Resenha do livro "Os Perigos da Interpretação Bíblica" de D. A. Carson, feita por Jeiel França para a disciplina de Hermenêutica do Seminário Teológico Batista de Jundiaí.
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Seminrio Batista Teolgico de Jundia
Aluno: Jeiel da Silva Frana
Prof. Daniel Disciplina: Hermenutica
OS PERIGOS DA INTERPRETAO BBLICA
As palavras esto entre os instrumentos bsicos de qualquer orador,
seja ele um palestrante, um poltico, um professor, um pregador, etc. Elas tambm tm o poder de externar ou evocar emoes, transmitir informaes, alegrar ou aborrecer, abenoar ou maldizer. As palavras louvam e blasfemam. Por essa razo, o uso imprprio da lngua e a interpretao errnea das palavras, escritas ou faladas, devem ser evitados a todo custo, mais ainda quando tratamos da interpretao dos textos bblicos, pois estamos lidando com exposio dos pensamentos do prprio Deus. D. A. Carson inicia seu estudo sobre Os Perigos da Interpretao Bblica alertando com relao a erros (falcias) comuns cometidos por pregadores bblicos e estudiosos quando envoltos na tarefa de realizar a exegese (exposio do significado) de textos das Sagradas Escrituras. Esse bloco inicial de estudo trata das chamadas Falcias vocabulares. O primeiro erro citado refere-se Falcia do radical, tido com um dos enganos mais persistentes. Esse pressupe que toda palavra realmente tem um sentido ligado sua forma ou a seus componentes, isto , sua raiz ou razes originrias. Um dos erros clssicos consequentes dessa suposio est na traduo do substantivo apstolo do grego. A palavra original grega cognata de outra palavra grega que significa eu envio. Dessa forma, algumas interpretaes para apstolo trazem o sentido de aquele que foi enviado. No entanto, no Novo Testamento, o substantivo apstolo quer ressaltar no aquele que foi enviado, mas sim a mensagem que ele leva, e a quem ele representa com essa mensagem. Portanto, o verdadeiro uso da palavra no advm de sua raiz etimolgica, mas sim do significado que ela carregava de representante ou mensageiro especial. Outro exemplo histrico dessa falcia a traduo do adjetivo unignito do grego. A palavra grega originria de duas razes que significam nico e gerar, respectivamente. No Novo Testamento, esse adjetivo grego muitas vezes se refere ao relacionamento entre um filho e um pai. Tanto que usado em Hebreus 11.17 para falar da relao entre Isaque e Abrao, o que claramente depe contra a traduo como unignito, uma vez que Abrao teve mais filhos com suas duas concubinas, Agar e Quetura. Na verdade, contrariamente s razes etimolgicas de seus componentes, a palavra grega comumente traduzida por unignito traz um sentido mais voltado para filho singular, especial, amado. Esse erro se assemelha a tentar traduzir primavera a partir dos seus componentes, prima e Vera para chegar-se ao sentido lingustico real e atual dessa palavra na lngua portuguesa. Outra falcia recorrente o Anacronismo semntico, que ocorre quando um significado mais recente de certa palavra transportado para a literatura antiga, tentando impor seu significado atual ao sentido lingustico original. Caso tpico o substantivo grego que origina a palavra dinamite. Paulo utiliza esse substantivo em Romanos 1.16 para designar poder, e no faz sentido tentar traduzi-lo como dinamite, apesar do seu uso atual. Alm disso, o texto fala de poder para salvao, e no para destruio, o que faz com que mesmo a analogia com dinamite seja tambm imprpria. Outro exemplo dessa falcia o uso atual da expresso o sangue de Jesus. Apesar da beleza potica derivada de 1 Joo 1.7 de que o sangue de Jesus nos purifica de todo pecado, Joo no atribuia nenhum poder purificador ao sangue de Cristo propriamente dito, mas sim sua morte violenta e sacrificial. O que nos faz andar na luz (ou seja, sermos purificados do pecado) a aceitao verdadeira do sacrifcio de Jesus na cruz em nosso lugar. Outro erro destacado pelo autor a Obsolescncia semntica, em que o intrprete atribui a uma palavra um significado que ela teve no passado, mas que j no mais faz parte do campo semntico da mesma, ou seja, utiliza um sentido obsoleto para a palavra em questo. Dentro desse caso, existem tanto palavras que deixaram de existir por desuso, quanto outras que sofreram mudana de significado com o tempo. Um exemplo bem conhecido o do substantivo grego que origina o nosso termo mrtir. Esse substantivo passou pelo processo de desenvolvimento descrito abaixo at chegar ao significado que lhe damos atualmente: a. Algum que fornece provas, em um julgamento ou no; b. Algum que d testemunho ou faz afirmao solenes (de sua f ou crena, por exemplo); c. Algum que testemunha sua f pessoal, mesmo sob ameaas de morte; d. Algum que testemunha sua f pessoal aceitando a morte; e. Algum que morre pela causa em que acredita; f. Algum digno de pena (evoluo adicional na lngua portuguesa).
