Recensão Crítica - A Mesa Dos Reis de Portugal-Salvado

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Recenso Crtica

Buescu, Ana Isabel e Felismino, David (ed) (2011). A mesa dos reis de
Portugal. Ofcios, consumos, cerimnias e representaes (seculos XIII-
XVIII). Captulo Imagens e representaes da mesa, pp. 382-453. ISBN
(Circulo dos leitores): 978-972-42-4695-6

por: Josefina Salvado


[email protected]
Doutorada em Turismo pela Universidade de Aveiro
Investigadora colaboradora do CIDEHUS - Centro Interdisciplinar de Histria,
Culturas e Sociedades (Universidade vora)
Investigadora associada da GOVCOPP - Unidade de Investigao em Governana,
Competitividade e Polticas Pblicas (Universidade de Aveiro)

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I. Enquadramento da obra e autores
A mesa dos reis de Portugal. Ofcios, consumos, cerimnias e
representaes (seculos XIII-XVIII) um livro coordenado por Ana Isabel
Buescu e David Felismino, com apresentao de Maria Helena da Cruz Coelho,
publicado pelo Circulo dos Leitores em 2011. Esta obra coletiva escrita por 26
autores subordinada ao tema da mesa rgia especialmente em Portugal possui
478 pginas repartidas por 5 captulos:

Captulo Casa e ofcios da mesa


I

A mesa dos reis. Espaos, objectos e utncias


Captulo II

Captulo Os reis mesa. Cerimnias e etiquetas


III

Captulo Os alimentos
IV

Imagens e representaes da mesa


Captulo V

A apresentao do livro realizada pela Doutora Maria Helena da Cruz Coelho com
um trecho intitulado A mesa dos reis Acto e Teatro valorizando os temas da
histria do quotidiano, das mentalidades e da alimentao, que cruzam um vasto
campo de estudos sociais ligados com a cultura, a histria, a antropologia, a
sociologia, a literatura, a medicina, a economia, a sociedade, a religio, os
costumes a as artes.
A recenso incidir no Captulo V Imagens e representaes da mesa
ocupando-se especialmente da temtica das imagens de poder e das
representaes artsticas da mesa. Encontramos uma multiplicidade de fontes e de
memrias, no discurso de diversos especialistas e que sero detalhadas na seco
seguinte. A recenso est organizada do seguinte modo:

II III V VI
IV
Enquadramento Exposio de Contributo para Opinio
Principais ideias
temtico contedos o conhecimento Crtica

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II. Enquadramento temtico
Comer uma necessidade natural e fisiolgica de todos os homens, em todos os
tempos. Mas tambm uma prtica cultural e um campo de investigao
complexo, que convoca no s a histria e a cultura material, mas tambm a
antropologia, a sociologia, a etnologia, a psicologia, a histria de arte e a histria
das ideias, entre outras disciplinas, perfilandose como um domnio de relevo na
historiografia contemporneas.
Desde muito cedo o Homem se apercebeu da importncia da mesa como
manifestao de magnificncia e poder. A mesa representa a sacralidade entre
deuses e homens, servindo para aproximar ou afastar os comensais.
Um exemplo do espao convivial do domnio privado na poca romana o
Triclinium, que correspondia actual sala de jantar. O espao funcionava como
um microcosmo das relaes de uma sociedade hierarquizada, usado para seduzir
ou humilhar, pois a distino comea na prpria disposies dos lugares, da
baixela e vidros talhados at aos pratos servidos aos diferentes convidados.
Descries e representaes de banquetes medievais evidenciam j essa noo.
Foi especialmente na Renascena italiana que os banquetes atingiram um requinte
e esplendor, sendo testemunhada esta poca com um excelente exemplo, o
casamento do Gro Duque Fernando I da Toscana com Cristina de Lorena em
1589, no palcio Pitti em Florena, pintado por Domenico Cresti Passignanao. Este
evento influenciou as prticas teatrais das cortes europeias no sec. XVII.
De acordo com Norberto Nobbio, possvel identificar trs tipos de poder: poltico,
econmico e ideolgico. Para o tema em apreo apenas se dar relevo ao poder
poltico, definido como um poder legitimado ou posicional, surgindo como uma
forma de estrutura social capaz de influenciar os outros.
No que respeita monarquia, o poder absoluto em que os direitos reais so
considerados divinos (o Rei o representante de Deus), foi legitimado por teorias
como a do filsofo Jacques-Benigne Bossuet ao integrar as manifestaes de
pompa dos momentos ritualizados das refeies reais. O objectivo destes
momentos teatralizados serviam para evidenciar a majestosidade e grandeza do
rei.
A refeio pblica torna-se numa encenao ostensiva que representa o teatro do
poder. Nela esto envolvidos para alm do rei ou prncipe, os oficiais da Casa Real
cuja funo se encontra ritualizada, obedecendo a normas pr estabelecidas que
visam aumentar a grandiosidade dos atos. Como em qualquer representao, o
pblico est presente, neste caso a corte ou outros convidados que se pretende
impressionar.
Para a representao de poder e da ostentao so construdos cenrios de que
fazem parte o uso do dossel, a mesa elevada, as copeiras com baixela de aparato,
ricos txteis a cobrir a mesa, peas artsticas de prata com funes de saleiro e
pimenteiro, os servios de jantar, os talheres /cadinet, a naveta e o servio
francesa.

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Outro ingrediente do banquete real e aristocrtico revelador de ostentao e poder
a dimenso musical. Trata-se de uma herana da Antiguidade, que se mantem
durante a Idade Mdia europeia conhecendo particular desenvolvimento a partir
do sec. XV.
Ao longo dos seculos encontram-se evidencias destes rituais mesa dos reis e da
aristocracia, veiculadas por narrativas literrias (prosa, poesia, stira, comdia),
das iluminuras, da musica, da azulejaria, e da arte em geral. Do ponto de vista da
descrio do contedo da obra recenseada, ser includa uma explicitao
objectiva do assunto, as principais ideias defendidas, o contributo da obra para o
conhecimento e a opinio crtica do recenseador apresentando sucintamente os
pontos de discrdia ou concrdia em relao s teses defendidas pelo autor.
No que respeita especificamente recenso deste captulo com quatro temticas
complementares, a riqueza historiogrfica destes textos encontra-se na
diversidade de interpretaes e reflexes, usando a mesma fonte ou
descodificando um mesmo acontecimento.

