cura e semelhantes. Do Rio
nos chegam agora as notcias espetaculares sobre as sesses
de materializao do mdium Joo Cosme. So Paulo, por
sua vez, est infestada de uma verdadeira epidemia de ses-
ses de fenmenos fsicos que se realizam aos quatro cantos,
com numerosa e no raro seleta assistncia.
Dia a dia nos chega ao conhecimento a existncia de novos
trabalhos de experimentao, realizados com mdiuns que, a
princpio desconhecidos, vo depois tornando-se famosos.
Altas personalidades no seio da poltica, da indstria, do co-
mrcio, dos meios sociais, participam dessas reunies de fa-
tos miraculosos, em que os espritos se apresentam visveis e
tangveis, falando com os circunstantes como se fossem pes-
soas vivas.
O povo acredita, levado por essa intuio secreta que todos
trazemos conosco, de que existe alm da matria tangvel um
outro plano de vida. O povo confia nas manifestaes, nos
fenmenos que se repetem por toda parte, acorrendo a eles
com verdadeira ansiedade. E, com isso, o que vem aconte-
cendo, em grande escala, em propores incalculveis, o
que o prprio Allan Kardec, o Codificador do Espiritismo, j
apontava nas suas obras como o grande perigo da prtica da
Doutrina sem o necessrio conhecimento terico: a fraude! E,
o que pior: a fraude com finalidades escusas. A explorao
pura e simples da credulidade pblica.
O Dirio da Noite tem divulgado, como outros jornais, o
noticirio dos fenmenos espritas. Pautando a nossa conduta
pelo estrito critrio jornalstico, no nos move outra inteno
seno a de informar os leitores a respeito de fatos que dia a
dia se tornam de maior interesse pblico. No obstante, no
ponto a que as coisas chegaram, j no possvel uma sim-
ples atitude contemplativa. Resolvemos, assim, iniciar uma
srie de reportagens especiais, visando, ao mesmo tempo, ao
106
esclarecimento da opinio pblica e ao que poderamos cha-
mar a separao do joio do trigo.
Nessa primeira reportagem, Herculano Pires adverte o pbli-
co sobre as concorridas materializaes de Padre Zabeu:
No h mais, dada a aceitao dos fenmenos pelo pbli-
co, o menor escrpulo na prtica dos truques que so os mais
grosseiros, os mais rudimentares. Numa sesso de materiali-
zao, o mdium cai em transe, algemado, rodeado por outros
mdiuns, todos ou quase todos amarrados, espetacularmente,
e logo aparece um fantasma na escurido. Acende-se de leve
uma pequena lmpada vermelha, para que os contornos do
fantasma se tornem visveis; pedem-se preces assistncia;
estimula-se o fanatismo dos presentes, negando-se, ao mesmo
tempo, toda e qualquer possibilidade de dvida, e quando al-
guma objeo se faz sentir, os dirigentes do trabalho anunci-
am que a sesso no cientfica, religiosa.
Por outro lado, intensifica-se a explorao financeira. H
sesses em que os espritos materializados pedem dinheiro,
sem a menor cerimnia. Entretanto, os verdadeiros estudiosos
do assunto se vem tolhidos diante da avalanche de fraudes e
de fanatismo, que dia a dia se agiganta. Os supostos mdiuns
e seus diretores no recuam nem mesmo diante do perigo. E
temos, ento, provas evidentes da fraude, embustes grosseiros
que a fotografia revela sem a menor possibilidade de dvida.
o caso de uma foto que ilustra este trabalho, tirada de um
dos mdiuns, que se vem tornando famoso, de nome Zezinho.
A materializao do Padre Zabeu. Vem-se as vestes amar-
rotadas, conduzidas para a sesso, de maneira furtiva, um
leno amarrado no rosto do fantasma, para disfarar os seus
traos fisionmicos, a cabea abaixada, com o mesmo fim.
Nada que possa dar a mais leve impresso de um fenmeno
real. Truque grosseiro, preparado a sangue-frio.
Em outra reportagem Herculano Pires informa que a maioria
dos espritos materializados eram sacerdotes padre Zabeu,
papa Leo XIII, padre Menezes, frei Mrio de S, etc. A ousadia
era tanta, que os mistificadores, para melhor convencer os assis-
107
tentes, apareciam de batina. E faziam batizados, realizavam
casamentos, queriam que os fiis se submetessem aos sacramen-
tos da igreja...
As reportagens de Herculano Pires e depois na sequncia as
de Wandick de Freitas causaram no pblico grande impacto e
admirao, porque eram os prprios espritas que denunciavam
as fraudes. A ttulo de ilustrao, vejamos como se desenrolou a
sesso com o mdium Waldemar Lino.
Distribudos os membros do Comando entre os assisten-
tes habituais da sesso, para melhor controle, iniciaram-se os
trabalhos. As primeiras manifestaes foram as pancadas le-
ves na mesa, logo seguidas de assovio e vozes. Percebia-se
muito nitidamente, de maneira a no deixar a menor dvida
no esprito de pessoas experientes, que os assovios e a voz
provinham do prprio mdium e que as pancadas eram dadas
por ele mesmo. A vitrola, que estava sem corda, foi manejada
com dificuldade, mas afinal posta em movimento. Tiveram
incio, ento, os fenmenos de levitao. Mas tambm estes
eram visivelmente produzidos pelo mdium, dentro do raio
de ao do seu corpo fsico, sem nenhuma distenso maior.
Inutilmente os membros do comando solicitaram suposta
entidade manifestante que produzisse algum fenmeno real.
Nada foi feito alm daquilo que o mdium mesmo produzia,
no seu cantinho, por trs da cortina. No obstante, os assis-
tentes habituais mostravam-se convencidos da autenticidade
dos fenmenos. Dialogavam com os espritos e irritavam-
se com a insistncia dos membros do Comando em negar a
autenticidade dos fenmenos e pedir maiores demonstraes.
Em meio dos trabalhos, o jornalista Wandick de Freitas, reda-
tor da seo Seara Esprita do Jornal de Notcias e mem-
bro do Comando, saiu do seu lugar, sendo denunciado mais
tarde pelas pessoas que o ladeavam. Durante meia hora per-
maneceu no escuro, junto cabine improvisada do mdium, e
conseguiu tocar o brao e a mo do mesmo durante os supos-
tos fenmenos de levitao, comprovando assim a falsidade
daqueles. Os espritos denunciaram o fato, enquanto o m-
108
dium se mostrava bastante assustado de lhe haverem tocado
durante os trabalhos.
E mais adiante acrescenta Herculano Pires:
Ao terminar os trabalhos, estava ele (Waldemar Lino)
com a algema rompida e as mos soltas, como acontecera
com o mdium Lcio Cosme na sesso do Centro Padre Za-
beu. Da mesma maneira que nesse centro, a desculpa foi a de
que o flash do fotgrafo determinara o rompimento da al-
gema. Desculpa diga-se de passagem, inteiramente inaceit-
vel do ponto de vista das experincias espritas at hoje co-
nhecidas.
E a seguir explicado aos leitores do dirio da noite como
se dera o rompimento das algemas:
Agarrado bruscamente pelas mos, quando simulava uma
levitao da buzina luminosa, o mdium foi tomado de sbito
pavor e rompeu as algemas, num gesto instintivo de abrir os
braos. Refeito do susto, fez funcionar a vitrola, o que no
conseguira, algemado, nos dez minutos precedentes, em vir-
tude de ter o jornalista Wandick de Freitas afastado o pick-
up do aparelho a uma distncia que o mdium s poderia al-
canar com as mos livres. Ignorando esse controle, exercido
no escuro, o mdium, ao tocar a vitrola, denunciou com esse
ato estar desembaraado das algemas, o que se positivou ao
terminar a sesso.
A srie de reportagens no Dirio da Noite devolveu ao mo-
vimento esprita a dignidade que gozava junto ao grande pblico
do Estado de So Paulo. O Comando Jornalstico, idealizado por
Herculano Pires, foi um golpe de morte na avalanche de fraudes.
Mas, nessa dura empreitada fenmenos verdadeiros foram tam-
bm revelados ao pblico fenmenos diversificados que pro-
vavam alm da imortalidade da alma humana a sua comunicabi-
lidade com os que ainda se encontram encarcerados no corpo de
carne e ossos.
109
O Clube e a poltica
113
Eis alguns tpicos, para que possa o leitor avaliar alm do
idealismo e da grandeza do nosso biografado sua capacidade e
coragem moral de autntico lder espiritual:
No entendem os intelectuais espritas paulistas, que inte-
gram esta Entidade, segundo manifestao unnime da reuni-
o em que o assunto foi debatido, a razo de terem os Srs.
Deputados Federais aprovado uma pea to contrria aos in-
teresses do povo e vitalidade do nosso sistema democrtico.
No temos dvidas em afirmar a V.Excia. e aos Exmos. S-
rs. Senadores que, se por uma infelicidade o atual projeto fos-
se mantido por essa Casa, a educao brasileira, em pleno s-
culo vinte, regrediria para a Idade Mdia. Os princpios con-
fusionistas do projeto aprovado, que mistificam o problema
do ensino, misturando deveres do Estado com interesses par-
ticulares, em evidente benefcio de interesses confessionais
ainda mais nocivos do que aqueles, por implicarem coao da
conscincia , so simples resduos do obscurantismo medie-
val.
Os defensores do projeto aprovado pela Cmara Federal
chegam a proclamar que a escola livre a particular, porque
no dirigida pelo Estado. O sofismar, tpico da retrica medi-
eval, pode impressionar aos que nada entendem do problema.
Basta atentar-se para a confisso religiosa a que pertencem
esses defensores do projeto, para se compreender a espcie de
liberdade que eles defendem: a de ouvir e calar. ...
Esse memorial do Clube recebeu apoio imediato e entusisti-
co do Instituto de Cultura Esprita do Brasil, da Unio das Socie-
dades Espritas do Estado de So Paulo e da Federao Esprita
de So Paulo e outras instituies doutrinrias.
Todas as instituies espritas alertou Herculano Pires
atravs de sua coluna no Dirio de So Paulo esto, por-
tanto, no dever de manifestarem sua repulsa ao Senado da
Repblica, que dever dar, dentro de poucos dias, a ltima
palavra, no plano legislativo, a respeito do assunto. A presso
dos interessados est sendo enorme sobre os senadores. Ao
mesmo tempo, a campanha atravs de jornais religiosos, do
114
rdio e por meio de reunies, de conferncias e outras moda-
lidades, para convencer o pblico de que o projeto medieval
excelente, desenvolve-se de maneira intensiva. Ou opomos a
essa onda confusionista os nossos esforos, a nossa deciso,
ou no teremos, amanh, o direito de clamar contra as inevi-
tveis injustias que iremos sofrer.
O projeto medieval acrescentou o apstolo representa a
negao de todas as conquistas da educao democrtica. Pa-
ra comear, determina a criao do Conselho Federal de Edu-
cao, rgo que reger a distribuio de verbas, com ele-
mentos oficiais e particulares. Quer dizer que representantes
das escolas particulares, na sua maioria de ordens religiosas,
passaro a reger os fundos educacionais do pas. O mesmo
acontece com os Conselhos Estaduais. As escolas particulares
passaro a dividir com a escola pblica os recursos oficiais
destinados a esta, e que j so insuficientes. Isso acarretar o
aniquilamento progressivo da escola pblica, livre, democr-
tica, em benefcio da escola particular, e principalmente da
confessional, dirigida com fins religiosos-sectrios.
O projeto medieval se refere, em seu artigo 20, alnea b,
ateno que ter de ser dada, no processo educacional, as
peculiaridades dos grupos sociais. Isso quer dizer que os
privilgios de classe e de seita voltaro a ter fora de lei. O
projeto sustenta a absoluta prioridade da famlia na educao,
devolvendo o nosso sistema educacional s normas vigentes
na Idade Mdia, sem levar em conta a aspirao democrtica
de uma sociedade igualitria. Esse teor sectarista e divisionis-
ta adquire plena intensidade no artigo 30, quando se nega a
obrigatoriedade do ensino, permitindo aos pais pobres que
no mandem seus filhos escola. A pobreza deve continuar
pobre e ignorante, para que as classes privilegiadas no sejam
ameaadas em seus direitos.
E enquanto no Rio de Janeiro criava-se a Comisso Nacional
em Defesa da Escola Pblica (organismo desvinculado do Espiri-
tismo e integrado, inclusive, por mestres da pedagogia, como
Darcy Ribeiro e Ansio Teixeira), o Clube dos Jornalistas Espri-
tas de So Paulo, sob a orientao de Herculano Pires, convocou
115
a 1 Conveno Esprita em Defesa da Escola Pblica, a ser
realizada de 11 a 16 de julho de 1960 no auditrio da Federao
Esprita do Estado de So Paulo. Aps a recepo das delegaes
da capital e do interior, eleio e posse da mesa e das comisses,
Herculano Pires leu o memorial enviado ao Senado e exps os
motivos da conveno, cujos trabalhos (divulgados com desta-
que, inclusive pelo jornal O Estado de So Paulo) tiveram a
durao de uma semana na sede do Clube dos Jornalistas Espri-
tas. noite, conferncia dos professores Luza Peanha Camar-
go Branco, do Educandrio Amlie Boudet; Tomaz Novelino, do
Educandrio Pestalozzi, de Franca; Apolo Oliva Filho, da Facul-
dade de Cincias Econmicas da Fundao lvares Penteado;
Dante Moreira Leite, da Faculdade de Filosofia de Araraquara, e
Florestan Fernandes, da Faculdade de Filosofia da Universidade
de So Paulo.
A 1 Conveno Esprita de Defesa da Escola Pblica, apoia-
da pela grande imprensa, teve funda repercusso. Centenas de
milhares de folhetos, mostrando as manobras obscurantistas do
Projeto de Diretrizes e Bases, foram distribudos ao povo. Parti-
dos polticos apoiaram-na, inclusive o Partido Socialista Brasi-
leiro e a Frente Nacionalista de So Paulo.
A Conveno deu belos frutos. Dela nasceram a amplamente
divulgada Declarao Esprita de Princpios Educacionais (envi-
ada ao Senado da Repblica) e a Associao Esprita de Defesa
da Escola Pblica. Herculano Pires, em carta ao seu amigo
Deolindo Amorim, desabafou:
Estamos grandemente confiantes no xito da Associao,
e simplesmente empolgados pelos resultados brilhantes da
Conveno. O prprio Wantuil Herculano refere-se ao pre-
sidente da Federao Esprita Brasileira, Wantuil de Freitas
j nos comunicou a remessa de telegrama da Federao ao
Senado e mandou cpias de telegramas e ofcios enviados s
Federaes filiadas de todo o pas, solicitando providncias
no mesmo sentido. A Conveno, portanto, embora partindo
do Clube, transformou-se numa tomada de posio do movi-
mento esprita. Foi a nossa mais bela vitria, graas a Deus.
116
O projeto umbralino com o substitutivo de Carlos Lacerda,
no obstante apoiado pelo arcebispo Dom Helder Cmara, ficou
na gaveta... A luz venceu as trevas!
117
deputado Cid Franco, defensor intimorato da filosofia crist da
no-violncia. Sua polmica eletrizante na tribuna da Assembleia
Legislativa do Estado de So Paulo com os deputados padre
Calazans e Abreu Sodr sobre a violncia foi transcrita ipsis-
verbis no livro No Matars, que Herculano Pires prefaciou e
Batista Lino editou em 1953. Outro evento que emocionou
quantos tiveram a oportunidade de assisti-lo foi o curso de
introduo ao Existencialismo Esprita. Ministrou-o Herculano
Pires. O Existencialismo ateu de Jean-Paul Sartre estava, ento,
no apogeu. Alis, oportuno deixar j registrado o que pensava
Herculano Pires sobre o filsofo francs:
A posio de Sartre denuncia a sua formao francesa,
com indisfarveis razes em Augusto Comte e Voltaire. De-
testa e ironiza a tradio mstica alem, no podendo enten-
der seno como queda na fragilidade humana a sua aceitao
do transcendente. Quando Sartre prope evidentes absurdos
como estes: o homem uma paixo intil, a essncia do ho-
mem um suspenso na existncia, a morte a nadificao do
ser, e assim por diante, as marcas de Comte e Voltaire apare-
cem, ntidas e indisfarveis, em seus flancos de potro sem
freios. Ele rompe com toda a sistemtica do pensamento e to-
da a tradio metafsica, fazendo tilintar os guizos da ironia
volteriana. Se Voltaire tinha um p na cova, como ele mesmo
dizia, Sartre j nasceu na cova e nela pretende dissolver-se e
dissolver o homem como chama de fogo-ftuo. (...) As in-
congruncias sartreanas denunciam buracos e abismos de le-
viandade em seu pensamento. E foi precisamente isso o que
fez o seu sucesso, to contrrio seriedade profunda dos bar-
dos celtas que figuram na sua genealogia gaulesa. 35
Quanto ao curso de Existencialismo Esprita, esclarecera
Herculano Pires, no representava nenhuma novidade doutrinria
no sentido de reformulao da doutrina ou de alguns dos seus
aspectos. O curso era um exame dos conceitos fundamentais das
chamadas Filosofias da Existncia, luz dos princpios espritas.
O interesse desse exame era demonstrar que os conceitos exis-
tenciais em grande parte correspondem a conceitos fundamentais
do Espiritismo e tanto podem contribuir para a melhor compre-
118
enso dos problemas espritas, quanto podem ser esclarecidos
pelos princpios espritas.
Sendo as Filosofias da Existncia o mais rico filo do
pensamento filosfico contemporneo, mas ao mesmo tempo
o mais cheio de pontos obscuros, havia um duplo interesse
neste confronto: o Espiritismo revela a sua autenticidade co-
mo concepo filosfica atualizada e revela tambm sua po-
sio avanada no tocante problemtica filosfica atual,
uma vez que pode oferecer esclarecimentos aos pontos obs-
curos do existencialismo. Existe, portanto, o Existencialismo
Esprita, que difere do Existencialismo Protestante e do Cat-
lico, bem como do Existencialismo ateu, de Sartre e seus
companheiros, primeiramente por sua concepo ontolgica
mais profunda e depois por sua concepo existencial muito
mais ampla. Mas a principal contribuio do Existencialismo
Esprita oferecer a soluo integral do problema da angstia
existencial e inverter o conceito de Heidegger, ao mostrar que
a morte no a finalidade do homem, mais apenas um meio
de realizao da sua transcendncia.
Abordaremos, novamente este fascinante tema no captulo O
filsofo e seu destino.
Outro fato histrico que os leitores do futuro no devem es-
quecer: quando a Parapsicologia comeou a ser discutida no
Brasil, graas, principalmente, aos livros magistrais do casal
Joseph B. Rhine e Louise Rhine, pesquisadores da Universidade
de Duke, na Carolina do Norte, Herculano Pires, vendo que
padres e frades usavam a nova disciplina cientfica para negar a
participao dos Espritos nos fenmenos, imediatamente fez o
Clube dos Jornalistas Espritas de So Paulo instituir o primeiro
curso regular de Parapsicologia no pas, dado pelo mdico espiri-
tualista Alberto Lira.
Outras atividades culturais tinha o Clube dos Jornalistas e Es-
critores Espritas. Herculano Pires com seu prestgio pessoal
conseguira que a Biblioteca Municipal de So Paulo (Biblioteca
Mrio de Andrade, situada no centro da cidade) cedesse o audi-
trio para que o Clube ali realizasse, mensalmente, conferncias.
119
Com esse fato cresceu ainda mais o prestgio do Clube junto
sociedade paulistana porque as conferncias eram divulgadas
pelos jornais Dirio de So Paulo, Dirio da Noite, Jornal
de Notcias e pelo Grande Jornal Falado da Rdio Tupi,
emissora que cobria a maior parte do pas.
Foi no moderno auditrio da Biblioteca Municipal de So
Paulo que o Clube dos Jornalistas Espritas realizou uma soleni-
dade histrica que teve enorme repercusso. Participaram perso-
nalidades da coletividade portuguesa. A solenidade teve por
objetivo acentuar a passagem do dcimo aniversrio do fecha-
mento da Federao Esprita Portuguesa, em Lisboa, e da Socie-
dade Portuense de Investigaes Psquicas, no Porto, por deter-
minao do ditador Salazar.
Uma das conferncias na Biblioteca Municipal agitou os pro-
fissionais da imprensa e da poltica. Teve este ttulo provocador:
Por que deixei de ser materialista. Foi pronunciada pelo ex-
comunista Aristides da Silveira Lobo, um dos mais conhecidos e
respeitados jornalistas do pas, na poca redator das Folhas.
Fundador da Juventude Comunista, da Liga Comunista Interna-
cionalista, da Associao dos Amigos da Rssia, companheiro de
Lus Carlos Prestes na Argentina, o legendrio e bonssimo
confrade Aristides Lobo foi preso vinte e cinco vezes. o que
registra a Folha de So Paulo, edio de 10 de novembro de
1968, um dia aps a desencarnao de Aristides. O jornal dedi-
cou-lhe uma pgina inteira, com pareceres de vinte e oito jorna-
listas sobre sua fascinante personalidade, mas a converso ao
Espiritismo foi ocultada. Nem uma linha sobre sua famosa
conferncia na Biblioteca Municipal, quando narrou que aban-
donara o materialismo porque os Espritos, a partir de certa data,
o avisavam atravs de batidas em seu corpo, nos mveis e nas
paredes, que a polcia estava a caminho para prend-lo. Aristides
Lobo, ento, escapava!
Quando ficou pronto o pequeno auditrio do Clube dos Jorna-
listas Espritas (janeiro de 1957), Herculano Pires comemorou o
acontecimento com uma semana de conferncias uma por dia.
Problemas da Reencarnao foi o tema de Aristides Lobo.
Duzentas pessoas presentes, inclusive o escritor Paulo Dantas, o
120
pintor Rafael Falco e Corina Novelino, autora de uma biografia
de Eurpedes Barsanulfo. Na sequncia falaram Jos Freitas
Nobre, Romeu Campos Vergal, Carlos Imbassahy, Jorge Rizzini,
Lus Monteiro de Barros e Herculano Pires (Deolindo Amorim
no pde comparecer).
E mais realizava o Clube: a partir de 1956, aos sbados, havia
um trabalho que se tornou famoso: os Seres Espritas, traba-
lho que consistia em debater-se com o pblico temas doutrin-
rios em clima democrtico. Antes dava Herculano Pires uma aula
magistral sobre um captulo de O Livro dos Espritos. A mesa
era por ele presidida, tendo ao lado os companheiros de ideal
Fernando Campos Ferreira da Cunha e Jorge Rizzini.
Inesquecveis personalidades exponenciais do movimento es-
prita nacional e estrangeiro ocuparam a tribuna do Clube: mes-
tre Carlos Imbassahy (pai); Deolindo Amorim (fundador do
Instituto de Cultura Esprita do Brasil); Antnio Pereira Guedes
(diretor do jornal Almenara, do Rio de Janeiro); talo Ferreira
(diretor da Revista Internacional de Espiritismo); Lauro Sche-
leder (diretor do jornal Mundo Esprita, do Paran); Isidoro
Duarte dos Santos (diretor da revista Estudos Psquicos e
presidente da Federao Esprita Portuguesa); Humberto Mariotti
(presidente da Federao Esprita da Argentina); Luiz C. Posti-
glioni (presidente da Federao Esprita Internacional), etc.
II Congresso Brasileiro de
Jornalistas e Escritores Espritas
122
Spirite, de Allan Kardec, e da fundao da Sociedade Esprita
de Paris, que transcorrem neste ano.
Alm dessa finalidade comemorativa, que por si s justifi-
caria a iniciativa, o Clube de Jornalistas Espritas objetiva dar
prosseguimento ao trabalho dos congressos de intelectuais
espritas iniciado no Rio com a convocao e realizao do
primeiro e posteriormente interrompido, a fim de se conse-
guir o seguinte:
a) maior aproximao entre os jornalistas e intelectuais es-
pritas brasileiros em geral, com oportunidades para con-
tatos em mbito internacional;
b) maior unidade de vistas entre os intelectuais espritas, a
respeito dos problemas doutrinrios;
c) melhores condies para o aperfeioamento da imprensa
esprita e o maior desenvolvimento da literatura esprita
no pas.
Tendo em vista o fato de nos encontrarmos no limiar do
segundo sculo da Era Esprita, os jornalistas e escritores es-
pritas de So Paulo entendem que necessrio maior unio
de todos os que trabalham na construo da cultura esprita,
para que esta possa consolidar-se no correr do novo sculo e
cumprir a sua misso de base da nova civilizao terrena. Re-
unidos, portanto, em sua entidade representativa, conclamam
os seus colegas de todo o Brasil para esse encontro intelectu-
al, que consideram de urgente necessidade e da mais alta im-
portncia e significao.
