Depoimentos para A História Ditadura Paraná PDF

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Depoimentos

para a História
A Resistência à
Ditadura Militar no Paraná
Antônio Narciso Pires de Oliveira
Fábio Bacila Sahd
Silvia Calciolari

Depoimentos
para a História
A Resistência à
Ditadura Militar no Paraná

Realização:

Coordenação:

Curitiba
2014
Depoimentos para a História – A Resistência à Ditadura Militar no Paraná

Realização DHPaz – Sociedade Direitos Humanos para a Paz


DHPaz – Sociedade Direitos Humanos para a Paz Rua: Voluntários da Pátria, 475 | Edifício Asa | Praça Osório
Projeto Marcas da Memória 12O Andar | Sala 1209 | Telefone: (41) 3079-1759
Comissão de Anistia – Ministério da Justiça Curitiba | Paraná | Cep: 80020-000
www.dhpaz.org | e-mail – [email protected]
Coordenação
Grupo Tortura Nunca Mais - Paraná
FICHA TÉCNICA DO LIVRO
Diretor Geral – Sociedade DHPAZ
Carlos Lobo
Edição
Coordenador – Projeto Depoimentos para a História Antônio Narciso Pires de Oliveira
Antônio Narciso Pires de Oliveira
Revisão
Historiador Silvia Calciolari
Fábio Bacila Sahd
Projeto Gráfico
Jornalista
Gisele Skroch
Silvia Calciolari

Diretora Financeira Fotografias


Regina Riba Acervo do DHPAZ, reprodução de internet e Gilson
Camargo (Adair Chevonika), com exceção das indicadas
Diretor Adminstrativo
Cyrano Weinhart Impressão
Estagiários Gigapress Gráfica e Editora Ltda.
Pedro Venturini Junior – História
Adriana Lopes – Jornalismo Impresso no Brasil
Lucas Fier – Áudio e Vídeo Printed in Brazil

O presente projeto foi apresentado no ano de 2012 à III Chamada Pública do Projeto Marcas da Memória, da
Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, e selecionado por Comitê independente para fomento. A realização
do projeto objetiva atender as missões legais da Comissão de Anistia de promover o direito à reparação, memória e
verdade, permitindo que a sociedade civil e os anistiados políticos concretizem seus projetos de memória. Por essa
razão, as opiniões e dados contidos na publicação são de responsabilidade de seus organizadores e autores, e não
traduzem opiniões do Governo Federal, exceto quando expresso em contrário.

O48d Oliveira, Antônio Narciso Pires de.


Depoimentos para a história: a resistência à ditadura militar no Paraná / Antônio
Narciso Pires de Oliveira, Fábio Bacila Sahd, Silvia Calciolari. Curitiba: DHPaz, 2014.
328 p. il.

ISBN 978-85-85820-74-9
1. Depoimentos - História. 2. Ditadura militar - Paraná. 3. Ditadura militar - Resistência -
Paraná. 3. DHPaz - Sociedade Direitos Humanos. I. Shad, Fábio Bacila. II. Calciolari, Silvia. III. Título.
CDD 981.062

Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Márcia Elaine Bento CRB1/1460


Presidenta da República Diretora da Comissão de Anistia
DILMA VANA ROUSSEFF AMARÍLIS BUSCH TAVARES

Ministro da Justiça Chefe de Gabinete


JOSÉ EDUARDO CARDOZO LARISSA NACIF FONSECA

Secretária-Executiva Coordenadora Geral do


MARCIA PELEGRINI Memorial da Anistia Política do Brasil
ROSANE CAVALHEIRO CRUZ

Presidente da Comissão de Anistia


PAULO ABRÃO Coordenador de Projetos e Políticas
de Reparação e Memória Histórica
EDUARDO HENRIQUE FALCÃO PIRES
Vice-presidentes da Comissão de Anistia
SUELI APARECIDA BELLATO
JOSÉ CARLOS MOREIRA DA SILVA FILHO Coordenador de Articulação Social,
Ações Educativas e Museologia
BRUNO SCALCO FRANKE
Conselheiros da Comissão de Anistia
ALINE SUELI DE SALLES SANTOS
ANA MARIA GUEDES Coordenadora do Centro de
ANA MARIA LIMA DE OLIVEIRA Documentação e Pesquisa
CAROLINA DE CAMPOS MELO ELISABETE FERRAREZI
CAROL PRONER
CRISTIANO OTÁVIO PAIXÃO ARAÚJO PINTO
ENEÁ DE STUTZ E ALMEIDA Coordenador Geral de Gestão Processual
HENRIQUE DE ALMEIDA CARDOSO MULLER LUIZ BORGES
JUVELINO JOSÉ STROZAKE
LUCIANA SILVA GARCIA
MANOEL SEVERINO MORAES DE ALMEIDA Coordenadora de Controle Processual,
MÁRCIA ELAYNE BERBICH DE MORAES Julgamento e Finalização
MARINA SILVA STEINBRUCH NATÁLIA COSTA
MÁRIO MIRANDA DE ALBUQUERQUE
MARLON ALBERTO WEICHERT
NARCISO FERNANDES BARBOSA Coordenador de Pré-análise
NILMÁRIO MIRANDA RODRIGO LENTZ
PRUDENTE JOSÉ SILVEIRA MELLO
RITA MARIA DE MIRANDA SIPAHI
ROBERTA CAMINEIRO BAGGIO Coordenadora de Análise e
RODRIGO GONÇALVES DOS SANTOS Informação Processual
VANDA DAVI FERNANDES DE OLIVEIRA JOICY HONORATO DE SOUZA
VIRGINIUS JOSÉ LIANZA DA FRANCA
Fotos:
http://noo.com.br/noo-ponto-golpe-militar/
http://circuitoueesp.wordpress.com/uee-sp/
http://www.ebc.com.br/cultura/2013/08/exposicao-retrata-resistencia-a-ditadura-militar
http://www.mancheteonline.com.br/para-especialistas-ditadura-militar-precisa-ser-mais-bem-abordado-brasil/
Apresentação da
Comissão de Anistia

A Comissão de Anistia é um órgão do Estado brasileiro ligado ao


Ministério da Justiça e composto por 26 conselheiros, em sua maio-
ria, agentes da sociedade civil ou professores universitários, sendo
um deles indicado pelas vítimas e outro pelo Ministério da Defesa.
Criada em 2001, há treze anos, com o objetivo de reparar moral e
economicamente as vítimas de atos de exceção, arbítrio e violações
aos direitos humanos cometidas entre 1946 e 1988, a Comissão
hoje conta com mais de 70 mil pedidos de anistia protocolados. Até
o ano de 2012 havia declarado mais de 35 mil pessoas “anistiadas
políticas”, promovendo o pedido oficial de desculpas do Estado pelas
violações praticadas. Em aproximadamente 15 mil destes casos, a
Comissão igualmente reconheceu o direito à reparação econômica. O
acervo da Comissão de Anistia é o mais completo fundo documental
sobre a ditadura brasileira (1964-1985), conjugando documentos ofi-
ciais com inúmeros depoimentos e acervos agregados pelas vítimas.
Esse acervo será disponibilizado ao público por meio do Memorial da
Anistia Política do Brasil, sítio de memória e homenagem às vítimas,
em construção na cidade de Belo Horizonte. Desde 2008 a Comis-
são passou a promover diversos projetos de educação, cidadania e
memória, levando, por meio das Caravanas de Anistia, as sessões
de apreciação dos pedidos aos locais onde ocorreram às violações,
que já superaram 70 edições; divulgando chamadas públicas
para financiamento a iniciativas sociais de memória, como a que
presentemente contempla este projeto; e fomentando a cooperação
internacional para o intercâmbio de práticas e conhecimentos, com
ênfase nos países do Hemisfério Sul.

9
10
ilia-debate.html
ade-livre-de-bras
.br/2013/03/tv-cid
antannaeainfocom.blogspot.com
Foto: http://chicos
Foto de Evandro Teixeira. http://nuncamaisde.wordpress.com/

Soldados n
Depoimentos para a História

no Rio de Janeiro, 1964.


o Caminhão

Protestos contra a ditadura


Comissão de Anistia do
Ministério da Justiça
Composição Atual

PRESIDENTE:

Paulo Abrão
Paulo Abrão é Secretário Nacional de Justiça do Brasil. Presidente
do Comitê Nacional para Refugiados, do Comitê Nacional para o Enfren-
tamento ao Trafico de Pessoas e da Comissão de Anistia do Ministério da
Justiça que promove processos de reparação e memória para as vítimas
da ditadura militar de 1964-1985. Diretor do Programa de Cooperação
Internacional para o desenvolvimento da Justiça de Transição no Brasil
com o PNUD. Integrou o Grupo de Trabalho que elaborou a Lei que institui
a Comissão Nacional da Verdade no Brasil. Juiz integrante do Tribunal
Internacional para a Justiça Restaurativa em El Salvador. Membro di-
retor da Coalização Internacional de Sitio de Consciência e presidente
do Grupo de Peritos contra a Lavagem de Dinheiro da Organização dos
Estados Americanos. Atualmente coordena o comitê de implantação do
Memorial da Anistia Política no Brasil. Possui doutorado em Direito pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e é professor do Curso
de Mestrado e Doutorado em Direito da Universidade Pablo de Olavide
(Espanha). Possui publicações publicadas em revistas e obras em língua
portuguesa, inglesa, alemã, italiana e espanhol.

VICE-PRESIDENTES:

Sueli Aparecida Bellato


Conselheira desde 06 de março de 2003. Nascida em São
Paulo/SP, em 1º de julho de 1953.

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Depoimentos para a História

Religiosa da Congregação de Nossa Senhora - Cônegas de


Santo Agostinho, Advogada do Centro de Direitos Humanos de São
Miguel Paulista - São Paulo, do Centro de Orientação de Direitos
Humanos de Guarabira-Paraíba, do Sindicato dos Trabalhadores
Rurais de Pilões e Borborema – Paraíba, advogada do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST, Rio Grande do Sul.
Membro e coordenadora da Associação Nacional de Advogados
Populares – ANAP. Advogada do Departamento de Trabalhadores
Rurais da Central Única dos Trabalhadores, da Secretaria-execu-
tiva do Fórum Nacional contra Violência no Campo. Assessora da
Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão /MPF. Assessora
da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e
assessora parlamentar dos Senadores Tião Viana e Siba Machado.
Assistente de Acusação do Processo contra os acusados do assas-
sinato do ambientalista e sindicalista Chico Mendes, João Canuto
e Expedito Ribeiro. Membro da Comissão Brasileira Justiça e Paz e
Rede Social de Direitos Humanos. Compôs a Coordenação do Grupo
de Trabalho Araguaia - GTA Membro do Tribunal Internacional de
Justiça Restaurativa de El Salvador. È Mestranda do Programa de
Pôs Graduação de Direitos Humanos da UNB.

José Carlos Moreira da Silva Filho


Conselheiro desde 25 de maio de 2007. Nascido em São Paulo/
SP, em 18 de dezembro de 1971, é graduado em Direito pela Uni-
versidade de Brasília, mestre em Direito pela Universidade Federal
de Santa Catarina e doutor em Direito pela Universidade Federal
do Paraná. Atualmente é professor da Faculdade de Direito e do
Programa de Pós- Graduação em Ciências Criminais da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

CONSELHEIROS:

Aline Sueli de Salles Santos


Conselheira desde 26 de fevereiro de 2008. Nascida em Caça-
pava/SP, em 04 de fevereiro de 1975, é graduada em Direito pela
Universidade de São Paulo, mestre em Direito pela Universidade do
Vale do Rio dos Sinos e doutoranda em Direito pela Universidade
de Brasília. É professora da Universidade Federal do Tocantins/TO.

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Resistência à ditadura Militar no Paraná

Ana Maria Guedes


Conselheira desde 04 de fevereiro de 2009. Nascida em Reci-
fe/PE, em 19 de abril de 1947, é graduada em Serviço Social pela
Universidade Católica de Salvador. Atualmente é membro do Grupo
Tortura Nunca Mais da Bahia e integrante da comissão organizadora
do Memorial da Resistência Carlos Mariguella, Salvador/BA.

Ana Maria Lima de Oliveira


Conselheira desde 26 de abril de 2004. Nascida em Irituia/PA,
em 06 de dezembro de 1955, é Procuradora Federal do quadro da
Advocacia-Geral da União desde 1987 e graduada em Direito pela
Universidade Federal do Pará.

Carolina de Campos Melo


Conselheira desde 02 de fevereiro de 2012. Nascida na cidade
do Rio de Janeiro, em 22 de janeiro de 1976, é graduada e mestre
em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(PUC-Rio) e doutora em Direito pela Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ). É Advogada da União desde setembro de 2003.
É também Professora do Departamento de Direito da PUC-Rio e Co-
ordenadora Acadêmica do Núcleo de Direitos Humanos. Atualmente
é assessora na Comissão Nacional da Verdade.

Carol Proner
Conselheira desde 14 de setembro de 2012, nascida em 14 de julho
de 1974 em Curitiba/PR. Advogada, doutora em Direito Internacional
pela Universidade Pablo de Olavide de Sevilha (Espanha), Professora de
Direito Internacional da Universidad Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
Co-Diretora do Programa Máster-Doutorado Oficial da União Européia,
Derechos Humanos, Interculturalidad y Desarrollo - Universidade Pablo
de Olavide/ Univesidad Internacional da Andaluzia. Concluiu estudos de
Pós-Doutorado na École de Hautes Etudes de Paris (França). É autora
de artigos e livros sobre direitos humanos e justiça de transição.

Cristiano Paixão
Conselheiro desde 1º de fevereiro de 2012. Nascido na cida-
de de Brasília, em 19 de novembro de 1968, é mestre em Teoria e

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Depoimentos para a História

Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina


(UFSC), doutor em Direito Constitucional pela Universidade Fede-
ral de Minas Gerais (UFMG) e fez estágio pós-doutoral em História
Moderna na Scuola Normale Superiore di Pisa (Itália). É Procurador
Regional do Trabalho em Brasília e integra a Comissão da Verda-
de Anísio Teixeira da Univerisidade de Brasília, onde igualmente
é professor da Faculdade de Direito. Foi Professor visitante do
Mestrado em Direito Constitucional da Universidade de Sevilha
(2010-2011). Co-líder dos Grupos de Pesquisa “Direito e história:
políticas de memória e justiça de transição” (UnB, Direito e His-
tória) e “Percursos, Narrativas e Fragmentos: História do Direito e
do Constitucionalismo” (UFSC-UnB).

Eneá de Stutz e Almeida


Conselheira desde 22 de outubro de 2009. Nascida no Rio
de Janeiro/RJ, em 10 de junho de 1965, é graduada e mestre em
Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e doutora em
Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. É professora
da Universidade de Brasília, onde coordena um Grupo de Pesquisa
sobre Justiça de Transição no Brasil, e leciona e orienta na gradu-
ação e pós-graduação em direito. Integra ainda a Comissão Anisio
Teixeira da Memória e Verdade da UnB.

Henrique de Almeida Cardoso


Conselheiro desde 31 de maio de 2007. Nascido no Rio de
Janeiro/RJ, em 23 de março de 1951, é o representante do Minis-
tério da Defesa junto à Comissão de Anistia. Oficial de artilharia do
Exército pela Academia Militar de Agulhas Negras (AMAN), é bacharel
em Ciências Econômicas e em Ciências Jurídicas pela Universidade
do Estado do Rio de Janeiro.

Juvelino José Strozake


Conselheiro desde 25 de maio de 2007. Nascido em Alpestre/
RS, em 18 de fevereiro de 1968, é advogado graduado pela Facul-
dade de Direito de Osasco (FIEO), mestre e doutor em Direito pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É membro da Rede
Nacional de Advogados Populares (RENAP).

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Resistência à ditadura Militar no Paraná

Luciana Silva Garcia


Conselheira desde 25 de maio de 2007. Nascida em Sal-
vador/BA, em 11 de maio de 1977, é graduada em Direito pela
Universidade Federal da Bahia, mestre em Direito Público pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Especialista em
Direitos Humanos e Processos de Democratização pela Uni-
versidade do Chile e Doutoranda em Direito pela Universidade
de Brasília. Atualmente é diretora do Departamento de Defesa
dos Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos da
Presidência da República.

Manoel Severino Moraes de Almeida


Conselheiro desde 01 de junho de 2013. Nascido em Recife, em
22 de fevereiro de 1974, é Bacharel em Ciências Sociais (1999) e Mestre
em Ciência Política (2004) pela Universidade Federal de Pernambuco.
Membro da Comissão da Memória e Verdade Dom Helder Câmara de
Pernambuco. Professor de Direitos Humanos e Ciência Política da UNI-
NASSAU. Associado do IDHEC - Instituto Dom Helder Camara; Dignitatis
– Assessoria Técnica Popular; Cendhec - Centro Dom Helder Câmara
de Estudos e Ação Social e Associação Nacional de Direitos Humanos,
Pesquisa e Pós- Graduação - ADHEP; IDEJUST - Grupo de Estudos sobre
Internacionalização do Direito e Justiça de Transição. Ex-Conselheiro do
Conselho Nacional de Segurança Pública – Ministério da Justiça (CONASP
- 2010/2011) e colaborador do Conselho Nacional de Defesa dos Direitos
da Pessoa Humana CDDPH; Signatário do PNDH3. Colaborador da rede
de defensores e defensoras de direitos humanos das Américas mediado
pela Anistia Internacional (RED DE DEFENSORES Y DEFENSORAS DE
DERECHOS HUMANOS DE LAS AMÉRICAS).

Márcia Elayne Berbich de Moraes


Conselheira desde 23 de julho de 2008. Nascida em Cianorte/PR,
em 17 de novembro de 1972, é advogada graduada em Direito pela Ponti-
fícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). É especialista,
mestre e doutora em Ciências Criminais, todos pela mesma instituição.
Foi integrante do Conselho Penitenciário do Estado do Rio Grande do
Sul entre 2002 e 2011 e ex. professora da Faculdade de Direito de Porto
Alegre (FADIPA). Atualmente é professora de Direito Penal do IBMECRJ.

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Depoimentos para a História

Marina da Silva Steinbruch


Conselheira desde 25 de maio de 2007. Nascida em Guaíra/
SP, em 12 de abril de 1954, é graduada em Direito pela Faculdade
de Direito de São Bernardo do Campo/SP. Atuou como defensora
pública da União por 22 anos. É funcionária pública desde 1973.

Mário Albuquerque
Conselheiro desde 22 de outubro de 2009. Nascido em For-
taleza/CE, em 21 de novembro de 1948. É membro da Associação
Anistia 64/68. Atualmente preside a Comissão Especial de Anistia
Wanda Sidou do Estado do Ceará.

Marlon Alberto Weichert


Conselheiro desde 13 de maio de 2013. Procurador Regional
da República, atuando há mais de dez anos com o tema da Justiça
de Transição, especialmente responsabilização criminal e civil de
perpetradores de graves violações aos direitos humanos, acesso
à informação e à verdade, implantação de espaços de memória e
reparações imateriais. Perito em justiça de transição indicado pela
Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA. Coordenador
do Grupo de Trabalho Memória e Verdade da Procuradoria Federal
dos Direitos do Cidadão. Coordenador do projeto Brasil Nunca Mais
Digital. Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP e graduado em
Direito pela Universidade Federal Fluminense. Especialista em Di-
reito Sanitário pela Universidade de Brasília – UnB.

Narciso Patriota Fernandes Barbosa


Conselheiro desde 25 de maio de 2007. Nascido em Maceió/AL,
em 15 de setembro de 1970, é graduado em Direito pela Universidade
Federal de Alagoas e possui especialização em Direitos Humanos pela
Universidade Federal da Paraíba. É advogado militante nas áreas de
direitos humanos e de segurança pública.

Nilmário Miranda
Conselheiro desde 1º de fevereiro de 2012. Nascido em Belo
Horizonte/ MG, em 11 de agosto de 1947, é Jornalista e mestre em
Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

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Resistência à ditadura Militar no Paraná

Foi deputado estadual, deputado federal e ministro da Secretaria


Especial de Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH
– 2003/2005). Quando deputado federal Presidiu a Comissão Exter-
na para Mortos e Desaparecidos Políticos. Foi autor do projeto que
criou a Comissão de Direitos Humanos na Câmara, que presidiu em
1995 e 1999. Representou por 07 (sete) anos a Câmara dos Deputa-
dos na Comissão Especial dos Mortos e Desaparecidos Políticos. É
membro do Conselho Consultivo do Centro de Referência das Lutas
Políticas no Brasil, denominado “Memórias Reveladas”. Foi presiden-
te da Fundação Perseu Abramo por 05 (cinco) anos. Atualmente é
Deputado Federal por Minas Gerais e, na Câmara dos Deputados, é
Vice-Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, titular
da Comissão de Desenvolvimento Urbano e suplente da Comissão de
Legislação Participativa.

Prudente José Silveira Mello


Conselheiro desde 25 de maio de 2007. Nascido em Curitiba/
PR, em 13 de abril de 1959, é graduado em Direito pela Universidade
Católica do Paraná e doutorando em Direito pela Universidade Pablo
de Olavide (Espanha). Advogado trabalhista de entidades sindicais
de trabalhadores desde 1984, atualmente leciona nos cursos de pós-
graduação em Direitos Humanos e Direito do Trabalho do Complexo
de Ensino Superior de Santa Catarina (CESUSC).

Rita Maria de Miranda Sipahi


Nasceu em Fortaleza/CE, em 1938. Formada pela Faculdade
de Direito da Universidade do Recife. Servidora pública aposentada
pela Prefeitura do Município de São Paulo. Suas principais atividades
profissionais situam-se na área educacional, do Direito e da gestão
pública. Militante política a partir dos anos 1960. Participa do Nú-
cleo de Preservação da Memória Política de São Paulo e do Coletivo
de Mulheres de São Paulo. Conselheira da Comissão de Anistia do
Ministério da Justiça desde outubro de 2009.

Roberta Camineiro Baggio


Conselheira desde 25 de maio de 2007. Nascida em San-
tos/SP, em 16 de dezembro de 1977, é graduada em Direito

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Depoimentos para a História

pela Universidade Federal de Uberlândia, mestre em Direito pela


Universidade do Vale do Rio dos Sinos e doutora em Direito pela
Universidade Federal de Santa Catarina. Atualmente é professora
na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, em Porto Alegre/RS.

Rodrigo Gonçalves dos Santos


Conselheiro desde 25 de maio de 2007. Nascido em Santa
Maria/RS, em 11 de julho de 1975, é advogado, graduado e mestre
em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos/
UNISINOS. Professor licenciado do Curso de Direito do Centro Uni-
versitário Metodista Isabela Hendrix de Belo Horizonte. Consultor
da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Vanda Davi Fernandes de Oliveira


Conselheira desde 26 de fevereiro de 2008. Nascida em Es-
trela do Sul/MG, graduada em Direito pela Universidade Federal
de Uberlândia e doutoranda em Direito Ambiental pela Universidad
de Alicante (Espanha). É presidente da ONG Ambiente e Educação
Interativa - AMEDI, e membro do CBH Paranaíba.

Virginius José Lianza da Franca


Conselheiro desde 1º de agosto de 2008. Nascido em João
Pessoa/PB, em 15 de agosto de 1975, é advogado graduado
em Direito pela Universidade Federal da Paraíba, especialista
em Direito Empresarial pela mesma instituição. Atualmente
é Coordenador-Geral do Conselho Nacional de Refugiados do
Ministério da Justiça (CONARE) e Diretor Adjunto do Departa-
mento de Estrangeiros do Ministério da Justiça. Ex-diretor da
Escola Superior da Advocacia da Ordem dos Advogados – Sec-
cional Paraíba. Ex-Procurador do Instituto de Terras e Plane-
jamento Agrário (INTERPA) do Estado da Paraíba. Igualmente,
foi Secretário-Executivo do Conselho Nacional de Combate à
Pirataria (CNCP).

18
Marcas da Memória:
Um projeto de memória e reparação
coletiva para o Brasil

Criada em 2001, por meio de medida provisória, a Comissão


de Anistia do Ministério da Justiça passou a integrar em definitivo a
estrutura do Estado brasileiro no ano de 2002, com a aprovação de
Lei n.º 10.559, que regulamentou o artigo 8º do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias.
Tendo por objetivo promover a reparação de violações a direitos
fundamentais praticadas entre 1946 e 1988, a Comissão configura-se
em espaço de reencontro do Brasil com seu passado, subvertendo o
senso comum da anistia enquanto esquecimento. A Anistia no Brasil
significa, a contrário senso, memória. Em sua atuação, o órgão reu-
niu milhares de páginas de documentação oficial sobre a repressão
no Brasil e, ainda, centenas de depoimentos, escritos e orais, das
vítimas de tal repressão. E é deste grande reencontro com a história
que surgem não apenas os fundamentos para a reparação às viola-
ções como, também, a necessária reflexão sobre a importância da
não repetição destes atos de arbítrio.
Se a reparação individual é um meio de buscar reconciliar
cidadãos cujos direitos foram violados, que têm então a oportuni-
dade de verem o Estado reconhecer que errou, devolvendo-lhes a
cidadania e, se for o caso, reparando-os financeiramente, por sua
vez, as reparações coletivas, os projetos de memória e as ações para
a não repetição têm o claro objetivo de permitir a toda a sociedade
conhecer, compreender e, então, repudiar tais erros. A afronta aos
direitos fundamentais de qualquer cidadão singular igualmente
ofende a toda a humanidade que temos em comum, e é por isso que
tais violações jamais podem ser esquecidas. Esquecer a barbárie
equivaleria a nos desumanizarmos.

19
Depoimentos para a História

Partindo destes pressupostos e, ainda, buscando valo-


rizar a luta daqueles que resistiram – por todos os meios que
entenderam cabíveis – a Comissão de Anistia passou, a partir
de 2008, a realizar sessões de apreciação pública, em todo o
território nacional, dos pedidos de anistia que recebe, de modo
a tornar o passado recente acessível a todos. São as chamadas
“Caravanas da Anistia”. Com isso, transferiu seu trabalho co-
tidiano das quatro paredes de mármore do Palácio da Justiça
para a praça pública, para escolas e universidades, associações
profissionais e sindicatos, bem como a todo e qualquer local
onde perseguições ocorreram. Assim, passou a ativamente
conscientizar as novas gerações, nascidas na democracia, da
importância de hoje vivermos em um regime livre, que deve e
precisa ser continuamente aprimorado.
Com a ampliação do acesso público aos trabalhos da Co-
missão, cresceram exponencialmente o número de relatos de
arbitrariedades, prisões, torturas, por outro lado, pôde-se romper
o silêncio para ouvir centenas de depoimentos sobre resistência,
coragem, bravura e luta. É neste contexto que surge o projeto
“Marcas da Memória”, que expande ainda mais a reparação
individual em um processo de reflexão e aprendizado coletivo,
fomentando iniciativas locais, regionais e nacionais que permitam
àqueles que viveram um passado sombrio, ou que a seu estudo
se dedicaram, dividir leituras de mundo que permitam a reflexão
crítica sobre um tempo que precisa ser lembrado e abordado sob
auspícios democráticos.
Para atender estes amplos e inovadores propósitos, as ações
do projeto Marcas da Memória estão divididas em quatro campos:

a) Audiências Públicas: atos e eventos para promover


processos de escuta pública dos perseguidos políticos sobre
o passado e suas relações com o presente.
b) História oral: entrevistas com perseguidos políticos baseadas
em critérios teórico-metodológicos próprios da História Oral.
Todos os produtos ficam disponíveis no Memorial da Anistia
e poderão ser disponibilizadas nas bibliotecas e centros de
pesquisa das universidades participantes do projeto para
acesso da juventude, sociedade e pesquisadores em geral;

20
Resistência à ditadura Militar no Paraná

c) Chamadas Públicas de fomento a iniciativas da Sociedade


Civil: por meio de Chamadas Públicas, a Comissão seleciona
projetos de preservação, de memória, de divulgação e difusão
advindos de Organização da Sociedade Civil de Interesse
Público (OSCIP) e Entidades Privadas Sem Fins Lucrativos.
Os projetos desenvolvidos envolvem documentários,
publicações, exposições artísticas e fotográficas, palestras,
musicais, restauração de filmes, preservação de acervos,
locais de memória, produções teatrais e materiais didáticos.
d) Publicações: coleções de livros de memórias dos perseguidos
políticos; dissertações e teses de doutorado sobre o período da
ditadura e a anistia no Brasil; reimpressões ou republicações
de outras obras e textos históricos e relevantes; registros de
anais de diferentes eventos sobre anistia política e justiça
de transição. Sem fins comerciais ou lucrativos, todas as
publicações são distribuídas gratuitamente, especialmente
para escolas e universidades.

O projeto “Marcas da Memória” reúne depoimentos, sistemati-


za informações e fomenta iniciativas culturais que permitem a toda
sociedade conhecer o passado e dele extrair lições para o futuro.
Reitera, portanto, a premissa que apenas conhecendo o passado
podemos evitar sua repetição no futuro, fazendo da Anistia um
caminho para a reflexão crítica e o aprimoramento das instituições
democráticas. Mais ainda: o projeto investe em olhares plurais, se-
lecionando iniciativas por meio de edital público, garantindo igual
possibilidade de acesso a todos e evitando que uma única visão de
mundo imponha-se como hegemônica ante as demais.
Espera-se, com este projeto, permitir que todos conheçam
um passado que temos em comum e que os olhares históricos an-
teriormente reprimidos adquiram espaço junto ao público para que,
assim, o respeito ao livre pensamento e o direito à verdade histórica
disseminem-se como valores imprescindíveis para um Estado plural
e respeitador dos direitos humanos.

COMISSÃO DE ANISTIA DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA

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Luta pela Anistia

dos 10
Depoimentos para a História

0 mil
Apresentação

Neste ano, o nefasto golpe militar completa 50 anos. No


fatídico 31 de março de 1964, reforçou-se a expansão da cultura
autoritária no Brasil. A violência nas ruas, de uma ditadura que
assassinou desde o seu primeiro dia de existência, ganhou expres-
são institucional e simbólica ao se declarar vaga a presidência da
República, estando o presidente, democraticamente eleito, dentro
do território nacional.
A violência e o medo social se disseminaram. À quebra da
Constituição democrática de 1946, seguiu-se a edição do AI-1. As
lesões às liberdades públicas e aos direitos políticos, as cassações
arbitrárias dos postos de trabalho, as prisões e inquéritos policiais
militares instituíram o lastro da “nova legalidade”.
O projeto de país foi interrompido: o entusiasmo dos anos 60
e suas transformações políticas, econômicas, sociais e culturais
inquietavam aos conservadores e ameaçavam as elites nacionais. O
apoio internacional ao golpe, no contexto da Guerra Fria, reforçou
ainda mais o substrato ideológico que justificou a “manutenção da
ordem contra a subversão”.
Ao olhar para trás e resgatar a história de meio século do Brasil,
nos vemos, no tempo presente, diante de um processo transicional
ainda pendente – de exercício da memória, da reflexão, da justa ho-
menagem às vítimas, das formas de reparação e da busca por justiça.
O Estado brasileiro enquanto responsável direto por graves
violações de direitos humanos tem o dever de promover políticas
públicas de reparação e de preservação da memória, entre outras
obrigações. Pedir desculpas a cada uma das vítimas não é ato de
benevolência ou de discricionariedade governamental. É uma obri-
gação inafastável do Estado democrático de direito.

23
Depoimentos para a História

A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça assume esta


missão desde 2002, quando, a partir da Lei n.º 10.559, que regulamen-
tou o artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da
Constituição da República de 1988, passou a integrar a estrutura do
Estado brasileiro.Trata-se de um espaço institucional para superação
da ética do esquecimento e do sigilo por uma cultura que valoriza a
transparência e que contribua para efetivação da Justiça de Transição
brasileira: o direito à reparação, à memória, à verdade e à justiça.
O exercício da memória nos faz lembrar das graves violações de
direitos humanos para não repeti-las. Mas serve também para uma
disputa por uma formação política em torno de uma consciência social
crítica que condene moralmente a repressão às liberdades. No pas-
sado, hoje e sempre. Sem espaço para justificações e negacionismos.
A Comissão tem como dever institucional a promoção da re-
paração - no seus aspectos financeiro, individual, moral, coletivo e
psicológico - e da memória. Ao longo de sua história, reuniu milhares
de páginas de documentação oficial sobre a repressão e a resistência
no Brasil. São centenas de depoimentos, escritos e orais, documen-
tados. O acervo da Comissão de Anistia é um privilegiado fundo
documental sobre a ditadura brasileira (1964-1985), conjugando
documentos oficiais com inúmeros depoimentos e acervos agregados
pelas vítimas. Essa documentação pouco a pouco é disponibilizado a
toda a sociedade por meio do “Memorial da Anistia Política do Brasil”,
sítio federal de memória e consciência em homenagem às vítimas,
em construção na cidade de Belo Horizonte.
Buscando valorizar a luta daqueles que resistiram, a Comissão
de Anistia passou, a partir de 2008, a realizar sessões de apreciação
pública dos pedidos de anistia em todo o território nacional, de modo
a tornar o passado e o conjunto de violações acessíveis a todos. As
“Caravanas da Anistia” romperam com o silêncio e o medo de dis-
cutir publicamente o passado, e transferiram o trabalho cotidiano
da Comissão de Anistia das quatro paredes de mármore do Palácio
da Justiça para a praça pública, para escolas e universidades, as-
sociações profissionais e sindicatos, bem como a todo e qualquer
local onde as perseguições ocorreram. Assim, passou a ativamente
conscientizar as novas gerações, nascidas na democracia, da im-
portância de hoje vivermos em um regime político livre, que deve e
precisa ser continuamente aprimorado.

24
Resistência à ditadura Militar no Paraná

Criou também o projeto “Marcas da Memória” da Comissão


de Anistia do Ministério da Justiça, fundo de apoio às iniciativas
de memorialização produzidas pela sociedade civil que tem como
objetivo transformar a política estatal de reparação em um processo
de reflexão e aprendizado coletivo, fomentando iniciativas locais,
regionais e nacionais que permitam a emergência de olhares plurais
sobre o passado, conectando-os às nossas responsabilidades com as
violações do presente e com as tarefas democráticas e de democrati-
zação ainda em curso. Em 2013, lançou o inovador projeto “Clínicas
do Testemunho”, que tem como objetivo criar núcleos de atenção
psicológica às vítimas da violência estatal, conectando as violações
do passado, a impunidade, e as violações do presente.
É neste contexto de luta pelo resgate da memória histórica
que nasce “Depoimentos para a História - A resistência à ditadura
militar no Paraná”, fruto de uma parceria da Comissão de Anistia e
a Sociedade Direitos Humanos para a Paz - DHPAZ, no âmbito do
Projeto Marcas da Memória. Neste ano do cinquentenário do golpe,
a obra cumpre o papel fundamental de contar a história daqueles
que resistiram à imposição de um Estado autoritário, dedicando
suas vidas à luta pela liberdade e democracia. A esses bravos heróis
devemos as nossas homenagens e agradecimentos por permitirem
que, hoje, possamos viver em um país livre.
Para que não se esqueça. Para que nunca mais aconteça.

Paulo Abrão
Secretário Nacional de Justiça e Presidente da
Comissão de Anistia do Ministério da Justiça

25
Depoimentos para a História

Manifestação pelas Diretas já (1983 / 1984)

Foto: Instituto Vladimir Herzog

26
Prefácio

Protagonismo de resistência é o foco de DEPOIMENTOS PARA


A HISTÓRIA – A RESISTÊNCIA À DITADURA MILITAR NO PARANÁ,
projeto em áudio, vídeo e livro, que resgata a memória histórica
da luta contra o regime civil e militar no Estado do Paraná. É uma
proposta de recuperação da memória histórica que remonta ao en-
frentamento e à resistência ao regime militar no Estado entre 1964
e 1985 pelo testemunho dos que dela participaram. Tal proposta
construída para lembrar os cinquenta anos do golpe de 1964 se insere
no contexto da celebração da resistência à tirania do regime militar.
Se de um lado conta e relembra a história, de outro anuncia para
as atuais gerações e futuras que dura foi a conquista da liberdade
de nossos dias e que a Democracia plena e permanente ainda está
para ser conquistada. Conquista somente possível em um processo
em que o povo, ou é o seu agente principal, ou ela será frustrada,
construindo-se em seu lugar um arremedo de Democracia, a exibir
instituições frágeis e incapazes de se consolidarem. Instituições pron-
tas para serem colocadas de lado toda vez que as elites econômicas,
políticas e sociais se sentirem ameaçadas em seus privilégios. Não se
delega a conquista e o aprofundamento das liberdades democráticas
enquanto bens tão caros a todos. Não se elege representantes para
defender e construir o futuro de uma nação, pois ele deve e tem que
ser construído por todos.
O Brasil, portanto, não é gratuitamente um país tão desigual.
As desigualdades sociais e econômicas, e por conseguinte todas as
demais, vêm a ser o fruto da construção de um Estado, cuja gênese
baseia-se no genocídio indígena e na escravidão negra, cuja memória
desse processo brutal foi deliberadamente distorcida e até proposi-
talmente esquecida. O Brasil “descoberto”, após quinhentos anos,
continua mantendo à margem do pleno acesso aos bens materiais

27
Depoimentos para a História

e imateriais as dezenas de milhões de descendentes dos indígenas,


dos negros escravos e de brancos pobres. O Brasil da casa grande e
da senzala continua a existir, travestido com roupagens modernas
a esconder o longo e duro processo de resistência à exploração, im-
plantada e aprofundada pelas elites econômicas, que aqui se criaram,
se impuseram e continuam a se impor a todos como das mais cruéis
e socialmente indiferentes de todo o globo.
Sabidamente para se dominar e controlar um povo, a memória
histórica é um dos mais importantes elementos a serem manipu-
lados. O processo social é complexo e valores como a liberdade e a
Democracia frequentemente não interessam a quem domina e se
beneficia de privilégios, sendo esses valores obstáculos constantes à
consecução de seus interesses de acumulação de capital. Removê-los,
por outro lado, não é uma tarefa simples e normalmente envolve o
embuste, construindo-se ardis dos mais variados para iludir a massa
ingênua e desinformada. É, portanto, nesse contexto que a memória
histórica é um precioso elemento de disputa. Para as elites, é preciso
impedir, por exemplo, que o povo tenha a clara noção de que seus
direitos sociais, políticos, econômicos, civis, culturais, ambientais e
de informação dos dias atuais, foram duramente conquistados, ao
longo do tempo histórico, em lutas renhidas e que custaram sempre
suor, lágrimas e sangue daqueles que ousaram se insurgir contra
o poder dominante e cobrá-los. Quando, na verdade, foram obriga-
das a cedê-los em decorrência dessas lutas e tentarão por todos os
meios passar historicamente que tais direitos foram graciosamente
concedidos por elas em inúmeros “pacotes de bondades”.
Assim é que os depoimentos dos que participaram da luta
contra a tirania no Brasil ajudará a contar a verdadeira história da
conquista da liberdade. Eles vão lembrar, com o seu testemunho,
como as elites conservadoras do país assaltaram, sem nenhum
escrúpulo, o poder e construíram o terror de Estado para dominar
e aprofundar ainda mais a apropriação das riquezas sociais da na-
ção, tendo os militares e agentes estrangeiros do governo americano
como aliados nesse vergonhoso processo de traição ao país e ao
seu povo. Acima de tudo vão lembrar como foram as mobilizações
e a resistência a esse poder e a essas alianças espúrias e como
ao longo dos anos, e de forma insistente foram desconstruindo o
discurso ardiloso desse poder. É sintomático, que no Brasil, após

28
Resistência à ditadura Militar no Paraná

passados vinte e nove anos da redemocratização nenhum golpista,


torturador e assassino do regime militar tenha sido julgado, preso
e posto atrás das grades por crimes contra a humanidade, o que
provoca a indignação da consciência universal. A Organizações das
Nações Unidas – ONU e Organização dos Estados Americanos – OEA
já se pronunciaram e cobram do Brasil a responsabilização desses
criminosos, cujos crimes, em seus entendimentos, transcendem
as fronteiras brasileiras por serem considerados crimes contra a
humanidade. É igualmente sintomático que o Supremo Tribunal
Federal, a mais alta corte do país, tenha, em julgamento em 2010,
se pronunciado pelo reconhecimento da Anistia aos torturadores e
assassinos do regime militar, sob o falso argumento de que a Lei
de Anistia de 1979 tinha sido um “um grande acordo nacional que
promoveu a paz e a reconciliação na sociedade brasileira”. A corte
desconheceu, deliberadamente, que a dita Anistia não beneficiou
a maioria dos presos políticos de então, que continuaram presos e
somente foram libertados por cumprimento, redução ou liberdade
condicional da pena. Assim sendo, como poderia beneficiar os tor-
turadores e assassinos do regime, livrando-os do banco dos réus.
É assustador que tenha gente que ainda desacredite no fato de
que no Brasil da ditadura militar se prendia, torturava e assassinava
opositores políticos, da mesma forma que há quem questione a vera-
cidade do holocausto de judeus, eslavos, ciganos, deficientes físicos
e mentais e homossexuais na Segunda Guerra Mundial, promovido
pelo nazismo alemão. Joseph Goebbels, ministro da propaganda
da Alemanha nazista, afirmava que uma mentira contada mil vezes
ganhava ares de verdade. Os seguidores de Goebbels no Brasil ten-
tam por todos os meios disseminar suas mentiras, na esperança de
que repetidas milhares de vezes suplantem a verdade do horror e
do terror de Estado, implantado pelos militares, apoiados, política e
financeiramente, por civis das federações e confederações empresa-
riais da indústria, do comércio e da agricultura, pelos grandes meios
de comunicação e pelo governo estadunidense.
Mais assustador ainda é ouvir pessoas afirmarem “que no
tempo da ditadura o país vivia melhor”. Muitos, como os militares
nos quartéis e como o Banco Itaú referem-se ao 31 de Março como
a “revolução de 1964” e não como golpe militar. A Folha de São
Paulo, importante jornal que apoiou o golpe, alcunhou a ditadura

29
Depoimentos para a História

militar como “ditabranda”, na tentativa de afirmar que os militares


brasileiros durante o período não foram tão duros assim, claramente
disputando com os familiares de mortos e desaparecidos políticos,
presos políticos, perseguidos e torturados a versão sobre o caráter
da ditadura.
É nesse incrível contexto que esse projeto ganha importância,
bem como a expressão “PARA QUE NÃO SE ESQUEÇA, PARA QUE
NUNCA MAIS ACONTEÇA”. O enfrentamento ao regime militar foi
um processo de resistência e é dessa forma que deve ser contada a
história dos que se insurgiram. Não são vítimas, são integrantes da
resistência atingidos pela violência do sistema de opressão da época.
É igualmente importante saber que tal violência tinha claramente
o objetivo de silenciar as vozes dos que contestavam o sistema de
enorme exploração dos trabalhadores do campo e da cidade de um
lado. De outro, fortalecer as organizações patronais para que apro-
fundassem ainda mais a acumulação do capital. O regime militar,
portanto, se construiu e se manteve totalmente a serviço dos grandes
interesses econômicos nacionais e multinacionais. Para os militares
e as elites políticas e econômicas era subversivo trabalhador sonhar
e lutar por melhores condições de trabalho e vida. Questionar a ex-
ploração das multinacionais, a subserviência do país aos interesses
estadounidenses. Os estudantes exigirem melhores escolas e educa-
ção comprometida com o povo e não com o mercado. O povo sonhar
com as liberdades políticas e democráticas. Essa “subversão” era
combatida com o terror de Estado que prendeu, torturou, estuprou
e assassinou. Estima-se que quinhentas mil pessoas tenham sido
perseguidas durante os vinte e um anos de regime e cinquenta mil
tenham sido presas, vinte mil torturadas e assassinadas mais de
quatrocentas. Se incluir nessa conta os assassinados no campo e as
vítimas indígenas da ocupação forçada do Norte do Brasil, promovi-
da pelo regime militar, o número de mortos chegará aos milhares.
Este livro é o resumo dos depoimentos que se encontram
totalmente disponibilizados em áudio e vídeo na internet no portal
www.dhpaz.org e no www.youtube.com no canal DHPAZ. Todo o
projeto foi o resultado do esforço de muitas pessoas e instituições.
Originalmente concebido pelo GRUPO TORTURA NUNCA MAIS
DO PARANÁ e pela Sociedade DHPAZ em 1998, somente em 2013
foi possível a sua realização. A lamentar a imensa quantidade de

30
Resistência à ditadura Militar no Paraná

militantes da resistência que já não se encontram mais entre nós


para contar e registrar suas vivências tão caras e importantes. Assim
é preciso agradecer ao Projeto Marcas da Memória da Comissão de
Anistia do Ministério da Justiça que acolheu e participou da parceria
na execução do projeto. Ao cineasta Beto Carminati e a toda a sua
equipe que graciosamente nos orientou na captação das imagens. A
APP – SINDICATO, entidade dos trabalhadores em educação pública
do Estado do Paraná, na pessoa de sua presidenta, a professora
Marlei Fernandes de Carvalho, a Casa do Trabalhador em Educação
de Londrina e em especial ao seu Diretor de Administração e
Patrimônio - Sidney Paduan da Silva - pela inestimável colaboração
ao projeto. Queremos também agradecer a UEM – Universidade
Estadual de Maringá, ao Departamento de História na pessoa do
professor Reginaldo Benedito Dias, a TV UEM na pessoa de Luiz
Claudio da Silva sem os quais seria impossível realizar a contento
o projeto na cidade de Maringá. É preciso agradecer aos dirigentes
da Sociedade DHPAZ, em especial Carlos Lobo e Regina Riba e a
uma imensa quantidade de colaboradores anônimos que souberam
entender o alcance desse projeto e que contribuíram das mais
variadas maneiras para que ele fosse realizado. Por fim é preciso
ressaltar o trabalho da jornalista Silvia Calciolari e do historiador
Fábio Bacila Sahd, reconhecendo não apenas a competência desses
profissionais, mas também e principalmente seu empenho militante
durante toda a sua realização.