A - A mesa do rei como metfora do poder


(Maria Adelaide Miranda e Lus Correia de Sousa)

B - A narrativa pictrica do banquete do rei nos sec XVII e


XVIII
(Marco Daniel Duarte)

C - Aparato e cenografia. A representao das artes da mesa


na azulejaria do Portugal moderno (sex XVII e XVIII)
(Maria Alexandra Gago da Cmara)

D - Banquetes, jantares, merendas e refrescos nas quintas


de recreio. Realidade e representao
(Ana Duarte Rodrigues)

A) O texto mesa do rei como metfora do poder apresenta a figura do


monarca como referente na ornamentao de paredes e dossis, no
vesturio, na baixela e na comida, visando exibir a representao do seu
poder poltico. Este texto cobre os reinados de D. Joo I a D. Manuel onde
os autores descrevam os banquetes reais como espaos de encenao e
simbologia de hierarquias, convvio, liturgia e cultura, a partir de textos e
de imagens.

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A co-autora Maria Adelaide Miranda licenciada em histria pela faculdade
de letras da Universidade de Lisboa, mestre e doutorada pela Faculdade de
Cincias Sociais e Humanas da Universidade de Lisboa, desempenhando
funes docentes no Departamento de Histria de Arte. As suas reas de
investigao centram-se na arte medieval, tendo participado em projectos
de investigao interdisciplinares de aprofundamento e divulgao dos
domnios da cor, da iconografia e da iluminura medievais. membro do
Instituto de estudos medievais, colabora no Instituto de Histria de Arte e
pertence ao conselho de redaco de vrias revistas.
O Co-autor Lus Correia de Sousa licenciado em musicologia pela
Faculdade de Cincias Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa,
sendo mestre e doutor em Histria da Arte medieval. Investigador do
Instituto de Estudos Medievais e do Centro de Estudos de Sociologia e
Esttica Musical e fundador do Study Group for musical iconography.
B) A narrativa pictrica do banquete do rei nos sculos XVII e XVIII, transmite
o binmio secular da cultura humana alimentao-caridade, uma imagem
do Rei que se alimenta e do Rei alimentador. A narrativa foi baseada na
imagtica das ceias bblicas, parabblicas, litrgicas e profanas, onde Marco
Daniel Duarte destaca a ampla ritualidade e encenao do banquete como
expresso de liberdade e de generosidade.
O autor, Marco Daniel Duarte, doutor e licenciado em Histria da Arte,
desempenhando funes de director do museu do Santurio de Ftima,
sendo membro da Academia Portuguesa de histria, da Sociedade Cientifica
da Universidade Catlica Portuguesa, e da Associao Portuguesa de
Historiadores de Arte.
C) O texto Aparato e cenografia. A representao das artes da mesa na
azulejaria do Portugal moderno (seculos XVII e XVIII) de Maria Alexandra
Gago da Cmara, recolhe da azulejaria portuguesa (em painis isolados ou
conjuntos decorativos) a representao da mesa como arte de viver,
desvendando quotidianos em cenas de refeio e ambientes de convvio, da
cozinha sala.
A autora, Maria Alexandra Gago da Cmara doutorada em histria de Arte
Moderna pela Universidade Aberta e docente nesta mesma IES, sendo
investigadora responsvel pelo projecto de inventariao do Patrimnio em
azulejo do sec XVIII em Portugal.
D) O texto Banquetes, jantares, merendas e refrescos das quintas de recreio.
Realidade e representao de Ana Duarte Rodrigues aborda o quadro
cnico da natureza e das degustaes ao ar livre nas quintas rgias
nacionais e estrangeiras, utilizando fontes escritas e iconogrficas.
A autora, Ana Duarte Rodrigues com vrias publicaes como o O belo ideal,
ou Mulheres do Sdc XVIII doutorada em Histria da Arte estudou

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iconografia com Charles Hope e com Elizabeth McGrath na School of Advanced
Studies da Universidade de Londres.

III. Exposio dos contedos


A. mesa do rei como metfora do poder
O grfico seguinte elenca as temticas deste primeiro tema, com posterior detalhe
dos contedos.

A.1. -A mesa do rei: poltica e estratgia de poder em


convivialidade;
mesa do rei como
metfora do poder

A.2. - A hierarquia das mesas como smbolo das relaes


sociais;

A.3. - Da mesa eucarstica ao banquete rgio;

A.4. -Do fausto temperana;

A.5. -Encenao e simbologia da mesa do rei

A.1. A mesa do rei: poltica e estratgia de poder em


convivialidade.
O estudo inicia com um poema de Garcia de Resende revelando as mltiplas
dimenses que assume a comensalidade associada mesa do rei, contendo uma
metfora de poder. A autora recorreu a fontes literrias e manuscritos iluminados
para mostrar que o encontro em torno da mesa um ato cultural, social e poltico,
legitimando as respectivas estratgias.
A mesa do rei era um lugar de representao do poder poltico, da ordem
hierrquica da sociedade, das condies de vida, do gosto e da estrutura da corte
e da poca em anlise. So apresentados duas pocas distintas, no que respeita a
comensalidade:
Corte itinerante (1 Dinastia Afonsina 1143 a 1383)
Os monarcas e a corte rgia eram, em tempos medievais, itinerantes, uma
condio que permitia prpria realeza, uma melhor apreenso do espao e da