Hoje, mais do que nunca, ante o progresso assombroso da
tcnica no domnio material, o avano da cincia em todos os
campos e a consequente desagregao das concepes espiri-
tualistas desprovidas de bases e orientao cientficas, o Espi-
ritismo se impe ao mundo como a nica soluo para o pro-
blema de reorientao espiritual da inteligncia moderna. Di-
ante disso, cabe aos intelectuais espritas esmagadora respon-
sabilidade no trato e na divulgao dos princpios doutrin-
rios do Espiritismo, bem como na colocao dos problemas
123
do movimento esprita, em relao a todos os ramos das ati-
vidades humanas.
O II Congresso Brasileiro de Jornalistas e Escritores Espri-
tas marcar o incio de uma nova fase na luta dos intelectuais
espritas do Brasil contra as incompreenses e as deforma-
es da doutrina por parte dos seus adversrios e no esforo
constante que desenvolvem, nos meios doutrinrios, pela in-
tegrao dos espritas brasileiros nos verdadeiros princpios
do Espiritismo, contidos na codificao kardeciana. Os jorna-
listas e escritores espritas de So Paulo esperam que a sua
convocao seja ouvida em todos os quadrantes do territrio
nacional, neste momento decisivo da grande batalha doutrin-
ria pela reconstruo da unidade espiritual da cultura moder-
na.
Confiantes na compreenso dos seus colegas de todo o pa-
s, estendem jubilosamente a sua convocao aos intelectuais
estrangeiros, que podero participar do certame como dele-
gados fraternais, e a todas as associaes, sindicatos, escolas,
cursos e demais entidades de jornalistas e escritores no-
espritas, do pas e do exterior, que desejarem participar, em
carter fraterno, desse encontro intelectual esprita pela re-
novao das bases culturais da vida moderna; pela reconstru-
o da unidade espiritual do homem, num plano racional; pe-
lo entendimento e a unio de todos os que lutam em favor da
elevao da inteligncia; pela construo da verdadeira civili-
zao crist na Terra!
O temrio arrojado e admiravelmente elaborado pelo apstolo
de Kardec era abrangente e ainda hoje quase em sua totalidade
serve de modelo para futuros congressos. Era formado por dez
itens, que se subdividiam em numerosos temas. Ei-los:
1. Da liberdade de culto:
a) Defesa dos dispositivos constitucionais;
b) Luta contra os atentados liberdade de pensamento e em
favor do livre exerccio da mediunidade.
2. Da expanso e defesa da imprensa esprita:
124
a) Fortalecimento da imprensa esprita;
b) Organizao de servios de imprensa para jornais espri-
tas;
c) Cursos de jornalismo esprita;
d) Constituio de associaes de jornalismo esprita.
3. Da histria e das funes da imprensa esprita:
a) Histria do jornalismo esprita nacional;
b) Atividades culturais relacionadas com o jornalismo esp-
rita;
c) Funo da imprensa esprita na vida nacional, na apro-
ximao dos povos, na formao de uma conscincia es-
prita no lar e na sociedade.
4. Do Espiritismo como cincia, filosofia e religio:
a) Reconhecimento do Espiritismo como religio;
b) Formao de escolas e cursos;
c) Ctedras universitrias de Espiritismo;
d) Organizao de grupos de pesquisa cientfica.
5. Misso social do Espiritismo:
a) Sociologia esprita;
b) Trabalhos de assistncia social no pas;
c) O Espiritismo no lar;
d) Influncia do Espiritismo nas leis;
e) O problema poltico e o Espiritismo.
6. Misso do jornalista esprita:
a) No movimento das mocidades espritas;
b) Na unificao dos espritas;
c) Na orientao das sociedades;
d) No combate s deturpaes doutrinrias;
e) Na crtica literria e doutrinria;
f) Na imprensa profana.
7. Misso do escritor e do intelectual esprita em geral:
125
a) Literatura esprita de fico;
b) Literatura medinica;
c) Literatura infantil;
d) Poesia esprita;
e) Obras de doutrina;
f) Literatura cientfica e filosfica;
g) Oratria esprita.
8. Espiritismo no rdio e na televiso:
a) Histria e crtica das primeiras iniciativas de organizao
de radiodifuso esprita;
b) Programas doutrinrios radiofnicos;
c) Organizao de programas de televiso.
9. Do livro e das editoras espritas:
a) Barateamento do livro esprita;
b) Da criao de um fundo nacional do livro esprita;
c) Da fundao de bibliotecas: nas sociedades, circulantes e
pblicas.
10. Espiritismo e Espiritualismo:
a) O Espiritismo em face das religies;
b) O Espiritismo e as demais correntes espiritualistas;
c) A mediunidade atravs dos sculos.
Ao examinar o temrio acima o leitor certamente notou que
Herculano Pires tinha, no que se refere Doutrina Esprita, o voo
e a viso aguda de um condor. A solenidade da abertura do
Congresso deu-se no Crculo de Comunho do Pensamento
porque possua um grande auditrio, que lotou na noite gloriosa
de 18 de abril de 1958. Vieram do Rio de Janeiro (s expensas
do Clube dos Jornalistas Espritas do Estado de So Paulo) o
escritor Carlos Imbassahy (pai) era considerado o Bozzano
brasileiro e o vibrante jornalista e orador Antnio Pereira
Guedes, diretor do jornal Almenara. Deolindo Amorim no
pde comparecer, mas o Instituto de Cultura Esprita do Brasil,
por ele presidido e representado no Congresso por mestre Imbas-
126
sahy, apresentou uma indicao no sentido de se reafirmar a
atualidade da Codificao de Allan Kardec como base de estudo
e orientao do movimento esprita, a fim de que no tome
corpo, entre ns e nos pases irmos, a errnea suposio de
que a Codificao da Doutrina Esprita estava ultrapassada
conforme a redao do prprio Deolindo Amorim em Anais do
Instituto de Cultura Esprita do Brasil, ano I. Participaram tam-
bm do histrico evento Lauro Scheleder, diretor de Mundo
Esprita; Francisco Raitani, presidente da Federao Esprita do
Paran; talo Ferreira, diretor da Revista Internacional de Espiri-
tismo; Canuto de Abreu; Clvis Ramos; e entre outros renoma-
dos confrades a delegao de Buenos Aires chefiada por Luiz
Cristforo Di Postiglioni, uma das mais altas expresses da
intelectualidade esprita argentina, representando a revista
Constancia, o rgo doutrinrio mais antigo da imprensa
esprita de todo o continente. A Federao Esprita Portuguesa
foi representada pelo saudoso jornalista portugus Fernando
Campos Ferreira da Cunha. O trabalho da Comisso de Teses e
os debates desenvolveram-se no auditrio do Clube dos Jornalis-
tas Espritas de So Paulo. A sesso solene de encerramento deu-
se no Crculo da Comunho do Pensamento com a presena de
grande pblico que vibrou quando Herculano Pires assumiu a
tribuna e teceu consideraes sobre as concluses do II Congres-
so Brasileiro de Jornalistas e Escritores Espritas. Ei-las:
A primeira concluso a de que o Espiritismo tem como
base e estrutura doutrinria a chamada Codificao kardecia-
na, constituda por O Livro dos Espritos e demais obras de
Allan Kardec, no podendo a palavra Espiritismo ser usada
por outros movimentos ou aplicada a qualquer outra corrente
espiritualista.
Declararam os congressistas que existe injustificvel con-
fuso em obras sociolgicas brasileiras, entre Espiritismo e
formas de animismo primitivo, acentuando a necessidade de
discernimento, do ponto de vista cultural, porquanto o Espiri-
tismo uma doutrina moderna, fundada por Allan Kardec em
meados do sculo passado e esposada por grandes figuras do
pensamento cientfico e filosfico da Europa e das Amricas,
127
como Oliver Lodge, Conan Doyle, Victor Hugo, Camille
Flammarion, Ernesto Bozzano e tantos outros. Nossos soci-
logos, em geral reafirmou Herculano Pires , desde Nina
Rodrigues a Gilberto Freyre, costumam referir-se ao feti-
chismo africano ou caboclo atribuindo-lhe a designao im-
prpria de Espiritismo, revelando, assim, absoluto desconhe-
cimento do processo histrico do aparecimento do Espiritis-
mo, da existncia da Doutrina Esprita.
Quando a confuso feita por pessoas incultas ou de cultu-
ra mediana, ainda perdovel. Quando provm de represen-
tantes de religies ou correntes intelectuais contrrias dou-
trina, reveste-se em geral de segunda inteno e de agressivi-
dade. Mas quando feita nos prprios meios espritas, por
pessoas que aceitam os princpios da doutrina mas no procu-
ram estud-los, torna-se motivo de desorientao geral. E
quando, alm disso, feita por elementos que se colocam
frente de instituies espritas, revela descaso pela doutrina,
falta de respeito aos seus princpios ou de compreenso das
suas finalidades. 37
Concluram ainda os congressistas que a Codificao kar-
deciana no foi superada em seus fundamentos bsicos pela
evoluo filosfica e cientfica dos ltimos tempos, tendendo
esta evoluo, pelo contrrio, a confirmar aqueles fundamen-
tos.
Quanto s recomendaes do Congresso, figura a de orga-
nizao nacional de defesa do exerccio da mediunidade e da
liberdade de culto, conclamando-se os advogados e juristas
espritas de todo o pas para uma luta em favor da reforma do
Cdigo Penal, no tocante aos dispositivos que ferem aqueles
princpios. H tambm uma recomendao s instituies fe-
derativas no sentido de organizarem um movimento destina-
do a criar a Fundao Nacional do Livro Esprita. 38
Finalizando este captulo sobre o Congresso realizado pelo
Clube dos Jornalistas e Escritores Espritas de So Paulo, regis-
tremos, ainda, que a Rdio Progresso irradiou todas as sesses do
conclave, e a Rdio Guanabara, do Rio de Janeiro, efetuou
transmisses especiais da capital paulista, atravs do seu enviado
128
ao congresso, o jornalista e radialista profissional Olvio Novais,
esprita militante. A revista Ilustrao Esprita, dos irmos
Cruso, no encerramento do memorvel evento, distribuiu aos
congressistas um diploma com o Credo do Jornalista. Foram
tambm distribudas pela Comisso Organizadora flmulas do
Congresso.39
A extino do Clube
130
as providncias e muito menos de companheiros que me aju-
dem.
Na sexta-feira passada iniciamos o sero com atraso, pois o
porteiro que me desacatou e ameaou na sua presena, em
sua loja, s apareceu para abrir a porta exatamente s 20:30
horas, quando a reunio devia estar sendo aberta. s 22:15
encerramos os trabalhos, mas ficamos presos no prdio. O
porteiro havia fechado a porta e desaparecido.
Os frequentadores do sero haviam permanecido na chuva
desde s 20 horas na frente do prdio. Participei dessa espera
e no tive coragem de explicar-lhes que o presidente do Clu-
be no podia ter chave do prdio, pois eles viram outros usu-
rios entrarem e sarem vontade. Para sairmos do prdio tive
de recorrer a esses usurios, mais dignos de confiana do que
os diretores do Clube, que felizmente nos socorreram e abri-
ram a porta. Durante a reunio as pessoas que chegaram atra-
sadas encontraram a porta fechada.
Como s V.S. e o porteiro podem dispor de chave, para re-
alizar os trabalhos sem essas dificuldades, penso que a conti-
nuao dos seres s ser possvel sob a sua direo pessoal.
Minha responsabilidade moral e espiritual pelo Clube que
fundamos h 22 anos cessou. No posso mais prosseguir. En-
trego-o nas suas mos. Minha demisso irrevogvel.
Atenciosa e cordialmente,
Herculano Pires.
Herculano Pires era a alma do Clube dos Jornalistas e Escri-
tores Espritas de So Paulo. Sem o apstolo de Kardec as portas
da memorvel instituio fecharam-se para sempre.
131
9
Congressos e Pacto ureo
Outro fato que causou espcie foi a pena imposta por Wantuil
de Freitas Federao Esprita do Rio Grande do Sul, a qual teve
sustada sua adeso FEB por aderir ao congresso e apresentar
uma tese propondo a criao de um organismo federativo nacio-
nal capaz de ordenar e coordenar com eficincia os trabalhos de
unificao do movimento doutrinrio a nova instituio cha-
mar-se-ia Confederao Esprita Brasileira e seu primeiro presi-
dente poderia ser o prprio Wantuil de Freitas... Quanto FEB,
restringiria sua ao apenas ao Rio de Janeiro... A ideia, inega-
velmente, estava no ar, porque nesse mesmo congresso a
Unio Esprita Mineira propusera a criao de uma Confedera-
o Nacional do Espiritismo e a tese da USE com a assinatura
dos valorosos confrades Edgard Armond (seu relator), Lusa
Peanha Camargo Branco, J. Herculano Pires, Manoel Paula
Cerdeira e Jlio Abreu Filho apoiava a proposta da Federao
Esprita do Rio Grande do Sul proposta que no saiu do papel,
morreu com o congresso, mas como a mitolgica Fnix poderia
ressuscitar de suas prprias cinzas...40
Para finalizar, citemos mais um fato inusitado. Serve para
mostrar a fragilidade doutrinria de alguns lderes nos quais
depositava o pblico absoluta confiana. Em 1949 realizou-se no
134
Teatro Joo Caetano, no Rio de Janeiro, o II Congresso Esprita
Pan-americano revelia, mais uma vez, da Federao Esprita
Brasileira. Participavam desse conclave vrios confrades que no
congresso da USE defenderam a proposta de fundar-se a Confe-
derao Esprita Brasileira, porque o perfil da FEB lhes parecia
mais de um Centro-Modelo do que de uma Federao propria-
mente dita e... porque era obsoleto seu atual sistema federati-
vo, o qual, sendo platnico e inoperante, acarretou atrofia do
setor propriamente federativo (conforme escreveram e afirma-
ram de viva voz no plenrio do congresso paulista). Pois esses
mesmos confrades, aps uma reunio no Hotel Serrador com
Carlos Jordo da Silva, dirigiram-se Federao Esprita Brasi-
leira sem nada revelar aos demais companheiros que se encon-
travam no Congresso Pan-americano com o objetivo de terem
uma conversa sigilosa com Wantuil de Freitas. Lins de Vascon-
celos fora incumbido de promover o encontro. Leopoldo Macha-
do, que estava, casualmente, na porta da livraria da FEB, acom-
panhou-os. Eram trs horas da tarde do dia 5 de outubro de 1949.
Wantuil de Freitas sentia-se, evidentemente, ferido com as
recentes crticas feitas FEB no congresso paulista. Ele ouvira a
gravao dos principais discursos. A reunio foi constrangedora,
vexatria. Wantuil de Freitas ouviu os confrades, um por um.
Depois foi incisivo ao apresentar seu plano para um novo Conse-
lho Federativo:
1) A verificao das federativas estaduais e, consequente-
mente, dos centros espritas do pas, seria de um eficiente
Conselho Federativo Nacional.
2) Novo CFN, alm de umbelicalmente vinculado Federa-
o Esprita Brasileira, seria presidido pelo presidente da
FEB, ou seja, por ele, Wantuil de Freitas.
3) Cada federao estadual deveria apresentar uma lista
com o nome de trs confrades. Wantuil de Freitas esco-
lheria um para represent-la no CFN.
4) A Liga Esprita do Brasil deixaria de ser federativa na-
cional. Sua ao no ultrapassaria os limites do Estado
do Rio de Janeiro e o nome deveria sofrer alterao.
135
Nenhum dos itens expostos por Wantuil de Freitas foi contes-
tado. E eram dezoito! Cada confrade, ento, tirou do bolso a
caneta-tinteiro, curvou-se e assinou o documento, que alguns,
depois, chamariam de acordo de cavalheiros e que Artur Lins
de Vasconcelos Lopes (vice-presidente da Liga) pela imprensa
batizou com o pomposo ttulo de Pacto ureo.
O leitor, certamente, h de perguntar quais os confrades que
subscreveram a histrica ata. Eis os nomes:
Wantuil de Freitas (FEB); Lins de Vasconcelos (Liga); Vin-
cius e Carlos Jordo da Silva (USE); Bady Cury e Noraldino de
Melo Castro (Unio Esprita Mineira); Joo Ghignone e Francis-
co Raitani (Federao Esprita do Paran); Oswaldo Melo (Fede-
rao Esprita Catarinense); e os confrades da Federao Esprita
do Rio Grande do Sul: Felisberto Peixoto, Jardelino Ramos e os
autores da tese propondo a fundao da confederao: Roberto
Pedro Michelena, Marclio Cardoso de Oliveira e Francisco
Spinelli.
Difcil buscar a razo de to desconcertante atitude desses
confrades. Porque at aquele instante haviam trabalhado muito, e
com profundo amor, pela difuso da Doutrina Esprita. O que,
ento, os levou a assinar sem discusso o pacto que Herculano
Pires com propriedade chamou de bula papalina? O excesso de
misticismo criara sentimento de culpa e o grupo passara a admi-
tir infalibilidade no presidente da FEB? Sua presena dominado-
ra teria obnubilado a conscincia dos confrades? Ou careciam
todos, na verdade, de conscientizao doutrinria?
Os leitores que decidam, mas sem esquecer que todos ns te-
mos acertos e desacertos. Uma coisa porm certa: se J. Hercu-
lano Pires, Deolindo Amorim, Jlio Abreu Filho tivessem parti-
cipado da reunio febiana outro teria sido o rumo das definies
doutrinrias.
A propsito, qual era a opinio de Deolindo Amorim e de
Herculano Pires sobre o famoso pacto? Abramos o livro Ideias e
Reminiscncias Espritas (edio do Instituto Maria, sem data)
de Deolindo Amorim. Eis o que se l na pgina 144:
136
Em 1949, por exemplo, quando a Liga Esprita do Brasil
aceitou o acordo de 5 de outubro (...), acordo que se denomi-
nou, posteriormente, Pacto ureo, tomei posio contrria
de Aurino, votei(na assembleia da Liga) contra a resoluo,
porque no concordei com o modo pelo qual se firmara esse
documento. E o fiz em voz alta, de p, na Assembleia, com
mais doze companheiros que pensavam da mesma maneira
(...) Votei contra para ser fiel a uma convico.
E em carta de 30 de setembro de 1983, endereada ao confra-
de Mauro Quintella, reafirma Deolindo Amorim sua posio
doutrinria acrescida de detalhes reveladores:
Fui contra o acordo de 49, depois chamado de Pacto u-
reo, porque no concordei com a forma, o modo poltico (o
grifo do Deolindo) pelo qual se realizou o plano, trabalhan-
do em segredo. No houve assembleia antes. Tudo j veio
preparado.
Essa carta de Deolindo Amorim foi publicada no jornal san-
tista Abertura, edio de setembro de 1988, pgina 5.
Herculano Pires, por sua vez, com viso crtica, fidelidade
Doutrina e coragem moral que o iluminavam, analisou em vrios
artigos o Pacto ureo. Os trechos a seguir sintetizam seu pensa-
mento:
Vincius, que era uma alma pura, sonhava com a ligao
da FEB ao movimento de unificao. Arquitetou e conseguiu
realizar essa ligao, mas teve de pagar o preo do pacto u-
reo. Instalou-se no Rio o Conselho Federativo Nacional (r-
go da FEB) e tivemos a primeira ecloso dos instintos vati-
cnicos. O Conselho comeou a baixar bulas papalinas sobre
questes doutrinrias, a conceder licenas para realizao de
concentraes e congressos, a negar aos jovens o direito de
deliberar em seus movimentos, etc.
Espiritismo e liberdade so sinnimos, pois a Doutrina
considera que sem liberdade no h responsabilidade. Quer-
amos provar, e provamos, que a violao da liberdade espri-
ta, da autonomia das instituies, ameaava os prprios fun-
137
damentos da Doutrina. Precisvamos de fraternidade, solida-
riedade, trabalho e tolerncia, mas no de sujeio passiva a
pretensas autoridades doutrinrias que se arrogavam o direito
de dirigir o movimento. A USE correspondia s exigncias de
organizao do movimento sem o risco do autoritarismo. Mas
o chamado Pacto ureo matou essa possibilidade. Firmado o
pacto com a FEB, a USE submeteu-se ao Conselho Federati-
vo Nacional, rgo da FEB, que atravs dele comeou a bai-
xar bulas papalinas sobre a Doutrina e decretos cardinalcios
sobre a organizao. Houve atritos srios da FEB com Fede-
raes estaduais, mas o pacto continuou em vigor. Uma con-
tradio flagrante. O movimento livre da USE entregava-se
FEB, voltava ao jugo da carne, segundo expresso do apsto-
lo Paulo aos hebreus, cristos judaizantes. A reforma estrutu-
ral da USE suicidava-se num pacto de ouro, entregando-se
aos rabinos do Templo. 41
138
participar da Comisso de Teses ao lado de Vincius e outros
companheiros.
O I Congresso Educacional Esprita Paulista resultou na con-
cretizao de um antigo sonho de Vincius, Jlio Abreu Filho,
Emlio Manso Vieira, Fausto Lex e o apstolo de Kardec: a
criao do Instituto Esprita de Educao, em cuja primeira
Diretoria Executiva Vincius assumira a presidncia e Luiza
Peanha Camargo Branco a vice-presidncia. Herculano Pires foi
eleito primeiro secretrio (o mestre presidia na poca o Clube
dos Jornalistas Espritas). Thomaz Novelino, emrito educador
na cidade de Franca e que fora discpulo de Eurpedes Barsanul-
fo, fez a palestra na festiva noite de encerramento do congresso.
O Instituto Esprita de Educao (na verdade, nasceu durante
uma reunio da Comisso de Educao da USE, na casa de
Herculano Pires, rua das Camlias n 40) no tinha, porm,
local para instalar-se com dignidade. Comeou, pois, a funcionar
numa sala sombria e pequena, sem iluminao e mal arejada, nos
fundos da antiga sede da Federao Esprita do Estado de So
Paulo, na rua Maria Paula. No entanto, progrediu no decorrer de
longos anos em outros locais e somente aps fundir-se em outu-
bro de 1973 com o Centro Esprita do Itaim veio a ter sede
prpria. Herculano Pires por algum tempo lecionou nessa nobre
instituio e em 1953 reeleito Vincius presidente, participou do
Conselho de Administrao ao lado de Edgard Armond, Carlos
Jordo da Silva, J. Gonalves Pereira e outros.
139
vas, persistiria insolvel, ainda por dcadas, pois que a evoluo
no d saltos.
Herculano Pires viu logo que a barreira da desunio criada
pelo esprito de grupo tinha uma s causa que precisava, urgen-
temente, ser eliminada. bvia hoje, mas que ningum percebera
antes de 1950. Leia-se a propsito o lcido artigo de Herculano
Pires Kardec, a bssola (em O Kardecista, n 3, maio de
1950). Ei-lo:
Para o verdadeiro trabalho de unificao esprita indis-
pensvel a luta constante em favor do esclarecimento doutri-
nrio dos prprios espritas. No alimentemos iluses a res-
peito. Se cuidarmos apenas do aspecto externo da unificao,
da reunio pura e simples de organismos menores em torno
dos maiores, estaremos sujeitos a cair na arapuca do forma-
lismo e do autoritarismo. No finalidade do Espiritismo cri-
ar na Terra uma nova igreja ou uma nova ordem oculta,
com sacerdotes ou graus-de-iniciao. A tarefa do Esprito de
Verdade semear nos coraes a semente do Reino de Deus
e emancipar espiritualmente os homens de todas as sujeies
inferiores, pois somente num clima de liberdade aquela se-
mente conseguir germinar, crescer, florescer e dar frutos.
O maior empecilho para uma verdadeira unificao do mo-
vimento esprita a existncia de uma srie de numerosas in-
terpretaes pessoais da doutrina, formando pequenos quistos
que prenunciam futuros cismas. A vaidade humana e a gene-
ralizada ignorncia da verdadeira estrutura filosfica da dou-
trina alimentam sem cessar essas dissidncias em gestao.
Precisamos, por isso mesmo, estabelecer as linhas do pensa-
mento doutrinrio sempre de maneira bem clara, alertando os
que realmente desejam ser espritas, contra os atalhos do ca-
minho.
As obras de Allan Kardec so o alicerce irremovvel da III
Revelao. O codificador desempenhou a sua misso terrena
da maneira mais completa possvel. O verdadeiro esprita de-
ve ter, ou esforar-se continuamente para ter, o conhecimento
completo da codificao kardeciana, orientando-se por ela, no
movimento esprita, como o marinheiro se orienta pela bsso-
140
la em alto mar. Toda a estrutura da Doutrina dos Espritos
encontra-se nas obras de Kardec. Elas podem ser desenvolvi-
das, como o prprio codificador o disse. Denis, Delanne,
Bozzano, Flammarion e outros fizeram em suas obras esse
desenvolvimento. Outras verdades tambm podem ser reve-
ladas, e Kardec foi o primeiro a nos advertir disso. Mas o
ponteiro da bssola est nas suas obras. E assim como as ve-
lhas escrituras eram a nica pauta para se verificar a legitimi-
dade do Novo Testamento, assim como os Evangelhos so o
nico crivo pelo qual podemos legitimar a III Revelao, as-
sim tambm a Codificao kardeciana o nico instrumento
de que dispomos para nos orientar no desenvolvimento do
Espiritismo.