Antônio Narciso Pires de Oliveira


Coordenador Geral do Projeto e
Presidente do Grupo Tortura Nunca Mais do Paraná

31
32
Foto: http://terceiroeca.blogspot.com.br/2012/10/continuacao-ditadura-no-brasil-resumo.html
Foto: http://www.blogdacomunicacao.com.br/wp-content/uploads/2014/03/ditadura-brasil.jpg

Semana da Pátria.
Os Generais ditadores.
Depoimentos para a História

A Educação no Período da Ditadura Militar.


In Memoriam

ANTONIO DOS TRÊS REIS DE OLIVEIRA


(1948-1970)
Filho de Glaucia Maria de Oliveira
e Argeu de Oliveira

Toninho, como era chamado por sua


família e seus amigos, nasceu em Tiros, Mi-
nas Gerais, mas criou-se em Apucarana, no
Norte do Paraná. Órfão de pai e mãe, ainda
quando criança, foi criado pela avó e por
um tio, juntamente dois irmão mais novos. Fez o curso ginasial no
Colégio Nilo Cairo, a Escola Técnica de Comércio e estudava Eco-
nomia na FECEA (Faculdade Estadual de Ciências Econômicas de
Apucarana). Integrava um grupo de amigos que em 1967 fundou
o Clube Cultural de Apucarana, espaço de estudo e debate sobre
a realidade brasileira. Desde 1966 participava da UEA – União dos
Estudantes de Apucarana, produzindo um programa estudantil na
Rádio Cultura da cidade.

Fonte das fotos:


Reprodução da internet

Colégio Antonio dos Três Reis de Oliveira de Apucarana

33
Depoimentos para a História

Em 1968, já na Faculdade, envolveu-se no movimento estudantil,


tendo sido preso no Congresso da UNE em Ibiuna/SP. Nesse mesmo
ano integrou uma organização de resistência à ditadura militar cha-
mada DI – Dissidência do Partido Comunista Brasileiro. Em abril de
1968, em sua cidade, ajudou a organizar uma passeata em protesto
pelo assassinato do estudante de 18 anos, Edson Luis de Lima Souto,
assassinado no restaurante Calabouço no Rio de Janeiro. Com a inva-
são da UEA em dezembro de 1968 por tropas do Exército, comandada
pelo Capitão Aimar, dois dias depois da edição do AI-5,Toninho e José
Idésio Brianezi, sem condições de segurança para continuar a viver em
Apucarana, nos primeiros meses de 1969, optaram por se transferir
para São Paulo e integrar a ALN – Aliança Libertadora Nacional, dissi-
dência do PCB naquele Estado. No dia 17 de maio de 1970, Toninho foi
assassinado por uma equipe da OBAN1 chefiada pelo capitão Mauricio
Lopes Lima, numa casa no bairro do Tatuapé em São Paulo, juntamente
com uma companheira Alceri Maria Gomes da Silva que se encontrava
com ele. A Comissão de Mortos e Desaparecidos do Governo Federal,
pela Lei 9.140/95, reconheceu a sua condição de morto e desaparecido
político, pois o seu corpo jamais foi encontrado. Decisão publicada no
Diário Oficial da União em 04 de dezembro de 1995.

JOSÉ IDÉSIO BRIANEZI (1946-1970)


Filho de América Tomioto Brianezi e José
Paulino Brianezi

Zé Idésio nasceu em Londrina, mas


criou-se em Apucarana, ambas as cidades
do Norte do Paraná. Estudou em São Paulo
e em 1966, de volta para Apucarana, dispu-
tou a presidência da UEA – União dos Estu-
dantes de Apucarana, tendo sido derrotado.
Fonte: Foto do acervo de Narciso Pires Nessa época estudava na Escola Técnica de
Comércio, quando conviveu com outros rapazes como Antonio dos
Três Reis de Oliveira, Geraldo Magela Soares Vermelho, Francisco
Dias Vermelho e Narciso Pires. Juntos em 1967 fundaram o Clube

1
Quadro de Siglas na página 47.

34
Resistência à ditadura Militar no Paraná

Cultural de Apucarana, espaço de estudo e debate sobre a realidade


brasileira. No começo de 1968, Idésio e Narciso Pires participaram
do Congresso da UPES – União Paranaense dos Estudantes em
Cornélio Procópio/Pr. Nesse congresso ambos os apucaranenses se
aliaram com outros estudantes de todo o Paraná que repudiaram a
posição governista da UPES, tanto que toda a infraestrutura do con-
gresso era fornecida pelo Exército. Por esse fato, foram fotografados
e registrados na DOPS do Paraná como estudantes de esquerda.
Voltando para Apucarana organizaram o movimeto estudantil con-
tra a cobrança da taxa de matrícula nas escolas. Movimento que
custou a Zé Idésio a sua “tranferência compulsória” para Jandaia do
Sul, cidade vizinha, acompanhado de Geraldo Magela. Esse grupo
organizou em Apucarana uma passeata em abril de 1968 em pro-
testo pelo assassinado de Edson Luiz de Lima Souto, no restaurante
Calabouço do Rio de Janeiro. Pela manifestação ele foi chamado a
dar explicações ao Quartel do Exército, bem como Geraldo Magela
e Narciso Pires. O grupo de garotos de Apucarana passou a integrar
a DI – Dissidência do Partido Comunista Brasileiro, organização de
resistência à Ditadura Militar. Em 15 de dezembro de 1968, dois
dias depois da edição do AI-5, uma tropa do exército, comandada
pelo Capitão Aimar, invadiu e lacrou a sede da UEA, presidida por
Narciso Pires. Tendo ficado impossível permanecer em Apucarana,
Idésio e Antonio dos Três Reis de Oliveira se transferiram para São
Paulo, aderindo a ALN – Aliança Libertadora Nacional, organização
pela qual se tornou sub-comandante de um Grupo Tático Armado,
segundo documentos da repressão. Zé Idésio foi assassinado no
dia 13 de abril, um mês antes do assassinato de Antonio dos Três
Reis de Oliveira, na pensão onde morava, à rua Itatins, 88, Campo
Belo, na capital paulista. A versão oficial é de que ele teria morrido
em tiroteio com agentes da OBAN (DOI-CODI/SP). Sua fotografia
do IML, no entanto, mostra que ele estava com o dorso nu, a barba
crescida e com o rosto extremamente sofrido. A barba crescida era
algo inaceitável para um militante, conforme as regras de segu-
rança da ALN, além de não ser um hábito seu e tudo indica que
ele tenha sido preso e morto sob tortura nos porões da repressão.
A Comissão de Mortos e Desaparecidos do governo federal, Lei
9140/95, o reconheceu como morto político em sessão no dia 07
de agosto de 1997.

35
Depoimentos para a História

JOAQUIM PIRES CERVEIRA (1923 – 1974)


Filho de Auricela Goulart Cerveira e Marcelo
Pires Cerveira

O Major do Exército Joaquim Pires


Cerveira era gaúcho de Pelotas/RS. Casado
com Maria Romanzini Pires Cerveira teve
três filhos. Formou-se em odontologia pela
Universidade de Coimbra, também foi profes-
sor de matemática. Formou-se também pela
Foto: Reprodução da internet
Academia Militar de Agulhas Negras. Filiou-se
ao PCB – Partido Comunista Brasileiro logo após a derrubada da
ditadura do Estado Novo em 1945. Engajou-se nas mobilizações na-
cionalistas da década de 50 e participou da campanha presidencial
do Marechal Lott, em 1959. Radicou-se com a família em Curitiba,
e já licenciado do Exército foi eleito vereador em Piraquara, cidade
da Região Metropolitana de Curitiba. Passou à reserva pelo primeiro
Ato Institucional (AI-1), de 09 de abril de 1964, por força de seus
vínculos com Leonel Brizola e de seu alinhamento com o chamado
nacionalismo revolucionário. Foi preso em 1965 e encaminhado à
5ª CJM (Pr/SC). Em 29 de maio de 1967 foi absolvido pelo Conse-
lho Especial de Justiça da 5ª. CJM. O Major Cerveira liderou um
grupo que libertou o Cel Jeferson Cardim Osório, líder da guerrilha
de Três Passos em 1965 e que se encontrava preso no Quartel do
Exército, no Boqueirão em Curitiba. Foi preso novamente em 1970
no Rio de Janeiro, juntamente com a sua esposa e um filho, tendo
sido barbaramente torturado. Nessa época liderava uma organização
denominada FLN – Frente de Libertação Nacional, que atuava muito
ligada à VPR. Foi um dos presos políticos trocados pelo embaixa-
dor alemão, quando este foi sequestrado em 1970. Cerveira, tendo
participado do levantamento de informações a respeito do sequestro
do Embaixador, nada revelou mesmo sob tortura, acontecendo o
sequestro dois meses depois de sua prisão. Cerveira foi trocado pelo
Embaixador e banido do Brasil. Segundo infomações de seu processo
na Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos do Governo Fede-
ral. Ele que se encontrava exilado em Buenos Aires, Argentina, foi
sequestrado naquela cidade, juntamente com João Batista Rita entre
05 e 11 de dezembro de 1973, por policiais brasileiros e entre eles
o Delegado Sérgio Paranhos Fleury, apoiados por agentes policiais

36
Resistência à ditadura Militar no Paraná

argentinos. Transferidos para o Brasil por um avião da FAB – For-


ça Aérea Brasileira, ambos foram vistos em 1974 no DOI-CODI do
Rio de Janeiro muito machucados pelas torturas. Cerveira e Rita
a partir de 12 ou 13 de janeiro de 1974 nunca mais foram vistos,
sendo considerados desaparecidos políticos pela Comissão de Mor-
tos e Desaparecidos Políticos do Governo Federal em 1995. Ambos
são vítimas da “Operação Mercúrio” que de certa forma antecipou
a “Operação Condor”, um concerto entre as ditadura militares do
Cone Sul, cujo objetivo era trabalhar em sintonia para eliminar
todos os opositores políticos que ameaçavam seus regimes.

MASSACRE DE
MEDIANEIRA

Em 13 de Julho de
1974, seis militantes da
Vanguarda Popular Re-
volucionária (VPR) foram
atraídos para uma embos-
cada e assassinados no
município de Medianeira
no Paraná, constituindo-se
num dos episódios mais
nebulosos, até hoje, entre
todos os casos de mortes
e desaparecimentos polí-
ticos ocorridos no Brasil,
durante a ditadura militar.

FONTE:
Reprodução do livro “Direito à Memória e à
Verdade” editado pela Comissão Especial
sobre Mortos e Desaparecidos – 2007

37
Depoimentos para a História

ALFREDO JOSÉ GONÇALVES nasceu em


Ilhota (SC), em 1939, mas foi criado em Blu-
menau. Vivendo em um bairro pobre, come-
çou a perceber e a questionar a gritante de-
sigualdade social, buscando respostas. Dan-
do prosseguimento aos estudos enquanto
trabalhava, constatou que somente com sua
organização como classe os trabalhadores
conseguiriam romper seus grilhões. Com
esse ideal, somou-se aos esforços para ga-
Foto: Acervo DHPAZ rantir a posse de Jango, em 1961, organi-
zando grupos para auxiliar a resistência formada no Rio Grande do
Sul. No ano seguinte liderou uma chapa de oposição concorrendo
ao sindicato dos trabalhadores de sua cidade.
Mesmo sem ter uma formação política sólida, passou a ser
rotulado de comunista, elemento perigoso de extrema esquerda. Foi
então que, já como liderança sindical, começou a estudar e se intei-
rar do real significado dessas palavras. Nesse processo, acercou-se
do PCB e passou a compreender a real necessidade de organização
popular. “Na minha consciência, um ex-favelado, um trabalhador
explorado, ele sempre está fora da legalidade burguesa”.
Até o golpe, Alfredo foi aprofundando sua participação política em
diferentes meios sociais. Auxiliou, inclusive, na formação de “Grupos
dos 11”, sendo preso em Blumenau nos primeiros dias do regime de
exceção. Junto com dois companheiros foi conduzido a Florianópolis,
sendo mantido inicialmente na estrebaria e depois no quartel da polícia
militar. “Em outubro de 1964, fomos transferidos para o quartel-general
aqui de Curitiba, porque o IPM corria na região militar e a sede era aqui
em Curitiba”. Enquanto os diplomados foram para o quartel da PM, os
demais foram mantidos no Presídio Provisório do Ahu.
Esse período no cárcere se encerrou no dia dois de abril de
1965, após um ano. O IPM continuou tramitando e, em fevereiro de
1970, Alfredo – que então residia na capital paranaense - foi con-
denado a dez anos por ser um elemento de “alta periculosidade”,
“tendência esquerdista” e que “merecia todo o cuidado da ‘Revo-
lução’”. Com a organização (PCB) desmantelada e três filhos para
criar, Alfredo decidiu se entregar em Blumenau. Cumpriu mais oito
meses de prisão no Ahu, até que seu recurso foi julgado e a sentença

38
Resistência à ditadura Militar no Paraná

anulada por unanimidade. “Então eu pude recomeçar minha vida


legalmente”. Durante todo o período que passou encarcerado, es-
creveu dois manuscritos “Em busca da verdade” e “Fui, vi e voltei”,
que teriam sido apreendidos e queimados.
Anos mais tarde, Alfredo ajudou ainda na fundação do PT, a
fim de organizar a classe trabalhadora e se contrapor aos interesses
das classes dominantes.

ANTÔNIO DIAS nasceu em 1933, em Arapoti


(PR). Em 1955 passou a lecionar na cidade
de Mafra (SC), onde casou e teve três filhos.
Paralelamente, atuava como jornalista e par-
ticipava do diretório municipal do PTB, che-
gando até a presidi-lo.
Sua vida transcorreu normalmente até
que veio o Golpe de 1964 e Antônio foi preso,
já no dia primeiro de abril. Teria gritado o
sargento, na ocasião: “- O senhor está preso
Foto: Acervo DHPAZ em nome da Revolução”. Antes de ser levado à
delegacia, ficou exposto por breve tempo algemado na frente do colégio
onde era professor, sendo observado pelos alunos que logo teriam aula.
Na delegacia, Antônio encontrou detidas outras lideranças lo-
cais do PTB e sindicalistas. Foi transferido para a jurisdição militar,
sendo levado primeiro para Joinvile e depois para Florianópolis, onde
foi alocado com outros três presos políticos – inclusive um presidente
de DCE - na penitenciária do estado. Logo, teve que responder a um
IPM, que envolveu mais de vinte pessoas. Absolvido em um primeiro
momento, a denúncia foi reaberta em 1965, mas logo arquivada.
Assim, em agosto, Antônio foi liberado - mas há quase um ano es-
tava exonerado de suas funções por decreto oficial. Testemunham
a arbitrariedade dos procedimentos jurídicos adotados o fato de seu
advogado ter conseguido acessar os autos do processo somente dias
antes do julgamento e mediante o pagamento de uma taxa abusiva,
portanto estava incapacitado de realizar uma defesa adequada ao
não saber nem qual era a acusação específica contra seu cliente.
Aprovado em concurso público para ser efetivado como pro-
fessor junto à secretaria de educação do Paraná, não foi nomeado

39
Depoimentos para a História

por ter antecedentes. As dificuldades começaram já no dia da prova,


quando Antônio foi intimidado por agentes da DOPS para abandonar
seu intento na capital paranaense e retornar a Mafra imediatamente.
Conseguiu furar esse cerco inicial e ser aprovado, ainda que sem ser
nomeado. No dia dez de novembro de 1966, seus direitos políticos fo-
ram suspensos por dez anos, por ordem da presidência nacional, então
perdeu qualquer esperança de assumir o cargo.
Perseguido politicamente, não conseguiu arrumar emprego
por um longo tempo: “infelizmente todas as portas estavam fechadas
para mim”. Então, teve que dar aulas particulares para sobreviver e,
gradualmente, vender seus bens. Diante das dificuldades, sua compa-
nheira retomou os estudos para começar a trabalhar, mas não pode
ser nomeada para o cargo almejado por ser esposa de um cassado
político. Antônio decidiu deixar o país e tentar a vida no Canadá, mas
antes de se estabilizar, longe da família, decidiu retornar.
Diante da tragédia pessoal e familiar à qual foi submetido,
Antônio desenvolveu um quadro de depressão, que posteriormente
teve outras consequências para sua saúde. “O estigma da revolução,
portanto, me acompanhou por toda a vida”.

CHARLES CHAMPION JR. nasceu em 1946


na cidade de São Paulo e foi criado lá até
1958, quando foi morar em Bragança Paulis-
ta. Por meio de colegas, conheceu e começou
a participar da JEC. Em 1967, entrou no
curso de medicina na UCP, já em Curitiba, e
por consequência passou da JEC para a JUC.
Essa militância em bases católicas o aproxi-
mou da AP e Charles se tornou militante da
base universitária da organização. Nesse meio
Foto: Acervo DHPAZ de luta, participou de pichações, comícios
relâmpagos e manifestações contra a ditadura, a instituição do en-
sino pago na UFPR e a guerra do Vietnã. Estudante da católica,
solidarizou-se com a greve dos bancários e com a luta de seus cole-
gas da Federal, participando das grandes manifestações de 1968 na
capital paranaense, como a batalha campal no Politécnico. Também
integrou o protesto do “pendura” em decorrência do corte de verbas

40
Resistência à ditadura Militar no Paraná

do restaurante universitário (RU) da UFPR. Na ocasião, estudantes


fizeram refeições em vários estabelecimentos da cidade, alegando
que a conta deveria ser paga pelo governador, Paulo Pimentel. Os
discentes venceram nas duas ocasiões, impedindo a instauração do
ensino pago e viabilizando novamente o RU.
No calor dessas manifestações, Charles acabou escolhido dele-
gado para representar seus colegas da UCP junto ao XXX Congresso
da UNE, em Ibiúna. Lá foi preso e participou da greve de fome, até
ser liberado. Após o episódio, de volta à capital, a proposta que Char-
les encampou de fazer o minicongresso da UNE de forma aberta na
CEU foi vencida, e ele participou e acabou novamente preso, agora
na Chácara do Alemão. Dessa vez sua detenção não foi esporádica.
Condenado, cumpriu pena no Presídio Provisório do Ahú. Recorda
dos tempos no cárcere das dificuldades e do sofrimento coletivo e
individual, mas também da cela improvisada onde eram mantidos
os presos políticos, das partidas de futebol com bola de meia, da
ginástica, das faxinas para manter o espaço limpo e do rádio que
conseguiram introduzir no recinto, com os grupos ouvindo as es-
tações de suas preferências políticas (“Voz da América”, rádio de
Pequim e de Moscou) e discutindo as notícias.
Após cumprir a pena, vigiado e receoso, Charles foi trabalhar
para se sustentar e foi readmitido na faculdade. Formado, inicial-
mente, encontrou dificuldades para conseguir emprego por possuir
“antecedentes”. Apesar dos contratempos sofridos, nunca mudou
seus ideais. “Graças a Deus a ditadura ficou para trás e espero que
não volte nunca. E se voltar, pode ter certeza, que eu não vou ficar
parado, alguma atitude eu vou tomar”.

Durante a realização do Projeto Depoimentos para a História – A Re-


sistência à ditadura militar no Paraná, iniciado em Junho de 2013, tivemos
algumas perdas irreparáveis e inesperadas. Todos já estavam na relação
de nomes a serem entrevistados pela equipe, por sua militância e impor-
tância para a resistência à ditadura militar, bem como a todas as formas
de opressão. É nosso dever reconhecer o compromisso destes homens e
mulheres na luta pela liberdade de expressão, em defesa da Democracia
e em prol da construção de uma sociedade mais justa e fraterna.

41
Depoimentos para a História

ADAIR CHEVONIKA DE SOUZA –


Professora e artista
Fonte: Acervo de Gilson Camargo

ADAIR CHEVONIKA DE SOUZA nasceu


em 1943 e junto com o companheiro de arte e
da vida, Euclides Coelho de Souza, ajudou a
fundar o Teatro de Bonecos Dadá na década de
60, um dos mais antigos grupos de teatro para
crianças no Brasil. Além de artistas, o casal era
filiado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e
lutou junto com outros ativistas contra a ditadura militar. Perseguidos
pela repressão, moraram no Chile e Peru e só voltaram com a decreta-
ção da Anistia, no fim dos anos 70. Verdadeira inspiradora do marido,
Dadá era fascinada pela arte como forma de transformação social e
consciência política. Através do teatro de bonecos para crianças, a pro-
fessora e militante Adair conseguiu ter acesso às famílias que moravam
em favelas de Curitiba para desenvolver um projeto de alfabetização de
adultos. Essa era a proposta dos Centros Populares de Cultura (CPCs)
da UNE, que chegam ao fim com o Golpe Militar em 1964. Morreu em
11 de Dezembro de 2013 aos 70 anos.

BRIGADEIRO ZOLA FLORENZANO –


Funcionário Público
ZOLA FLORENZANO nasceu em 1912
em Lorena, Estado de São Paulo. Em 1929,
ingressa na Escola de Aviação do Campos
dos Afonsos, onde teve os seus primeiros
contatos com a efervescência revolucionária
dos jovens tenentes, líderes do Levante de
1935. Preso pela primeira vez no dia seguinte
Foto: http://www.icnews.com.br ao Levante, este episódio marcaria profunda-
mente sua conduta dentro das Forças Armadas. Marxista convicto,
Zola Florenzano intensifica a militância na Aliança Nacional Liber-
tadora (ANL) dos anos 30, participando de todos os movimentos de
resistência, desde a campanha da legalidade em 61, até o golpe de
64. Em setembro de 69, ficou preso por mais de 30 dias, em regime
de solitária, na Base Aérea de São Paulo, sendo arrolado em dois

42
Resistência à ditadura Militar no Paraná

processos, que buscavam sua desmoralização. Durante 15 anos, foi


considerado morto e isolado pela Ditadura, até a Anistia de 1979,
quando é reformado como coronel com proventos de Brigadeiro do
Ar. Morreu em 12 de Outubro de 2013 aos 101 anos, coerente
com a história de sua vida, tendo um ano antes aos 100 anos
publicado seu último livro sobre o marxismo.

HÉLIO URNAU – Assistente Social


Nascido em Foz do Iguaçu, HÉLIO UR-
NAU era estudante de Assistência Social na
Pontifícia Universidade Católica (PUC) quando
foi preso no final de 1968 com estudantes na
Chácara do Alemão, em Curitiba, uma reu-
nião preparatória para o Congresso da União
Nacional dos Estudantes (UNE). Condenado
a quatro anos, permaneceu dois anos preso
no Presídio Provisório do Ahu, sendo liberta-
Foto: www.cnv.gov.br do em 17 de junho de 1970. Em depoimento
à Comissão Nacional da Verdade que esteve em Curitiba em 12 de
Novembro de 2012, Hélio contou como foi difícil retomar a faculdade.
Para concluir o curso do qual tinha sido expulso, teve de obedecer
determinações do Serviço Nacional de Informações (SNI) de não par-
ticipar de diretórios, manifestações ou qualquer atividade política.
“Não podia falar com ninguém. Na hora de fazer o ‘estágio probatório’,
fui encaminhado ao Hospital Psiquiátrico Adalto Botelho, o último
lugar para enviar um estudante e onde a vigilância era total”. Morreu
em 30 de Agosto de 2013 aos 69 anos.

NOEL NASCIMENTO – Promotor Público


Foto: www.memorial.mp.pr.gov.br

Nascido em Ponta Grossa em 1925,


NOEL NASCIMENTO formou-se em Direito
pela Universidade Federal do Paraná em
1949 e foi Promotor de Justiça em várias
cidades do interior do Estado. Além de um
homem da Justiça, Noel era ensaísta, po-
eta e romancista, defensor intransigente
dos movimentos sociais, especialmente dos
camponeses. Em suas obras, posicionava-se

43
Depoimentos para a História

contra a opressão, pela liberdade e defesa dos valores progressistas


e democráticos, o que despertou o interesse da repressão. Logo após
o golpe de 1964 foi preso por agentes da ditadura e atingido pelo
Ato Institucional nº1, que o ‘aposentou’ de suas funções. Em 1975,
é preso novamente na Operação Marumbi por sua proximidade com
integrantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB), de quem era
simpatizante, mas não um militante orgânico. Após a decretação
da Anistia, Noel retorna ao Ministério Público. Morreu em 23 de
Junho de 2013 aos 88 anos.

TERESA URBAN – Jornalista


TERESA URBAN nasceu em 1946 e foi
da segunda turma do curso de Jornalismo da
Universidade Federal do Paraná (UFPR), em
1965. Foi uma combatente do regime militar,
tendo integrado a organização revolucionária
marxista POLÍTICA OPERÁRIA. Foi presa
diversas vezes e exilou-se no Chile de 1970
a 1972. Teve participações nos jornais “O
Estado de S. Paulo” e “O Globo”, e na revista
Foto: www.cnv.gov.br “Veja”, entre outros, tendo sido uma pioneira
no jornalismo ambiental. Escreveu diversas obras, contando com
mais de vinte títulos. Aderiu aos projetos das ONGs  SOS Mata
Atlântica e Mater Natura. Contribuiu para o mapeamento dos rema-
nescentes da floresta de araucária no estado do Paraná e ajudou a
desenvolver a Rede Verde de Informações Ambientais, além de atuar
também no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conam). Em de-
poimento à Comissão Nacional da Verdade que esteve em Curitiba
em 12 de Dezembro de 2012, Teresa confirmou as sevícias sofridas
quando presa, as sequelas, e deixou como alerta a importância de
se estabelecer um método para apurar os crimes cometidos duran-
te o regime militar como a perseguição, os sequestros, as torturas,
as mortes e os desaparecimentos, “que ainda continuam até hoje”.
Morreu em 26 de Junho de 2013 aos 67 anos.

44
Homenagem Especial

ELIZEU FERRAZ FURQUIM


Idade – 74 anos
Profissão – Militar Estadual

O golpe de 64 passou despercebido para


o então tenente da cavalaria ELIZEU FERRAZ
FURQUIM, aquartelado em Maringá por vin-
te dias onde sabia das notícias apenas pelo
rádio e jornal. Nascido em Siqueira Campos
Foto: Acervo DHPAZ em 1939, aos dezesseis anos decidiu seguir
a carreira militar e ingressou no curso de formação de oficiais. Com
passagens por Campo Mourão, Londrina e Apucarana, foi transfe-
rido para a Curitiba no início da década de 1970 para chefiar os
bombeiros, uma espécie de premiação pelos serviços prestados no
interior pela cúpula da PM da época.
Na capital, o Coronel Furquim, hoje aposentado, foi então
designado em 1975 para a diretoria geral do Presídio Provisório do
Ahu. “Não sabia o que me esperava, mas aceitei. Lá encontrei mais
de cinquenta presos políticos, alguns conhecidos meus de Apucarana
e Londrina, como Arnaldo Leomil, o mais velho de todos, Pedro Pre-
to, entre tantos outros”, lembra. Em sua gestão, o coronel Furquim
imprimiu um modelo pessoal de respeito aos Direitos Humanos e à
justiça garantindo a visita dos advogados e dos familiares dos presos
políticos. Graças a sua articulação junto ao governador Ney Braga e
ao secretário de justiça Túlio Vargas, o Presídio do Ahu recebeu os
últimos presos das operações Marumbi e Barriga Verde, que esta-
vam na sede da DOPS da rua João Negrão, ainda comandada pelo
delegado Ozias Algauer.

45
Depoimentos para a História

O tratamento auspicioso dispensado pelo Coronel é destacado


pelos ex-presos políticos até hoje, o que o emociona. “Fiz o que era
para ser feito”, enfatiza. Num depoimento corajoso, o coronel Furquim
fala da carreira militar permeada por enfrentamentos dentro da cor-
poração, da difícil convivência com os agentes da repressão das várias
patentes e como conseguiu assegurar, naquele período de restrição
das liberdades individuais, tratamento digno para os que estavam no
Presídio do Ahú, tanto os presos comuns quanto os políticos.

Fonte: Fotos do acervo


de Narciso Pires

46
QUADRO DE SIGLAS

20º RI – Vigésimo Regimento de Infantaria


5ª. CJM - Circunscrição Judiciária Militar
5ªRM – Quinta Região Militar
30º Batalhão de Infantaria Motorizada de Apucarana
ALN – Aliança Libertadora Nacional
AP – Ação Popular
APP – Associação dos Professores do Paraná
ARENA – Aliança Renovadora Nacional
CA – Centro Acadêmico
CAHS – Centro Acadêmico Hugo Simas (Direito – UFPR)
CBA – Comitê Brasileiro pela Anistia
CDAMA – Comitê de Defesa da Amazônia e Meio-ambiente
CEP – Colégio Estadual do Paraná
CEU – Casa do Estudante Universitário de Curitiba
CEUC – Casa da Estudante Universitária de Curitiba
CLADH – Comitê Londrinense pela Anistia e Direitos Humanos
CPC – Centro Popular de Cultura
COLINA - Comando de Libertação Nacional
DANC – Diretório Acadêmico Nilo Cairo
DARP – Diretório Acadêmico Rocha Pombo
DASCISA - Diretório Acadêmico do Setor das Ciências da Saúde
DCE – Diretório Central dos Estudantes
DEAP – Departamento Estadual do Arquivo Público do Paraná
DHPAZ – Sociedade Direitos Humanos para a Paz
DI – Dissidência do Partido Comunista Brasileiro
DOI-CODI - Destacamento de Operações de Informações do

47
Depoimentos para a História

Centro de Operações de Defesa Interna


DOPS – Delegacia de Ordem Política e Social
FAB – Força Aérea Brasileira
FECEA - Faculdade Estadual de Ciências Econômicas de
Apucarana
FLN – Frente de Libertação Nacional
FOC - Fração Operária Comunista
FUEL – Fundação Universidade Estadual de Londrina
IBAD - Instituto Brasileiro de Ação Democrática
IPES - Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais
IPM – Inquérito Policial Militar
JEC – Juventude Estudantil Católica
JOC - Juventude Operária Católica
JUC – Juventude Universitária Católica
LIBELU – Liberdade e Luta
MDB – Movimento Democrático Brasileiro
ME – Movimento Estudantil
MEC-USAID – Série de acordos produzidos, nos anos 1960, entre
o Ministério da Educação brasileiro (MEC) e a United States
Agency for International
MEL – Movimento Estudantil Livre
MEP – Movimento de Emancipação do Proletariado
MR-8 – Movimento Revolucionário 8 de Outubro
MRT - Movimento Revolucionário Tiradentes
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil
OBAN – Operação Bandeirantes
OSI – Organização Socialista Internacionalista
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PCBR – Partido Comunista Brasileiro Revolucionário
PCdoB – Partido Comunista do Brasil
PCR - Partido Comunista Revolucionário
PDC – Partido Democrata Cristão
PDS - Partido Democrático Social

48
Resistência à ditadura Militar no Paraná

PDT - Partido Democrático Trabalhista


PE – Polícia do Exército
PF – Polícia Federal
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PO – Política Operária
POC – Partido Operário Comunista
POLOP – Política Operária
PSD - Partido Social Democrata
PT – Partido dos Trabalhadores
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
RM – Região Metropolitana
RU – Restaurante Universitário
SNI – Serviço Nacional de Informação
UCP – Universidade Católica do Paraná
UDN – União Democrática Nacional
UEA – União dos Estudantes de Apucarana
UEL – Universidade Estadual de Londrina
UEM – Universidade Estadual de Maringá
UFPR – Universidade Federal do Paraná
ULES - União Londrinense de Estudantes Secundaristas
UMES - União Maringaense de Estudantes Secundaristas
UNE – União Nacional dos Estudantes
UPE – União Paranaense dos Estudantes
UPES – União Paranaense dos Estudantes Secundaristas
VAR-Palmares – Vanguarda Armada Revolucionária - Palmares
VPR – Vanguarda Popular Revolucionária

49
Depoimentos para a História

http://www.memoriasreveladas.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=1379&sid=5

50
Sumário

CAPÍTULO 1: A ditadura civil-militar ......................... 55

O populismo, o golpe e a fragmentação das esquerdas .................. 55


O AI-5 e a resistência armada ...................................................... 61
A distensão do regime e a resistência democrática ........................ 63
A resistência à ditadura no Paraná .............................................. 67

CAPÍTULO 2: As organizações contrárias ao regime e


sua atuação no Paraná .............................................. 81

Definição das estratégias de luta ................................................. 81


Partido Comunista Brasileiro ...................................................... 89
Aliança Libertadora Nacional ....................................................... 92
Partido Comunista Brasileiro Revolucionário ............................... 94
Os movimentos revolucionários Oito de Outubro ........................... 96
Partido Comunista do Brasil ........................................................ 102
Política Operária ......................................................................... 105
As vanguardas revolucionárias: VPR e VAR-Palmares .................. 109
Ação Popular .............................................................................. 112
Nacionalismo de esquerda e socialistas ....................................... 117
Oposição democrática: MDB ....................................................... 119
O movimento e a resistência estudantil ....................................... 125
Trabalhadores em luta ................................................................ 131

CAPÍTULO 3: Da doutrina de Segurança Nacional


à abertura política ............................................................... 139

A repressão e as violações de Direitos Humanos no Paraná .......... 139


A reorganização partidária e as eleições de 1982 .......................... 147
As Diretas Já e o colégio eleitoral ................................................. 149
Referências bibliográficas ............................................................ 152
Fontes ........................................................................................ 154

51
Depoimentos para a História

CAPÍTULO 4: Relação e breve resumo dos depoimentos de


militantes que atuaram no Paraná contra a Ditadura ........ 157

Acir Macedo ........................................... 158 David Gongora Junior ............................ 195

Adélia Lopes Salamene .......................... 159 David Pereira de Vasconcelos ............... 197

Adolpho Mariano da Costa .................... 160 Délio Nunes César ................................. 199

Alcidino Bittencourt Pereira .................... 161 Demétria Filippidis ................................. 200

Alexandre Zamboni ............................... 163 Deni Lineu Schwartz .............................. 201

Aluísio Deliga ......................................... 164 Denise de Camargo ............................... 202

Aluízio Ferreira Palmar ........................... 164 Dimas Floriani ........................................ 203

Álvaro Dias ............................................ 166 Dino Zambenedetti ................................ 205

Alzimara Bacellar .................................. 167 Diva Ribeiro Lima .................................. 206

Amadeu Felipe ...................................... 168 Dorival Rodrigues .................................. 207

Ana Beatriz Fortes ................................. 169 Ebrahim Gonçalves D.Oliveira ............... 208

Antonio Acir Breda ................................. 170 Edesio Franco Passos ........................... 208

Antonio Albino Ramos de Oliveira ......... 171 Edezina de Lima Oliveira ....................... 210

Antonio João Manfio ............................... 172 Edson Gradia ......................................... 211

Antônio Narciso Pires de Oliveira .......... 173 Elisabeth Franco Fortes ......................... 211

Antonio Pereira de Santana ................... 176 Elza Correia ........................................... 212

Arno A. Gielsen ...................................... 177 Euclides Coelho de Souza ..................... 214

Cândido Gomes Gaya ........................... 178 Euclides Scalco ..................................... 216

Carlos Frederico Mares ......................... 179 Fabio Campana ..................................... 217

Carlos Molina ......................................... 181 Francisco Luiz de França ....................... 218

Carmen Ribeiro ..................................... 182 Francisco Timbo de Souza ..................... 220

Cesar T. Kohatsu ................................... 183 Genesio Natividade ............................... 221

Cícero do Amaral Cattani ....................... 183 Geraldo Serathiuk .................................. 222

Clair da Flora Martins ............................. 184 Gernote Kirinus ...................................... 222

Claudemir Feltrin ................................... 186 Gerson Zafalon Martins .......................... 224

Claudio Gamas Fajardo ......................... 187 Gilberto Martin ....................................... 224

Claudio Ribeiro ...................................... 188 Gilberto Silveira ..................................... 226

Cleto Tamanini ....................................... 190 Hamilton Faria ....................................... 226

Clovis Martins ........................................ 192 Hasiel Pereira ........................................ 227

Dácio Villar ............................................ 192 Hélio Duque ........................................... 228

Daniel Faria ........................................... 193 Honório Delgado Rúbio .......................... 229

Danilo Schuab Mattozo ......................... 194 Ildeu Manso Vieira Junior ....................... 231

52
Resistência à ditadura Militar no Paraná

Ivo Pugnaloni ......................................... 232 Manoel Barbosa .................................... 267

Jair Teixeira ........................................... 234 Manoel de Andrade ................................ 269

Jairo de Carvalho ................................... 235 Marcelo Jugend ..................................... 270

João Bonifácio Cabral Junior .................. 236 Marcelo Oikawa ..................................... 271

João Elias de Oliveira ............................. 236 Marco Antonio Fabiani ........................... 272

João Olivir Gabardo ............................... 238 Maria Aparecida Arruda ......................... 273

Jorge Haddad ........................................ 239 Maria de Fátima Ferreira ........................ 274

Jorge Manika ......................................... 239 Maria Ramos Zimmermann ................... 275

Jorge Modesto ....................................... 240 Mário Bacellar Filho ............................... 276

José Antonio Trindade ........................... 241 Mário Luiz Antonello .............................. 277

José Carlos Mendes ............................... 242 Marlene Zannin ...................................... 278

José dos Reis Garcia .............................. 243 Matsuko Mori Barbosa ............................ 278

José Ferreira Lopes ............................... 244 Maurício Requião de Mello e Silva ......... 279

José Gil de Almeida ............................... 246 Miguel Covello ....................................... 281

José Kanawate ...................................... 247 Milton Ivan Heller ................................... 282

José Maria Correia ................................ 248 Neide de Azevedo Lima ......................... 283

José Sforni ............................................. 249 Nelton Friedrich ..................................... 283

Judite Barboza Trindade ......................... 250 Neusa Pires Cerveira ............................. 284

Julio Covello .......................................... 252 Nilson Monteiro ...................................... 286

Julio Manso ........................................... 253 Noemi Osna Carriconde ......................... 287

Laércio Souto Maior ............................... 253 Olanda Brauza de Castro Esteves ......... 287

Lauro Consentino Filho .......................... 254 Osiris Boscardim Pinto ........................... 288

Léo de Almeida Neves ............................ 255 Osvaldo Alves ........................................ 290

Leonardo Henrique dos Santos ............. 257 Osvaldo Macedo .................................... 291

Lídia Lucaski .......................................... 257 Paulo de Tarso Faria .............................. 292

Lígia Cardieri ......................................... 258 Paulo Gustavo de B. Carvalho ............... 292

Luis Cordoni Jr. ...................................... 260 Paulo Sá Brito ........................................ 294

Luiz Alberto Manfredini .......................... 260 Paulo Salamuni ..................................... 295

Luiz Carlos da Rocha ............................. 262 Paulo Urquiza ........................................ 296

Luiz Donadon Leal ................................. 263 Pe. Orivaldo Robles ............................... 297

Luiz Edson Fachin ................................. 263 Pedro Agostineti Preto ........................... 297

Luiz Fernando Esteche .......................... 264 Pedro Paulo Perroni da Silva ................. 298

Luiz Geraldo Mazza ............................... 265 Pedro Tonelli .......................................... 299

Luiz Henrique Bona Turra ....................... 266 Ramires Pozza ...................................... 300

Luiz Salvador ......................................... 267 Reginaldo Benedito Dias ........................ 301

53
Depoimentos para a História

Reinoldo da Silva Atem .......................... 302 Valdir Izidoro Silveira .............................. 315

Renê Ariel Dotti ...................................... 303 Valéria Prochmann ................................ 316

Roberto Elias Salomão ........................... 304 Valmor Weiss ......................................... 317

Rodolfo Mongélos ................................. 305 Verdi Alves da Silva ............................... 318

Romeu Bertol ......................................... 306 Victor Horácio de Souza Costa .............. 319

Rosi Vilas Boas ...................................... 307 Vitor Moreschi Filho ............................... 320

Sérgio Faria ........................................... 308 Vitória Faria ........................................... 320

Silvestre Duarte ..................................... 309 Vitório Sorotiuk ...................................... 321

Stenio Jacob .......................................... 309 Werner Fuchs ........................................ 322

Sylvio Sebastiani ................................... 310 Wilson Previdi ........................................ 323

Tadeu Felismino .................................... 311 Zélia de Oliveira Passos ........................ 324

Tarcísio Trindade ................................... 313 Zenir Teixeira ......................................... 325

Tosca Zamboni ...................................... 314

1968 - Toma
da da reito
derrubada b ria
usto Suplic
y
Fonte: Foto do acervo de Narciso Pires

54
Capítulo 1:
A ditadura civil-militar

O populismo, o golpe e a fragmentação das esquerdas

Entre o final do “Estado Novo” (1945) e o Golpe de 1964, a so-


ciedade brasileira vivenciou um período de modernização e abertura
econômica e intensa atividade social e política, expressa em diversas
mobilizações que reuniram centenas de milhares de pessoas. Para
ilustrar a efervescência deste período, podemos relembrar a Greve
dos Setecentos Mil, as greves de estudantes, o incipiente processo
de sindicalização rural, a atuação dos centros populares de cultura
(CPC) vinculados à União Nacional dos Estudantes (UNE), manifes-
tações de suboficiais das forças armadas, o Comício da Central do
Brasil e, por fim, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade.
Ao longo dos anos 1950 e começo dos anos 1960, estudantes e
trabalhadores frequentemente tomaram as ruas, para pressionar o
atendimento de suas reivindicações.
Duas interpretações podem ser feitas para definir esses anos
turbulentos. Enquanto os defensores do status quo caracterizam o
período como de extrema anarquia, corrupção e perigo comunista,
justificando o golpe como restaurador da ordem ameaçada, um
olhar mais cuidadoso revela a ativa participação de trabalhadores
e estudantes na vida pública, desejosos de determinar os rumos do
país. Portanto, seria um período de viva Democracia.
A presidência de João Goulart foi iniciada sob forte oposição de
militares e elites civis e teve um golpe como desfecho. Entre 1961 e
1964, grupos à direita e à esquerda do espectro político se articularam
e mediram suas forças na esfera pública, pressionando o governo a
refrear ou implementar as reformas de base (agrária, urbana, uni-
versitária, entre outras) previstas. A cada medida anunciada, Jango

55
Depoimentos para a História

recebia o apoio ou a oposição contundente de diversas entidades,


tanto civis quanto militares. Questões polêmicas estavam em pauta,
como a reforma agrária, a sindicalização dos trabalhadores rurais,
o aumento do mínimo, a instituição do décimo terceiro salário, re-
messa de lucros para o exterior e a hierarquia e Anistia de revoltosos
nas forças armadas. O presidente, enfrentando muitas dificuldades,
mantinha um equilíbrio frágil entre radicais de direita e as esquer-
das, buscando respaldo nos políticos e posições de centro, o que
desagradava a ambos1.
Dessa forma, nos anos da “República Populista”, as camadas
populares se mobilizavam e se articulavam em suas lutas reivindica-
tórias, os grupos reformistas procuravam sustentar o frágil governo
e a partir dele instituir as mudanças desejadas e as vanguardas
revolucionárias e reacionárias preparavam o terreno para executar
seus projetos políticos contrários ao estado vigente.
Em linhas gerais, opunham-se “nacionais-estatistas” e “libe-
rais-conservadores” (“entreguistas”) em torno da manutenção de
políticas estatais intervencionistas, do nacionalismo exacerbado,
da industrialização de base, da situação do capital nacional e inter-
nacional, da criação de empresas estatais em setores estratégicos,
da defesa e valorização do trabalho e da questão agrária2. Se para
os primeiros, via de regra, o principal inimigo era o imperialismo
estadunidense, para os segundos – cujas vanguardas intelectuais e
políticas eram financiadas e apoiadas por Washington via instituições
como o IPES – Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais e IBAD –
Instituto Brasileiro de Ação Democrática – o mal a ser debelado era
o comunismo internacional e seus agentes nacionais.
Desde o segundo governo de Getúlio Vargas até o golpe que
destituiu Jango, em pelo menos três momentos a ordem institucional
foi desestabilizada e esteve ameaçada pelas forças de direita. Estas
pugnavam pela entrada de capital estrangeiro (ou desnacionaliza-
ção da economia), preservação do status quo com seus privilégios
sociais e políticos e desarticulação de trabalhadores e estudantes,
apartando-os da vida pública e disciplinando a sociedade. Em um
contexto de Guerra Fria, o projeto também era suprimir qualquer
possibilidade de revolução comunista, que foi constantemente exa-
gerada para fins de propaganda e desestabilização. As três principais
manifestações desse “golpismo” foram: a tentativa de depor Vargas,

56
Resistência à ditadura Militar no Paraná

que culminou em seu suicídio; a pressão sobre Juscelino Kubitschek


e a intervenção do Marechal Henrique Teixeira Lott para garantir sua
posse e a renúncia de Jânio Quadros e sua contestada sucessão, em
1961, quando houve nova tentativa de impedir que uma liderança
vista com desconfiança pela reação chegasse à presidência (Jango).
Esses três momentos foram de enorme tensão política, quando
nacionais-estatistas e liberais-conservadores mediram suas forças,
resultando em crises da república brasileira. Nas três ocasiões, houve
intensa mobilização popular que assegurou a legalidade, destacan-
do-se as manifestações deflagradas com o suicídio de Vargas, que
adiaram o golpe por dez anos, a criação da Liga de Defesa da Lega-
lidade e o alistamento de dezenas de milhares durante a Campanha
da Legalidade, em 1961, que inclusive foi acatada oficialmente pelo
prefeito de Curitiba à época, Iberê de Mattos
Com suas manobras golpistas, os setores mais à direita e
radicalizados da União Democrática Nacional (UDN) e das classes
dominantes buscavam, principalmente, desbaratar a participação
maciça dos trabalhadores na vida pública, como sujeitos políticos.
Queriam coibir a atuação cada vez mais independente do movimento
sindical urbano e dos trabalhadores rurais, que não suficiente ele-
gerem quadros de suas próprias fileiras, pressionavam por direitos
e por uma representatividade ainda maior. Os ânimos se exaltaram
ainda mais quando os trabalhadores passaram a nomear os “ami-
gos” de suas greves, propondo o afastamento de patrões e políticos
desfavoráveis aos seus intentos e o apoio àqueles vistos como seus
“verdadeiros” representantes. Assim, a principal preocupação do
bloco Movimento Sindical Democrático, UDN e militares reacionários
seria a crescente demanda dos trabalhadores por participar da vida
econômica, política e administrativa da nação. Na ótica dessas elites,
o povo fora corrompido pelos direitos sociais outorgados de forma
supostamente manipuladora durante o Estado Novo e não saberia
exercer seu voto. Destarte, as “crises republicanas” (incluindo a de
1964) resultariam da inconformidade dos conservadores diante dos
avanços democráticos conseguidos pelos trabalhadores3.
Diante disso, não só no Brasil, mas em todo o continente,
“amplos setores do empresariado moderno encontraram nos mi-
litares um esteio para a estabilidade, crescimento e segurança de
seus projetos econômicos. O movimento sindical mais à esquerda,

57
Depoimentos para a História

sob forte pressão, foi decapitado já nos primeiros dias do golpe”4.