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gente do reino, bem como uma exibio e propaganda do seu supremo poder. As
deslocaes dos monarcas eram exigidas por motivos de guerra, por
acontecimentos polticos, como a realizao de Cortes, pela presena em
cerimnias ou actos solenes, pela fuga a pestes, pelas actividades ldicas, como a
caa, ou por certas deslocaes sazonais da sua preferncia.
No perodo de instabilidade poltica/ guerra a corte era itinerante, cuja reunio
mesa (usando muitas vezes tendas ou casas de madeira efmeras) dependia das
condies de acolhimento das comunidades religiosas ou civis. A corte que
acompanhava o soberano cria as condies para conferir dignidade, fartura e
pompa mesa rgia usando do direito rgio de aposentadoria. Este indcio
de poder real obrigava as comunidades a fornecer ao rei viveres e todos os
utenslios necessrios, sendo o assunto tratado pelo aposentador-mor.
O aposentador-mor tinha como funo preparar e tratar do acolhimento da
comitiva real, numa multiplicidade de espaos (mosteiros, tendas, casas de
madeira ou de ramas), dando pousada e bairro hoste do rei. Era tambm
garantido sempre mesa farta, mesmo em contexto de guerra, com po, vinho e
carne. Era mesa que se tratavam dos assuntos mais importantes, se tomavam
decises polticas, se armavam cavaleiros e se definem estratgias matrimoniais,
num ambiente de convvio e diverso. Os convidados eram sentados nas mesas
em funo da sua importncia.
Neste enquadramento dado o exemplo da receo dada por D. Afonso Henriques
para tratar do casamento da sua filha D. Mafalda com o filho do conde de
Barcelona, relatada por Ferno Lopes; Era costume a segregao de gnero
nessas refeies reais. Na boda de D. Joo I com D. Leonor de Telles junto de
Elvas teve um arreal de temdas.
Portanto a mobilidade da corte rgia requer preocupaes com as condies
materiais da sua aposentadoria e alimentao. Primeiro do monarca e dos seus
privados, e, em seguida, do seu maior ou menor squito, consoante as
circunstncias. Recorriam os monarcas, na sua itinerncia, a diversas instalaes
para se acomodarem: espaos militares de castelos, por vezes associados a
alcovas, residncias do poder militar; espaos religiosos, em particular de
mosteiros; residncias privadas de senhores eclesisticos ou laicos; ou dispunham
tambm de paos, de residncias prprias.
Corte no pao rgio (2 Dinastia Avis 1385 a 1540)
D. Joo nos anos iniciais do seu reinado foi compelido a uma significativa
actividade blica, tendo de percorrer longos percursos, dentro e fora do reino.
Circulou entre o Minho, TrsosMontes e Beira, descendo ao Alentejo e saiu
mesmo do reino, avanando pela provncia de Salamanca, ou outras vilas e
cidades galegas ou estremenhas.
Numa segunda poca, de maior estabilidade D. Joo (1402) optou mais
significativamente pela sedentarizao. A corte rgia fixouse, em torno do
tringulo urbano e comercial de Lisboa, Santarm e vora e, a partir de meados

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de 1420, era quase apenas nesses locais que vivia o monarca com os seus
familiares, vassalos e clientelas (Moreno 1988).
Na representao do jantar de D. Joo I com Joo de Gand em Ponte de Mouros,
uma iluminura na Chronique dAlngleterre de Jean Wavrin, (British Libray.
Roy.14.E.IV, f. 244v), mostra claramente que os banquetes reais so
manifestaes de poder, propaganda e espectculo, revestindose de uma etiqueta
e cerimoniais rigorosos.

Figura 1- Representao do jantar de D. Joo I com Joo de Gand em Ponte de


Mouros, uma iluminura na Chronique dAlngleterre de Jean Wavrin, (British Libray.
Roy.14.E.IV, f. 244v)
Fonte: Buescu, Ana Isabel e Felismino, David (ed) (2011, p.387)
Lugares na mesa:
Figura central - O Rei: todo o ritual desenvolve-se em torno da figura central do
rei, segurando majesttico o ceptro, (o que revela o carcter oficial do evento),
estando sentado ao meio da mesa principal e em posio mais elevada.
direita: Arcebispo de Braga (representante do poder religioso). A figura do
bispo destaca-se nesse cadeiral pelas dimenses, pose e proximidade da cruz
(pela direco parece que a segura com a mo direita).
esquerda tambm est D. Nunes Alvares Pereira (condestvel), homem de
confiana do rei.
esquerda: Duque Joo de Gand. Segundo a histria, Joo de Gand deu a
escolher ao rei de Portugal entre as suas duas filhas Filipa, de vinte e oito anos
de idade, ou Catarina, que ainda no atingira os vinte D. Joo optou logo por

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Filipa por motivos de no estar envolvida em disputas de sucesso com outros
pases. notrio que a disposio dos convivas segundo o seu estatuto social e
respeitando a mais rigorosa hierarquia. Observa-se ainda que o clero fica sempre
esquerda do rei
Ofcios de boca:
O mestre de sala: figura esquerda, nobre vestido de preto com um
chapeiro e um colar de ouro (poder ser tambm o fsico);
3 escudeiros na sala o servio: traje da poca: calas justas; sapatos
pontiagudos (duques e prncipes esto autorizados a trazer sapatos 2,5 vezes o
comprimento do p; a alta aristocracia 2x, os cavaleiros, 1,5 vezes; gente rica,
uma vez e o homem comum vez); casaca com cintura descida e ombros largos;
ostentam colares de ouro ao pescoo e espada ou punhal cintura, cabea
descoberta;
2 Serviais na copa: o modo como se vestem (avental branco) mostra
que pertencem a um estrato social baixo.
2 msicos colocados num varandim decorado com panos, para anunciar e
acompanhar o servio. Tocam aerofones
Alimentos sobre a mesa:
Po (trigo, alvo); carne (poderia ser: vaca, porco, cabrito, aves, caa) no se
observa vinho nem nenhum objecto associado (talvez uma apreciao moral
acerca dos excessos do vinho; bebia-se simples ou misturado com agua; beber
vinho puro era considerado brbaro); frutas (cerejas, pssegos, castanhas, nozes,
so comuns mas neste caso no esto visveis; 3 saleiros, duas facas, talhador.
Cenrio do espao: o iluminador procura criar uma encenao do poder rgio,
no apenas pela posio dos participantes no evento, mas tambm pelo arranjo
da sala: sala forrada com panos; a lareira encimada com 2 pequenas imagens um
anjo e uma virgem podendo significar o desejo de estabelecer um paralelo entre a
anunciao do Messias e a fundao de uma nova dinastia.
A.2. A hierarquia das mesas como smbolo das relaes sociais;
A mesa reflecte a hierarquia social: posio que cada elemento ocupa junto ao
rei; ordenao das mesas e a sua disposio espacial; segregao de gnero
(mesa masculina e mesa das damas); organizao da mesa; a distribuio dos
convivas; o requinte do servio; quem assegura o servio (a mesa real era servida
por oficiais-mores e a dos embaixadores pelos moos da real cmara).
Exemplos desta hierarquia: iluminuras histria de Alexandre; Casamento de
Peleus e Ttis.
Msica: Os banquetes e as bodas so acompanhados por msica. Os menestris
(msico medieval que cantava e tocava) poderiam tocar harpa, viola de arco,
rgo portativo, )