Esse artigo, que , inclusive, um brado de alerta, foi publica-
do s vsperas do II Congresso Esprita Estadual. Herculano
Pires tinha razo. O conhecimento, ento, perifrico da Codifica-
o kardeciana por parte da maioria dos dirigentes das federati-
vas e dos centros espritas era o verdadeiro empecilho unifica-
o do movimento doutrinrio.
Herculano Pires analisou, no sossego do
lar, a atuao de Edgard Armond em sua
primeira gesto no comando da USE. Reco-
nhecia nesse velho confrade um homem de
fibra, grande idealista, mas que, por outro
lado, dificultava a unificao porque intro-
duzira na Federao Esprita do Estado de
So Paulo e, como consequncia, em grande
parte do movimento doutrinrio paulista,
Herculano Pires ao ideias e prticas medinicas conflitantes
tempo do II Congresso com a codificao de Allan Kardec. Acres-
Esprita Estadual
ce, ainda, que com Armond a USE estava
por demais dependente da FEESP.
Herculano Pires refletiu. O plenrio do II Congresso Esprita
Estadual elegeria a nova Diretoria Executiva da USE aps trs
anos sob a presidncia de Edgard Armond. Excelente oportuni-
dade para dar novo impulso instituio, renov-la, agora no
rumo absolutamente certo. Kardec seria a bssola.
141
Herculano Pires, ento, pensou em trazer para a USE o seu
amigo Francisco Carlos de Castro Neves um jornalista ainda
moo, advogado, deputado e que, mais tarde, tornar-se-ia Minis-
tro do Trabalho e representaria o Brasil na Conferncia Interna-
cional do Trabalho realizada em 1952 em Genebra, na Sua.
Homem de carter, muito culto, Castro Neves era, no entanto,
quase desconhecido no movimento doutrinrio, embora houvesse
presidido o Centro Esprita Emmanuel e frequentasse com assi-
duidade sesses de materializao e efeitos fsicos. Mas, apoiado
por Herculano Pires, que j nesse tempo era a mais proeminente
figura do movimento esprita paulista, Castro Neves elegeu-se
presidente da USE (sua chapa era formada por Luiz Monteiro de
Barros, vice-presidente; Carlos Jordo da Silva, secretrio geral;
Emlio Manso Vieira e Abro Sarraf, primeiro e segundo secret-
rios; Waldomiro Santos Silva, primeiro tesoureiro; Domingos R.
Azaredo, segundo tesoureiro; Jonny Doin, procurador). Ento,
algo surpreendente aconteceu. Conta-nos Herculano Pires em
uma reportagem que publicou em O Kardecista, n 4, julho de
1950, que proclamados os resultados, declarara, por vrios
motivos, que renunciavam aos cargos os seguintes confrades:
Monteiro de Barros, Jordo da Silva, Manso Vieira, Abro Sarraf
e Jonny Doin. Vrios oradores fizeram sentir a necessidade dos
confrades eleitos aceitarem os cargos. Por fim, o presidente
Castro Neves pronunciou tocante orao, declarando que no
renunciaria, apesar de todas as renncias ali verificadas. (...) No
obstante, considerando a necessidade de todo o esforo pela
unificao geral, no se oporia realizao de novo pleito, que
solucionasse a situao inesperadamente criada por tantas renn-
cias. Diante das palavras e dos apelos dos oradores precedentes e
das declaraes do presidente eleito, os confrades Luiz Monteiro
de Barros, Carlos Jordo da Silva e Jonny Doin resolveram
retirar o seu pedido de renncia. Restavam, entretanto, a preen-
cher os cargos de primeiro e segundo secretrios, em vista da
atitude de irrevogvel renncia assumida pelos confrades Emlio
Manso Vieira e Abro Sarraf. (...) O confrade Joaquim dos
Santos Jnior passou, assim, a substituir o primeiro secretrio
Manso Vieira. Quanto ao segundo, houve nova renncia, pois o
142
mais votado era o Sr. Hermnio da Silva Vicente, que tambm
renunciou, etc.
Herculano Pires, repetimos, tinha razo. Kardec era a bssola;
mas, daqueles confrades, quantos tinham olhos de ver para onde
apontava a bssola?
Para finalizar, devem dois fatos com grandeza espiritual ser
registrados. Castro Neves, assim que assumiu a presidncia,
doou USE a elevada quantia de quatrocentos mil ris, o que
possibilitou por mais de ano o equilbrio financeiro da institui-
o. O segundo episdio envolve nosso biografado. Rocha
Garcia, vice-presidente da Federao Esprita Brasileira viera a
So Paulo assistir as eleies da USE. Herculano Pires fora
incumbido de saud-lo. O momento parecia embaraoso para
ambos, mas Herculano Pires, com sua habitual franqueza, foi
tribuna. O Kardecista, rgo oficial do Clube dos Jornalistas
Espritas registra o fato:
J. Herculano Pires exaltou a significao da sua presena
(de Rocha Garcia) na solenidade, acentuou a importncia da
FEB como clula-mter do Espiritismo no Brasil, disse da sa-
tisfao dos espritas paulistas por verem a FEB integrada no
movimento de unificao. Lembrou, como presidente do
Clube dos Jornalistas Espritas, as crticas formuladas nesse
jornal atual diretoria da FEB, acentuando a finalidade cons-
trutiva de tais crticas, que traduzem o desejo dos jornalistas
de verem a casa-mter integrada no cumprimento de sua mis-
so. Respondendo, o confrade Rocha Garcia declarou que vi-
era a So Paulo incumbido de conquistar o corao dos pau-
listas e que bem compreendia o sentido das crticas leais for-
muladas aos seus companheiros de diretoria.
Belo exemplo de confraternizao, mas o abrao no impedi-
ria que o apstolo de Kardec advertisse a FEB caso voltasse ela a
claudicar.
143
10
Romance e poesia em tempos difceis
O triunfo de Barrabs
146
em maio de 1953 portanto, em menos de dois meses! Hercula-
no Pires intitulou-a Barrabs, o Enjeitado. Publicou-a no ano
seguinte a Editora Lake, do confrade Batista Lino. Edio pobre,
popular, em papel de segunda categoria e, no entanto, o contedo
revelava tratar-se de uma autntica obra-prima que nada ficava a
dever ao Barrabs de Lagerkvist. Chegou s livrarias dias
antes da Semana Santa (coincidentemente) e logo tornou-se
best-seller 1.400 exemplares foram vendidos na primeira
semana.
147
Herculano Pires, sem nenhum pontilhismo impressionista,
antes marcando o livro de unidade conceptiva, e caldeando a
personagem histrica numa retorta excepcionalmente huma-
na, esmerilha pginas em que o drama intrnseco do livro, em
suas rajadas de desespero, nos mostra Barrabs em funo da
conscincia que o persegue.
E Mrio Graciotti, da Academia Paulista de Letras, fundador
do Clube do Livro que editaria em 1964 a segunda edio de
Barrabs, adicionando-lhe um prefcio, escreve, perplexo:
De que distncia, de que regies, de que pocas vir esse
esprito que se instalou na engrenagem somtica de um dos
mais curiosos fenmenos intelectuais do Brasil nascente, o
poeta, o jornalista, o escritor, o filsofo Herculano Pires?
Renomados poetas, ficcionistas e crticos escreveram sobre
Barrabs, mas qual seria o parecer de Wilson Martins, autor de
A Crtica Literria no Brasil? Profundo conhecedor de literatura,
austero e inflexvel, era, talvez, o crtico literrio mais respeitado
e temido, porque tinha a rara virtude de no se subordinar a
qualquer tipo de injuno. Wilson Martins publicava, semanal-
mente, trabalhos literrios que ocupavam quase meia pgina do
jornal O Estado de So Paulo e que eram reproduzidos em
outros Estados. Herculano Pires enviou-lhe um exemplar. E o
famoso crtico, pelas colunas do Estado, saudou-o com um
longo artigo, do qual extramos alguns tpicos.
J. Herculano Pires se situa desde logo num inegvel pri-
meiro plano, com um livro bem construdo, bem escrito e re-
fletindo a vis dramtica que nenhum romance ou novela
pode deixar de ter. um livro diferente numa literatura que
nos acostumamos a ver absorvida pelos problemas imediatos;
e um livro diferente numa literatura que nos acostuma-
mos a louvar... por no ser literatura. No livro do Sr. J. Her-
culano Pires sente-se, ao contrrio, o escritor que domina o
seu instrumento e o romancista que domina o seu gnero. A
linguagem desta novela, sem ser arcaica nem excessivamente
rebuscada, colorida de tons poticos que nos emergem, por
148
assim dizer, na sua atmosfera e nos ambientam nesse clima
de tragdia que a histria da Paixo.
E mais:
O Sr. J. Herculano Pires singulariza-se por aderir, igual-
mente, a um movimento de renovao do romance brasileiro,
que j no vem sem tempo. A preocupao com o universal e
a perfeio tcnica so os sinais mais importantes desse escri-
tor. Deixo propositalmente de lado as suas possveis inten-
es simblicas ou religiosas, para nele saudar, apenas, um
grande escritor, um romancista em quem se pode esperar.
O artigo de Wilson Martins coroou a merecida consagrao
literria de Herculano Pires. Mas, havia mais. E no dia 31 de
outubro de 1955 o apstolo de Kardec recebeu um ofcio assina-
do pelo Secretrio de Educao e Cultura o poeta Joo Accioli
comunicando-lhe que a obra Barrabs fora laureada com o
Prmio do Departamento Municipal de Cultura de So Paulo.
O editor Batista Lino teve, ento, a feliz ideia de homenagear
Herculano Pires promovendo um saboroso almoo (e no jantar,
conforme consta na 3 edio) na famosa Cantina 1.060. Compa-
receram cerca de trinta escritores e poetas, entre os quais Jos
Geraldo Vieira, Maria de Lourdes Teixeira, Homero Silveira (os
trs da Academia Paulista de Letras), Paulo Dantas, A. R. Paula
Leite, Mary e seu irmo Ruy Apocalipse e, entre outros, o autor
deste livro. Os discursos se sucederam...
Barrabs, no entanto, continuaria sua jornada gloriosa fora
do movimento doutrinrio. A obra foi apresentada pela TV
Paulista, canal 5, em forma de tele-teatro na noite de 17 de
outubro de 1954 dentro do programa O Brasil Escreveu,
produzido pela romancista Maria de Lourdes Lebert. Todo o
drama oculto por trs do Drama da Paixo, com figuras de
Barrabs, Dimas, Pilatos, os apstolos, Maria Madalena, Joana
de Cusa e a figura central de Jesus foi magistralmente vivido
numa hora e meia de apresentao inesquecvel registra uma
crnica da poca.
149
O ator Lus Guimares interpretou Barrabs; Caetano Ghe-
rardi, Judas; Serafim Gonzales, Jesus; Sales de Alencar, o aps-
tolo Pedro. A direo geral do espetculo coube a Roberto Corte
Real, famoso homem de televiso. Quatro anos depois o vigoro-
so romance de Herculano Pires foi adaptado para o teatro pelos
atores Memo e Martini. O elenco formado por inmeros artistas
estreou no dia 11 de outubro de 1958 no Teatro Joo Caetano.
Alexandre Memo interpretou Barrabs.
Relato de Judas contm apenas vinte e sete pginas e foi in-
corporado ao livro Barrabs a partir da segunda edio. Mas a
leitura, tambm emocionante, no est necessariamente vincula-
da ao texto de Barrabs.
Daga Moriga
151
Um Deus Vigia o Planalto
Argila
152
Em verdade, em verdade te digo, Joshua bar Abba, que
mais fcil andar sobre as guas do que andar entre os ho-
mens!
E o rabi desapareceu como a chama de uma vela que se a-
pagasse no escuro. E o meu corao recolheu as suas pala-
vras. E de novo eu me vi sozinho em meio da noite, com os
astros brilhando por cima e por baixo de mim, por todos os
lados. E no havia mais terra, nem cu, nem mar, nem ho-
mens, nem Israel, nem recordaes dolorosas ou corao pe-
sado e cabea ardendo. Era tudo silncio, luminoso silncio
de astros.
E mais este exemplo de versos livres em Barrabs:
E depois que disse essas palavras, o Rabi apontou-me na
distncia a Noiva do Cordeiro, a Santa Cidade de Jerusalm,
no a terrestre, onde a impiedade domina, mas a celeste, cujo
brilho semelhante ao de uma pedra de jaspe cristalina. E es-
tendi para ela as minhas mos e toquei os seus zimbrios e as
suas torres e chorei sobre ela. Mas as minhas lgrimas eram
como prolas divinas que caam no abismo da noite e o meu
corao se abriu no seio das guas semelhante a uma flor
vermelha embalada pelo fluxo das ondas.
A produo potica de Herculano Pires foi intensa. Os origi-
nais se acumulavam, mas nem todos se transformariam em livro,
embora anunciados. Em 1953, porm, entregou ao editor Batista
Lino os originais de Argila, o primeiro livro de poesia moderna
(sem mtrica nem rima), tipicamente esprita, a aparecer no pas.
Eis o poema reencarnacionista que empresta o ttulo do livro:
Argila
Quantas vezes me ergueste da lama da terra
modelando os meus corpos
como um oleiro paciente.
Quantas vezes me atiraste poeira dos sculos
fazendo-me girar de mo em mo
no banquete dos povos.
153
Quantas vezes de novo me arrancaste
dos anis de estrelas do destino
cinza do Tempo.
Mas, atravs das formas e das eras
o teu sopro me impele.
E a indelvel marca dos teus dedos
assinala a argila.
Obra de vanguarda, contribuio de inegvel importncia
potica esprita luso-brasileira, Argila, no entanto, passou des-
percebida do movimento doutrinrio da poca, certamente por
no ser... medinica. Apenas o ento jovem poeta Clvis Ramos
exaltou-a em um artigo cinco anos depois do lanamento. E fez
mais: no ano seguinte incluiu em sua Antologia de Poemas
Espritas duas poesias colhidas de Argila. E a cortina do silncio
desceu de novo sobre a obra pioneira, apesar do saudoso Hum-
berto Mariotti (poeta e pensador esprita argentino) proclamar
que Herculano Pires era grande poeta e Clvis Ramos publicar
em 1984 o ensaio intitulado Barro Insubmisso ou J. Herculano
Pires de Argila.42
Dir-se-ia, inclusive, que a intelectualidade esprita no estava,
ento, preparada para assimilar obra potica no molde modernis-
ta, apesar da famosa Semana de Arte Moderna em 1922...
frica e Murais
A Cor de Deus
159
4) Calnia: afirma que os livros psicografados so fingidos,
feitos to somente para fins comerciais, com a explora-
o da ignorncia popular.
A essas posies pecaminosas que nos opomos. E quere-
mos lembrar que a psicografia no privilgio dos espritas.
H tambm psicografia catlica. Por exemplo, o livro de Ma-
dre Sror Maria Agreda, intitulado Mstica Cidade de Deus,
ditado mediunicamente venervel freira pela prpria Me
de Jesus (Edio Vozes), o livro Manuscrito do Purgatrio,
ditado pelo esprito de uma freira morta a uma colega m-
dium em convento da Espanha (Edies Paulinas, traduo
do Padre Jlio Maria). Outros livros de psicografia catlica
foram anunciados por Edies Paulinas, mas no cheguei a
v-los publicados.
Isso mostra que Neimar no precisaria mudar de religio
para publicar uma obra psicografada. bom lembrar tambm
que Moiss psicografou as Tbuas da Lei no Sinai. Todas es-
sas criaturas to elevadas estariam trabalhando a bem do co-
mrcio?
Neimar de Barros achou por bem silenciar. E com a ruptura
sua com o clero seus livros e ele mesmo caram no ostracismo.
A Cor de Deus, de Rudmar Augusto, contm vinte e sete poe-
sias que dignificam a potica espiritualista. Foram redigidas em
trs dimenses que ao poeta pareceram mais ao alcance de todos:
o verso livre, a quadra e o soneto.
Finalmente, podemos revelar ao leitor que Rudmar Augusto
outro no era seno o prprio J. Herculano Pires.
160
11
Primeiro centenrio da Doutrina Esprita
169
tem a sua fonte no Livro II (de O Livro dos Espritos), a
partir do captulo sexto at o final. Toda a matria conti-
da nessa parte reorganizada e ampliada naquele livro,
principalmente a referente ao captulo nono: Interven-
o dos Espritos no mundo corpreo.
2) O Evangelho Segundo o Espiritismo uma decorrncia
natural do Livro III (de O Livro dos Espritos), em que
so estudadas as leis morais, tratando-se especialmente
da aplicao dos princpios da moral evanglica, bem
como dos problemas religiosos da adorao, da prece e
da prtica da caridade. Nessa parte o leitor encontrar,
inclusive, as primeiras formas de Instrues dos Espri-
tos, comuns quele livro, com a transcrio de comuni-
caes por extenso e assinadas, sobre questes evangli-
cas.
3) O Cu e o Inferno decorre do Livro IV (de O Livro dos
Espritos), Esperanas e Consolaes, no qual so es-
tudados os problemas referentes s penas e aos gozos ter-
renos e futuros, inclusive com a discusso do dogma das
penas eternas e a anlise de outros dogmas, como o da
ressurreio da carne, e os do paraso, inferno e purgat-
rio.
4) A Gnese os milagres e as predies segundo o Espiri-
tismo relaciona-se aos captulos II, III e IV do Livro I, e
captulos IX, X e XI do Livro II (de O Livro dos Espri-
tos), assim como as partes dos captulos do Livro III que
tratam dos problemas gensicos e da evoluo fsica da
terra. Por seu sentido amplo, que abrange ao mesmo
tempo as questes da formao e do desenvolvimento do
globo terreno, e as referentes a passagens evanglicas e
escritursticas, esse livro da codificao se ramifica de
maneira mais difusa que os outros, na estrutura da obra-
mter.
Com respeito aos pequenos livros introdutrios ao estudo
da doutrina (...), que no se incluem propriamente na codifi-
cao adverte Herculano Pires , tambm eles esto direta-
170
mente relacionados com O Livro dos Espritos, decorrendo da
Introduo e dos Prolegmenos.
A codificao se apresenta, pois, como um todo homog-
neo e consequente. luz desse estudo, caem por terra as ten-
tativas de separar um ou outro livro do bloco da codificao,
como possvel expresso de uma forma diferente de pensa-
mento.
Oportuna esta afirmao de Herculano Pires, orientando os
leitores, porque havia autores e at instituies que se diziam
eminentemente kardecistas, mas que eram laicas: considera-
vam O Evangelho Segundo o Espiritismo sem vnculos com a
Codificao.
bastante abrangente o prefcio de Herculano Pires para a
edio da Lake em comemorao ao primeiro centenrio de O
Livro dos Espritos. Com rara mestria o apstolo de Kardec
aborda a codificao kardeciana, a filosofia esprita, a dialtica
esprita, a legitimidade de O Livro dos Espritos, o problema
cientfico e o religioso. Sua traduo e o prefcio ficaram grava-
dos com letras de ouro nos registros do movimento esprita luso-
brasileiro e argentino. Mas Herculano Pires no deu por definiti-
vo esse trabalho. Ele o aperfeioou anos depois... Os detalhes
sero fornecidos ao leitor mais adiante nesta obra, no captulo
16, intitulado O fiel tradutor de Kardec.
171
12
Herculano Pires na presidncia do
Sindicato dos Jornalistas Profissionais
174
13
O filsofo e seu destino
176
suas projees teleolgicas. Por isso, mesmo sem obter a gra-
duao universitria como filsofo, sua brilhante inteligncia
poderia igualmente dialogar com Heidegger, Jaspers, Sartre,
Maritain, etc., pois havia em seu esprito uma raiz profunda-
mente metafsica que lhe permitia relacionar-se e de imediato
com os grandes problemas da filosofia moderna. 47
Humberto Mariotti tem plena razo. Mas inegvel que o es-
tudo sistemtico da filosofia no somente aprofundou como
alargou ainda mais o horizonte cultural de Herculano Pires e, por
isso mesmo, a partir de 1957 nenhum evento importante seria
realizado no movimento esprita paulista sem as lideranas
ouvirem antes sua opinio, a qual unia sempre o bom-senso
sabedoria.
Na verdade, a partir daquela data o
mestre se tornaria magistral no apro-
fundamento da interpretao dos textos
da Codificao kardeciana. Dissera
Chico Xavier, inspirado por Emmanuel,
que Herculano Pires fora o metro que
melhor mediu Allan Kardec. E Chico
Xavier bem o dissera, porque Hercula-
no Pires mostrara, inclusive, que so
indestrutveis os postulados da Doutri-
na Esprita quando em confronto com a
Herculano Pires no dia em
moderna cultura cientfica. que graduou-se em Filosofia
O movimento esprita, portanto, ti-
nha a obrigao espiritual de ser fiel Codificao. Leia-se a
propsito este trecho de Herculano Pires extrado do editorial
publicado no nmero um de Unificao, rgo oficial da USE:
A obra de Kardec no apenas a obra de um esprito mis-
sionrio, mas a de toda a Falange do Esprito de Verdade en-
viada Terra pelo Cristo para relembrar os seus ensinos em
esprito e verdade e complet-la de acordo com os novos
tempos. Bastaria isso para nos mostrar o dever de fidelidade
que temos para com O Livro dos Espritos e toda a Codifica-
o. No se trata mais de um apego emotivo aos livros de
177
Kardec e aos seus princpios. A nossa fidelidade dever espi-
ritual, baseada na razo, na verdadeira compreenso do pro-
blema histrico do desenvolvimento do Cristianismo.
Herculano Pires em seus livros e artigos voltaria a fazer essa
advertncia por demais oportuna, ainda hoje.
Humberto Mariotti, por enquanto, foi quem mais se aprofun-
dou no exame da extraordinria obra filosfica de Herculano
Pires e, por isso mesmo, dele nos servimos. Em seu j citado
ensaio considerou-a a mais importante da Amrica Latina e
Herculano o mais destacado filsofo esprita dos tempos atu-
ais.
E mais, ainda: reconheceu o filsofo argentino que Herculano
Pires foi quem colocou na Amrica o Espiritismo na via filos-
fica.
Observaes agudas, estas de Mariotti, principalmente a lti-
ma, porque nossos escritores da Amrica Latina apenas arranha-
ram a superfcie da Filosofia Esprita, enquanto Herculano Pires
com seus livros fizera com que o Espiritismo entrasse firme pela
via filosfica, realizando, assim o desejo expresso por Allan
Kardec na Revue Spirite. Afirma Mariotti:
O Espiritismo, entrando na via filosfica como anunciara
Kardec, converte-se na luz que se projeta sobre o conheci-
mento de todas as idades. O filsofo brasileiro compreendeu
com Lon Denis e Gustave Geley que a dialtica o melhor
mtodo tico para valorizar e compreender o intrnseco e o
extrnseco da lei de causas e efeitos no processo evolutivo e
moral dos Espritos. Herculano Pires possua uma cosmovi-
so esprita emanada da imponente codificao kardeciana.
Em tudo percebeu uma divina teleologia que superar os de-
lineamentos materialistas do homem e do universo. (...) Um
filsofo como J. Herculano Pires capaz de compreender a
parte dbil e falvel do conhecimento; por isso seu esprito
adentrou nos sistemas mais intricados da filosofia moderna e
contempornea com o fim de constatar as lacunas que apre-
sentam no que diz respeito verdadeira espiritualidade do
homem e da natureza.
178
O filsofo e as pedras do caminho
180
montada, meu quarto com meus livros, minha espera. Vol-
tarei, se Deus quiser. Isto um estgio. Eu precisava faz-lo.
E devo suport-lo. (...) Mas a minha situao em So Paulo
era insustentvel: ganhava pouco e trabalhava cada vez mais.
Um torniquete, um desespero! Quem sabe, com este estgio,
conseguirei melhorar as coisas. O pior que o que eu mais
queria, e agora tenho o tempo no me serve de nada. Ain-
da no consegui comear a cuidar dos meus livros!
E o mestre, recordando-se que h vinte anos atrs disciplina-
va seus dias com a elaborao de programas dirios, acrescentou:
o que vou fazer. Quem sabe se assim conseguirei vencer
o ambiente, a pasmaceira, o desnimo, o desajuste ou a sau-
dade, sei l o que! Vou programar-me.