No campo, as oligarquias tradicionais também se opunham ao go-
verno e às principais propostas progressistas, como a extensão da
legislação social e trabalhista aos camponeses, a reforma agrária,
a democratização das relações políticas e a sindicalização rural. As
elites agrárias, tais quais suas correlatas urbanas, estavam igual-
mente dispostas a defender seus interesses sociais e econômicos,
inclusive passando por cima da ordem institucional e democrática.
No plano internacional, esses setores elitistas e golpistas, rurais e
urbanos, contaram com amplo apoio dos EUA, que já vinham maquinan-
do uma intervenção política no Brasil para refrear sua política externa
independente e projeto econômico nacionalista – que prejudicavam a livre
concorrência e suas empresas – e reforçar os mecanismos repressores de
combate ao comunismo no país, evitando uma “nova Cuba”5. Portanto,
ao invés de ter sido estritamente militar, o golpe foi uma ampla coalizão
civil-militar, envolvendo membros do alto-escalão das forças armadas e
elites conservadoras brasileiras, apoiadas por forças estrangeiras. Es-
ses setores cerraram fileiras, a fim de “impedir alterações econômicas
e sociais, excluindo, se possível, os seus adversários da vida política do
país, sem preocupações de respeitar as instituições democráticas. Não
havia um projeto a favor de algo, mas contra. A questão imediata era
depor Goulart e, depois, fazer uma ‘limpeza política”6. Enfim, não está
equivocado considerar que se tratou de um “golpe de classe”.
A deflagração do golpe civil-militar, em 1964, praticamente
sem resistência das forças progressistas deixou marcas indeléveis
nos movimentos e partidos da esquerda brasileira. A crescente efer-
vescência social do país foi reprimida, com a dispersão das forças
populares que haviam redescoberto ou recém-descoberto o peso de
sua atuação na esfera pública de forma autônoma. O autoritarismo
permitiu a modernização conservadora da economia, que acentuou
a concentração de riquezas. O trabalho foi submetido aos ditames
do capital com a repressão, o arrocho salarial, a ilegalidade das gre-
ves e o controle por meio de intervenções ou desmantelamento de
organizações de trabalhadores. Quando estes estavam ampliando a
percepção de sua força política e avançando na organização e luta por
direitos, foram suprimidos pela reação da burguesia e dos estratos
conservadores e reacionários. Nessa perspectiva, o golpe veio para
“reorganizar” a sociedade, reformulá-la, estancando a emergência

58
Resistência à ditadura Militar no Paraná

desses novos sujeitos, que passavam a contestar os privilégios so-


ciais das classes dominantes. Ao mesmo tempo, aqueles já dentro
do aparelho de Estado que procuravam promover reformas sociais
de cima para baixo foram removidos. Assim, abruptamente, aqueles
que tinham acreditado na revolução democrática e vinham lutando
por ela foram colocados na defensiva pelo golpe e, pasmos, viram seu
projeto desmoronar. A “ameaça comunista” serviu de justificativa
para operar essas intervenções drásticas no tecido social7.
No Paraná, o mesmo ‘fantasma comunista’ também era vislum-
brado pelas autoridades que rezavam o catecismo engendrado pelos
golpistas de plantão e que encontrou terreno fértil para a repressão
de todo e qualquer movimento de resistência democrática.
Na região Norte do Estado, a título de exemplo, se no início da
década de 1960 Maringá fora um dos principais pólos da organização
dos trabalhadores rurais no estado do Paraná, sob influência do PCB
em disputa com a igreja, seu movimento sindical não resistiu ao golpe
e à “decapitação” de suas lideranças. Já no dia 18 de maio de 1964, foi
aberto um Inquérito Policial Militar (IPM) indiciando os sindicalistas
José Lopes dos Santos (presidente da Federação dos Trabalhadores da
Indústria da Construção Civil) e José Rodrigues dos Santos (primeiro
presidente da União Geral dos Trabalhadores e fundador da Federação
dos Trabalhadores Rurais do Paraná), juntamente com o vereador do
PCB, Bonifácio Martins8. O então médico comunista Salim Haddad
esteve ligado ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Maringá, até
1964, quando diante do decreto de sua prisão preventiva optou pela
clandestinidade. Em Mandaguari, o então presidente do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais, Francisco Conde, foi aprisionado nos primeiros
dias do golpe juntamente com mais de sessenta pessoas da cidade.
Processo semelhante ocorreu em todo o Paraná9.
No litoral, o movimento sindical era forte e representativo.
Victor Horácio de Souza Costa, em seu depoimento, recorda como
se deu o processo de formação dos sindicatos e posterior repres-
são e desarticulação no litoral paranaense. Em 1959, ele foi eleito
presidente do Sindicato dos Bancários de Paranaguá e, três anos
mais tarde, engajou-se na unificação de sindicatos de diferentes
categorias, fundando o Fórum Sindical de Debate do Litoral Parana-
ense. Seguindo suas recordações, até o surgimento desta relevante
entidade, o cenário sindical esteve marcado por intensas disputas,

59
Depoimentos para a História

que não raro culminaram em intimidações, homicídios e outras


transgressões. Além do papel de organização e regulamentação das
querelas, o Fórum protagonizou importantes ações reivindicatórias,
a exemplo de audiências denunciando as péssimas condições de
trabalho e empresas fantasmas. Já na primeira semana do Golpe de
1964, Victor foi preso juntamente com outras lideranças sindicais e
trabalhadores, permanecendo no cárcere por cerca de dois meses e
meio e mantido sob estreita vigilância após a liberação. Lembra que, no
calor dos eventos, houve reuniões e vários companheiros propuseram
resistir para manter o apoio ao governo de Jango e às reformas de base.
A tomada do governo pelos militares e elites civis conservado-
ras e reacionárias em 1964 não conseguiu refrear por completo as
manifestações de massa e a efervescência nas artes e sua guinada
crítica, e tampouco impossibilitou a reorganização dos movimentos
sociais, inicialmente desbaratados. Se compararmos com o período
imediatamente posterior, inaugurado pelo Ato Institucional Número
5 em 1968 (AI-5), os quatro primeiros anos do golpe foram marcados
por relativa liberdade. Os aparelhos repressivos estavam se orga-
nizando e aperfeiçoando seus métodos, ao passo que ainda havia
importantes recursos jurídicos – como o habeas corpus – para se
contrapor à perseguição política imposta pelo regime. Essa repressão
relativamente mais branda, aliada a um momento de crise econômi-
ca e insatisfação, possibilitou o ressurgimento na esfera pública de
estudantes e trabalhadores. Eles protagonizaram importantes ma-
nifestações de oposição, como greves (mesmo que ilegais), passeatas
e diversos outros eventos, destacando-se nacionalmente a Passeata
dos Cem Mil em protesto pelo assassinato de Edson Luiz de Lima
Souto no restaurante estudantil Calabouço no Rio de Janeiro, que
teve repercussão no Paraná, principalmente em Curitiba e até em
Apucarana, eventos promovidos por estudantes e que contou com a
adesão da sociedade civil. A tomada da Reitoria da UFPR, e as gre-
ves dos professores da rede pública estadual e de outros segmentos
refletem claramente esse estado de liberdade relativa.
Embora as potenciais forças de oposição tenham se desarticu-
lado logo após o golpe, elas se reorganizaram entre 1965 até o AI-5.
Formaram-se núcleos de militância estudantil, como o “embrião de
militância de esquerda” entre os estudantes do Colégio Gastão Vidi-
gal em Maringá, Colégio Estadual Nilo Cairo e FECEA – Faculdade

60
Resistência à ditadura Militar no Paraná

Estadual de Ciências Econômicas de Apucarana, Colégio Estadual


do Paraná em Curitiba, na UFPR, na PUC e em diversos outros es-
tabelecimentos de ensino de nível médio e superior. Como resultado
desse processo inúmeras organizações de esquerda se formaram ou
se fortaleceram no Paraná, principalmente nas cidades de Curitiba,
Apucarana, Londrina e Maringá como a Dissidência (DI) do Partido
Comunista Brasileiro (PCB), a Ação Popular (AP), a Política Operária
(POLOP) e o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR).

O AI-5 e a resistência armada

O decreto do Ato Institucional Número 5 (AI-5), em treze de


dezembro de 1968, marcou o refluxo das manifestações de massa
críticas, como as greves e os manifestos de estudantes, artistas,
bancários, professores e operários, liquidando certa “cultura de
esquerda” e impondo um repentino retrocesso da parcela dos movi-
mentos sociais que conseguiu se reconstituir em torno de bandeiras
específicas e gerais contra a Ditadura10. O AI-5 inaugurou o período
conhecido como os “Anos de Chumbo” do regime, caracterizados
pelo aperfeiçoamento e recrudescimento da repressão e pela maior
parte da tortura e dos assassinatos, com o desaparecimento dos
seus corpos. Garantias constitucionais como o habeas corpus foram
suprimidas e os agentes passaram a empregar a violência de forma
sistemática. A repressão foi aprimorada, com o recém-criado DOI-
CODI dentro do Exército, centralizando as investigações, prisões,
torturas e assassinatos dos adversários políticos.
O AI-5 garantiu ainda mais poderes ao Executivo – concen-
trando as funções do Legislativo e Judiciário -, permitiu o decreto de
recesso do Congresso (que durou quase um ano) e a suspensão de
direitos políticos de quaisquer cidadãos por dez anos. Foi também
um período de recrudescimento da censura imposta ao teatro, mú-
sica, imprensa e cinema. Assim entidades estudantis como a UPE,
o DCE da UFPR em Curitiba foram fechadas e a UEA de Apucarana
foi invadida e lacrada pelo Exército.
As manifestações de massa foram a principal forma de re-
sistência ao regime, entre 1964 e 1968. Contudo, com o AI-5 e o

61
Depoimentos para a História

refluxo generalizado das organizações e movimentos, houve uma


reorientação de parte dos grupos então atuantes, que optaram pelas
armas e pela revolução imediata. Alguns pensadores creditam essa
opção ao endurecimento do regime que, além de reprimir totalmente
qualquer manifestação política, passou a perseguir mais duramente
a oposição e aprofundar e a generalizar o uso da tortura.
Independentemente das causas do recrudescimento da ditadu-
ra, para compreender a reorientação e radicalização das resistências
é necessário ter em conta o grande impacto do golpe nas esquerdas,
sobretudo acentuar a cisão do centro aglutinador de então, o PCB,
que optara por manter sua linha pacifista e etapista, defendendo uma
aliança de classes para a derrubada do novo regime. Diversas ten-
dências dentro do PCB se consolidaram nos primeiros anos do golpe,
logo se transformando em dissidências e novas organizações. Nesse
contexto, afora o PSB e os grupos trotskistas, outras três “organizações
matrizes” – AP, Partido Comunista do Brasil (PcdoB) e POLOP – tam-
bém se fragmentaram, gerando novas e reduzidas frações e partidos,
que aderiram à luta armada como prática revolucionária11.
Para considerar, adequadamente, os diferentes posicionamen-
tos assumidos pelos agrupamentos brasileiros e essa reorientação
radical da forma de luta após o AI-5, é necessário observar também
as mudanças que estavam ocorrendo internacionalmente. Havia uma
polarização das posições revolucionárias e conservadoras e pipocava
em todos os continentes – incluindo a América do Sul e o Brasil –
uma “nova esquerda”. O modelo de atuação e organização tradicional
dos partidos comunistas passara a ser duramente contestado como
insuficiente para solucionar as contradições sociais contemporâneas.
Era necessário romper com as amarras teóricas e práticas colocadas
pela velha guarda. O ápice desse desgaste fora o ano de 1968, quando
no Brasil e no mundo eclodiram grandes manifestações libertárias.
Afora os turbulentos Maio de 1968 na França, Primavera de Praga e
Revolução Cultural Chinesa, permeavam esse contexto a Revolução
Cubana e seus desdobramentos bem como as resistências antico-
loniais e revoluções socialistas na África e na Ásia, destacando-se
Angola, Moçambique, a luta contra o Apartheid na África do Sul, a
Questão Palestina e a Guerra do Vietnã com a grande ofensiva do Tet.
As movimentações sociais da época também no Brasil tinham uma
marca iconoclasta, antiburocrática e questionadora das instituições12.

62
Resistência à ditadura Militar no Paraná

Nesse cenário no qual a violência das superpotências da Guerra


Fria fora canalizada para o Terceiro Mundo, a opção pelas armas
era um caminho difundido e possível, e não tinha nada de absurdo.
Acompanhando os estudantes, os elementos já organizados e mais
engajados das camadas médias constituíram a principal base de
simpatizantes e militantes das esquerdas armadas, sendo recrutados
para suas fileiras à medida que o cerco se fechava e a conexão com
as massas era interrompida à força13.
É imprescindível observar que a luta das esquerdas em geral
não era somente uma resistência contra a ditadura, mas antes uma
tentativa radical de rompimento com a sociedade de classes e o
capitalismo, dos quais o próprio regime de exceção derivava. Encer-
rados os longos anos de autoritarismo, em um processo de revisão
da memória, alguns militantes de grupos de esquerda do período
passaram a enfatizar como objetivo central a redemocratização do
país, quando lutavam pela instauração do socialismo. Em verdade,
o horizonte era muito mais amplo, tratavam-se de projetos de trans-
formação da sociedade e do mundo.

A distensão do regime e a resistência democrática

Se, de um lado, em 1974 caiu a mais duradoura experiência


de luta armada, e quiçá a última significativa, a Guerrilha do Ara-
guaia, de outro a ditadura sofreu nesse mesmo ano um sério revés
nas urnas para o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e, diante
de uma sociedade cada vez mais insatisfeita, começou a articular
uma “abertura”, conforme o Projeto Geisel-Golbery, de “distensão
lenta, gradual e segura”. Nesses anos, as esquerdas outrora engaja-
das na derrubada imediata do regime empreenderam processos de
autocrítica em prol de uma luta política cumulativa e não violenta
pela redemocratização, aproximando-se do antes negligenciado MDB
e das posições defendidas pelo PCB desde um primeiro momento.
Internacionalmente, esse processo foi favorecido pelo governo Carter
nos EUA a partir de 1977, que passara a criticar as violações de
Direitos Humanos como parte de um novo projeto de hegemonia,
contribuindo para a abertura de novos espaços para as oposições

63
Depoimentos para a História

latino-americanas. Além de estratégia para deslegitimar a URSS, em


verdade, esse discurso humanitário estadunidense se fundamenta-
va também em interesses escusos que colocavam Washington em
conflito com Brasília, como questões econômicas e a política externa
independente do Itamaraty, que reconhecera de pronto o governo
comunista de Angola e demais ex-colônias portuguesas na África e
fora favorável à resolução 3379 da Assembleia Geral da ONU, con-
siderando o sionismo uma forma de racismo.
Corroborando com essas tendências para uma mudança no
regime em direção a uma maior abertura, difundiam-se notícias
sobre a barbárie da repressão e o regime adotava medidas impopu-
lares – como o arrocho salarial – para lidar com o esgotamento do
milagre econômico e a crise galopante. Certamente, esses fatores
econômicos contribuíram para o ressurgimento das lutas sociais, e
também para a perda de bases que inicialmente apoiaram o regime,
sobretudo extratos das classes médias e parte da burguesia.
Estudantes e trabalhadores voltaram a tomar as ruas do país
a partir da segunda metade dos anos 1970, protagonizando movi-
mentos de massa similares àqueles realizados em 1968. Como exem-
plo, após as prisões efetuadas em decorrência das comemorações
de Primeiro de Maio em São Paulo, em 1977, conforme reportagem
da Folha de São Paulo, cerca de oitenta mil universitários fizeram
uma greve em sinal de protesto14. Um ano depois, os trabalhadores
do ABC paulista reiniciavam suas campanhas reivindicatórias, que
tomariam corpo e adesão nacional nos anos vindouros. Entidades
foram reconstituídas – como a UNE – e outras criadas, como os co-
mitês pela Anistia e a defesa da Amazônia, no mínimo acelerando o
retorno dos militares à caserna e a redemocratização.
O próprio governo sinalizava a abertura em um contexto na-
cional de ressurgimento de atores sociais (sindicatos, associações
de moradores, igreja, imprensa, artistas, intelectuais, população
em geral) e fortalecimento da oposição consentida (MDB), em uma
conjuntura internacional de recessão econômica e realinhamento
da política externa estadunidense para deslegitimar a URSS, esti-
mulando, no lugar de ditaduras, a adoção do respeito aos Direitos
Humanos e instauração de Democracias. Alas agora hegemônicas
do governo militar recuperaram propostas anteriores de redemocra-
tização e acenavam para sua necessidade, conduzindo o processo

64
Resistência à ditadura Militar no Paraná

nessa direção, a despeito da férrea oposição dos setores “linha


dura” agrupados em torno da “comunidade de informações”, que
recorreram ao terrorismo na tentativa de desestabilizar a transição
“lenta, segura e gradual”, além de protagonizar alguns episódios que
lembravam claramente o período dos anos de chumbo. Episódios
como o desmonte do PCB em todo o Brasil com o assassinato sob
tortura de inúmeros integrantes de seu comitê central e mesmo de
militantes. Os casos de Wlademir Herzog e Manuel Fiel Filho nos
porões do DOI-CODI e mesmo o cerco da Lapa com o assassinato de
parte da cúpula do PCdoB em São Paulo são exemplos desses fatos.
No Paraná, a Operação Marumbi de 1975 e a Operação Bar-
riga Verde em Santa Catarina, no mesmo ano, se traduziram no
processo de repressão mais violento vivenciados por esses Estados.
Mais de cem pessoas sequestradas, algemadas e de olhos vendados,
levadas para um centro clandestino de tortura em Curitiba revelam
um procedimento mais compatível com os “anos de chumbo” e não
com a proposta governamental de abertura. Tal repressão tinha por
objetivo demonstrar de um lado o avanço do comunismo no Brasil
e de outro a sua influência sobre importantes lideranças do MDB
vencedor das eleições de 1974, justificando assim não abertura
política, mas sim o fechamento ainda mais do regime. Também é
característica desse período de lenta abertura e redemocratização o
relaxamento e a extinção da censura.
É possível afirmar que foi a abertura programada por quem
estava no poder – apoiada por setores moderados e conservadores
da oposição ao regime – que garantiu a “transição por cima” ou “con-
sentida”, responsável pelo não julgamento de nenhum dos algozes do
regime após a entrega do poder aos civis. Enquanto alguns apontam
que a “reconstitucionalização” teria sido um projeto de poder, uma
decisão interna dos militares, outros – sobretudo os militantes do
período final da ditadura – defendem a tese contrária, da conquista
da Democracia pela sociedade, ou seja, uma vitória da oposição. Se
as duas afirmações fazem sentido, o fato é que, não houve derruba-
da e sim um retorno negociado, organizado e intacto aos quartéis,
sendo cumpridas rigorosamente as salvaguardas colocadas pelos
militares15. Por outro lado, o setor civil do regime ficou absolutamente
intacto, não somente se mantendo no poder como até o assumindo,
circunstancialmente, como no caso do Presidente José Sarney. Dessa

65
Depoimentos para a História

forma, saíram parcialmente derrotados tanto a oposição radical de


direita, que defendia a manutenção e novo endurecimento do regi-
me, quanto os setores aguerridos da sociedade civil organizada, que
buscavam uma ruptura ou no mínimo um aceleramento do processo
(como o nascente Partido dos Trabalhadores). Ainda que a sociedade
civil tenha acumulado vitórias – maior liberdade de imprensa e de
organização, Lei da Anistia, fim das torturas e assassinatos aos mili-
tantes resistentes – e se reconstituído em torno de lutas reivindicató-
rias e demandas políticas (Anistia, Eleições Diretas para Presidente),
a abertura programada ou “transição pactuada” – superando crises
institucionais e a pressão cada vez maior da oposição – foi cumprida
com o “Acordo de Minas” e a Aliança Democrática do PMDB com os
dissidentes liberais do sucedâneo da Arena, o PDS.
Porém, talvez sem a mobilização nas ruas não tivesse se sus-
tentado a prevalência dos partidários da redemocratização dentro do
grupo dominante em detrimento da “linha dura”, o que garantiu o
alentador desfecho do final da ditadura e início da Nova República.
Nesta, muitos que lutaram para enterrar a ordem anterior desempe-
nharam papel político de destaque. Em suma, seguramente, aqueles
que se mobilizaram para precipitar o final do regime cumpriram um
papel histórico de relevo, ainda que o de garantir o cumprimento da
abertura traçada hegemonicamente evitando qualquer retrocesso.
Marcos Napolitano em livro recente argumenta que a abertu-
ra traçada pelo regime ainda em meados dos anos 1970 não fora
desde sua concepção sinônimo de redemocratização. Inicialmente,
significava não exatamente redemocratização, mas uma tentativa de
institucionalização do regime ditatorial. Para ele, fora a crescente
oposição e politização das ruas as responsáveis pelas transformações
nesse contraditório projeto hegemônico, implementada de forma
foi tortuosa e marcada por avanços e recuos no sentido do regime
sempre manter as rédeas e ditar o ritmo dos acontecimentos. As-
sim, o projeto incipiente de abertura como institucionalização foi
sendo ressignificado, até que a partir de 1978 assumiu o caráter de
redemocratização, diante da efervescência social incontrolável que
tornava iminente uma implosão do regime, acaso o horizonte fosse
qualquer outro que não a saída de cena dos milicos. Nessa perspec-
tiva, a mobilização social teria sido imprescindível para a transição
democrática, ainda que esta tenha casado em sua forma e conteúdo

66
Resistência à ditadura Militar no Paraná

com os anseios hegemônicos entre os militares, sobretudo no que


coube à realização da sucessão por setores moderados e às garan-
tias de não “revanchismo”, ou seja, não apuração das violações de
Direitos Humanos cometidas pela ditadura16.

A resistência à ditadura no Paraná

Não há como compreender a experiência da resistência e da


repressão no Paraná descolada dos processos de âmbito nacional.
Em grande medida, as fases do regime de exceção no país como um
todo correspondem aos acontecimentos no Estado, com exceções
municipais. Além da correspondência nas fases da ditadura e em
grande medida nas formas de resistência, o Estado também passou
por certa efervescência social e política, característica do Brasil no
período anterior ao golpe militar.
Ainda que oficialmente na ilegalidade, o PCB estava relativa-
mente organizado no Paraná até o golpe, com militantes e células
espalhadas por várias partes do Estado. Para um observador arguto,
um olhar rápido na relação nominal das pastas temáticas da DOPS
no Arquivo Público do Paraná, revela a existência de diversos ar-
quivos sobre células do PCB, espalhadas pela capital e no interior
durante a república populista. Apesar dos frequentes exageros e das
várias anotações imprecisas dos agentes dos órgãos de inteligência
e informação, a própria existência dessas pastas são um indício de
que havia certa difusão do PCB no Paraná.
Inclusive, o partido auxiliou na organização de posseiros no
norte do Estado contra latifundiários, jagunços e o aparato policial,
destacando-se a figura do militante Manoel Jacinto, no episódio
que ficou conhecido como Guerra de Porecatu, entre 1941 e 1951.
O jornalista paranaense Marcelo Oikawa, importante liderança es-
tudantil do período e autor de um livro sobre o assunto, coloca a
guerrilha de Porecatu como um evento fundador no norte do Paraná
que balizou a militância dos comunistas nas décadas seguintes:
“O Partido Comunista do Brasil [PCB] aprendeu que a mobilização
política, a mobilização de amplas massas, era um caminho mais
eficiente para se lutar pela transformação da sociedade brasileira.

67
Depoimentos para a História

Ali nasceu as doze Ligas Camponesas lideradas por Manoel Jacinto


Correia”, afirma Oikawa em seu depoimento. Após sua participação
decisiva nesse processo, Manoel Jacinto passou dez anos na clan-
destinidade (nos anos 1950), até retornar a Londrina, já no governo
do Jango. Oikawa assegura que nesse período, Jacinto teria traba-
lhado intensivamente na fundação de sindicatos. “Para se ter uma
ideia, no Golpe de 1964, o Norte do Paraná registrava sessenta e sete
sindicatos de trabalhadores rurais, a grande maioria deles fundada
com o esforço de Manoel Jacinto”.
As fichas da DOPS, aliadas aos depoimentos coletados ao
longo do projeto, trazem relevantes informações sobre o movimen-
tado período anterior ao golpe em Curitiba. Pouco antes, quando
os Estados Unidos arquitetaram a invasão da Baia dos Porcos, em
Cuba, foi realizado um comício de denúncia na Praça Tiradentes,
onde discursaram diversas lideranças políticas simpatizantes da re-
volução cubana. Mas isso dá uma ideia de como a revolução cubana
despertava um sentimento libertário muito grande entre aqueles que
sonhavam com a transformação da sociedade brasileira. O PCB, em-
bora ilegal, atuava com relativa desenvoltura, enfatizando a liberdade
de discussão e participação política, no governo Kubitschek e de João
Goulart. Sem poder lançar candidatos pela legenda clandestina, ele
o fazia usando outras legendas como o PSB e o PTB.
Quanto aos trabalhadores, refletindo a agitação nacional em
Curitiba nas vésperas e início do golpe teria havido várias demons-
trações e greves, como a dos bancários em 1963 e outra de jornalis-
tas e gráficos. Paralelamente a essas manifestações, temos o dever
– para não incorrermos em uma imprecisão histórica e parcialidade
– de mencionar as mobilizações conservadoras ocorridas em todo
o Paraná, na mesma conjuntura. A “ameaça comunista” – muito
bem trabalhada pelos meios de comunicação hegemônicos e por
setores religiosos – era sentida por boa parte da população, que se
manifestava em defesa da família, tradição e propriedade. Próximo
do golpe, após o Comício na Central do Brasil, centenas de milha-
res – senão milhões – de brasileiros e brasileiras tomaram as ruas
nas famigeradas Marchas da Família com Deus pela Liberdade. Em
Maringá, grande parte da igreja se mobilizou e cerca de quatro mil
pessoas participaram dessas manifestações conservadoras17. Vários
depoimentos sobre Curitiba ressaltaram a força dessas manifestações

68
Resistência à ditadura Militar no Paraná

nas alamedas da capital, onde também atuavam integralistas. Em


cidades do interior como Peabiru, Campo Mourão e outras foram
palcos de manifestações conservadoras e anticomunistas organizadas
pelos párocos locais. Havia certa disputa também nas ruas entre, em
linhas gerais, progressistas anti-imperialistas e conservadores ferre-
nhos anticomunistas, organizados em entidades como a Sociedade
Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), Liga
Anticomunista, entre outras. Em Mandaguari, já nos primeiros dias
do golpe, quando se espalhou a notícia de que estavam na delegacia
mais de sessenta comunistas presos, cerca de quatro mil pessoas
teriam ameaçado queimar o recinto e linchar os presos18.
No Paraná pré golpe havia grupos atuantes que debatiam e se
manifestavam até diante de questões internacionais. Havia o Centro
Popular de Cultura (CPC), o jornal “Última Hora”, outras manifestações
culturais e o PCB, que estava relativamente organizado, como deixam
evidentes os documentos da DOPS. Os sindicatos urbanos avançavam
em organização e demandas e no meio rural a sindicalização ganhava
força. Mas, cabe questionar em que medida havia um engajamento de
massas, ou seja, qual a abrangência, o apelo desses grupos, sobretudo
urbanos, junto ao povo. O Paraná era um Estado pouco industrializado
e o seu interior, notadamente o Norte, o Oeste e o Sudoente eram de
colonização muito recente e de pouca tradição histórica. Em alguns
momentos de espasmos sociais, como a Guerra do Pente, houve a pre-
sença maciça na esfera pública, mas por questões mais abrangentes
e não dos trabalhadores como classe organizada e consciente de sua
situação na cadeia produtiva. Já a sindicalização era um processo re-
cente e ainda sem maturidade não conseguia promover mobilizações
massivas e significativas. Os chamados Grupo dos Onze, organização
proposta por Brizola, de tão recente a sua formação não chegaram
sequer a promover qualquer ação significativa e demarcatória da sua
importância. Eles vão se organizar mais intensamente no Sudoeste e
Oeste onde a colonização era marcantemente gaúcha.
No cenário cultural, destaca-se no início dos anos 1960 a atu-
ação em Curitiba do Teatro do Povo, embrião do CPC do Paraná, que
apresentou diversas peças, com marcada orientação de esquerda,
capital afora. Participavam do centro de cultura Euclides Coelho de
Souza e sua esposa Adair Therezinha Chevonika, Walmor Marcelino e
outros militantes, a maioria dos quais construiria o CPC. No Paraná,

69
Depoimentos para a História

o ponta pé inicial desse projeto vinculado à UNE foi a peça “Patria ou


muerte”, de Oduvaldo Vianna Filho19. Um folder da época explicitava
os objetivos do CPC paranaense ao descrever o que era e como se
propunha a trazer problemas sociais à discussão, compreendendo
a arte enquanto reflexo de uma sociedade e seus problemas’20.
Uma pasta da DOPS intitulada “Centro Popular de Curitiba”
compila alguns materiais interessantes utilizados pelo CPC do Pa-
raná (em alguns há referência direta ao uso em outros não). Entre
os documentos figuram um livro de matiz freiriano de alfabetização
popular, e os roteiros das peças “O roubo do colar de pérolas” e “O
rapto de Maroquinhas Fru-Fru”, do setor “Teatro de títeres” (1963),
“Auto dos 99%” (1962), “O rato da cidade e o rato do campo”, “A
prostituta respeitosa” (de Jean Paul Sartre), “Glutão” e a “Revolução
na América do Sul”, de Augusto Boal, encerrada com a “Canção
da Liberdade”. Especificamente sobre o teatro, destaca-se a forte
presença do PCB na apresentação de algumas destas peças, todas
de cunho político e panfletário, não só político [...]. Esse grupo teve
depois uma encenação na periferia de Curitiba adaptada por Walmor
Marcelino, chamada ‘Os justos’”.
Na mídia, tinha enorme destaque a equipe de jornalistas do
jornal pró-Jango “Última Hora”, nascido no Rio de Janeiro, fruto da
necessidade do getulismo ter seu próprio veículo para divulgação
de seus propósitos. Ao longo de sua existência fez a defesa do tra-
balhismo e das posições assumidas por Vargas e seus sucessores.
Chamava a atenção por sua ousadia gráfica. A redação de Curitiba
(havia outra redação em Londrina) chegou a ter, talvez, os vinte e
cinco melhores profissionais do jornalismo paranaense, conforme
testemunhos de integrantes da equipe. Eram jornalistas dotados
de profunda formação política, porque além da formação ideológica
de seus profissionais, todos com tendência mais a esquerda do que
qualquer outro, era um jornal que tinha uma missão de dar cober-
tura ao movimento sindical, onde ele era muito forte”. Havia uma
coluna sindical e outra só para falar dos problemas dos bairros, daí
seu caráter popular e de massa e a animosidade que despertou nas
elites locais, embora apoiasse o governo de Ney Braga que financiava
parcialmente o veículo por meio de empresas de economia mista.
É importante observar que, muitos depoimentos apontaram
a existência de uma percepção generalizada entre as esquerdas de

70
Resistência à ditadura Militar no Paraná

que alguma coisa ocorreria, alterando a ordem institucional do país.


Walmor Weiss, que na época era parte de um grupo de sargentos
pró-Jango, comenta que ele e seu grupo haviam elaborado um plano
acaso tentassem depor o presidente com um golpe. Iriam tomar o
aeroporto antes dos golpistas. Contudo, não tiveram tempo de execu-
tá-lo. Militantes e jornalistas da época afirmam que percebiam mais
do que ninguém que estava na iminência de acontecer alguma coisa.
Fato é que esse receio generalizado se confirmou no último
dia de março de 1964. No Paraná, diante do golpe, o Governador
Ney Braga teria inicialmente se mantido neutro, esperando o de-
senrolar dos acontecimentos, para em um segundo momento aderir
ao movimento. Homem de confiança do regime foi posteriormente
nomeado Ministro da Agricultura de Castelo Branco e Ministro da
Educação de Ernesto Geisel, que também o indicou e o impôs como
Governador do Paraná.
Tão logo os militares e as elites civis cúmplices do movimento
golpista tomaram o poder, foi realizado um grande esforço de expur-
go de pessoas e grupos, que pudessem oferecer alguma resistência
ao novo regime. O Inquérito Policial Militar (IPM) realizado para
averiguar as atividades do jornal “Última Hora” indiciou e provocou
constrangimentos para vários funcionários. Foi uma das primeiras
operações das autoridades para reprimir possíveis focos de contes-
tação no Paraná.
O CPC também foi quase que imediatamente fechado. Na se-
quência do golpe, a censura a reportagens, filmes, peças teatrais,
músicas, livros, jornais e revistas foi se difundindo. Contudo, o
regime não conseguiu desbaratar completamente as produções
artísticas engajadas, pois seus protagonistas não se resignaram,
encontrando formas de driblar a censura. Acompanhando as ano-
tações feitas em fichas de militantes, percebe-se que embora o CPC
tenha sido banido, os jovens continuaram a promover atividades
artísticas e poéticas por intermédio do Teatro do Estudante Univer-
sitário (TEU), que inclusive fez uma programação passando por todo
o Estado. Suas atividades foram acompanhadas pelos agentes da
DOPS e submetidas, constantemente, ao crivo da censura, que com
certa frequência desautorizou as apresentações. Outra anotação se
refere à decisão do departamento de arte e cultura da UPE, agora
em mãos da esquerda estudantil, de levar três espetáculos, dirigidos

71
Depoimentos para a História

pelo recém-fundado grupo Decisão, a várias cidades do interior a


partir de março, e realizar uma temporada em Curitiba em junho de
1967 – trata-se das peças de Anton Checov “O canto do cisne” e “O
urso” e “um espetáculo intermediário com poesias e textos escolhidos
versando sobre temas atuais”21.
Assim que o primeiro Ato Institucional foi decretado, no dia 9
de abril de 1964, também no Estado como em todo o Brasil, ocor-
reram expurgos no exército (como dos sargentos Walmor Weiss e
Wilson Teixeira) e na vida pública em geral, com cassações políticas
de vereadores, prefeitos e deputados. Ao longo de toda ditadura, até
pelo menos 1979, vários políticos no Paraná perderam seus manda-
tos, como Walter Pecoits, José de Alencar Furtado, Halim Maaraoui
(Nova Londrina), Luiz Alberto Dalcanale, Waldemar Daros, Amaury
de Oliveira e Silva, Constantino João Kotzias, Brasílio Abud, Léo de
Almeida Neves, Miguel Dinizo, Vieira Netto, Sinval Martins e outros.
Em outubro de 1965, findando as expectativas da sociedade
de ter eleições presidenciais, foi outorgado o segundo Ato Institucio-
nal. Além das eleições indiretas e do bipartidarismo, o AI-2 tornou
os supostos crimes contra a “segurança nacional” competência da
Justiça Militar e não mais dos juízes e tribunais civis (transferência
que seria completada na íntegra somente com o AI-5). Nas univer-
sidades, estudantes foram suspensos e professores demitidos. No
Oeste do Paraná, em Capitão Leônidas Marques, foi desbaratada o
que, talvez, tenha sido a primeira tentativa de resistência armada ao
regime militar: a coluna comandada pelo coronel Jefferson Cardim
de Alencar Osório e pelo sargento Albery Vieira dos Santos. Tudo in-
dica que o Sargento Alberi mudaria de trincheira mais tarde, traindo
os seus companheiros e sendo responsável pela prisão e morte de
inúmeros militantes. Da instauração do bipartidarismo até a reto-
mada do multipartidarismo, apesar do crescimento e consideráveis
avanços do MDB nos anos 1970, a Arena foi o partido majoritário,
agregando não só os udenistas, como a maior parte dos “petebistas”
(PTB) e “pessedistas” (PSD).
Após o golpe foram instauradas devassas, como da Assembleia
Legislativa do Paraná, os vários IPMs, como do PCB e do ‘Última Hora’
e outros indiciando sindicalistas e estudantes. Envolveram-se nesses
processos em Curitiba o procurador da Justiça Militar, Benedito
Felipe Rauen, os majores Dalmo Bozon e Haroldo Carvalhido, os

72
Resistência à ditadura Militar no Paraná

coronéis Carlos Assunção, do Serviço Nacional de Informação (SNI),


e Waldemar Oswaldo Bianco, delegado regional da Polícia Federal, o
capitão Carlos Alfredo Pellegrino e os generais da 5ª Região Militar,
José Campos de Aragão e Samuel Alves Corrêa. Em Apucarana,
destaca-se a atuação do major Ricardo Ritter Von Chelita e do capi-
tão Isnar de Moura Romariz, este já na década de 70 e denunciado
como torturador. Em Ponta Grossa, havia o capitão Índio do Brasil.
Outras pessoas participaram desses processos, como os inspetores
Petrônio Fontoura e Heitor Cezário Camargo22. O Delegado Osias Algauer,
à frente da DOPS, notabilizou-se como um dos maiores torturadores do Paraná.
Sucedendo Ney Braga, Paulo Pimentel, apoiado por ele, derrotan-
do Bento Munhoz da Rocha, marcou o seu governo como de repressão
branda. Em 14 de Maio de 1968, o célebre episódio da tomada da
Reitoria pelos estudantes universitários e de seu cerco pela PM acabou
numa negociação direta com o governador e a suspensão do cerco pela
PM sem repressão. Depois de Paulo Pimentel, Haroldo Leon Peres,
no ato de sua posse como governador do Paraná, em março de 1970,
afirmou que, finalmente, a “Revolução havia chegado ao Paraná” e que
agiria com mão de ferro contra a corrupção e a subversão. Mas, já a
partir de dezembro de 1968, o recrudescimento da repressão marcou
o estado com o decreto do AI-5 e as primeiras ações nele baseadas.
Nos primeiros dias de vigência do AI-5, na Chácara do Alemão, em
Curitiba, a tentativa de articular um congresso regional da UNE teve
desfecho similar ao que ocorrera em Ibiúna meses antes, culminando
na prisão de quarenta e dois jovens e a condenação de quinze por
mais de um ano no Presídio Provisório do Ahu.
Como vimos anteriormente, a repressão foi recrudescendo com o
passar dos anos e o acúmulo de informações sobre os militantes, sendo
o AI-5 o ponto de inflexão do endurecimento do regime. A resistência,
da mesma forma, foi mudando suas características, conforme o mo-
mento. Também no Paraná, a luta contra o regime foi marcada até o
AI-5 pela tentativa de reorganização dos movimentos de massa. Como
exemplo, em Curitiba, houve a greve dos bancários e os estudantes,
em diversas ocasiões, travaram batalhas campais com a polícia. Em
Maringá, Londrina e Apucarana, ocorreram processos semelhantes
de greves e manifestações estudantis. Já entre 1969 e meados dos
anos 1970 a forma destacada de oposição foram os ensaios de luta
armada e as tentativas de implantação da guerrilha rural, com as

73
Depoimentos para a História

organizações isoladas entre si. No processo de distensão, as oposi-


ções como um todo recuperaram as propostas de trabalho junto às
massas e formação de grandes frentes de ação. Deve-se salientar
que o PCB manteve essa política “massista” desde o golpe, apesar
de que no Paraná ele tenha se desestrurado ao longo do processo,
marcando a sua rearticulação em 1975 e novamente com a Ope-
ração Marumbi se desmantelado. Somente a partir de 1979 ele se
rearticularia novamente.
Após o esgotamento das experiências armadas nos primeiros
anos da década de 1970, também o Paraná – apesar da violenta re-
pressão ao MR-8, VPR, VAR Palmares, AP, PCBR e POLOP, não se
destacou por ações concretas nesse sentido, mas por ser o palco de
planejamentos frustrados de instalação do foco guerrilheiro – sobre-
veio um período de relativa calmaria. Relativa, pois fora o momento
do processo de autocrítica dos grupos, rearticulação interna e reati-
vação dos trabalhos de massa. Esses esforços, favorecidos por uma
aguda crise econômica do regime, renderam seus frutos no final dos
anos 1970, quando multidões ocuparam as ruas de diversas cidades.
Se no Brasil inteiro, do final dos anos 1970 em diante, a política
do governo de promover uma abertura “lenta, gradual e segura” foi
acompanhada de intensa mobilização de estudantes e trabalhadores,
no Paraná não foi diferente. Boa parte dos entrevistados ao longo do
projeto “Depoimentos para a História” militaram nesse período de
lenta redemocratização do país. Enquanto alguns já haviam atuado
politicamente na década de 1960 ou mesmo nos “Anos de Chumbo” e
continuaram na luta, boa parte começou a ter uma atuação política
justamente nesse período, quando o regime estava flexibilizando o
controle político e ideológico e já havia maior liberdade de ação e
expressão, quando compararmos com os anos anteriores.
Diversas manifestações no Paraná precederam as famigeradas
greves do ABC paulista, consideradas um marco nacional nessa in-
flexão final do regime. Ganhavam as ruas as demandas por Anistia,
defesa da Amazônia, manifestações de estudantes, greves e movimen-
tos de solidariedade variados. As entidades e grupos paranaenses
estavam articulados com outros Estados, participando com frequ-
ência de encontros regionais e nacionais. Os diversos agrupamentos
políticos, como PCB, PcdoB, MR-8, LIBILU, MEP descarregando seu
voto ou mesmo participando do MDB e depois divididos entre PMDB

74
Resistência à ditadura Militar no Paraná

e PT, cresciam em número de filiados e coordenavam ações de ade-


são, reivindicação e denúncia do regime. A síntese feita por Tristão
de Athayde é expressiva da postura da sociedade:

Esse ano de 1977, que acaba de findar, movi-


mentou estudantes, cientistas, sacerdotes, me-
morialistas, empresários, intelectuais, políticos,
militares, jornalistas e até mesmo presos e exila-
dos, numa demonstração unânime de revolta da
opinião pública nacional contra a marginalização
pelo sistema político predominante23.

Nesse contexto de ressurgimento dos movimentos e manifesta-


ções em massa de oposição, a repressão dura dos Anos de Chumbo
fora substituída por prisões circunstanciais e por ações terroristas
isoladas da “linha dura” e de setores civis de extrema-direita, a fim
de intimidar a sociedade e eventualmente provocar um novo endure-
cimento do regime. Os militantes passaram a receber cartas e telefo-
nemas ameaçadores e algumas bancas de jornal foram incendiadas.
Um dos destaques da resistência democrática nesse período
foi a luta pela Anistia. Uma reportagem da Folha de Londrina,
publicada no dia 16 de julho de 1978, destaca como o principal
acontecimento nacional daquele ano “o recrudescimento da reivin-
dicação de Anistia política no país”. Refletindo sobre a abrangência
e representatividade desse processo, apontou que “os movimentos
pela Anistia reúnem num coro uníssono todas as classes sociais,
todos os partidos, facções e grupos políticos, todas as entidades,
instituições e personalidades representativas da vida nacional de-
sejosas de pacificação política’’. Amplos setores estariam envolvidos
nessa luta, especialmente a igreja. Reivindicava-se uma Anistia
umbilicalmente vinculada à redemocratização do país, à realização
de uma Assembleia Nacional Constituinte livremente eleita, à defesa
dos Direitos Humanos e à revogação de todas as leis de exceção.
Essas demandas pela Anistia, bem como as lutas por um estado
de direito democrático, teriam se difundido a partir da vitória do
MDB, nas eleições de 197424.