bem possvel que, em determinado perodo, esse substantivo grego
possa ter sido usado por uma pessoa com um significado, e por outra pessoa com outro significado; ou mesmo uma mesma pessoa possa t-lo usado com significados diferentes em uma mesma poca em funo do contexto. O importante que seja levado em conta que as palavras mudam de sentido com o passar do tempo, e isso precisa ser estudado e considerado no processo de interpretao dos textos bblicos. A quarta falcia a que Carson chama de Reivindicao de significados desconhecidos ou improvveis. Tomando como exemplo o termo cabea de 1 Cor. 11.2-16, argumenta sobre o uso do substantivo original grego que, para alguns estudiosos, significa fonte ou origem ao invs de cabea. No entanto, tanto estudos lingusticos quanto a exegese do texto levam o termo grego conotao de autoridade ou liderana. Assumir outra interpretao para a palavra grega forar um significado improvvel. A falcia seguinte a Negligncia no uso de material de apoio. Em um dos exemplos citados, o autor relembra que ele mesmo havia cometido tal falcia ao comparar os textos de Mateus 5.1 e Lucas 6.17, referentes ao Sermo do Monte, em que parece haver uma discrepncia entre subiu ao monte de Mateus, e parou num lugar plano do versculo de Lucas (tradues NVI). Em uma primeira exposio sobre o Sermo do Monte, Carson tenta explicar a contradio dizendo que mesmo um monte possui lugares planos. No entanto, anos mais tarde, em um exaustivo estudo que realizou sobre o evangelho de Mateus, o autor se retrata, pois descobriu em uma pesquisa mais aprofundada em outros materiais que a expresso original em Mateus 5.1 pode significar foi para uma terra montanhosa. Isso encerra a discusso, pois o termo de Lucas tem uso conhecido significando planalto, encontrado em regies montanhosas. A prxima falcia, chamada de Paralelomania verbal, denomina a tendncia de estudiosos bblicos de citar paralelismos de valor questionvel, atribuindo a eles a comprovao de elos conceituais ou dependncia. Carson cita um estudo que examinou o uso de paralelismos na anlise de Joo 1.1-18 (prlogo joanino) feita por dois autores diferentes (C.H. Dodd e Rudolf Bultmann), onde de cerca de trezentos paralelismos apresentados por cada um dos autores, a coincidncia encontrada foi de apenas de cerca de 20 citaes (7% de interseco apenas). Isso demonstra que nenhum dos autores fez um pesquisa realmente aprofundada do pano de fundo do texto em questo. A stima falcia a Associao entre lngua e mentalidade, a qual tem como essncia a pressuposio de que qualquer lngua confina os processos mentais de seus falantes, forando-os a ter certos padres de pensamento em oposio a outros. Em outras palavras, segundo essa falcia, os conceitos de lngua e mentalidade se confundem, ou seja, a forma pela qual falamos define a forma como pensamos. Um dos exemplos mais ilustrativos do erro dessa forma de interpretao est na comparao entre as lnguas hebraica e grega. O grego um idioma que apresenta os tempos passado, presente e futuro em suas conjugaes verbais, trazendo um grande clareza na localizao temporal dos seus escritos. O hebraico, ao contrrio, s apresenta duas conjugaes verbais, as quais no trazem claramente a noo de localizao temporal. No entanto, ser que razovel admitir que os judeus da Antiguidade (incluindo os escritores bblicos do Antigo Testamento) eram incapazes de distinguir passado, presente e futuro porque sua lngua tem somente duas flexes? Parece lgico que no. O erro de interpretao seguinte so as Falsas pressuposies sobre significados tcnicos. Nesta falcia, o intrprete supe que uma palavra sempre ou quase sempre tem um determinado significado tcnico, um sentido invarivel, o que conduz a interminveis discusses com relao ao sentido de termos tais como santificao (processo progressivo, ou separao realizada por Deus?), revelao (revelao especial proftica, ou esclarecimento, ensino, iluminao, conforme Fp. 3.15b?), batismo do Esprito (derramamento especial do Esprito ps-converso, ou derramamento do Esprito que todos os cristos recebem no ato da converso?), entre muitos outros. O grande problema est no fato de se pensar que estamos lidando com um termo tcnico, que tem sempre o mesmo significado independentemente da ocasio ou contexto. Normalmente as evidncias so insuficientes para suportar essa invariabilidade, e ainda existe o perigo de se reduzir uma doutrina inteira a apenas uma palavra que acreditam ser um termo tcnico A falcia relativa a Problemas envolvendo sinnimos e anlise de componentes se apresenta em duas situaes. A primeira se relaciona com o uso imprprio dos termos sinonmia e equivalncia. Na anlise feita por J.T. Sander para Filipenses 2.6-11, o mesmo afirma que termos em versos distintos explicam sinonimicamente ou so equivalentes um ao outro, citando semelhana = forma, de homens = humana, e se humilhou equivalente a se esvaziou. Gibson critica essas afirmativas ao argumentar que sinnimos no se explicam mutuamente pois tem o mesmo valor semntico. Alm disso, complementa afirmando que as igualdades apresentadas teoricamente seriam melhor relacionadas no pela sinonmia, mas sim como relaes de hiponmia, isto , os pares no tem os mesmos valores semnticos mas tem os mesmos referentes (referem-se mesma realidade, embora com sentidos diferentes). Portanto, o erro aqui admitir injustificadamente a identidade (sinonmia) de certos termos indo alm do que a evidncia permite. A situao seguinte chamada anlise de componentes, que tenta isolar os componentes de significado (semnticos) das palavras. A figura 1 reproduzida abaixo ilustra um exemplo dessa anlise:
Figura 1 Anlise de componentes de palavras
Nesse exemplo, os componentes de significado de Homem foram isolados em Humano, Adulto e Macho. No entanto, esses componentes no esgotam os possveis elementos de significado cabveis para a palavra, ainda mais se levando em considerao as mais diversas variaes de contexto, o que pode fazer com que a lista de componentes se torne muito extensa e complexa. Dessa forma, em geral, a anlise de componentes aplica- se apenas ao significado referencial, dentro de um determinado contexto. Por essa razo, fica evidente que praticamente nunca dois termos so sinnimos estritos, com exatamente o mesmo significado em qualquer lugar, nos sentidos denotativos e conotativos, em todos os seus componentes semnticos, e em toda informao cognitiva e carga emocional que transmitem. Mas eles podem ser estritamente sinnimos em um contexto particular no qual possuem uma coincidncia semntica. A partir dessa explicao, pode-se tratar um exemplo referente ao texto de Joo 21.15-17. Nesse dilogo entre Jesus e Pedro, duas palavras gregas para amar so utilizadas. Jesus pergunta as duas primeiras vezes com o verbo amar gape, e Pedro responde com o verbo amar philos. Na terceira pergunta e resposta, ambos usam o verbo philos. A discusso nesse caso se a troca dos dois verbos por Joo tinha realmente a inteno de transmitir diferena de significado, ou somente de apresentar sobreposio semntica, ou seja, sinonmia. Um