7-Para Alem Da Postmetropolis Edward Soja PDF
7-Para Alem Da Postmetropolis Edward Soja PDF
7-Para Alem Da Postmetropolis Edward Soja PDF
PARA ALM DE *
POSTMETROPOLIS
edward w. soja**
resumo Trs recentes desdobramentos criaram novos desafios e oportunidades para a geografia urbana e os gegrafos,
que incluem a redescoberta do poder gerativo das cidades, a difuso transdisciplinar das perspectivas espaciais crticas e o
crescente interesse em regies e no regionalismo. Tendo esses novos desdobramentos como pano de fundo, reflito sobre
algumas ideias e temas introduzidos em Postmetropolis: Critical Studies of Cities and Regions, publicado em 2000. Como o
livro, esta prospeco alm de Postmetropolis divide-se em trs partes: Remapeando a geohistria do espao-cidade, Seis
discursos sobre a ps-metrpole, e Espao vivido: lembrando 1992 em Los Angeles.
BEYOND POSTMETROPOLIS
abstract Three recent developments have created new challenges and opportunities for urban geography and geogra-
phers. They include the re-discovery of the generative power of cities, the cross-disciplinary diffusion of critical spatial per-
spectives, and the rising interest in regions and regionalism. With these new developments as background, I reflect upon
some of the ideas and themes introduced in Postmetropolis: Critical Studies of Cities and Regions, published in 2000. Like the
book, this effort to move beyond Postmetropolis is divided in three parts: Remapping the Geohistory of Cityspace, Six Dis-
courses on the Postmetropolis, and Lived Space: Remembering 1992 in Los Angeles.
keywords Stimulus of urban agglomeration. The spatial turn. Regional urbanization.
* Verso deste artigo foi publicada em Urban Geography, v. 32, n. 4, maio/jun. 2011.
**Professor do Departamento de Planejamento Urbano da Luskin School of Public Affairs/University of California, Los
Angeles UCLA (Estados Unidos da Amrica). E-mail: <[email protected]>.
Reviso tcnica da traduo de Roberto Lus de Melo Monte-Mr Professor Associado do Centro de Desenvolvimento e
Planejamento Regional da Faculdade de Cincias Econmicas e do Ncleo de Ps-Graduao em Arquitetura e Urbanismo
da Escola de Arquitetura, ambas da Universidade Federal de Minas Gerais UFMG (Brasil).
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E sta pode ser a melhor poca para ser um gegrafo urbano. No me refiro
necessariamente identidade disciplinar tradicional encontrada nos gru-
pos especializados como a AAG (Associao de Gegrafos Americanos), mas a
qualquer pessoa que se proponha a estudar como o espao urbano socialmente
produzido e como essa espacialidade urbana ressoa afetando vidas individuais e
coletivas. Uma perspectiva espacial crtica nunca esteve to disseminada, to di-
recionada para as cidades e a vida urbana e to profcua em ideias inovadoras no
que se refere economia, poltica, cultura e mudana social de modo mais gene-
ralizado. Nos dias de hoje, nenhum estudioso, seja qual for seu interesse, pode se
dar ao luxo de no ser, de alguma forma, um gegrafo urbano.
Esta abrangncia intelectual sem precedentes de perspectivas geogrficas ur-
banas coincide com um surto de crescimento urbano que levou as Naes Uni-
das a declararem que a maior parte da populao mundial vive hoje em cidades.
Entretanto, mais importante do que meros nmeros que concentram a ateno
popular e a dos estudiosos em cidades e geografias urbanas, eis que surgem, com
fora total no sculo XXI, trs desdobramentos inter-relacionados e extraordin-
rios, provenientes de fontes mais antigas.