E, com novo nimo, Herculano Pires entrosou-se no movi-
mento esprita de Araraquara. Achou-o frio e amorfo, mas o
apstolo de Kardec estava decidido a impulsion-lo. Anotou no
dirio:
No sei se tocado pelos Espritos, inventei de movimentar
elementos para a fundao de um hospital. No comeo, rea-
o mnima, pasmaceira. Mas, depois, Pedro Celli e sua mu-
lher, Sra. Ada, puseram fogo na coisa. So gente de outra
massa. E a coisa esquentou. Tive de assumir a direo do
movimento, mas parece que vai sair um plano gigantesco:
aquisio de uma fazenda para construo do hospital, edu-
candrio, orfanato, asilo e uma colnia de frias esprita. Se
sair tudo isso, dou-me por pago do sacrifcio araraquarense.
O desejo de voltar a viver na capital, porm, tornara-se em
1960 ainda mais intenso ao saber que fora honrado com a indica-
o para ser membro titular do Instituto Brasileiro de Filosofia,
fundado e presidido pelo eminente Miguel Reale, catedrtico de
Filosofia do Direito, reitor da Universidade de So Paulo e
Doutor honoris causa, da Universidade de Gnova. Um ano
depois, ainda vivendo em Araraquara, Herculano Pires lecionaria
Psicologia no Instituto Brasileiro de Filosofia nos cursos patro-
181
cinados pela Secretaria de Educao do Estado de So Paulo.
Mas algo inusitado iria acontecer.
184
jornalista desencarnado Cairbar Schutel, fundador de O Clarim
e da Revista Internacional de Espiritismo e um de seus Guias.
A primeira mensagem de Schutel veio atravs da mediunida-
de psicofnica da Sra. Beni esposa do confrade Eugnio Gertel
e filha do prof. Eloy Lacerda no Centro Esprita Pedro e Anita,
presidido por Rui Piedade. Note o leitor que nenhum dos fre-
quentadores conhecia o conflito familiar de Herculano Pires. A
segunda mensagem, desta vez psicografada por Chico Xavier,
fora transmitida na noite de 8 de setembro de 1962. Herculano
Pires encontrava-se em Uberaba na companhia do nosso saudoso
amigo Fernando Campos Ferreira da Cunha. Eis o teor da impor-
tante mensagem de Schutel:
Herculano amigo: paz e bom nimo. Confirmo, sim, meu
amigo, a solicitao por nossa Beni. Compreendo. Voc est
renunciando expressivamente, mas Jesus prover. Trabalhe-
mos. So Paulo a nossa oficina. O Espiritismo, com a bn-
o do Cristo, construo que no podemos abandonar. Co-
gitamos do seu mais amplo rendimento espiritual, em nossa
Doutrina. A nossa edificao precisa de apoio, sustento, har-
monia e orientao. Reconforte a esposa, a quem rogamos
confiana e otimismo. Os problemas sero ajustados. Aten-
damos aos deveres que nos so prprios e o Senhor far o
resto. Estaremos juntos, no servio e na orao. Sempre seu:
Cairbar.
Herculano Pires exultou. Cairbar Schutel confirmara a men-
sagem recebida pela Sra. Beni. E o apstolo, sob o poder da
emoo, registrou em seu dirio:
Fortemente amparado por essa confirmao e esse grande
incentivo, regressei a So Paulo, disposto a tudo fazer para
tornar-me capaz de servir Causa do Senhor. Comecei por
tratar de minha prpria reviso, nos servios de Nossa Ofi-
cina. Que Deus me ajude e que a assistncia de Schutel no
me falte.
185
E o mestre, com humildade, acrescentou:
Agora compreendo melhor a razo das dificuldades ante-
riores, no tocante a um lugar em Faculdade do interior. Lem-
bro-me da frase que sublinhei nas anotaes dos dias 1 a 13
de agosto de 1958, pgina 74 deste dirio: Quando as coi-
sas encrencam assim, parece que bom a gente no insistir.
Sinto-me como algum que tivesse cometido uma imprudn-
cia, comprometido com planos ou pelo menos perturbado a
sua marcha, por interferncia da prpria incompreenso. Pa-
rece que o passado fez uma erupo no presente. Peo perdo
ao Alto e agradeo o me haver permitido a volta, a reintegra-
o no meu destino, nas minhas atividades e funes pr-
prias. Hei de prosseguir, com firmeza e confiana.
E como a esposa lamentasse o regresso capital paulista,
Herculano Pires, com bom humor, pregou no lado de dentro da
porta do quarto a mensagem psicografada, a fim de que Virgnia
a visse, vrias vezes... Anos depois, numa entrevista, ela expli-
cou:
Acontece que ele era um poeta, um sonhador, e eu era
mais prtica do que romntica. Ele sempre foi muito atencio-
so, me trazia flores aos domingos e eu agradecia, mas por
dentro me preocupava: Ai, meu Deus, a gente nesse aperto e
ele gastando tanto comigo. (...) Se ambos fssemos romnti-
cos, eu no sei como iramos sobreviver. 53
Delicada era a sade de Herculano Pires. At quando, pois,
continuaria a viajar de trem, semanalmente, a Araraquara para
lecionar? O mestre refletiu. E, decidido, remeteu ao professor
Paulo Guimares da Fonseca a seguinte carta:
Araraquara, 3 de agosto de 1962.
Exmo. Sr. Prof. Dr. Paulo Guimares da Fonseca
DD. Diretor da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras
Araraquara
Prezado Senhor Diretor:
186
Compromissos de ordem familiar, que se tornam motivos
de fora maior, obrigam-me a deixar a Faculdade de Filosofia
que, embora obscuramente, tive a honra de ajudar o prezado
amigo a instalar. Minha obrigao de permanecer em So
Paulo me impede a permanncia necessria nesta cidade, para
o desempenho das obrigaes contratuais. Nessas condies,
sou forado a requerer resciso de contrato, o que farei na
prxima semana, de acordo com as instrues que j me fo-
ram dadas pela Secretaria.
Quero, entretanto, antecipar o meu pedido perante o preza-
do amigo, a quem tanto devo em ateno, gentileza e bonda-
de. Lamento no ter podido lhe dar mais tempo para a solu-
o do problema, mas acontece que tambm fui colhido em
circunstncias inesperadas, que me obrigaram a uma resolu-
o repentina. Farei, porm, a indicao do sucessor, de ma-
neira a no deix-lo s voltas com dificuldades nesse terreno.
Pudesse, e continuaria at o fim deste ano, o que me huma-
namente impossvel.
Na certeza de poder contar, mais uma vez, com a sua bene-
volente compreenso, quero deixar aqui a expresso da minha
sincera e profunda gratido ao prezado amigo, por todas as
atenes que sempre me dispensou.
Cordialmente,
J. Herculano Pires.
O apstolo, pois, deixou a ctedra na Faculdade de Filosofia,
Cincias e Letras de Araraquara em agosto de 1962. E retornou
com alegria literatura, atividade nos Dirios Associados e
presidncia do Clube dos Jornalistas Espritas do Estado de So
Paulo. No perodo em que vivera em Araraquara o fluxo de sua
produo intelectual diminura, mas em So Paulo tanto a criati-
vidade como a fecundidade literrias normalizaram-se. O fogo
sagrado voltara a crepitar...
187
Espiritismo, inclusive na Universidade Catlica
188
Qual o motivo por que os prprios adeptos do Espiritismo,
ainda hoje, divergem no tocante a questes doutrinrias de
importncia? E qual o motivo por que os no espritas conti-
nuam a tratar o Espiritismo com a maior incompreenso? No-
te-se que no nos referimos a adversrios, pois estes tm a
sua razo, mas aos no-espritas. Parece-nos que a explica-
o para os dois casos a mesma. O Espiritismo uma dou-
trina do futuro. maneira do Cristianismo, abre caminho no
mundo, enfrentando a incompreenso de adeptos e no adep-
tos.
Em primeiro lugar h o problema da posio da doutrina.
Uns a encaram como sistematizao de velhas supersties;
outros, como tentativa frustrada de elaborao cientfica; ou-
tros, como cincia infusa, no organizada; outros, ainda, co-
mo esboo impreciso de filosofia religiosa; outros, como
mais uma seita, entre as muitas seitas religiosas do mundo.
Para a maioria dos adeptos e no adeptos, o Espiritismo se
apresenta como simples crena, espcie de religio e su-
perstio ao mesmo tempo, eivada de resduos mgicos.
Ao contrrio de tudo isso, porm, o Espiritismo constitui a
ltima fase do processo do conhecimento. ltima, no no
sentido da fase final, mas da que o homem pde atingir at
agora na sua lenta evoluo atravs do temp. (...) Basta-nos,
no momento, esta colocao do problema para justificar a
nossa tentativa de oferecer uma viso histrica do desenvol-
vimento espiritual do homem, como a forma mais apropriada
de introduo ao estudo da doutrina.
Sete anos depois, voltou o Movimento Universitrio Esprita
a convidar Herculano Pires a ministrar o mesmo Curso de Intro-
duo Filosofia Esprita, desta vez para o pblico em geral, no
amplo auditrio da Folha de So Paulo. O mestre atendeu ao
convite, mas fez questo que o curso se realizasse num sistema
de dilogo que seria acelerado proporo que os problemas
fossem desenvolvidos. O apstolo de Kardec abordou os seguin-
tes temas: teoria esprita do conhecimento; o problema ontolgi-
co esprita; origem psquica paranormal das religies; existencia-
lismo e interexistencialismo; a cosmossociologia esprita e sua
189
relao com a cosmossociologia de Durkheim; e o problema do
fidesmo crtico (a crtica da f em Kardec em relao com a
crtica da razo em Kant). Essas aulas foram depois enfeixadas
em livro que recebeu o ttulo de Introduo Filosofia Espri-
ta, estando Herculano Pires j desencarnado.
Dos inmeros cursos dentro e fora do movimento doutrinrio
ministrados por Herculano Pires, um merece registro especial.
Referimo-nos ao que ministrou na Pontifcia Universidade
Catlica de So Paulo (PUC) nos dias 17 e 18 de novembro de
1971, nos perodos da manh, da tarde e da noite. O mestre deu
seis aulas cada uma com a durao de duas horas, assistida por
quinhentos alunos. O convite do catedrtico Mauro Batista (um
padre sem preconceito religioso!), responsvel pela cadeira de
Problemas Filosficos e Teolgicos do Homem Contemporneo,
fora dirigido Federao Esprita do Estado de So Paulo, que
indicou Herculano Pires. O Espiritismo naqueles dias histricos
brilhou na Universidade Catlica!
192
O Esprito e o Tempo um livro que deveria ser estudado
em todas as faculdades de filosofia da Amrica, a fim de pe-
netrar nas variadas imagens histricas, atravs das quais
passam os Espritos. A filosofia universitria, sem a viso es-
prita da Histria, fica aprisionada nos enganos apriorsticos
de Kant e para sair deles s possvel por meio de uma histo-
riosofia palingensica como v J. Herculano Pires.
Outra obra densa com grande profundidade filosfica e bele-
za pura tem por ttulo O Ser e a Serenidade, cujo objetivo
adverte o apstolo de Kardec no foi colocar o problema do
existencialismo esprita, e sim expor uma reflexo que mergu-
lhasse no problema do Ser. verdade; mas inegvel que ele
desejou e conseguiu com essa obra pioneira rasgar (as palavras
so dele) uma nova perspectiva na Filosofia da Existncia, essa
moderna corrente de pensamento filosfico que se abre em vrias
direes: do misticismo de Kierkegaard, o protestante, e de
Gabriel Marcel, o catlico, vai diluir-se no transcendentalismo
psicolgico de Karl Jasper e fundir-se com o marxismo no
atesmo de Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir. O apstolo
com sabedoria reconduz o Existencialismo s suas perspectivas
espirituais, mas num sentido de paralelismo complementar do
ontologismo de Martim Heidegger. E mais: partindo de uma
reflexo romntica sobre a serenidade, mergulha agudamente na
problemtica ontolgico-existencial para abrir uma nova frente
na batalha do Existencialismo: e do Existencialismo Interexis-
tencial. E o fez de modo brilhante. Mas nega que o Existencia-
lismo Esprita seja uma nova escola filosfica. Humilde, em uma
entrevista concedida Revista Internacional de Espiritismo
(transcrita pelo jornal Tringulo Mineiro, edio de 18-05-
1967), afirma no haver criado nada de novo. Procuramos
apenas desenvolver no plano filosfico as teses existenciais de
Kardec subestimadas por simples ignorncia pelo Existencialis-
mo em desenvolvimento. Trata-se de um dos aspectos mais
fecundos da Filosofia Esprita, que ser desenvolvida no mundo
proporo que a humanidade se torne capaz de compreend-
la.
193
Mas, quando e como surgira em seu esprito a preocupao
com a serenidade? Informa o mestre que em 26 de abril de 1935
(e no 1934, conforme se l na pgina 43 de O Ser e a Serenida-
de), vira a serenidade fluir sobre a cumeeira das casas, na
cidadezinha de Cerqueira Csar. E prossegue: Parei na rua
para contemplar o sereno espetculo. No era o tempo, nem o
vento, nem as nuvens que corriam. Era a serenidade, essa inex-
primvel doura das coisas, que flua sobre as cumeeiras de
telhas enegrecidas, tendo por fundo o azul do cu. Nesse dia
perguntei a mim mesmo por que motivo no somos serenos, mas
inquietos, e muitas vezes at mesmo tumultuosos. Lembrei-me
da ataraxia de Demcrito, de Epcuro e de Zeno, e as palavras
de Jesus soaram-me aos ouvidos da alma: A minha paz vos dou,
mas no vo-la dou como a paz do mundo. Nesse mesmo dia
resolvi que procuraria descobrir o segredo da serenidade.
E Herculano Pires, empolgado com a romntica viso da se-
renidade, iniciou um romance com o ttulo O Serenista, em cujas
pginas pretendia lanar a doutrina da serenidade. Mas tinha
apenas vinte e um anos de idade, e sem dominar totalmente a
avalanche de ideias e a emoo no ato da criao, colocara na
personagem uma mistura de estoicismo e racionalismo...
O tema, porm, persistia. Dez anos depois retomou-o. E, ao
invs de romance, redigiu um pequeno ensaio intitulado A Busca
da Serenidade, que fez editar em Cerqueira Csar. No se deu,
porm, por satisfeito. E, finalmente em 1966, j licenciado em
Filosofia, entregou cultura brasileira mais uma obra-prima
produzida pelo seu talento prodigioso: O Ser e a Serenidade.
Sobre ela escreveu o filsofo Humberto Mariotti:
Mas fazemos notar que a busca da serenidade na obra de
Herculano no apresenta uma evaso da realidade nem tam-
pouco um escapismo tico do homem ante os grandes pro-
blemas sociais. O tema da serenidade representa, pois, uma
atitude frente ao mundo, ou seja, um estado de conscincia
superior para resistir s foras negativas circundantes, as
quais violentam contrariamente o estar-no-mundo do Esprito
encarnado. (...) Este livro, O Ser e a Serenidade, do conceitu-
ado pensador brasileiro, representa uma abertura para as no-
194
vas especulaes gnosiolgicas, baseadas no Espiritismo.
Mostra-nos como a Doutrina Esprita encara a criao de um
novo humanismo dentro do qual se acham os autnticos valo-
res ontolgicos para superar as diversas aporias (caminhos
metafsicos sem sada) que seguem dando origem aos chama-
dos enigmas existenciais. J. Herculano Pires vai para o ser
no s pelo existencial, como pelo interexistencial, isto , en-
tra no ser e na existncia atravs dos fenmenos da Psicolo-
gia profunda e da Parapsicologia. Penetra no ser a fim de en-
frentar as numerosas fases psquicas e morais que constituem
e se relacionam com todos os seres. Pode dizer-se que dentro
da metapsquica elaborada na Amrica Latina, Herculano o
primeiro a reconhecer dois seres dentro do ser existencial.
(...) Ademais, sua concepo religiosa do ser est exposta
com clareza escatolgica em seu livro O Ser e a Serenidade,
volume que traa novas orientaes filosofia bero-
americana.
Sabem os leitores que em 1966 o preconceito contra a Dou-
trina Esprita nos meios intelectuais preconceito alimentado,
alis, pelo Existencialismo materialista de Jean-Paul Sartre,
ento em moda era ainda muito forte, mas Herculano Pires,
com seu livro pioneiro (no Brasil e no exterior), colocara em
evidncia, inclusive, a magnitude do que ele chamou com pro-
priedade de Existencialismo interexistencial, baseado na Codifi-
cao kardeciana, abrindo, assim, mais uma brecha na muralha
da ignorncia espiritual.
A produo intelectual do mestre era contnua (livros filos-
ficos, romances, poesias, crnicas, artigos para jornais doutrin-
rios e profanos, etc.), mas j com mais de cinquenta anos de
idade sentia-se alquebrado. L-se em seu dirio:
Com o torniquete que tem sido a minha vida, pensei mui-
tas vezes que no chegaria to longe. Mas aqui estou. E ape-
sar da estafa do momento, sinto-me quase o mesmo dos vinte
e cinco anos, com as mesmas deficincias orgnicas, a mes-
ma falta de tempo para os estudos e trabalhos srios (sempre
planejados). O mundo no me deixa estudar, pensar, criar.
195
Exige ainda, como h trinta anos, que eu me desgaste nas ati-
vidades cotidianas. E isso, agora, me desespera mais do que
antigamente. Os dias se vo com tanta rapidez!
Herculano Pires, ento, rogava em pensamento amparo Es-
piritualidade Superior. Em seu dirio ntimo o mestre escreveu:
Estou ameaado por catarata nos dois olhos. Tornou-se o
trabalho mais difcil. Alm disso, sinto que perdi muito da
capacidade produtiva, por desgaste e cansao. Mas confio em
Deus, espero em Jesus e nos Espritos amigos.
Continuava ele, porm, produzindo muito, graas ao auxlio
espiritual. E mais trs livros filosficos seus enriqueceram a
bibliografia esprita; dois com menos de cento e vinte pginas,
mas com o selo da genialidade. Em Agonia das Religies, sus-
tenta que (as palavras so dele) as religies atuais esto em
agonia e vo morrer como as antigas morreram. Mas a extino
das religies no leva ao atesmo e ao materialismo, e sim a um
novo surto religioso de natureza superior, em que o problema das
revelaes encarado na perspectiva da Teoria do Conhecimen-
to.
E mais: as contradies entre espiritualismo e materialismo,
desmo e atesmo, positivismo e misticismo, desaparecem na
sequncia deste estudo como simples ngulos visuais de uma
realidade nica, fundamentada na dialtica natural de esprito e
matria, elementos fundamentais de toda a realidade. (...) Bastam
esses traos para mostrar que a posio do autor nova e revolu-
cionria, abrindo novas possibilidades para a compreenso do
fenmeno religioso.55
A segunda obra do apstolo de Allan Kardec tem por ttulo
Reviso do Cristianismo. Redigida no apenas com sabedoria,
mas tambm sob intensa emoo, um jato de luz na mente dos
leitores. A reviso do Cristianismo, escreveu ele, ter de ser
feita.
Temos de restabelecer a verdade sobre Jesus e a legitimi-
dade do Cristianismo. Nenhum outro caminho existe para o
mundo, nesta encruzilhada decisiva da Histria. S dois ca-
196
minhos se cruzam neste momento, na carne angustiada da
Terra: o da mentira, em que estamos, e o da verdade, traado
pelo Cristo.
E acrescenta:
Tudo no Cristianismo Oficial est errado. E apesar disso a
verdade crist sobrevive e se confirma, tendo mesmo produ-
zido, revelia do oficialismo, grandes transformaes no
mundo. Que outras, e maiores, e mais profundas transforma-
es podero ocorrer, se conseguirmos retirar todo o joio da
seara, para que o trigo asfixiado se desenvolva como deve?
Reviso do Cristianismo oferece, em verdade, uma viso his-
trica do fenmeno cristo e das suas dimenses espirituais.
A terceira obra como as anteriores, fundamental intitula-
se Curso Dinmico de Espiritismo e constitudo de vinte subs-
tanciosos captulos que correspondem a exposies doutrinrias
feitas pelo autor em vrias ocasies, em palestras com debates,
at mesmo em numerosas Faculdades de Teologia catlicas e
protestantes, bem como em debates na televiso. Por isso, so
captulos escritos em linguagem livre, dando ao leitor a possibi-
lidade de discutir os problemas consigo mesmo, tentando refutar
as teses expostas.56
No se pense, porm, que essa obra viril e de imenso valor
possa ser comparada a um lago tranquilo... Herculano Pires, com
sabedoria e estilo elegante, quase sonoro (cada frase sua contm
intensa vibrao), oferece ao leitor a gua cristalina da fonte
kardeciana, mas faz importantes advertncias (inclusive s
instituies doutrinrias) de que exemplo o trecho a seguir:57
As mistificaes mais grosseiras so aceitas pelos adeptos
vaidosos, que chegam extrema audcia de evitar os textos
da Codificao kardeciana e tentar substitu-los por obras ei-
vadas de contradies e absurdos de toda espcie. Ao invs
de procurarem instruir-se, melhorar seus conhecimentos, pre-
tendem transformar-se em novos reveladores de mistrios as-
sombrosos. H vrias correntes j formadas no meio esprita,
contra as quais as pessoas sensatas precisam precaver-se. (...)
197
Todo esprita consciente de suas responsabilidades humanas e
doutrinrias est no dever intransfervel de lutar contra essas
ondas de poluio espiritual que pesam na atmosfera terrena.
Ningum tem o direito de cruzar os braos em nome de uma
falsa tolerncia que os levar cumplicidade. (...) legtima
caridade repelir todas essas fantasias em nome da verdade,
mesmo que isso magoe os companheiros iludidos.
O trabalho exaustivo e de to grande valor realizado por Her-
culano Pires no campo da Filosofia Esprita dera, no entanto,
mais um belo fruto. Alm de o mestre haver sido admitido como
membro titular do Instituto Brasileiro de Filosofia, teve ele a
satisfao de ver a Filosofia Esprita, graas aos seus livros, ser
reconhecida, agora oficialmente, na rea profana mais intelectua-
lizada do pas.
No campo filosfico escreveu ele, dirigindo-se ao con-
frade Tamassia obtive tambm um resultado animador fora
do meio esprita. Num trabalho de Lus Washington Vita (in-
titulado Filosofia Contempornea em So Paulo), publica-
do pela Universidade de So Paulo e pelo Instituto Brasileiro
de Filosofia, a Filosofia Esprita aparece marcando o pano-
rama filosfico brasileiro, com a transcrio de grandes tre-
chos de minha autoria. Isso quer dizer que oficialmente se re-
conheceu a presena no Brasil da Filosofia Esprita.
E em seu dirio, um tanto desalentado, o apstolo de Kar-
dec acrescentou:
Mas quantas pessoas, no meio esprita, compreendero o
que isso significa?
Lamentavelmente (podemos concluir), poucos confrades to-
maram conhecimento daquele fato histrico.
198
14
As sesses de Herculano Pires
e a trilogia pioneira
200
tomado e levantou-se de um salto, falando em italiano, com
voz forte e enrgica. Era um Esprito esclarecido. Ps-se i-
mediatamente a repreender duas entidades inferiores que a-
tormentavam o ragazzo. Conseguiu expuls-las. Wilson esti-
rou-se no soalho, exausto. (...) Dona Assunta relatou o que vi-
ra: um dos Espritos afastados cortava os msculos e nervos
do rapaz com uma tesoura fludica, produzindo-lhe as dores
que os mdicos no conseguiam explicar. Outro o chicoteava
sem cessar. O Esprito bom se despediu com a prece do Pai
Nosso. Wilson se levantou com a ajuda de Victor e logo se
ps a andar, tranquilo, refeito, de um lado para outro, falando
em Deus. Enquanto respondamos s perguntas de dona Lui-
zinha (me do rapaz), ele se encaminhou para o quarto. Que-
ria deitar-se. Num instante comeou a dormir. Quando sa-
mos, ressonava tranquilo. (...) Foi realmente uma prova con-
creta da verdade esprita que os psiquiatras insistem em negar
e combater.
Memorveis foram os trabalhos medinicos na casa do aps-
tolo de Allan Kardec. Ao final de cada sesso Virgnia servia
caf e um bolo de chocolate ou fub. E s aps longa conversa
sobre a doutrina (Herculano Pires sempre amvel, sorridente), as
pessoas se despediam. Era quase uma hora da madrugada... O
nmero de frequentadores crescera tanto que as sesses passaram
a ser realizadas na garagem (Herculano no possua automvel).