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Dimenso / decorao espao: cor dos tecidos das vestes e dos panos que
decoram as paredes, acentuam a teatralidade.
Baixela: Peas de baixela de ouro (naveta e pxide); incensrio

Figura 2: Banquete oferecido por Alexandre o Grande. Iluminura da Histoire du


Grand Alexandre, fl. 298, Frana Sculo XV. Muse du Petit Palais
Fonte: Buescu, Ana Isabel e Felismino, David (ed) (2011, p.393)
A.3. Da mesa eucarstica ao banquete rgio
A simbologia poltico-religiosa remonta antiguidade, sendo o banquete um
importante espao de convvio, liturgia e cultura. Na sociedade Espartana, o ato
de comer em conjunto era uma forma de fortalecer os laos entre cidados,
sobrepondo-se ao domnio privado da famlia.
As discusses filosficas e polticas tinham lugar no triclinium (era uma sala
reservada s refeies, com trs leitos dispostos volta de uma mesa vide
imagem infra). Os Romanos, que antes comiam sentados, passam, por influncia
grega, a tomar as suas refeies reclinados (deitados). O jantar era um ritual na
vida dos antigos romanos e durava desde o fim da tarde at a madrugada.
Para mostrar a importncia do espao, o triclinium era decorado com mosaico ou
frescos nas paredes. Deuses e mitos eram muito comuns na decorao dos
cmodos. Durante o banquete, canes e danas eram usados para entreter os
convidados.

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Figura 3: Exemplo de triclinium
Fonte:
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/7/76/Triclinium_-
_Arch%C3%A4ologische_Staatssammlung_M%C3%BCnchen.JPG/250px-
Triclinium_-_Arch%C3%A4ologische_Staatssammlung_M%C3%BCnchen.JPG
Os banquetes esto tambm presentes em alguns episdios do Antigo e Novo
Testamento sendo referidos: Hospitalidade de Abrao, O festim de Baltazar,
As bodas de Cana, O banquete de Herodes, A ltima ceia ou Ceia de
Emas.
A ltima ceia o modelo adotado para a encenao rgia, seguindo os smbolos
associados ao ritual eucarstico da partilha tomai e reparti entre vs:
O processo de pr a mesa;
O processo de trazer a gua e de a servir;
Comer sobre toalha branca;
Utilizar pratos ou talhadores, facas, copo;
Loua de metal precioso (mostrar poder);
Po (alimento principal) deveria estar sobre a mesa antes da entrada dos
senhores. Em algumas casas reais medievais, o po deveria ser
resguardado em duas toalhas, simbolizando a sua sacralidade;
o vinho tambm est presente em muitas refeies;
Ato ritualizado de partilha dos alimentos (o prprio Cristo se oferece aos 12
apstolos)
referida a diferena entre os constituintes da refeio aristocrtica e eucarstica.
A primeira rica e abundante com alimentos especficos e um servio com papis,
tarefas e tempos definidos. A segunda prima pela frugalidade (apenas o po e o
vinho so partilhados) e no h serviais e Cristo apresenta-se em posio frontal.

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Figura 4: A ltima ceia de Leonardo Da Vinci (1497)
Fonte:
https://www.google.pt/url?sa=i&rct=j&q=&esrc=s&source=images&cd=&cad=rja
&uact=8&ved=0ahUKEwjel9r798TTAhVEVRQKHSEsCHUQjRwIBw&url=http%3A%2
F%2Fwww.infoescola.com%2Fpintura%2Fa-ultima-
ceia%2F&psig=AFQjCNFiFELU0xePS5OKOCjKFzRONYRf6w&ust=149339283101891
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Tambm na iluminura de Refeies em casa de Elcana (icon na Biblia Sec XIII)
a simplicidade e conteno que parecem reflectir o ideal de moderao mesa.
A.4. Do fausto temperana
A abastana constitua um sinal de poder, enquanto comer com moderao
mostrava educao. Em vrias crnicas so indicados reis que atravs da sua
moderao quanto composio das refeies, transmitem uma imagem de
sobriedade, tais como por exemplo D. Duarte (Regimento do estomago) e D.
Afonso V, reflectindo a sua cultura judaico-crist.
No entanto outros reis (D. Afonso IV) mostraram gastos excessivos com a
alimentao (Pragmtica de 1340), a grande variedade de pratos, a segmentao
dos convidados que ocupavam lugares na mesa conforme o seu estatuto social e o
nmero diferenciado de pratos servidos.
A.5. Encenao e simbologia da mesa do rei.
A mesa do rei tinha uma dimenso social (requinte do servio, alimentao
cuidada, apresentao da refeio que inclua entremezes - Representao teatral
burlesca ou jocosa, de curta durao, que serve de entreato da pea principal,
musica e dana), uma dimenso de convvio, de disputa intelectual e de debate de
estratgia polticas.