1. A (re)descoberta da causalidade espacial urbana, a poderosa fora gerativa das ci-
dades e o processo de urbanizao. A filosofia e a teoria social ocidental, seja qual
1. Obviamente, a grande ex- for sua tendncia poltica, raramente conferiram significativo poder explicati-
ceo foi a Escola de Ecologia
vo condio urbana. As coisas acontecem nas cidades, mas muito raramente
Urbana de Chicago, com sua
nfase no comportamento hu- por causa de influncias especificamente urbanas. Neste sentido, a geografia
mano modelado pelo ambiente
urbano. Aqui, no entanto, a urbana era pouco mais do que um reflexo de processos sociais, com pouco
fora causal foi externa ao efeito autnomo em si.1 Por volta da dcada passada, principalmente como
comportamento social e gene-
ralizada como sendo ambiental resultado do rigor de uma subdisciplina hbrida da economia geogrfica, uma
ou ecolgica. O conceito mais
recente de causalidade espacial
formidvel percepo de que as cidades, em particular as geografias urba-
urbana provm no de foras nas, produzem uma fora gerativa que seria a causa primordial do desenvol-
naturais, mas de geografias
urbanas socialmente constru- vimento econmico, da inovao tecnolgica e da criatividade cultural. Em
das (e, portanto, mutveis).
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pensamento marxista e socialista radical. Tal virada espacial 4. O subttulo original do artigo sobre buzz era a
fora econmica das cidades, uma frase que foi
foi inicialmente desencadeada em Paris, principalmente retirada, segundo relato, por solicitao de um editor
da revista que julgava que os leitores no entenderiam
a partir das perspectivas espaciais transformativas de
uma noo to presunosa e pouco familiar tal como
Henri Lefebvre e Michel Foucault, mas posteriormente cidades gerando foras desenvolvimentistas.
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na criao de animais, no
desenvolvimento de cren-
as religiosas e nas distintas
culturas humanas, na meta-
lurgia, no adorno pessoal,
na produo de cermica,
de tapetes, nas artes
plsticas e represen-
tativas surgiu do
estmulo da aglomerao
urbana, e esses efeitos gerativos continuaram
operando, at o presente, como uma fonte primria de desenvolvimento e de mu-
dana da sociedade. Esta explicao espacial no nega a importncia dos fatores
ambientais, tais como a mudana climtica, mas ainda assim coloca em primeiro
lugar a urbanizao, insistindo que os efeitos dos fatores ambientais e eventos
naturais sejam vistos no contexto social da produo do espao urbano.
Uma nova geografia do antigo processo de urbanizao vem surgindo a partir
de evidncia arqueolgica recente. Os primeiros assentamentos comearam bem
12. Klaus Schmidt, o arque-
a leste de atalhyk, o foco da discusso em Postmetropolis, em uma rea central logo alemo que liderou as
sul da Anatlia, onde parece que o assentamento urbano e o total desenvolvimen- escavaes e interpretaes de
Gbekli Tepe, no identifi-
to agrcola andavam lado a lado, dando incio a uma evoluo paralela de desenvol- ca qualquer assentamento
permanente no local, mas nas
vimento econmico e de urbanizao que prosseguiria por 12.000 anos. O ponto cercanias h evidncia de uma
de partida agora ficou claro, tanto que j h alegaes de que o Jardim do den foi ocupao humana relativamen-
te densa, e a 15 quilmetros
finalmente descoberto, e que este mito das origens to sustentado se relaciona encontra-se a antiga Urfa, hoje
anlurfa, estabelecida aparen-
simbolicamente mudana revolucionria da caada para a agricultura baseada
temente h 11.000 anos, que
na urbanidade. Hoje, Gbekli Tepe considerada a construo humana perma- ainda existe hoje como uma
cidade de aproximadamente
nente mais antiga de que se tem notcia, uma resplandecente coleo de pelo me- meio milho de habitantes. Se
significantes interrupes em
nos 35 colunas de calcrio que encimam mais de doze crculos de pedra.12 difcil
sua existncia no tivessem
imaginar, mas este local de uma cantaria em larga escala e extraordinariamente ocorrido, Urfa seria a cidade
continuamente habitada mais
avanada foi construdo por caadores e coletores cada vez mais sedentrios, e antiga do mundo. Para uma
antecedeu as pirmides egpcias e Stonehenge em mais de 8.000 anos, assim viso geral de Gbekli Tepe e
os debates especulativos que
como as primeiras cidades-Estado da Sumria em pelo menos 6.000 anos. gerou, ver Curry (2008).