dos fundamentos a favor dessa distino dos verbos argumenta que os escritores do Novo Testamento investiram os termos amor e amar gape de um significado especial para expressar o amor de Deus. Entretanto, estudos recentes comprovaram que os termos em questo j vinham ganhando relevncia de uso no sculo IV a.C., para distingui-los de philos, que vinha ganhando tambm o sentido de beijar, o que desqualifica essa primeira teoria. Outro fundamento para a distino dos verbos est baseado no comentrio de Willian Hendriksen, o qual argumenta que, embora haja considervel coincidncia semntica entre os dois verbos, pode-se verificar evidncias claras de distino. Como exemplo para esse argumento, cita o uso de filos quando Judas beija a Jesus em Lc. 22.47, enquanto que gape nunca usado nesse contexto, comprovando que os verbos no so sinnimos estritos. No entanto, como foi visto anteriormente pela anlise de componentes, a falcia aqui seria afirmar que esses verbos, mesmo no sendo sinnimos estritos, no possam apresentar sinonmia em alguns contextos, o que tira a sustentao dessa segunda teoria. A dcima falcia, intitulada Uso seletivo e preconceituoso das evidncias, uma das falcias mais perigosas, pois pode erroneamente capacitar o intrprete a dizer o que quiser baseado em evidncias seletivas. Infelizmente, tambm a falcia mais comum e numerosa. Carson cita um caso desse erro em que um intrprete bblico comete seriamente a stima falcia, confundindo lngua e mentalidade, quando tenta argumentar que o modo hebraico de aquisio de conhecimento no intelectual, mas sim experimental, ou seja, baseado no levantamento de dados. Contudo, o modo grego, segundo ele, diferente, muito mais intelectual. Seguramente, a crena e o conhecimento cristos no so exclusivamente intelectuais; mas, ao selecionar as evidncias tais como textos de Joo que de alguma forma relacionam crena e conhecimento de Deus com o ato de guardar Seus mandamentos e amar o prximo (1 Joo 2.3-5; 3.6, por exemplo), o estudioso chegou concluso de que a crena e o conhecimento cristos so exclusivamente experimentais e no-intelectuais. Para tanto, ignora completamente qualquer outro texto que afirme, por exemplo, que no basta apenas cumprir os mandamentos, mas tambm crer no que Ele diz; no apenas obedincia, tambm entendimento e aceitao (ambos na esfera intelectual; exemplos esto em Joo 4.50, 5.47, 13.19, entre outros). A falcia das Disjunes e restries semnticas injustificadas, tambm presente no exemplo anterior, aquela que apresenta ao leitor mais de uma opo e fora sua deciso por apenas um delas. o que se chama de disjuno semntica, contrria complementao semntica, duas alternativas que possam coexistir e se complementar. Um exemplo citado fala de uma obra escrita em que se argumenta que a liderana de Jesus Cristo na Igreja (Ele o cabea vivo da Igreja) no tem nenhuma relao com autoridade. Isto , Cristo o cabea, mas est junto Igreja somente para servi-la. O que as Escrituras de fato mostram em todo o Novo Testamento que Cristo de fato se humilhou, mas mesmo assim tem toda a autoridade nos cus e na terra (Mt. 28.18), e a Ele devemos total obedincia. No h disjuno nesse caso. A prxima falcia, a dcima-segunda, trata da Restrio injustificada do campo semntico. Carson afirma que, s vezes, deixamos de notar o quanto amplo todo o campo semntico de uma palavra, restringindo inadvertidamente suas possibilidades de significado. Um exemplo interessante na lngua portuguesa o da palavra corpo, que assume os significados mais variados, tais como: a estrutura fsica de cada homem ou animal; a parte central de uma construo; o ser humano morto; um grupo de pessoas que trabalham ou atuam juntas; entre outros. Alm disso, existem ainda os sentidos metafricos. No grego, uma das palavras que geram mais dificuldades interpretativas o verbo de ligao ser. Alguns empregos do verbo ser no grego: - Identidade: " a lei pecado?" (Rm 7.7); - Atributo: "Ningum bom seno um s, que Deus" (Mc 10.18); - Causa: "O desejo da carne morte" (Rm 8.6); - Semelhana: "Ora, a lngua fogo" (Tg 3.6). Conhecer esses empregos muito til, por exemplo, para discutir a interpretao, segundo o autor, das quatro palavras mais debatidas da Bblia, Isto o meu corpo, que para diversas faces da cristandade apresenta o emprego do verbo ser como identidade. Cairds argumenta que, como Jesus no tornou idnticos o po em suas mos, e o corpo de que suas mos faziam parte, no podemos pressupor o sentido de identidade para o verbo nesse caso. E como existe, pelo menos, uma mnima diferenciao entre o corpo (po) e o corpo cujas mos o seguravam, o sentido do verbo ser nesse caso tem que necessariamente ser metafrico, tipificando seu emprego como semelhana. Nesse entendimento, o po apenas representa ou simboliza o corpo de Cristo, o que a interpretao mais sustentvel. Alm desses, Carson prope um quinto emprego para o verbo ser no grego: - Cumprimento: Mas o que ocorre o que foi dito por intermdio do profeta Joel (At 2.16). Nota-se que, tanto no texto de Atos, quanto no texto de Mateus 7.12 (a chamada regra urea), o sentido de identidade no funciona to bem quanto a ideia de cumprimento: Mas o que ocorre cumpre o que foi dito por intermdio do profeta Joel. O Pentecostes no a profecia em si, mas sim o seu cumprimento. Para concluir a apresentao dessa falcia, o que Carson defende que restringir de forma injustificada e precipitada o campo semntico de uma palavra um erro metodolgico, e que por muitas vezes, por esse motivo, a interpretao correta de uma passagem no possvel. Mas existe tambm o oposto, que a falcia da Adoo injustificada de um campo semntico expandido, algumas vezes chamada tambm de transferncia ilegtima da totalidade, cujo erro consiste em supor que o significado de uma palavra em determinado contexto muito mais amplo do que o texto em si permite aferir. O exemplo apresentado muito interessante, e trata do uso da palavra grega ekklesia no texto de Atos 7.38, que no contexto em questo, no traz nenhum sentido de igreja como conhecemos, mas sim de congregao. Ampliar o campo semntico da palavra aqui seria um grande erro, obscurecendo sua funo especfica no texto. A dcima-quarta falcia trata de Problemas relativos ao contexto semtico do Novo Testamento grego, que procura responder, entre outras, a seguinte questo: At que ponto o campo semntico normal das palavras do Novo Testamento grego alterado pelo impacto dos antecedentes semticos pessoais de algum escritor do Novo Testamento, por sua leitura e influncias do Antigo Testamento hebraico? Em outras palavras, questiona-se o mtodo de Edwin Hatch, que procurou estabelecer o significado de certas palavras gregas usando apenas seus equivalentes hebraicos, classificando-o como metodologicamente irresponsvel caso seja aplicado sem nenhuma pesquisa profunda. Logo de incio, afirma o autor, deve-se questionar o nvel em que tanto a Septuaginta (traduo do Antigo Testamento do hebraico para o grego realizada entre os sculos III e II a.C.), quanto o prprio Novo Testamento, investiu as palavras gregas de