Era frequente noite e em qualquer dia da semana o autor
deste livro visitar Herculano Pires e, ento, ao sentir a presena
de Espritos, realizavam sesses ali mesmo, na copa, aps
Virgnia servir o lanche. Em uma dessas sesses improvisadas
houve um fato inusitado. O notvel escritor esprita desencarna-
do Carlos Imbassahy desejava conversar com Herculano Pires,
mas recusava incorporar-se. Herculano Pires estranhou o fato e
em carta narrou-o ao filho de Imbassahy:
Tive a ventura de receber, h cerca de vinte dias, uma co-
municao de seu pai, que se apresentou inesperadamente,
acompanhado de Pedro Granja. No foi em sesso. Estva-
mos conversando, na copa de minha casa, eu e Rizzini (que
mdium). Sentimos de repente uma presena espiritual (no
201
falvamos dele nem do Granja). Rizzini disse que sentia difi-
culdades para receber um esprito que desejava manifestar-se,
mas no queria incorporar-se. Logo mais comeou a receber
a comunicao de Imbassahy por meio teleptico; uma liga-
o de mente a mente. Imbassahy explicou que no queria in-
corporar, mas podia transmitir a mensagem da mesma manei-
ra. Na verdade, estabeleceu conversao comigo, como
quando em vida. Deu-me recados do Granja, que no se co-
municou. Foi realmente um momento feliz. A identificao
era perfeita, na linguagem, nas ideias e na lembrana de nos-
sa correspondncia. No lhe escrevi nada a respeito porque
foi, de fato, uma visita de amigo, rpida e sem maiores con-
sequncias.
Carlos de Brito Imbassahy confirmou a veracidade da comu-
nicao, afirmando que seu pai costumava dizer que um Esprito
para transmitir mensagens no tinha necessidade de chamada
incorporao.59 Foi por essa poca que Herculano Pires, tendo
acompanhado o desenvolvimento da mediunidade de Jorge
Rizzini, prefaciou seu primeiro livro psicografado, Antologia do
Mais Alm, que enfeixa produes de quarenta e quatro poetas
clebres, nacionais e estrangeiros e que teve repercusso inclusi-
ve fora do movimento esprita.
Grande era a experincia de Herculano Pires no trato da me-
diunidade, pois dirigia sesses medinicas desde os vinte e
poucos anos de idade quando presidira o Centro Esprita Hum-
berto de Campos, em Cerqueira Csar. E, por isso mesmo, a
pedido de sua esposa Virgnia, escreveu um livro esclarecendo
problemas relacionados mediunidade que, at ento, continua-
va mal compreendida em nosso pas.
No primeiro captulo de seu livro Mediunidade escreve o a-
pstolo de Kardec:
Hoje ainda perduram as confuses a respeito. Afirma-se
tudo a respeito da mediunidade: uma manifestao dos po-
deres cerebrais do homem, esse computador natural que pode
programar o mundo; uma ecloso de resduos animais de
percepo sem controle de rgos sensoriais especficos;
202
uma energia ainda desconhecida do crtex cerebral, mas evi-
dentemente fsica (Vassiliev); um despertar de novas ener-
gias psicobiolgicas do homem, no limiar da era csmica; o
produto do inconsciente excitado; uma forma ainda no es-
tudada da sugesto hipntica. Ningum se lembra da explica-
o simples e clara de Kardec: uma faculdade humana.
Procuramos demonstrar, neste livro, o que em essncia
essa faculdade, como funciona em nosso corpo e em relao
com o mundo, os homens e os Espritos. (...) Apoiamo-nos
nas obras de Kardec, nas conquistas atuais da Parapsicologia,
da fsica, da biologia e da biofsica, sem outro objetivo que o
de mostrar as relaes dessas conquistas recentes com a es-
trutura geral da Doutrina Esprita. Apoiamo-nos tambm em
nossas experincias pessoais de quase toda uma vida no trato
dos problemas espritas em geral e da mediunidade em parti-
cular, na observao e tratamento de casos de obsesso, no
trato direto e vivencial de casos obsessivos na famlia e em
ns mesmos, nas observaes de tratamento em hospitais es-
pritas e nas instituies doutrinrias. (...) No fazemos dou-
trina, procuramos apenas esclarecer, na medida do possvel,
as questes mais difceis da teoria e da prtica espritas, hoje
conturbadas por verdadeiras aberraes de pessoas inconsci-
entes, que, demasiado confiantes em si mesmas, tripudiam
sobre os princpios fundamentais do Espiritismo.
O livro de Herculano Pires Mediunidade, publicado em ju-
lho de 1978 pela Editora Edicel, no didtico nem um trata-
do sobre mediunidade, mas sua leitura agradabilssima in-
dispensvel porque conceitua a mediunidade e oferece ao lei-
tor uma anlise geral, arguta e profunda, dos seus problemas
atuais. Esse livro, pois, a nosso ver notvel, complementa o
estudo de O Livro dos Mdiuns de Allan Kardec. Estudemos
a obra. Porque sem estudar com dedicao e humildade, os
estudantes passam pela Doutrina como gatos sobre brasas, sa-
indo apenas chamuscados e, o que pior, convencidos de que
dominaram o assunto.60
203
Os romances Lzaro e Madalena
205
em 1954, Lzaro dezessete anos depois (em 1971) e Madalena
em 1979, ou seja, vinte e cinco anos depois de Barrabs.
A razo, explica Herculano Pires, que houve muitas interfe-
rncias e mais de dez livros de ensaio foram publicados de
permeio livros que o levaram em 1964 a fazer parte da direto-
ria da Unio Brasileira de Escritores, tornar-se em vrias gestes
membro do seu Conselho Consultivo e a assumir a vice-
presidncia da Associao Profissional dos Escritores do Estado
de So Paulo (mais tarde transformada em Sindicato dos Escrito-
res).
206
15
O mestre e a Parapsicologia
207
haviam sido filmadas pelo autor deste livro em 1961 e mostradas
ao povo atravs de canais de televiso de vrios Estados do
Brasil, provocando grande celeuma, particularmente entre os
intelectuais.
No campo da Parapsicologia acentua o apstolo de Kar-
dec estamos em nosso prprio elemento. Os outros (os pa-
rapsiclogos) que chegaram depois, e muitos como arrivis-
tas mal intencionados. Podemos dizer sem receio que o terre-
no nosso, de direito e de fato. Como Tertuliano no caso das
escrituras sagradas, podemos evocar a figura jurdica do usu-
capio em nosso favor. Muito antes de Rhine e Mc Dougal, j
estvamos nesse terreno, com Kardec, Richet, Crookes e ou-
tros. E sempre com ampla liberdade, por imperativo exclusi-
vo da conscincia e na busca livre da verdade, sem preconcei-
tos nem interesses secundrios. Continuamos, pois, em nossa
posio, agora na boa companhia dos parapsiclogos hones-
tos.
208
Note o leitor que entre os diretores e os professores dos cur-
sos realizados pelo Instituto figuravam catlicos, livres pensado-
res, protestantes e positivistas, os quais, mais tarde, colocaram
Herculano Pires na presidncia, evidentemente devido sua
cultura e carter impoluto, de que exemplo, inclusive, o fato de
em nenhum momento o mestre se servir dos cursos ou das confe-
rncias promovidas pela instituio para combater religies ou
divulgar o Espiritismo.
Certa vez conta Herculano Pires , no encerramento de
um curso na Faculdade de Cincias Mdicas dos Hospitais da
Santa Casa de Misericrdia de So Paulo, um dos assistentes
me perguntou, em meio dos debates, como eu me arranjava
entre o Espiritismo e a Parapsicologia. Respondi-lhe que no
encontrava nenhuma dificuldade, pois o objeto da Cincia
Esprita e da Parapsicologia o mesmo, e no tocante con-
cluso das pesquisas no houve, at o momento, nenhuma
contradio. (...) As contradies com o Espiritismo so fruto
apenas de teorias ou hipteses pr-fabricadas e com endereo
certo. Tudo quanto se concluiu at agora a existncia das
faculdades paranormais, ou psi; a natureza genrica de psi
(mediunidade generalizada); sua diversificao em cada indi-
vduo (diversas das manifestaes medinicas); a diviso de
psi em psigama e psicapa (mediunidade inteligente e de efei-
tos fsicos), a faculdade psi como prpria da mente do indiv-
duo e fundada no seu inconsciente, mas sujeita a interfern-
cias estranhas (animismo e espiritismo, fenmenos produzi-
dos pelo esprito do mdium e por espritos estranhos); a na-
tureza extrafsica da mente e do pensamento (a mente como
rgo do esprito e no do corpo) , tudo isso confirma sim-
plesmente o que a Cincia Esprita descobriu, proclamou e
vem sustentando h mais de um sculo. (...) Dessa maneira, o
esprita s tem motivos para apoiar e incentivar o desenvol-
vimento da Parapsicologia, tanto mais que esta se originou,
declaradamente, das pesquisas espritas. 63
209
A Parapsicologia e os clrigos do umbral
211
principais de Quevedo nos debates era falsear a verdade com a
voz alta e empostada, a fim de intimidar os opositores e pronun-
ciar as palavras com grande rapidez. Exigia-nos ateno redo-
brada porque alm da rapidez e do sarcasmo com que o sinistro
jesuta distorcia os fatos, sua pronncia era carregada. Mas
sempre que ele mascarava a verdade o autor deste livro interferia
com o mesmo mpeto do jesuta, chamando a ateno dos teles-
pectadores, e mestre Herculano Pires com sua sabedoria excessi-
va esgotava o assunto.64 Inmeras polmicas em canais de televi-
so foram sustentadas por ambos, ora juntos, ora separadamente,
e em todos os confrontos a Doutrina Esprita manteve-se intacta,
soberana e gloriosa.
212
fesa do mdium, que nada mais era do que a defesa da pr-
pria mediunidade. Somente o Clube dos Jornalistas Espritas
de So Paulo tomou a si a empreitada de lutar, por todos os
meios possveis, em favor da causa, dando o mximo de am-
paro ao mdium.
Assumiram de peito aberto a defesa de Arig trs jornalistas
de So Paulo: Jorge Rizzini, que filmara as primeiras operaes
medinicas de Z Arig e a pedido do mdium foi sua testemu-
nha de defesa no segundo processo criminal promovido pelo
clero de Congonhas do Campo mancomunado com mdicos de
Belo Horizonte rumoroso processo que resultou na condenao
de Arig em 18 de novembro de 1964; Moacyr Jorge, destemido
reprter dos Dirios, que, aps assistir na redao do jornal ao
filme de Rizzini, redigiu dezenas de reportagens sobre o mdium
e participou de debates calorosos na televiso; e Herculano Pires,
que com uma srie de artigos magistrais estampados no Dirio
de So Paulo e no Dirio da Noite, refutou os sete artigos
contra Arig publicados, um por dia, na Folha de So Paulo,
assinados pelo psiquiatra Rui Melo e Cesrio Morey Hossri,
professor de psicologia da Universidade Catlica de Campinas.65
E o Espiritismo, mais uma vez, brilhou perante parte da popu-
lao que acompanhou a polmica. E nos canais de televiso
Herculano Pires fez parceria com seu amigo Jorge Rizzini em
defesa de Arig, tendo por opositores a dupla Hossri e Melo,
Joo Beline Burza (psiquiatra marxista), Quevedo e quejandos.
Registremos, ainda, que o mestre enviou aos jornais, emissoras
de rdio e canais de TV um manifesto do Clube dos Jornalistas
Espritas de So Paulo (redigido pelo prprio Herculano Pires),
sustentando que Arig no podia ser condenado por curandei-
rismo (pois no era curandeiro) nem por exerccio ilegal da
medicina ou charlatanismo (pois no era um pseudomdico nem
explorava a falsa medicina), mas agia apenas como mdium, em
funo normal, num Centro Esprita legalmente registrado, etc.
E mais, redigiu um longo ofcio (em nome do Clube dos Jorna-
listas Espritas) dirigido a Joo Goulart, ento Presidente da
Repblica solicitando, no interesse das cincias, e especialmen-
te das cincias mdicas, providncias do Itamarati para o envio
213
de convites a parapsiclogos norte-americanos e europeus, no
sentido de virem estudar o assunto in loco. Entende o Clube dos
Jornalistas Espritas de So Paulo acrescentou o mestre que
somente assim, Exmo. Sr. Presidente, o Brasil poder, dentro do
avano atual das pesquisas cientficas mundiais nesse terreno,
colocar o caso Arig em seus devidos termos, estudando as
faculdades paranormais do sensitivo, com o respeito devido sua
condio humana, e sem o tratamento inadequado que lhe se
pretende dar, atravs de processos jurdicos j superados, que
transformam suas atividades parapsicolgicas em verdadeiro
martirolgio, etc. A Presidncia da Repblica remeteu o ofcio
ao Ministrio do Exterior, que o engavetou.
O apstolo de Kardec, ento, escreveu e a editora Francisco
Alves editou o livro Arig, um caso de fenomenologia paranor-
mal, cujo contedo na segunda edio, feita pela editora Edicel,
foi grandemente aumentado, recebendo o ttulo definitivo de
Arig, Vida, Mediunidade e Martrio. Este livro de Herculano
Pires , realmente, o nico que apresenta o caso Arig em termos
cientficos e em seus vrios aspectos. O captulo A mediunidade
de Arig constitui, ao que parece, o primeiro enfoque cientfico
de um caso medinico, luz das descobertas da Parapsicologia,
que se publica no mundo. Para escrever seu livro Herculano
Pires serviu-se dos dados da sociologia, da psicologia social, da
parapsicologia e do espiritismo cientfico, e por isso mesmo
serviu, inclusive, para a defesa jurdica de Arig e mereceu uma
traduo particular feita pelos cientistas norte-americanos que
investigavam o mdium.
214
Herculano Pires e o pastor Manoel de Mello em debate
no programa Em Busca da Verdade, produzido e
apresentado por Rizzini na TV Cultura de So Paulo
217
16
O fiel tradutor de Kardec
218
tramos ningum. At concurso o Giannini promoveu, e nada!
Tm-se a impresso de que o francs , no Brasil, uma lngua
mais desconhecida do que o etrusco... H muitos tradutores
traditori, mas para um trabalho realmente srio no aparece
ningum.
Decorrido algum tempo, porm, Hercula-
no Pires veio a conhecer a mestra em francs
Sylvia Mele Pereira da Silva, a quem confi-
ou a traduo de Obras Pstumas, de Kar-
dec, alertando-a que a regra geral para
traduo, particularmente no caso de obras
doutrinrias do Espiritismo, era a maior
fidelidade ao texto original, com o maior
respeito pela nossa lngua. Isso quer dizer
acrescentou que a fidelidade no implica o
prejuzo do texto portugus. Pelo contrrio, Frederico Giannini,
queremos que o leitor brasileiro tenha a primeiro editor a
publicar a coleo
impresso de estar lendo um texto escrito completa das obras
primitivamente em portugus (e portugus de Kardec, incluindo
do Brasil). A razo dessas exigncias a osRevista
doze volumes da
Esprita.
seguinte: as obras doutrinrias, particular-
mente as de Kardec, so documentos da Doutrina. So bsicas. A
mudana de uma palavra pode modificar o sentido original ou
dar-lhe a possibilidade de nova interpretao. E estamos lutando
para repor Kardec em sua legitimidade, a mais absoluta.66
Aprovada por Herculano Pires como tradutora, Sylvia Mele
Pereira da Silva traduziu, aps Obras Pstumas, A Gnese e a
segunda parte de O Cu e o Inferno, sendo que a primeira parte
coube a Herculano Pires, que traduziu tambm O Livro dos
Espritos, O Livro dos Mdiuns e O Evangelho Segundo o Espi-
ritismo. Essas seis obras fundamentais de Kardec e o volume
Iniciao Esprita foram magistralmente prefaciadas por ele, que
lhes adicionou inmeras notas esclarecedoras ao p das pgi-
nas.67
Herculano Pires era um tradutor perfeccionista. No captulo
onze desta obra comentamos a traduo por ele feita de O Livro
dos Espritos. Pois bem: anos depois, por incrvel que parea, a
219
refez. E exps suas razes em um artigo publicado no Dirio de
So Paulo (edio de 11 de maro de 1968), do qual extramos
alguns tpicos que mostram, mais uma vez, sua fidelidade ao
texto da Codificao e, portanto, Falange do Esprito de Ver-
dade.
Por maior clareza que tenha a sua linguagem (a dO Livro
dos Espritos), h problemas de traduo e questes de Cin-
cia, de Filosofia, de Religio, de Teologia, de Psicologia, de
Sociologia, de Histria e de outros campos do conhecimento
que necessitam s vezes de explicaes. Para exemplificar,
tomemos a primeira questo, que tem chocado muita gente
logo no comeo do primeiro captulo. Trata-se do item se-
gundo, cuja resposta deixa os leitores no ar, como se cos-
tuma dizer. Kardec pergunta o que devemos entender por in-
finito e os Espritos respondem: O que no tem comeo nem
fim; o desconhecido, tudo o que desconhecido infinito.
Como se v, estamos diante de uma resposta absurda. Mas
preciso lembrar que os Espritos respondiam em francs e que
existe em francs uma expresso que tem sentido prprio na
lngua, sem correspondncia plena em portugus: passer du
connu linconnu, ou seja, passar do conhecido ao desconhe-
cido. A traduo da resposta ao p da letra absurda, mas a
traduo significativa a torna clara e precisa, embora ainda
necessite de uma nota explicativa, como fizemos.
Outro caso o da expresso esprits follets e legers, geral-
mente traduzida por duendes, o que destoa do sentido do con-
texto, como se v na pergunta 362. Sabemos que esprit follet
quer dizer duende, mas o acrscimo do adjetivo leviano e o
sentido do texto exigem uma compreenso diferente. Na per-
gunta 392 deparamos com outro caso. Respondendo sobre a
situao do Esprito reencarnado, os Espritos dizem: par
loubli du pass il est plus lui mme, o que sempre se traduz
por: esquecido do passado ele mais senhor de si, quando
o certo, e de um sentido muito mais exato, assim: pelo es-
quecimento do passado ele mais ele mesmo. So pequenos
exemplos que servem para dar ao leitor uma ideia dos pro-
blemas de traduo que procuramos resolver. Por exemplo,
220
nas referncias ao Materialismo, itens 147 e seguintes, Kar-
dec faz afirmaes que parecem errneas, se no lembrarmos
ao leitor que o Marxismo s apareceu dez anos mais tarde. O
mesmo se d quanto antiguidade e modernidade do Espi-
ritismo, na pergunta 221, que tem dado muito pano para
manga.
Outro caso curioso est no captulo V do Livro II, numa re-
ferncia Teosofia. Os leitores no sabem, quase sempre,
que a Sociedade Teosfica s apareceu em 1875, de maneira
que Kardec no se refere a ela. J vimos acusaes a Kardec,
por ignorar a existncia da referida Sociedade, que na verda-
de ainda no existia. Questes de Psicologia e Pedagogia,
como as constantes dos itens 379 e seguintes, so passadas
por alto. Um comentrio de Kardec pergunta 521 d-nos a
chave da interpretao esprita da Mitologia e abre-nos as
perspectivas de uma Sociologia interexistencial. Se no ad-
vertirmos o leitor quanto atualidade e o acerto dessas refe-
rncias, ele poder consider-las supersticiosas, como j tem
acontecido.
Questes curiosas como a do dilvio, a do mito de Ado e
Eva, a do instinto, que hoje so tratados como novidade por
vrias disciplinas culturais, esto resolvidas em O Livro dos
Espritos e necessrio que se mostre isso ao leitor. No to-
cante ao instinto, h mesmo uma doutrina especfica que tem
permanecido oculta: Os Espritos e Kardec admitem duas
formas de instinto: a biolgica e a espiritual. Veja-se a respei-
to o item 557 e a nota explicativa da edio da Edicel. Na
pergunta 595, quando os Espritos respondem que os ani-
mais no so mquinas, como supondes, muita gente se ad-
mira e pergunta quem considerou os animais como mquinas.
Era a opinio cartesiana vigente na poca. Na pergunta 605
os Espritos levantam um dos mais caractersticos problemas
filosficos de hoje: do ser do corpo, que passa inteiramente
despercebido da maioria dos estudiosos. Todos esses proble-
mas tm de ser assinalados para que o leitor, e em particular o
estudante de Espiritismo, compreendam a amplitude e o valor
221
da obra. E tambm para que os apressados no formulem cr-
ticas sem fundamento a Kardec, confundindo o pblico.
No tocante Teologia, h numerosas passagens, como as
do captulo sobre a lei natural (ou divina) que oferecem cono-
taes filosficas importantes e que no podem deixar de ser
esclarecidas. O problema da ideia inata de Deus (e em geral
das ideias inatas) que tem servido para agresses violentas
Doutrina, outro que requer explicaes, mostrando como o
Espiritismo est certo e de acordo com grandes correntes de
pensamento do passado e do presente, e mesmo com hipte-
ses atuais da Psicologia e da Pedagogia. A questo da moral
(quanto se acusou e ainda se acusa o Espiritismo de antiqua-
do nesse terreno) precisa ser confrontado com os conheci-
mentos atuais para se ver que o Espiritismo antecipou muitas
novidades do nosso tempo.
Essas as razes do nosso empenho em traduzir de novo no
s O Livro dos Espritos, mas toda a Codificao, anotando o
mais possvel cada volume, para que o estudo doutrinrio
possa ser feito em sintonia com a nossa atualidade cultural.
Curioso que O Livro dos Mdiuns levanta um nmero ainda
maior de problemas do que a obra bsica O Evangelho. um
livro que est ligado aos problemas atuais da pesquisa para-
psicolgica e mostra como o Espiritismo avanou no futuro e
ainda abre novas perspectivas para o amanh. Impossvel
continuarmos a publicar as obras da Codificao apenas tex-
tualmente, numa repetio de frmulas antigas de traduo.
Por todas essas razes, dadas assim no correr das teclas,
sem maior aprofundamento, os leitores podem ver que no fi-
zemos simplesmente uma nova traduo. As novas edies
das obras da Codificao que esto saindo sob nossa respon-
sabilidade representam uma contribuio para o maior apro-
fundamento do seu estudo entre ns. Enganam-se os que di-
zem, dando de ombros: Ah, j tenho esses livros! Podemos
assegurar que no os tm. E podemos dizer isso sem nenhum
constrangimento, pois no estamos fazendo mais do que
cumprir o nosso dever para com a Doutrina e para com os
nossos companheiros de estudos.
222
No tocante Revista Esprita, o trabalho de Herculano Pires,
pelo fato de ser ele perfeccionista, foi assaz minucioso. O mes-
tre, assessorado por dois intelectuais franceses residentes em So
Paulo, Miguel Maillet e a professora Anne Marie, confrontou a
edio francesa com os originais em portugus.
A pesquisa fora microscpica e a Herculano Pires no pare-
ceu perfeita a traduo de determinados pargrafos. Ento, o
mestre ps mos obra porque o contrato com a Edicel o autori-
zava a corrigir o portugus apressado e tumultuado do texto; a
dar-lhe, sempre que necessrio, respeitando naturalmente o estilo
pessoal do tradutor, a forma mais clara e adequada ndole da
nossa lngua; a corrigir os erros evidentes da traduo no con-
fronto com o texto original francs.
Merece destaque especial o fato de que numerosas poesias
inseridas por Allan Kardec na Revista Esprita foram traduzidas
por Herculano Pires e publicadas, para confronto, juntamente
com o texto original francs. E mais: alguns volumes dessa obra
monumental de Allan Kardec editada, primorosamente, por
Frederico Giannini foram prefaciadas por Herculano Pires, que
via na Revue Spirite toda a Histria do Espiritismo.
No longo e admirvel prefcio que redigiu para o primeiro
volume da Revista Esprita, sentenciou Herculano Pires:
Podemos acompanhar nestas pginas, passo a passo, o es-
foro ao mesmo tempo grandioso e minucioso de Kardec na
construo metdica da Doutrina e na estruturao do movi-
mento esprita. A Histria do Espiritismo se nos apresenta,
assim, como uma forma de vivncia que se autofixou na es-
crita. (...) Nada se oculta ao leitor. Os problemas, as preocu-
paes de Kardec, suas lutas dentro e fora do meio esprita,
suas vitrias tranquilas, sua resistncia calnia, mentira,
difamao, sua f inabalvel, tudo isso palpita nestas pginas
e nos d a impresso de vivermos ao lado do Codificador, na
sua poca. (...) Por isso podemos afirmar que a publicao
desta coleo marca uma nova era do Espiritismo no Brasil e
em todo o continente.
223
17
O poder da Espiritualidade
224
Parceria com Chico Xavier
226
Chico Xavier.
A parceria na II Bienal
229
(abrilhantado, alis, pelo Coral da Federao Esprita do Estado
de So Paulo) abalou So Paulo e repercutiu por todo o pas.
Mais uma vitria mpar da Espiritualidade Superior!