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em cidades (ou cidades baseadas em Estados) da Mesopotmia 14. Soja (2000a, 2002d). Preciso acrescentar um co-
mentrio final sobre atalhyk, que visitei pela primeira
foram resultado de uma longa evoluo de antigas zonas de ur- vez em 2004. Eu havia tomado conhecimento de dois
banizao que se estenderam de oeste a leste da Anatlia at o argumentos que contradiziam o que eu havia abordado
em Postmetropolis, ambos envolvendo a extraordinria
Vale do Indo e, ao sul, atravessando o Levante at o Vale do Nilo. pintura parietal que eu alegava ser a primeira ilustrao
consciente do espao-cidade ou geografia urbana, a
Embora no exista ainda uma literatura especfica acerca disso, segunda natureza criada que se origina de assentamen-
em breve ser possvel traar na longa transio entre a primeira tos urbanos permanentes. Alguns observadores diziam
que o mural no poderia ter ilustrado o grande vulco
e a segunda revolues urbanas, conforme minha definio, no Hassan Dag, que estava muito longe para ser avistado.
Dizem que talvez ele tenha sido pintado de memria por
somente o surgimento do Estado centralizado, mas ainda de di-
migrantes de outros assentamentos mais prximos da
ferenas de classe, do patriarcalismo, do uso da lngua escrita, fonte vulcnica da valiosa obsidiana. Outros, s vezes in-
clusive o principal arquelogo, Ian Hodder, j diziam que
de fortificaes defensivas incluindo muros de cidades, da reor- o mural no era uma ilustrao do assentamento, mas
um desenho abstrato, talvez de um leopardo. Depois de
ganizao de geografias urbanas e das mais antigas expresses
algumas dvidas, eu fiquei ainda mais convencido de
de princpios democrticos. Os pontos de partida para este pro- que os meus primeiros argumentos estavam corretos
quando subi at o topo do stio de escavaes de ata-
cesso evolutivo incluem Jeric no Levante e ayn, e talvez lhyk e olhei para o sul. A colina se estendia at o seu
Urfa, na regio sudeste da Anatlia, cada uma com pelo menos mximo direita e esquerda de onde eu me encontrava,
enquanto, bem minha frente, estariam os telhados
11.000 anos, fundadas por caadores e coletores relativamente de dezenas de casas espalhadas pela plancie abaixo. A
distncia, mas aparentemente perto, havia outro vulco
igualitrios; mas o maior e quase certamente o mais gerativo de com dois picos parecendo muito com o mural. Era o
todos os locais urbanos neolticos conhecidos continua sendo a Kara Dag e no o Hassan Dag, sendo que eu descobriria
mais tarde que ele tambm era uma fonte de obsidiana,
sinecista aglomerao de atalhyk.14 ou vidro vulcnico. O que eu vi minha frente era a cena
que parecia a cpia exata do que havia sido pintado no
Ainda h muito por dizer sobre a atualizao das discus-
mural. Eu nunca me senti to convencido daquilo que eu
ses de origens urbanas do Estado, o desenvolvimento posterior havia escrito em Postmetropolis.