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Figura 5: Banquete (o esplendor dos entremezes) do romance de Alexandre.
Borgonha, secXV. Muse du petit Palais
Fonte: Buescu, Ana Isabel e Felismino, David (ed) (2011, p.398)
A partir do rei organiza-se todo o aparato com o objectivo de mostrar o rei:
visvel a dignidade e riqueza da mesa: abundancia e variedade alimentos,
elementos ornamentais (tapearias), baixelas, aprumo da mesa, alfaias, vestes do
rei e seus convidados);
Mesa com local de convvio e cultura: tomar a refeio acompanhado por
elementos intelectuais da corte, leitura de livros, disputas, msicos, danas)
A mesa do rei como local para ser visto com banquetes pblicos: tanto por
populares, por fidalgos e visitantes estrangeiros.
B. A narrativa pictrica do banquete do rei nos sec XVII e XVIII
A pintura possui um valor narrativo, sendo considerada como expresso que fala,
sendo possvel (atravs dessa fonte artstica) obter uma multiplicidade de
informaes. Para ajudar no entendimento acerca da refeio real, utilizam-se as
artes visuais, fontes escritas e materiais, e representaes plsticas de diferentes
encenaes associadas alimentao.
Na iluminura do banquete de D. Joo I o autor (Jean de Wavrin) construiu um
cenrio que cristaliza elementos comuns a uma infinidade de ceias, onde o cenrio
de sociabilidade valoriza a linguagem dos smbolos. Alguns exemplos:

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Paredes com uma enorme lareira sobreposta a um janelo, enfeitado com
as armas, dossel e pano de armar, dos nobres que se banqueteiam.
Uma tribuna para os msicos;
Uma porta de servio para o exrcito de oficiais;
Os assentos hierarquicamente diferenciadores, com e sem espaldares;
Uma grande mesa de gonzos
Uma bancada de servio;
Soleniza a figura do primeiro comensal, o rei (sentado ao centro da sala
sobre cobertura txtil e acima dos outros);
Mostra panos de armar e dossis de brocado que sustentam as armas dos
convidados.
Outros autores como Heitor Pinto criticam no s as gastronomias dos lautos
banquetes mas tambm os diversos elementos cnicos, s casas, s cadeiras, que
elevavam a refeio a patamares distantes das de Cristo, que eram simples e sem
pompa, sem delcias nem vaidades.
O rei tambm comia em banquetes pblicos e por vezes poderia ser presidido pela
rainha (por exemplo D. Maria Ana da ustria) que comeu juntamente com outras
damas e as suas crianas. No reinado de D. Joo V, na poca moderna com a
introduo de novos alimentos na gastronomia portuguesa, como o caso do
chocolate quente.
Nas quintas-feiras santas, as cerimnias pblicas os reis aderem aos simbolismos
do lava-ps semelhana dos ministros do culto divino, em contexto encenado do
binmio alimentao-caridade. Verifica-se que o rei alimenta-se e alimenta.
C. Aparato e cenografia. A representao das artes da mesa na
azulejaria do Portugal moderno (sex XVII e XVIII)
Segundo Trindade (2007), a origem em Portugal da cermica de revestimento
vidrada indeterminada mas provavelmente muito arcaica, talvez representando
uma sequncia ininterrupta da actividade dos alfareros mouriscos cuja produo
na Pennsula Ibrica atesta o conhecimento das tcnicas necessrias fabricao
do vidrado estanfero desde pelo menos o sculo XIII.
Aparato e cenografia

Comportamentos

Quotidianos

Espaos

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Maria Alexandra Camara descreve o papel da azulejaria civil portuguesa dos sc.
XVII e XVIII como modelo de representao social e cultural do sociedade da
poca. Aborda o discurso normativo e plstico dos comportamentos, os
quotidianos e dos espaos.
O universo da pintura azulejar revela uma funo social, apresentada nas suas
variantes de discursividade mundana e de encenao, estabelecendo pontos de
encontro entre os que "actuam" e os que "observam", visando a construo de
"espectculo". A azulejaria reflete uma atitude de exibio, procurando elevar
actividades comuns dimenso e categoria teatral, trazendo ao nvel da
conscincia, posturas e vivncias at ento encarados como espontneas.
De notar que as primeiras utilizaes conhecidas do azulejo em Portugal como
revestimento monumental das paredes foram realizadas com azulejos hispano-
mouriscos, importados de Sevilha cerca de 1503. Portugal manifestou o gosto por
revestimentos cermicos monumentais em igrejas e palcios, sendo no entanto
dispendiosa, pois pesar de serem baratos os azulejos, a sua aplicao era
complexa e lenta.
Azulejos de padro, produzidos em grande quantidade e de fcil aplicao, vieram
ento a ser utilizados primeiro em mdulos de repetio com 232 azulejos, depois
em mdulos maiores que atingiram 12312 azulejos, geradores de fortes ritmos em
diagonal. Em qualquer destas utilizaes de azulejos enxaquetados e de padro,
era essencial o uso de cercaduras e barras para uma eficaz integrao nos
contornos das arquitecturas.
A partir do ltimo quartel do sculo XVII e durante quase cinquenta anos,
importaram-se dos Pases Baixos conjuntos monumentais de azulejos. Estas
importaes foram abandonadas (1715), pois houve reaco das oficinas
nacionais, que chamam a si pintores com formao na pintura acadmica,
respondendo assim a uma clientela agora mais exigente.
No segundo quartel do sculo XVIII assistiu-se a um grande aumento do fabrico
de azulejos, potenciada pelas grandes encomendas chegadas do Brasil. A Grande
Produo de azulejaria coincidente com o reinado de D. Joo V (1706-1750),
correspondendo ao uso grandes painis historiados, com repetio das figuraes,
ao recurso a motivos seriados como albarradas e simplificao da pintura das
cenas, ganhando as molduras grande importncia cenogrfica.
A par dos temas religiosos encomendados pela Igreja, utilizaram-se para os
palcios temas ligados a cenas buclicas, mitolgicas, de caa e guerreiras, ou
relacionadas com um dia a dia corteso. O azulejo permite captar o modelo social
e cultural portugus da poca, sendo um consumo de elites (nobreza tradicional e
nobreza nobilitada em crescimento na poca) que procuram imitar a corte.
Observa-se uma ostentao particular em espaos determinados, criados pela luz
e brilho do azulejo, relacionado com a ideia de espelho, a que est associada a
temas do quotidiano. Essas figuraes comportam-se como cenrios mostrando
comportamentos, quotidianos e espaos.