75
Depoimentos para a História

Nas manifestações promovidas pelos estudantes e por outros


setores sociais em maio de 1978, destacou-se a reivindicação por Anis-
tia ampla, geral e irrestrita. Multiplicaram-se as entidades dedicadas
ao tema no Brasil e inclusive na Europa, bem como a promoção de
atividades relacionadas, como debates, conferências, semanas pela
Anistia e noites pela liberdade. Passaram a ser formuladas propostas
concretas e a exigência de Anistia se imiscuiu com a luta democrática
mais ampla. O crescimento da luta pela Anistia corresponde ao cres-
cimento da oposição ao regime de exceção e à exigência de um estado
de direito democrático. Dessa forma, a base da luta pela Anistia foi,
“não só o grande número de brasileiros vitimados direta ou indireta-
mente pelos atos de exceção do regime, mas o povo, na sua aspiração
por liberdade”. Reconhecendo a necessidade de mobilizar o povo, a
força motriz para derrubar o regime, os grupos de Anistia passaram
a promover uma série de atividades buscando adesão maciça25.
No Norte do Paraná, Apucarana, Londrina e Maringá, especial-
mente, serão espaços de constituição da resistência de esquerda. Em
1968, a DI – Dissidência do PCB - se instala em Apucarana no meio
estudantil. O final daquele ano será marcado por dois importantes
fatos para os estudantes de esquerda da cidade: a ruptura do grupo
com a DI e a invasão e fechamento da sede da UEA por forças do
Exército dois dias depois do AI-5, em 13 de dezembro. Sem clima para
permanecer na cidade, dois integrantes - Antonio dos Três Reis de
Oliveira e José Idésio Brianezi - aderem à ALN e se transferem para
São Paulo no início de 1969, onde serão assassinados pela ditadura
no ano seguinte, em 1970. Outros três se transferem para Curitiba,
três permanecem na cidade e, juntamente com os que foram para a
capital, aderem à POLOP e dois se desligam do movimento. Os que
aderiram à POLOP serão presos em 1970 e entre eles está Geraldo
Magela, que tentará o suicídio devido à violência das torturas. Li-
bertados, o próprio Geraldo Magela, juntamente com Valdir Feltrim,
partirão para o exílio, retornando ao Brasil somente após a aprovação
da Anistia de Agosto de 1979.
Quando em 1975 o PCB se reorganiza no Norte do Paraná,
novamente uma violenta onda de repressão se abaterá por toda a
região, sendo que em Apucarana serão sequestrados, presos e tortu-
rados seis integrantes do PCB, mas também do diretório municipal
do MDB. Em Londrina serão sequestrados, presos e torturados o

76
Resistência à ditadura Militar no Paraná

presidente do MDB local, um vereador, o diretor da Faculdade de


Medicina da UEL, além de inúmeras outras pessoas. Maringá, Ara-
pongas, Mandaguari, Cianorte e Paranavaí terão destino idêntico
para diversas pessoas.
O Oeste e o Sudoeste paranaense, áreas de colonização recente
e habitadas há milênios pelos povos indígenas que foram atropelados
nesse processo, em alguns momentos foram palcos de importantes
eventos da ditadura e da resistência. Os conflitos pela posse da terra,
bem como o isolamento da região e a existência de uma vegetação
nativa densa (Parque Nacional do Iguaçu) em pelo menos dois mo-
mentos atraiu a atenção das resistências armadas. A Vanguarda
Armada Revolucionária Palmares (VAR-PALMARES) tentou instalar
um foco guerrilheiro na região de Nova Aurora. Anos antes, entre
1968 e 1969, a primeira geração do Movimento Revolucionário Oito
de Outubro (MR-8) buscou se instalar no oeste do Estado, chegan-
do a realizar treinamentos de guerrilha e estabelecer uma rede de
contatos para apoiar o movimento.
Já no final dos anos 1970, o Oeste paranaense voltaria à cena,
agora com a luta travada pelos desapropriados atingidos pelas bar-
ragens e por grupos indígenas, vítimas do mesmo processo. Nessa
luta, que seria a gênese do MST, os populares e nativos contaram
com a atuação de entidades religiosas, como a Comissão Pastoral
da Terra e o Conselho Missionário Indigenista.
Nos Anos de Chumbo, militantes da AP foram integrados à
produção, sendo espalhados pela região do Norte do Estado. Os
estudantes se articularam por meio de entidades municipais e par-
ticiparam também das organizações estudantis estaduais, como a
UPE e a UPES, e de movimentos autônomos, como o Movimento
Estudantil Livre (MEL). Em Maringá e Londrina, o PCBR conseguiu
penetrar no movimento estudantil e instalou bases nas duas cida-
des, sendo desmantelado em 1970 com os seus militantes presos e
torturados. Na metade dos anos 70, diversos estudantes de Londri-
na, integrados no então recém-fundado DCE da UEL, participaram
tanto de manifestações locais quanto da própria rearticulação do
movimento estudantil, em nível nacional. A cidade também sediou
o Círculo Feminista de Londrina (CFML) com pronunciamentos e
publicações altamente críticas, e o Comitê Londrinense pela Anis-
tia e Direitos Humanos (CLADH), que teve importante atuação nos

77
Depoimentos para a História

estertores do regime, levando importantes lideranças nacionais de


oposição para a cidade, promovendo debates entre candidatos, pa-
lestras sobre Direitos Humanos, abaixo-assinados, atos públicos e
denúncias da repressão.
Nesse período derradeiro do regime, atendendo a um pedido
do CLDAH, o vigário Arnaldo Beltrami e o bispo Romeu Alberti rea-
lizaram uma missa na Catedral de Apucarana, em intenção dos dois
militantes da cidade mortos pela repressão em 1970, José Idésio
Brianesi e Antônio Três Reis de Oliveira. Participaram cerca de du-
zentas pessoas26. Em Maringá, destacam-se, além da reorganização
dos estudantes, mobilizações mais amplas como em 1977 quando
ocorreu na cidade um encontro de líderes do MDB para discutir a
censura e a repressão e foi prevista uma reunião no Ginásio Filadé-
lfia (“Colossinho”) para debater “Direitos Humanos e Constituinte”,
impedida pelo coronel Cesar Tasso Lemos Saldanha.
A capital paranaense foi palco de ação dos mais variados mo-
vimentos e organizações, desde os primórdios até o final do regime.
Ali os estudantes travaram lutas contra a ditadura que ganharam
repercussão nacional, como a tomada da Reitoria, e grupos como
AP, PCBR, MR-8, PCB e PcdoB atuaram intensamente. No final da
ditadura, Curitiba também sediou um estruturado movimento de
associações de bairros e favelas, de Anistia e de defesa da Amazônia e
meio-ambiente, além da reorganização dos estudantes. Nos anos 1970,
algumas freiras ficaram na memória de presos políticos do Ahu, pela
solidariedade prestada. No final da década, a partir de 1978, o Dacisa
(antigo e atual Danc) foi um importante centro de reunião, discussão
e articulação do movimento social. Se o Movimento Curitibano pela
Anistia e o comitê pela libertação de Flávia Schilling nascem dentro
do Darp (Diretório Acadêmico Rocha Pombo da UFPR), é no Dascisa
(Diretório Acadêmico das Ciências da Saúde da UFPR) que eles se
instalam, com o primeiro se transformando em CBA-Curitiba.
As inúmeras e extensas pastas do arquivo da DOPS demons-
tram a importância dessa organização em Curitiba e no Paraná.
O CBA organizará as primeiras manifestações de massa pós-68
na cidade. É de dentro dele que nascerá o CDAMA e os comitês de
solidariedade ao povo Nicaraguense e de El Salvador, os comitês de
solidariedade aos trabalhadores da construção civil, aos metalúrgi-
cos de São Paulo, aos professores, aos enfermeiros, bem como um

78
Resistência à ditadura Militar no Paraná

intenso movimento de organização de associações de moradores das


favelas e bairros de Curitiba. O CBA-Curitiba integrará o comando
nacional da luta pela Anistia. Dentro do DASCISA – Diretório Acadê-
mico do Setor das Ciências da Saúde – funcionava uma gráfica que
seria colocada a serviço dos movimentos sociais em luta. A Igreja de
Guadalupe sediará grandes encontros como o congresso de fundação
do CBA, além de espaço de construção da solidariedade a inúmeros
movimentos operários. O Movimento Feminino pela Anistia também
marcará sua presença em Curitiba. Londrina também terá uma en-
tidade do gênero, o Comitê Londrinense pela Anistia, de importante
atuação na cidade e na região naquele período.
No meio trabalhista, com os sindicatos ocupados por pelegos im-
postos pelo regime, organizou-se a partir de 1977/78 as oposições sin-
dicais entre bancários, metalúrgicos, trabalhadores da construção civil,
bancários e enfermeiros, com as três últimas categorias protagonizando
no período greves por melhores salários e condições de trabalho e vida.
A Associação dos Professores do Paraná - APP, mais tarde transforma-
da em sindicato, atuando no meio dos professores da rede pública do
Estado foi, talvez, a entidade mais atuante do período protagonizando
desde 1968 inúmeras e massivas greves, acampamentos e passeatas.

NOTAS Capítulo 1: A ditadura civil-militar

1
FERREIRA, Jorge (A). O governo Goulart e o golpe civil-militar de 1964. In: ______;
DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O Brasil Republicano: o tempo da experiência
democrática. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
2
FERREIRA, Jorge (B). Crises da República: 1954, 1955 e 1961. In: ______; DELGADO,
Lucilia de Almeida Neves. O Brasil Republicano: o tempo da experiência democrática. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
3
NEGRO, Antonio Luigi; DA SILVA, Fernando Teixeira. Trabalhadores, sindicatos e política
(1945-1964). In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida. O Brasil Republicano:
o tempo da experiência democrática. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 85-86.
4
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Crise da ditadura militar e o processo de abertura
política no Brasil, 1974-1985. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves.
O Brasil republicano: o tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do
século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 249; 254; 260.
5
MOREIRA, Vânia Maria Losada. Os anos JK: industrialização e modelo oligárquico de
desenvolvimento rural. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida. O Brasil Republicano:
o tempo da experiência democrática. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 180.

79
Depoimentos para a História

6
FERREIRA (B), op. cit., p. 401.
7
RIDENTI, Marcelo. O fantasma da revolução brasileira. 2ª edição. São Paulo: Editora
UNESP, 2010. p. 27-39.
8
DIAS, Reginaldo B.  Sob o signo da revolução. a experiência da AP no Paraná. 1. ed.
Maringá: Eduem, 2003. v. 1. p. 150-160.
9
ESTADO DO PARANÁ. Comissão Especial de Indenização. Processo nº 209, datado de 10
de fev. de 1998 (p. 3 do arquivo digital).
10
RIDENTI, Marcelo., op. cit., p. 102.
11
RIDENTI, Marcelo, op. cit., p. 27-39.
12
RIDENTI, Marcelo, op. cit., p. 102.
13
RIDENTI, Marcelo, op. cit., p. 27-39.
14
FOLHA DE SÃO PAULO. 80.000 universitários entram em greve. 4 de maio de 1977. In:
DEAP. Pasta DOPS: Movimento de Emancipação do Proletariado, nº 1389, Topografia: 165.
15
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Crise da ditadura militar e o processo de abertura
política no Brasil, 1974-1985. In: Crises da República: 1954, 1955 e 1961. In: ______;
DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O Brasil Republicano: o tempo da experiência
democrática. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
16
NAPOLITANO, Marcos. 1964: história do regime militar brasileiro. São Paulo: Contexto, 2014.
17
HELLER, Milton. op., cit., p. 538.
18
ESTADO DO PARANÁ. Comissão Especial de Indenização. Processo nº 209, datado de 10 de
fev. de 1998 (p. 10 do arquivo digital).
19
HELLER, Milton Ivan. Resistência democrática: a repressão no Paraná. Curitiba: Secretaria
de Cultura do Estado do Paraná, 1988. p. 353.
20
DEPARTAMENTO ESTADUAL DE ARQUIVO PÚBLICO (DEAP-PR). Pasta DOPS: “Centro
Popular de Curitiba” [CPC/PR], nº212, Topografia: 24.
21
DEAP. Pasta DOPS: ficha individual de Milton Ivan Heller, nº 06.872.
22
HELLER, Milton I., op. cit., p. 60-79.
23
Tristão de Athayde. A luta pelo direito. Jornal do Brasil. 5 de janeiro de 1978. Apud Roberto
Martins. Anistia: tema atual. Folha de Londrina. Caderno 3, 16 de julho de 1978. p. 6.
24
Ainda que, inicialmente, a posição oficial de Geisel tenha sido afirmar que o governo não cogitava
“distensão”, nem a revogação do AI-5, muito menos a Anistia, a partir de 1975 o movimento
pela Anistia paulatinamente se transforma em fator de mobilização popular, deixando de
ser uma simples reivindicação. Então, começam a surgir e se organizar nacionalmente as
primeiras organizações e movimentos, como o Movimento Feminino pela Anistia, e se difundir
jornais ligados ao tema e à defesa dos Direitos Humanos. Não é por acaso que, o primeiro
boletim informativo do Comitê Londrinense pela Anistia e Direitos Humanos (CLADH) termina
com os seguintes dizeres: “Pela Anistia, pelos Direitos Humanos, pela Democracia”. Mas, é
a partir de 1977 que a luta pela Anistia ganha musculatura no Brasil e no exterior e passa
a tomar as ruas. Em países como Portugal, França, Suécia e Itália já atuavam comitês de
solidariedade às vítimas da violência política e pela Anistia geral no Brasil.
25 MARTINS, Roberto. Anistia: tema atual. Folha de Londrina. Caderno 3, 16 de julho de
1978. p. 7.
26 Folha de Londrina. Bispo de Apucarana: “Que a morte do estudante seja semente da
paz”. 12 de agosto de 1978.

80
Capítulo 2:
As organizações
políticas no Paraná

O processo de mobilização e
definição das estratégias de luta

Durante a ditadura, entre aqueles que lutaram contra arbi-


trariedade instaurada se opuseram partidários da resistência não
violenta a partir de um trabalho junto às massas e aqueles que,
independentemente de seu discurso, optaram por empunhar armas
e tentar o caminho mais curto para a revolução. Embora ambas
as formas tenham coexistido ao longo de quase todo o período de
exceção, é possível diferenciar os momentos em que uma ou outra
se sobressaiu. Do golpe de 1964 até o AI-5 (1968) - não obstante a
ocorrência dos primeiros ensaios armados, como no Sudoeste do
Paraná, na serra de Caparaó e as ações pioneiras de algumas orga-
nizações - ainda havia brechas para uma atuação política junto à
sociedade em geral, no sentido de mobilizá-la contra o regime. Os
grupos de esquerda trabalharam essas possibilidades e 1968 ficou
marcado pelas grandes manifestações de massa, como a Passeata
dos Cem Mil no Rio de Janeiro, as greves em diversas cidades e a
tomada da Reitoria da UFPR, em Curitiba. Artistas, intelectuais,
profissionais liberais, trabalhadores em geral e estudantes tomaram
as ruas, manifestando sua repulsa ao que vinha ocorrendo no país.
A imposição do AI-5 e o decorrente recrudescimento do regime
caracterizaram o período posterior, não fortuitamente conhecido
como “Anos de Chumbo”. Agora, as portas estavam fechadas para
qualquer tipo de manifestação pública e não mais havia as salva-
guardas legais outrora muito utilizadas para atenuar a perseguição
do regime. Os escassos advogados de presos políticos já não tinham

81
Depoimentos para a História

recursos suficientes para tentar explorar as contradições do regime,


em prol de seus defendidos. Nesse cenário de refluxo dos movi-
mentos de massa, de pouquíssima possibilidade de rearticulação e
endurecimento da repressão, a via armada foi a forma mais visível
de ação política contra o status quo. Se inicialmente os revolucio-
nários tiveram alguns sucessos, o aprimoramento da repressão
com a centralização das informações e operações logo tornaram a
“guerra revolucionária” almejada pelas “novas esquerdas” uma luta
reativa e desesperada pela sobrevivência. A suposta “guerra contra
a subversão e o comunismo” foi uma caçada impetuosa àqueles
que ousaram contestar a ordem estabelecida. Estes, cada vez mais
enfraquecidos, isolados e fechados em um ciclo vicioso, deixaram de
formular estratégias de guerra para delinearem ações desesperadas
para garantir sua sobrevida e tentar salvar companheiros presos,
como os sequestros de embaixadores e cônsules estrangeiros.
As propostas de luta armada foram esvaziadas à força, até
meados dos anos 1970, quando os diferentes grupos fizeram uma
autocrítica dos meios empregados, alguns desaparecendo completa-
mente e outros sinalizando para a necessidade do trabalho junto às
massas, tal qual tentava fazer o tão criticado PCB, desde os primór-
dios do regime. À medida que o governo dava os primeiros indícios de
abertura, diferentes grupos foram se articulando e logo ganhando uma
amplitude nacional. Novos movimentos e entidades foram criados –
como de Anistia, feministas e de defesa da Amazônia – ou retomados,
todos com suas diretorias sob intensa disputa dos grupos de esquer-
da, amalgamados inicialmente em torno do MDB e a partir de 1980
das diversas siglas partidárias criadas, sobretudo PMDB, PT e PDT.
Mais especificamente sobre a resistência armada, por um lado
há uma parcela de verdade na tese de que se tratou do último recurso
para aqueles que ficaram sem espaço de atuação política institucional
após o AI-5 e que, inclusive, perderam suas atividades profissionais,
foram arrancados de suas bases políticas e sociais e impedidos de
se apresentar como oposição. Por outro, deve-se destacar que a via
armada foi uma decisão consciente de alguns, tomada em uma so-
ciedade capitalista fundamentada na luta de classes, o que poderia
ter sido feito, e de fato o foi, por uma ínfima minoria, enquanto ainda
havia espaços de atuação1. Ademais, as primeiras experiências de
resistência armada ocorreram antes mesmo do AI-5, como a guerrilha

82
Resistência à ditadura Militar no Paraná

do coronel Jefferson Cardim de Alencar Osório e do sargento Albery


Vieira dos Santos, desbaratada em Capitão Leônidas Marques (PR),
em abril de 1965. A Guerrilha do Caparaó (MG), suprimida em abril
de 1967, e as primeiras ações armadas de grupos dissidentes do PCB.
A saída armada ou o projeto de guerra de guerrilha no Brasil
é anterior ao próprio golpe, com antecedentes no levante comunista
protagonizado em 1935, na linha adotada pelo PCB nos anos 1950,
nos projetos revolucionários de grupos trotskistas e de setores vin-
culados às Ligas Camponesas e ao PCdoB. No início dos anos 1960,
a ideia se difundiu ainda mais, sob influência da Revolução Cubana,
mas não deixou de ser a proposta de apenas uma fração muito mi-
noritária dentro da esquerda brasileira. Com a instalação do regime
de exceção, a ação dos grupos armados foi precipitada, assumindo a
forma da resistência mais extremada e libertária contra a ditadura.
Resistência marcada pela crise das esquerdas no período, pela busca
de novos paradigmas revolucionários e pela efervescência social e
cultural no país e no mundo, era essencialmente subversiva, pois
pregando a revolução e não a redemocratização (volta à legalidade
interrompida) não poderia ser enquadrada no sistema, em seus
mecanismos tradicionais de contestação à ordem, como o MDB2.
Face à ascensão desta “nova esquerda”, sobretudo o PCB, então
a principal força das fileiras derrotadas, sofrera sangrias irrepará-
veis. Sua direção não soube lidar com o revés sofrido em 1964, o que
intensificou o processo já em curso de fragmentação da esquerda e
das forças nacionalistas, opostas ao novo regime instalado. Mesmo
antes do golpe – desconsiderando o Partido Socialista Brasileiro
(PSB) e as organizações trotskistas - além do PCB, o Partidão, havia
outras três “organizações matrizes” que originaram agrupamentos
ainda menores: sua dissidência anterior o Partido Comunista do
Brasil (PCdoB), a Ação Popular (AP) e a Política Operária (POLOP)3.
Quanto ao Partidão, diversos militantes se descolaram de
suas fileiras, mais especificamente de suas bases universitárias,
originando ou reforçando os agrupamentos que pegaram em armas
a partir do AI-5 (ou “golpe dentro do golpe”). Em linhas gerais, das
dissidências (DIs) estudantis do Rio de Janeiro e Guanabara surgiu
o MR-8. A DI de Minas integrou a Corrente e a DI paulista se dividiu
entre a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), Vanguarda Arma-
da Revolucionária - Palmares (VAR-Palmares) ou Ação Libertadora

83
Depoimentos para a História

Nacional (ALN), esta liderada por Carlos Marighella. Ainda do PCB,


surgiu o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). A
ALN e o PCBR, que tinham suas principais bases de sustentação
respectivamente em São Paulo e na Guanabara, conseguiram se
organizar nacionalmente, contribuindo significativamente para a
redução drástica das fileiras do PCB, entre 1964 e 19684.
Processo análogo ocorreu no interior da POLOP, da AP e com
muitos militantes que haviam trocado o PCB pelo PCdoB. Estes
acabaram acusando o novo partido de imobilidade e demora na
preparação da resistência armada à ditadura, levando a novas ci-
sões. Até o AI-5 o PCdoB perdeu mais da metade de seus membros,
que constituíram o Partido Comunista Revolucionário (PCR) e a Ala
Vermelha (ALA) - esta se desdobrando posteriormente no Movimento
Revolucionário Tiradentes (MRT), em São Paulo, e no Movimento Re-
volucionário Marxista, em Minas Gerais. Quanto à AP, ela também
foi tocada pelas lutas e transformações dos anos 1960. A adesão ao
maoísmo acarretou na perda de muitas bases e influência. Enquan-
to uma parte dos militantes trocou a AP por grupos engajados na
guerrilha urbana, outra optou por uma linha “foquista” e se juntou
a outros agrupamentos para formar o Partido Revolucionário dos
Trabalhadores (PRT). A POLOP também não resistiu aos efeitos do
golpe. No congresso realizado em 1967 perdeu pelo menos metade
de seus militantes, que pouco tempo depois formaram três organi-
zações autônomas. No Rio Grande do Sul, seus egressos se uniram
à ruptura gaúcha do PCB formando o Partido Operário Comunista
(POC). Em Minas Gerais foram criados os Comandos de Libertação
Nacional (COLINA). Em São Paulo, da fusão da dissidência da POLOP
com o Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR) surgiu a VPR.
As cisões mineira e paulista da POLOP se uniram brevemente em
1969, dando origem à VAR-Palmares, que por sua vez logo sofreria
cisões, com uma parte de seus militantes reconstituindo a VPR5.
Quanto à primeira cisão, prevalecia ainda em meados dos anos
1960 a tese “etapista” difundida pelo PCB, tributária da análise do VI
Congresso da Internacional Comunista, de 1928. A revolução brasileira
seria feita em duas fases. A primeira, “democrático-burguesa” ou de
“libertação nacional”, seria desencadeada por uma frente das forças
progressistas para superar os entraves impostos ao desenvolvimento
nacional pelo imperialismo internacional e pelos resquícios feudais

84
Resistência à ditadura Militar no Paraná

no campo brasileiro. Consumada esta transição agrária, antifeudal,


anti-imperialista e “democrático-burguesa”, a segunda etapa seria
a da revolução propriamente socialista, encabeçada pelos trabalha-
dores. Em contraposição a esta análise, outras organizações (VPR,
VAR-Palmares, POC, PRT e MR-8) afirmavam o caráter imediatamente
socialista do processo revolucionário, haja vista que a primeira etapa
já estava superada e que a burguesia era uma classe no poder, que
compunha com imperialistas (multinacionais) e latifundiários. Susten-
tavam teoricamente esse posicionamento os “teóricos da dependência”
(destacando-se as teses de Gunder Frank) e um escrito de Caio Prado
Jr. de 1966, no qual combatia as teses pecebistas. Malgrado as diferen-
ças pontuais, ambas as correntes de opinião viam no latifúndio e no
imperialismo os principais fatores de estagnação ou crise da economia,
que bloqueavam o capitalismo brasileiro fadado ao fracasso. Esses
entraves garantiam os fatores objetivos para o advento do socialismo,
visto como a única via possível para alimentar as forças produtivas e
retomar e aprofundar o desenvolvimento do país. Cabe observar que,
no seio das organizações poderiam conviver interpretações variadas
quanto ao caráter da revolução brasileira6.
A mesma divisão em duas correntes interpretativas mais gerais
se fez presente quando se tratou da concepção de qual seria a orga-
nização necessária para se fazer a revolução. Ou seja, também não
houve consenso quanto à natureza organizacional que os grupos se
propunham a assumir. Polarizavam-se quanto ao papel atribuído à
vanguarda: uns defendiam uma organização militarizada (a exemplo
da guerrilha cubana) outros um partido marxista-leninista estru-
turado. Mas, independentemente do modelo adotado os diferentes
grupos representavam a si próprios como a vanguarda revolucioná-
ria, já constituída ou em processo de formação a partir da própria
luta (que as tornaria capacitadas para exercer o papel). Estava em
disputa o papel a ser desempenhado pela guerrilha. Via de regra, as
esquerdas armadas, reagindo às longas discussões teóricas do PCB,
PCdoB e POLOP, privilegiavam as “ações revolucionárias”, subme-
tendo a teoria à prática. Para uns não havia a necessidade de um
partido já estruturado para deflagrar a guerrilha e fazer a revolução.
Outros defenderam abertamente a necessidade de um partido de
vanguarda para dirigir a guerra revolucionária como um todo, con-
catenando as ações armadas urbanas e rurais e de massa. Carentes

85
Depoimentos para a História

de uma estrutura com capilaridade social, rigidamente organizada e


hierarquizada, acreditavam serem eles próprios o embrião do parti-
do revolucionário ou defendiam que este surgiria naturalmente no
decorrer do processo. A organização típica dos grupos guerrilheiros,
salvo exceções, era composta da logística, do setor urbano de traba-
lho de massa e de outro voltado à preparação da guerrilha rural. Na
direção estadual ou nacional, que frequentemente eram compostas
das mesmas pessoas, estavam os representantes dessas três seções.
Orbitavam em torno das organizações os grupos de simpatizantes,
que foram se esgotando a partir de 1969.
Por fim, o terceiro nó divisor das esquerdas era a forma da
luta revolucionária. Enquanto o PCB manteve a proposição da via
pacífica para o socialismo, os agrupamentos que discordavam des-
sa orientação ao propor a via armada não entravam em consenso
quanto à maneira pela qual ela ocorreria. Polarizavam-se maoís-
tas e guevaristas (ou “foquistas”). As organizações pautadas pela
guerrilha urbana divergiam sobre o tipo de luta. Os defensores da
guerrilha rural se dividiam ao analisar o campo como já subordina-
do ao capitalismo ou com resquícios feudais, vendo os primeiros as
massas do campo como “trabalhadores rurais” e os segundos como
“camponeses”. Independentemente da nomenclatura, seriam eles a
base da guerrilha rural, devendo ser integrados à organização. Mas,
enquanto uns enfatizam a relevância da participação das massas
urbanas e rurais no processo, outros subestimavam um grupo, ou
outro ou os dois ao mesmo tempo. Dividindo algumas organizações
nessas clivagens, abstendo-se de ações urbanas armadas, o PCdoB
e a AP propunham a “guerra popular prolongada” “com o cerco
das cidades pelo campo”. O MR-8 e Colina eram assumidamente
foquistas, defendendo a implantação do foco guerrilheiro dissociado
das massas como fator desencadeador do processo revolucionário.
Embora sua direção tenha negado essa pecha, as teorizações e
a prática da ALN a aproximaram muito dessa linha. Exceto pelo
PCdoB, que protagonizou a peculiar experiência no Araguaia, os
grupos propositores do “foco” ou guerrilha rural não conseguiram
efetivar essa experiência, sendo destruídos ainda enquanto opera-
vam ações urbanas preparatórias.
Nenhuma organização negava, pelo menos em tese, a par-
ticipação no processo revolucionário dos operários e das massas

86
Resistência à ditadura Militar no Paraná

urbanas, bem como a necessidade de ações armadas nas cidades.


Inicialmente, a guerra urbana prepararia os quadros para a luta no
campo, poderia manter a repressão ocupada nas cidades e distante
do “foco” e o viabilizaria financeiramente, sendo a guerrilha rural
o embrião do exército revolucionário. Depois, já em um momento
marcado pelo isolamento, as ações armadas nas cidades também
serviriam como propaganda da revolução, meio de comunicação
com as massas e forma de sustentar o funcionamento das próprias
organizações. Embora o grande objetivo fosse a guerrilha rural, foram
as atividades urbanas que notabilizaram os grupos guerrilheiros,
exceto pelo Araguaia, e os colocaram mais próximos dos movimentos
organizados, como nas manifestações de massa ocorridas em 1968,
especialmente o movimento estudantil7.
Se por um lado havia inúmeras divergências entre os grupos,
o que certamente contribuiu para seu fracionamento, as esquerdas
armadas dos anos 1960 atuaram no contexto comum de um regi-
me instaurado por meio de um golpe, que se respaldava na força
para operar uma engenharia social em larga escala, reorganizan-
do a sociedade, a política e a economia nacional (“modernização
conservadora”). Essa vivência de um mesmo processo histórico
e conjuntura específica proporcionava a partilha de pelo menos
alguns pressupostos teóricos gerais para além do anticapitalismo
e anti-imperialismo e do dogmatismo nas certezas criadas, como
a validade da luta armada. Grosso modo, os grupos que pegaram
em armas acreditavam que, os pré-requisitos objetivos para a
revolução já estavam dados: a economia brasileira vivia um pro-
cesso irreversível de estagnação sob a ditadura, que assegurava o
jugo do imperialismo e a manutenção do decadente capitalismo.
Diante disso, era possível uma pequena organização vanguardista
suscitar a crise final no sistema8.
Como só faltavam as condições subjetivas para a revolução,
a tarefa central e inevitável era expulsar os elementos retrógrados
por meio da organização da ação da vanguarda revolucionária, que
ao deflagrar a guerrilha e organizar as massas romperia com o imo-
bilismo anterior da esquerda, representado sobretudo pelo PCB. A
ditadura deveria ser derrubada, seu aparelho burocrático-militar des-
truído, os imperialistas expulsos e o regime e a estrutura de classes
da sociedade transformados. Enquanto uns foram ou sustentaram

87
Depoimentos para a História

propostas mais “militaristas”, com maior volume de guerrilha e com


esta ocupando papel fundamental em seu projeto revolucionário (ALN
e VPR), outros foram mais “massistas”, insistindo – pelo menos teori-
camente - em um trabalho mais profundo com as massas paralelo às
ações armadas (MR-8, PCBR, ALA e VAR). Face ao mesmo inimigo e
meta, se por um lado uma unificação maior não foi possível dado as
divergências teóricas e a truculência da repressão, por outro foram
organizadas frentes para ações armadas conjuntas.
A recorrência às armas foi se intensificando a partir da recupe-
ração do capitalismo brasileiro, do refluxo dos movimentos sociais e
do fechamento imposto pelo AI-5, que influenciaram na permanência
dos agrupamentos nas cidades e em uma reconsideração teórica, en-
fatizando o papel da guerrilha urbana outrora visto como secundário
e suplementar. O crescente isolamento e a clandestinidade forçada
obrigaram os militantes a deflagrar ações de “expropriação”. Em pouco
tempo todos os agrupamentos passaram para a defensiva, o projeto
de derrubada do regime por via das armas como um todo malogrou e
logo se transformou em uma luta defensiva encarniçada pela sobre-
vivência e manutenção da operacionalidade dos grupos, com ações
desesperadas e isoladas da sociedade. Essa lógica foi implicando uma
dinâmica circular que ia apertando o cerco: ações para sobrevivência
ou libertação de companheiros presos, novas prisões e execuções, mais
ações armadas, mais repressão. O processo foi ceifando os grupos e
os privando do que restava de suas bases sociais9.
Se o golpe em 1964 já acabou com as expectativas da maioria
dos entusiastas da proximidade da revolução, o decreto do AI-5 a
distanciou ainda mais e a derrota dos projetos guerrilheiros nos
Anos de Chumbo enterrou de vez essas esperanças. As condições
que permitiram uma ebulição política, cultural e social entre o
final dos anos 1950 e o final dos anos 1960 foram esgotadas na
marra, advindo um período de refluxo das lutas. Porém, este não
duraria muito, sendo rompido a partir do final dos anos 1970,
com o ressurgimento das organizações e movimentos de massa.
Vejamos na sequência a linha de cada organização e uma
síntese de sua atuação no Paraná, que podem ser mais bem
compreendidas a partir dos depoimentos disponibilizados na
íntegra na internet.

88
Resistência à ditadura Militar no Paraná

Partido Comunista Brasileiro

Fundado, basicamente, por anarco-sindicalistas em 1922 e


sob influência das leituras e programa da III Internacional Comu-
nista, até o golpe militar de 1964, o PCB predominou no cenário da
esquerda, ainda que na ilegalidade na maior parte do tempo. Com
militantes atuando no país inteiro, exerceu grande influência em
vários setores sociais e nas lutas políticas e sindicais, promovendo
o próprio processo de sindicalização e campanhas de abrangência
nacional, como “O Petróleo é Nosso” e contra a invasão da Coréia
pelos Estados Unidos.
Entre 1945 e 1964, o PCB passou por algumas convulsões in-
ternas, cisões e reorientações ideológicas, que o levaram ora a buscar
uma frente progressista desenvolvimentista e anti-imperialista, ora a
se opor radicalmente ao governo e às forças burguesas, propondo o
voto nulo. Às vésperas do fatídico primeiro de abril de 1964 e mesmo
depois, prevaleceu no Partidão a primeira vertente, traduzida no apoio
ao governo Jango e inspiradora de um programa considerado “pacifis-
ta” e “nacional-reformista”10. Pautava-se o PCB - já então fragilizado
pela saída de militantes que fundaram o PCdoB - pela criação de uma
frente progressista, que consolidasse a revolução democrático-bur-
guesa no Brasil, superando suas reminiscências “feudais” e os laços
desses segmentos retrógrados com o imperialismo, que entravava o
desenvolvimento das forças produtivas. Esta etapa era vista como
imprescindível para a revolução socialista e emancipação final do
proletariado, cabendo ao governo de João Goulart papel central na
consumação dessa fase de transição. Tal linha de pensamento está
presente na resolução política do V Congresso do PCB, de 196011.
O PCB antes do golpe era a principal organização de esquerda
organizada no Paraná. Quanto a esse período, cabe citar algumas
memórias de antigos militantes. Osíris Boscardim Pinto recorda de
seus primeiros contatos com o PCB em Curitiba, da segunda me-
tade dos anos 1940 em diante, na célula Leocádia Prestes, na rua
Comendador Araújo. Funcionários dos correios, em 1947 ele che-
gou a atrasar a entrega de mensagem telegrafada vindo do Rio de
Janeiro, que comunicava a ilegalidade do Partido Comunista, a fim
de alertar seus companheiros previamente garantindo algum tempo
para prepararem algo, acaso houvesse necessidade.

89
Depoimentos para a História

Também na região de Maringá, Francisco Conde, de 1963 até o


golpe, integrou o quadro de diretores do Sindicato dos Trabalhadores
Rurais de Mandaguari. Membro do PCB desde 1960, participou de
uma célula local, desenvolvendo atividades políticas e sindicais. Conde
foi preso já no dia 5 de abril, sendo mantido na delegacia de polícia
de Mandaguari, “juntamente com outros sessenta e quatro presos
políticos de Mandaguari. A sede do sindicato em que o requerente era
diretor foi queimada”12. Outros militantes do PCB em outras cidades
do Estado encontrarão destino semelhante como os casos de Paulino
Vieira em Apucarana e que voltaria a ser preso em 1975 na Bahia.
Entre tantos, destacamos Manuel Jacinto em Londrina, Moacir Reis
Ferraz em Campo Mourão, Espedito Rocha em Curitiba. Este su-
plente de vereador e integrante do Sindicato dos Químicos foi para a
clandestinidade, somente saindo dela em 1979 com a Lei de Anistia,
voltando no final desse ano para reorganizar o PCB no Estado.
Há interessante documentação disponível que revela a atuação
do Partidão durante os primeiros anos da ditadura em Curitiba13.
No informe nº 64-E2/6514, consta que havia um agente da repressão
infiltrado no PCB e que militantes do partido visavam realizar um
atentado contra o comandante do 3º Exército, e já estavam estu-
dando o itinerário que fazia em seu cotidiano. Cabe notar que tal
informação da repressão contrasta com a postura geral assumida
pelo PCB, de recusar ações armadas. Essa discrepância entre a
documentação oficial e a linha pecebista também é verificada no
informe nº 75-E2/66, de abril de 1966, onde aparece que estava
previsto que o PCB iria furtar armas de organizações militares para
preparar guerrilhas. É difícil de acreditar, pois o PCB do Professor
Vieira Neto, de Jorge Kharan, Jacob Schmidt, Berek Kriger, Jodat
Nicolas Khouri, Flávio Ribeiro, Moacir Reis Ferraz e tantos outros,
adotava uma linha de resistência pacífica, o que acabou por afastar a
juventude de dentro do seu seio que exigia uma postura de resistência
mais efetiva e menos burocrática do Partido. Essa juventude rompe
com o PCB no Paraná e vai compor as dissidências notadamente a
DI que se ligará com a DI do Rio de Janeiro e o PCBR de Apolônio
de Carvalho e Mário Alves da Guanabara.
O Golpe intensificou em todo o Brasil esses debates internos
nas fileiras do PCB, com notórios dirigentes defendendo posições con-
trárias a de Prestes dentro da direção, criticando a linha hegemônica

90
Resistência à ditadura Militar no Paraná

de política pacifista e a não organização dos militantes para oferecer


resistência em 1964. As dissidências, principalmente de suas célu-
las universitárias, cortaram o Partido da base aos órgãos máximos
dirigentes, privando-o de pelo menos metade de seus integrantes
remanescentes até 1968. O afastamento dos militantes devido à
repressão ou adesão à resistência armada imediata deixou o PCB
relativamente desestruturado e carente de suas bases de sustentação
em quase todo o país. Os dirigentes que saíram ou foram expulsos
levaram consigo considerável contingente partidário. A oposição à
direção ganhou corpo, principalmente, no Rio de Janeiro, Guana-
bara, São Paulo, Rio Grande do Sul e Nordeste, e à medida que isso
ocorria a comissão executiva nacional buscava manter o controle
por meio de intervenções nos diretórios, dissolvendo certas direções
e criando outras alinhadas com a política delineada, o que acelerou
as rupturas. Essa perda generalizada de influência aliada à proposta
de resistência pacífica por meio do projeto de redemocratização do
MDB, por outro lado, poupou o Partidão da repressão mais pesada,
até pelo menos 1975. Uma notícia publicada pelo jornal “Diário do
Paraná”, no dia 28 de novembro de 1967 informa que um grupo de
oficiais do exército, liderados pelo coronel Ferdinando de Carvalho
e pelo general Clóvis Bandeira Brasil, desarticulou o comitê central
do PCB no Estado. Foi o início do IPM instaurado em dezembro de
1967, envolvendo 27 pessoas, das quais 16 foram absolvidas e onze
foram condenadas de um a quatro anos de reclusão15.
Após essa devassa de um lado e as dissidências do outro, o
PCB vai se reorganizar no final de 1974 até ser duramente atingido
pela repressão, em 1975, com a deflagração da Operação Marum-
bi, delineada justamente para suprimi-lo no Paraná, após a vitória
eleitoral do MDB, no ano anterior. Mais de cem pessoas foram pre-
sas no estado. Até esse golpe, o PCB vinha se preocupando com a
rearticulação, formação teórica de seus quadros, havia auxiliado
nas campanhas emedebistas e realizado uma rifa, a fim de angariar
fundos para os presos políticos do Chile16. As prisões realizadas
entre setembro e outubro de 1975 em diferentes cidades do Estado
(Londrina, Paranaguá, Curitiba, Mandaguari, Ponta Grossa, Maringá,
Arapongas, Apucarana, Rolândia, Guarapuava, Cianorte e Paranavaí)
mostram tanto o grau de amadurecimento do serviço de inteligência
da repressão, quanto a difusão do PCB no Estado17. A repressão foi

91
Depoimentos para a História

tão violenta que desestrutura o partido. Somente em 1978 ele vai


começar a sua reorganização, destacando-se notadamente um grupo
de jovens do curso de arquitetura da UFPR. Para a sua reorganiza-
ção será decisivo a Anistia, que promoverá o retorno a Curitiba de
importantes lideranças, notadamente de Espedito Rocha.
Há vários depoimentos que trazem mais informações sobre
a organização e sua atuação no Paraná, como as gravações com
Narciso Pires, Francisco Luiz de França, Wilson Previdi, Honório
Delgado Rúbio, Osiris Boscardim, Arno Giesen, Vitório Sorothiuk,
Carlos Frederico Marés, Euclides Coelho (Dadá). Os depoimentos de
Marcelo Jugend e Luiz Carlos da Rocha trazem mais informações
sobre o partido no período tardio da ditadura.

Aliança Libertadora Nacional

A fundação da Aliança Libertadora Nacional (ALN) remonta à


divergência e posterior saída do dirigente Carlos Marighella do PCB,
por volta de 1966. Com inserção em vários setores, a principal base
de atuação da ALN foi São Paulo. Se no começo, sob influência de
Marighela, parte da seção paulista do Partidão o acompanhou na for-
mação da ALN, no decorrer do processo armado as bases se tornaram
mais homogêneas, com destaque para estudantes e trabalhadores
intelectualizados (mais da metade dos processados da organização).
Em seu projeto antioligárquico, anticapitalista e de libertação
nacional buscava a ALN congregar as várias forças progressistas. Por-
tanto, não propunha o advento imediato do socialismo, logo não rompia
inteiramente com a tese do PCB da revolução brasileira em duas eta-
pas, embora divergisse quanto ao grupo que lideraria o processo: não
a burguesia nacional, mas os grupos guerrilheiros identificados com
os camponeses e operários. Apesar dessa composição possível, a ALN
era incisiva em suas críticas aos grandes capitalistas e latifundiários
brasileiros vistos como umbilicalmente vinculados aos imperialistas.
Para desencadear o processo revolucionário, Marighella ne-
gava radicalmente a necessidade de teorizações aprofundadas e da
existência prévia de uma estrutura partidária. Aderente do projeto
revolucionário continental da OLAS (Organização Latino-Americana

92
Resistência à ditadura Militar no Paraná

de Solidariedade) e próximo do regime cubano, ele fora um crítico


ferrenho do caráter burocratizante e imobilizador da estrutura do
PCB. Somente pequenos grupos de homens armados tinham a agili-
dade necessária para executar as tarefas da luta armada. O partido
surgiria naturalmente em um segundo momento e como decorrência
da ação das guerrilhas, congregando os diferentes quadros e orga-
nizações e polarizando as atividades revolucionárias. Em primeiro
lugar, estava o princípio da ação revolucionária. A ALN seria uma
espécie de rede ou federação de grupos armados, com autonomia
tática e um comando geral delineador do planejamento estratégico,
mas que também participava das operações. Embora não tenha se
assumido como foquista, a organização também defendia que de-
veria começar a guerrilha, mesmo que descolada das massas, para
principiar o processo revolucionário. Além de sua função logística e
tática, as ações de guerrilha cumpririam um papel de propaganda e
comunicação com as massas. O setor armado ocupava lugar central
na estratégia e organização da ALN (“Democracia revolucionária”).
Na pasta temática do PCdoB da DOPS18 há a cópia de um inqué-
rito referente à ALN indiciando um sapateiro, cujo nome está quase
ilegível (parece ser Artemisio Flôres), natural de Tibagi. Arno André
Giesen comenta que um pessoal inicialmente vinculado ao PCBR em
Londrina havia se ligado a ALN. “A ALN tinha um projeto mais avança-
do de preparação de guerrilhas e estava interessada nos contatos que
nós tínhamos no Paraná”. Esse excerto retirado do livro de Milton Ivan
Heller é procedido da seguinte frase: “Até 1974, tentou-se organizar a
ALN no Paraná, quando a organização foi destruída pela repressão”19.
Narciso Pires detalha melhor esse processo narrado por Giesen.
Enfatiza que, em Apucarana havia um movimento estudantil muito
ativo até 1968, quando foi abruptamente esvaziado pela repressão,
quando alguns jovens optaram pela via armada de enfrentamento com
o regime, destacando-se Antônio Três Reis de Oliveira e José Idésio
Brianesi. Os demais integrantes dessa “geração de ouro” flertaram
com a ALN, porém logo se afastaram por divergirem de sua avaliação
teórica e prática da “revolução brasileira”. O grupo cindiu e uma par-
te engrossou as fileiras da POLOP, a outra parou com a militância.
Brianesi e Três Reis acabaram entrando na organização de Marighela e
posteriormente assassinados em São Paulo pela repressão (o primeiro
em abril de 1970, e o segundo em maio do mesmo ano). Brianezi, nos

93
Depoimentos para a História

documentos da repressão, é classificado como um dos subcoman-


dantes do Grupo Tático Armado da ALN. No IPM aberto para apurar
as atividades do POC consta que José Valdir Feltrin de Apucarana
teria, antes de entrar no mesmo, aproximado-se de membros da ALN
e colaborado com a organização, arrecadando fundos20.