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D
Soja (2011a, 2011b, 2010a,
2009a, 2009d, 2005). a mesma forma que os debates sobre a geo-histria do espao-cidade
16. As Naes Unidas agora (cityspace) esto promovendo revises radicais de nossas noes das
coletam dados sobre tamanhos
de cidades baseados em
formas mais remotas de urbanizao, assim tambm o nosso entendimento dos
cidades-regio (city regions) processos de reestruturao urbana dos ltimos 30-40 anos vem propiciando
e no em reas metropolita-
nas ou definies a partir de novos e extraordinrios desdobramentos em nosso pensamento a respeito de
termos como Grande. O
cidades contemporneas e do processo de urbanizao. frente desses
Bureau do Censo Americano
vem tambm dando maior desdobramentos, na minha perspectiva, esteve a identificao de um processo de
nfase a medies em reas
urbanizadas, uma vez que urbanizao regional policntrica, acompanhado por um relativo declnio do que
categorizaes anteriores de
pode ser descrito como um modelo distintamente metropolitano de crescimento e
reas estatsticas metropolita-
nas ficam complicadas com o de mudana urbanos. A literatura urbana dominante ainda no reconheceu este
crescimento de redes regionais
de cidades. Se todas as velhas modelo regional de urbanizao de forma explcita, mas h sinais de que a
regras fossem seguidas, mui- transformao da urbanizao metropolitana para a regional e o uso de termos
tas regies urbanas considera-
das reas estatsticas definidas associados tais como cidades-regio e cidades regionais crescero em importncia
pelo Censo necessitariam ter
sete ou oito cidades oficial-
para a anlise geogrfica urbana ao longo da prxima dcada.16
mente indicadas. tambm Um novo regionalismo foi reconhecido em Postmetropolis como uma caracte-
interessante e sintomtico que
informaes sobre cidades me- rstica fundamental do que denominei transio ps-metropolitana, mas a impor-
nores norte-americanas sejam
tncia e a direo desta regionalizao do urbano foram deixadas em aberto e sem
recenseadas tendo como base
suas aglomeraes (clusters). especificao. Hoje estou convencido de que o que tem acontecido com as cidades
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ao longo dos ltimos trinta anos pode ser mais bem descrito como uma mudana
paradigmtica na verdadeira natureza do processo de urbanizao. Embora ainda
em seus estgios primrios, o processo de urbanizao regional avanou o suficien-
te em algumas reas metropolitanas para que as suas caractersticas definidoras
fossem reconhecidas e
analisadas, e para que
os estudiosos urbanos comeassem
a entender que a era da me-
trpole moderna pode estar
terminando, criando uma
crescente necessidade de
novas estruturas para a com-
preenso e estudo das cida-
des e geografias urbanas.
Antes de adentrarmos o processo de
urbanizao regional com mais detalhamento, seria interessante comear com a
emergncia do modelo metropolitano a partir da cidade capitalista industrial dos
primrdios, mais centralizada.
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multiescalar.
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Sem ttulo.
Tcnica mista, 2012
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Um vocabulrio distinto surgiu para descrever esta transio ps-metropo- 18. Uma pesquisa comparativa
rigorosa hoje muito necess-
litana, conforme minha denominao em 2000. Os assentamentos avanados ria, sobre as mltiplas formas
do ps-subrbio que surgiram foram descritos como cidades limtrofes, cida- que os subrbios, antes homo-
gneos, esto agora tomando,
des externas e metrourbes, ao passo que para alm da velha fronteira da hinter- desde redutos resistentes que
protegem seus tradicionais
land h uma confusa variedade de exurbes, reas urbanas e assentamentos
valores suburbanos e seus am-
periurbanos. Conforme o gradiente de densidade aumenta, a urbanizao pe- bientes construdos por meio
de associaes de moradores,
rifrica traz consigo uma heterogeneidade econmica e cultural crescente, um at reas onde as comuni-
dades so completamente
aumento de populaes imigrantes e praticamente tudo o que for tradicional-
cercadas e vigiadas, como
mente associado s reas centrais, apagando do mapa o que j fora uma fron- tambm cidades confinadas
nas periferias que crescem
teira de identificao relativamente fcil entre o mundo urbano e o suburbano.18 rapidamente e nas quais as
Em Postmetropolis, empreguei o termo expole para descrever esta morfolo- pessoas precisam viajar por
mais de duas horas a cada ida
gia urbana mutante, com a jocosa percepo de seu duplo sentido tanto como e volta para trabalhar, e mesmo
aquelas que so essencialmen-
externo (urbanizao perifrica) e ex como no mais, a ex-cidade, uma te cidades suburbanas oximo-
nova forma urbana bem diferente da antiga. A expole agora integrada rnicas, sendo algumas, como
Orange County (adjacente a
ideia de urbanizao regional. Los Angeles) e o Vale do Silcio
(sendo San Jose hoje a maior
Enquanto cidades perifricas se adensam praticamente por toda parte, as re-
cidade da Bay Area amplamen-
as centrais passam por muitas tendncias diferentes, embora quase todas as maio- te definida) podem abrigar
vrios milhes de habitantes.