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C.1. Comportamentos, discurso normativo
Na literatura produzida entre o sc. XVI e XIX evidencia-se a ordem e organizao
da mesa, onde o ato de comer objecto de codificao e de ritualizao. Esta
discursividade normativa correspondeu a um comportamento idealizado,
pressupondo a lgica da distino social.
So codificados os comportamentos sociais literatura ou tratadstica de civilidade
ou de comportamento social. Exemplos de etiqueta e civilidade referem
comportamentos mesa (como estar mesa e o desenrolar do servio; relaes
entre convivas; alimentos e utenslios; modos de trinchar as diferentes peas de
assado; manuais de cozinha; definem-se os lugares dos talheres.
No protocolo mesa ningum se senta ou levanta antes do anfitrio; o senhor
da casa fica cabeceira da mesa e o convidado mais importante sua direita.
Durante o repasto: no se molha no vinho as cdeas rijas;
Segundo a autora, na arte de azulejaria do sc. XVIII so identificadas essas
ocorrncias do quotidiano e da arte de estar mesa e de viver, influenciando a
arquitectura em trs dimenses: espao pessoal, relao estrutural e o confronto
com o espao total.
C.2. Quotidianos
Entre os sc. XVII e XVIII a pintura de azulejos tornou-se um simulacro da vida
social, ao acompanhar a evoluo da sociedade portuguesa, sendo um importante
elemento de animao mural do barroco, verificando-se um entendimento com a
arquitectura, um forte poder da imagem e reinveno do prprio espao fsico.
O azulejo definido como espao de representao social, em varandas, ptios,
terraos, fontes, bancos e alegretes, cozinhas, corredores e sales nobres, prope
espectculo (pois exterioriza tudo o que se pretende mostrar para emocionar)
atravs da exaltao sensorial. A azulejaria traduz e recria a vivncia do
quotidiano na sua adaptao realidade portuguesa, sendo dados alguns
exemplos:
Painel de azulejo (sc. XVIII) no Palcio Pombal, Oeiras onde
representada a preparao do chocolate;
Painel de azulejo na Quinta de Manique, no Estoril, constitudo por 4 painis
alusivos temtica do lazer. Num dos painis representada uma refeio
ao ar livre, focando numa mesa coberta de iguarias, servidos por criados e
um pequeno pajem.
Painel de azulejos no exterior do Palcio dos Guies em Lisboa, mostrando
uma cena de refeio em espao fechado onde o pintor mostra em pormenor a
iguaria colocada no centro da mesa (coelho), garrafas de bebidas, copos, terrina
trazida pelo criado;
Painel de azulejo (sc. XVIII) no Palcio do Correio-mor, Loures (em baixo):
cena de refeio localizado na sala de jantar, realizado pela Oficina de Lisboa;

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Painel de azulejos no Palcio Valada em Azambuja (em baixo) mostrando
refeies das elites no exterior, provavelmente de merenda.

Em concluso, o azulejo figurativo soube criar um espectculo de representao


integrando-o em espaos onde se desenvolvia a vida quotidiana.
C.3. Espaos da cozinha sala: os espaos de refeio
O azulejo foi considerado como um elemento estruturador e articulador de
diferentes espaos, quer religiosos quer profanos. Considerando a casa nobre
como estrutura e espao de representao social, onde se anuncia um conjunto de
prticas comportamentais e normativas.
Essas elites construram palcios seguindo a moda europeia e quer no interior da
casa nobre, no palcio, na quinta de recreio, no jardim ou em todos os espaos

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abertos, o quotidiano partilhava o sentido do espectculo, que se manifestava na
prpria encenao dos comportamentos e nas manifestaes que animavam a
cultura do seu tempo.
O estar mesa, as refeies, os jogos de salo, os passeios, as merendas ao ar
livre ou os seres musicais desenrolavam-se em cenrios onde o espao ocupado
pelo revestimento azulejar se tornou preponderante. A autora traa o percurso da
refeio, nas casas da elite social, desde a preparao dos alimentos at ao seu
consumo, analisando as plantas das habitaes do sc. XVIII.
No espao da casa nobre a cozinha era um dos compartimentos de referncia,
podendo ser um espao adossado ao edifcio, na prpria construo ou
centralizado no edifcio, sendo utilizado tambm como zona de consumo de
alimentos. A sala de estar s se autonomizou no final do sec XVIII.
Na cozinha era quase obrigatrio o uso do azulejo, cobrindo integralmente
paredes, contornando arcos, janelas, portas e fazendo integrao do espao. A
autora indica alguns exemplos de originalidade de conceo:
Cozinha do Palcio Pimenta em Lisboa (a cozinha toda revestida a azulejo
com representaes de coelhos, porcos e peixes; onde uma escrava negra
arranja o peixe na companhia do seu gato. O seja existe a representao de
uma cozinha dentro de outra cozinha).
Cozinha do Palcio do Correio-mor em Loures (cozinha grande com uma
mesa em pedra onde as paredes esto forradas a azulejos com motivos de
peixes, enchidos e peas de carne;
Nos sales nobres, sobressai o brilho dos azulejos (temas de galanteria,
cenrios mitolgicos, cenas de mesa, ) e o seu efeito teatral combina com sedas,
brocados e peas de mobilirio, num espao de representao social e grande
carga vivencial onde eram montadas refeies conjuntas.
D. Banquetes, jantares, merendas e refrescos nas quintas de recreio.
Realidade e representao
Desde a Restaurao que se acentuam novas formas de civilidade e uma maior
disponibilidade para o prazer o lazer. Nos sc. XVII e XVIII verifica-se um
crescendo e variedade da sociabilidade em torno da mesa, constituindo os
banquetes, jantares, merendas e refrescos tomados nas quintas de recreio,
imitando a etiqueta e o aparato cnico da corte de Lus XIV. Os painis de azulejo
na Quinta de Marqus de Pombal em Oeiras mostram as merendas ao ar livre,
revelando a evoluo das formas de recreao, onde o esquema palcio-jardim
concorre para se transformar no local ideal da festa.
D. Pedro oferecia grandes festas por ocasio do S. Joo, do S. Pedro, de
aniversrios na Quinta Real de Queluz, servindo banquetes e jantares festivos
servidos com grande pompa. Atravs do rol de despesas possvel saber os
ingredientes comprados para essas festas: grandes quantidades de carnes, e ovos
(para os doces), vinho importado de Itlia e Frana. Alem das bebidas alcolicas
eram servidas ch, caf e chocolate.