Partido Comunista Brasileiro Revolucionário

Juntamente com a ALN, o PCBR foi o principal racha do PCB


nas bases e na cúpula. Antes de se espalhar pelo país, o grosso de
seus militantes, composto de profissionais diplomados e estudantes
(quase 40%), era do Rio de Janeiro. Seu primeiro Comitê Central (CC)
foi escolhido em um sítio perto de Niterói em abril de 1968 e contou
com entre 15 e 20 dirigentes - dentre eles alguns ex-membros do
CC do PCB -, destacando-se Mário Alves (secretário de organização),
Apolônio de Carvalho (secretário político), Jacob Gorender (secretário
de agitação e propaganda), Miguel Batista dos Santos, Jover Telles
e Bruno Costa de Albuquerque Maranhão.
O PCBR surgiu como tal no primeiro semestre de 1968, tendo
suas raízes no PCB e origem imediata na Corrente Revolucionária
(tentativa de reorganizar as dissidências do Partidão). Em abril, sua
linha política já estava definida estabelecendo como meta central des-
truir o “aparelho burocrático-militar do Estado burguês-latifundiário”
e implantar em seu lugar o “governo popular-revolucionário”. Essa
“revolução popular” deveria “seguir o caminho socialista de desen-
volvimento e converter-se em revolução socialista”. Se para a ALN e
o PCB a principal oposição era entre nação e imperialismo, para o
PCBR a contradição primeira era entre o proletariado e a burguesia.
Em sua praxis, a opção militarista foi predominante, com a
execução de ações armadas que recrudesceram o processo de re-
pressão, isolamento e entropia. Na teoria, optou por uma postura
intermediária entre “massistas” e “foquistas”, buscando conciliar a
preparação para a luta armada com a continuidade dos trabalhos
políticos junto às massas e movimentos sociais. Para integrar as
ações de guerrilha e de massa urbanas e rurais, um documento
de abril de 1968 colocava como dever imediato e fundamental

94
Resistência à ditadura Militar no Paraná

“organizar, iniciar, desenvolver e culminar a luta armada, a partir


da guerra de guerrilhas”21. Esta, dirigida pelo partido, detonaria a
insurreição generalizada dos trabalhadores urbanos e rurais, que
ganharia corpo abrangendo novas e extensas regiões a partir de uma
“luta difícil e prolongada”. O PCBR chegou a organizar treinamento
militar em Sergipe, em 1969, e contou com recursos desviados por
Jorge Medeiros, o “bom burguês”.
Quanto a sua trajetória, ao passo que atraiu militantes de
outras organizações (como da AP do Rio de Janeiro), também houve
movimento no sentido inverso (o grupo de Jover Telles para o PCdoB).
Seu surgimento ocorreu em um momento de fortes mobilizações
estudantis, e quando ainda era possível ter alguma participação
política nos movimentos de massa – o que influenciou sua composi-
ção de membros. Ademais, a participação no movimento estudantil
era parte da política de vincular as lutas de massa e a ação militar.
Vários militantes participaram da organização do partido no Para-
ná, por onde passaram, por volta de 1969, diversas lideranças do
comitê central, como Apolônio, Salatiel, Elinor, Seledino, Henrique
Roberti e Alberto Vinicius de Mello (“Xanha”), na malfadada tenta-
tiva de estruturar a guerrilha rural. Em Curitiba, o PCBR contou,
sobretudo, com a participação do bancário José dos Reis Garcia e
dos estudantes Vitório Sorotiuk, Maria Joaquina Marques Dias, Ro-
meu Bertol, Suely Penha Rodrigues, Mauro Daisson Otero Goulart e
Carlos Frederico Marés. Em Londrina, a organização se estruturou
com Manoel Jacinto, liderança histórica do Norte do estado, que
havia atuado na Guerrilha de Porecatu, e em Maringá com Laercio
Souto Maior, Licínio Lima e Ruth Ribeiro de Lima, Deise Delfune e
vários outros nomes22.
Na sua ficha da DOPS, consta que Arno Andreas Giesen foi
indiciado no IPM do PCBR. Giesen teria deixado o PCB após militar
algum tempo para fundar o PCBR em Rolândia, induzido por Manoel
Jacinto. Foi preso e torturado juntamente com os demais militantes
do estado, no arrastão de 197023. Se as baixas já vinham aconte-
cendo desde 1969, janeiro e fevereiro de 1970 foram os meses fatais
para o PCBR, quando em decorrência das quedas de Salatiel e de
Jurandir, o motorista do comitê central, ocorreram diversas prisões e
assassinatos de militantes e dos principais dirigentes. Caíram vários
membros do CC e as células de São Paulo (poucas pessoas e quase

95
Depoimentos para a História

exclusivamente ligadas à classe média), Rio de Janeiro e Paraná. É


nesse momento que ocorreram as prisões em Londrina e Maringá.
Embora muito enfraquecido, o PCBR teve um terceiro comitê
central, que adotou a política militarista como ponto central em de-
trimento do trabalho de massas e continuou operando ações arma-
das nos anos subsequentes, redirecionando o trabalho político para
o Nordeste. Contudo, novas prisões em 1972, a falta de quadros e
condições, os exílios, a repressão e reconsiderações acerca da linha
política adotada levariam ao abandono das ações armadas - ainda
que uma operação de expropriação de banco tenha sido realizada
de forma isolada nos anos 198024.
Ao longo do projeto foram ouvidos vários depoimentos de mem-
bros do PCBR, de Curitiba, Londrina e Maringá, destacando-se o do
próprio Reis Garcia, Romeu Bertol, Vitório Sorothiuk, Elza Correia,
Carlos Frederico Marés de Souza, José Aparecido Sforni, Ramires
Moacir Pozza, Diva Ribeiro Lima e Tarcísio Trindade.

Os movimentos revolucionários Oito de Outubro

No final dos anos 1960, existiram duas organizações intitula-


das MR-8: a Dissidência do Rio de Janeiro (DI-RJ) e a Dissidência
da Guanabara (DI-GB), ambas dissidências do PCB. A primeira era
assumidamente foquista e a segunda, com uma prática não muito
diferente, defendia uma visão insurrecional, que não prescindia do
trabalho de base. Enquanto o DI-RJ se esgotou com o fracasso de
sua tentativa de instaurar um foco guerrilheiro no Oeste paranaense,
a atuação da DI-GB se divide em dois momentos e em duas formas
completamente distintas de atuação. No início, como dissidência
universitária do PCB, fora adepta da luta armada conjugada com
um trabalho de massas. Na retomada da organização, já no final da
ditadura, uma parcela dos militantes revisou suas teses e passou a
defender abertamente o movimento de massas e a necessidade de
organização de uma frente ampla como meio de derrubada do regime
e instauração do socialismo.
A gênese do Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-
8) – o nome é uma homenagem a Ernesto Che Guevara, assassina-

96
Resistência à ditadura Militar no Paraná

do em 08 de outubro de 1967 na Bolívia - está em duas das várias


bases universitárias ou “dissidências estudantis” (DIs) do PCB que
romperam com ele após o triunfo do golpe civil-militar, em 1964.
As querelas internas já vinham da conciliação do Partidão com o
governo Goulart e foram se intensificando e polarizando os membros
até culminarem nas “dissidências” após o golpe.
Em um primeiro momento, a estratégia fora transformar o
PCB por dentro, como ensaiou uma de suas frações universitárias
(UFRJ) ainda em 1964. Nos dois anos seguintes, esse agrupamento
denominado de dissidência foi se expandindo com a criação de células
em outras universidades do Rio e o estabelecimento de contatos com
jovens de outros estados e organizações (como AP e POLOP). Então,
a direção do PCB buscou enquadrar e submeter a fração a rígido
controle, o que incendiou e radicalizou ainda mais a luta interna.
A gota d’água veio com as eleições parlamentares de 1966, quando
as direções do PCB se comprometeram com candidatos do MDB
em prol da redemocratização e de seus interesses institucionais e a
dissidência, que desprezava essa via e esboçava propostas de con-
fronto armado, propôs o voto nulo. Não houve consenso e a fração
“rachou” com o Partidão, antes mesmo de ser expulsa.
Surgia então, formalmente, a Dissidência Universitária Gua-
nabara (DI-GB), sem ser acompanhada das frações dos demais es-
tados, que aguardavam o VI Congresso do PCB, previsto para 1967,
buscando reverter o processo por meio da luta interna e não ruptura.
Sem consenso interno, a DI-GB se enfraqueceu com a dispersão de
seus membros contrários à criação de uma organização nacional,
que deveria unificar as demais dissidências. Enquanto uns se in-
tegraram na Corrente Revolucionária (que ainda lutava dentro do
PCB) outros foram para o PCdoB ou para o PCBR.
No final de 1967, foi organizada uma conferência e os poucos
remanescentes, que resistiam em aderir a outras organizações,
reiteraram sua postura em defesa da autonomia. Até o fechamento
imposto por meio do AI-5, esse segmento soube se aproveitar da agi-
tação social e do crescimento maciço do movimento estudantil (ME)
para revigorar e reforçar sua organização, aderindo novos membros
e se articulando com a dissidência baiana do PCB. Sua estratégia de
respeitar a autonomia das entidades e incentivar o ME a partir de
suas próprias reivindicações, sem instrumentalizá-las e utilizá-las

97
Depoimentos para a História

como pretexto para implementar objetivos políticos maiores (como


combater a ditadura), mostrou-se bem sucedida e, em 1968, pelo
menos no Rio de Janeiro a DI-GB esteve no epicentro da contestação
à ditadura. Apesar desse avanço, nacionalmente, ela não conseguiu
romper o isolamento e reverter sua pouca expressividade.
As primeiras ações armadas da DI-GB foram executadas diante
do recrudescimento do regime. Essa opção pela luta armada, sem
abandono das referências proletárias e socialistas, foi assumida
oficialmente em uma conferência realizada em abril de 1969. Cinco
meses depois, em setembro, foi realizada sua ação de maior reper-
cussão: o sequestro do embaixador americano, Charles Elbrick, em
parceria com a ALN. Foi este o momento no qual o grupo (DI-GB)
resgatou e assumiu o nome de Movimento Revolucionário Oito de
Outubro (MR-8) como estratégia para desmoralizar o regime.
Conforme Daniel Aarão Reis e Marcelo Ayres Camurça, tempos
antes desse evento histórico, a repressão havia anunciado ter des-
baratado completamente um suposto “MR-8”, referindo-se com essa
sigla à DI-RJ como uma jogada de marketing. Essa organização se
autodenominaria simplesmente Organização ou O. – nome sem apelo
popular para figurar na mídia como “desbaratado”. De repente, por
intermédio da DI-GB, essa organização supostamente “ressurgia” aos
olhos do grande público, sequestrando o maior representante do impe-
rialismo no Brasil25. Contrariando as afirmações de Reis e de Camurça,
o membro da DI-RJ Aluizio Palmar revela em seu depoimento que seu
companheiro de organização João Manoel Fernandes teria assumido
publicamente o nome de MR-8 em meio a uma ação de expropriação
de banco feita no Rio de Janeiro, quando então explicava aos clientes
e funcionários quem era o grupo e porque estavam se apropriando do
dinheiro. Portanto, o nome havia sido criado e aceito anteriormente pelo
próprio grupo ao invés de ser uma mera invenção da ditadura, mesmo
porque eles já publicavam uma revista intitulada Oito de Outubro.
O MR-8 de Palmar foi desarticulado completamente no final de
1969. Tinha uma concepção assumidamente foquista e teve reper-
cussão espacial e política limitada, restringindo-se às dissidências
do PCB do Paraná e de Niterói. Uma parte de seus membros chegou
a treinar táticas de guerrilha por cerca de dez meses no Parque
Nacional do Iguaçu, no Oeste paranaense, tutorados por “Aquino”,
um paraguaio que fez curso em Cuba. Seus militantes compraram

98
Resistência à ditadura Militar no Paraná

duas propriedades rurais na região, um jipe e armas com o dinheiro


de ações de expropriação. A queda e desarticulação do grupo se deu
em decorrência de um acidente de carro (Cascavel) e da prisão de
quatro militantes que haviam partido do Rio de Janeiro com a missão
de resgatar Palmar, detido em Foz do Iguaçu e preso anteriormente.
O movimento assumido como MR-8 em um segundo momento
(DI-GB) foi um pouco mais duradouro e abrangente. O sequestro do
embaixador, que foi o ponto alto da organização, também marcou seu
declínio, dado ter despertado a fúria da repressão, que desarticulou
de forma truculenta e em curto espaço de tempo essa e todas as ou-
tras organizações que pegaram em armas. Após várias prisões, que
debilitaram sobremaneira a organização, em 1971, a adesão de Carlos
Lamarca e de outros militantes da VPR gerou uma breve ilusão de
revitalização. Contudo, essa sensação não durou muito, soçobrando
com a morte do capitão renegado no interior da Bahia. Em 1972, a
situação do MR-8 era crítica, com suas redes de apoio minadas e
muitos militantes dispersos, presos, torturados e assassinados.
Na trajetória do segundo MR-8 esteve presente a concepção de
que seria necessária a integração junto a uma organização maior e
mais representativa, capacitada para o trabalho com as massas e para
liderar o processo revolucionário. Contudo, o próprio Oito se organizou
de forma semelhante aos grupos propositores da ação revolucionária,
independentemente da existência ou não de uma entidade maior pré-
via. Estava dividido em três seções, sendo a liderança de cada uma
delas a direção máxima do grupo: um setor armado, outro de trabalho
de massa e um terceiro para atuar junto às camadas médias. No final
do processo, a despeito dessa teorização, a DI-GB ou MR-8 acabou
também pegando em armas, restringindo-se e isolando-se com as
ações armadas. A maior parte de seus membros era de profissionais
com formação superior e estudantes – estes somaram 49,3% dos
processados com ocupação conhecida.
Em contrapartida, inspirados na experiência e nos escritos de
Guevara e Régis Debray, o MR-8 primeiro, oriundo da DI-RJ, assumia
ser “foquista”. Essa linha de pensamento inspirou o grupo, que bus-
cou implantar o foco guerrilheiro no sudoeste do Paraná, experiência
iniciada com a averiguação das condições locais ainda em 1967 e des-
baratada pela repressão dois anos depois. O depoimento prestado por
Aluizio Palmar revela a organização de uma ampla base de apoio no

99
Depoimentos para a História

leste paranaense decorrente dos contatos prévios do sargento Bernar-


dino Jorge Velho com os camponeses da região, feitos ainda antes da
ditadura quando ele próprio fora recrutado por Gregório Bezerra para
integrar o PCB. Embora não pudessem se envolver com os conflitos
sociais locais, a fim de garantir a segurança da estrutura organizada,
Aluízio Palmar, Nielse Fernandes e Bernardino acabaram intervindo
em algumas querelas, envolvendo camponeses e jagunços.
Sem segurança alguma para continuar atuando no Brasil,
o então núcleo dirigente do MR-8 optou pelo exílio no Chile, onde
já estavam militantes experimentados e redes de apoio. No Chile,
a supracitada redefinição ideológica crítica da luta armada não foi
consensual. O já quantitativamente insignificante MR-8 rachou em
duas alas, ambas propondo a revisão da luta armada. Uma delas se
extinguiu com o golpe no Chile, que dispersou seus poucos membros
em vários países, e a outra realizou ainda antes da derrubada de
Allende uma conferência geral, optando pelo fim da luta armada e
pelo início de um trabalho de massas. O trabalho político foi rearti-
culado com a reativação de contatos e bases pré-existentes no Brasil.
Paralelamente às ações na esfera político-institucional e junto às
lutas democráticas em ascensão nas grandes cidades, movimentos
e organizações sindicais formaram a principal base de atuação do
MR-8. Essa opção política levou ao fortalecimento do Movimento na
segunda metade dos anos 1970. Em 1974, já participou do processo
eleitoral apoiando candidatos progressistas do MDB. Em 1976 elegeu
vereador no Rio de Janeiro e em 1978 um deputado estadual. Ao
lado do que restara da Ação Popular Marxista Leninista (AP-ML) e da
Política Operária (PO), esse MR-8 integrou a “tendência proletária”,
congregada em torno da revista Brasil Socialista (BS).
Em outubro de 1979, portanto depois da Anistia, o “Oito” rea-
lizou seu segundo congresso, definindo com maior precisão os con-
tornos de sua linha política, baseada na constituição de uma “frente
popular” contra a ditadura que seria expressa no MDB, que por sua
vez seria “popularizado” e dirigido por setores progressistas. O papel
do Oito seria fomentar uma revolução nacional, agregando inclusive
os setores progressistas e nacionalistas da burguesia e dos milita-
res, para se contrapor ao imperialismo estadunidense. Essa linha
mais conciliadora gerou um grande racha durante o III Congresso,
levando à saída de expressivos setores e lideranças discordantes.

100
Resistência à ditadura Militar no Paraná

Concretamente, essa nova geração autointitulada MR-8


construiu uma estrutura de agitação e propaganda para denun-
ciar o regime e conscientizar o povo (baseada no estilo leninista
de “denúncia política” e “estigmatização”). O expoente dessa es-
tratégia foi o combativo jornal Hora do Povo, que achincalhava a
ditadura empregando linguagem popular e era vendido por “bri-
gadas” em locais de concentração de pedestres. A repressão que
o regime desencadeou sobre seus veiculadores, prendendo-os em
público ou mesmo por meio da explosão de bancas de jornal, só
aumentou seu prestígio junto à população. Inclusive, em 1980,
um vereador dirigente do MR-8 foi vítima da série de atentados à
bomba desfechada contra a oposição e diretores responsáveis pelo
referido jornal foram enquadrados na Lei de Segurança Nacional.
Esse MR-8 teve um crescimento significativo entre 1978 e 1982,
expandindo a nível nacional sua atuação e incorporando impor-
tantes lideranças e organizações menores. Esse fortalecimento
interno possibilitou ao Oito prestar expressiva contribuição à
reconstrução de entidades de massa, como a UNE, UBES, Con-
clat (Confederação das Classes Trabalhadoras) e a Confederação
Nacional de Associações de Moradores (Conam).
No Paraná, esse novo MR-8 teve suas primeiras raízes a par-
tir do Darp da UFPR em 1978 e disputaria com o PCdoB a hege-
monia do ME a partir de 1978/79. Atuando por dentro do PMDB,
participou ativamente da sua fundação em 1980 (continuidade do
MDB). Com o seu trabalho político se expandindo para a periferia de
Curitiba e interior do Estado, notabilizou-se por um estilo agressivo
de formação de oradores com capacidade de a qualquer momento
ocupar as ruas. Usando seu agressivo jornal ‘Hora do Povo’, fazia
comícios relâmpagos nas ruas da capital, denunciando a ditadura
militar. Dentro do PMDB lançou em 1982 uma respeitável chapa de
candidatos, um deputado federal, dois deputados estaduais (um em
Londrina e outro em Curitiba) e quatro candidatos a vereador em
Curitiba. Elegeu-se vereadora a militante Marlene Zannin em Curi-
tiba. A postura demasiadamente aventureira de um lado e de outro
extremamente conciliadora, como definira seu último Congresso,
acabou por afastar a maioria de seus militantes em 1982 e 1983. O
MR-8 continuou sua atuação por dentro do PMDB até recentemente,
quando fundou o Partido da Pátria Livre (PPL).

101
Depoimentos para a História

Para entender esse processo é importante ouvir os depoimen-


tos de Mauricio Requião de Mello e Silva, Claudio Gamas Fajardo,
Antônio Narciso Pires de Oliveira, Marlene Zannin, Ildeu Manso
Vieira Junior, Julio Manso Vieira, Alzimara Bacelar e Mário Bacelar.

Partido Comunista do Brasil

Apresentando-se como continuidade do Partido Comunista


fundado em 1922, o PCdoB tem sua origem imediata em um grupo
egresso do PCB cujas articulações iniciais remontam a meados dos
anos 1950 e consumação da ruptura ao ano de 1962. Dentro do Par-
tidão, as posições assumidas no XX Congresso do Partido Comunista
da União Soviética (PCUS) geraram enorme polêmica e a formação de
duas correntes: a primeira defendendo a realização de uma profun-
da autocrítica e revisão dos fundamentos e estratégias e a segunda
propondo mudanças limitadas e a manutenção da ortodoxia parti-
dária. As origens imediatas do PCdoB estão nesta segunda vertente,
inicialmente formada por um pequeno grupo que defendia a política
soviética e os anos de Stalin e se recusava a reformar o programa do
PCB, como pré-requisito para sua legalização. Com a hegemonia da
primeira corrente na reunião do Comitê Central de 1957, importantes
lideranças da posição contrária (como Diógenes Arruda, Pedro Pomar,
João Amazonas, Sério Holmos, Maurício Grabois) acabaram sendo
responsabilizadas pelos erros anteriores e marginalizadas.
Antes desse grupo fundar o PCdoB alguns anos mais tarde,
atuou como oposição interna à nova política do PCB buscando al-
terá-la por dentro, como fica explícito na “Declaração de março de
1958” e nas duras críticas desferidas contra as teses da direção nos
debates preparatórios para o V Congresso, realizado em 1960. A
oposição denunciava as diretrizes estabelecidas como leituras ina-
dequadas da realidade brasileira demasiado otimistas e pacifistas.
As divergências recrudesceram com a aprovação dessas polêmicas
teses e culminaram na cisão, em 1961, quando o estatuto do partido
foi alterado para legalizar a legenda junto ao TSE e o grupo opositor
publicou a “Carta dos Cem”, denunciando a remoção das referências
marxista-leninistas e revolucionárias. Os assinantes do manifesto

102
Resistência à ditadura Militar no Paraná

foram então expulsos e, em fevereiro de 1962, organizaram uma


Conferência Nacional Extraordinária, na qual elegeram um novo
Comitê Central, aprovaram alterações estatutárias e declararam
a “reorganização” do Partido (e não fundação de um novo). A sigla
PCdoB foi recuperada, haja vista remontar aos primórdios do par-
tido nos anos 1920 e ter sido abandonada pelo grupo de Prestes. A
despeito das disputas entre PCB e PCdoB, inclusive pela história e
por quem seria o epígono do antigo Partido Comunista, os progra-
mas políticos defendidos se assemelhavam, apresentando poucas
diferenças programáticas e ideológicas.
Foram grandes os percalços enfrentados pelo PCdoB nos pri-
meiros anos de sua existência, como a necessidade de se estruturar
organicamente, contando com poucos militantes e com a concor-
rência de novas organizações de esquerda. Até pelo menos o Golpe
de 1964, essas dificuldades limitaram sua atuação ao proselitismo
político e ao debate ideológico travado a partir de seu jornal A Classe
Operária, cujos eixos eram a crítica ao “revisionismo contemporâneo”
do PCB e a apresentação do PCdoB como o verdadeiro partido funda-
do ainda nos anos 1920. Contudo, a teoria defendida se aproximava
daquela do PCB, dado não divergir das formulações da III Interna-
cional Comunista para os países latino-americanos (revolução em
duas etapas e composição de uma grande frente política, sem apelo
imediato pela luta armada e violência revolucionária).
Só a partir da segunda metade dos anos 1960 ganhariam es-
paço formulações de matiz maoísta, como a guerra popular prolon-
gada, bem como a aproximação com o Partido Comunista Chinês e a
crítica ao revisionismo e aos rumos do PCUS após o XX Congresso.
No documento intitulado “O golpe de 1964 e seus ensinamentos”, o
partido inicia a apologia à luta armada, colocando-a como horizonte
de ação dos “verdadeiros revolucionários” pela primeira vez. Mas,
de fato, uma nova tática só foi proposta a partir de 1966, quando
da realização de sua VI Conferência e da publicação do documento
“União dos brasileiros para livrar o país da crise, da ditadura e da
ameaça neocolonialista”, que enfatizava a necessidade da luta ar-
mada sob a forma de ‘guerra popular prolongada’ conciliada com o
aproveitamento das remanescentes oportunidades de atuação legal
e nos movimentos de massa. Portanto, houve a justaposição inten-
cional de duas táticas divergentes. Essa visão denominada de ‘dua-

103
Depoimentos para a História

lismo tático-estratégico’ só foi derrubada em 1969 pelo documento


“Guerra Popular – caminho da luta armada no Brasil”, que assumiu
os preparativos para consolidar a via referida no título e inspirou
a instalação da guerrilha na região do Araguaia. Como partido, o
PCdoB ganhou sustentação e relevância nos anos 1970, sobretudo
com a adesão de membros da AP e com a experiência no Araguaia26.
Após a descoberta do foco no Araguaia e o início dos com-
bates, a repressão deu início a uma implacável caçada ao partido
no país inteiro, que quase o extinguiu, desarticulando suas bases
e ceifando parte de sua direção mesmo antes da Chacina da Lapa,
em 1976. Foi somente neste ano que a derrota no Araguaia foi ad-
mitida publicamente como um “temporário” retrocesso na guerrilha,
o que desfechou uma desgastante discussão interna interrompida
bruscamente com o assassinato de três dirigentes pelo regime. Esse
golpe inesperado desestabilizou o PCdoB até o início dos anos 1980,
quando o processo foi revertido, sobretudo, pelo acúmulo do processo
de reorganização promovido no exterior por João Amazonas.
Na VII Conferência do partido, realizada em 1979, foi referen-
dada - não sem novas dissidências e um processo de crise interna
- a visão positiva da experiência no Araguaia e a formação de uma
ampla união das forças contrárias à ditadura pela ‘abolição total e
imediata de todos os atos e leis arbitrárias do regime; Anistia geral
e irrestrita e convocação, por um governo provisório democrático,
de uma constituinte livremente eleita’. Quatro anos mais tarde, em
novo congresso partidário, a opção moderada diante da abertura
se refletiu no engajamento no PMDB e no apoio à Nova República,
como meio de consolidar a transição democrática e evitar os riscos
de uma recaída autoritária. Pelo menos até a segunda metade dos
anos 1980, a CUT e o PT foram denunciados como organizações
‘falsamente proletárias’ e socialdemocratas. De 1987 em diante,
um deslocamento à esquerda propiciou a ruptura com o governo de
Sarney e a aproximação do PT - postura que caracteriza o PCdoB
até os dias de hoje. Apesar dos percalços sofridos durante a dita-
dura militar, o PCdoB emergiu na década de 1990 como a principal
organização comunista atuante no país, participando ativamente
dos governos federais de Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.
Ao longo do projeto ‘Depoimentos para a História – A resistência
à ditadura militar no Paraná’ foram ouvidos vários depoimentos de

104
Resistência à ditadura Militar no Paraná

membros do PCdoB, que começaram a atuar no estado sobretudo


a partir do final dos anos 1970. Há várias pastas da DOPS sobre a
atuação partidária no Estado, conformando uma ampla relação de
nomes27. Essa listagem dos militantes e dos municípios em que atu-
avam revela que, no início dos anos 1980, o PCdoB tinha membros
em várias cidades, empresas e entidades do Paraná, destacando-se a
presença maciça em Curitiba, onde tinha atuação muito forte junto
ao movimento estudantil. Inclusive, o “Comitê Londrinense pelos
Direitos do Povo e pela Assembleia Nacional Constituinte Livre e
Soberana” é descrito como “uma entidade de cobertura utilizada pelo
PCdoB, através do Diretório Municipal do PMDB e suas tendências,
Movimento Estudantil e outras entidades ligadas a movimentos de
contestação ao regime político”28.
Se não há registros de luta armada de integrantes do PCdoB no
Paraná, há indícios de que pessoas nascidas no Estado teriam se en-
gajado no partido e participado de operações em outras regiões, como
Nobue Ishii, vulgo “Marta”, natural de Curitiba, Nair Yumiko Kobashi
“Japa”, “Angélica” ou “Cristina Akemi Ueda”, estudante de Uraí29.
Para entender o PC do B é importante ouvir os depoimentos
de Fábio Campana, José Ferreira Lopes (Zequinha), Vitor Moreschi,
Marcelo Oikawa, Elza Correia, Luiz Henrique Bona Turra e outros.

Política Operária

A Política Operária (POLOP), depois Organização Revolucioná-


ria Marxista – (ORM-POLOP), surgiu oficialmente em 1961, tendo
certa força entre a esquerda. Agrupou elementos de diferentes ten-
dências, sobretudo nos meios universitários. Contudo, suas origens
mais remotas estão nos círculos intelectuais radicais que, ao longo
dos anos 1950, criticaram as posições do PCB, PTB e PSB. Em 1959,
surgiu a revista “O Movimento Socialista”, que pretendia dar voz a
essas frações críticas e articulá-las, construindo uma alternativa que
pudesse fomentar a consciência de classe do operariado e propiciar a
tão esperada revolução. A POLOP considerava o Partidão reformista
e pacifista, desde um primeiro momento desacreditando o papel da
burguesia nacional e pregando a revolução socialista a ser operada

105
Depoimentos para a História

pelas massas urbanas e rurais unidas (insurreição proletária). Ou


seja, na teorização da POLOP a revolução brasileira tinha um ca-
ráter imediatamente socialista, sem a etapa democrático-burguesa.
Portanto, o processo revolucionário só poderia ser socialista e fruto
da ação consciente das massas, reunidas em uma frente revolucio-
nária de esquerda30.
Em 1962 e 1963, a ORM-POLOP realizou dois congressos. Nes-
se intermédio, seu boletim quinzenal Política Operária (fundado em
1960) se tornou um jornal, depois revista trimestral (1961) e, por fim,
jornal semanal (1963), com publicações sobre a organização do par-
tido, defesa do socialismo, necessidade de libertar os trabalhadores
das influências reformistas e inviabilidade das reformas de base fora
de um contexto revolucionário. Já nos tempos da ditadura, a POLOP
se atribuía um papel imprescindível no desencadear e na condução
do processo revolucionário, sendo o despertador das massas. Sua
estratégia mesclava guerrilha rural e insurreição urbana. Contudo,
a POLOP não chegou a pegar em armas, embora tenha se envolvido
em projetos guerrilheiros, que foram desbaratados no nascedouro.
Ao passo que enaltecia o exemplo cubano, também formulava críti-
cas às tendências aventureiras que ele gerara. De concreto, manteve
nos primeiros anos do regime de exceção seu trabalho de produção
intelectual, agitação política e propaganda junto aos setores pro-
gressistas para a formação da Frente de Esquerda Revolucionária.
Esses esforços surtiram efeito aparente e, em meados de 1967,
mantendo quase a mesma análise conjuntural, a POLOP esteve à
frente da formação do Partido Operário Comunista (POC), que agre-
gou a dissidência do PCB do Rio Grande do Sul e alguns secunda-
ristas do Rio de Janeiro. Esse processo de fundação do POC não foi
consensual e acarretou em dissidências, como nas bases de Minas
Gerais (formaram os Colina) e São Paulo (migraram para a VPR).
Comparando as adesões e rupturas em torno da formação do POC,
no cômputo final, tratou-se de uma decepção. As críticas sofridas,
que impeliram muitos a deixar o partido, estiveram baseadas em
sua suposta inércia e teoricismo. Nos anos de Chumbo, o POC se viu
paralisado diante das ações das esquerdas armadas, que atraíram
alguns de seus militantes. Se o POC foi inicialmente crítico das ações
urbanas, algumas parcelas se envolveram em operações, que nem
chegaram a sair do papel e ir além das palavras. Essa radicalização

106
Resistência à ditadura Militar no Paraná

gerou um racha: os que optaram por ela fundaram o POC-Combate,


desarticulado pela repressão em 1971. Aqueles que não embarcaram
na ‘aventura pequeno-burguesa’ e se mantiveram fieis à ortodoxia
partidária reconstruíram ainda em 1970 a POLOP, sob o nome de
Organização de Combate Marxista-Leninista/Política-Operária31.
Essa vertente massista (PO) – muito enfraquecida diante de
um contexto de repressão e exílio dos principais quadros - contou
com núcleos inclusive no Paraná, retomou a luta teórica e política e
foi responsável pelo relançamento do jornal mensal Política Operá-
ria. O fracasso generalizado da luta armada acabou favorecendo a
reconstrução da PO, à medida que militantes e organizações repen-
savam suas concepções e práticas acatando os posicionamentos de
se enraizar junto ao operariado, integrando-se a ele, conscientizan-
do-o e definindo uma pauta para apoiar os trabalhos. O horizonte
era o mesmo de anos antes: uma aliança de esquerda com aqueles
predispostos a organizar um operariado revolucionário, distante
da tutela burguesa. Essa diretriz, embora tenha sido criticada por
alguns como a retomada de um passado fracassado, possibilitou
uma breve articulação com outros grupos reestruturados (como o
MR-8 e a APML), denominada de ‘tendência proletária’ e dissolvida
no processo de abertura anunciado pelo governo Geisel, desde 1974.
Membros do MR-8 e da AP, pouco mais tarde acrescidos de uma
cisão da PO, originaram o Movimento de Emancipação do Proletariado
(MEP), defendendo participação incondicional nas lutas pelas liberda-
des democráticas e atuação no jogo político-eleitoral via MDB. Alguns
depoimentos do projeto narram a formação de uma célula da POLOP
em Curitiba, no final dos anos 1960, e outra da PO, em meados da
década de 1970, que promoveu ações no meio estudantil, sobretudo
por meio do DARP. Os estudantes teriam protagonizado movimentos
no restaurante universitário, além de distribuírem panfletos, estuda-
rem e discutirem textos e realizarem outras atividades relacionadas.
Na pasta temática da DOPS sobre esse grupo (que para a repres-
são era POC e não POLOP32), há a cópia de um documento de agosto
de 1972, que traz informações importantes, como uma relação de
presos acusados de pertencer à organização33. Embora o documento
esteja quase ilegível, com as letras borradas e apagadas, é possível
pinçar algumas informações, mesmo que isoladas e ainda sob o risco
de cometer falhas interpretativas. Teria havido em 1968 uma união

107
Depoimentos para a História

entre remanescentes da Política Operária, da Dissidência do PCB e


de outras “organizações esquerdistas independentes”. Estaria o POC,
oriundo dessa fusão, linha política marxista-leninista, sem conotação
violenta, procurando desenvolver a consciência de classe através de
proselitismo e doutrinação e fomentando o envolvimento político da
classe operária. O POC se expandiu para o Paraná, sendo criado um
‘primeiro núcleo’, com a participação de Pedro Ivo Furtado, Jurandir
Rios Garçoni, Celso Mauro Paciornik e Gilberto Bueno Coelho. Ao que
parece, houve contato ou até assistência vinda de São Paulo para o
estabelecimento dessa célula, que foi parcialmente dissolvida em fins
de 1968 em consequência de prisões, como na Chácara do Alemão.
É possível supor da sequência do documento que Pedro Ivo, no
início de 1969, teria estabelecido contatos com Teresa Urban e formado
novo núcleo, envolvendo algumas das pessoas citadas mais acima no
processo. Foram feitas reuniões e um “trabalho pacífico de proselitismo
e doutrinação” para transformar os operários (ou trabalhadores) em
“uma classe política independente, apta à conquista do poder e à con-
sequente transformação da estrutura social”. Diante da cisão do POC
com a saída dos militantes favoráveis à luta armada, a base do Paraná
teria decidido se manter fiéis à linha “massista” (minoritária). Em junho
de 1969 foi realizada uma reunião na praia de Caiobá, resultando,
possivelmente, na incorporação de mais membros à organização, na
decisão de rejeitar a via armada e de adotar “uma diretriz de atuação
para o núcleo regional”, que envolveria trabalhos a serem realizados
no Movimento Estudantil e em outros focos. Não está muito claro, mas
pode ter sido definida nova direção, contando com Pedro Ivo, Reinoldo
da Silva Atem, Gilberto Bueno e Francisco Dias Vermelho. Outras in-
formações apontam ainda que foi vendido o jornal “Política Operária”
e formadas células na “filosofia”, “secundarista”, organizativa (“11.0”) e
“engenharia”, além de “ativos regionais”. Cristina Maria Sliwiany teria
contatado membros da AP, com os quais lançou um jornal de “agitação
estudantil”. Os militantes arrecadavam dinheiro para a entidade e rea-
lizavam reuniões “para fins de debates políticos, organização partidária
e preparação de atividades práticas”. Outro jornal publicado pelo grupo
seria “Ação Camponesa” (que contou com o envolvimento de Claudemir
Onofre Feltrin, José Valdir Feltrin e Geraldo Magela Soares Vermelho).
Alguns membros teriam feito pichação em Apucarana, na madrugada
do dia 27 para 28 de janeiro de 1970.

108
Resistência à ditadura Militar no Paraná

Sobre a atuação dessa primeira célula estão disponíveis os


depoimentos de Claudemir Feltrin e Reinoldo Atem. (Sobre o novo
grupo, de meados dos anos 1970, é possível recorrer às gravações
feitas com Maurício Requião de Mello e Silva, Cláudio Gamas Fajardo
e Ivo Pugnaloni). Cabe observar um fato importante. Pouco antes de
Teresa Urban morrer, em uma conversa com Narciso Pires, ela teria
dito que não se tratava de POC (como registrou a repressão), mas
POLOP. Também Reinoldo Atem se refere ao grupo no qual militou
como POLOP. Na continuação, o projeto levará em consideração a
necessidade de se colher mais depoimentos que possam contribuir
com a história da organização no Estado do Paraná.


As vanguardas revolucionárias:
VPR e VAR-Palmares

As raízes da VPR estão no processo de fragmentação da POLOP


paulista e na resistência de militares nacionalistas exonerados das
forças armadas e agrupados em torno do Movimento Nacionalista
Revolucionário (MNR). Essas vertentes, basicamente militantes do
movimento estudantil e dos movimentos de sargentos e marinheiros
anteriores ao golpe, estreitaram os contatos a partir do final de 1967
e no início de 1968 se fundiram para formar a “Organização”, poste-
riormente batizada de VPR. Além desses grupos, houve a adesão de
estudantes de outros agrupamentos e tendências, de ex-militantes do
PCB e de operários da região metropolitana de São Paulo (Osasco). A
integração e identificação se deu, sobretudo, a partir da necessidade
sentida de deflagrar a luta armada, o que minimizou a influência de
posições teóricas, táticas e estratégicas. A experiência revolucioná-
ria cubana (“foquismo”) foi o referencial central para os militares do
grupo, ainda mais fortalecido com o retorno de membros que foram
realizar treinamento de guerrilha na ilha. Se o modelo foi acatado com
entusiasmo pela ala dos militares da VPR, ex-membros da POLOP e
outros militantes mantiveram ressalvas, sustentando a necessidade de
algum trabalho com as massas para além da “propaganda armada”.
O primeiro congresso da VPR como tal foi realizado em de-
zembro de 1968, período em que a organização conseguiu a adesão

109
Depoimentos para a História

de operários envolvidos nos movimentos de Osasco, mas ao mes-


mo tempo se envolveu em diversas ações armadas e sofreu baixas
consideráveis em decorrência do recrudescimento da repressão. A
partir do fechamento do regime, o único trabalho de massas visto
como possível e pertinente passou a ser a “propaganda armada”. Em
setembro de 1969 foi realizado novo congresso, no qual ficou deci-
dida a fusão com os Colina e a formação da VAR-Palmares. Alguns
militantes rejeitaram a decisão geral e optaram por manter a VPR.
É a partir do final de 1969, com os congressos de setembro e
novembro, que há um esforço maior de teorização da VPR, passando
por formulações organizacionais, políticas e estratégicas. A base das
discussões foram os documentos produzidos por “Jamil Rodrigues”
(Ladislau Dowbor), acatados no grosso, porém retificados e ampliados
em alguns pontos. A opção foi por um programa pautado por eixos
temáticos, justiça social, democratização e pela articulação mais
ampla com outros setores. A estrutura organizacional foi baseada
em uma vanguarda operacional e militarizada e em pequenos grupos
de ação com autonomia para empreender ações armadas em suas
áreas de atuação. Ou seja, os combatentes estavam submetidos a
uma hierarquização de comandos e se organizavam em unidades de
combate com autonomia tática. Cada unidade deveria ter um grupo
de fogo, o serviço de inteligência e informação e o setor de imprensa.
A luta era vista como simultaneamente de libertação nacional
e socialista, contra a burguesia nacional (inimigo imediato) e o que
ela representava em nível local: o imperialismo (inimigo central). A
ditadura seria a forma assumida pela burguesia para manter o país
submetido aos desígnios do grande capital. Nessa ótica, toda luta
anti-imperialista seria, necessariamente, socialista. A aliança de
classes, portanto, era um equívoco. Essa leitura da organização era
visceralmente tributária da teoria da dependência, segundo a qual não
haveria possibilidade de desenvolvimento real da periferia mundial
dentro dos marcos do capitalismo. Essa condição do regime de “fun-
cionário que vive para o estrangeiro” seria sua principal fraqueza e o
mote a ser utilizado na propaganda revolucionária. O projeto deveria
enfatizar como agentes da revolução juntamente ao proletariado que
a dirigiria as cada vez maiores camadas sociais marginalizadas do
processo produtivo e econômico pela “automatização” e pelo “impe-
rialismo moderno”. O processo revolucionário fora dividido em fases

110
Resistência à ditadura Militar no Paraná

e os pilares iniciais seriam a propaganda armada, a guerrilha tática


regular e irregular e a coluna guerrilheira estratégica. As ações iniciais
deveriam possibilitar a conscientização e o engajamento das massas
na luta revolucionária, transformando as organizações armadas em
vanguardas políticas e formando o exército popular34.
Quanto à VAR-Palmares, ela também manteve a interpretação
da revolução brasileira como imediatamente socialista. Seu objetivo
era a destruição do poder burguês, “que explora e oprime as massas
trabalhadoras”, e a conquista do poder político pelo proletariado.
Nesse processo, o campo tinha primazia em relação à cidade, pois era
o “elo mais fraco do sistema”. Portanto, a revolução deveria se iniciar
pela guerrilha rural. A VAR-Palmares também sofreu cisões, como o
grupo que reconstituiu a VPR e outro que organizou a Dissidência
da Var-Palmares. Conforme Marcelo Ridenti, a maior parte de seus
militantes seria oriunda das “camadas médias intelectualizadas”35.
No Paraná, a VPR teve participação muito esporádica. Quan-
do parte de seus membros estava exilada no Chile, Aluizio Palmar,
operando na “clandestinidade” dentro da organização, estabeleceu-
se em um sítio na Argentina, próximo do Brasil. De lá, ele e José
Carlos Mendes fizeram algumas operações para sondar a viabilidade
de estabelecer um foco guerrilheiro no Oeste paranaense e retomar
a rede de contatos feita por Palmar antes de sua libertação da pri-
são e ida para o exílio, ainda como membro do MR-8 (DI-RJ). Em
seu depoimento e com ainda mais detalhes no livro que publicou,
Palmar conta como, em 1974, Onofre Pinto e mais alguns membros
remanescentes da VPR (Vítor Carlos Ramos, José Lavéchia, Daniel
Carvalho, Joel José de Carvalho e um jovem argentino Enrique
Ernesto Ruggia) – esperançosos com um novo começo da luta re-
volucionária – foram trazidos para o Paraná pelo sargento Albery
(ex-membro do grupo do coronel Cardim) e emboscados e mortos na
região de Medianeira. Em meados dos anos 1970, o operário David
Gongora Jr – que havia participado ativamente da greve de Osasco
e da VPR - se estabeleceu em Londrina, mas sem organizar um
grupo ou fazer adesões à VPR. Portanto, a organização não chegou
a realizar um trabalho propriamente dito no Estado.
Já a VAR-Palmares foi mais além que a VPR, dando os pri-
meiros passos para a instalação de um foco guerrilheiro no Oeste
paranaense. A organização chegou a adquirir propriedade rural

111
Depoimentos para a História

em Nova Aurora para iniciar o processo de treinamento e enraiza-


mento. Porém, logo seus militantes e o sítio foram descobertos e
desmantelados. Os membros presos foram submetidos à intensa
tortura no Batalhão de Fronteiras do Exército, em Foz do Iguaçu, e
posteriormente condenados. A documentação da repressão referente
à VAR-Palmares, pasta temática disponível no Arquivo Público do
Paraná, vincula o grupo estabelecido no Oeste paranaense à área
de atuação do Comando Regional nº1 (CR-1), sediado em Porto Ale-
gre. O comando de Nova Aurora teria iniciado sua organização em
dezembro de 1969 e estaria estruturado em quatro setores: Inteli-
gência, Instrução Militar, Organização Camponesa e Armamento e
Manutenção. Haveria dois militantes e “doze elementos setorizados”,
sendo os responsáveis pela área Luiz André Favero (Cardoso) e sua
esposa Isabel Favero (Teresa). Haveria alguns armamentos e muni-
ções “possivelmente já estocados na área” e o planejamento previa
instalar uma oficina com fachada legal para recuperar, manter e
“possivelmente” fabricar armas e artefatos explosivos. Até meados
de 1970, essa célula foi completamente desmantelada36.
Para mais relatos dessas experiências, tanto da VPR quanto
da VAR-Palmares, ver os depoimentos de Gilberto Silveira, Aluízio
Palmar, David Gongora Jr, José Carlos Mendes e Júlio Covello,
paranaense que atuou na organização, porém no Rio de Janeiro.

Ação Popular

Egressa do seio da igreja, até sua reorientação e incorporação


oficial do marxismo, a Ação Popular (AP) ficou marcada pelas tendên-
cias progressistas do catolicismo que ganharam força e espaço insti-
tucional a partir do final dos anos 1950. Os leigos desempenharam
relevante papel nesse processo, sobretudo por meio da Ação Católica
Brasileira, que os organizava e da qual surgiu a JUC (Juventude
Universitária Católica), que foi a matriz da AP em 1950. Ao longo
da década de 1950 a JUC foi, gradativamente, perdendo seu perfil
conservador e clerical de origem para ensaiar as primeiras críticas
à universidade e ao seu elitismo e se engajar nas lutas pela reforma
universitária e por mudanças estruturais mais gerais na sociedade.