res cidades-regio do mundo tenham passado por algum tipo de esvaziamento
19. Com o intenso cresci-
ou densidade decrescente nas primeiras fases de reestruturao e desindustria- mento populacional de suas
reas centrais e perifricas,
lizao. Dois casos extremos e contrastantes de emigrao da cidade central so
Los Angeles tornou-se um
Detroit e Osaka, cada uma tendo perdido mais de meio milho de residentes do prottipo do processo de
urbanizao regional. Em 1990,
ncleo urbano. Enquanto Detroit se tornou um smbolo de decadncia urbana, o Los Angeles ultrapassou Nova
ncleo urbano de Osaka prospera, apesar de contar com muito poucos residentes. York no quesito rea mais
densamente urbanizada dos
Em muitas outras cidades-regio globalizadas, aps um esvaziamento de popula- Estados Unidos, uma mudana
notvel considerando que Los
es domsticas, o centro se preencheu novamente com um grande nmero de Angeles foi provavelmente a
imigrantes, sendo alguns dos exemplos mais destacados as cidades de Los Ange- menos densa metrpole ame-
ricana em 1960. Desde ento,
les, Nova York, Londres, Paris e Amsterdam.19 a populao da regio urbana
de L.A. cresceu em 8 milhes
As experincias altamente variadas de reas centrais vieram acompanhadas
de pessoas, aproximadamente.
de uma crescente e, no raro, obsessiva preocupao com os centros em fase de Para mais informaes sobre
densidades urbanas, vide De-
declnio e um desejo, aparentemente endmico, de renascimento e retomada de mographia, 1990 US Urbanized
Area Density Profile, disponvel
desenvolvimento. A urbanizao regional policntrica tornou os ncleos urbanos
em: <http://www.demographia.
centrais muito mais instveis e imprevisveis, levando a um marketing urbano com/db-porta.htm>.
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de Los Angeles, hesitei em concentrar muita ateno em Los Angeles. Ainda assim,
Los Angeles proporcionava exemplos especialmente claros para aquilo que eu buscava.
Com o rico suporte da literatura acadmica acumulada e com o novo pensamento sobre
a causalidade espacial urbana, promovido pelo ressurgimento e disseminado interesse
no espao e nas abordagens regionais, comecei a explorar a ideia de que Los Angeles no
era apenas um laboratrio produtivo para o desenvolvimento da teoria espacial e para
a pesquisa emprica informada pela teoria, mas era tambm o cenrio para uma mais
ampla extenso da virada espacial em direo quilo que poderia ser chamado de prxis
espacial, reais aes polticas e movimentos sociais erigidos, pelo menos em parte, sobre
uma conscincia espacial inovadora. Por volta do ano 2000, houve frequentes alegaes
de que Los Angeles havia se tornado um centro inovador tanto para o movimento
trabalhista americano quanto para organizaes baseadas nas comunidades. Novas
coalizes vinham emergindo, tais como a Bus Riders Union (Sindicato dos Usurios de
nibus) e a Los Angeles Alliance for a New Economy (Aliana de Los Angeles pela Nova
Economia), e estavam conseguindo sucessos significativos e inovadores.