significados hebraicos. A falcia da Negligncia injustificada de particularidades distintivas de um grupo de palavras ser explicado por meio de um exemplo. Pelo fato de Paulo aplicar um determinado verbo grego para "justificar", e o substantivo correlato para "justificao", muitos estudiosos tm conferido este mesmo significado ao termo quando empregado por outros escritores. No entanto, em Mateus 5.20, o mesmo substantivo utilizado, porm sem o mesmo sentido de justia forense atribuda a uma pessoa conferido pelo apstolo Paulo, mas sim com o significado de conduta individual de vida justa. Neste caso, a falcia est na falsa suposio de que o sentido predominante de qualquer palavra em um dos escritores do Novo Testamento exatamente o mesmo em todos os outros, o que raramente verdade. A ltima falcia vocabular, a dcima-sexta, designada de Associao injustificada de sentido e referncia. Referncia ou denotao a representao de alguma entidade no-lingstica por meio de um smbolo lingustico, isto , por uma palavra. Isto quase sempre verdadeiro para substantivos prprios (nomes, que referem-se a indivduos ou seres vivos; como exemplo, Moiss) e substantivos comuns (que denotam coisas, objetos, sentimentos, atributos, etc; como exemplo, graa), mas no para adjetivos abstratos (por exemplo, belo), que tem significado mas nenhum referente. Portanto, o sentido ou significado de uma palavra no o seu referente, mas sim o contedo mental com o qual esse termo est associado. Isto leva noo errnea de que uma palavra tem um "significado bsico" por se pressupor que ela necessariamente denomine entidades concretas. Entretanto, a verdade que uma orao no pode ser analisada pelas coisas que cada palavra que a compe "nomeia", pois o significado de palavras em uma sequncia gramaticalmente coerente difere do referente terico de cada palavra separadamente. Partindo para outro grupo de falcias, as falcias gramaticais, Dr. Carson afirma que estas so bem menos frequentes que as primeiras por trs razes principais. Em primeiro lugar, devido ao pouco conhecimento, principalmente da lngua grega, dos pastores formados em seminrios. Em segundo lugar, porque a anlise gramatical no tem sido popular nas ltimas dcadas de estudo bblico, sendo muito mais tempo e esforos consagrados semntica do que gramtica. E por ltimo, devido grande complexidade de algumas falcias gramaticais, sendo alguns exemplos examinados a seguir. Entretanto, um comentrio importante que as lnguas tem, naturalmente, a tendncia de se tornarem mais simples com seu tempo de uso: a sintaxe torna- se menos estruturada, o nmero de excees aumenta, a morfologia simplificada, e assim por diante, o que faz com que os gramticos com formao em grego clssico (mais antigo e, portanto, mais estruturado) necessitem de novas orientaes relativas ao grego helenstico (usado nos dias de Jesus e dos apstolos), se quiserem evitar certos erros na leitura do Novo Testamento. O primeiro grupo de Falcias Gramaticais apresentado o das Falcias relacionadas a tempos e modos verbais diversos, que se dividem em cinco tipos. O primeiro tipo, chamado de Tempo aoristo (sem lugar, indefinido), um tempo verbal grego pontilear, o que no significa que possa ser usado apenas para aes pontuais. Gramticos explicam que ele refere-se ao em si, sem especificar se nica, repetida, ingressiva, instantnea, passada ou completa. No entanto, muitos estudiosos vem deduzindo que a ao referida no tempo aoristo tem sentido de definitiva ou completa. Seguem alguns exemplos contrrios a essa interpretao: - "Assim, pois, amados meus, como sempre obedecestes..." (Fp 2.12) claramente, no uma ao definitiva ou uma ao temporalmente pontilear, pois d ideia de continuidade ou repetio; - "Tu, porm, quando orares, entra no teu quarto..." (Mt 6.6) mais uma vez a ideia de repetio est subentendida; - "todos estes morreram na f..." (Hb 11.13) mas certamente no de forma instantnea, todos ao mesmo tempo; entre outros exemplos. A concluso que tem se chegado que no se pode afirmar que todo aoristo usado de uma determinada maneira, ou que nenhum aoristo empregado de outra dada forma. Um aoristo enfatiza, nada mais; o "tempo" usado quando o autor no quer usar algum outro tempo verbal mais especificativo. o tempo verbal mais malevel, e com estrutura semntica menos definida. Uma outra falcia ainda relativa ao Tempo aoristo afirma que este no pode carregar nenhum peso semntico alm do valor semntico no-marcado do aoristo, mesmo quando est em um contexto muito especfico. Essa falcia rejeitada baseada na lingustica elementar, usando como exemplo a orao este aluno uma fera. Isoladamente, o substantivo fera e o contexto este aluno no conseguem transmitir a manifestao de admirao que somente a interao entre eles consegue claramente faz-lo. Portanto, o contexto influencia no peso semntico, contradizendo essa falcia. O tempo verbal seguinte a primeira pessoa do aoristo do subjuntivo. Tradicionalmente, o subjuntivo deliberativo o emprego da primeira pessoa (singular ou plural) do subjuntivo em oraes interrogativas que tratam do que necessrio, desejvel, possvel ou duvidoso, sendo a pergunta, s vezes, retrica; em outras vezes, no entanto, espera-se uma resposta. O que Carson discute que esse tempo verbal, na verdade, abrange trs categorias bastante distintas. A primeira delas, o verdadeiro deliberativo, como o subjuntivo hortativo, intramural isto , a primeira pessoa (singular ou plural) indicada pelo sujeito do verbo faz uma pergunta que deve ser respondida por ela mesma, como por exemplo o dono da vinha que pergunta a si prprio: "Que farei?" (Lc 20.13), ele mesmo respondendo da deciso de enviar seu filho. A segunda e terceira categorias so pseudodeliberaes, onde o sujeito na primeira pessoa do subjuntivo no faz a pergunta para si mesmo: ou ele fala com um interlocutor, esperando uma resposta direta (subjuntivo pseudodeliberativo de pergunta direta), ou faz a pergunta como recurso para introduzir uma declarao, sem fazer sugesto de deliberao (pergunta para si mesmo) ou sugesto de busca de uma resposta de outrem (subjuntivo pseudodeliberativo retrico). Alguns exemplos dessas categorias: - "Devemos ou no devemos pagar?" (Mc 12.14), perguntam os fariseus e os herodianos a Jesus. A forma "deliberativa", mas fica claro que no um verdadeiro deliberativo (pergunta para si mesmo), mas sim um subjuntivo pseudodeliberativo de pergunta direta, ao forar Jesus a fazer uma declarao; - "Havemos de pecar porque no estamos debaixo da lei... (Romanos 6.15), confirma-se o subjuntivo porque a pergunta formalmente aberta, deliberativa, porm no um verdadeiro deliberativo, pois Paulo no faz a pergunta como um reflexo de sua incerteza. Tambm no um pseudodeliberativo de pergunta direta, pois o apstolo no est pedindo as opinies dos cristos romanos. Trata-se, na verdade, de um recurso retrico para atrair os leitores para seu argumento, gerando expectativa para sua impactante afirmativa de modo algum. Nesse caso, est-se empregando subjuntivo pseudodeliberativo retrico. A prxima falcia gramatical a Falcia da voz mdia, cujo erro mais comum est em supor que praticamente toda situao em que ela ocorre reflexiva ou sugere que o sujeito age por si s. Um caso clssico est em 1Cor. 13.8: mas, havendo profecias, desaparecero; havendo lnguas, cessaro; havendo cincia, passar. O verbo grego para cessar nesse texto est na voz mdia, e alguns autores argumentam que ele aqui reflexivo, ou seja, diferentemente das profecias e da cincia (que sero destrudas por algum ou algo, pois seus verbos esto na voz passiva), as lnguas cessaro por si s, devido a algo intrnseco a elas. Com base nisso, tais autores atribuem o significado exegtico de que o dom de lnguas perdeu sua utilidade com a concluso do cnon bblico, no sendo mais um dom vlido na atualidade. Carson argumenta que apoiar-se tanto nesse verbo mdio para tal interpretao um erro, pois a voz mdia apresenta uma variedade de implicaes, como por exemplo, em Marcos 10.38 (... o que pedis...), onde tem sentido de ao do sujeito para si (pedem para si mesmos), ou em Lucas. 