112
Resistência à ditadura Militar no Paraná

Já no final dos anos 1950, a JUC estava plenamente envolvida


nos debates nacionais e nas movimentações estudantis, assumindo
uma face nitidamente política, ainda que orientada pelo compromisso
religioso. Na reunião de seu conselho nacional em 1960, impactada
pela recente Revolução Cubana e pela intensificação das movi-
mentações sociais no Brasil, acentuou-se a tendência já existente
de guinada a uma posição mais à esquerda. O documento então
aprovado, assimilando conceitos e termos marxistas, fez críticas
veementes ao capitalismo, condenando-o pelo subdesenvolvimento
brasileiro e como adverso ao ideal e à consciência cristã. Portanto,
estava proposta sua superação. Mas, ao mesmo tempo, os grupos
leninistas e o “socialismo real” não passaram incólumes às críticas.
Estava em pauta um socialismo humanista cristão, firmado a partir
de ideário e caminhos próprios. Em suma, antes da adesão comple-
ta ao marxismo no início dos anos 1970, nessa primeira fase a AP
buscava uma síntese daquele com o humanismo cristão.
Cada vez mais autônomas, as posições da JUC passaram a
conflitar com a hierarquia da Igreja Católica, à medida que seus
membros compunham com jovens comunistas, referiam-se posi-
tivamente ao socialismo e à revolução e recrudescia o teor antica-
pitalista em suas formulações e intervenções. As relações foram se
deteriorando até a emissão de um documento oficial da Igreja, que
além de admoestar aqueles que consideravam o socialismo a solu-
ção para todos os problemas, vetou a participação de membros da
JUC em eleições e entidades estudantis. Constrangidos e com sua
atuação política institucional inviabilizada, esses jovens que foram
hegemonizando a JUC e por meio dela se engajaram no movimento
estudantil reconstituíram, ao longo de 1962, seu movimento político
cristão, porém de forma independente da Igreja. Batizaram-no, pri-
meiramente, Grupo de Ação Popular (GAP), ficando conhecido como
“Grupão”, e logo mudaram o nome e a sigla para Ação Popular (AP).
Sem mais amarras, seu ‘Estatuto Ideológico’ de 1962 já afirmava
o compromisso com o socialismo humanista e a revolução brasileira,
reafirmado no Documento Base aprovado no ano seguinte. Com o golpe
de 1964, o marxismo foi ganhando a passos largos o primeiro plano nas
formulações teóricas da AP. A entidade, ao longo desses anos, acabaria
por congregar diversos agrupamentos não católicos, que contribuíram
em seu processo de consolidação em nível nacional. Em seu roteiro

113
Depoimentos para a História

para o socialismo mantinha distância do etapismo preconizado pelo


PCB bem como da necessidade de instauração da ditadura do prole-
tariado. A aliança com a burguesia nacional era relegada em prol da
criação de uma frente classista composta das forças de esquerda. As
massas eram fundamentais no processo, devendo tomar consciência
de sua condição, despertar e se engajar na deflagração do processo
revolucionário, do qual emanaria a “nova sociedade”. À AP cabia o
papel de vanguarda na preparação revolucionária. Para isso buscava
equilibrar suas bases predominantemente estudantis, buscando a
organização e educação política dos trabalhadores.
No período marxista, a AP se inspirou na linha maoísta e adotou
a concepção de “guerra popular prolongada” contrária à instauração
imediata do foco revolucionário, que seria o “estopim natural” da
revolução. Privilegiou a preparação dos quadros junto às massas e
a ação contínua e cumulativa, repudiando as ações armadas nas
cidades pelo menos naquele momento histórico incipiente da revo-
lução. Contudo, partidária do início da guerrilha pelo campo, em
1972, a maior parte da organização se integrou ao PCdoB, que já
havia tentado iniciar a revolução na região do Araguaia.
Oriunda dessa organização de jovens católicos (JUC), foi quase
natural que a principal base de sustentação da AP fosse o Movimento
Estudantil (ME), o que a possibilitou compor a diretoria de diversas
entidades e se tornar hegemônica na própria UNE ao longo de toda a
década de 1960. Dessa forma, a entidade compartilhava da tendência
nas esquerdas do período, de serem compostas em sua maior parte
por estudantes (cerca de 30,1%)37.
No Paraná, inicialmente, a AP tinha uma estrutura muito frá-
gil com pouco mais de uma dezena de militantes concentrados em
Curitiba e no ME. O golpe contribuiu para manter a organização re-
lativamente desarticulada, até pelo menos 1967. Seu fortalecimento
daí em diante esteve vinculado ao engajamento de seus membros em
diferentes mobilizações, ao crescimento do próprio ME e à tomada e
reorientação política da UPE. Também contribuiu para esse processo
de crescimento da AP no Paraná sua adesão nacional à campanha
pelo voto nulo, o que atraiu alguns estudantes e precipitou a aproxi-
mação e posterior filiação de um grupo heterogêneo e independente de
esquerda, constituído antes mesmo de 1964 e identificado pela defesa
do marxismo e rejeição à ditadura, ao PCB, MDB e ao “foquismo”.

114
Resistência à ditadura Militar no Paraná

A AP atraiu esse grupo, dentre outros fatores, por não se vin-


cular à ortodoxia do PCB e PCdoB, ter tradição de luta de massas
e oferecer condições de discutir suas teses. Portanto, sua origem
está nos poucos militantes da fase cristã anterior a 1964, acrescido
em seguida desse grupo independente e marxista já sob a ditadura.
Embora houvesse essa pluralidade em sua gênese, quando a enti-
dade passou a discutir nacionalmente seus rumos a partir de 1967,
a totalidade dos militantes aderiu à corrente inspirada no marxismo
maoísta, adepto da guerra popular prolongada e da “proletarização”
dos quadros, recusando o que rotulavam de “vanguardismo” e “fo-
quismo” da visão concorrente38.
Conforme os dados da repressão, no Paraná (e também em
Santa Catarina), a AP se organizou efetivamente a partir de 1967 com
a constituição do Comando Regional 2 (CR-2), embora tivesse alguns
militantes atuando junto ao movimento estudantil (ME) desde 196339.
Com exceção de Edésio Passos e Walmor Marcelino, anteriormente
vinculados ao PSB, a AP foi a primeira atuação partidária de vários
jovens militantes, oriundos do ME paranaense.
A incumbência da nova direção do CR-2, composta por Edésio
Franco Passos, Walmor Marcelino e Paulo Gustavo de Barros Carva-
lho, era promover estudos a fim de executar trabalhos em frentes de
luta sindicais e estudantis. As áreas de atuação privilegiadas eram a
região carbonífera de Criciúma, Curitiba e o Norte do Paraná. Porém,
até 1968 o ME curitibano absorveu os membros da AP regional em
seus protestos, passeatas, panfletagens, comícios e reuniões. Não
que a AP considerasse o ME a vanguarda da revolução. Ocorre que
a maioria da militância era oriunda dessa frente. Até diante dessa
situação de predomínio no ME, sob influência da Revolução Cultural
Chinesa, difundiu-se a tendência de “proletarizar” ou “integrar” seus
quadros junto aos trabalhadores urbanos e rurais, especialmente
aqueles de camadas “pequeno-burguesas”. Em um primeiro momento
seria feita a “aproximação indireta”, colocando as profissões a serviço
do movimento operário, e em um segundo a integração direta e total40.
A “proletarização” ganhou mesmo ímpeto a partir de 1969, com
as tentativas de integração junto aos trabalhadores rurais no Norte
do estado e o deslocamento de Edésio para Minas Gerais e Zélia para
o Rio de Janeiro. Agora, já não se tratava de “aproximar indiretamen-
te” a militância dos trabalhadores, mas efetivamente “proletarizar”

115
Depoimentos para a História

os quadros, implantar a AP em regiões consideradas estratégicas e


também como meio para despistar a repressão, resguardando os
membros dos efeitos do AI-5. Walmor Marcelino, em interpretação
bem posterior aos fatos que ele também protagonizou, destaca que
a “integração”, além das questões securitárias e estratégicas, visava
burilar os militantes, transformá-los “objetiva e subjetivamente”,
“expatriando - além de pessoas - atitudes, hábitos e costumes no
geral de pequena burguesia ou classe média”41.
Praticamente, até meados de 1969, todos os militantes do
CR-2 já haviam sido realocados. Dessa forma, houve uma renova-
ção dos quadros no Paraná e reconstituição da organização, com o
deslocamento dos antigos, adesão de novos militantes e a chegadas
de outros oriundos dos demais estados42. Se nas regiões Sudoeste
e Nordeste do Paraná os trabalhos planejados não prosperaram,
foram estabelecidos dois comandos seccionais para organizar a AP:
Canudos (abrangendo Curitiba e região) e Roseira (Maringá, Lon-
drina e Goioerê, respectivamente, “Ouro”, “Prata” e “Melado”). Em
“Canudos”, onde predominava a atuação junto ao ME, “com grande
distanciamento das massas”, as atividades foram muito limitadas,
restringindo-se à denúncia da ditadura, da tortura e do imperia-
lismo e à propaganda, com a distribuição do jornal Libertação. Se
em Curitiba foi instaurado um inquérito coletivo43, os militantes
da seccional Roseira, inicialmente selecionados para se integrar na
produção rural (Goioerê) e depois nas zonas urbanas de Maringá e
Londrina, foram processados individualmente e em outros estados.
Com o avanço generalizado da repressão por todo o país, pra-
ticamente todos seus militantes no Paraná já estavam foragidos,
presos ou respondendo a processos e a organização se encontrava
completamente desarticulada. Assim, a incorporação de parte sig-
nificativa da APML no PCdoB pouco influiu no Paraná, haja vista a
ausência no estado de ambos neste momento, exceto pela atuação
modesta do segundo na região de Londrina.
Para quem se interessar, foram gravados e estão disponíveis no
canal do DHPAZ no Youtube os depoimentos de diversos membros da
AP, como Edésio Passos, Zélia Passos, Claudio Ribeiro, Carmem Ribei-
ro, Luiz Alberto Manfredini, os irmãos Faria (Hamilton, Sérgio, Paulo,
Daniel e Vitória), Paulo de Sá Brito, José Ferreira Lopes, Clair da Flora
Martins e Paulo Gustavo de Barros Carvalho, Hasiel Pereira e outros.

116
Resistência à ditadura Militar no Paraná

Nacionalismo de esquerda e socialistas

Os setores nacionalistas à esquerda do PTB, assim como o


PCB, também reivindicavam a libertação do povo do atraso feudal no
campo e do imperialismo para a construção de uma nação brasileira
forte, desenvolvida e autônoma. O Governador do Rio Grande do Sul
e Deputado Federal Leonel Brizola era o expoente desse grupo político
e corrente de pensamento, cuja principal base de sustentação estava
nos centros urbanos e nas patentes mais baixas das Forças Arma-
das. Por intermédio de transmissões radiofônicas foram organizados
“Grupos dos Onze” por todo o Brasil, a fim de divulgar e defender
as propostas de reformas de base (agrária, urbana, universitária,
entre outras). O PTB, que ganhara cada vez mais inserção junto à
população nos anos imediatamente anteriores ao golpe, concentrava
boa parte dessa militância44.
No contexto do golpe, Brizola convocou por meio de transmis-
sões radiofônicas a população a se organizar em grupos de onze
pessoas, a fim de pressionar pelas reformas de base e resistir em
prol da legalidade. Foi aberto um IPM para averiguar atividades
relacionadas no Sudoeste do Paraná. Seguem algumas das con-
clusões: em Francisco Beltrão, Petrônio Rondes de Morais teria
tentado articular um grupo, mas conforme o IPM referido “não era
propriamente um líder atuante. Os demais envolvidos, também
responsáveis pela formação dos ditos ‘grupos’ são colonos, gente
ignorante e politicamente pacífica”. Em Santo Antônio teria havido,
conforme o IPM, “uma formação de ‘grupos’ um tanto extensa, sem
que houvesse, porém, a penetração de outras ideias subversivas”.
O texto é mais incisivo sobre Capanema, onde pesaria a acusação
contra o réu confesso Antonio Rosim, sendo “os demais participantes
colonos bem explorados pela propaganda comunista” – essa pecha
de colonos ignorantes foi inclusive utilizada pela defesa no processo,
quando alegou que os réus eram “campônios que desconhecem o
significado da palavra subversão”. Enquanto na cidade de Barracão
não teria havido formação de grupos dos onze, em Dionizio Cerqueira
seriam responsáveis Alcides Tronco, Guido Schereiner Pereira e, pos-
sivelmente, Aniceto Frigolin, Inácio Orsi e José Farias. De lá foram
remetidas atas a rádio Mayrink Veiga. A assinatura do inquérito é
do dia 13 de novembro de 196445.

117
Depoimentos para a História

Em Curitiba, os então sargentos do Exército Valmor Weiss e


Wilson Teixeira foram algumas das lideranças do movimento local
de suboficiais, simpatizantes do governo Jango. A categoria já vinha
se organizando há algum tempo para reivindicar direitos, como o
cumprimento da elegibilidade pela Justiça Eleitoral e o direito a
ficar em quartos individuais nos hospitais e não na enfermaria, e
denunciar maus-tratos. Weiss recorda de um curso que foi fazer no
Rio de Janeiro, no começo de 1963, quando sargentos de todo país
travaram discussões acaloradas, demonstrando suas insatisfações
e demandas. “Entre nós sargentos discutíamos muita política em
nível de Brasil [...] havia um sentimento nacionalista”46. Ao retor-
narem desse curso, Weiss e outros sargentos, como Wilson Teixeira
e Lúcio Micos (ou Mikos), criaram o Comando Geral dos Sargentos,
com o apoio de oficiais solidários às reivindicações. Os mais exal-
tados propunham até uma rebelião, seguindo os passos da tomada
do encouraçado Potenkim e da revolta da Chibata.
Posteriormente aos “Grupos dos Onze”, do meio nacionalista
de esquerda e dos militares de baixa patente cassados em 1964 sur-
giu o Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), que em 1967
se envolveu na frustrada empreitada conhecida como Guerrilha de
Caparaó. Outros pequenos agrupamentos oriundos desses mesmos
estratos sociais, que viriam em um segundo momento a integrar
as organizações marxistas armadas, foram o Movimento da Ação
Revolucionária (MAR), a Resistência Armada Nacionalista (RAN), a
Frente de Libertação Nacional (FLN), o Movimento Revolucionário
Vinte e Um de Abril (MR-21) e o Movimento Revolucionário Vinte
e Seis de Março (MR-26). Diferentemente das demais organizações
armadas, esses grupos nacionalistas tinham uma participação ínfima
de estudantes e uma média de idade superior.
No final de março, alguns militares comandados pelos Coro-
nel Jefferson Cardim e pelo Sargento Alberi se sublevaram contra
a ditadura e iniciaram uma marcha que objetivava chegar a Foz do
Iguaçu, no mesmo dia em que o presidente-ditador iria inaugurar a
Ponte da Amizade. Vindos do Rio Grande do Sul, eles foram presos em
Aparecida do Oeste, no final de março de 1968 e levados ao Primeiro
Batalhão de Foz do Iguaçu, sendo interrogados sob pesada tortura.
Embora sem muita representação nacional, cabe destacar a
atuação legal durante o populismo do PSB, defensor de um “socialismo

118
Resistência à ditadura Militar no Paraná

democrático”. No Paraná, teve existência frágil antes de 1964 e não


sobreviveu à ditadura, esvaziando-se. Em Curitiba, o PSB contou
com a participação de importantes nomes do jornalismo estadual,
como Luiz Geraldo Mazza e Milton Ivan Heller e foi responsável
pela organização de alguns atos. Além dos jornalistas, participa-
vam militantes que teriam notável representação política nos anos
subsequentes, como o advogado trabalhista Edésio Passos e Wal-
mor Marcelino, egressos de suas fileiras e integrados à AP47. Riad
Salamuni seria outro membro, tornando-se mais tarde o primeiro
Reitor eleito da UFPR.
Não foram realizados muitos depoimentos com pessoas vincu-
ladas a esses grupos que tiveram atuação no Paraná da ditadura.
Destacam-se as gravações com Walmor Weiss e com os dois membros
do PSB mencionados. Dessa forma, recorremos aos documentos da
Comissão de Anistia e da repressão, reunidos no Arquivo Público
do Paraná, para suprir essa carência de informações, dando um
panorama do que teria sido a participação desses grupos. Há ainda
o depoimento de Danilo Schwab Mattozo, que atuou na FLN junta-
mente com o Major Joaquim Pires Cerveira, executando pelo menos
uma tarefa armada – a libertação do Coronel Jeferson Cardim Osório
do Quartel do Exército no Boqueirão.

Oposição democrática: MDB

O Movimento Democrático Brasileiro (MDB) é fruto da reforma


imposta pela ditadura por meio do Ato Institucional Número 2 (AI-2)
em 27 de outubro de 1965, após derrotas eleitorais em alguns estados
para a coligação PSD-PTB. Nos moldes do sistema estadunidense,
foi criado um modelo bipartidário com uma base de sustentação do
governo forte, a Arena, contraposta a uma oposição fraca e dócil,
MDB, que legitimasse o regime e aglutinasse os descontentes. A
proposta era homogeneizar o cenário político, reduzindo-o apenas
a “governo” e “oposição”, e conjugar em frentes únicas, passíveis
de maior controle, os interesses conservadores de um lado e os re-
formistas e oposicionistas de outro, desde que não fossem além de
determinadas linhas vermelhas. Amainando as tensões decorrentes

119
Depoimentos para a História

da junção de grupos rivais em uma mesma sigla foram criadas até


três sublegendas por partido. Essas manobras acabaram por sepul-
tar a aliança PSD/PTB e reduzir significativamente sua influência.
Com muita dificuldade, o MDB inicialmente reuniu tanto o que
restou de parlamentares dispostos a pertencer a uma organização de
oposição ao regime quanto oportunistas, apoiadores ou indiferentes à
ditadura que se filiaram à legenda por motivos particulares. Um dos
problemas enfrentados fora as cassações de políticos ao longo de todo
o período, o que ceifou o MDB dos principais quadros de oposição
e constituiu uma espécie de limite para a crítica e adversidade ao
regime. Destaca-se na ala “sincera” emedebista, além de democratas
radicais e a participação de alguns quadros identificados com um
pensamento de esquerda, provenientes do cristianismo progressista,
do PCB e dos extintos PTB e PSB, que conseguiram se eleger em
alguns pleitos, destacando-se os de 1974 e 1978.
A origem oficial do MDB contribuiu para que fosse visto prin-
cipalmente por pessoas da esquerda e de oposição como partido
artificial, cooptado e desenraizado da sociedade. Salvo exceções,
até sua consolidação em meados dos anos 1970 conservou relativo
distanciamento dos sindicatos, intelectuais, estudantes e organi-
zações políticas clandestinas que não o PCB, que desacreditavam
de sua função oposicionista e até denunciavam o papel que exercia
como legitimador do sistema. Ademais, de forma geral, acreditavam
as esquerdas e até parlamentares emedebistas que o regime e suas
criações, dentre elas o MDB, teriam vida breve por não conseguirem
solucionar problemas estruturais, portanto a dedicação à legenda
seria infrutífera e desnecessária.
Não obstante as dificuldades enfrentadas no período inicial
pelo MDB, como a falta de bases e recursos e a rejeição de amplos
setores da esquerda, até o AI-5 ele contou com um grupo aguerrido
de parlamentares de oposição à ditadura, alcunhados de “imaturos”
pelos setores moderados. Além das ácidas denúncias na tribuna,
essa minoria emedebista participou ativamente da efervescência
social que caracterizou os anos de 1967 e 1968, tentando aproximar
o partido dos estudantes e trabalhadores por meio da Comissão de
Mobilização Popular, constituída à revelia da direção partidária. A
atuação incisiva dessa “parcela radicalizada” atraiu sobre si e sobre
os mais chegados a ira da repressão, que se valeu de cassações (60

120
Resistência à ditadura Militar no Paraná

dos 139 deputados federais que compunham sua bancada) e do


decorrente ostracismo político. Quando o Congresso foi reaberto em
1969, não restara nem a sombra dessa oposição do MDB.
Se desde um primeiro momento o MDB contou com a adesão
de membros originários das esquerdas (PCB), houve uma parti-
cipação ainda maior a partir de 1974, destacando-se o pleito de
1978 quando foram eleitos ainda mais parlamentares de ferrenha
oposição à ditadura, em contraposição à linha moderada do MDB,
e passou a circular a expressão “tendência popular” ou “tendência
socialista” para designar a bancada emedebista identificada com
as teses das esquerdas.
Cabe destacar que, dado sua estratégia de construir uma frente
democrática contra a ditadura o PCB foi o único grupo organizado
que se vinculou como um todo ao MDB e ajudou a construí-lo desde
o princípio48. De meados dos anos 1970 em diante, outros agrupa-
mentos seguiram a linha do PCB, como o MR-8 e o PCdoB – embora
com projetos diferenciados em relação ao próprio MDB. Então, o
MDB já havia conseguido resultados positivos no pleito de 1974 e
a atuação do grupo dos “autênticos” garantia certa credibilidade,
passando a imagem de uma organização oposicionista e democrática.
Em meados dos anos 1970 em diante, o MDB se dedicou ao
fortalecimento de suas estruturas orgânicas, aproximando-se da
sociedade por meio do Instituto de Estudos Políticos e Sociais e dos
departamentos feminino, trabalhista e jovem. A formação deste últi-
mo coincidiu com o período de rearticulação do ME trazendo resul-
tados expressivos para o partido. Juntamente com o ME, a segunda
metade dos anos 1970 testemunhou a articulação ou rearticulação
de outros movimentos sociais (como o comunitário, trabalhista,
feminista, ambientalista, negro, pela Anistia), o que fortaleceu ain-
da mais o partido visto como canal institucional para expressar as
demandas sociais, além de possibilitar projetos eleitorais.
Porém, esse processo de construção de uma grande frente
oposicionista foi interrompido pela reforma eleitoral que extinguiu o
bipartidarismo no final da década. Ela, de fato, cumpriu seu objetivo
provável de fragmentar os adversários do regime, desacelerando a
abertura. Enquanto o PCB, PCdoB e MR-8 permaneceram no par-
tido (agora PMBD) e conferiram legitimidade junto aos movimentos
sociais, contingentes significativos abandonaram suas fileiras para

121
Depoimentos para a História

formar o PT, PTB e PDT. Com a saída dos últimos grupos de esquerda
já após a ditadura – com exceção do MR-8 -, prevaleceram os eme-
debistas com tendências moderadas e direitistas. Um balanço final
mostra que o MDB, ao longo de sua existência e na falta de outra
opção institucional, abrigou e serviu como canal de expressão de
diferentes segmentos das esquerdas e de democratas radicais, sendo
um laboratório de militantes, organizações políticas e movimentos
sociais ciosos por manifestar sua oposição ao regime e popularizar
suas propostas e lideranças49.
Quanto à atuação do MDB no Paraná, é de extrema valia o
depoimento e as obras de Sylvio Sebastiani, que atuou ativamente no
partido, em vários momentos como dirigente, desde sua gênese até
o final. Lembra ele que, juntamente com o então Deputado Federal
Miguel Buffara – ambos vinculados ao extinto PTB - começaram a
articular o MDB tão logo o regime anunciou o bipartidarismo. “Uma
grande parte dos deputados estaduais e federais que eram do PTB
foi para a Arena, foram apoiar a ditadura, e outra parte ficou de fato
no MDB, apoiando o MDB, colocando-se como oposição ao governo
ditatorial”50. Na visão de Sebastiani, no Paraná, enquanto aqueles
que mudaram de lado o teriam feito por medo ou por “interesses
financeiros e gosto pelo poder”, a minoria que integrou o MDB fora
motivada pela “recondução do país aos trilhos da Democracia”. Além
de uma parcela do PTB um grupo do PDC – no qual se destaca José
Richa que viria a ser governador do Estado, eleito em 1982.
A fragmentação de trabalhistas e democratas entre a Arena e
o MDB debilitou sobremaneira o partido nas primeiras eleições es-
taduais e municipais. Mas, se eleitoralmente esses resultados foram
insatisfatórios, politicamente foram passos iniciais fundamentais
para sedimentar o partido no Estado, sobretudo a partir da bancada
de deputados estaduais e dos esforços de Buffara, Sylvio Sebastiani,
Sebastião Rodrigues (Pato Branco) e Olivir Gabardo (Londrina). No
pleito municipal de 1968, “houve um leve crescimento do MDB”,
inclusive com a eleição de alguns prefeitos, quando foram superadas
várias dificuldades. Entre elas, a indisponibilidade de candidatos
para concorrer na legenda contrária à ditadura e as pressões do
regime que levavam a desistências e impedimentos de candidaturas
ou a intervenções duvidosas nos resultados, como nas eleições mu-
nicipais de Curitiba, em 1968, e nas estaduais de 1974.

122
Resistência à ditadura Militar no Paraná

Ao que indicam alguns depoimentos, o MDB estadual cumpriu


a função de oposição ao regime. Esse fator é perceptível tanto nas
cassações que atingiram os políticos com o AI-5, ‘golpe dentro do
golpe’, quanto nos textos dos materiais de campanha e na postura
de seu diretório regional, presidido pelo Deputado Federal Renato
Celidônio, que apoiou oficialmente a Frente Ampla, inclusive com
a realização de um comício em Maringá. Nesta cidade, assim como
no restante do Estado, o partido foi organizado sobretudo a partir
das bases do extinto PTB. O AI-5 atingiu de forma fulminante essa
oposição emedebista que começava a ganhar força. A Frente Ampla
foi colocada na ilegalidade, desarticulando as mobilizações estaduais,
e vários políticos paranaenses do MDB foram cassados e privados
de seus direitos políticos. Para Léo de Almeida Neves, “a grande
verdade histórica é que, tolerado pelo regime militar para compor
o bipartidarismo e dar à opinião pública mundial a impressão de
que vivíamos em uma Democracia, o MDB superou suas próprias
deficiências e tornou-se o fiel intérprete das aspirações populares na
bem sucedida luta pela restauração do estado de direito”51.
Ainda vivendo os efeitos do AI-5 - não só as cassações, mas
também as desistências da via institucional que caíra em descrédito
- os emedebistas remanescentes juntaram os cacos e começaram
a reestruturar o partido. Mesmo enfraquecidos, logo os emedebis-
tas iniciaram os trabalhos para o pleito de 1970, “catando” gente
para se candidatar a deputado estadual e federal, porque ninguém
queria. O pessoal estava com muito medo. Era logo em seguida ao
AI-5 e muitos integrantes do partido foram embora depois dessas
cassações todas. Então, todos quanto puderam do MDB saíram
candidatos para atingir o coeficiente eleitoral. Mesmo assim, o
partido fora tão atingido e era tão perigoso ser oposição que o nú-
mero de candidatos do MDB, nas eleições de 1970, ficou aquém
do número de vagas. Aqueles que embarcaram em um projeto
eleitoral tiveram que enfrentar a falta de capital para investir nas
campanhas, bem como o reduzido apoio aberto manifestado por
segmentos da sociedade, temerosos de se comprometerem diante
do regime, sem contar os que foram eleitos pelo MDB, isto é na
oposição, e se passaram para a Arena, partido da ditadura, como
Valmor Giavarina de Apucarana, Dalton Paranaguá de Londrina e
Adriano Valente de Maringá.

123
Depoimentos para a História

Não obstante as perseguições e as disputas internas envolvendo


ex-partidários do PTB e PDC, em 1974 o partido já estava mais fortale-
cido, porém continuava pequena a quantidade de pessoas predispostas
a enfrentar candidaturas pelo MDB – a chapa completa comportava 60
pessoas, porém o MDB só lançou 16. Mesmo assim, naquele pleito o
povo decidiu votar na oposição, no MDB. A ditadura já estava perdendo
a sua força. Em todo o país houve um grande avanço, foram signifi-
cativas as conquistas do partido que fazia oposição à ditadura”52. Em
16 estados, incluindo o Paraná, fora o MDB que elegeu Senador. No
Paraná, dos 16 componentes de sua chapa foram eleitos 15.
Após 1974, seguindo o padrão do MDB nacional, também no
Paraná houve a tentativa de estruturar o partido aproximando-o da
sociedade e formar lideranças. Tratava-se de um novo e alvissareiro
momento. Em Brasília, o recém-eleito Senador Leite Chaves fez um
discurso conclamando o exército a se afastar das arbitrariedades e
perseguições políticas: “Se o desejo é apenas continuar indefinida-
mente no poder, que usem outros meios, mas não este, de destruir,
inopinadamente, vida de inocentes, ou, se são culpados, que as
pessoas tenham o direito de ser julgadas de acordo com a lei”53.
Malgrado esses percalços, de 1974 em diante a trajetória foi
ascendente. Em 1978, o MDB elegeu seu segundo Senador para a
única vaga pleiteada (José Richa), ficando com dois emedebistas e
um arenista biônico no Senado, Afonso Camargo. Porém, nem tudo
eram flores nos primeiros anos da “abertura lenta, gradual e segura”:
os candidatos do partido continuavam a ser perseguidos sob a pecha
de comunistas. Em 1977 o Deputado Federal Alencar Furtado, líder
da oposição na Câmara dos Deputados, teve seu mandato cassado
e, no ano seguinte, foi instaurada a figura do “senador biônico” indi-
cado pelo governo federal para conter os avanços emedebistas. Para
dividir e enfraquecer a oposição, aglutinada em torno do MDB, a Lei
nº 5.682/79 extinguiu o bipartidarismo, dividindo os emedebistas
entre aquele que deveria ser seu sucessor natural (PMDB), o PTB,
PDT e PT. Essa fragmentação também atingiu os filiados no Paraná.
Para acompanhar em detalhes essa trajetória do MDB no
Paraná é possível ver os depoimentos de vários de seus membros
prestados à Sociedade DHPAZ como Sylvio Sebastiani, Euclides
Scalco, Deni Shwartz, Nelton Friedrich, Léo de Almeida Neves. A
atuação do partido pode ser analisada tanto a partir das memórias

124
Resistência à ditadura Militar no Paraná

de seus maiores expoentes quanto daqueles membros de grupos de


esquerda que se aproximaram do MDB para divulgar suas propostas
e fazer oposição ao regime.

O movimento e a resistência estudantil

Até o começo dos anos 1960, a participação dos estudantes nas


mobilizações populares e grupos de esquerda não se destacou forte-
mente. Organizações como o PCB arregimentaram em sua maioria
pessoas mais velhas e se caracterizaram por uma participação política
e social mais diversificada, envolvendo vários setores e faixas etárias.
Não havia um esforço exclusivo junto à juventude da parte das
organizações clandestinas. Foi o contexto do pós-golpe que favoreceu
a mobilização dos mais jovens. O ME conseguiu se manter ativo após
o golpe apesar das intervenções do regime, apresentando grande
atuação entre 1966 e 1968 e do final dos anos 1970 em diante. Após
um período inicial de refluxo, nos dois anos que antecederam o AI-5 a
sociedade brasileira testemunhou a intensa participação dos jovens,
especialmente estudantes, nos movimentos sociais e partidos de
esquerda, em parte estimulada pelo clima de efervescência política
e cultural que já vinha desde o final dos anos 1950.
Mas, o regime não deixava os estudantes agirem livremente. Até
1968, várias entidades estudantis sofreram intervenção governamental,
com a instauração de IPMs e execução de ações extraoficiais, que atin-
giram desde centros acadêmicos na base até as universidades como um
todo (caso da UnB – Universidade de Brasília) e a própria UNE, que teve
sua sede no Rio de Janeiro incendiada já no dia primeiro de abril de 1964.
O peso da repressão foi sentido logo após o golpe, principalmente com a
perseguição das lideranças. A Lei Suplicy ou 4.464 foi outorgada em 9
de novembro de 1964, reformulando o funcionamento das entidades es-
tudantis, atrelando-as às administrações das universidades e ao próprio
MEC. A ideia era retirar a autonomia das entidades dos estudantes. No
lugar dos Centros Acadêmicos (CAs), Diretórios Centrais dos Estudantes
(DCEs), Uniões Estaduais (UEEs) e da própria UNE seriam implantados
os Diretórios Acadêmicos (DAs), os Diretórios Estaduais de Estudantes
(DEEs) e um Diretório Nacional Estudantil (DNE).

125
Depoimentos para a História

A luta contra as medidas autoritárias dentro das universida-


des unificou não só alas diferentes do ME, mas também incitou a
participação massiva dos universitários. Passado o trauma inicial
do golpe, o combate à Lei Suplicy em 1965 propiciou a rearticulação
dos estudantes de esquerda, substituindo os liberais na direção das
entidades e retomando a hegemonia, que já vinha desde o final dos
anos 1950. Se no 27º Congresso da UNE, realizado clandestinamente
no ano de 1965 em São Paulo, as esquerdas ainda estavam enfra-
quecidas, no 28º (1966 em Belo Horizonte) compuseram a diretoria
da UNE, com primazia dos estudantes vinculados à AP. Situação
semelhante ocorreu no ano seguinte, no Congresso de Vinhedo (SP).
A diminuição dos recursos governamentais para o ensino su-
perior foi um dos fermentos da crescente insatisfação, traduzida em
diferentes intervenções no espaço público. Faltavam verbas para a
Educação o que, dentre outras coisas, deteriorava a qualidade das
instituições e limitava a oferta de vagas nas universidades, gerando
o problema dos “excedentes” – aprovados no vestibular, porém sem
acesso ao curso pretendido por falta de vaga. A cada ano esse problema
se agravava. Destarte, até 1968, a insatisfação e a intensa movimen-
tação estudantil estiveram vinculadas à repressão, à precarização
do ensino, à falta de vagas e aos acordos MEC-USAID. Estes últimos
seguiam na contramão da reforma universitária desejada (extensão
do ensino público e gratuito e democratização), que unia os diferentes
setores do ME e instigava a participação massiva das bases.
A atuação dos estudantes era ampla, transcendendo os muros
das escolas e universidades. Eles cerravam fileiras e emparelhavam
ombros com operários e outros estratos da sociedade, nas lutas que
consideravam legítimas. Já com certa tradição na defesa das liber-
dades democráticas e reformas de base, o ME também era instigado
pela insatisfação com a ditadura e pelas lutas contra a repressão
exercida nas ruas e dentro nas instituições de ensino. O ME estava
dividido entre aqueles que enfatizavam as lutas de rua contra a
ditadura (com a AP à frente) e aqueles que buscavam conciliar este
enfrentamento com as reivindicações específicas dos estudantes
(basicamente, dissidências do PCB e POLOP). Exemplifica essa atua-
ção ampla dos estudantes o apoio à greve dos bancários, deflagrada
no início de outubro de 1968 em Curitiba. Em 1968, onde havia
movimentos secundaristas e universitários no Brasil, proliferaram

126
Resistência à ditadura Militar no Paraná

greves, passeatas e atos públicos, apoiados não só pelas bases do


movimento, mas também por outros estratos das populações urba-
nas. O estopim das manifestações foi a morte do estudante Edson
Luís, culminando na “Passeata dos Cem Mil” (RJ).
Em meio a esse processo de reorganização e fortalecimento do
ME, estreitaram-se os laços de suas lideranças com as organizações
da “nova esquerda”, o que foi fundamental para a radicalização nas
formas de luta, sobretudo após o AI-5 quando as massas deixaram
ou foram expulsas das ruas e o horizonte se tornou as ações armadas
de pequenos grupos urbanos. Pelo menos até o AI-5, a repressão não
fora capaz de privar o ME de sua atuação e vida própria, levantando
bandeiras políticas e reivindicatórias e com ampla participação de
suas bases, até de forma autônoma das instituições oficiais e dos
representantes – o que, inclusive, dificultou o trabalho de coerção.
Ao que parece, mesmo antes dos acontecimentos do fatídico mês
de dezembro de 1968, em meados do ano, o regime já havia opta-
do pelo endurecimento da repressão aos estudantes e a qualquer
manifestação de dissenso. Recrudesciam as ações governamentais,
como demonstra a invasão da UnB em agosto e o desbaratamento
do XXX Congresso da UNE em Ibiúna, com a prisão de centenas de
estudantes. O AI-5 consumaria essa diretiva, alavancando de vez o
refluxo do ME e precipitando os setores mais politizados às ações
armadas. Portanto, enorme refluxo e imobilidade caracterizou o ME
de 1969 até a segunda metade da década de 197054.
Em um cenário extremamente opressor, e no qual a economia
dava sinais de revitalização, a maior parte abandonou o movimento.
A parcela que pegou em armas foi gradativamente desarticulada, com
as prisões, condenações e assassinatos. Por um lado, os guerrilheiros
negligenciaram e se distanciaram das massas estudantis na arti-
culação de suas ações, recrutando aqueles que já estavam em seus
círculos de contato. Por outro, a nova diretoria da UNE – vinculada
à AP e ao PCdoB e constituída em um congresso pouco expressivo
realizado em um sítio do Rio de Janeiro –, sem muita representa-
tividade junto às bases, na clandestinidade, cercada e caçada pela
repressão, foi se dando conta da nova realidade.
Esta contração e fechamento caracterizaram o ME até os anos
finais da década de 1970, quando, do acúmulo das lutas e da insatis-
fação de diversos setores com o regime, despontou no espaço público

127
Depoimentos para a História

uma nova geração predisposta a enfrentar e derrotar a ditadura,


que já dava evidentes sinais de desgaste. Essa nova geração, em um
contexto de nova efervescência social, optou por se aproximar e se
articular com as massas urbanas, promovendo novo enfrentamento.
Em nível nacional, e em grande medida estadual também,
podemos recortar cronologicamente o ME – incorrendo em uma
generalização grosseira, porém didaticamente útil – da seguinte
forma: 1964 a 1966 os anos de choque e rearticulação inicial; de
1966 a 1968 a revivescência e a tomada massiva das ruas; 1968 a
1974, período plúmbeo do “golpe dentro do golpe”, a via armada e o
refluxo; 1974 a 1976 relativa imobilidade ou lenta rearticulação55;
e 1977-1984 o raiar de uma nova geração.
Especificamente sobre o ME no Paraná, em um artigo publicado
em novembro de 2012 pelo então líder estudantil e membro do PCBR
Vitório Sorotiuk, este aliando memória e pesquisa histórica destaca
que o golpe foi repudiado desde seus primeiros suspiros pelos estu-
dantes do Estado, que se reuniram no DCE da UFPR para discutir
e esboçar a resistência, manifestando sua insatisfação. Logo, vários
professores e alunos se tornaram perseguidos políticos, sendo afasta-
dos de seus cursos e expulsos das instituições universitárias. Dentro
dos mesmos contornos da atuação da repressão e do próprio ME no
restante do país, também no Paraná a despeito das perseguições o
movimento foi se rearticulando gradativamente. Em 1965 e 1966,
começaram as manifestações e os protestos estudantis contra o regi-
me e a repressão efetuada sobre o ME em outros estados. Em 1966
os estudantes mais a esquerda assumem a direção da UPE – União
Paranaense dos Estudantes – na gestão de Luiz Amaral (IE - Indepen-
dente de Esquerda). Em 1967 manterão a frente de esquerda na ges-
tão de Stenio Sales Jacob não coincidentemente de esquerda, porém
independente. Já em 1968 com a direita estudantil completamente
sufocada a disputa em torno da UPE se dará entre a DI – Dissidência
do Partido Comunista Brasileiro e a AP, com a vitória da primeira com
a chapa presidida por Berto Luiz Curvo, derrotando a chapa de José
Carlos Zanetti. No DCE da Federal o PCBR elegerá o seu presidente
com Vitório Sorotiuk à frente. Em 1968, inúmeros DAs da UFPR como
DARP, CAHs, DANC estarão com a esquerda, bem como diversos DAs
da PUC e protagonizarão nesse ano inúmeras manifestações contra a
PEG – política educacional do governo e a ditadura militar.

128
Resistência à ditadura Militar no Paraná

Em 1967, conforme o texto de Sorotiuk, “o Movimento Estu-


dantil paranaense começou a tomar corpo”. Reflexo disto foi o envio
de delegados para o 27º Congresso da UNE em Belo Horizonte, para o
29º em Valinhos (SP) e para o 30º em Ibiúna, quando 42 estudantes
do Estado se fizeram presentes e foram presos, com a UPE auxiliando
na infraestrutura do evento com recursos financeiros e alimentação.
A resistência à repressão da ditadura e às investidas para
implantar os acordos MEC-USAID na UFPR foi o ápice do ME para-
naense. Diferentes correntes se unificaram e os jovens passaram a
estudar e denunciar a situação de 1967 em diante. Uma campanha
bem orquestrada fez com que, no começo de 1968, cerca de 90%
dos estudantes pedissem a isenção de pagamento das taxas uni-
versitárias da UFPR. Em maio, logo após as passeatas de protesto
contra a morte de Edson Luís de Lima Souto no Rio de Janeiro,
realizadas no dia 30 de março e três de abril, os estudantes da ca-
pital protagonizaram dois eventos de grande repercussão: a batalha
campal contra o contingente policial com a sua policia montada
estacionada no Centro Politécnico e a tomada da Reitoria da UFPR,
logo depois. Esta ação inusitada garantiu importante vitória: o fim
da cobrança que instituiria o ensino pago na universidade. Vitório
Sorotiuk destaca a importância para esse processo de uma palestra
proferida pelo jornalista e Deputado Federal pelo MDB do Estado da
Guanabara, Márcio Moreira Alves, que subsidiou as ações e reflexões
dos estudantes paranaenses.
Foi somente no período da distensão “lenta, gradual e segura”,
com a redemocratização avançando no final dos anos 1970, que o
DCE, a UPE e as demais entidades estudantis voltaram a funcionar
efetivamente em Curitiba e no Paraná. Na capital e em Londrina
atuaram, em meados dos anos 1970, grupos de estudantes que,
inclusive, participaram da reorganização nacional do ME, transcen-
dendo portanto as fronteiras do Estado. Foi o caso tanto dos jovens
agrupados em torno do jornal “Poeira” do DCE da UEL, quanto de
estudantes vinculados ao Darp da UFPR.
No Paraná inteiro, vários jovens militaram nesse momen-
to do ME, envolvendo-se com questões específicas (como o preço
das refeições nos restaurantes universitários) e gerais, como a
redemocratização, Constituinte, eleições diretas para presidente e
Anistia. Essa atuação nos últimos anos da ditadura fora marcada

129
Depoimentos para a História

pela relativa liberdade de ação dos jovens, se compararmos com


os momentos anteriores. Em Londrina, nos anos 1970 em diante,
com a instalação da UEL, a organização do DCE e sua tomada por
grupos mais à esquerda, o ME londrinense foi ganhando corpo e,
inclusive, projeção nacional. Nessa cidade hegemonizada pelo MDB,
os estudantes tiveram relativa autonomia e conseguiram se manter
mobilizados. Destaca-se a atuação do grupo heterogêneo, mas con-
trário ao regime, aglutinado em torno do jornal “Poeira” (“Levanta,
sacode a Poeira e dá volta por cima”), que promoveu greves, abai-
xo-assinados, atos pela democratização da universidade, debates
polêmicos sobre a Constituinte e Anistia e “Semanas de Atualidades”
(trazendo importantes ícones da MPB, como Chico Buarque, Milton
Nascimento, Gonzaguinha, Elis Regina, João Bosco, entre outros).
Inclusive, no ato de posse do presidente eleito para o DCE em 1975,
Nilson Monteiro, esse proferiu um discurso apaixonado, denunciando
a Operação Marumbi, que no dia anterior havia sequestrado várias
pessoas, dentre elas o professor “Nelsão” da UEL, Nelson Rodrigues
dos Santos, diretor da Faculdade de Medicina. Essa geração lon-
drinense participou ativamente da reestruturação do movimento
nacional, inclusive dos esforços iniciais para reavivar as entidades
nacionais, como a UNE, colhendo frutos no final da década de 1970.
O ME secundarista ganhará corpo a partir do Congresso da
UPES em janeiro de 1968 em Cornélio Procópio. Embora a direção
da entidade estadual fosse ocupada pela direita, tanto que a infra-
estrutura do congresso foi fornecida pelo exército, a sua oposição
se organizará em torno do MEL – Movimento Estudantil Livre. Em
Curitiba, o ME secundarista se articulará com o apoio da UPE univer-
sitária, destacando-se os estudantes do Colégio Estadual do Paraná,
Colégio Estadual Hildebrando de Araujo e do Colégio Militar. Tanto a
DI, como a AP e o PCBR atuarão decisivamente no ME secundarista
e interiorizando a sua atuação no Estado.
Quanto a Maringá, destaca-se a massiva atuação do movimento
estudantil secundarista, sobretudo em 1968, oriundos do Colégio
Estadual Gastão Vidigal. Os estudantes formaram boa parte da mas-
sa de dezenas de milhares de pessoas que participaram do comício
da Frente Ampla, protagonizado por Carlos Lacerda. Nas eleições de
1968, os estudantes maringaenses promoveram atos públicos, como
a invasão do comício eleitoral de João Paulino, que contava com a

130
Resistência à ditadura Militar no Paraná

presença do então governador Paulo Pimentel que teve os carros de


sua comitiva apedrejados.
Também em Apucarana o ME se mostrará bastante expressivo
em torno da União dos Estudantes de Apucarana (UEA), do Centro Es-
tudantil Nilo Cairo (CENC), do Grêmio do Colégio São José e do Centro
Acadêmico da FECEA – Faculdade Estadual de Ciências Econômicas
de Apucarana. O núcleo central dos estudantes, organizados na DI
(Dissidência do PCB) liderará as ações políticas como a passeata de
protesto pelo assassinato de Edson Luiz no Rio de Janeiro que reunirá
cerca de duas a três mil pessoas. Considerando o tamanho da cidade
que contava com cerca de cinquenta mil habitantes, provavelmente foi
a maior manifestação, proporcionalmente, de estudantes do Estado
naquele ano de 1968. Em um primeiro momento, nos primeiros meses
deste ano, oficiais da 4ª Companhia do Exército tentarão organizar
um ME de direita para combater a UEA e os grêmios que estão com
a esquerda, além de usar recrutas do Exército para seguir e vigiar a
liderança do ME de esquerda. Não foi gratuito, portanto, que após
a decretação do AI-5 em dezembro, foi a UEA a primeira entidade
estudantil paranaense invadida e lacrada pelo Exército. Tão pouco
é gratuito que dessas lideranças de Apucarana, dois seriam assas-
sinados, Antonio dos Três Reis de Oliveira e José Idésio Brianezi em
1970, e os demais presos e torturados como Geraldo Magela Soares
Vermelho, tentando o suicídio na prisão, no mesmo ano, bem como,
partindo para o exílio com Valdir Feltrim em 1971.

