Ana Beatriz Zuanella Cordeiro
Ana Beatriz Zuanella Cordeiro
Ana Beatriz Zuanella Cordeiro
Apresenta a perspectiva da
finalidade da psicanálise não estar voltada diretamente para a cura, mas sim para a
abordagem do inconsciente, através do vínculo transferencial estabelecido entre paciente e
analista. Ao apontar para os aspectos finito e infinito de uma análise situa do lado infinito o
relançamento incessante da pulsão, balizada pelo rochedo de castração, com o qual se
esbarra o paciente em fim de análise, associada ao conceito de Feminilidade, tal como
apresentado por Freud em 1937. Ao mesmo tempo que aborda a impossibilidade de
sustentar a ilusão de uma cura total em psicanálise, aponta para a elaboração dos restos
transferenciais como responsáveis pelas ações extremamente criativas de que o analisando
pode ser capaz ao término de sua análise.
Palavras-chave: Finalidade da psicanálise, fim de análise, feminilidade, criação.
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Trabalho apresentado no IV Encontro Latino-Americano dos Estados Gerais da Psicanálise em São Paulo,
de 4 a 6 de Novembro de 2005.
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Psicanalista do Círculo Psicanalítico de Pernambuco.
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Juan David Nasio.
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Para onde nos conduz o fim de análise?
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Ana Beatriz Zuanella Cordeiro
Ao analista cabe aceitar este lugar de amado que o paciente lhe atribui para que uma
análise possa se desenvolver. Porém, sem jamais esquecer da origem deste amor, expressão
sintomática, que está diretamente ligada a fantasias inconscientes.
Freud, em seu artigo sobre os Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, já nos
advertia bastante precocemente da íntima conexão entre os destinos da libido recalcada,
presa a fantasias inconscientes, que não encontram outra expressão além dos sintomas. “A
psicanálise não encontra dificuldades em mostrar a pessoas desta espécie que elas estão
amando, no sentido ordinário da palavra, estes seus parentes consangüíneos, pois, com o
auxílio de seus sintomas e outras manifestações de sua doença, ela pesquisa seus
pensamentos conscientes. Nos casos em que alguém que antes fora sadio, adoece após uma
experiência infeliz de amor, é também possível mostrar com certeza que o mecanismo da
doença consiste num retorno da sua libido para aqueles que preferia na infância”. 4 Sendo
este o protótipo da experiência que será re-editada na transferência, sob a forma do amor de
transferência, percebemos aí a dificuldade do neurótico no abandono do amor incestuoso, e
portanto, toda sua dificuldade em relação à castração.
Porém, é essencial, por outro lado, que o analista suporte todas as projeções
incestuosas que o amor de transferência lança sobre ele, renunciando ao gozo de amor que
o analisando lhe oferece. E várias são as maneiras do analista fazer uso deste poder que lhe
é conferido, quer seja ao acreditar que possui todo o saber que lhe é depositado pelo
analisando, ou ainda colocando-se numa posição de superioridade, deixando todo o
sofrimento, desgraça e infortúnio do lado do analisando, como se a análise não fosse um
processo que acontece no “entre dois” da relação analítica.
Se o analista acreditar que possui todo o saber nele depositado, acaba ensurdecendo
para toda nova fala do analisando, mas o que não deve significar ser ignorante em relação a
teoria que dá suporte à sua prática. Já o “não saber” do neurótico, por sua vez, é o
desconhecimento que ele porta sobre seu sofrimento, é o que experimenta em si mesmo
como a estranheza do seu sintoma.
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FREUD, S., Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade (1905) páginas 234-235. E.S.B., Rio de Janeiro,
Imago Editora, 1969.
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Mas se tivermos a paciência e tranqüilidade necessárias ela sempre vem por acréscimo, não
pode ser o alvo do tratamento psicanalítico.
É em Análise Terminável e Interminável, 1937, o testamento de Freud segundo
Lacan, que Freud expõe algumas de suas idéias finais sobre o processo analítico, sobretudo
sobre o seu desenlace. Freud fala sobre o destino da cura, assim como sobre o destino da
pulsão, de suas vicissitudes ou de suas transformações. Para ele, o destino da cura depende
do destino da pulsão. É no eixo entre o eu e a pulsão que se articula a duração de uma
análise. E o texto mostra justamente como há manifestações residuais: o eu tenta sempre
dominar, mas não é possível porque fica sempre um resto, um pouco de sofrimento que
insiste. Porém, pensando bem, já sempre algo que pode ser negociado desse sofrimento. O
que fazer com esta dor, com este sofrimento que resta, o que fazer com a desilusão de uma
cura total?
Segundo Conrad Stein, em “Fim de uma Análise, Finalidade da Psicanálise”, para
sair de uma análise talvez seja preciso ser criador em algum lugar, em algum sentido, é
fazer algo qualitativamente novo. Para ele, há uma criança poeta no fundo de cada um de
nós que pode desenvolver algo que transforme em sua obra, obra de vida, qualquer que seja
ela. “Portanto, ao final há como que uma visada terapêutica que produz algo, que cria
alguma coisa, mas para ver, não a partir da dor de um luto que não se faria, mas sim que já
estaria pré-inscrito ou prestes a se inscrever em algum lugar”. 5
Criando sua obra, o analisando/artista faz sua inscrição em nome próprio, assume a
construção do seu destino. Aceita a condição do seu desamparo fundamental.
De acordo com Maria Rita Kehl em “Sobre Ética e Psicanálise”, “o artista não se
torna pleno de ser ao afirmar-se como autor de suas obras. Mas a função do autor, como
uma das funções do sujeito segundo a definição de Foucault, intensifica a relação do artista
com o Nome-do-Pai, que ele transforma em seu ao imprimi-lo junto à obra que nomeia seu
desejo”. 6
A capacidade de criação do ser humano está intimamente associada à sublimação,
uma das vicissitudes da pulsão que continua investindo num objeto de prazer, sem passar
pelo livre de recalque. Mas todo ato sublimatório visa o reconhecimento público, o alcance
5
DIDIER-WEILL, Alain (org). Fim de uma análise, Finalidade da Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 1993.
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KEHL, Maria Rita. Sobre Ética e Psicanálise. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
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Referências Bibliográficas:
FREUD, S., Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade (1905) págs. 234-235. E.S.B., Rio
de Janeiro, Imago Editora, 1969.
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Para onde nos conduz o fim de análise?
KEHL, Maria Rita. Sobre Ética e Psicanálise. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
MOSCOVITZ E GRANCHER. Para que serve uma Análise? Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 1991.
NASIO, Juan David. Lições sobre os Sete Conceitos Cruciais em Psicanálise. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1989.
POMMIER, Gerard. O Desenlace de uma Análise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
1990.
ZIZEK, SLAVOJ. Bem-vindo ao Deserto do Real. São Paulo: Boitempo Editorial, 2003.