2.5 ("... a fim de alistar-se com Maria...), onde o verbo sugere permisso do sujeito para que algo seja feito. Alm disso, o verbo cessar na voz mdia aparece outras vezes no NT com sentidos no-reflexivos. Alguns exemplos so Lucas 8.24 (Jesus repreendeu os ventos e tudo cessou mas no por si prprio) e Atos 21.34 (os amotinadores cessaram de espancar Paulo, mas porque viram os soldados somente, e no por algo intrnseco a eles). A ltima falcia gramatical abordada trata-se do Perfeito perfrstico em Mateus 16.19. O problema que existe nesse texto se ele deveria ter sido traduzido como: (a) "o que ligares na terra, ser ligado nos cus; e o que desligares na terra, ser desligado nos cus" (fora de futuro); ou (b) "o que ligares na terra, ter sido ligado nos cus; e o que desligares na terra, ter sido desligado nos cus" (fora de futuro perfeito). A discusso se desenvolve em torno do fato de se utilizar somente perguntas sintagmticas (consideraes relativas maneira como uma palavra usada em relao a outras) para se resolver essa questo, o que a falcia apresentada. Usando tambm perguntas paragmticas (equivalncia ou associao entre palavras), consegue-se avanar na anlise, e chega-se concluso de que se Mateus desejasse dizer precisamente (a), ele teria sua disposio as formas morfolgicas especficas dos verbos ligar e desligar adequadas para tal tarefa, ficando a questo do por que ele escolheria essas formas de futuro perfeito perifrstico. Neste caso, as questes paradigmticas fazem a evidncia decididamente pender para a traduo (b). Um outro grupo de falcias gramaticais so as Falcias ligadas a vrias unidades sintticas, apresentadas em cinco casos distintos. No primeiro caso, o das oraes condicionais, destacam-se trs falcias. A primeira delas em condicionais de primeira classe, geralmente chamadas condicionais "reais", onde com frequncia acredita-se que a prtase (a coisa suposta) considerada verdadeira, real. Isto uma falcia, pois nesse caso a prtase considerada verdadeira por causa do argumento, mas a coisa realmente suposta pode ser ou no verdadeira. Um exemplo est em Mateus 12.7, na pergunta de Jesus: "E, se eu expulso os demnios por Belzebu, por quem os expulsam vossos filhos?". A realidade da suposio de que Jesus expulsa os demnios por Belzebu real, porm a prtase (a coisa suposta) no verdadeira, pois no era em nome de Belzebu que os expulsava. A segunda falcia das oraes condicionais sustentar que condicionais de terceira classe tm alguma expectativa implcita de cumprimento, seja ela duvidosa ou no, ao invs de indicar apenas futuridade. Por fim, a terceira falcia est no argumento de que no h uma "referncia temporal" evidente na apdose de condicionais de terceira classe, sendo toda apdose futura em seu significado. Segundo Dr, Carson, isto est correto somente no caso de a estrutura temporal estar estabelecida com referncia ao falante ou escritor, sendo nessa situao sempre futura efetivamente. O segundo caso das Falcias ligadas a vrias unidades sintticas refere-se difcil classificao do artigo definido em grego. Apesar de seus usos parecerem no apontar para princpios seguramente estabelecidos, Carson afirma que h alguns princpios orientadores de uso que no podem ser ignorados. Ao contrrio do portugus, o grego no tem artigo indefinido, e frequentemente seu artigo definido tem funes muito diferentes do uso em portugus. Esses usos so apresentados resumidamente na Figura 2 a seguir.
Figura 2 Usos fundamentais do artigo grego
O primeiro uso geral do artigo o classifica como definido ou indefinido.
Como artigo definido (emprego articular) especifica ou define o substantivo, enquanto que como indefinido (emprego anartro), torna-o mais qualitativo. O segundo uso geral do artigo o utilizado em Lc. 10.7: "digno o trabalhador do seu salrio" (uso genrico); o seu emprego anartro, por sua vez, sugere substantivo no-genrico, ou seja, um [certo] trabalhador. O autor comenta, adicionalmente, que h uma grande relao conceitual cruzada entre o emprego articular sob o uso 1 com o emprego anartro sob o uso 2, enquanto que o emprego articular sob o uso 2 tem afinidades conceituais com o emprego anartro sob o uso 1. Esse fato deve ser cuidadosamente considerado nas concluses exegticas relativas presena ou ausncia de uma artigo. A prxima falcia, ainda relativa ao uso do artigo no grego, trata da chamada regra de Granville Sharp. Esta regra diz, de forma simplificada, que se dois substantivos gregos so ligados por k e ambos tem o artigo, eles se referem a pessoas ou coisas diferentes, enquanto que se somente o primeiro tem artigo, ele se refere mesma pessoa ou coisa que o primeiro substantivo. Carson explica que a falcia est em considerar essa regra em termos absolutos pois, por exemplo, dois substantivos ligados por k regidos por um artigo pode significar apenas que estes esto agrupados para funcionar de certa forma como uma entidade nica. Dessa forma, os dois substantivos gregos ligados por k regidos por um artigo em 1 Ts. 2.12 (reino e glria) no so conceitos idnticos como preveria a regra de Granville, mas sim conceitos para serem considerados em conjunto, nesse caso dentro da beno de vida eterna com Deus. A regra de Colwell para o uso do artigo diz, entre outras coisas, que se um substantivo definido precede um verbo de ligao, normalmente ele anartro; se sucede, articular. Aplicada essa regra a Joo 1.1, temos que em e o Verbo era Deus, Deus anartro, e portanto definido, e no um deus, indefinido. No entanto, essa regra no absoluta pois Colwell apenas afirma ter examinado substantivos anartros definidos, sendo que Carson, ao levantar todos os substantivos anartros que precedem verbos de ligao no NT grego, verificou que praticamente a metade deles so de outros tipos (indefinidos, qualitativos e prprios). Portanto, essa regra deve ser usada com cuidado. Por fim, a ltima falcia gramatical trata de erros exegticos e teolgicos decorrentes de falta de devida ateno a Relaes entre tempos verbais das oraes. O exemplo apresentado compara Hebreus 3.6b ("...a