AGUIAR, Jórissa. Uma Crítica Marxista Ao Movimento Giro Decolonial Na AL
AGUIAR, Jórissa. Uma Crítica Marxista Ao Movimento Giro Decolonial Na AL
AGUIAR, Jórissa. Uma Crítica Marxista Ao Movimento Giro Decolonial Na AL
na América Latina
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Sobre este ponto conferir, Marx e Engels ([1946]1973) e Marx ([1867] 2003).
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Como um movimento político e intelectual interdisciplinar, teve como primeiros interlocutores Albert
Memmi, com “Retrato do colonizado precedido de retrato do colonizador”, de 1947, Aimé Cesárie, com o
livro “Discursos sobre o colonialismo”, de 1950, e o mais conhecido Franz Fanon, com “Os condenados
da terra”, de 19683. Porém, foi com “Orientalismo”, do palestino Edward Said, lançado em 1978, que se
propagou o questionamento do pensamento ocidental, desvendando também suas faces políticas e
ideológicas.
cultura ocidental com as atitudes e valores ideológicos da expansão capitalista bem
como as implicações desse processo no saber. Contextualizando história, cultura e
realidade socieconômica, refletindo a partir de experiências concretas, foi com a difusão
do livro “Orientalismo” ([1978] 2007) de Edward Said que se pôde falar em teoria pós-
colonial para além do mundo universitário anglo-saxão.
Oriente e ocidente seriam duas entidades geográficas que refletiriam uma à
outra, geralmente dominadas e impregnadas de doutrinas de superioridade europeia,
onde dominação, consenso e hegemonia estariam em jogo (Said, 2007). A teoria pós-
colonial se expande para além das fronteiras da Índia principalmente com os escritos e
pesquisas de Gayatri Spivak, conhecida como a primeira tradutora de Derrida e por seu
trabalho de base pós-estruturalista, partindo de uma crítica aos intelectuais ocidentais,
fundamentalmente Deleuze e Foucault, para “refletir sob a prática discursiva do
intelectual pós-colonial” (Spivak, 2010, p. 12). Sua obra “Poder o subalterno falar?”,
carrega no título uma ambivalência por partir da autocrítica do papel do intelectual
como cúmplice do processo de colonização, questionando a permissão e a capacidade
que o sujeito subalterno teria de falar, de se fazer entender, aludindo à questão da
representação.
Neste contexto se firmou na década de 70, composto em sua maioria por
pensadores do sul-asiático, o Grupo de Estudos Subalternos, tendo como dirigente
Ranajit Guha, historiador indiano de origem marxista. Na América Latina, duas décadas
mais tarde, lança-se um Manifesto Inaugural do Grupo Latino-americano de Estudos
Subalternos, inserindo o subcontinente no debate pós-colonial (Ballestrin, 2012). Os
autores deste Manifesto inaugural ressaltam que:
Ranajit Guha nos há inspirado a fundar un proyecto similar dedicado al
estudio del subalterno en América Latina (...) los procesos de
redemocratización, las nuevas dinámicas creadas por el efecto de los mass
media y el nuevo orden económico transnacional: todos estos son procesos
que invitan a buscar nuevas formas de pensar y de actuar políticamente.
(Manifesto, 1998, p. 70 apud Ballestrin, 2012).
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Para atender os objetivos desse trabalho e por delimitação de espaço, simplificamos a noção de sistema-
mundo, definida aqui como a interdependência econômica entre regiões que são politicamente e
culturalmente distintas, na fase da globalização.
periférico” (Mignolo, 2007). O último autor argentino, por exemplo, afirma que seria
necessária uma fratura com o marxismo, algo que teria sido realizado por Mariátegui
que o fez ao promover seu encontro com o legado colonial nos Andes. Trata-se de uma
afirmação que vai de encontro ao pensamento mariateguiano, visto que o intelectual e
militante peruano afirmava em várias de suas obras o não rompimento e a não
subordinação do marxismo à questão indígena, exaltando a necessidade da luta de
classes, da consciência de classe e de um partido para se chegar à revolução socialista.
O sociólogo peruano Aníbal Quijano (2005) indica que concomitante à expansão
capitalista, a ideia de raça conferiu legitimidade às relações de dominação impostas
através da conquista de nossos povos, particularmente. Assim, antes da colonização da
América Latina não se usava a definição “raça”, as diferenças de classe estavam
delimitadas economicamente e também por meio de outras subjetividades. Utilizando-se
fundamentalmente da dominação cultural e da exclusão de indígenas e outras
denominações raciais, Quijano nos aponta que o conceito de “colonialidade no poder”
exprime essa nova forma de legitimação das relações de dominação, como divisão racial
do trabalho, e a difusão de um aparato educacional uno, europeizado, que legitimariam
nossa dependência financeira e intelectual. Isto significou a validação das antigas ideias
e práticas de relações de superioridade/inferioridade numa perspectiva moderna, ainda
segundo o autor. O debate crítico acerca da colonialidade no poder nos dá pistas para
esclarecer que a raça – ou a recuperação das identidades na América Latina (índios,
negros e mestiços) e a redefinição de outras – não pode ser entendida como único
instrumento de dominação.
A colonialidade do poder se debruça sobre as relações de colonialidade nas
esferas econômica e política, destacando que essa subordinação não se findou com o
desmantelamento do colonialismo clássico, e frisando a estrutura de controle do
trabalho, estabelecida pela colonização, em um padrão de controle global de recursos e
produtos (Quijano, 2005, p. 231). Com isso, Quijano anuncia sua dupla pretensão:
denunciar a continuidade das formas coloniais de dominação via cultura e pelas
estruturas do sistema-mundo capitalista moderno/colonial; e por outro lado, a
necessidade da atualização desse debate, que prolonga processos que teriam sido
superados na modernidade.
Mariátegui e a análise da formação econômico-social latino-americana
Sobre o debate, José Carlos Mariátegui expõe que a visão dominante de mundo
se impôs entre os processos civilizatórios diversos não só através da presença cultural,
mas também através exploração dos povos nas relações de produção. Adianta, ainda,
que:
O advento da República não transforma substancialmente a economia do
país. Produz-se uma simples mudança de classes: o governo dos
latifundiários, encomenderos e profissionais crioulos sucede o governo
cortesão da nobreza espanhola. A aristocracia mestiça empolga o poder, sem
nenhuma concepção econômica, sem nenhuma visão política. Para os quatro
milhões de índios, o movimento de emancipação em relação à metrópole
passa despercebido. Seu estado de servidão persiste desde a conquista até
nossos dias (...) A nova classe governante, ávida e sedenta de riquezas,
dedica-se a ampliar seus latifúndios à custa das terras pertencentes à
comunidade indígena, até chegar a fazê-las desaparecer em alguns
departamentos. (2011, p. 142)
Referências
GALASTRI, Leandro. Classes sociais e grupos subalternos. Crítica Marxista, São Paulo,
Brasiliense, n° 39, 2014, pp. 35-56.
MARX, Karl. O Capital. Crítica da Economia Política. Livro 1. Vol. 1. Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 2003.
SPIVAK, Gayatri C. Pode o subalterno falar? Belo Horizonte, Editora UFMG, 2010.