Foi Rolando Ramaciotti, fundador do Grupo Esprita Emma-
nuel (instituio que editou inmeros livros psicografados por
Chico Xavier) quem comunicara a Herculano Pires que Roberto
Montoro, proprietrio da Rdio Mulher, pretendia colocar na
programao da emissora um programa esprita semanal com a
durao de uma hora. E mais: desejava fosse o programa estrutu-
rado e apresentado por Herculano Pires. O apstolo de Kardec
aceitou o convite, pois lhe fora assegurado que teria a mais
ampla liberdade, podendo tratar do Espiritismo em todos os
seus aspectos sem restrio e responder a qualquer pergunta dos
ouvintes.70 (Veremos no captulo vinte, A grande batalha, que
Rolando Ramaciotti e Roberto Montoro no cumpriram o prome-
tido).
No Limiar do Amanh ia ao ar aos sbados noite e obteve
sucesso imediato em So Paulo. A Rdio Morada do Sol, de
Araraquara, e a Rdio Difusora Platinense, de Santo Antnio da
Platina, no Paran, retransmitiram-no, tambm, com expressiva
audincia. O vigoroso programa prestou inestimvel servio
Doutrina Esprita durante trs anos e meio.
Herculano Pires, obviamente, jamais aceitou da Rdio Mulher
qualquer espcie de remunerao.
232
telenovelista de So Paulo. O livro teve vrias edies, mas os
direitos autorais o editor surrupiou...
Quanto a O Profeta, segunda tele-
novela esprita de Ivani Ribeiro transmi-
tida pela TV Tupi em 1978 e cujo es-
quema bsico de Herculano Pires
alis, feito a pedido da prpria telenove-
lista que com genialidade o desenvolveu
e enriqueceu e que o ator Carlos Augusto
Strazzer interpretou com rara mestria
teve a mesma repercusso de A Via-
gem em todo o territrio nacional,
obrigando o povo a comentar em casa e Ivani Ribeiro aos setenta
nas ruas princpios doutrinrios e fen- anos de idade
menos medinicos.
Registremos, ainda, um fato que mostra o poder da Espiritua-
lidade mais elevada e que, certamente, levar o leitor mesma
reflexo. Dezoito anos aps a estreia retumbante de A Viagem,
a Rede Globo de Televiso ento j lder absoluta de audincia
em todos os horrios , tendo contratado Ivani Ribeiro, apresen-
tou uma nova verso de A Viagem, agora em cores e com
modernos recursos tecnolgicos e cujo elenco era formado por
Christiane Torloni, Antnio Fagundes, Guilherme Fontes e, entre
outros, Miguel Falabella. O sucesso popular fora to grande que
a Rede Globo divulgou a novela de Ivani Ribeiro em Portugal,
quebrando velhos dogmas clericais e abrindo l, como conse-
quncia, novos horizontes para o movimento esprita.
Chico Xavier, Herculano Pires e Ivani Ribeiro 71 so glorio-
sos Espritos cujas misses estavam vinculadas falange do
Esprito de Verdade.
233
18
O pioneiro da Pedagogia Esprita
234
utilitrio no sentido comum, mas num sentido mais elevado,
referente formao espiritual do homem. (...)
Os compndios bsicos de estudo so os livros da Codifi-
cao, mas secundados por todas as obras necessrias, espri-
tas ou no, relacionadas com o assunto especial de cada ca-
deira. Por exemplo: a Cadeira de Filosofia Esprita ter por
compndio bsico O Livro dos Espritos de Allan Kardec,
mas dispor tambm de toda a bibliografia doutrinria. A Ca-
deira de Psicologia Esprita se firmar em O Livro dos Espri-
tos e O Livro dos Mdiuns, mas necessitar da bibliografia
metapsquica, da parapsicolgica e mesmo da psicolgica. A
Cadeira de Sociologia Esprita abranger os livros bsicos ci-
tados e mais a bibliografia sociolgica geral. E assim por di-
ante.
De acordo com o plano aqui sucinto de Herculano Pires (pla-
no por demais arrojado e, pois, invivel no sculo vinte) o curso
teria a durao de quatro anos e (adverte o apstolo de Kardec)
como no ser possvel a oficializao do ensino ou a subven-
o, ele ter de ser pago. da cobrana das taxas que sair a
renda necessria manuteno da escola e ao pagamento de
diretores, professores e funcionrios. Mas, de houver pessoas
capazes de compreender a importncia dessas escolas, e que
disponham de recursos, podero ajudar a sua manuteno e
oferecer bolsas de estudo aos alunos que no possam pagar. As
doaes sero necessrias e to meritrias como as que se fazem
para hospitais e outras obras assistenciais.
As Escolas de Espiritismo nos moldes idealizados por Hercu-
lano Pires e que na sua viso elevariam em breve tempo o co-
nhecimento doutrinrio, ento difuso e individual, de tipo exclu-
sivamente autodidata, somente teriam possibilidade de tornar-se
realidade no decorrer do terceiro milnio...72 Mas, a ideia estava
lanada. Cumpre acrescentar que a tese do mestre ao ser publi-
cada recebeu uma crtica pelo fato de propor pagamento aos
professores e funcionrios, embora esclarecesse que as Escolas
de Espiritismo teriam a estrutura de uma Faculdade de Filosofia
ou uma Escola de Medicina. Se pudssemos organizar essa
escola de graa seria uma maravilha replicou Herculano Pires
235
, mas no somos Alice no Pas das Maravilhas, nem podemos
viver de sonhos.
Faltava, porm, tratar especificamente da Pedagogia Esprita.
E o mestre iria faz-lo ainda no ano de 1970, proclamado pela
UNESCO Ano Internacional da Educao.
A definio de Pedagogia, no entanto, era desconhecida pe-
la maioria dos nossos confrades. Confundiam-na com Educao,
instruo, sistema de ensino. Por incrvel que parea, escreveu
Herculano Pires sob o pseudnimo de J. Amaral Simonetti, a
palavra Pedagogia ainda um bicho de sete cabeas para a
maioria dos professores sados de nossas Escolas Normais e... de
nossas Faculdades. (...) Que mistrio se oculta nessa palavra de
nove letras, de origem grega, consignada em todos os dicion-
rios, diante da qual tantos professores se quedam estticos e
assombrados, como dipo na estrada de Tebas? Que enigma nos
apresenta essa esfinge moderna?
E o mestre, com pacincia beneditina, aps transcrever a de-
finio dada por dicionrios, esclarece que Pedagogia um
processo histrico de reflexo sobre a Educao para elaborao
de sistemas educacionais. (...) E que toda Pedagogia se funda
numa filosofia. O Espiritismo um sistema conceptual, uma
nova concepo geral e, portanto, uma nova Filosofia, que por
isso mesmo, exige uma nova Pedagogia.
Ora, ensina o Espiritismo que o Esprito ao reencarnar ao
contrrio do que afirmam os telogos retrgrados e os velhos
tratados pedaggicos, no tabula rasa, uma folha em branco.
Ao renascer ele traz no inconsciente uma infinidade de experin-
cias negativas e positivas acumuladas no decorrer de vidas
passadas. E, por isso mesmo, observou Herculano Pires, as
implicaes pedaggicas da Doutrina Esprita exigem uma
Pedagogia realista no campo da realidade palingensica. Essa
pedagogia deve apoiar-se em tcnicas e mtodos desenvolvidos
na experincia educacional luz dos princpios doutrinrios do
Espiritismo. O esforo que nos cabe neste momento no sentido
de esclarecer as implicaes referidas e orden-las para a forma-
o dos princpios e mtodos ativos da Pedagogia Esprita.
236
O assunto era novidade e Herculano Pires, atendendo ao con-
vite do ilustre casal Thomaz Novelino 73 (mdico e ex-aluno de
Eurpedes Barsanulfo) e Maria Aparecida Rebelo Novelino,
educadora, fundadores do famoso Educandrio Pestalozzi, na
cidade de Franca, deu nessa instituio o primeiro curso de
introduo Pedagogia Esprita no Brasil e no mundo. de
notar-se que o Educandrio tinha dois mil alunos, sendo 1.400
gratuitos.
Semanas depois do curso pioneiro realizar-se-ia de 23 a 26 de
julho de 1970 em So Paulo o III Congresso Educacional Espri-
ta Paulista, cujo temrio fora organizado, inclusive, pelo nosso
biografado. A abertura do congresso, promovido pela USE, deu-
se noite no auditrio nobre da antiga sede da FEESP, com
palestra brilhante proferida por Herculano Pires.
A tese de sua autoria intitulada Para uma Pedagogia Espri-
ta,74 aprovada por unanimidade, apontava a necessidade de
uma reformulao do problema educacional luz do Espiritismo.
Essa reformulao s poderia ser feita atravs da proposio de
uma Pedagogia Esprita, por sinal j presente na codificao
doutrinria, mas exigindo o levantamento dos seus princpios e
confronto dos mesmos com as conquistas mais significativas da
Pedagogia contempornea em seus vrios setores. 75
243
19
245
A crtica de Gentile a esses conceitos no tem razo. Kar-
dec explica no item 226 de O Livro dos Espritos que so er-
rantes todos os espritos que ainda tero de reencarnar-se,
mesmo os mais evoludos. A erraticidade no implica apenas
a permanncia em planos inferiores, mas uma condio do
esprito em seu processo evolutivo. Trata-se de um conceito
relativo, ou seja, que diz respeito relao do esprito com a
sua passagem pelas fases inferiores da encarnao terrena. O
conceito ou a noo de acampamento no tem em Kardec a
aplicao que Gentile lhe deu. Refere-se aos mundos transit-
rios e no aos planos espirituais. O de perisprito sem rgos
fsicos, que no necessita de restaurao de suas foras,
tambm relativo e est bem explicado no item 254, onde se l
isto, em letras de forma: A espcie de fadiga que os espritos
podem provar est na razo da sua inferioridade, pois quanto
mais se elevam, de menos repouso necessitam.
Partindo de premissas falsas, o articulista s poderia chegar
a concluses falsas. No h nenhuma razo para se falar em
revelao luisina, mesmo porque a prpria tese de Kardec
a da revelao contnua a partir da aceitao e do conheci-
mento da mediunidade. Antes de pensar em novas revela-
es, o de que precisamos com urgncia de estudo siste-
mtico e mais aprofundado da obra de Kardec, incluindo no
s os tomos da Codificao, mas tambm a Revista Esprita,
por ele mesmo indicada como indispensvel ao bom conhe-
cimento da doutrina.
249
nossa doutrina e das exigncias metodolgicas para a aceita-
o da proposta, que no cobre essas exigncias.
Ubaldi desenvolveu suas faculdades medinicas margem
do Espiritismo. Seu primeiro livro, A Grande Sntese, apre-
senta curioso paralelismo com o Espiritismo, o que lhe valeu
a simpatia e a amizade dos espritas brasileiros. Na Itlia ou
no Brasil, porm, Ubaldi recusou-se sempre a integrar-se no
movimento esprita, filiando-se pennsula na corrente Ultra-
fania, do prof. Trespioli, que pretende haver superado a con-
cepo esprita. Em seu livro As Nores, Ubaldi nos oferece a
concepo ultrafnica da mediunidade, na qual enquadra o
seu caso pessoal. uma pretensiosa concepo de mediuni-
dade csmica, fugindo naturalidade e simplicidade das co-
municaes espirituais entre espritos desencarnados e m-
diuns. As pretenses de Ubaldi transformaram-no, de simples
mdium, em autor messinico, agora arvorado em reformador
do Espiritismo.
Respondemos aos itens de sua crtica da seguinte maneira:
1) O Espiritismo uma doutrina evolucionista, como pro-
vam as suas obras fundamentais e o seu imenso desen-
volvimento em apenas cem anos de existncia;
2) O sistema conceptual esprita completo e sua sntese
est em O Livro dos Espritos;
3) A filosofia esprita no pode abranger o Todo e muito
menos todos os momentos da lei de Deus, porque isso
no est ao alcance de nenhuma elaborao mental, no
plano relativo da vida terrena;
4) A teologia esprita limitada s possibilidades atuais do
conhecimento de Deus, segundo ensina Allan Kardec, e
essas possibilidades no admitem ainda a criao na Ter-
ra de uma teologia-cientfica, nem dentro nem fora do
Espiritismo;
5) O nvel Allan Kardec no o do Espiritismo, mas sim o
nvel Esprito da Verdade, de quem Kardec, segundo
dizia, foi um simples secretrio.
E Herculano Pires assim encerra seu artigo:
250
No sabemos ainda como o Congresso de Buenos Aires
recebeu a proposta de Ubaldi. De nossa parte, no obstante o
respeito que votamos ao mdium e sua obra, altamente inspi-
rada, no poderamos dar-lhe outra resposta, alm da que a-
presentamos nestas linhas. Se Ubaldi tivesse lido O Livro dos
Espritos, certamente jamais faria a proposta que fez, mesmo
porque a sua obra, como a de Flammarion, a de Delanne, a de
Denis, a de Bozzano e tantas outras, longe de completar o
Espiritismo, apenas procura desenvolver alguns dos grandes
temas que o Espiritismo levantou e sustenta no mundo mo-
derno.
Informemos ainda que a comisso redatora dos anais do VI
Congresso Esprita Pan-americano (congresso presidido pelo
filsofo Humberto Mariotti) respondeu s crticas e pretenses
de Pietro Ubaldi transcrevendo, integralmente, os cinco itens
acima redigidos por Herculano Pires. Posteriormente, outros
confrades refutaram a proposta de Ubaldi, inclusive Mariotti, de
maneira brilhante.82
Oito anos depois Hermas Culzoni, ento presidente da Con-
federao Esprita Pan-americana, encontrou-se em So Paulo
com Herculano Pires e convidou-o a participar do prximo
congresso da CEPA.
No sei se irei Argentina. escreveu em 9 de novembro
de 1971 ao amigo Deolindo Amorim. Meu encontro com
Culzoni deixo-me aborrecido. O homem quis impor-me con-
dies. Tem um programa que deve ser cumprido risca. As
concluses a que o congresso deve chegar j esto fixadas.
Advertiu-me, sem muita ttica, de que no devia tratar do
problema religioso, que eu considero (e lhe disse isso) fun-
damental. Preferi no aprofundar o assunto, mas vi que a si-
tuao l no me ser favorvel. Alm disso, no posso fazer
a viagem por minha conta. Eles custeiam tudo e isso me
constrange ainda mais. No, no irei. Estou escrevendo a eles
agora mesmo sobre isso.
E Herculano Pires no foi. Alis, nunca saiu do Brasil, pois
tinha conscincia de que sua misso era aqui.
251
A Pedra e o Joio
252
Herculano Pires, Waldo Vieira e Chico Xavier
254
supostas capacidades culturais ou supostas habilitaes espi-
rituais.
Em carta endereada ao jornalista Agnelo Morato, em 08 de
julho de 1971, escreveu Herculano Pires:
A doutrina o que de mais importante existe no mundo.
Sua misso divina a do Consolador. As trevas lutam con-
tra ela por todos os meios, servindo-se particularmente dos
elementos que podem fascinar em nosso prprio movimento.
Se no estivermos alertas e no soubermos discernir iremos
de roldo. A massa esprita ingnua, simplria, invigilante.
Se ns que estamos nas primeiras linhas no soubermos
guardar-nos e repelir as manobras das trevas, terminaremos
responsveis pelo fracasso da Doutrina. Seremos os novos
Judas, inquietos e invigilantes como ele o foi.
Cerca de quinze anos depois, relembrando sua interveno no
caso da teoria corpuscular, Herculano Pires abordou em um
artigo a questo da crtica no Espiritismo,83 do qual pinamos,
guisa de ilustrao, este trecho:
Sem crtica no h correo de erros, no h renovao de
conceitos nem abertura de perspectivas para a evoluo. Pode
o esprita desprezar e condenar a crtica? Se o pode, como
julgar a legitimidade ou no das comunicaes medinicas,
como poder passar as mensagens pelo crivo da razo, se-
gundo a recomendao de Kardec, como enfrentar as misti-
ficaes que hoje, mais do que nunca, brotam e se propagam
como tiririca no meio da seara? Como apreciar o que bom
e o que mau, o que certo e o que errado? Quem renuncia
a julgar (e, portanto, a criticar) est condenado a viver no erro
e a ajudar a divulgao da mentira contra a verdade. (...)
Quando critiquei uma teoria esdrxula que apareceu em So
Paulo, sob a responsabilidade de um companheiro culto, mui-
tos espritas se escandalizaram. Mas hoje muitos dos escanda-
lizados me do a mo palmatria. A falsa teoria no conse-
guiu manter-se em p. A crtica serviu para abrir os olhos a
muitas pessoas de boa vontade, mas desprovidas de senso cr-
tico, que estavam se deixando fascinar pela novidade.
255
O Verbo e a Carne
257
20
A grande batalha
A crucificao do Evangelho
258
O trabalho de lesa-doutrina fora realizado sigilosamente, co-
mo que na calada da noite, por Paulo Alves Godoy, sob o olhar
vigilante de espritos trevosos. H de admirar-se o leitor que a
diretoria da FEESP aprovasse o plano umbralino, mas o ambien-
te estava propcio para o delito, porque o ensino e a prtica
medinica espritas nessa instituio mesclavam-se ainda ao
orientalismo e esoterismo. A Doutrina Esprita no era estudada
diretamente nas obras de Allan Kardec.85
A traduo sinistra de Paulo Alves Godoy (na verdade, uma
montagem baseada em tradues alheias) foi impressa em julho
de 1974 na cidade de Araras. Edio de trinta mil exemplares!
Lanada em outubro juntamente com o Instituto de Difuso
Esprita de Araras, sob a direo de Salvador Gentile, boa parte
da edio fora vendida antecipadamente aos centros espritas. O
confrade Stig Roland Ibsen, proprietrio da Livraria Boa-Nova,
em So Paulo, tambm colaborou, distribuindo o resto da obra s
livrarias. Quando, pois, Jamil Nagib Salomo e Josian Court
enviaram um exemplar a Herculano Pires, j o evangelho adulte-
rado estava no mercado.
260
Alves Godoy e Josian Court sentiam-se acobertados pelo pres-
tgio da ento maior instituio esprita do mundo (considerada
reduto dos kardecistas) e no acreditavam que Herculano Pires
ousasse vir a pblico denunciar o crime de lesa-doutrina por eles
praticado.
Fatal engano o desses confrades.
Nenhum esprita consciente do valor e do significado real
da Doutrina Esprita pode cruzar os braos e calar a boca di-
ante dessa calamidade. disse o mestre Trata-se de um
gravssimo problema de cultura. Estamos reduzidos, perante
os homens de cultura, condio de uma scia de ignorantes,
de msticos retrgrados, incapazes de compreender a prpria
doutrina que esposam.
E redigiu imediatamente um artigo-denncia intitulado A-
dulterao das Obras de Kardec, que o Dirio de So Paulo
estampou em sua edio dominical e que teve o efeito de uma
bomba no movimento doutrinrio. Dias depois, surpreendente-
mente, o confrade Alfredo Cruso, que fizera parte da diretoria do
Clube dos Jornalistas Espritas de So Paulo e que dirigia uma
grfica, presenteou Herculano Pires com sessenta e quatro mil
folhetos reproduzindo o artigo-denncia. O Grupo Esprita
Cairbar Schutel, que funcionava na residncia de Herculano
Pires e por ele presidido, incumbiu-se da distribuio em todos
os Estados brasileiros.
inacreditvel escreveu o mestre que a adulterao
tenha partido de onde partiu. Mas a edio a est, na prpria
livraria da Federao, num lanamento de trinta mil volumes
para venda a preos populares. Com ela, a Federao quebra
o clima de respeito pelos textos das obras bsicas do Espiri-
tismo. De agora em diante, os reformadores de Kardec tero
as mos livres para fazer as alteraes com que vm sonhan-
do h muitos anos, de forma a adaptar, cada grupo, essas o-
bras sua maneira particular de encarar os problemas espri-
tas. Mais grave se torna o caso diante da ameaa de lana-
mento de toda a Codificao em novas tradues por esse
mesmo processo.
261
E aps mostrar exemplos da adulterao espalhados por todo
o livro, escreve o mestre com o necessrio vigor:
Ningum, sob nenhum pretexto, tem o direito de fazer a-
dulteraes nos textos de Kardec ou de qualquer autor de o-
bras doutrinrias ou no. Quando se trata de obras bsicas de
qualquer doutrina, essa prtica considerada criminosa. E o
crime tanto mais grave quando praticado em obras de autor
j falecido e cujos direitos autorais caram no domnio pbli-
co. Porque a figura jurdica do domnio pblico resguarda a
integridade da obra, permitindo apenas que ela seja publicada
por qualquer editor sem pagamento de direitos autorais.
No caso das obras de Kardec, que constituem o fundamen-
to doutrinrio do Espiritismo, cabe s instituies espritas
zelar pela sua integridade, impedir a sua desfigurao por
qualquer editor irresponsvel. Mas se as prprias instituies
doutrinrias se puserem a desfigurar essas obras, quem as de-
fender, quem resguardar a sua integridade? E que respeito
mostramos pela Doutrina, quando somos os primeiros a de-
turpar os seus fundamentos?
No se diga que as alteraes so poucas e superficiais.
Damos aqui alguns exemplos, mas esses casos citados se es-
tendem por todo o volume, constituindo uma adulterao ge-
ral da obra. No so superficiais, porque afetam a estrutura da
obra e o seu prprio sentido, tiram-lhe a seriedade e a preci-
so terminolgica, envolvendo-a no ridculo e amesquinhan-
do a posio intelectual de Kardec. S resta Federao uma
medida urgente: retirar a edio de circulao e sofrer o pre-
juzo decorrente da falta de critrio desse lanamento.
E mais fez o apstolo de Kardec. Em seu programa de grande
audincia No Limiar do Amanh, na Rdio Mulher, denunciou
a adulterao enquanto seu amigo Jorge Rizzini, que desde a
primeira hora esteve ao seu lado e que produzia e apresentava o
programa Um Passo no Alm, na Rdio Boa-Nova e Rdio
Clube de Sorocaba, irradiava, semanalmente, uma entrevista de
Herculano Pires sobre o doloroso assunto. Os adulteradores,
ento, pressionados, viram-se obrigados a vir a pblico.
262
Reagem os adulteradores
266
Resposta aos detratores
267
mas Herculano Pires desejava que circulasse tambm fora do
movimento doutrinrio, e o ttulo ficou sendo Mensagem.89
Os quarenta mil exemplares lanados em dezembro de 1974
circularam na maioria dos centros espritas do pas e repercuti-
ram intensamente. Assemelhavam-se a quarenta mil bombas de
efeito moral. Na primeira pgina (impressa em duas cores) lia-se
a seguinte manchete: Adulteradores da obra de Kardec impedem
a divulgao da verdade.
O jornal em seguida reproduzia o script do programa No
Limiar do Amanh escamoteado pelos adulteradores; programa
em que o mestre analisara o pronunciamento da FEESP sobre a
maligna traduo de Paulo Alves Godoy. A vitria do Evange-
lho sobre a mentira parecia desenhar-se no horizonte, pois pe-
queno grupo de confrades ilustres passara a apoiar publicamente
a campanha liderada por Herculano Pires: Messias Antnio da
Silva, Jorge Borges de Souza, Aureliano Alves Neto, Alfredo
Miguel, Deolindo Amorim, Guido Del Picchia, Agnelo Morato;
e mais um ou dois confrades. Entre os jornais reticentes, silen-
ciosos, mas coniventes com o crime de lesa-doutrina, temos de
citar, lamentavelmente, o de Freitas Nobre, diretor de Folha
Esprita. Esse jornal escreveu Herculano Pires em Vigiln-
cia, suplemento de Mensagem) segue uma linha de omisso
comprometedora, a ponto de nem sequer ter noticiado que houve
uma adulterao de O Evangelho Segundo o Espiritismo, em So
Paulo.
Outro rgo que envergonhou a imprensa esprita foi o Jor-
nal Esprita, do novo proprietrio da Livraria Allan Kardec
Editora (LAKE), o argentino naturalizado brasileiro Roberto
Ferrero. O Jornal Esprita, que havia quebrado a tradio
kardecista do movimento esprita paulista divulgando, inclusive,
o roustainguismo, em seu segundo nmero registra Herculano
Pires em Mensagem, edio de agosto de 1975 , atreveu-se a
reproduzir o artigo de fundo de nosso nmero anterior (artigo
estampado em Mensagem) adulterando-o e apresentando-o
como escrito especialmente para as suas pginas. Trata-se do
estudo Chico Xavier, o homem, o mdium e o mito, do qual
foi simplesmente cortada a parte final que se referia ao pronunci-
268
amento decisivo do famoso mdium contra a adulterao das
obras de Kardec.