qual casa somos ns, se guardamos firme at ao fim a ousadia e a exultao da esperana") e Hebreus 3.14 ("porque nos temos tornado participantes de Cristo, se de fato guardarmos firme at ao fim a confiana que desde o princpio tivemos"). Alguns estudiosos interpretam que ambos os textos expressam a mesma ideia de que "o fato de sermos membros da famlia de Deus est condicionado perseverana" (ordenana de perseverar). Em verdade, o primeiro texto diz isso, enquanto que o segundo texto no. Em Hebreus 3.14, nos temos tornado est no passado, significando tornamo-nos, ou seja, por termos nos tornado famlia de Deus no passado, a nossa perseverana visvel no presente. Em outras palavras, esse texto diz, na verdade, que a perseverana evidncia do que significa ser cristo. No se atentar para os tempos verbais em oraes relacionadas pode levar a esses equvocos de interpretao. Uma citao importante no final desse captulo o lanamento do programa GRAMCORD (conCORDncia GRAMatical), que possibilita ao usurio a buscar no Novo Testamento grego qualquer construo gramatical de qualquer extenso e complexidade, facilitando enormemente o levantamento de dados para estudos. Iniciando a discusso sobre as falcias lgicas, Dr. Carson apresenta quatro sentidos em que a palavra lgica usada: (1) em nvel terico e simblico, "lgica" um termo abrangente que se refere a sries de relaes axiomticas, uso da evidncia para tirar concluses corretas; (2) no uso comum, no tcnico, "lgica" um sinnimo de palavras como "praticvel", "razovel" ou algo semelhante; (3) "lgica" s vezes significa uma apresentao formal de argumentos chamados de "argumentos lgicos", havendo ou no falcias nos passos dados em sua construo; e, por fim, (4) no uso popular, "lgica" pode referir-se a uma srie de proposies ou mesmo a uma probabilidade que pode ou no ser "lgica" no primeiro sentido. Exemplos so falarmos de "lgica ocidental", "lgica japonesa", "a lgica do mercado" ou "a lgica da ecologia"; nesse sentido, uma lgica pode fazer oposio outra. A lgica no primeiro sentido universal, e ser o sentido adotado por Carson na discusso de dezoito falcias lgicas. A falcia das Falsas disjunes: uso inadequado da lei do termo mdio excludo trata de falsas reivindicaes e/ou quando a complementaridade de argumentos pode ser aceitvel, e uma falcia extremamente comum e perigosa exegese. Um exemplo a concluso de H. J. Held quando descobre que, nos pontos onde o Evangelho de Mateus segue o Evangelho de Marcos, os relatos de Mateus sobre milagres reais so bem mais curtos, enquanto as reflexes teolgicas sobre os milagres so mantidas muito mais completas: "Os milagres no so importantes em si mesmos, mas sim pela mensagem que transmitem". uma concluso disjuntiva, que separa o interesse em milagres do interessa nas reflexes teolgicas. No entanto, a pergunta aqui deve ser se algum dos autores evanglicos estava realmente interessado nos milagres em si... Em outros casos, as disjunes formais so apenas recursos estilsticos e retricos, e no verdadeiras disjunes, o que muito comum na poesia hebraica: "Pois misericrdia quero, e no sacrifcio" (Os 6.6). Essa disjuno um recurso de impacto utilizado para fazer as pessoas pensarem sobre a incompatibilidade de oferecer sacrifcios, de um lado, enquanto pelo outro nutre-se hostilidade sem misericrdia. Deixar de reconhecer distines tambm uma falcia lgica que argumenta que, por serem x e y semelhantes em certos aspectos, eles so semelhantes em todos os aspectos. Um exemplo citar Gl 3.28 (a justificao pela f para todas as pessoas), e considerar que essa indistino entre homens e mulheres citadas por Paulo valida para qualquer situao. Sem entrar no mrito do verdadeiro sentido das passagens, Carson cita que o prprio Paulo apresentou certas distines entre as funes de homens e mulheres na igreja (1 Co 14.33b-36; 1 Tm 2.11-15). Outra falcia o Uso de evidncia seletiva para sustentar argumentos, enquanto que evidncias contrrias so ilegitimamente excludas. Carson afirma que preciso imparcialidade, juntamente com um desejo maior de fidelidade do que de originalidade na interpretao das Escrituras. Citando um exemplo dessa falcia, temos o uso de 1 Corntios 14.33-36 para argumentar que as mulheres devem sempre manter silncio na igreja, sem levar em considerao 1 Co 11.2-15 (trs captulos antes), onde o prprio Paulo permite que, sob certas condies, as mulheres orem e profetizem na igreja. Usar o primeiro texto e desconsiderar o segundo tratamento seletivo da questo. A quarta falcia do Uso inadequado de silogismos consiste em achar que certos argumentos so bons, quando uma breve reflexo mostra que eles no tm nenhum valor. Um parte da complexa anlise de 1 Timteo 2.11-15 (ainda tratando da autoridade das mulheres na igreja) pode ser apresentada como exemplo. Philip B. Payne afirma que esse texto aplica-se a um mau comportamento na igreja local e que, portanto, seus ensinamentos no devem ser aplicados universalmente. O raciocnio, apresentado de forma silogstica, fica assim: a. Um ensino ocasionado por uma situao local no universalmente aplicvel; b. O ensino em questo ocasionado por uma situao local; c. Conclui-se que o ensino em questo no universalmente aplicvel. Carson ento comenta que a forma de argumentao lgica vlida, porm a primeira premissa muito genrica (qualquer ensino vindo de situao local; obviamente, muitos podem ser universalmente aplicveis). Alm disso, tem-se que ter o cuidado de no imaginar que todos os ensinos do NT sejam ocasionados por situaes locais, o que levaria concluso de que nada no NT possa ser considerado obrigatrio para o cristo de hoje. Em parte, o que se est tratando a distino entre condio necessria e condio suficiente, as quais tem imensa relevncia na formulao de declaraes doutrinrias. Por exemplo, a declarao "Jesus o Cristo que veio em carne" tanto necessria quanto suficiente na oposio aos proto- gnsticos em 1 Joo 2.22 e 4.2), porm em outros debates, embora necessria, essa declarao pode no ser suficiente. Se tais questes lgicas no foram observadas, corre-se o risco de declaraes doutrinrias serem reduzidas a meros chaves. No caso da Confuso de cosmovises, a falcia consiste em acreditar- se que a experincia e a interpretao da realidade individuais de uma pessoa so a estrutura adequada para se interpretar o texto bblico. No entanto, esse raciocnio pode gerar grandes erros de interpretao. Temos o caso de pessoas envolvidas no misticismo religioso ocidental que interpretam de maneira completamente errnea o que algum texto bblico quer dizer, como por exemplo a passagem: "Bem-aventurados os limpos de corao, porque vero a Deus" (Mt 5.8) como significando: "Bem-aventurados os que purificam suas conscincias, porque vero a si prprios como Deus". visvel que h transferncia de pantesmo para o texto, de forma que o Deus da Bblia no s despersonalizado, mas tambm igualado ao homem (que pode se tornar um deus). A falcia em questo apresenta a necessidade mais evidente de distanciamento por parte do intrprete, de forma a no transferirmos involuntariamente nossa prpria carga