Trabalhadores em luta

Os anos da chamada ‘República Populista’ (1945-1964), carac-


terizaram-se por intensa atividade dos trabalhadores e sindicalização.
Pode-se dizer sem incorrer em erro que foi uma época de ouro tanto
para o trabalhismo, representado então pelo PTB, quanto para os
movimentos de trabalhadores mais autônomos, que avançavam em
suas demandas e organização como classe. Foram deflagradas im-
portantes greves nesse período, envolvendo centenas de milhares de
pessoas em várias ocasiões (como na Greve dos Trezentos Mil e dos
Setecentos Mil). Se nas cidades a articulação e representação dos

131
Depoimentos para a História

trabalhadores, bem como seus direitos, estavam mais consolidadas,


no campo tanto a sindicalização quanto os direitos trabalhistas eram
conquistas ainda em disputa, envolvendo as Ligas Camponesas e
outras entidades. Ainda que a organização como classe estivesse
incipiente, a bandeira da reforma agrária estava amplamente difun-
dida e tinha considerável aceitação pela sociedade.
Refreando bruscamente esses avanços do trabalho contra o
capital, o golpe foi dado no dia primeiro de abril de 1964. Em pouco
tempo sindicatos foram colocados sob intervenção, diretorias desti-
tuídas e lideranças de todo o país detidas e mantidas na prisão para
desarticular as bases e evitar qualquer tentativa de resistência. É
lugar comum na bibliografia crítica caracterizar o golpe como des-
mantelador do movimento sindical, que inclusive recorreu a esta
artimanha para sustentar o “milagre econômico” e as margens de
lucro estratosféricas para o empresariado.
Cabe notar que, as atividades sindicais só foram imediatamente
atingidas, pois já estavam bem mapeadas quando veio o golpe, afinal
a polícia política, por intermédio da DOPS, colheu informações duran-
te toda a República Populista. As memórias de Alcidino Bittencourt
Pereira – que fora advogado sindical em Cubatão-SP - nos remetem
tanto à ebulição social e política dos anos do governo Jango quanto
à desarticulação brusca dos trabalhadores, imposta pela ditadura.
Situação muito semelhante viveu Victor Horácio de Souza
Costa, que quando veio o Golpe estava presidindo um sindicato em
Paranaguá. Ele foi preso já na primeira semana, juntamente com
outras lideranças e trabalhadores, permanecendo por mais de dois
meses detido. O sindicato que dirigia foi colocado sob intervenção.
Vale mencionar também a situação vivenciada por Francisco Conde,
mais um exemplo dessa desarticulação sindical. Quando veio o golpe
ele era parte do quadro de diretores do Sindicato dos Trabalhadores
Rurais de Mandaguari e foi preso já no dia 5 de abril, sendo mantido
na delegacia de polícia de seu município, “juntamente com outros
64 presos políticos de Mandaguari. A sede do sindicato em que o re-
querente era diretor foi queimada”56. Conforme as memórias de Renê
Ariel Dotti, situação semelhante viveu Mario Pan, então presidente do
Sindicato dos Ferroviários de Curitiba, detido no Presídio Provisório
do Ahu. Espedito Rocha, do Sindicato dos Químicos, somente não
foi preso porque fugiu e foi para a clandestinidade.

132
Resistência à ditadura Militar no Paraná

Paralelamente a essa atuação combativa de algumas entidades


e categorias de trabalhadores, cabe destacar as ações menores e mais
discretas de alguns profissionais, porém não menos revestidas de um
significado de solidariedade e rejeição à ordem imposta. Foi o caso
dos advogados de presos políticos – como o próprio Renê Dotti, Otto
Sponholz, Luiz Salvador, Acir Breda, Élio Narezi, Lamartine Correia
de Oliveira, Oldemar Teixeira entre outros - que enfrentaram a justiça
militar por idealismo e senso de justiça, sujeitando-se eles próprios
aos arbítrios da repressão. Ana Beatriz Fortes lembra com gratidão
da atuação do médico Régines Prochmann, que a atendeu em 1970,
ele mesmo um preso político em 1964, quando ela apresentava,
em decorrência das torturas, “um quadro agudo psicossomático,
depressivo intenso”.
Apesar dessa repressão inicial, assim como o movimento estu-
dantil trabalhadores de diversas categorias conseguiram se rearticu-
lar até 1968, deflagrando greves e retomando seus sindicatos. Esse
ano foi marcado por intensa atividade sindical de diversas categorias,
prontamente esvaziada com a outorga do AI-5. Os casos nacionais
paradigmáticos são as greves envolvendo metalúrgicos paulistas e
mineiros. Em Curitiba os bancários de diferentes tendências das es-
querdas montaram uma chapa de composição e conseguiram tomar
seu sindicato, que estava sob intervenção, no primeiro semestre de
1967. No ano seguinte, participaram das mobilizações nacionais da
categoria, que se refletiram na deflagração de uma greve também na
capital paranaense. Em Maringá, os trabalhadores da “Norpa Indus-
trial” entraram em greve, mas ao contrário das expectativas iniciais
não contaram com a adesão de operários de outras empresas ou
categorias. Os professores da rede pública estadual protagonizaram
uma paralisação de alcance estadual em 1968.
De forma geral, o “golpe dentro do golpe” impôs nova paralisia
nas atividades dos sindicatos, associações e demais organizações de
trabalhadores com direção crítica, mantendo-os silentes por quase
uma década. Ainda que tenham conseguido eleger nova chapa com-
bativa, em breve o Sindicato dos Bancários de Curitiba foi colocado
sob nova intervenção. Essa situação específica foi a regra para os
demais sindicatos espalhados pelo Paraná e pelo Brasil. Em todo
esse momento de “calmaria” forçada, a repressão foi acompanhada
pela imposição ideológica da propaganda oficial, que ressaltava o

133
Depoimentos para a História

crescimento exorbitante do país, prometendo ganhos aos trabalha-


dores em um futuro que nunca chegou (a filosofia do “fazer o bolo
crescer para depois dividi-lo”).
Com exceção dos poucos que se engajaram na luta armada,
a imobilidade se prolongou até 1978, quando o processo grevista
deflagrado no ABC paulista ganhou repercussão nacional e deu novo
ímpeto aos movimentos reivindicatórios e políticos de trabalhadores,
que retomaram as ruas ao lado dos estudantes. Nesse período, no
Paraná inteiro pipocaram greves e os sindicatos passaram a ser no-
vamente disputados por chapas com posicionamentos progressistas,
como as greves e as disputas sindicais envolvendo professores, enfer-
meiros, metalúrgicos, vigilantes e trabalhadores da construção civil.

NOTAS Capítulo 2: As organizações políticas no Paraná

1
RIDENTI, Marcelo. op. cit., p. 63-65.
2
RIDENTI, Marcelo. op. cit., 27-39; 63-65.
3
RIDENTI, Marcelo. op. cit., 27-39.
4
RIDENTI, Marcelo. op. cit., 39-49.
5
RIDENTI, Marcelo. op. cit., 39-49.
6
RIDENTI, Marcelo. op. cit., 39-49.
7
RIDENTI, Marcelo. op. cit., 39-49.
8
RIDENTI, Marcelo. op. cit., 50-59.
9
RIDENTI, Marcelo., op. cit., 50-59.
10
RIDENTI, Marcelo., op. cit., 27; 46.
11
RIDENTI, Marcelo., op. cit., 28-29.
12
ESTADO DO PARANÁ. Comissão Especial. Processo nº 209, 10 de fev. de 1998 (p. 3 do
arquivo digital).
13
Quem quiser levantar mais informações sobre o PCB, há uma listagem extensa dos
membros do partido no período populista e começo da ditadura, na pasta 1505b, número
de tombo 181, referente ao PCdoB. Constam ainda nessa pasta informações sobre a
possível estada de Ernesto Che Guevara no Paraná (p. 143).
14
DEAP. Arquivo DOPS/PR. Pasta nº 1.465. apud: BRUNELO, Leandro. Universos opostos:
o embate político entre os militantes do PCB e a DOPS/PR durante o regime militar.
Histórica – revista eletrônica. Edição 34, janeiro de 2009. Disponível em: <http://www.
historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao34/materia04/>. Acesso em 8
jan. de 2014.
15
DEAP. Pasta DOPS: “Partido Comunista Brasileiro”, nº1490a. Os seguintes nomes foram
associados ao partido pela repressão: Aparecido Moralejo, Hiram Ramos de Oliveira, João

134
Resistência à ditadura Militar no Paraná

Batista Tezza, Dilma Maria Pereira Lara, Marilda Kobachuk, Laélio de Andrade, Edgard
Schatzmann, Bruno, Jafet, Sobrinho e Serrano, “Carlinhos” (codinome), “Paulo”, “Lucas”,
o ex-combatente da república espanhola contra Franco “Nogueira” (Luis Lopez Rey) e
“Jacob (israelita), que tinha gráfica”, afora certa “gente operária das bases de Vila Guairá,
Wenceslau Brás, Portão, Vila Hauer, Vila Pinto, Fazendinha, Vila São Paulo, Santos
Andrade, etc.”.
16
DEAP. DOPS: Informe 60/73, pasta 1.466a.
17
Dentre os vários presos na referida operação estavam Osíris Boscardim e Pedro
Agostinete Preto, ambos de Apucarana, Francisco Luiz de França, Narciso Pires, Honório
Delgado Rúbio, Luís Gonzaga Ferreira (presidente do MDB de Londrina), João Alberto
Einecke, Mário Gonçalves Siqueira, Eujácio de Almeida e Paulo Simeão (sindicalistas
em Paranaguá), Osvaldo Alves (Mandaguari), Ildeu Manso Vieira, Nilton Abel de Lima
(vereador do MDB em Paranaguá), Genecy de Souza Guimarães (Vereador do MDB em
Londrina), Lenine Passos (vereador em Guarapuava).
18
DEAP. Pasta DOPS: “Partido Comunista do Brasil”, nº 1507, número de tombo, 181, p. 24-26.
19
HELLER, Milton I. op., cit., p. 523.
20
HELLER, Milton I. op., cit., p. 549-555.
21
RIDENTI, Marcelo. op., cit., p. 48.
22
Foram presos no Paraná como membros da organização (não que todos tivessem
vinculação orgânica com ela): Olien Lustoza de Moraes, Arno André GIesen, Letímio
Vieira, Galdino Moisés de Oliveira, Carlos Frederico Marés de Souza Filho, Rosa Maria
Viana de Castro, Déa Silvia Pereira, Alberto Gentili Filhos, Miriam de Carvalho, Pedro
Amâncio Silva, Deisi Deffune, Licinio Lima, Tadeu Moacir Lima, Nésio Jaques Pereira,
Beluce Belucci, Geraldo Majella Soares Vermelho, José Aparecido Sforni, Juvêncio Batista
dos Santos, Ramires Moacir Pozza, Cetimio Vieira Zagabria, Pedro da Silva Polon, Sirley
Batista, Diva Ribeiro Lima, Nelson Sorotiuk, Deonisia Zimowski, Norival Trautwein, Hilária
Zimowski, Elizabete Suga, José Tarcisio Pires Trindade e Edmilson Correa.
23
HELLER, Milton I. op., cit.
24
VECHIA, Renato da Silva Della. Origem e evolução do Partido Comunista Brasileiro
Revolucionário (1967-1973). Dissertação de mestrado defendida, junto ao programa de
pós-graduação em Ciências Políticas, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Porto Alegre: agosto de 2005.
25
CAMURÇA, Marcelo Ayres; REIS, Daniel Aarão. O Movimento Revolucionário 8 de Outubro
(MR-8). Da Luta Armada contra a ditadura à luta eleitoral no PMDB. In: FERREIRA, Jorge;
REIS, Daniel Aarão (org.). Revolução e Democracia (1964-...). Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2007. p. 135-137.
26
RIDENTI, Marcelo. op., cit.
27
Em uma dessas pastas sobre o PCdoB nos anos 1980, consta a composição do Comitê
Regional, destacando-se: Campana (contatos políticos), Télia Negrão Simon (propaganda
e responsável pelo Movimento Contra a Carestia), Vitor Moreschi (movimento estudantil),
Zenir Teixeira (setor sudoeste), Denise Camargo e Vicente de Paulo Palhares. Em Curitiba,
o Comitê Municipal contaria com José Benedito Pires Trindade, Marco Antônio Socorro
Marques Bessa, Antônio Benedito Siqueira, Mário Pereira Leal, Silvestre Aparecido Duarte
e Hélio Gonçalves Cajé. José Carlos da Silva, Mário Donizete Rocon e Manoel Valdemar
Barbosa Filho seriam responsáveis pelo jornal “Tribuna da Luta Operária”. Assistindo
Moreschi no setor estudantil estariam Munir (letra ilegível) Teixeira de Almeida, Walter Flele

135
Depoimentos para a História

Cavallini Menechino, Luiz Henrique Bona Turra, Alexandre Zamboni, Pedro Luiz Longo,
Geraldo Serathiuk e Tosca Zamboni. João Muniz dos Santos e Hélio Gonçalves Cajé
seriam responsáveis pelas associações de bairros. Por terem participado de cursos ou
sido convocados para congressos e encontros, em 1982, figuram ainda na ficha do DOPS
os seguintes nomes: Jussara Regina Branco, Jorge Modesto de Assis Pereira da Silva,
Zenair Maria Costa, Sandra Berenice Ferrari, Joseli Maria Araujo, Denilton Carlos Gaio,
Aurora Gonçalves Laroca, Eunice Col, Angelo Col, Irani e Gladis “de tal”, Alceu Sperança,
Demócrito P. Morgado, Beatriz “de tal”, Carlos Roberto Santos, Carlos Campana, Vera
Lúcia dos Santos, Rodrigo Dias, Vanda Santos, Antônio Cesar, Roberto Carlos e Isabel
Cristina Prazeres de Andrade Silva, Marco e Fernando Bitencourt do Amaral, Antônio
Guerra Costa, Carlos Roberto e Celso Augusto Bittencourt, Goretti Brito Simoneti, Paulo
Adolfo Matoso Nitsche, Fábio Caldas e Auda de Mesquita, Márcio José de Almeida, Jorge
Grerory, Maria Aparecida Arruda Vencia, Márcia Regina Andrade, Maria Cristina Marco
Colonezi, Michel Deolindo, Maria Auxiliadora Zanin, Matsuko Mori, Jairo “de tal” e Silmara
“de tal”. Outros nomes e apelidos aparecem em um informe do dia dezoito de maio de
1982, como “Fusca” (Donizete), Rosilei (Rosi) Vilas Boas Duarte, Marta Duarte, Carlos
Molina, Luiz Leme, e tantos outros. DEAP. Pasta DOPS: “Partido Comunista do Brasil”,
nº1505c, Topografia: 181.
28
Em vários informes da mesma pasta (nº1505c, Topografia: 181), aparecem de forma
discriminada as cidades dos militantes, como Maringá, Adrianópolis, Toledo, Guarapuava,
Prudentópolis, Cascavel, Céu Azul, Cambé, Palmas, Ponta Grossa, Jacarezinho, Pato
Branco, Paranavaí, Umuarama, Campo Mourão, Foz do Iguaçu e Londrina. Quanto às
entidades e empresas citadas, destacam-se o DCE da UFPR e UCP (ou PUC), APP,
CEU, CEUC, Banco do Brasil, secretaria de educação, sindicatos, associações de bairro,
diretórios acadêmicos, grêmios estudantis e a UPE. São registrados médicos, professores,
operários, mas na maior parte estudantes.
29
DEAP. Pasta DOPS: “Partido Comunista do Brasil”, nº1507, Topografia: 181. Sobre
a atuação do PCdoB no Paraná a partir do final dos anos 1970, ver entre outros os
depoimentos de Fábio Campana, Denise de Camargo, Carlos Molina, Manoel Barbosa,
Matsuko Mori e Silvestre Duarte.
30
RIDENTI, Marcelo. op., cit.
31
Fichas individuais da DOPS apontam que, um grupo formado em Maringá teria se alinhado
ao POC. Contudo, depoimentos colhidos ao longo do projeto (Laércio Souto Maior, José
Sforni) negam essa questão, apontando que a vinculação foi como PCBR e não POC. Já
membros de Apucarana, que transitaram por Maringá, uniram-se ao POC ou a POLOP.
Conclui-se que, apesar de alguns terem essa participação também no POC, a organização
autônoma de Maringá se fundiu com o PCBR, o que pode ter gerado imprecisões nos
apontamentos da repressão.
32
DEAP. Pasta DOPS: “Partido Operário Comunista - POC”, nº 1521, número de tombo 184.
p. 16 (arquivo digital).
33
Antônio Edson Urban, Claudemir Onofre Feltrin, Cristina Maria Sliwiani, Edson José
Feltrin, Gilberto Bueno Coelho, Josué de Godoi, Manoel César Motta, Nelson Pietrobom
de Souza Gomes, Regina Maria Sliwiani, Reinoldo da Silva Atem, Suely Muniz e Valdeci
Pedro Feltrin. Foram condenados a dois anos de prisão Elisa Tielo Yonezo, Geraldo
Majela Soares Vermelho, José Valdir Feltrin, o casal que estava no exílio Pedro Ivo
Furtado e Teresa Daise Urban (ou Furtado) e Regina da Graça Simbalista Gonçalves. O
encarregado do IPM do POC foi o major Francisco de Assis Pinheiro Dias, comandante da
5ª Companhia da Polícia do Exército.

136
Resistência à ditadura Militar no Paraná

34
CHAGAS, Fábio André G. das. As teses de “Jamil” e a luta armada dos anos 1960-70
no Brasil. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais. Vol. 1, nº 2. Dez. de 2009.
Disponível em: <http://www.cedema.org/uploads/Teses_de_Jamil.pdf>. Acesso em 19
dez. 2013.
35
RIDENTI, Marcelo. O fantasma da revolução brasileira. 2ª edição. São Paulo: Editora
UNESP, 2010.
36
DEAP. Pasta DOPS: “V.A.R.-Palmares”, nº 2361, topografia: 269. p. 82-84.
37
RIDENTI, Marcelo. op., cit.
38
DIAS, Reginaldo B.  Sob o signo da revolução. a experiência da AP no Paraná. 1. ed.
Maringá: Eduem, 2003. v. 1. p. 128-130.
39
Os membros da AP envolvidos nos esforços para reorganizar o ME e a própria AP,
mencionados no Inquérito Policial 12/71, foram além dos dirigentes Clair da Flora Martins,
Bernadete Zanetti Sá Brito e Paulo de Albuquerque de Sá Brito, Celerino Carriconde,
Derlei Catarina de Luca, Elba Gilda Ravaglio, Isamu Ito (“China”), José Carlos Zanetti,
José Ferreira Lopes, Luiz Alberto Amaral Manfredini, Vera Regina Weisheimer Manfredini,
Zélia de Oliveira Passos e Divo Guizoni.
40
Sobre a política de integração da AP no Paraná, em Maringá, esse processo gerou
importante fruto com a deflagração de uma greve em outubro de 1968, com repercussão
nacional. Para lá, no final de 1967, foram deslocados Edésio e Zélia Passos para se
integrarem junto os trabalhadores e organizá-los. No mesmo ano, Divo Guizoni e Celerino
Carriconde foram trasladados para Santa Catarina, seguidos de Paulo Gustavo, que em
meados de 1968 foi novamente removido para desempenhar tarefas organizativas junto
à direção nacional da AP. “Zequinha” (José Ferreira Lopes), inicialmente, desempenhou
função próxima a de Paulo Gustavo, sendo retirado de Curitiba e realocado em São Paulo
para reorganizar a AP, depois seguindo para Minas e Bahia. José Carlos Zanetti, Luiz
Manfredini e sua esposa Vera Regina tiveram itinerário semelhante, indo da capital do
estado para o Norte, São Paulo e Bahia.
41
MARCELINO, Walmor. Contribuição à história da Ação Popular no Paraná. Curitiba: Quem
de Direito, 2005. p. 43.
42
DIAS, Reginaldo B.  op., cit. A coordenação do CR-2, que passou a abranger todos os
estados do sul, foi reestruturada, contando com Rubens Leal Ivo (este por pouco tempo),
José Fidelis Augusto Sarno e Catarina Meloni.
43
O Inquérito Policial 11/71 indiciou Afonso Noimam, Arnon Holanda Cavalcante, Carmem
Regina Bot, Catarina Meloni, Delci Gonçalves Paula, Eliani de Araújo, Geraldo R. C. Vaz
Silva, Gildo Macedo Lacerda, Gildo Scalco, Ivo Tonet, Maria das Graças Ferreira, Osvaldo
Calzavara, Paulo de Souza, Paulo Tarso B. Faria e seu irmão Sérgio Barreto Faria, Pedro
Airton Zimmermann, Roberto Ribas Lange, Ruy João Staub e Yurico Tatamiya.
44
RIDENTI, Marcelo. op., cit.
45
JUSTIÇA MILITAR. Anexo III – sentença processo nº 226. Disponível em: <http://pt.scribd.com/
doc/165581591/a%E2%82%AC%C5%93GRUPO-DE-ONZEa%E2%82%AC%C2%9D-
NO-SUDOESTE-PR>. Acesso em 28 jan. 2014.
46
Mais informações sobre essa atuação dos sargentos podem ser encontradas no livro:
HELLER, Milton Ivan. Walmor Weiss: o prisioneiro da cela 310. Curitiba: Instituto Memória
Editora, 2011.
47
RIDENTI, Marcelo. op., cit.; DIAS, Reginaldo B. op. cit., p. 130.
48
Mesmo assim essa atuação e contribuição do PCB ao MDB foi bastante débil, haja vista

137
Depoimentos para a História

o Partidão estar bastante enfraquecido devido às dissidências formadas a partir de


1964 e que seus melhores quadros estavam “queimados” e não poderiam ingressar no
partido, por serem facilmente identificados pela repressão. Entre 1966 e 1978 dezenas
de pecebistas e políticos acusados de vinculação com o PCB foram cassados ou tiveram
suas candidaturas impugnadas. No entanto, a própria presença dos comunistas do
MDB – muito criticada pelas esquerdas revolucionárias - contribuiu para garantir alguma
respeitabilidade e mesmo apoio de setores mais politizados e intelectualizados. Por outro
lado, essa atuação incomodou setores emedebistas moderados, receosos da intervenção
estatal, da reação do eleitorado conservador ou por serem eles próprios anticomunistas.
49
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. O MDB e as esquerdas. In: FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel
Aarão (org.). As esquerdas no Brasil. Volume 3. Revolução e Democracia (1964-...). Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
50
KLIPPEL, Sandra Regina; SEBASTIANI, Sylvio. Sylvio Sebastiani: um nome, muitas
histórias. Curitiba: Ed. do Autor, 2012. p. 61.
51
KLIPPEL, Sandra Regina; SEBASTIANI, Sylvio., op. cit., p. 65.
52
KLIPPEL, Sandra Regina; SEBASTIANI, Sylvio., op. cit., p. 81.
53
KLIPPEL, Sandra Regina; SEBASTIANI, Sylvio., op. cit., p. 95.
54
Apesar da imposição do AI-5 e das prisões efetuadas na Chácara do Alemão, alguns
estudantes ainda tentaram se manifestar contra o regime. Indignados com a situação
política do país, consta na ficha de Sérgio Antônio Barreto de Faria na DOPS que, durante
as férias de verão no início de 1969, um grupo de estudantes promoveu manifestações
e invadiu o DCE da UFPR, que fora fechado, recolhendo equipamentos e pichando o
estabelecimento em sinal de protesto. Curioso observar outra notificação na ficha de
Sérgio Faria referente à suposta participação, em fevereiro de 1970, no “Movimento
Estudantil Secundarista (MES)”, portanto no período plúmbeo da repressão.
55
Marcos Napolitano historia brevemente a trajetória do ME nesse período intermediário,
destacando atos públicos (como o velório de um estudante paulista, em 1974) que
poderiam ser considerados marcos em uma retomada no ME, muito antes do final da
década. Contudo, essas mobilizações se caracterizaram, sobretudo, pelo seu caráter
intramuros, que foi revertido ao passo que avançava a abertura lenta, gradual e segura
(sob intensa pressão da sociedade).
56
ESTADO DO PARANÁ. Comissão Especial. Processo nº 209, datado de 10 de fev. de 1998
(p. 3 do arquivo digital).

138
Capítulo 3
Da doutrina de Segurança
Nacional à abertura política

A repressão e as violações de
Direitos Humanos no Paraná

Após a Segunda Guerra Mundial, com a derrota de seu inimigo


comum, a Alemanha nazista, recrudesceram as tensões entre URSS
e EUA. As duas superpotências disputavam agora a hegemonia mun-
dial. No Brasil, boa parte das elites civis e militares estava alinhada
com o mundo “cristão e ocidental” contra o socialismo soviético. O
clima da Guerra Fria acirrou o anticomunismo no país, ainda mais
a partir da Revolução Cubana. De Washington vinha a mensagem
que encontrava eco em amplos setores: era preciso conter o avanço
vermelho no continente. Isso significava que o inimigo era também
interno. Fazia-se necessário combater os elementos subversivos
infiltrados nos territórios nacionais. “A fronteira a ser defendida
passaria a ser ideológica (e não mais geográfica) e o inimigo seria,
primordialmente, um ‘inimigo interno’, que poderia ser qualquer
cidadão simpatizante ou militante do comunismo”1. Eis as linhas
gerais da Doutrina de Segurança Nacional (DSN), oriunda da Fran-
ça e aplicada e desenvolvida pelos EUA e propagada no Brasil pela
Escola Superior de Guerra, fundada em 1949.
Os militares brasileiros seriam ainda influenciados pela Dou-
trina de Contrainsurgência, elaborada pelos militares franceses em
seus esforços para suprimir as guerrilhas nacionalistas em suas co-
lônias, como Argélia e Indochina. Além dos mecanismos tradicionais,

139
Depoimentos para a História

os insurgentes deveriam ser combatidos empregando-se métodos


policiais, inclusive interrogatórios à base de torturas, com a vigilância
e o cerco estratégico de suas bases sociais e geográficas. Para essa
visão de mundo visceralmente anticomunista, que foi se condensando
nas elites civis e militares brasileiras ao longo da Guerra Fria, qual-
quer esforço de mobilização das massas trabalhadoras deveria ser
contido, pois abria uma possível brecha para a penetração da “sub-
versão”. “Ao mesmo tempo, a Doutrina de Segurança Nacional deu
novo élan ao velho conservadorismo local, permitindo e justificando,
em nome da DSN, a manutenção de velhos privilégios econômicos e
hierarquias sociais”. Com as armas apontadas para os comunistas,
o reformismo trabalhista foi extirpado da agenda política nacional2.
Dessa forma, do final dos anos 1940 até o retorno dos milita-
res aos quartéis em meados dos anos 1980, suprimir a “subversão”,
combater a “guerra revolucionária” e defender a “civilização cristã”
foram expressões correntes no léxico das elites civis e militares e na
legislação do regime de exceção. Também integraram e legitimaram
o discurso e a prática nos porões da repressão, inclusive durante os
processos de tortura e nos tribunais. As fontes dessa forma de ver o
mundo: a Doutrina de Segurança Nacional e da “Contrainsurgência”
ou “guerre révolutionnaire”. O agente catalisador: o anticomunismo.
Foi esse o referencial que fundamentou a repressão também no
Paraná, cujas ações variaram conforme o momento vivido pela dita-
dura. Assim como no país, a repressão exercida pela ditadura variou
muito em suas formas e intensidade conforme o período e o lugar.
Devemos ter o cuidado de considerar a especificidade da repressão em
cada fase do regime, além das diferenças entre os Estados brasileiros.
Ainda, não podemos ignorar que, não obstante o início e o final da
ditadura terem sido momentos de maior abertura e arrefecimento da
repressão, mesmo neles houve registros de atos de tortura. Exem-
plos da fragilidade desse recorte temporal são as mortes de Vladimir
Herzog (1975) e Manuel Fiel Filho (1976), a Chacina da Lapa (1976),
as cassações de mandatos na segunda metade dos anos 1970 (caso
do Deputado Federal Alencar Furtado e tantos outros) e as operações
Marumbi e Barriga Verde, deflagradas no final de 1975 no Paraná e
Santa Catarina, que culminaram no sequestro, prisão e tortura de
vários militantes do PCB, em um momento onde já se planejava a
abertura. As denúncias das torturas praticadas pelo DOI-CODI do

140
Resistência à ditadura Militar no Paraná

Rio de Janeiro contra supostos integrantes do Movimento de Eman-


cipação do Proletariado, sequestrados em 1977, revelam por um lado
a maior abertura da imprensa, o desmantelamento da censura, mas
por outro a continuidade de suplícios nos porões da ditadura – ainda
que não com a mesma difusão dos Anos de Chumbo3.
Para facilitar a compreensão do processo, é possível traçar uma
divisão nacional grosseira em três grandes períodos. O primeiro vai do
golpe em 1964 até o AI-5, quando a repressão estava se organizando
e não havia suprimido completamente a estrutura legal de defesa
dos cidadãos, dispondo estes de recursos jurídicos para se contra-
por ao arbítrio do Estado, como o habeas corpus e outras garantias
constitucionais. O segundo e mais sufocante, repressivo e mortífero,
os “Anos de Chumbo”, situa-se entre o AI-5, dezembro de 1968 a
1973, e o início da abertura, em meados dos anos 1970. O terceiro
compreende o momento de incorporação da política governamental
de “abertura lenta, gradual e segura”, a partir de 1974, com a posse
do general Ernesto Geisel, quando o estado de exceção foi gradati-
vamente perdendo seus instrumentos de ação, com a revogação do
AI-5 e da censura e a promulgação da Lei da Anistia, ainda que tenha
sido parcial, cumpriu importante papel à época. Não é fruto do acaso
que em cada uma dessas fases da repressão tenha havido formas
diferenciadas de resistência, localizando-se o grosso das tentativas
de luta armada justamente no período mais duro (salvo aventuras
esporádicas anteriores) e os trabalhos de massa e atos públicos nos
momentos iniciais e finais, de maior liberdade de ação e organização.
Entre 1964 e 1969 foram editados cinco atos institucionais que,
“juntamente com os atos complementares, as sucessivas emendas
constitucionais, a Lei de Imprensa, a Lei de Segurança Nacional e
outras, formaram o elenco das leis de exceção” ou o edifício jurídico
que regulamentou e consolidou o golpe e a repressão decorrente.
Quanto aos braços oficiais do regime, estes eram as forças armadas e
seus serviços de inteligência, o Sistema Nacional de Informação (SNI),
o Centro de Inforações do Exército (CIE), o Centro de Informações da
Marinha (CENIMAR), o Centro de Informações da Aeronáutica (CISA),
o Departamento de Operações Internas – Centro de Operações de
Defesa Interna (DOI-CODI) -, a Delegacia de Ordem Política e so-
cial (DOPS)4, a Polícia Federal, as secretarias de Segurança Pública
dos estados e as polícias Civil, Militares e do Exército. Fechando

141
Depoimentos para a História

esta arquitetura legal estava a Justiça Militar e as auditorias nos


estados, que tiveram suas atribuições acrescidas a partir dos atos
institucionais. Operando junto a essas instituições, prestando ‘re-
levantes serviços’, estavam os informantes e grupos legalizados ou
clandestinos, como os esquadrões da morte, o Comando de Caça
aos Comunistas (CCC), o movimento Tradição, Família e Propriedade
(TFP), o Movimento de Arregimentação Feminina, a Campanha da
Mulher Democrática, e os movimentos e frentes anticomunistas5.
Já durante a ditadura, foi criado o Serviço Nacional de Inteli-
gência, buscando sistematizar os dados recolhidos, e diversos outros
órgãos de informação e repressão passaram a atuar ativamente,
destacando-se os serviços de inteligência das forças armadas (Ce-
nimar, CISA, CIE - DOI-CODI), as regiões militares e as corporações
policiais. Esse complexo repressivo se tornou implacável a partir do
AI-5, salvo exceções pontuais que conseguiram se beneficiar das es-
porádicas rixas entre instituições ou do desencontro de informações.
Até o AI-5, ao passo que as resistências buscavam reconstituir
os movimentos de massa inicialmente desarticulados e promover
atos públicos, a ditadura se valeu, sobretudo, de processos judiciais
para exercer a repressão, destacando-se a instauração dos Inquéritos
Policiais Militares (IPMs)6. Estudantes foram suspensos e professores
demitidos sumariamente ainda que a repressão universitária tenha
tido sua forma jurídica específica com o Decreto-Lei 477, de fevereiro
de 1969. O primeiro Ato Institucional, já instaurando o estado de
exceção, fundamentou centenas de cassações de mandatos e sus-
pensões de direitos políticos, atingindo civis e militares de forma
sumária e sem direito à defesa. Os arquivos acumulados pela DOPS
sustentavam os processos e as punições7.
Em 1964, foram realizadas centenas de prisões em todo o
Paraná, sobretudo de dirigentes sindicais, militantes e cidadãos
que pudessem contestar a nova ordem instalada. Iniciou-se com
o golpe um período dos “expurgos” e processos, que continuaram
até o final dos anos 1980. O jornalista e pesquisador Milton Ivan
Heller menciona um levantamento do Comitê Londrinense pela
Anistia e Direitos Humanos, segundo o qual entre 1964 e 1969
ocorreram 2.726 prisões no Paraná de suspeitos de fazerem opo-
sição ao regime. Até março de 1974 teriam ocorrido outras 975 e
mais 97 até o final do regime8.

142
Resistência à ditadura Militar no Paraná

Após o AI-5, o DOI-CODI, vinculado ao exército, tomou a frente


na repressão extrajudicial, com sequestros, torturas e assassinatos.
No Paraná, papel central coube à 5ª Região Militar, com jurisdição
também sobre Santa Catarina. A repressão era exercida em conso-
nância e com a contribuição das autoridades estaduais estabelecidas,
com contatos, trocas de informação e ações conjuntas das diferentes
instituições, muitas vezes sem qualquer conhecimento do secretário
estadual de Segurança Pública. Em consonância com a bibliografia
especializada, a partir de suas leituras e experiência pessoal, o ad-
vogado de presos políticos Antônio Acir Breda faz um recorte preciso
das etapas da repressão no Paraná, colocando o AI-5 e a instalação
do DOI-CODI no Estado como os marcos da transição entre a fase
mais branda e o período mais duro. “O detido perante o DOI-CODI era
submetido a toda a sorte de sevícias. Até que se obtivesse dele uma
confissão, feita por escrito. Depois de assinar, o preso ficava numa
quarentena para que desaparecesse qualquer vestígio de violência
física a que fora submetido”, afirmou Breda em seu depoimento.
Outro destacado advogado de presos políticos, Renê Ariel
Dotti, corrobora esse entendimento ressaltando a relevância do AI-5
nessa nova fase da repressão, como instrumento que possibilitou a
sistematização da tortura como política de Estado. Em suas pala-
vras, “o processo de tortura se fazia de uma maneira absolutamente
sigilosa, onde não havia possibilidade de habeas corpus, porque já
era a época maior de tortura”.
Vamos ao exemplo dos estudantes presos em massa na Cháca-
ra do Alemão, quatro dias após a edição do AI-5. Ainda que nenhum
tenha sido torturado fisicamente, a forma como o processo dos es-
tudantes presos em dezembro de 1968 foi conduzido e seu desfecho
são paradigmáticos do recrudescimento da repressão após o AI-5,
também por via judicial. Dos 42 detidos, 27 foram liberados e 15
condenados à prisão (dentre estes duas mulheres: Judite Trindade
e Elizabeth Franco Fortes), sem que fosse prestado esclarecimento
convincente dos critérios utilizados. Formalmente, foi aberto um
Inquérito Policial Militar na Auditoria da 5ª Região Militar e os 15
foram condenados por contrariar o Decreto-Lei nº314, de 14 de
março de 1967, em seus artigos 23, 36 e/ou 389.
Conforme já mencionado, a repressão aos estudantes do
Paraná ocorreu quatro dias após o decreto do AI-5. Daí em diante,

143
Depoimentos para a História

iniciou-se também o processo de desmantelamento das esquerdas


armadas, que recrudesceu e multiplicou as violações de Direitos
Humanos. Inclusive, a população de presos políticos no Presídio Pro-
visório do Ahu cresceu, e a partir de então se tornou comum detidos
serem sujeitados a retiradas da prisão para novos interrogatórios e
tortura. Em decorrência, o período de cumprimento das penas foi de
extrema tensão, ameaça, insegurança em relação ao futuro e forte
sentimento de vulnerabilidade.
Nesse processo notabilizaram-se alguns locais como os maiores
centros de tortura no Paraná. A sede da DOPS foi, talvez, o primeiro
espaço de tortura no Estado, chamando atenção também o Quartel
do Exército em Foz do Iguaçu e o Quartel do Exército em Apucarana,
encarregando-se ambos de promover a repressão nas regiões onde es-
tavam inseridos. Em Curitiba vai se projetar como um grande centro
de repressão e tortura o Quartel da Polícia do Exército na Praça Rui
Barbosa, na região central, até 1975, quando cede lugar neste ano
para um local clandestino de tortura onde os presos políticos eram
levados com os olhos vendados. Mais de 130 pessoas passaram por
esse local nas Operações Marumbi e Barriga Verde.
Entre setembro e outubro de 1975 ocorreu a última grande
ação da repressão no Paraná da Ditadura envolvendo tortura co-
letiva, quando houve uma nova leva de presos políticos decorrente
da operação Marumbi (processo político nº 745). Milton Ivan Heller
se refere em seu livro a um comunicado divulgado no dia 14 de
novembro de 1975, pelo general Samuel Alves Corrêa, então coman-
dante da 5ª RM, no qual o objetivo oficial da operação é colocado
como neutralizar a atuação do PCB no Estado. Diz o comunicado
que, a ação “desarticulou completamente o dispositivo subversi-
vo-comunista no Paraná, reconfortando a família paranaense de
que os órgãos de segurança continuarão vigilantes na sua missão
de garantir a tranquilidade e a ordem indispensáveis ao trabalho
profícuo”10. As prisões foram efetuadas pela DOPS e DOI-CODI,
com o amparo da PM. Segundo depoimentos de presos políticos,
teriam operado duas equipes de torturadores, uma local e outra
proveniente da OBAN de São Paulo11. Elas passaram a ter um padrão
semelhante ao adotado nos anos de chumbo em outros Estados,
que era sequestrar e levar algemado e com os olhos vendados para
um local clandestino de tortura.

144
Resistência à ditadura Militar no Paraná

É importante lembrar que tais prisões e as suas característi-


cas violentas de sequestro e venda nos olhos, um tanto que fora do
tempo, estavam relacionadas com a linha dura do regime contrária
à proposta de abertura lenta, gradual e segura de Geisel/Golbery. O
Comandante da 5ª. Região Militar, o Gal. Samuel Guimarães alinha-
va-se a esse segmento, comandado pelo General Silvio Frota, Ministro
do Exército no período. Também o Comandante da 2ª. Região Militar
de São Paulo, o General Ednardo D’Avila lia pela mesma cartilha.
As prisões tiveram o claro objetivo de demonstrar, de um lado a
ligação do PCB com expressivas lideranças do MDB recém-eleitas,
e de outro o avanço dos comunistas no Brasil, o que demandava a
manutenção do fechamento do regime e não a sua abertura como
propunha o governo do General Geisel. A demissão do comandante
do 2º. Exército de São Paulo em 1976, logo após o assassinato do
operário Manuel Fiel Filho, sob tortura, revelou uma queda de braço
entre as duas correntes, que culminou com a demissão do Ministério
do Exército do General Silvio Frota.
Ao cumprirem suas penas, os presos políticos, estigmatizados,
terminavam um flagelo para iniciar outro: a perseguição do regime,
geradora de imensa dificuldade de adaptação, danos psicológicos
(insegurança, forte tensão, depressão, pesadelos frequentes, dis-
túrbio de sono) e prejuízos morais e materiais. Em “liberdade”,
eram monitorados em seus passos e mantidos à margem da so-
ciedade, tachados de “subversivos e terroristas” e ignorados pelas
pessoas, ou evitando-as para não prejudicá-las. Eram vítimas de
ameaças constantes por órgãos da repressão e da sociedade (como
o Comando de Caça aos Comunistas), sujeitados à demissão do
emprego anterior, à imposição de uma situação de desemprego e
ao impedimento de retomarem os estudos. Importante mecanismo
dessa perseguição e marginalização operada pela repressão era a
exigência de certidão de antecedentes criminais e boa conduta para
admissão em trabalhos e faculdades.
Junto às prisões políticas, torturas e perseguições pós-cárcere,
após o AI-5 continuaram as suspensões de direitos políticos, cassa-
ções de mandatos e exonerações. Poucos meses após o “golpe dentro
do golpe”, vários parlamentares foram cassados em todo o Brasil,
caso do então Deputado Federal e importante liderança emedebis-
ta paranaense Léo de Almeida Neves. Juízes que se posicionavam

145
Depoimentos para a História

absolvendo “elementos subversivos” e militares – caso do coronel


Francisco Boaventura Cavalcanti – também foram afastados, pela
falta de subserviência aos arbítrios do regime.
No longo período de “abertura lenta, gradual e segura”, que
vai de 1974 até o final do regime, as divergências dentro do grupo
dirigente estavam ainda mais marcadas. Com a hegemonia das
alas “brandas”, favoráveis ao processo de abertura, os políticos e
militares da “linha dura” passaram a um segundo plano, agindo
clandestinamente. Afinal, diferentemente dos Anos de Chumbo,
quando a tortura e o assassinato de militantes eram políticas de
Estado, a linha majoritária do governo era mais branda. Destaca-se
nesse momento, além de ações esporádicas arbitrárias do regime, a
ação de grupos para-oficiais, outrora tolerados e incentivados, como
o Comando de Caça aos Comunistas. Foi um período coalhado de
contradições, sendo a principal delas, e talvez o motor das demais,
o próprio processo de abertura que se arrastou por dez longos anos.
Nacionalmente, caracterizam o início dessa inflexão do regime as
mortes de Vladimir Herzog, em outubro de 1975, e a do operário
Manoel Fiel Filho, em janeiro de 1976.
No Paraná, no início desse período, que deveria ser de dis-
tensão, ocorrerão as maiores violações de Direitos Humanos em
grande escala que o Estado conheceria com as Operações Marum-
bi e Barriga Verde. Com a queda do comandante da linha dura,
o General Silvio Frota, a partir de 1977 as violações terão menor
intensidade. Algumas prisões e sequestros acontecerão, mas sem
o peso e a envergadura de anos anteriores. É possível destacar no
período o sequestro da professora Juracilda Veiga, mas que com a
pronta mobilização da sociedade, principalmente da igreja católica,
seu desfecho foi bastante rápido. Também as prisões do professor
universitário da Faculdade Estadual de Apucarana, Paulo Antonio
de Oliveira Gomes, e do pessoal das escolas maternais Oca e Ofici-
na em 1978 (os 11 de Curitiba) terão uma reação muito grande da
sociedade civil. O aparato repressivo não mais podia agir à vontade,
pois suas ações eram prontamente respondidas com denúncias da
sociedade civil e os jornais começavam a divulgá-las.
É nesse contexto em que o aparato repressivo perde força e a
sociedade civil se mobiliza que se intensificam as ações clandestinas
de terrorismo e ameaças por parte da “comunidade de informações”

146
Resistência à ditadura Militar no Paraná

agrupadas ou não nos CCCs, ou simplesmente de dentro dos DOI-


CODI. Atentados à bomba a bancas de jornal que vendiam periódicos
alternativos como o Pasquim, o Movimento, Em Tempo, o Hora do
Povo e outros. O atentado à sede da OAB no Rio de Janeiro, com a
morte de sua Secretária e mesmo o frustrado atentado ao Riocentro
com uma bomba explodindo no colo de um sargento e de um capitão
do Exército, ambos do DOI-CODI do Rio de Janeiro, são reveladores
da conjuntura do período.
Em Curitiba, se os atentados a bomba não se confirmaram,
é preciso lembrar as ameaça das cartas do CCC a bancas de jor-
nais e a pessoas que se expunham ao militarem nos movimentos
de oposição ao regime como a Professora Neide de Azevedo Lima,
presidente do Movimento pela Anistia, ao Narciso Pires, presidente
do CBA-Curitiba, Luiz Alberto Manfredini, Edésio Passos e outros.
A professora Neide chegou a ter o seu carro depredado e Narciso
teve o freio de seu carro sabotado, tendo sido trocado o fluído de
freio por água e sabão.
Estudantes foram presos em 1977 como Claudio Fajardo e Ivo
Pugnaloni e ainda que ameaçados não sofreram torturas físicas. Inú-
meras prisões aconteciam, mas a reação mobilizadora da sociedade
civil não mais permitia que ficassem presos mais do que algumas
horas. Muitas serão as prisões entre 1978 e 1982. O próprio Narciso
Pires será preso mais quatro vezes entre 1981 e 1982, permanecen-
do nessa condição por apenas algumas horas, lembrando que ele
já tinha sido preso em 1970 por 15 dias e em 1975, na Operação
Marumbi, por dois anos. O regime definitivamente perdia força.

A reorganização partidária e as eleições de 1982

O grupo político militar em volta de Geisel/Golbery, con-


siderado mais brando e que tinha garantido a sucessão de Medici,
percebeu que o regime estava com os seus dias contados. A vitória
eleitoral do MDB, partido criado pelo AI-2 de 1965 para funcionar
como oposição consentida e que se tornara o desaguadouro de
toda insatisfação do país, não deixava dúvidas. Para esse grupo, a
“abertura política” era inevitável e era preciso adotar medidas para

147
Depoimentos para a História

administrá-la, tornando-a “lenta, gradual e segura”. De cara os meios


de comunicação, nos horários eleitorais, foram engessados com a Lei
Falcão de 1º de julho de 1976, que permitia aos candidatos apenas
exibir o seu retrato, o seu currículo e o seu número de registro elei-
toral. Desta forma impedia que ela fosse usada pela oposição para
criticar o regime.
Em 1977 veio o pacote de abril, uma mini reforma constitu-
cional que além de introduzir a figura do “senador biônico”, eleito
indiretamente por um colégio eleitoral e que garantia para 1978 a
renovação de um terço do Senado, também mudava a representação
política na Câmara dos Deputados, fazendo com que os pequenos Es-
tados aumentassem a sua representação em detrimento dos Estados
mais populosos, onde a oposição tinha sido amplamente vitoriosa
em 1974. A eleição deste ano demonstrava claramente o avanço da
oposição nos Estados mais populosos do país. Também mudava o
“quórum” para aprovação de emendas constitucionais que deixava
de ser de dois terços para maioria absoluta e ampliava o mandato
presidencial de cinco para seis anos. Com essas medidas o regime
mantinha o absoluto controle do Congresso Nacional, mesmo que
a oposição fizesse a maioria dos votos, além de ganhar mais fôlego
na presidência da República.
Mesmo com as limitações do pacote de abril impostas à opo-
sição, tudo indicava que o seu avanço era inevitável e assim outras
medidas e estratégias foram tomadas e construídas. A Anistia restrita
e a reformulação partidária faziam parte da estratégia de conter o
avanço da esquerda brasileira que aos olhos do regime, estava re-
nascendo. Com a reformulação partidária o regime acreditava no
esfacelamento da frente de oposições que se construíra no MDB e
com a Anistia, além de assegurar a impunidade dos golpistas de
1964, ela permitia o retorno à cena política de expressivas figuras
que disputariam o espaço da oposição, dividindo-a. Assim em 1980,
a Arena se transforma no PDS e o MDB em PMDB, mas também
surgem o Partido dos Trabalhadores (PT) de Luiz Inácio Lula da Silva,
o PP de Tancredo Neves, o PDT de Brizola e o PTB de Ivete Vargas.
Este último controlado por Golbery, através da sobrinha de Getú-
lioVargas, artifício usado para impedir que Leonel Brizola tivesse
acesso à legenda histórica do qual fora um dos grandes caciques
antes do golpe militar.