Os quarenta mil exemplares de Mensagem, expondo, cora-
josamente, diante do movimento esprita brasileiro a nudez da
verdade, irritaram os que se confraternizavam secretamente,
inclusive por carta, com os adulteradores. Leia-se a resposta de
Herculano Pires enviada em 15 de abril de 1975 ao livreiro e
editor Stig Roland Ibsen (um dos distribuidores do Evangelho
apcrifo s livrarias), da qual extramos estes trechos revelado-
res:
O que voc entende, Stig, por caridade? Cumplicidade
com o erro, com o atrevimento, com a profanao? Onde h
caridade: em preservar para o povo a verdade dos textos ou
aprovar a desfigurao da verdade para satisfazer nossas pre-
ferncias pessoais? Jesus foi descaridoso quando disse pesa-
das palavras aos fariseus para despertar-lhes a conscincia
vaidosa? Devia elogi-los por recusarem a verdade lmpida
que ele ensinava?
H coisas, Stig, que se chamam convico, amor pela dou-
trina que se professa, respeito pela III Revelao, reconheci-
mento de nossa pequenez diante da grandeza espiritual do
Evangelho, de Jesus e do Esprito da Verdade. Minha consci-
ncia no me permite faltar a essas coisas.
(...) realmente triste, para mim, ter de reconhecer e preci-
sar dizer de pblico que Chico revelou desconhecer a exten-
so de sua responsabilidade no campo doutrinrio. Mas a
verdade essa, pois se o reconhecesse no teria formado com
Paulo e Jamil o trio interessado em abrandar o Evangelho.
Chico entrou numa canoa furada por invigilncia, como ele
mesmo confessa, e ainda agora, reconhecendo o erro, quer
sustent-lo para no faltar com a solidariedade aos dois pate-
tas, sem se lembrar das consequncias que o seu endosso a
essa miservel trapaa, filha da ignorncia e da vaidade, po-
der acarretar para o movimento esprita. duro dizer isto,
mas verdade.
269
O que est em causa, Stig, no a opinio deste ou daque-
le, a DOUTRINA, o ESPIRITISMO! O precedente da FEESP
a coloca abaixo da prpria FEB, abrindo oficialmente as
comportas da deturpao de toda a obra de Kardec. S posso
admitir que isso tenha acontecido, e que vocs persistam na
defesa dessa barbaridade sem limites por motivo de uma fas-
cinao coletiva. Se qualquer borrabotas se pe a corrigir
Kardec, Jesus e o Esprito da Verdade, com ares de sabicho
e santarro, sob a custdia de uma instituio doutrinria de
renome, onde vamos parar?
(...) Tudo eu podia esperar do nosso pobre movimento esp-
rita, menos essa burrice desmedida, essa besteira colossal, es-
sa prova esmagadora de que dirigentes espritas brasileiros
no tm o mnimo senso de suas responsabilidades espirituais
nesta hora do mundo. uma vergonha o que aconteceu. S
podemos lembrar a advertncia de Jesus: No atireis prolas
aos porcos... Sim, porque os porcos no querem prolas,
querem milho. Estamos moralmente falidos. E s, pois a-
baixo disso nada mais existe.
No h como contestar as palavras do apstolo de Kardec.
Alm de receber crticas s vezes ferinas, o mestre foi caluniado
por defender publicamente a pureza ideolgica. A propsito,
vamos destacar, para a meditao do leitor, trechos de uma carta
de Herculano Pires endereada em 10 de abril de 1975 a Antnio
de Souza Lucena (autor de livros contendo resumos biogrficos
em parceria com Paulo Alves Godoy):
Surpreendeu-me dolorosamente e chegou mesmo a cau-
sar-me indignao a maneira leviana e caluniosa com que o
senhor se referiu a mim e a Rizzini, em longa e tenebrosa car-
ta que dirigiu a Alfredo Miguel, dando-lhe ainda a licena de
nos transmitir o texto da mesma.
Peo-lhe informar-me, pela volta do correio, quem foi que
lhe deu as informaes que to levianamente transmitiu a ou-
trem, sobre as minhas atividades espritas e particularmente a
minha posio no caso vergonhoso da adulterao de O E-
vangelho Segundo o Espiritismo. Quem lhe pregou a mentira
270
caluniosa, e como o fez, de que eu recebia 40 por cento de di-
reitos autorais da minha traduo (GRATUITAMENTE con-
cedida LAKE, Editora Calvrio, EDICEL e... Federa-
o Esprita do Estado de So Paulo). Cedi ainda gratuita-
mente a minha traduo Editora 3 (leiga) da revista Plane-
ta, para uma edio de 70 mil exemplares que foi vendida
em bancas de todo o Brasil. Divulguei isso amplamente e
ningum me contestou, porque no h contestao possvel.
Peo ao senhor que me indique o caluniador, a fim de tomar
minhas providncias a respeito.
Aquilo que o senhor chamou em sua carta de sujeira re-
almente o era, mas no praticada por mim e sim pelos seus
informantes, aos quais o senhor se juntou na divulgao da
calnia. Felizmente Alfredo Miguel me conhece e escreveu a
Rizzini contando que no pde responder a sua carta at a-
quele momento por ter ficado chocado com as suas novida-
des.
O senhor condenou a nossa defesa pblica da obra de Kar-
dec. Informo-lhe que no sou e nunca fui homem de sacristia
e confessionrio, no gosto de conversas de comadre em as-
suntos de interesse pblico e estou sempre disposto a levar
nossos problemas ao conhecimento do pblico. O Espiritismo
no igreja nem ordem oculta, doutrina aberta, porque s
lhe interessa a verdade. No temos o direito de esconder do
pblico a nossa doutrina e muito menos as deturpaes que
dela fazem. No queremos enganar o pblico e nem deixar
que o enganem. Lutamos pela verdade e por isso lutamos s
claras. No entendo Espiritismo de portas e janelas fechadas.
Se no fosse a nossa reao pblica e enrgica, a adultera-
o j teria atingido as demais obras de Kardec. Paulo Godoy
j se vangloriava de estar adulterando O Livro dos Espritos
para lanamento urgente. Nossa reao despertou o Brasil e
fez recuar os adulteradores. O Espiritismo precisa de espritos
livres e corajosos para difundi-lo e defend-lo de cabea er-
guida. Posso faz-lo, graas a Deus, porque em meus quaren-
ta anos de atividade doutrinria nada pratiquei que me enver-
gonhe. A prova disso est em suas mos. A FEESP e sua e-
271
quipe de adulteradores no acharam nada de que me acusar.
Tiveram de mentir e caluniar. pena que o senhor se tenha
deixado levar nessa onda de sujeira moral. Aceito o seu en-
volvimento como o produto de invigilncia e no o quero mal
por isso. Mas no posso deixar que os caluniadores continu-
em a sua semeadura oculta, atravs de cartas e outros expedi-
entes dessa espcie. Por isso lhe peo que me diga quem e
como lhe forneceu esses dados mentirosos. Quero ver se esse
algum sustenta o meu olhar quando eu o interpelar a respei-
to.
O medo do pblico tpico dos que pretendem iludir e tra-
pacear. Ns, espritas, no devemos temer o pblico.90 Nosso
dever esclarecer e orientar, mesmo que os adversrios nos
chamem de cachorros. Eles temem o debate pblico porque
sabem que sairiam prejudicados de uma luta aberta e sincera.
Ns no temos o que temer. Nossa batalha est chegando ao
fim e nem eu nem Rizzini, nem os demais que nos acompa-
nharam por todo o pas, nenhum de ns saiu envergonhado da
luta. Pelo contrrio, samos vitoriosos e engrandecidos em
nossa pequenez de lutadores da verdade. E o que mais im-
portante: a Doutrina saiu ilesa e Kardec foi desafrontado.
No estamos no Cu, meu caro Sr. Lucena, e no somos
anjos. Estamos na Terra, mundo de provas e expiaes, e pre-
cisamos seguir o exemplo de Jesus, usando chicote contra os
vendilhes do Templo e debatendo em pblico os problemas
espirituais com os fariseus. O Espiritismo no caixa de se-
gredos nem vive de concilibulos. Nossos problemas devem
ser tratados luz do dia, porque nada temos a esconder de
ningum.
Acho que chega o que j escrevi. Mas envio-lhe ainda al-
guns documentos a respeito, para que o digno companheiro
Lucena veja a extenso e a profundidade dessa coisa que, sem
conhecimento exato, pensou que devia ficar em segredo. Ve-
r o companheiro que prefervel lavar a roupa suja em p-
blico do que pactuar com tanta sujeira. No somos cardeais
nem sacerdotes dos antigos Mistrios para considerar o p-
blico como um rebanho de becios e ignorantes. O caso da
272
adulterao provou que o debate pblico favorece a Doutrina,
enquanto a sujeira escondida infecciona os pores. Estamos
na era da Verdade e no podemos enganar o povo. bom que
o povo saiba que no queremos bancar santinhos do pau-oco,
mas exigimos sempre a verdade.
Um abrao. E no me queira mal por dizer a verdade sem
rebuos.
A sentena final
Os louros da vitria
277
samente de acordo com a verdade esprita uma srie de livros
sobre o Evangelho.95
278
21
O regresso Espiritualidade
279
Alguns acreditam que a morte sbita perigosa. obser-
vara ele em uma crnica Kardec morreu assim, em pleno
trabalho. Quando a criatura viveu bem, a morte sbita boa,
uma libertao imediata do esprito. Quando a criatura no
soube viver, a morte sempre difcil, representa uma crise na
vida do esprito. E viver bem, no caso, cumprir os deveres
que cabem ao homem na Terra, no se apegar s coisas mate-
riais, como ensina o Evangelho.
Dir-se-ia que Herculano Pires, ao publicar essa crnica no
Dirio de So Paulo (edio de 7 de outubro de 1968), previra
sua prpria desencarnao, que viria a acontecer na noite de 9 de
maro de 1979. O mestre em seu lar teve morte sbita como
Kardec e, curiosamente, com a mesma idade do Codificador do
Espiritismo. Contava 65 anos incompletos quando sofrera o
enfarte. Eram vinte e uma horas e quinze minutos. Levado ao
Hospital So Paulo, tentaram em vo reanim-lo.
Registremos agora um fato inegavelmente premonitrio rela-
cionado ao seu desencarne. Meses atrs dissera ele ao amigo
Terenzzo:
No posso parar de escrever. Minha mente um turbilho
de ideias, o que nunca me aconteceu. Meus quatro ltimos livros
escrevi em pouco tempo. Deve ser um aviso que estou para
desencarnar...
E acrescentou, risonho:
Assim que desencarnar, darei imediatamente uma mensa-
gem. E o mdium poder ser voc...
Eu no, porque nos conhecemos muito. Procure um outro;
mas s acreditarei que voc se na mensagem houver referncia
ao Esprito de Verdade.
possvel que um esprito se comunique logo aps a mor-
te?, perguntou certa vez a Herculano Pires um dos leitores de
suas crnicas no Dirio de So Paulo.
A resposta positiva parecia esconder outra inteno premoni-
tria... Porque minutos aps sua desencarnao (o corpo encon-
trava-se ainda no hospital), Herculano Pires transmitira uma
mensagem. A exemplo, alis, do que acontecera com o clebre
280
jornalista e escritor Cairbar Schutel (fundador da Revista Inter-
nacional de Espiritismo) e com o Sr. Sanson, membro da Socie-
dade Parisiense de Estudos Espritas e amigo de Kardec.
Helosa Pires, filha de Herculano Pires, numa entrevista gra-
vada e publicada em Portugal (Jornal Esprita da cidade de
Viseu, edio de setembro de 1986), conta-nos como se deu o
episdio medinico com seu pai:
No dia do seu desencarne era dia de sesso na garagem
(no havia ainda o centro e os esclarecimentos doutrinrios
eram realizados na garagem de nossa casa). Herculano (ao
fechar a porta do banheiro no andar superior) sentiu-se mal e
foi levado ao hospital. (...) Quem estava na garagem no sa-
bia, pois, que Herculano estava doente. Apenas os familiares
encontravam-se no hospital esperando Herculano na terapia
intensiva pensamos que ele ficaria bom (ningum imagina-
va que ele iria desencarnar to rapidamente). Nessa hora, um
mdium na garagem (um mdium at necessitado que nunca
mais trouxe uma mensagem to boa) recebeu duas mensagens
e deu para minha tia (Maria de Lourdes Anhaia Ferraz). Uma,
de um esprito que se dizia feliz por Herculano ter cumprido a
tarefa e chegara a hora da libertao (Helosa poderia ter ci-
tado que se tratava do Esprito Cairbar Schutel, patrono do
grupo). E depois o prprio Herculano numa mensagem linda
em forma de poesia (ele gostava muito de escrever poesia pa-
ra aqueles que amava). Ele se dirigia a mame e lhe dizia:
Famlia querida,
Vivendo contigo
Dias felizes e amenos
Na experincia do lar prossegue a vida
Coragem e otimismo
No quero pompas nem velas
Apenas a simplicidade do professor do interior em metr-
pole de cus e estrelas!...
Sustente em apoio vibratrio a casa!
Ampare o livro da codificao.
281
E eu, em esprito ou memria, ao lado dos amigos espiri-
tuais, convosco sempre estarei, no apostolado de pregar e
servir Doutrina dos Espritos com o mestre de Lion.
Virgnia, querida, mais esposa do que esposo que fui.
J no tem falar nem riso, nem seu poeta, mas que sem-
blante triste o seu... Volte ao que era, como o tempo na casa
velha, tudo vida, das noites de rima, doutrina e cozinha,
lar; amigos, no confuso, uma nova sensao de viver,
sentir que j no sou corpo, mas alma!
At que enfim, desculpe, Esprito de Verdade, amparado
em novas luzes, a minha, a nossa luzinha, que ajudaste a
construir, no momento adeus, menos choro e mais caf!
Se h dificuldade de captar a escrita, imagine a de desper-
tar aqui, para dizer aos da: Sobrevivncia dalma.
Muita paz em Jesus. 98
O corpo de Herculano Pires foi enterrado no dia seguinte, s
quatro horas da tarde, no Cemitrio So Paulo, com grande
acompanhamento. Instituies espritas e culturais fizeram-se
presentes. A Unio Brasileira de Escritores e a Academia Paulis-
ta de Letras enviaram flores. Falaram beira do tmulo o depu-
tado e jornalista Freitas Nobre, em nome do Sindicato dos Jorna-
listas Profissionais do Estado de So Paulo (a bandeira do sindi-
cato cobria o caixo), o deputado e escritor Israel Dias Novaes
(mais tarde presidiria a Academia Paulista de Letras), o qual
frisou que naquele instante fazia-se o enterro de um grande
brasileiro. E, entre outros, fez uso da palavra Jorge Rizzini em
nome dos espritas dos demais Estados. Herculano Ferraz Pires
agradeceu as homenagens ao seu nobre pai.
Semanas depois os filhos colocaram no tmulo desprovido de
ornamento uma lpide de mrmore, onde pode ser lida a primeira
estrofe do soneto Vida e Morte, escrito por Herculano Pires e
oferecido esposa Virgnia no dia do aniversrio de casamen-
to.99
No procures no tmulo vazio
a alma querida que deixou a Terra.
282
A morte encerra a vida e a vida encerra
a morte como eterno desafio.
Ningum fica no tmulo sombrio
onde somente o corpo que se enterra.
A alma se eleva alm da vida e erra
em mares de bonana e de amavio.
Busca no cu, nos ares, no infinito,
na quinta dimenso, no firmamento,
o ser querido que te deixa aflito.
Hs de encontr-lo quando, num momento,
rompendo as iluses do teu conflito,
possas falar-lhe pelo pensamento.
283
Apndice
284
poca eu era tambm jornalista, como sou hoje, isso ficou grava-
do em alguns jornais portugueses, o que se pode constatar.
(Rizzini) Um pormenor, Herculano. Voc se lembraria do
nome que tinha?
(Herculano) Eu no quero dizer, Rizzini. Voc me perdoa
isso, mas eu no quero dizer. Eu sei que nessa ocasio...
(Rizzini) Mas esta uma entrevista para o futuro.
(Herculano) Sim, eu sei, mas o futuro depois ver. Mas eu
tive, ento, oportunidade de saber que estava se processando
uma nova revelao, mas Portugal era um pas profundamente
catlico e qualquer infiltrao de outra religio l seria prejudici-
al, porque o povo no estava altura, segundo eu pensava, de
aceitar uma nova concepo de Deus. Ento, no adotei o Espiri-
tismo. Continuei catlico at o fim, mas um catlico s avessas,
porque continuamente em luta com o prprio clero. Ento, eu
diria a voc: no tenho certeza que eu vi algum livro esprita,
mas sei que tive conhecimento do Espiritismo. Mas se eu visse O
Livro dos Espritos em Paris, nesse dia 14 de julho, naquela
poca (na data da tomada da Bastilha) eu, certamente, no teria o
impacto que hoje me provocaria essa viso. Porque no sabia
ainda o que era o Espiritismo, nem tinha possibilidade de saber
que ele realizava aquele meu sonho: o sonho da volta ao Cristia-
nismo primitivo. S depois de passar para o mundo espiritual foi
que eu tive contato pleno com a nova revelao. Interessante: foi
no Espao que eu me tornei esprita. Quando eu vim para a
Terra, portanto, nascendo aqui no Brasil dessa vez e nascendo
em Avar, no Estado de So Paulo, no dia 25 de setembro de
1914...
(Rizzini) E no meio catlico...
(Herculano) Tambm numa famlia catlica. Tendo educa-
o catlica, eu, entretanto, j trazia ideias espritas bem acentu-
adas, que se foram revelando em mim independentemente de
qualquer influncia exterior. De maneira que, agora sim, se eu
tivesse depois disso um encontro com O Livro dos Espritos
numa livraria de Paris, para mim seria uma grande emoo, uma
emoo extraordinria.
285
(Rizzini) E se voc encontrasse em uma das ruas do centro
de Paris, de sbito, ao dobrar uma esquina, a figura de Allan
Kardec?
(Herculano) Bem... Se eu o encontrasse agora, nesta poca,
quer dizer, depois que sou esprita, ento para mim seria uma
coisa extraordinria, porque Allan Kardec representa a figura
exponencial dos novos tempos na Terra. Jesus veio para implan-
tar no mundo o Reino de Deus e realmente ele realizou esse
trabalho maravilhoso, pois o implantou no corao e na consci-
ncia dos poucos homens que foram capazes de compreend-lo
at hoje e o Reino de Deus vai desenvolvendo-se lentamente
atravs dos sculos, vai realizando-se apesar dos homens. De
maneira que Jesus representou essa figura extraordinria, e
Kardec o seu continuador. Kardec foi aquele que veio trabalhar
na era decisiva da implantao do Reino de Deus em maior
amplitude. Kardec quem trouxe a revelao que o Esprito de
Verdade transmitiu; ele trouxe essa possibilidade extraordinria
de abrir as perspectivas do mundo para uma era inteiramente
nova que est nascendo aos nossos olhos neste momento, neste
sculo XX.
***
Herculano Pires, certamente tomado por um sbito sentimen-
to de pejo, no revelou o nome que tivera na existncia anterior
em Portugal, mas anos depois de sua desencarnao pesquisei a
vida dos grandes vultos da literatura lusitana do sculo XIX e
descobri inmeros pontos de contato (a comear pelo nome)
entre ele e o clebre jornalista, romancista, poeta e historiador
Alexandre Herculano, o qual ao tempo de Allan Kardec se
exilara na Frana. O mesmo carter impoluto e inflexvel; o
sentimento religioso; a oposio ao clero; o amor literatura,
particularmente poesia e ao romance; e, sobretudo, a fidelidade
verdade.
A propsito da extremada fidelidade verdade, medite o lei-
tor sobre o seguinte texto, mas procurando descobrir se o autor
o Herculano nascido em Portugal ou o brasileiro:
286
Quando a justia de Deus pe a pena na destra do histori-
ador, ao passo que lhe pe na esquerda os documentos indu-
bitveis de crimes que pareciam escondidos para sempre de-
baixo das lousas, ele deve seguir avante sem hesitar, embora
a hipocrisia ruja em redor, porque a misso do historiador
tem nesse caso o que quer que seja de divina. 101
Parece-nos evidente tratar-se de um s Esprito.
As informaes sobre a reencarnao de Herculano Pires fo-
ram por mim guardadas, sigilosamente, durante dcadas. Somen-
te dias atrs, em conversa com Helosa Pires, referi-me pesqui-
sa, mas antes que lhe revelasse o resultado ela exclamou sorrin-
do:
Meu pai a reencarnao de Alexandre Herculano. O pai,
certa vez, comentou isso!
No foi, pois, por outra razo que quatro anos antes da desen-
carnao Herculano Pires redigira um extenso e belo artigo
exaltando sua antiga ptria e o renascimento do movimento
esprita lusitano.102
No estamos, porm, dogmatizando, mesmo porque o julga-
mento final cabe, evidentemente, ao leitor.
Notas:
1
Vide a obra Curso Dinmico de Espiritismo, captulo 20,
editora Paidia.
2
Herculano Pires desde menino gostava de fazer anotaes
em um dirio. Escreveu vrios. Em um deles anotou estes pen-
samentos:
s vezes me pergunto por que este prazer mrbido de
registrar num dirio os acontecimentos, os pensamentos, as
emoes, as ocorrncias de uma vida obscura. (...) O fato que
anoto, registro, comento, protesto, censuro e louvo para mim
287
mesmo ao menos assim me parece mas nem por isso deixo
de pensar, s vezes, que estes rabiscos possam ter um destino
diferente, um endereo oculto.
Palavras profticas, porque os rabiscos de Herculano Pires
tinham, realmente, um endereo oculto: o meu, o de seu futuro
bigrafo.
3
Sobre a obra de Cornlio Pires escreveu Herculano Pires no
Dirio da Noite: Durante muitos anos, Cornlio Pires foi a
coqueluche de So Paulo. Seus livros saam em edies suces-
sivas. De repente, porm, So Paulo esqueceu-se de Cornlio.
Sua obra, desalinhavada, feita ao sabor das circunstncias, sem
mtodo e sem critrio esttico, nem por isso deixou de abran-
ger reas importantes do fenmeno cultural paulista. Se Corn-
lio no foi um folclorista metdico, dotado das armas moder-
nas da pesquisa e da avaliao do material colhido, ningum
entretanto o superou, at agora, no senso de observao e na
sinceridade com que efetuou uma das mais vastas colheitas de
material folclrico. E essa colheita no foi realizada no asfalto,
mas no mato, na convivncia profunda, ntima e duradoura
com a gente do mato. Por isso mesmo, a Antologia Caipira,
organizada por Martins Veiga com trechos de poesia e prosa de
Cornlio Pires, representa um ato de justia memria do es-
quecido criador de Joaquim Bentinho.
4
Helosa Pires equivocou-se ao afirmar, no prefcio que
redigiu para o livro Curso Dinmico de Espiritismo (Editora J.
Herculano Pires), que seu pai aos dezenove anos entrou em
contato com O Livro dos Espritos.
5
Dirio de So Paulo, edio de junho de 1952.
6
Vide O Mistrio do Ser ante a Dor e a Morte, de Herculano
Pires, cap. IX O controle tico da moral, Editora Paidia.
7
O que mais temo, quando falo, fazer circunlquios ab-
surdos e inteis, floreados de palavras, sem nada que de fato
AUXILIE, escreveria ele mais tarde em um caderno.
8
Joo Jos, irmo mais novo de Virgnia, tinha tenra idade
quando passou a viver na casa de Herculano Pires. Tornou-se
288
cronista esprita no jornal paulistano O Tempo. Desencarnou
aos vinte anos de idade.
9
Vide Herculano Pires, o Homem no Mundo, de Helosa
Pires, Edies FEESP, 1992.
10
Vide A Centelha, editada em So Paulo sob a direo de
Joo Silveira, edio de maio de 1946.
11
O livro redigido por Eduardo Carvalho Monteiro baseado
tambm nas pesquisas de Natalino dOlivo, e que tem por ttulo
USE 50 anos de Unificao, apresenta um equvoco ao afir-
mar que Vinicius, Antnio Rodrigues Montemor e Anita Brisa
foram ao congresso em Marlia como representantes oficiais
da USE. Ora, a USE foi fundada em 1947 e o Congresso a-
conteceu em 1946. Outro equvoco encontra-se na pgina 234,
pois Eurpedes de Castro jamais foi presidente do Clube dos
Jornalistas Espritas.
12
Jornal Correio Fraterno do ABC, edio de maro de
1982.
13
So de Edgard Armond estas palavras: necessrio que se
evite seja o Espiritismo deturpado como doutrina, explorado
como religio, utilizado como fora poltico-partidria, etc.
(Anais do Congresso Brasileiro de Unificao Esprita, pg.
31).