mental para o texto, evitando assim a confuso de nossa prpria cosmoviso com as dos escritores bblicos. Uma subdiviso da falcia anterior, denominada de Falcia de estrutura interrogativa, ocorre quando induzimos uma resposta devido forma em que estruturamos as questes, eliminando a possibilidade de outras interpretaes. Isso ocorre, por exemplo, quando discutindo 1 Tessalonicenses 4.13-18, pressupomos: Paulo aqui fala de um arrebatamento pr-tribulacionista ou ps- tribulacionista?. primeira vista, no entanto, o interesse de Paulo nessa percope no est focando nessas questes. Algumas vezes, a veracidade das Escrituras questionada devido a alguma demonstrvel impreciso. Contudo, um erro confundir impreciso com inverdade (falcia da Confuso injustificada entre verdade e preciso). Segue um exerccio interessante proposto por Wayne A. Grudem atravs de trs oraes: a. Minha casa no fica longe de meu escritrio. b. Minha casa fica a cerca de um quilmetro e meio de meu escritrio. c. Minha casa fica a 1,6 quilmetros de meu escritrio. H uma diferenciao clara de preciso entre as trs oraes mas, mesmo assim, as trs so verdadeiras! A oitava falcia lgica aborda os Apelos puramente emotivos usados como substitutos da verdade. Apelos emotivos baseados na verdade no so condenveis, e devem refletir sinceridade e convico; mas s vezes estes mascaram ou escondem as falhas do argumento racional em questo, querendo fazer-nos crer que a emoo pode substituir a razo ou tem algum valor lgico. A prxima falcia (Generalizao e demasiada especificao injustificadas) consiste na crena de que uma proposio particular pode ser generalizada apenas porque se adapta ao que queremos que o texto diga, ou na crena de que um texto diz mais do que na verdade diz. Um dos aspectos mais notveis do ministrio de Jesus a sua fantstica flexibilidade e adaptabilidade de abordagens, ajustando a sua argumentao em funo do ouvinte. Vemos isso nas diferentes abordagens de Jesus sobre o tema salvao para o jovem rico e para Nicodemos. Algumas semelhanas podem ser encontradas, mas no h uma generalizao na forma de abordagem de Jesus Cristo. Carson argumenta sobre trabalho realizado por Stephen B. Clark defendendo, baseado em apenas dois textos bblicos (Gl 5.3; 1 Co 7.18), que Paulo provavelmente sustentava a ideia de que, se algum havia se circuncidado, esse deveria continuar obedecendo lei do Pentateuco (uma generalizao insuficientemente justificada). No outro extremo, a especificao exagerada tambm uma falcia. Quando se interpreta que, baseando-se na passagem "e lhes enxugar dos olhos toda lgrima" (Ap 21.4), no juzo final haver uma exposio de nossos pecados gerando grande choro, antes que esses sejam eliminados para sempre , com certeza, especificar demais o texto com elementos que ele no contm. Apoiar-se na Palavra de Deus deve nos levar no somente a crer em tudo o que a Bblia diz, mas tambm a evitar ultrapassar o que est escrito (conforme 1 Co 4.6). A dcima falcia lgica fala de Inferncias negativas, demonstrando que, se uma proposio verdadeira, isto no significa necessariamente que uma inferncia negativa a partir dessa proposio tambm seja verdadeira. No silogismo a seguir vemos uma ilustrao dessa ideia: a. Todos os judeus ortodoxos crem em Moiss. b. O Sr. Smith no um judeu ortodoxo. c. Portanto, o Sr. Smith no cr em Moiss Concluses dependentes de inferncia negativa a partir da premissa maior no so silogismos vlidos. Alm disso, fica bvio que o argumento no se sustenta: o Sr. Smith pode ser um judeu no-ortodoxo que cr em Moiss ou ento um no-judeu que cr em Moiss. No silogismo seguinte, vemos que a concluso verdadeira baseada no NT, mas o silogismo invlido pelo mesmo motivo anterior. a. Todos os que tm f em Jesus esto salvos. b. O Sr. Jones no tem f em Jesus. c. Portanto, o Sr. Jones no est salvo.
Observao: O silogismo anterior poderia ser vlido se ao invs de todos
tivssemos somente na premissa maior. Dessa forma, a premissa menor deixaria de ser inferncia negativa da primeira, validando o silogismo.
Inferncias injustificadas so uma subdiviso da falcia Confuso de
cosmovises, e ocorrem quando uma palavra ou expresso de um texto desencadeia uma ideia ou conceito que no tem nenhuma relao direta com esse texto, mas que mesmo assim so usados para interpret-lo. O exemplo clssico de Filipenses 4.13 ("... tudo posso naquele que me fortalece) ilustra essa falcia, pois associa o termo tudo aqui com outras ideias no relacionadas ao que o texto discorre dos versos 10 a 12. As Falsas declaraes so falcias que fazem com que at eruditos cometam erros, pelas razes mais variadas. Um exemplo apresentado est na comparao de Hebreus 3.1 (... considerai atentamente o Apstolo e Sumo Sacerdote da nossa confisso, Jesus) com Joo 20.21 ( 'Assim como o Pai me enviou, eu tambm vos envio' ). Conforme j comentado, apstolo um representante ou mensageiro especial, enviado por algum com autoridade para tal. Portanto, Jesus o Apstolo de Deus, conforme Hebreus 3.1. No entanto, em Joo 20.21, apesar do primeiro verbo enviou (referente a Jesus) ter a mesma raiz etimolgica da palavra grega para Apstolo, o segundo verbo vos envio (referente aos discpulos) no tem a mesma raiz. Portanto, bem pouco provvel que Joo tenha pensado nesse chamado como um chamado de apstolos. A dcima-terceira falcia lgica diz respeito a concluses que no advm (non sequitur = no seguem) da evidncia e dos argumentos apresentados, parecendo ser resultados de pensamentos confusos ou falsas premissas. Um caso simples a concluso a que chega Thomas H. Groome em relao ao verso "Aquele que no ama no conhece a Deus" (1 Jo 4.8), a partir do qual conclui que "o nico modo verdadeiro de conhecer a Deus atravs de uma relao de amor". Baseado somente no texto em questo, essa no uma concluso vlida. A falcia da Rejeio arrogante consiste em tratar um argumento oposto como j discutido, quando na verdade ele foi apenas colocado de lado. Carson cita o exemplo de um texto de Hans Conzelmann no que apresenta uma possvel interpretao de 1 Corntios 11.4-6, para apenas para descart- la, sem nenhuma argumentao vlida, acrescentando as palavras: "Isto fantasia". Isto significa que a opinio oposta surge de uma matriz de pensamentos to diferente daquela do estudioso que a analisam que este a rejeita simplesmente por consider-la estranha, fantstica e inaceitvel. Nas Falcias baseadas em argumentaes equvocas, Dr. Carson refere-se a argumentos que no podem ser considerados errados, mas que mesmo assim so imperfeitos, equvocos, insatisfatrios ou ambguos. Cita exemplos em que a ambiguidade na argumentao usada, de forma quase desonesta, visando assegurar a mais ampla concordncia. Em outros casos, aponta para comentaristas que, consciente ou inconscientemente, expressam sua explanao de forma tal que deixam duas ou mais opes abertas, seja por no saber a resposta, seja por preferir deixar o assunto mascarado ou sem soluo. Na falcia das Analogias inadequadas o erro est em supor que determinada analogia esclarece um tema bblico quando, na verdade, ela comprovadamente inadequada. Isto