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Foram indicadas algumas das Profisses de boca da poca:
Mestre-sala: O mais importante cargo neste tema da mesa era o
mestre-sala, que em 1750 era ocupado por D. Anto de Almada, passando
o cargo para o seu filho (D. Loureno de Almada) em 1797.
Oficiais de mesa: nesta profisso existe o Trinchante da Casa Real (D.
Fernando de Almeida); Copeiro-mor Antnio de Noronha; Reposteiros da
copa, que poem a mesa; Manteeiro, responsvel pela comida que coloca na
mesa.
Mesmo as funes menos elevadas so desempenhadas por pessoas da
mais alta distino.
Uma boa descrio deste aparato feita por Artur William Costigan aquando da
festa de noivado da filha do marqus de Pancorvo com o lorde Freeman, numa
quinta situada na Moita. Os convidados seguiam em 12 barcos tipo gondola
ricamente ornados, servidos por criados vestidos de libr e animados por bobos e
bandas de msicos. Este aparato fazia lembrar o encontro da rainha do Egipto
com Marco Antnio.
O jantar de grande pompa e grandeza compunha-se por trs servios regulares,
servidos numa baixela de prata, tendo cinquenta talheres com 2 criados atras de
cada cadeira vestidos de uniformes com punhos de renda e colar da ordem de
Cristo ao peito. Aps espectculo musical e muita bebida alcolica era servido caf
e os convidados regressavam a Lisboa.
As quintas de recreio so tambm palco para variadas mesas como pequenos-
almoos, merendas e refrescos e ainda actividades de recreao como apanhar a
fresca, pescar nos lagos, ver pssaros, etc.
Nas merendas, as mesas eram montadas no exterior, com ou sem toalha,
utilizando-se loua fina de vidro ou de porcelana (refrescadores) e servidas por
criados de libr e entretidos por msicos. A autora revela vrios painis de
azulejos onde estas cenas se podem observar: Palcio dos Chaves em Vila Ch
de Ourique, Quinta das Lapas em Monte Redondo.
No que respeita a mobilirio de jardim: mesas redonda de pedra (Quinta da
Bacalhoa); mesa rectangular de pedra negra (Palcio de Fronteira); 2 mesas de
pedra (Quinta do Marques de Pombal em Oeiras).
O conceito da poca de refrescos no era apenas bebidas frescas, mas refeies
ligeiras servidas nas quintas, mas tambm nos quartos de Suas Altezas,
constitudas por sorvetes, frutas, doces, bebidas (ch, chocolate, refrescos de
limo e gelo). Estas refeies preparadas ao ar livre requeriam um aparato e luxo
semelhante ao dos eventos no interior dos palcios.

IV. Principais ideias do captulo


O acto de comer em comunidade, intrnseco ao homem, constitui-se como um
marcador de identidade cultural, histrica e etnolgica, ligando os homens entre
si, criando e definindo comunidades, valores, crenas que exprimem um modo de

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representao e de interpretao do natural e do sobrenatural. Tudo comea
quando se considera a refeio como um evento real e simblico com uma funo
reparadora e restauradora, que alimenta o homem enquanto ser social.
O alimento uma categoria atravs da qual as sociedades constroem
representaes sobre si prprias, definindo as suas identidades em relao a
outras. O acto de comer em comunidade constitui-se como um marcador de
identidade cultural, histrica e etnolgica, ligando os homens entre si, criando e
definindo comunidades, valores, crenas que exprimem um modo de
representao e de interpretao do natural e do sobrenatural.
A refeio um evento real e simblico com uma funo reparadora e
restauradora, que alimenta o homem enquanto ser social. A comensalidade,
estudada nos seus diversos nveis (ceia, boda, banquete), pretende situar cada
indivduo num espao concreto, onde, revelando-se, pode interagir e relacionar-se
com as mais diversas finalidades, positivas e negativas.
A mesa comum proporciona convivialidade, partilha e o estreitamento de laos,
bem como tambm a afirmao de estatuto e de poder, ocasio em que a mesa se
torna lugar de conflito. A comensalidade nos seus diversos nveis (ceia, boda,
banquete) situa cada indivduo num espao concreto, onde pode interagir e
relacionar-se com as mais diversas finalidades, positivas e negativas.
Nas sociedades que nos precederam, comer era um lugar e um acto de
diferenciao social, distino simblica e significado poltico. De acordo com
Buescu (2014, p.145) a mesa do rei em contexto medieval evidenciava essas
vrias dimenses: a dimenso poltica e sanitria da alimentao do rei de acordo
com a concepo organicista da sociedade, os alimentos e produtos que iam sua
mesa, e a ostentao nos banquetes, especialmente evidente em ocasies
cerimoniais e simblicas de importncia para a monarquia.