14
Jornal Mensagem, edio de fevereiro de 1975.
15
A Editora Lake, fundada por Batista Lino, iniciou suas ati-
vidades em 1947. O Reino foi editado por ele, esporadica-
mente, em 1946. , portanto, o primeiro texto esprita impresso
pelo dinmico e saudoso editor paulista.
16
Este livro estava em fase de reviso quando Ary Lex, no
ms de junho de 2001, desencarnou.
17
Presidiu-a pela primeira vez em 1952.
18
Vide o Dirio da Noite, edio de 10 de maro de 1979.
19
Temos em nosso poder um cartaz datado de 1939 impresso
pela Federao Esprita da Alta Sorocabana.
289
20
Vide o volume Anais do I Congresso Esprita do Estado de
So Paulo, editado pela USE.
21
Tanto o Congresso de Marlia como o I Congresso Esprita
do Estado de So Paulo foram realizados revelia da Federa-
o Esprita Brasileira. A FEB foi, desde o incio, contrria ao
movimento de unificao, s aderindo no ano de 1949, con-
forme se l em O Semeador, jornal da Federao Esprita do
Estado de So Paulo, edio de outubro de 1949. A propsito,
escreveu Herculano Pires (vide o jornal O Kardecista, edio
de 18 de abril de 1950):
Quando se realizou o I Congresso Esprita da Alta Paulis-
ta, em Marlia, os promotores daquele movimento tiveram uma
dolorosa surpresa. De todas as entidades doutrinrias do pas,
convidadas a comparecer, a nica que se recusava, alegando
no haver sido consultada para o lanamento da ideia, era a
Federao Esprita Brasileira. A atitude da Casa Mter foi to
chocante, que os diretores do congresso resolveram engavetar o
ofcio da mesma, dando conhecimento de seu contedo apenas
a alguns dirigentes, com a inteno de preservar, no seio da
massa esprita ali presente, a confiana na FEB. Tudo aquilo
poderia ser um equvoco e desaparecer logo mais. Mas no
desapareceu, porque h trs anos, quando a USE convocou o
primeiro congresso estadual, a Federao Esprita Brasileira
fez mais do que no comparecer: desaprovou-o e condenou-o.
Assim tem sido a poltica da FEB: s aceita as iniciativas
doutrinrias paralelas quando no h mais possibilidade de
evit-las, ou de combat-las. Assim agiu ela com os primeiros
congressos de jornalistas e escritores espritas, com o movi-
mento de unificao, com o Instituto de Cultura Esprita, com a
pioneira editora LAKE, fundada por Antnio Batista Lino, etc..
22
A Federao Esprita do Estado de So Paulo no apenas
continuou com o seu Departamento Federativo em pleno fun-
cionamento: ela props no III Congresso Esprita do Estado de
So Paulo, realizado na capital paulista em 1952, sua fuso
com a USE. Herculano Pires no concordava com a fuso,
290
porque representava a liquidao da USE em benefcio da FE-
ESP. E isso lhe parecia mal porque a USE, para Herculano
Pires, era a nica forma de organizao doutrinria compat-
vel com a natureza da doutrina, conforme escreveu em O
Vigilante, suplemento do jornal Mensagem, edio de de-
zembro de 1976. Herculano Pires nutria pela USE e pela FE-
ESP forte amor, embora se visse obrigado, s vezes, e com
justa razo, a fazer-lhes restries. Assinalemos, ainda, este
paradoxo: Armond, afastado da FEESP, fundou em 1973 a
Aliana Esprita Evanglica, com o objetivo inegvel de rivali-
zar com a USE e com a prpria FEESP. A Aliana era adepta
das obras de Ramtis.
23
Hermnio Sacchetta, diretor de Redao dos Dirios Asso-
ciados de So Paulo era genro de Jlio Abreu Filho, o tradutor
dos doze volumes da Revista Esprita, de Allan Kardec.
24
A coluna esprita teve a durao de 22 anos. Em 1967 ela e
as demais colunas religiosas sofreram uma inesperada e curta
suspenso devido arbitrariedade de um dos assessores da
diretoria do Dirio de So Paulo. Herculano Pires imediata-
mente redigiu uma carta-protesto e entregou-a a Joaquim Pinto
Nazrio e, no mesmo dia (23 de maio), recorreu a Edmundo
Monteiro, presidente dos Dirios Associados, atravs tam-
bm de uma carta, da qual pinamos este trecho:
Conheo a sua formao e sei que o prezado amigo no
considera a religio como assunto secundrio ou indigno de
figurar nas colunas do nosso jornal. Hoje, mais do que nunca, o
problema religioso est exigindo ateno dos rgos de publi-
cidade. (...) Peo ateno do amigo para esse problema, que
no s do interesse das religies, mas sobretudo do povo a
que ns jornalistas devemos servir.
25
Dirio de So Paulo, edio de julho de 1952.
26
Miguel Vives, O Tesouro dos Espritas, 2 parte, captulo
VI O esprita e o mundo atual.
27
Vide Ideias e Reminiscncias Espritas, de Deolindo Amo-
rim, edio do Instituto Maria, pg. 153.
291
28
Herculano Pires, em carta de 02-12-1963, endereada ao
confrade Antenor Ramos, tece o seguinte comentrio sobre o
famoso orador Romeu Campos Vergal: Andava pregando nos
Centros (at no nosso Clube ele pregou) a introduo de rituais
no Espiritismo. No vejo como deixarmos essas coisas de lado,
quando nosso dever zelar pela Doutrina que nos beneficia
nesta vida. E o mestre redigiu um artigo que fez publicar no
Dirio de So Paulo. O deputado Campos Vergal era adepto
da Teosofia, do Crculo Esotrico da Comunho do Pensamen-
to.
29
Herculano Pires refere-se aos primeiros nmeros da Revue
lanados a partir de 1949 por Jlio Abreu Filho atravs da edi-
tora dipo, de sua propriedade.
30
Vide o opsculo Uma farsa-histria de uma assembleia,
seguida de uma carta de Souza Prado, Rio de Janeiro, edio
do autor, pgs. 21-22. O jornalista Antnio Pereira Guedes, que
por longos anos fizera parte da Federao Esprita Brasileira,
foi no dia 14 de janeiro de 1950 sumariamente eliminado do
quadro social dessa instituio pelo fato de opor-se s decises
antidoutrinrias de Wantuil de Freitas. Contemporneo e
amigo de Leopoldo Machado, Carlos Imbassahy, Cairbar
Schutel, Deolindo Amorim, Herculano Pires e, entre outros, do
autor deste livro, o saudoso Pereira Guedes desencarnou aos 84
anos de idade, no dia 23 de outubro de 1980.
31
Dirio de So Paulo, edio de 10-06-1966.
32
Artigo inserido na obra Os Trs Caminhos de Hcate, de
Herculano Pires. Foi primeiramente estampado no Dirio de
So Paulo com o ttulo Sincretismo Religioso.
33
O Espiritismo e as Doutrinas Espiritualistas, de Deolindo
Amorim, pg. 95. Edio da Federao Esprita do Paran.
34
J. Herculano Pires O Centro Esprita, captulo 9 As
questes polticas.
35
Vide O Mistrio do Ser ante a Dor e a Morte, de Herculano
Pires, captulo X A sntese esttica da conscincia.
292
36
Recomenda-se ao leitor estudioso o livro Kardec, Irms
Fox e Outros, de nossa autoria, em cujas pginas est descrito
com detalhes o I Congresso de Jornalistas e Escritores Espri-
tas.
37
A declarao do II Congresso Brasileiro de Jornalistas e
Escritores Espritas de que a palavra Espiritismo, criada por
Allan Kardec, no pode ser aplicada a outros movimentos ou a
outras doutrinas ou correntes espiritualistas foi a p de cal so-
bre a ideia de Wantuil de Freitas segundo a qual Umbanda
Espiritismo.
38
Dirio da Noite, de 25-04-1958, e Dirio de So Paulo,
de 01-06-1958.
39
O III Congresso de Jornalistas e Escritores Espritas foi
realizado em Belo Horizonte, em novembro de 1961, sob a
presidncia de Jos Herculano Pires, mas o mestre, devido a
um chamado urgente de So Paulo, no participou do encerra-
mento. No V Congresso em 1972, na cidade de Niteri, foi o
orador oficial na sesso de abertura na Federao Esprita do
Estado do Rio de Janeiro.
40
Em 1997 a ideia da criao de uma Confederao Esprita
Brasileira voltou em vo a agitar o movimento doutrinrio
nacional. Motivo: o roustainguismo propagado pela FEB.
41
Jornal Mensagem, edies de fevereiro de 1975 e dezem-
bro de 1976.
42
Vide a obra Herculano Pires, Filsofo e Poeta, edies
Correio Fraterno, 1984. A primeira parte, com o ttulo original
En torno al pensamiento filosfico de J. Herculano Pires, de
autoria de Humberto Mariotti e foi publicada por indicao de
Jorge Rizzini. A segunda parte, que trata de Argila (o ensaio
referido acima), foi escrito por Clvis Ramos.
43
Na verdade, aberrao psicolgica o preconceito racial,
porque a cor da epiderme no consequncia do grau evoluti-
vo da alma humana. O que verdadeiramente diferencia os ho-
mens so as qualidades morais e intelectuais. Acresce que o
preconceito racial, por outro lado, a negao das leis da reen-
293
carnao e da evoluo, que so divinas e cuja funo talvez
maior nunca ser demais recordar fazer com que nos re-
conheamos como irmos porque temos todos a mesma origem
Deus!
44
Vide artigo de Hlio Damante em Unidade, ed. maro de
1979.
45
Em 1957, quando presidente do Sindicato dos Jornalistas
Profissionais do Estado de So Paulo, Herculano Pires, a con-
vite de Jnio Quadros (ento governador de So Paulo), parti-
cipara de uma comisso para opinar sobre a pea teatral de
Nelson Rodrigues Perdoa-me por me trares, a qual vinha
causando escndalo. Ao ler a pea, indignei-me (anotou em
seu dirio). Uma borracheira indigna. Um ultraje ao prprio
teatro. Liberar essa porcaria, em nome do princpio da liberda-
de, seria o mesmo que libertar um tarado (sexual) em nome
desse princpio.
46
A m vontade do prof. Arrigo e de seu assistente para com
o apstolo explica-se pelo fato de ser Herculano Pires divulga-
dor e defensor da filosofia esprita.
47
Vide ensaio de Humberto Mariotti intitulado O Pensamento
Filosfico de J. Herculano Pires, includo no volume Hercula-
no Pires, Filsofo e Poeta, Editora Correio Fraterno, 1984.
Mariotti tornou-se conhecido no Brasil a partir de 1951, ano
em que Jlio Abreu Filho traduziu e editou Dialtica e Espiri-
tismo,(*) obra escrita por Mariotti na juventude e que mereceu
de Herculano Pires um prefcio com quarenta pginas. Longos
anos depois os filsofos conheceram-se em So Paulo, e ento
mantiveram cerrada correspondncia.
(*) O autor se refere obra Dialtica e Metapsquica (do
original Dialctica y Metapsquica), publicada em portugus,
no ano de 1951, pela Editora dipo. Em abril de 2009, Dialti-
ca e Metapsquica foi disponibilizada na Internet, incluindo o
prefcio de J. Herculano Pires denominado Espiritismo Dial-
tico, pelo site PENSE Pensamento Social Esprita. (Nota do
digitalizador.)
294
48
Diplomado pela Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras
da Universidade de So Paulo, o poeta, ensasta e teatrlogo
Cassiano Nunes graduou-se em literatura Norte-americana pelo
Miami University, de Ohio, onde lecionou; membro da Aca-
demia Brasileira de Letras.
49
Antnio Soares Amora, catedrtico de Literatura Portugue-
sa na Universidade de So Paulo, na Universidade de Macken-
zie e na Sedes Sapientiae, ministrou curso de Literatura Bra-
sileira na Universidade de Hamburgo. Ilustre historiador, pre-
sidiu a Academia Paulista de Letras.
50
Kardequinho (jornal esprita infantil pioneiro, transfor-
mado depois em revista), fundado em 1959 e dirigido pelo
autor deste livro e que teve Alfredo Cruso como secretrio
(depois diretor juntamente com Rizzini) e como colaboradores
Iracema Sapucaia, Jlio Abreu Filho, Hernani Guimares An-
drade, entre outros. Foi lanado sob os auspcios do Clube dos
Jornalistas Espritas, estando ainda Herculano Pires na presi-
dncia.
51
Jnio Quadros, em 1953, elegeu-se prefeito de So Paulo e
convidou Herculano Pires a assumir a chefia do seu gabinete.
O mestre no aceitou. No ano seguinte, Jnio venceu as elei-
es para Governador do Estado de So Paulo e ofereceu o
mesmo cargo a Herculano Pires, que novamente recusou. Foi
sua revelia que Jnio Quadros nomeou-o chefe do Sub-gabinete
Civil da Presidncia da Repblica.
52
Razo de sobra, portanto, teve a Cmara Municipal de Ara-
raquara ao conceder em 10 de junho de 1961 o ttulo de Cida-
do Araraquarense a Herculano Pires. A proposta fora feita
por dez vereadores, sendo Benedito de Oliveira o prefeito. Lei
n 985.
53
Entrevista concedida a Maristela Roriz e Aparecida Mene-
gasso. Boletim USE, ano 3, So Carlos, abril de 1999.
54
Dirio de So Paulo, edio de 5 de fevereiro de 1961.
Trs anos depois o apstolo incluiu essas perguntas no prefcio
de O Livro dos Espritos.
295
55
O texto acima, impresso na dobra da capa do livro, foi assi-
nado por Herculano Pires com o pseudnimo Octvio Ara-
jo. E na dobra da capa de Reviso do Cristianismo usou o
pseudnimo Robert Henri Fourcade.
56
Vide ensaio de Humberto Mariotti intitulado O Pensamento
Filosfico de J. Herculano Pires, includo no volume Hercula-
no Pires, Filsofo e Poeta, Editora Correio Fraterno, 1984.
57
J. Herculano Pires, Curso Dinmico de Espiritismo, captu-
lo 20: Como combater o Espiritismo.
58
Em junho de 1975 a Cmara Municipal de Avar concedeu
a Herculano Pires o ttulo de Cidado Emrito de Avar, cida-
de em que nasceu.
59
Herculano Pires, em seu livro Mediunidade, escrito anos
depois, ensina ser errnea a denominao de incorporao
para as manifestaes orais. O que se d no uma incorpora-
o, mas uma interpenetrao psquica, como a da luz atraves-
sando uma vidraa.
60
J. Herculano Pires, Mediunidade, cap. 15 Mediunidade e
Religio.
61
Parapsicologia Hoje e Amanh, cap. 4: Tp, a linguagem da
mente.
62
Faltou ao Instituto Paulista de Parapsicologia recursos fi-
nanceiros para montar um laboratrio de pesquisas adequado e
reabilitar a Parapsicologia no pas, ento desmoralizada pelos
pseudo-parapsiclogos de batina. (Nota do autor.)
63
Vide o artigo de Herculano Pires Os desafios medinicos
Parapsicologia, em Anurio Esprita, pgs. 26 e 27, ano
1969, Araras, Estado de So Paulo.
64
Em 1965, padre Quevedo lanou a obra A Face Oculta da
Mente, que Herculano Pires chamava a face oculta do padre.
O eminente confrade Carlos Imbassahy (pai), notvel polemis-
ta residente em Niteri, refutou-o com o livro A Farsa Escura
da Mente. Em carta Herculano Pires parabenizou o velho ami-
go: O ttulo, apesar de um tanto estranho e at mesmo rebar-
296
bativo, calha bem ao assunto. Voc desembioca o padre, no
mais lato sentido do verbo, arrancando-lhe o disfarce de sabe-
doria. Notem os leitores que o imbatvel Imbassahy contava
oitenta e dois anos de idade quando fez essa brilhante defesa da
Doutrina Esprita. Que magnfico exemplo de amor verdade
espiritual!
65
No Rio de Janeiro coube ao mestre Carlos Imbassahy (pai),
ento com oitenta e quatro anos de idade, refutar com seu bri-
lhante livro Enigmas da Parapsicologia o curso de Parapsico-
logia dado por Cesrio Marey Hossri.
66
Carta de Herculano Pires, sem data, endereada a Sylvia
Mele Pereira da Silva.
67
Deve-se tambm a Herculano Pires (irmo Saulo) a tradu-
o e complementao do livro O Tesouro dos Espritas (Guia
Prtico para a Vida Espiritual), de Miguel Vives, um dos pio-
neiros do Espiritismo na Espanha.
68
Herculano Pires obteve dupla aposentadoria, a de jornalista
e a de escritor. Descontado o imposto de renda, recebia ele do
governo a irrisria quantia de 1.485 cruzeiros mensais. Sua
aposentadoria nos dirios Associados deve-se ao fato de que
novos colegas de redao e alguns antigos haviam se corrom-
pido, criando-lhe uma situao insustentvel. Enquanto a in-
compreenso vinha de cima escreve ele , dos ineptos da
administrao, a gente se consolava com o apoio e a solidarie-
dade dos colegas. Mas quando a prpria redao apodreceu na
misria da falta de coleguismo e do servilismo interesseiro,
nada mais nos restava. Eu, Barros Ferreira, Chico Vizoni, Pe-
dro de Souza e outros preferimos sair. Os Dirios haviam
chegado mais nfima condio de um jornalismo sem um
ideal e sem dignidade.
69
O segundo Pinga-Fogo com Chico Xavier aconteceu na
noite de 20 de dezembro, cinco meses aps o primeiro. Hercu-
lano no participou.
70
Vide Anurio Allan Kardec, 1975, pg. 37, Editora Lake.
297
71
Ivani Ribeiro (pseudnimo da professora Cleyde de Freitas)
desencarnou no dia 17 de julho de 1995, aos 79 anos de idade.
Escreveu aproximadamente 350 radionovelas, telenovelas e
peas. Deve-se a ela a adaptao para radinovela do romance
medinico A Vingana do Judeu, do Esprito J. W. Rochester,
e psicografado por Wera Krijanovsky.
72
A ideia de fundar-se em So Paulo uma Universidade Esp-
rita plano que em 1968 empolgou Herculano Pires e outros
lderes, no foi avante por estar em litgio o terreno onde seria
edificada.
73
Thomaz Novelino nasceu em 6 de outubro de 1901, em
Delfinpolis, e desencarnou no dia 31 de outubro de 2000, com
a idade, portanto, de 99 anos. Seu nome no ser esquecido
pelo movimento esprita paulista.
74
A referida tese est inserida na revista Educao Esprita
n 1, editora Edicel, e no volume Pedagogia Esprita, de Her-
culano Pires, primeiramente lanado pela Edicel em 1985.
75
Revista Educao Esprita, n 1, pg. 14.
76
O erudito Prof. Ney Lobo exerceu o magistrio no Instituto
Lins de Vasconcelos (esprita) de 1963 a 1974, vindo a publi-
car em 1989 a notvel obra Filosofia Esprita da Educao, em
cinco volumes (edio da FEB).
77
Luiz Monteiro de Barros presidiu inmeras vezes a USE e a
FEESP.
78
Iracema Sapucaia, escritora, esposa de Jorge Rizzini.
79
Antnio Olavo Pereira, romancista premiado pela Acade-
mia Brasileira de Letras.
80
O artigo de Herculano Pires est includo em sua obra Os
Trs Caminhos de Hcate, 2 parte, sob o ttulo Espiritismo e
Cultura.
81
Edio de novembro de 1963.
82
Vide folheto de Mariotti intitulado Codificao Esprita
Superada?, traduzido por Conrado Ferrari e publicada em
Curitiba, Paran, em 1964.
298
83
Vide o jornal Mundo Esprita, edio de 30 de abril de
1974.
84
Vide a obra de Herculano Pires e Jlio Abreu Filho O Ver-
bo e a Carne, 1 Parte, cap. 13 O Roustainguismo no Bra-
sil, Edies Cairbar, 1973, So Paulo.
85
O ambiente era realmente favorvel treva. Recordemos
que o presidente Carlos Jordo da Silva fora o principal res-
ponsvel pelo pacto ureo, to criticado por Herculano Pires,
e o vice Lus Monteiro de Barros, tempos atrs, defendera em
congresso a ideia de fundar-se um partido poltico esprita, o
que evidencia falta de maior compreenso do que seja o Espiri-
tismo. No obstante, h de reconhecer-se em nome da justia
que no decorrer de suas vidas deixaram ambos excelente folha
de servios prestados ao movimento doutrinrio.
86
No clebre episdio das materializaes que a revista O
Cruzeiro transformou em escndalo, envolvendo dezenove
mdicos e Chico Xavier, a atuao de Herculano Pires foi me-
nor por razes que o leitor encontrar no livro Materializaes
de Uberaba, de Jorge Rizzini.
87
Vide o jornal Mensagem, edio de dezembro de 1974.
88
Em carta dirigida a Elias Barbosa em 05-12-1974, afirma
Herculano Pires: O pior que houve tomadas de posio i-
nesperadas, como a de Rolando Ramaciotti, que esteve em
minha casa propondo-se a imprimir meu artigo de denncia
para distribuio (que ele mesmo faria) a todo o Brasil, e dois
ou trs dias depois estava manobrando Roberto Montoro, da
Rdio Mulher, para desgravar meus programas contrrios
adulterao, o que conseguiu, e por fim intervindo arbitraria-
mente no programa para impedir a irradiao de minha anlise
do comunicado da FEESP. Isso resultou no meu afastamento
do programa e do Grupo Esprita Emmanuel, do qual eu era
(imagine s!) presidente honorrio, eleito revelia.
89
Mensagem chegou a ter 16 pginas e tiragem de 55 mil
exemplares por edio. Deixou de circular em 1976.
299
90
Em seu livro Na Hora do Testemunho, l-se: As flores
sensitivas que murcham ao ser tocadas no so flores do jardim
esprita. Porque o Espiritismo requer virilidade e franqueza de
seus adeptos, o sim, sim e no, no do Evangelho, para impor-
se neste mundo de ambiguidade e comodismos.
91
Escreveu Herculano Pires em Na Hora do Testemunho,
captulo Psicologia da liderana esprita, subttulo Tipos de
liderana: Trinta mil volumes adulterados j haviam sido
trocados pelas moedas de Judas e infestado o movimento esp-
rita brasileiro. O conselheiro da FEESP, Ary Lex, portanto,
em seu livro 60 Anos de Espiritismo em So Paulo (publicado
17 anos aps a desencarnao de Herculano Pires), ocultou
com um vu a verdade ao afirmar na pg. 153: A diretoria da
Federao reviu o problema, considerou mais cauteloso no
manter a substituio dos termos e retirou os exemplares de
circulao, provando, assim, seu esprito democrtico.
92
Vide Na Hora do Testemunho, captulo Antes do cantar do
galo, subttulo Questo de tica. Editora Paidia, 1978, So
Paulo.
93
Vide a obra de Herculano Pires Curso Dinmico de Espiri-
tismo, captulo 18.
94
Jornal Mensagem, ano 1, n 4, edio de setembro de
1975, artigo intitulado Uma Tomada de Conscincia.
95
Paulo Alves Godoy desencarnou em 19-04-2001, semanas
antes da publicao desta obra.
96
J. Herculano Pires Educao para a Morte, cap. 6, A
herica pancada.
97
Obra citada, cap. 3 Os vivos e os mortos.
98
Dias aps a desencarnao de Herculano Pires surgiram
dezenas de mensagens medinicas atribudas a ele. Nenhu-
ma, porm, com seu estilo literrio e todas desprovidas de con-
tedo comprobatrio. A esposa de Herculano Pires e os filhos
recusaram-se a endoss-las e o autor deste livro confessa no
haver encontrado no texto de Carlos Baccelli atribudo ao Esp-
rito Herculano Pires nada que o identificasse. Esse parecer
300
vale, inclusive, para os textos animicamente redigidos por Dora
Incontri e atribudos aos Espritos Pestalozzi, Jean-Jacques
Rousseau, Mozart, Lon Denis e quejandos.
99
Maria Virgnia Ferraz Pires representou na vida de Hercu-
lano Pires o que representou Amlie Boudet na de Allan Kar-
dec. Sem o apoio dessas mulheres notveis, dificilmente teriam
ambos bem desempenhado a rdua mas bela misso que a Espi-
ritualidade lhes confiara. A esposa de Jos Herculano Pires
desencarnou no dia 16 de maro do ano 2000.
100
A entrevista completa encontra-se em meu livro Imortali-
dade.
101
Texto extrado do volume terceiro, pgina 192, da obra
Opsculos, de Alexandre Herculano (autor, inclusive, da His-
tria da Origem e Estabelecimento da Inquisio em Portu-
gal).
102
Vide a revista Estudos Psquicos, de Lisboa, edio de
junho de 1975.
301