ocorre, na maioria das vezes, quando no se formula analogias incluindo elementos tanto de continuidade quanto de descontinuidade junto com o que querem explicar, levando em conta que os elementos de continuidade devem predominar no momento da explicao para que a analogia seja vlida. Na penltima falcia lgica, o Uso imprprio de expresses como "obviamente" e outras semelhantes, Carson discorre sobre o uso adequado de expresses como "obviamente", "nada pode ser mais evidente", e o outras, o qual somente vlido quando o comentarista j apresentou evidncias to irrefutveis que a grande maioria dos leitores realmente concordaria que o assunto abordado evidente, ou que o argumento logicamente conclusivo. No entanto, destaca que uma falcia achar que essas expresses em si acrescentam algo significativo argumentao, enquanto os argumentos opostos ainda no forem definitivamente refutados. Como exemplo, apresenta a explicao de Gleason L. Archer Jr. sobre a diferena de uso dos termos humildes de esprito em Mateus 5.3, e pobres em Lucas 6.20 nas Bem- Aventuranas. Para Archer, trata-se de dois discursos diferentes de Jesus e, apresentando duas ou trs razes ( todas refutadas em diversos artigos), conclui dizendo que "nada poderia ser mais evidente do que o fato de que essas eram duas mensagens diferentes proferidas em momentos diversos". Pelo percentual de discordncia dos estudiosos quanto sua argumentao, nada poderia ser mais evidente de que o uso de tal expresso foi exageradamente forte. Concluindo esse bloco de falcias, o autor argumenta que a crena de que simplesmente recorrer autoridade de outros justifica determinada interpretao de um texto um grande erro, e que, a menos que as razes de tal autoridade sejam apresentadas, o que se prova, na verdade, que quem assim cr est sob a influncia dessa autoridade importante. Apoio acadmico traz reputao, mas no refora ou comprova argumentos. Chegando ao ltimo grupo de falcias de sua obra, Carson discorre sobre as chamadas Falcias histricas e de pressupostos. A Bblia contm muitos dados histricos; e quando seres humanos falhos e limitados lidam com a histria, erros de historiadores sero encontrados. A exegese envolve linhas de pensamento e de argumentao sistematizadas, e onde h raciocnio sistematizado, existem tambm falcias de pressupostos. A falcia da Reconstruo histrica livre consiste em enfatizar demais reconstrues especulativas da histria judaica e crist do primeiro sculo na exegese de documentos do Novo Testamento. O problema que no temos quase nenhum acesso histria da igreja primitiva durante suas primeiras cinco ou seis dcadas a no ser pelos documentos do Novo Testamento, o que faz com que uma reconstruo um pouco especulativa do curso da histria seja necessria e admissvel quando estamos tentando preencher lacunas deixadas por evidncias insuficientes. A falcia aqui defender o uso dessas especulaes para minar grande parte das poucas evidncias existentes. O mais metodologicamente correto admitir que no se sabe o que de fato ocorreu historicamente ou mesmo arriscar alguma suposio cuidadosa sobre o que aconteceu, ao invs de tentar usar a especulao em si como fundamento para descartar a evidncia. Falcias de causalidade so explicaes falhas das causas dos eventos. Alguns exemplos desse grupo de falcias so: - Post hoc, propter hoc: a idia errnea de que, se o evento B aconteceu depois do evento A, ele aconteceu por causa do evento A; - Cum hoc, propter hoc: confuso entre correlao e causa; - Pro hoc, propter hoc: coloca o efeito antes da causa; - Falcia redutiva: reduo da complexidade simplicidade ou da diversidade uniformidade em explicaes causais; - Falcia da razo como causa: tomar uma ordem causai por uma lgica, ou vice-versa; - Falcia da responsabilidade como causa: confunde um problema de tica com um problema de atuao, deturpando ambos. Citando um exemplo da falcia Post hoc, propter hoc, o pior tipo de falcia causal, Carson cita a absurda concluso de alguns estudiosos da histria da religio de que o cristianismo uma ramificao do gnosticismo, pelo simples fato de no haver boas evidncias de um gnosticismo desenvolvido no perodo anterior a Cristo. O terceiro tipo de falcia histrica, as Falcias de motivao, podem ser entendidas de forma simplista como uma tentativa de analisar psicologicamente um ou mais participantes de um evento passado, sem ter acesso a esses indivduos, baseando-se to somente em fragmentos de registros desse evento. Atualmente, essa falcia surge com mais frequncia em alguns estudos radicais da crtica da redao do Novo Testamento, onde sustenta-se que cada mudana de redao em um dado texto deva ter uma razo psicolgica relacionada. Como exemplo, podemos citar as razes dadas por Robert H. Gundry para sustentar seu argumento de que as narrativas do nascimento de Jesus em Mateus dependem de Lucas. Sentindo-se no dever de explicar cada diferena entre os dois Evangelhos, justifica que o fato de os magos encontrarem Jesus em uma casa em Mateus 2.11-12, e no em uma manjedoura como em Lucas, deve-se a ser improvvel que uma manjedoura seja "um lugar adequado para distintos magos oferecerem presentes caros a um rei". A prxima falcia (a Paralelomania conceitual) uma rplica conceitual da sexta falcia vocabular que trata da tendncia de estudiosos de citar paralelismos de valor questionvel nos textos bblicos. Ela particularmente atraente para especialistas de outras reas tais como Psicologia, Sociologia, Histria, Filosofia, Educao, por exemplo, em geral cristos, que querem relacionar a Bblia sua disciplina, forando elos conceituais inexistentes. A quinta e ltima falcia histrica so aquelas que surgem da falta de distanciamento no processo interpretativo, sendo a mais bvia delas a transferncia de uma teologia pessoal para o texto. O problema torna-se ainda mais srio quando no nem tanto a tradio ou pressuposio do intrprete que est em jogo, mas uma questo preferida na sua teologia pessoal. A soluo para essa falcia, segundo Carson, no est em retroceder para tentar a neutralidade (tornar a mente uma tbula rasa, ou seja, uma folha de papel em branco), o que impraticvel, mas sim discernir quais so nossos preconceitos e fazer concesses. Somente assim pedra em Mt. 16.13- 20 poder ser compreendida em seu sentido real de confisso de f, ao invs do sentido errneo das reinvindicaes catlicas de se tratarem do prprio Pedro. Finalmente, conclumos a resenha do livro apontando para algumas reas em que, segundo Carson, oportunidades de novas falcias espreitam e tem real possibilidade de surgirem. Potenciais falcias tais como Problemas relativos ao gnero literrio (novas definies modernas para antigos gneros literrios como parbolas ou alegorias), Problemas relativos ao uso que o Novo Testamento faz do Antigo Testamento (citaes do AT no NT e suas implicaes), Argumentos a partir do silncio (crtica sobre o silncio das Escrituras a respeito de alguns temas), entre outras, iro semear o campo das futuras discusses hermenuticas e, segundo o autor, j precisam ter suas sondagens iniciadas previamente.