V. Contributo do artigo para o conhecimento


O estudo da alimentao no caso nas elites sociais, um campo de estudos
interdisciplinar, convocando, de forma directa, uma perspectiva poltica, sanitria,
vincando as hierarquias sociais e assente num conjunto tendencialmente mais
complexo de cerimoniais.
Mais recentemente, e de acordo com Andr Burguire, na sua obra Alimentation
apenas nos anos sessenta do sculo XX as questes relativas alimentao
assumiram um lugar no campo da reflexo e da investigao histricas. A
divulgao da chamada nouvelle histoire, que reflectia os avanos da histria
econmica e da histria social e o dilogo interdisciplinar com a etnologia e a
antropologia, foi apoiada em Frana e Itlia por vrios autores, que tiveram um
papel decisivo na afirmao deste novo territrio do saber.
Claude Lvi-Strauss com a trilogia Le Cru et le Cuit (1964), Du Miel aux
Cendres, (1966) e LOrigine des Manires de Table (1968);

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Jean-Louis Flandrin com Pour une Histoire de lAlimentation nos Cahiers
des Annales (1970); Le got et la ncessit: sur lusage des graisses alimentaires
dans les cuisines dEurope occidentale (XIVe-XVIIIe sicle) nos Annales ESC, n.
3, (1983); Internationalisme, nationalisme et rgionalisme dans la cuisine des
XIVe et XVe sicles (1982); A distino pelo gosto in Histria da Vida Privada
(1990).
Jean-Louis Flandrin e Massimo Montanari (dir.), Histoire de lAlimentation,
Paris (1997)
Massimo Montanari com as obras LAlimentazione contadina nellalto
Medioevo, Napoli, Liguore, (1985); Alimentazione e cultura nel Medioevo, (1992);
La fame e labbondanza. Storia dellAlimentazione in Europa, Roma, Laterza,
(1993).
Roland Barthes no seu trabalho Pour une psycho-sociologie de
lalimentation contemporaine considera a histria da alimentao, (ancorada na
produo, no consumo e no gosto) no apenas a histria do que se come,
ou uma coleo de produtos, mas [...] un systme de communication, un corps
dimages, un protocole dusages, de situations et de conduites (Cahiers des
Annales, 28, ob. cit., p. 309).
Em Portugal esta temtica tem valiosos contributos sobre a alimentao em
diferenciadas vertentes como a produo e os mercados, padres de consumo,
hbitos, gostos e gostos alimentares e culinrias, receiturios, mesa e hierarquia
social. Alguns investigadores:
H. de Oliveira Marques revela no seu trabalho A Sociedade Medieval
Portuguesa. Aspectos de Vida Quotidiana (1981);
Joo Pedro Ferro Lalimentation au Portugal du Moyen Age au XVIIIe
sicle (1981);
Salvador Dias Arnaut com O Livro de Cozinha da Infanta D. Maria (1986);
Iria Gonalves, com Acerca da alimentao medieval (1988); A colheita
rgia medieval, padro alimentar de qualidade (um contributo beiro (1992);
Defesa do Consumidor na Cidade Medieval: os Produtos Alimentares (Lisboa,
sculos XIV-XV) (1996); Mesa, com o Rei de Portugal (sculos XII-XIII)
(1997); Sobre o po medieval minhoto: o testemunho das Inquiries de 1258
(1999); A alimentao medieval: conceitos, recursos, prticas (2000); Entre a
abundncia e a misria: as prticas alimentares da Idade Mdia Portuguesa
(2004); A propsito do po da cidade na Baixa Idade Mdia (2007);
Maria Helena da Cruz Coelho, com obras Apontamentos sobre a comida e a
bebida do campesinato coimbro em tempos medievos (1990);
Maria Jos Azevedo Santos, com obras A Alimentao em Portugal na
Idade Mdia. Fontes, Cultura, Sociedade, Coimbra (1997); A escrita serve
mesa. Um valioso livro da ucharia da casa d El Rei D. Joo III (2005).

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VI. Opinio crtica
O processo civilizacional das sociedades integra o fenmeno da comensalidade, a
simbolizao e a ritualizao deste surge, neste contexto, como processo de
expresso dos diversos modelos culturais, sociais, antropolgicos e etnolgicos.
Todas as culturas e perodos de histria tiveram regras de protocolo que
reflectiam hierarquias, poderes e ostentao. A evoluo dos ofcios ligados
mesa real (cozinha, copa, escanaria e ucharia) subsistiu ao longo dos seculos,
sendo vistos como parte essencial da estrutura da corte, mostrando uma estrutura
organizacional muito complexa e movimentando muitos recursos materiais,
humanos e financeiros.
Estes factos do passado so cruciais para compreender o futuro. Ccero referia que
a histria era a mestra da vida (em latim: historia magistra vitae). Com esta
expresso, Ccero queria dizer que por meio dos exemplos do passado, dos
sofrimentos e sucessos, das tragdias e dos grandes feitos das geraes
anteriores, podemos extrair lies para nos orientarmos no presente, diante dos
problemas que se apresentam. A histria permite a compreenso alargada da
sociedade e da cultura, possibilita uma perspectiva crtica sobre fenmenos
polticos, apoia ao entendimento das diferenas entre as pessoas, os pases e as
civilizaes.
Muitas formas de comportamento que se observam hoje, como a violncia
motivada por xenofobia ou por racismo, a estranheza por certos hbitos
alimentares e por certas tradies que cultivam prticas culturais muito
diferentes, geralmente existem por falta de conhecimento histrico ou por um mal
conhecimento da histria. O estudo da histria tem a importncia de dar suporte
compreensivo s pessoas, fomentar a civilidade e tolerncia, no seu meio e em
situaes diferentes da sua cultura.

Referencias Bibliogrficas
Buescu, Ana Isabel e Felismino, David (ed) (2011). A mesa dos reis de Portugal.
Ofcios, consumos, cerimnias e representaes (seculos XIII-XVIII). Captulo
Imagens e representaes da mesa, pp. 382-453. ISBN (Circulo dos leitores):
978-972-42-4695-6
Burguire, Andr (1986). Alimentation. Dictionnaire des Sciences Historiques, dir.
Andr Burguire, Paris, PUF, 1986, pp. 7-11.
Moreno, H. B. (1988). Os Itinerrios de el-Rei Dom Joo I (1384-1433). Lisboa,
Instituto de Cultura e Lngua Portuguesa.
Trindade, Rui Andr Alves (2007). Revestimentos Cermicos Portugueses. Meados
do Sculo XIV Primeira Metade do Sculo XVI. Lisboa: Edies Colibri, Faculdade
de Cincias Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

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