Optei por escrever um livro de fcil leitura, discorrendo sobre o desenvolvimento
das coalizes trabalho-comunidade em Los Angeles desde a United Farm Workers
(Unio dos Trabalhadores Agrcolas) at o presente, com especial ateno s rela-
es dessas coalizes com professores e estudantes universitrios ao papel que o
pensamento crtico sobre o espao e, particularmente, as estratgias espaciais teve
nesses desdobramentos. Para assegurar a compreenso, elaborei captulos introdu-
zindo a questo da virada espacial e alguns conceitos como a dialtica socioespacial,
mas procurei escrev-los de forma a tornar a teoria acessvel a leitores ativistas e
estudantes, meu pblico primeiro.
A nova conscincia espacial que argumentei estar orientando a busca pela justi-
a espacial pode ser apresentada por uma srie de proposies geogrficas bsicas:
1) geografias humanas so produzidas socialmente (refletindo a noo de Lefebvre
da produo social do espao social); 2) instiladas de poder social, essas geografias
criadas podem ser tanto opressivas quanto capacitadoras (seguindo a conceituao
de Foucault sobre as relaes entre espao, conhecimento e poder); 3) geografias
opressivas ou injustas podem ser mudadas, tornadas menos opressivas e mais jus-
tas, por meio da ao socioespacial orquestrada; e 4) a nova conscincia espacial e as
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lutas coletivas pela geografia podem fornecer um efeito unificador para a coalizo
entre diversas organizaes e movimentos sociais, aumentando a importncia estra-
tgica da busca por justia espacial.
Devido ao contnuo sucesso de grupos como o Bus Riders Union e sua or-
ganizao afiliada Labor/Community Strategy Center (Centro Estratgico Tra-
balhista/Comunitrio), o Los Angeles Alliance for New Economy (LAANE, ou
a Aliana de Los Angeles pela Nova Economia), o Strategic Actions for a Just
Economy (SAJE, ou Aes Estratgicas por uma Economia Justa) e o recente-
mente formado Right to the City Alliance (Aliana do Direito Cidade), Los
Angeles veio a ser um dos centros mais importantes para o movimento traba-
lhista americano e um centro especialmente ativo de organizaes baseadas em
comunidades (em ingls, CBOs). Em parte, essa liderana nacional tem sido es-
timulada pelas geografias particularmente injustas e opressivas originadas pela
globalizao e pela reestruturao econmica. As desigualdades de renda e a
polarizao social so maiores em Los Angeles do que em quase qualquer outra
cidade-regio do mundo desenvolvido, e esto se igualando quelas encontradas
em Calcut ou na Cidade do Mxico.
O que pode ser descrito como a primeira maior exploso urbana contra a glo-
balizao, os tumultos e revoltas de 1992, agora significativamente denominado
Justice Riots, segundo o lema mobilizante No Justice No Peace (Sem justia no
h paz), foi o marco de outro momento decisivo. Ficava cada vez mais claro que as
investidas dos governos municipal, estadual e federal nunca seriam suficientes para
lidar com os problemas que Los Angeles enfrentava; assim, organizaes ativistas
e a grande aglomerao dos trabalhadores menos favorecidos que havia se forma-
do volta do centro de Los Angeles entenderam que novos mtodos e estratgias
inovadoras eram necessrios nas lutas por maior justia econmica e social. Vrias
caractersticas distinguiram os movimentos que surgiram em Los Angeles das suas
contrapartes em outras regies metropolitanas. Uma delas foi o synekism criativo
que surgiu dos quase 5 milhes de imigrantes trabalhadores de baixa renda con-
centrados no ncleo da regio metropolitana, alcanando densidades urbanas com-
parveis somente a Manhattan. Novas e urgentes necessidades foram geradas pela
pobreza, falta de moradia e crise imobiliria induzidas por esta situao. De certa
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