148
Resistência à ditadura Militar no Paraná

Com o adiamento das eleições municipais de 1980 (parte da


estratégia da ditadura), para 1982 a eleição seria de vereador, prefeito
(com exceção das capitais e dos municípios de fronteira e estâncias
hodrominerais, considerados áreas de segurança nacional), governa-
dor, deputado estadual, deputado federal e senador (um terço). Nos
primeiros meses de 1982, o regime militar impõe a vinculação total
dos votos e o impedimento de coligação partidária. Os estrategistas
do regime acreditavam que o eleitor iria escolher primeiramente o
prefeito e a partir dessa escolha definiria os demais votos. Era sabi-
do que ele controlava a maioria dos municípios brasileiros e assim
esperava vencer as eleições de 1982. Diante desse novo quadro o PP
de Tancredo Neves se considera inviável e funde-se com o PMDB.
De qualquer forma, o regime militar garantirá a maioria na Câmara
dos Deputados e no Senado. Ainda que a diferença na Câmara não
fosse tão grande, no Senado ela era bem significativa em razão dos
senadores biônicos de 1978.

As Diretas Já e o colégio eleitoral

Nas eleições de 1982 seria eleito um jovem deputado federal


por Mato Grosso, Dante de Oliveira, que imediatamente a sua posse
protocolaria uma emenda à Constituição Federal propondo eleições
diretas para presidente da República. Seria em torno dessa emen-
da que o Brasil inteiro iria se mobilizar no maior movimento cívico
de sua história. O primeiro grande comício do que ficaria sendo
convencionado chamar-se “Diretas Já” foi em Curitiba, na Boca
Maldita, centro da cidade. Na noite de 12 de janeiro de 1984, 50
mil pessoas gritariam em uníssono pelas diretas para presidente da
República. No Rio, em seguida, foram mais de um milhão de pesso-
as na Cinelândia, e em São Paulo um milhão e 700 mil no Vale do
Anhangabau. O amarelo, cor da campanha, espalhava-se por todo
o Brasil. Apesar da gigantesca mobilização, em seus primórdios a
mobilização foi ignorada pela Rede Globo, maior rede de emissoras
de televisão da época e que apoiava o regime militar. De tal forma
que ela começou a ser hostilizada com o povo cantando nas ruas e
praças: “O povo não é bobo. Abaixo a Rede Globo”.

149
Depoimentos para a História

Para frustração de todos, a emenda Dante de Oliveira, apesar


dos 298 votos favoráveis e apenas 25 contrários, não conseguiu o
quórum necesário para ser aprovada e seguir para o Senado em
razão da ausência de 112 deputados do PDS, sendo, portanto,
rejeitada em abril de 1984. Diante das primárias do PDS que indi-
caram Paulo Maluf candidato a presidente para o Colégio Eleitoral
de 1985, derrotando o Coronel Mario Andreazza, um grupo forte do
partido governista com Antonio Carlos Magalhães e José Sarney à
frente racha e este último é indicado vice-presidente para compor a
chapa com Tancredo Neves. Como parte da negociação e viabilizar
a chapa, Sarney, que já tinha presidido a Arena em 1979, filia-se ao
partido de Tancredo, o PP. A vitória no Colégio Eleitoral é arrasadora
e a chapa oposicionista garante 480 votos contra 180 dados a Ma-
luf. Tancredo morre antes de assumir e Sarney, o ex-presidente da
Arena e que tinha apoiado o regime militar durante os mais de 20
anos de sua existência, torna-se o primeiro presidente civil desde
1964, permanecendo no poder até 1989. Os militares voltam para
os quartéis, porém os civis golpistas continuarão exercendo o poder.
O último ditador, General João Baptista Figueiredo, recusa-se
a passar a faixa presidencial para Sarney e se retira do Palácio do
Planalto pelas portas dos fundos. Os militares deixam o governo, mas
não se afastam do poder, permanecendo como uma sombra a ameaçar
a nação. A transição brasileira revela-se mais como uma transação
e os golpistas de 1964, incluindo os torturadores e assassinos do
regime, jamais seriam responsabilizados pelos seus crimes de viola-
ção dos Direitos Humanos. O país se abre politicamente, mas toda a
conformação sócio e econômica construída no período será mantida,
sendo incapaz de reduzir significativamente as desigualdades sociais.

NOTAS Capítulo 3: Da doutrina de


Segurança Nacional à abertura política

1
NAPOLITANO, Marcos. 1964: história do regime militar brasileiro. São Paulo: Contexto,
2014. p. 10.
2
NAPOLITANO, Marcos., op. cit., p. 11.
3
DEAP. Pasta DOPS: Movimento de Emancipação do Proletariado, nº 1389, Topografia: 165.
4
Em todo o período da ditadura, as delegacias de Ordem Política e Social (DOPS)
exerceram destacado papel de acúmulo e processamento das informações e repressão,

150
Resistência à ditadura Militar no Paraná

possibilitando a onda de prisões tão logo o golpe civil-militar foi desfechado. Atuando
desde a “Era Vargas”, a instituição cresceu durante o período populista, diversificando sua
atuação e iniciando cooperações internacionais. Mesmo antes do golpe, já desempenhava
suas atividades com desenvoltura e autonomia nos estados, acompanhando os passos
e fichando elementos nacionalistas, democratas convictos e as esquerdas. Desde seus
primeiros anos, a DOPS concentrou suas atenções nas atividades do PCB, debruçando-se
posteriormente sobre – além do partidão - os vários partidos e movimentos de esquerda,
surgidos durante a ditadura. Vinculada à Secretaria de Estado de Segurança Pública, sua
função era localizar e prender pessoas consideradas perigosas pelo governo.
5
HELLER, Milton Ivan. op.cit., p. 48; 55.
6
Os IPMs – utilizados durante toda a ditadura - encontravam respaldo “legal” no artigo
oitavo do primeiro ato institucional, que estabelecia que inquéritos e processos seriam
instaurados para apurar a responsabilidade dos cidadãos em crimes contra o Estado, seu
patrimônio e a ordem política e social, como a promoção de distúrbio da ordem, subversão
e guerra revolucionária. Os IPMs foram utilizados para casos individuais e coletivos, e
atingiram milhares de cidadãos.
7
Para citar alguns casos, o juiz Aldo Fernandes teve seus direitos políticos cassados já nos
primeiros dias da ditadura, sendo logo aposentado compulsoriamente. Outro que perdeu
seus direitos políticos foi Walter Alberto Pécoits, importante figura política do sudoeste do
Paraná, envolvido na Revolta dos Posseiros (lutas entre posseiros, companhias de terra e
o governo). O ex-deputado constituinte, José Rodrigues Vieira Netto, também foi afastado
de sua cátedra de direito civil na UFPR, ainda em 1964. Régines Prochmann também foi
desligado de sua função de médico residente da UFPR, em 1964. Amílcar Gigante foi
outra pessoa vitima de expurgos, mas em um período posterior. Foi proibido de lecionar
em 1969, já na vigência do AI-5. FÓRUM PARANAENSE DE RESGATE DA VERDADE,
MEMÓRIA E JUSTIÇA. Disponível em: <http://www.forumverdade.ufpr.br/?p=3484>.
Acesso em 31 jan. 2014.
8
HELLER, Milton., op., cit., p. 370.
9
MACHADO, Angela Alves. Minicongresso de Curitiba: da prisão à liberdade. Comunicação
individual realizada no IX Encontro Regional de História da ANPUH-PR, junho de
2004. Disponível em: <http://www.pr.anpuh.org/resources/anpuhpr/anais/ixencontro/
comunicacao-individual/AngelaAMachado.htm>. Acesso em 8 jan. 2014. Junto com as
duas estudantes mencionadas, foram condenados: Antônio João Manfio, Vitório Sorotiuk,
Charles Chapion Jr., Mauro Daisson Otero Goulart, Dacio Villar, Celso Mauro Paciornik,
Berto Luiz Curvo, Helio Urnau, Marco Apolo dos Santos Silva, João Bonifácio Cabral Jr.,
“Iran Vieira Dias” (nome fictício), Marco Antônio Nascimento Pereira e Mario Oba.Quanto
aos artigos do decreto-lei nº314 nos quais esses estudantes foram enquadrados:
Art. 23. Praticar atos destinados a provocar guerra revolucionária ou subversiva:
Art. 36. Fundar ou manter, sem permissão legal, organizações de tipo militar, seja qual fôr
o motivo ou pretexto, assim como tentar reorganizar partido político cujo registro tenha
sido cassado ou fazer funcionar partido sem o respectivo registro ou, ainda associação
dissolvida legalmente, ou cujo funcionamento tenha sido suspenso [UNE]:
Art. 38. Constitui, também, propaganda subversiva, quando importe em ameaça ou
atentado à segurança nacional:
I - a publicação ou divulgação de notícias ou declaração;
Il - a distribuição de jornal, boletim ou panfleto;

151
Depoimentos para a História

III - o aliciamento de pessoas nos locais de trabalho ou de ensino. PRESIDÊNCIA DA


REPÚBLICA DO BRASIL. Casa civil, subchefia para assuntos jurídicos. Decreto-Lei
nº314, de 14 de março de 1967. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
decreto-lei/1965-1988/Del0314.htm. Acesso em 8 jan. 2014.
10
HELLER, Milton Ivan. Resistência democrática: a repressão no Paraná., op. cit., p. 369.
11
HELLER, Milton Ivan. Resistência democrática: a repressão no Paraná., op. cit., p. 382.
Conforme René Ariel Dotti, foram mais de cem detidos, em pelo menos doze cidades
do Paraná, com vários submetidos à tortura e mantidos em condições insalubres e
incomunicáveis. Ivan Heller aponta para cento e seis presos, com sessenta e cinco deles
denunciados e processados pela auditoria militar. Dentre os vários militantes presos na
referida operação estavam Osíris Boscardim, Honório Rúbio Delgado, Luís Gonzaga
Ferreira (presidente do MDB de Londrina), Paulo Simeão, Nilton Abel de Lima (vereador
em Paranaguá), Jorge Karam, Salim Haddad, Manoel Urquiza, Jacó Schmidt e Berek
Krieger. Foram condenados a quatro anos Francisco Luiz de França e Newton Cândido;
a três anos Ildeu Manso Vieira, Diogo Gimenez, João Alberto Einecke, Antônio Lima
Sobrinho, Flávio Ribeiro, Ubirajara Moreira, Mário Gonçalves Siqueira e Moacyr Reis
Ferraz; e a dois anos, Wladimir Salomão do Amarantes, Eujácio de Almeida, Antoniel
de Souza e Silva, Nicanor Gonçalves da Silva, Osvaldo Alves, Antônio Narciso Pires de
Oliveira e Genecy Guim arães (vereador em Paranaguá).

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Resistência à ditadura Militar no Paraná

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to-lei/1965-1988/Del0314.htm.

155
Depoimentos para a História

Quem faz o movimento? Entrevista com Zola Florenzano. Disponível


no site “Inverta – voz operária digital”, do PCML: <http://inverta.
org/jornal/edicao-impressa/55/movimento>. Acesso 17 jan. 2014.
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Londrina. Caderno 3, 16 de julho de 1978. p. 6.

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156
Capítulo 4:
Depoimentos de militantes
que atuaram no Paraná
contra a Ditadura

Ao longo do projeto “Depoimentos para a História - A Resistên-


cia à ditadura militar no Paraná” foram feitas gravações com cento e
cinquenta e nove pessoas, que tiveram alguma participação política
no período da ditadura civil-militar (1964-1985). Os depoimentos
começaram a ser gravados no final de junho de 2013 e foram até o
começo de 2014. A esse montante, acrescemos cinco depoimentos
realizados anteriormente pela Sociedade Direitos Humanos para a
Paz e pelo Grupo Tortura Nunca Mais.
Ainda que as expectativas iniciais de cem depoentes tenham sido
superadas, de forma alguma a presente compilação esgota o tema da
resistência e da repressão no Paraná. Afora as pessoas que já faleceram,
e aquelas que não conseguimos identificar ou acessar, algumas se ne-
garam a gravar suas lembranças do período, o que em partes indica que
esse passado ainda não foi, e talvez não possa ser, de todo superado.
A seguir o leitor encontrará um breve resumo de cada um dos depoi-
mentos realizados, que foram escritos a partir do que os próprios depoentes
afirmaram. Os vídeos com as gravações completas estão disponíveis no
site da organização (www.dhpaz.org) e podem também ser localizados no
www.youtube.com, bastando o interessado colocar na barra de buscas
desse site o nome do depoente que desejar e da entidade (DHPAZ).
Todas as imagens pertencem ao Acervo da Sociedade DHPAZ.

157
Depoimentos para a História

ACIR MACEDO
Idade – 69 anos
Profissão –Aposentado

ACIR MACEDO, sétimo de dez irmãos,


nasceu em Jaguariaíva, interior do Paraná,
em 1944. Com doze anos se mudou para
Ponta Grossa e começou a trabalhar em uma
loja de confecções. Lembra tanto das lágrimas
vertidas quando da morte de Vargas quanto
de seus primeiros passos na política estudantil, dados durante o
ginásio, quando “trepava nas cadeiras e dava discursos”.
Acir chegou a ganhar a presidência de um grêmio estudantil,
mas não pode exercê-la na época por não estar no científico, pas-
sando-a então a um colega e acompanhando a gestão. Participou
de congressos da UPES e da UPE em algumas cidades do estado e
presidiu uma seção regional por meio da qual ajudou na formação
de vários grêmios estudantis em Ponta Grossa e região.
Junto à oposição aos acordos MEC-USAID, Acir se recorda dos
boicotes que fizeram à Coca-Cola, à Colgate e a outras marcas estrangei-
ras. Em 1968, deixou a União Estudantil Secundarista de Ponta Grossa
e para fazer cursinho e tentar ingressar na universidade. Nessa época,
viajou várias vezes sozinho a Curitiba para participar de assembleias e
movimentos, como na tomada da reitoria. Com alguns colegas, chegou
a articular um cursinho voluntário para estudantes que pretendessem
ingressar na universidade, organizar alguns manifestos na faculdade
contra professores e a roubar um jipe e iniciar uma viagem malograda
até a Bolívia para tentar se unir à guerrilha do Che – porém, desistiram
no caminho. Sua atuação política se esgotara no início dos anos 1970,
embora tenha mantido uma quitinete por mais algum tempo a fim de
abrigar pessoas na clandestinidade e em trânsito.
Outras memórias de Acir nos levam por caminhos tortuosos de
ações anárquicas e simbólicas de oposição ao regime, como a destrui-
ção de um busto de Duque de Caxias na véspera do dia do soldado,
a denúncia aos maus-tratos infligidos a um sargento contrário ao
golpe e aos roubos de carros da elite pontagrossense, como aviso.

158
Resistência à ditadura Militar no Paraná

Contraditoriamente, ainda sob a ditadura chegou a se eleger


vereador pela ARENA, embora fosse alinhado com os colegas locais
do MDB. A imagem que Acir tem de Ponta Grossa é a de uma cidade
tradicionalista e medrosa, onde era difícil fazer oposição à ditadura e,
inclusive, os grêmios estudantis ficavam calados. Não havia um movi-
mento organizado de oposição, somente figuras carimbadas como as
que tacha de “comunistas bem sucedidos”, como Dino Coli e Felipe Che-
dde, e os “comunistas das esquinas”, do “cafezinho”, que só discutiam.
De forma geral, “Ponta Grossa era um pessoal conservador, qualquer
pessoa que saísse do normal era identificada e cortada daqui e dali”.

ADÉLIA LOPES SALAMENE


Idade – 63 anos
Profissão – Jornalista

ADÉLIA LOPES SALAMENE nasceu


em 1950, na “boca do Pantanal” sul-mato-
grossense. De Campo Grande testemunhou
o golpe militar, com um tanque estacionado
defronte de sua casa. Lembra que chegou em
Curitiba no dia do AI-5 e, tendo alguns co-
nhecidos no Movimento Estudantil, acompanhou o julgamento dos
jovens detidos na Chácara do Alemão, indo visitar os condenados
no presídio do Ahú. Sua turma de jornalismo, no ato de formatura
no início dos anos 1970, como sinal de protesto, recusou-se a fazer
solenidade de entrega dos diplomas, indo buscá-los na sala do reitor
e, ao final, disseram timidamente “viva a liberdade de imprensa”.
Anos mais tarde, envolveu-se com a ANAI – Associação Nacional
de Ação Indigenista, por meio da qual participou das lutas dos indí-
genas por suas terras no Paraná, e integrou o CBA-Curitiba em seu
processo de fundação, auxiliando na condição de jornalista, inclusive
chegou a publicar um jornal do grupo.
Adélia lembra ainda das atuações teatrais do grupo “XPTO”, das
prisões da Escola Oficina, onde estudava seu filho, das campanhas políti-
cas nas quais se envolveu auxiliando candidatos do MDB, de sua casa que
servira de aparelho e biblioteca para grupos que nem sabia quem eram,
e de algumas reportagens ousadas que fez, como os presos políticos de
1975, os militares contrários à Ditadura e a tortura de presos comuns.

159
Depoimentos para a História

Interpelada sobre sua fonte de inspiração confessou que “era


idealista, muito romântica” e “é o idealismo que te permite ser cora-
josa”. Ela homenageia com seu depoimento tantos outros brasilei-
ros e brasileiras que tiveram uma atuação modesta ou ficaram nos
bastidores na expectativa da redemocratização.

ADOLPHO MARIANO DA COSTA

Idade – 77 anos
Profissão – Advogado

Mineiro de Paranaíba, nascido em 1936,


ADOLPHO MARIANO DA COSTA mudou-se
para Juiz de Fora onde fez parte de seus estu-
dos, concluídos na capital paulista em meados
dos anos 1950. Em São Paulo iniciou suas
atividades políticas, fazendo o curso de dramaturgia do Teatro Arena e
direito na USP, onde se formou em 1965. Durante a faculdade, escre-
veu para alguns jornais, como “O Grasno” e participou das atividades
estudantis e culturais na universidade, aproximando-se do PCB.
Fugindo da repressão, mudou-se para Medianeira, Paraná, em
1966, onde instalou um escritório de advocacia por meio do qual
prestava assistência jurídica gratuita à população carente, como
posseiros, trabalhadores rurais e sem-terras. Atuava também como
correspondente jornalístico e fundador e mantenedor do jornal “O
Encontro”. Mais tarde, esses trabalhos possibilitaram sua eleição a
vereador. Nessa condição, participou da Associação de Vereadores
de Faixa de Fronteira, que reivindicavam liberdades institucionais
e o direito de eleger prefeitos.
Sua atuação social e o exercício crítico de seu mandato, em
meados dos anos 1970, renderam-lhe monitoramento constante,
perseguição e perda da legislatura. Os anunciantes de seu jornal
foram pressionados a abandonar a publicidade no veículo, foi feita
uma marcha de protesto contra sua obra “O donatário”, foi afastado
da docência, seu escritório foi invadido, o carro multado na pró-
pria garagem e, por fim, foi intimado a renunciar ou ser cassado,

160
Resistência à ditadura Militar no Paraná

o que veio a ocorrer. “Uma vez cassado procuravam dizer que eu


era um proscrito da sociedade, um morto civil”. Contudo, já com
a redemocratização, nos anos 1980, seu jornal voltou a circular e
ele foi eleito prefeito de Medianeira.
 Sua militância, sempre pautada pelas brechas legais que lhe
permitiam atuar, abrangeu ainda a fundação da comissão provisória
e depois diretório municipal do MDB – não obstante a oposição dentro
do próprio partido que considerava suas posições demasiado radicais
-, a luta em prol dos trabalhadores rurais (por meio da Comissão
Pastoral da Terra) e das populações indígenas, ambos atingidos pela
construção de barragens e alagamentos. Mariano chegou a escrever
um relatório para a OAB sobre a situação dos índios na região e, inclu-
sive, presidiu a subseção da ordem dos advogados, de Foz do Iguaçu.
No período final da ditadura, sagrou-se no teatro paranaense
com uma peça sobre os problemas gerados pelas barragens na re-
gião, chamada “Canal de Desvio”. Integrou o governo de José Richa,
apurando os casos de violação de Direitos Humanos nos presídios e
atuando para salvaguardar os direitos dos internos.
Seu extenso campo de ação abrangeria, ainda, a lei de execução
penal, a Constituição do Paraná, na condição de parecerista, e a pre-
sidência do Arquivo Público do Paraná, por meio do qual pressionou
pela abertura dos arquivos da repressão. Em decorrência dessa ousa-
da bandeira para liberação dos documentos da DOPS, mais uma vez,
agora em pleno regime democrático, sofreria ameaças e perseguição.
Um depoimento preciosíssimo, imperdível, que cobre mais de cinquenta
anos de luta travada nas brechas da lei por uma sociedade mais justa.

ALCIDINO BITTENCOURT PEREIRA


Idade – 75 anos
Profissão – Advogado e Urbanista

“Minha vida toda foi marcada por ati-


vidades políticas”. A Afirmação de Alcidino
Bitencourt Pereira, nascido em Curitiba em
1937, traz à tona a trajetória de um militante
que resistiu à perseguição, à prisão, às torturas

161
Depoimentos para a História

e ao exílio. Filho do Deputado Estadual Alcides Pereira Junior, Alcidino


lembra que o final da década de 1950, quando terminava o curso de
Direito na UFPR, foi um período rico de discussões das possibilidades
para o Brasil. No meio estudantil, a polarização entre nacionalistas e
imperialistas monopolizava o cenário político.
Pela via do teatro engajado, Alcidino e um grupo de amigos
como Edésio Passos e Walmor Marcelino organizaram o Teatro Po-
pular de Curitiba, encenando para trabalhadores peças e esquetes
que apresentavam novas teses para melhorar a vida das pessoas.
Já graduado, Alcidino deixa Curitiba para trabalhar no Sindicato
dos Metalúrgicos de Cubatão, no litoral paulista, onde leva a ex-
periência do teatro.
“Os meses que antecederam o golpe de 1964 foram intensos e
ricos para o debate”, destaca. Alcidino lembra que na véspera do trinta
e um de março convocou os trabalhadores para uma vigília no sindicato.
Ao chegar já encontrou os agentes do Dops e foi ‘convidado’, junto com
mais de cem trabalhadores, a ir para sede da delegacia. “Lá eu tive a
dimensão da tragédia”, conta. Foram vários dias presos sem quaisquer
condições, incomunicáveis e submetidos a intermináveis interrogatórios.
Mas o pior ainda estava por vir: Alcidino foi levado pela Polícia
Marítima para o navio Raul Soares, embarcação que serviu de cár-
cere para os presos políticos de 1964. Foram oito meses de completa
segregação, isolamento total, interrogatórios durante a madrugada,
sem acusação formal, sem julgamento.
Graças a um habeas corpus obtido pelo jurista Sobral Pinto,
Alcidino foi liberado e temendo nova prisão vai para a clandestinidade
e parte para o exílio no Uruguai e Chile. Em 1967, chega à França
na mesma época em que é condenado à revelia no Brasil.
No exílio, intensifica seus estudos em Planejamento Urbano e de
Paris vai para Argélia e Alemanha. Volta ao Brasil depois da Anistia
e em 1981 é convidado para presidir o IPPUC – Instituto de Pesquisa
Planejamento Urbano de Curitiba pelo então prefeito Maurício Fruet,
depois em Brasília no Ministério dos Transportes Urbano com Afonso
Camargo, até chegar à COMEC – Coordenação da Região Metropolitana
de Curitiba na gestão do Governador Roberto Requião.
Atualmente, mora em Paranaguá onde reside e trabalha no
Departamento de Desenvolvimento. Em seu depoimento, Alcidino

162
Resistência à ditadura Militar no Paraná

ainda se define como um marxista, que acredita na utopia realista


do desenvolvimento da ciência e das tecnologias para garantir ao ho-
mem condições de igualdade numa sociedade mais justa e fraterna.

ALEXANDRE ZAMBONI
Idade – 52 anos
Profissão – Engenheiro Agrônomo

ALEXANDRE ZAMBONI é filho de


Moacir Zamboni, militante do PCB preso nos
primeiros momentos do golpe de 64 em Lon-
drina, onde nasceu no ano de 1961. Embora
ainda muito criança nos anos 1960, suas
memórias infantis sublinham com perspicácia
a repressão do período: “Era um período muito complicado. A gente
não tem muita memória desses dias porque éramos crianças. Mas,
a gente percebia que tinha alguma coisa.
Alexandre começou sua atuação política muito jovem, antes
mesmo de entrar na universidade. Envolveu-se ativamente com a
política no final da década de 1970 em diante. A família se muda
para Curitiba em 1968, mas Alexandre volta para Londrina dez anos
depois, cursando o primeiro ano de agronomia na UEL e tendo os
primeiros contatos com o Movimento Estudantil.
Então, faz vestibular em 1979 para a UFPR e volta a Curitiba. Na
capital, antes mesmo de ter passado um ano em Londrina, já havia se
aproximado do CDAMA e do CBA-Curitiba e atuado no ME do CEP, onde
havia estudado. Na UFPR, sua atuação política estudantil se intensificou
com panfletagens, pichações e manifestações, sendo preso várias vezes.
Nesse período, Alexandre já estava filiado ao PCdoB, que
guiava sua militância. Inclusive, suas lembranças reconstroem o
processo de armazenamento e distribuição clandestina do jornal
partidário, o que lhe rendeu uma prisão e algumas pancadas,
quando do caso da bomba no Riocentro. Até hoje segue filiado ao
PCdoB, inclusive, recentemente foi candidato a vice-prefeitura. Por
essas veredas, suas memórias joviais de um tempo de luta aguerrida
pregresso seguem reconstruindo com clareza e brilho esse período
final de combate à Ditadura.

163
Depoimentos para a História

ALUÍSIO DELIGA
Idade – 67 anos
Profissão – Aposentado

Desde muito jovem, ALUÍSIO DELIGA


se interessou pela política muito influencia-
do pelo pai que integrava a União dos Fer-
roviários do Brasil. Em 1961 aos 15 anos,
participou do movimento da legalidade que
começou no Rio Grande do Sul pela posse
do vice-presidente eleito João Goulart após a renúncia de Jânio
Quadros. Nascido e criado em Ponta Grossa, chegou a integrar o
Grupo dos 11 da cidade em 1964, mas divergências de ideias entre
os participantes fez com que não prosperasse.
Engajado no Partido Comunista Brasileiro (PCB), passou a ser
perseguido na cidade, o que o fez se mudar para Marechal Mallet,
primeiro, e depois Ibaiti. A missão era organizar o movimento dos
trabalhadores no campo. Após muitas dificuldades para sobreviver,
em agosto de 1968 foi contratado pelo Ministério da Agricultura e
passou a morar em Curitiba.

ALUÍZIO FERREIRA PALMAR


Idade – 70 anos
Profissão- Jornalista

Nascido em São Fidélis, Rio de Janei-


ro, no ano de 1943, ALUÍZIO FERREIRA
PALMAR quando jovem estudou ciências so-
ciais na Universidade Federal Fluminense.
No processo de esfacelamento do PCB após
o golpe, Aluízio, juntamente com outros jo-
vens, formou a Dissidência do Rio de Janeiro (DI-RJ), mais tarde
batizada de MR-8. Seguindo a orientação foquista (guevarista)
dessa primeira organização chamada de MR-8, Palmar se deslocou
para o oeste paranaense a fim de averiguar o terreno e instaurar

164
Resistência à ditadura Militar no Paraná

o foco guerrilheiro. Após a definição de um local e meses de tra-


balho, inclusive com treinamento de guerrilha, Palmar caiu nas
garras da repressão, após um acidente de trânsito.
Sobre a formação e atuação desse MR-8 no Paraná, Palmar
recorda que por meio de Berto Curvo estabeleceu contatos com
dissidentes do PCB paranaense, como o próprio Berto, Fábio
Campana, Lauro Consentino e também um pessoal da POLOP,
que “tentava puxar para o nosso lado” (Jurandir), e da AP, “com-
panheira Teresa Urban, e o pessoal da Teresa”.
Na prisão, Palmar tentou o suicídio temendo não resistir às
torturas e entregar seus companheiros. Antes que abrisse qualquer
nome, um grupo de quatro membros do MR-8 foi deslocado do Rio
de Janeiro para tentar libertá-lo da prisão, contudo todos acabaram
presos. Com a presença de um infiltrado nas fileiras do MR-8, toda
a organização caiu, inclusive no Paraná, e seus quadros foram le-
vados para a Ilha das Flores, sendo lá submetidos a novas torturas.
Respondendo a dois processos, um no Rio (marinha) e outro
no Paraná (exército), constantemente Aluízio foi trazido ao estado,
ficando no presídio provisório do Ahú. Passou por novas sevícias
na DOPS, enquanto os agentes da repressão buscavam uma
metralhadora vinda do Paraguai. Condenado, cumpriu parte da
pena em Ilha Grande, juntamente com outros presos políticos. Lá
organizaram uma rebelião por melhores condições. Antes do tem-
po previsto, Palmar deixou o cárcere como um dos libertados em
troca do embaixador suíço, Giovanni Bucher, em janeiro de 1971.
Exilado no Chile, sem pertencer a nenhuma organização visto
que o primeiro MR-8 acabou com as prisões efetuadas ainda em 1969,
adentrou na VPR realizando novos treinamentos, agora na Cordilheira
dos Andes. “Nossa única vontade era voltar para o Brasil e continuar a
luta”. No exílio, além dos exercícios de guerrilha, Palmar participou da
organização de uma estrutura para receber militantes que estavam no
exterior, firmando parceria com guerrilheiros paraguaios e argentinos.
Aluízio ficou alocado, à revelia da própria organização, em
uma fazenda na região fronteiriça do Brasil com a Argentina,
disfarçado de camponês. O envolvimento em questões locais e a
recepção de pessoas suspeitas o deixaram inseguro e o obriga-
ram a abandonar a estrutura e se afastar da organização. Pouco
antes dessa decisão de abandonar a luta armada, Palmar havia

165
Depoimentos para a História

se encontrado ao acaso com Onofre Pinto em Buenos Aires, e por


pouco não embarcou na emboscada que culminou em sua morte
e na de todos os membros de seu grupo, no episódio conhecido
como Massacre de Medianeira.
Por alguns anos, em meados dos anos 1970, ficou vendendo
soda no interior da Argentina sem um trabalho político, exceto
colaborações esporádicas com a esquerda local. Com o recrudes-
cimento da ditadura argentina, optou por retornar ao Brasil, reor-
ganizando sua vida como jornalista. Em 1980, criou o semanário
“Nosso Tempo”, de linha editorial crítica.
Tendo trocado as armas pela pena há muito tempo, Palmar se
dedica até os dias de hoje a levantar informações e disponibilizar
documentos referentes à ditadura militar. Esse trabalho de rele-
vância incomensurável tem como frutos a criação e manutenção
do site http://www.documentosrevelados.com.br/ e a publicação
do livro “Onde foi que vocês enterraram nossos mortos?”.

ÁLVARO DIAS
Idade – 69 anos
Profissão - Professor

ÁLVARO DIAS começa ‘oficialmente’


sua trajetória política em 1968 quando é eleito
vereador em Londrina pelo MDB. Reconhecido
como importante liderança do movimento es-
tudantil da Universidade Estadual de Londri-
na (UEL), a partir de 1964, chegou a presidir
o Diretório Acadêmico Rocha Pombo. Ingressando nas fileiras de
oposição ao regime militar, Álvaro entra no MDB pelas mãos de João
Olivir Gabardo, que foi até seus pais que moravam em Maringá pedir
permissão para o jovem se candidatar a um cargo eletivo.
Com a aprovação paterna, Álvaro começa sua vida pública
que o leva à Assembleia Legislativa (1970), à Câmara Federal para
dois mandatos (1974 e 1978) e ao Senado (1982) e o consolida
como liderança de oposição à ditadura dentro e fora do estado
do Paraná. “O MDB reunia as forças de oposição que lutavam

166
Resistência à ditadura Militar no Paraná

contra as prisões arbitrárias, a prática da tortura e a censura


à imprensa, entre outras arbitrariedades. No começo, o que era
um movimento isolado, transformou-se numa grande indignação
popular que alimentava a participação política”, lembra.
Tal desejo e necessidade de mudanças, fez com que Álvaro
fosse o principal articulador e organizador do grande comício das
Diretas Já, realizado em Curitiba na noite de 12 de Janeiro de
1984 na Boca Maldita. “Foram 12 dias de preparação, apenas. Mas
foi uma convocação feita por Ulysses Guimarães e eu não podia
falhar. Foi minha a ideia de trazer Osmar Santos como locutor do
comício, mobilizando lideranças políticas, sindicalistas, professo-
res, estudantes e muitos artistas paranaenses e nacionais. Depois
de Curitiba, corri o Brasil todo. Foi emocionante”, rememora.
Em 1986, Álvaro Dias é eleito Governador do Paraná, sucedendo
José Richa. Em seu depoimento, Álvaro faz um balanço de sua pas-
sagem pelo Palácio Iguaçu, abordando inclusive o confronto com os
professores que marcou a sua gestão. Em 1989, disputa a indicação do
candidato do PMDB à presidência da República com Ulysses Guimarães,
Waldyr Pires e Íris Rezende. Logo depois deixou o partido e filiou-se ao
PST. Em 1998, agora já pelo PSDB, é novamente eleito para o Senado.
“Ao me preparar para este depoimento e rever minha ficha do
Dops, com anotações de 1975-82, confirmo minha vocação para
ser ‘oposição’ e resistir sempre”, ressalta Álvaro, que atualmente
cumpre o terceiro mandado no Senado Federal.

ALZIMARA BACELLAR
Idade – 56 anos
Profissão – Servidora Pública

ALZIMARA CABREIRA FRAGA BACE-


LLAR passou a militar já na segunda metade
dos anos 1970, na retomada do Diretório
Central dos Estudantes da UFPR. Logo se
envolveu com a CBA-Curitiba e com o movi-
mento de mulheres, reivindicando a volta dos
exilados, a igualdade de gênero e a expansão da licença maternidade.

167
Depoimentos para a História

No final da década ingressou no Movimento Revolucionário


Oito de Outubro (MR-8), quando este já passara do foquismo ao
trabalho de massas e integrava o PMDB.
As memórias de Alzimara constituem um panorama rele-
vante para compreender a reconstrução do movimento feminista,
no final da década de 1970, tanto no Paraná quanto no Brasil.
Possibilitam também vislumbrar as eleições de 1982 no sentido
que estas adquiriram como um grito pela Democracia.

AMADEU FELIPE
Idade – 78 anos
Profissão – Miliar Reformado

Poucos dias depois do golpe de 1964,


AMADEU FELIPE DA LUZ FERREIRA sentiria o
peso da mão dos militares sobre a sua carreira
de nove anos como oficial do Exército. Com a
publicação do Ato Institucional Número 1 em
9 de abril de 1964, Amadeu Felipe é expulso
do Exército brasileiro por seu envolvimento com o Partido Comunista
Brasileiro. Amadeu Felipe integrava a organização dos sargentos, grupo
independente em que a maioria dos seus membros tinha uma ação
política muito forte dentro do Exército.
“Durante o golpe, eu estava servindo no Rio de Janeiro e orga-
nizava um levante dos sargentos. Como represália, minha casa na
vila militar foi cercada na madrugada de seis de abril por mais de
100 oficiais, que cercaram a casa e aterrorizaram minha família até
eu me entregar”, conta. Após cinco meses de prisão, o jurista Sobral
Pinto consegue um habeas corpus e Amadeu Felipe, seguindo o ideal
de Ernesto Che Guevara, parte para organizar a guerrilha urbana.
Expulso do Exército, numa vida de clandestinidade extrema,
Amadeu Felipe ou ‘Altair’ parte para Montevideo com três amigos e
são recebidos por Leonel Brizola, que está exilado e organizando um
levante em Porto Alegre. “Foram três tentativas de levante com o apoio
político e financeiro de Brizola com a Polop. O combinado é que se não
desse certo, Brizola ia nos ajudar com a guerrilha”, afirma Amadeu.

168
Resistência à ditadura Militar no Paraná

Assim, após as tentativas frustradas do levante, em julho de


1966 – até abril de 1967 – um grupo 17 pessoas parte para Caparaó,
próximo ao Pico da Bandeira, na divisa entre os Estados de Minas Gerais
e Espírito Santo, para preparar a primeira guerrilha contra a ditadura
que se tem notícia no país. No comando do grupo de dissidentes da
Marinha, Aeronáutica e Exército, o ex-sargento Amadeu Felipe, nascido
em Blumenau, Santa Catarina, filho de militar e pai de família.
Após um ano de intensa dificuldade de sobrevivência na mata,
o grupo, reduzido a oito companheiros, foi preso pela polícia minei-
ra. Como decorrência do processo, foram condenados, em média, a
13 anos de prisão, dos quais Amadeu Felipe cumpriu quatro sendo
colocado em liberdade em 1971.
“Não tinha condições de permanecer no Rio de Janeiro, pois
tinha absoluta certeza que seria assassinado. Para preservar a
família, decidi recomeçar a vida bem longe daquele lugar”. Então,
Amadeu Felipe que tinha familiares morando em Londrina, no Norte
do Paraná, conhece a cidade e a primeira observação a favor é que
ali não havia um quartel do Exército. “Isso era fundamental para a
minha permanência, pois tinha que trabalhar e militar, claro”.
Filia-se ao MDB e começa a participar do grupo que elege José
Richa governador em 1982, chegando a participar de seu governo. Foi
candidato a deputado federal nas eleições de 1986 pelo PMDB. Atualmen-
te, integra a direção estadual do PCB, partido ao qual nunca se desligou.

ANA BEATRIZ FORTES


Profissão - Comerciante
Idade – 62 anos

Em 11 de maio de 1970, ANA BEATRIZ


FORTES foi presa em Curitiba e levada para
o Quartel do Exército da Praça Rui Barbosa,
onde foi torturada por agentes do Dops e por
policiais do Rio de Janeiro.
A acusação, ela até hoje não sabe. Irmã
de Elizabeth Fortes, que estava presa em Curitiba por ter participado do
Congresso de Ubiúna e da Chácara do Alemão, Ana Beatriz chegou a ir
a algumas reuniões com estudantes, mas não era uma militante ativa.

169
Depoimentos para a História

Após três dias presa no quartel da PE – Polícia do Exército


na Rui Barbosa sem que seus pais soubessem, foi levada de avião
para o Quartel do 34 º Batalhão do Exército, em Foz do Iguaçu. No
voo, agentes ameaçaram jogá-la nas Cataratas do Iguaçu, junto com
outro rapaz que também estava no avião. Lá permaneceu com outros
militantes presos e foi submetida a novos interrogatórios.
Em Foz, foram dez dias de terror. Presa na mesma cela que outra
militante Izabel Fávero, que pertencia a Vanguarda Popular Revolucionária
(VPR,) e tinha sido presa em Nova Aurora. As duas, que não se conheciam,
foram vítimas de choque elétrico, agressões físicas e todo tipo de cruelda-
de. Izabel, inclusive, sofreu um aborto em decorrência das torturas. No
retorno a Curitiba, acompanhada pelo sargento Balbinotti, Ana Beatriz é
levada para casa. A seu pai, o sargento disse apenas: “Foi um engano”.
Em seu depoimento, Ana Beatriz relata o emocionante encon-
tro com Izabel Fávero em Foz do Iguaçu, em 27 de Junho de 2013,
durante uma audiência pública da Comissão Estadual da Verdade.
Durante anos, as duas mulheres ficaram sem saber do nome e do
paradeiro de cada uma. Somente após a publicação dos relatos é que
as duas se aproximaram e o reencontro aconteceu décadas depois.

ANTONIO ACIR BREDA


Idade – 72 anos
Profissão - Advogado

ANTONIO ACIR BREDA se formou no


curso de Direito da UFPR, em 1964, e foi um
dos intrépidos e abnegados advogados que,
sem cobrar honorários, enfrentaram a Justiça
Militar em defesa dos presos políticos.
Trabalhando sob pressão e intimidação,
sua casa foi revirada e foi impedido pelo Serviço Nacional de Infor-
mação de assumir a cátedra em sua antiga universidade, não obs-
tante ter sido aprovado em concurso. Seu relato sobre as prisões e
os procedimentos (i)legais do período é inolvidável.
Sintetiza o processo e a trajetória dos presos que defendeu na
justiça, iniciando do sequestro pelos agentes da repressão, passando

170
Resistência à ditadura Militar no Paraná

pelos interrogatórios e confissões sob tortura até chegar ao julga-


mento parcial e à condenação nas Auditorias Militares.
É um relato imprescindível para a história política brasileira, espe-
cialmente para quem quer conhecer melhor as contradições da Justiça
no período de exceção. Seu depoimento é também um monumento que
condena as arbitrariedades cometidas no período e faz uma defesa irretor-
quível da necessidade de manutenção do estado democrático de direito.

ANTONIO ALBINO RAMOS DE


OLIVEIRA
Idade – 68 anos
Profissão – Advogado

ANTONIO ALBINO RAMOS DE OLIVEI-


RA cursava Direito e Filosofia na Universidade
Federal do Paraná quando foi atingido pela
avalanche da “Revolução Salvadora” de 1964.
Recordou de sua primeira aula de Direito
Constitucional, em que o Professor Munhoz de Mello (Constituinte
em 1946) pediu desculpas, disse que não poderia prosseguir porque
a Constituição fora rasgada, fechou a porta e foi embora. “Foi meu
primeiro contato com a política”, lembra.
Irmão de Hiran Ramos de Oliveira, militante preso e condenado
pela atuação no Partido Comunista (PCB), Antonio respondeu em
1967 a Inquérito Policial Militar (IPM) por seu envolvimento no PCB
o obrigando a fugir com a mulher grávida para o interior do Estado
antes de ser preso. A sorte, segundo ele, é ter sido processado antes
do AI-5, de dezembro de 1968. Processo que acabou o inocentando
por falta de provas.
Permanece com a família em Bela Vista do Paraíso até
1975, afastado da política e qualquer tipo de militância. Antonio
lembra de apenas um episódio nesse período que foi abrigar por
meses uma militante do PCB de Maringá, chamada Maria Alice,
indicada por Manoel Jacinto, de Londrina. “Soube que ela foi
presa e torturada barbaramente. Depois disso não tive notícia
dela, desde 75”, afirma.

171
Depoimentos para a História

Apesar das dificuldades financeiras quando retorna a Curiti-


ba, com o apoio da família retoma os cursos de Direito e Filosofia,
e a única opção é priorizar sua esposa e filhos. Segue carreira de
Juiz Federal no Tribunal Regional Federal da 4º Região, da qual
está aposentado.

ANTONIO JOÃO MANFIO


Idade – 69 anos
Profissão - Professor

Ligado à Ação Popular, AP, com rápi-


da passagem pelo PCdoB, ANTONIO JOÃO
MANFIO foi eleito em 1968 presidente do
Diretório Acadêmico de Filosofia da Univer-
sidade Federal do Paraná.
Participou ativamente das manifestações
estudantis daquele ano, inclusive a tomada da Reitoria. Estava entre os
estudantes que arrastaram o busto do Reitor Flávio Suplicy de Lacerda
pelas ruas da capital.
Foi preso em Ibiúna, interior de São Paulo, durante o Congresso
da UNE. Em Dezembro de 1968, foi preso novamente na Chácara do
Alemão, em Curitiba, sendo condenado a quatro anos de prisão. Com a
pena reduzida para dois anos, saiu da prisão e passou a fazer parte da
lista de ‘Procurados’ do Esquadrão da Morte.
Em Dezembro de 71, véspera da formatura do Curso de Filosofia,
foi para a clandestinidade e passou por grandes dificuldades no Rio
Grande do Sul e Santa Catarina, contando com a solidariedade dos
companheiros de militância.
Retorna a Curitiba em 1982 para atuar na Secretaria de Estado
de Assuntos Comunitários no Governo José Richa.

172
Resistência à ditadura Militar no Paraná

ANTÔNIO NARCISO PIRES DE


OLIVEIRA
Idade – 64 anos
Profissão – Professor

ANTÔNIO NARCISO PIRES DE OLIVEI-


RA, mais conhecido como NARCISO PIRES,
filho de um funcionário público federal e
uma dona de casa, tem a sua vida política
marcada pelas amizades de adolescência em
Apucarana, Norte do Paraná, alguns entre os quais construirão com
ele, nos anos 60 e 70, a resistência ao Regime Militar. José Idésio
Brianezi, Antonio dos Três Reis de Oliveira, Geraldo Magela Soares
Vermelho, Francisco Dias Vermelho, Manuel Cesar Mota, Valdir
Feltrim, Valdecir Feltrim formarão o principal time da resistência
na cidade. São meninos cuja idade variava de 15 a 20 anos. Idésio e
Três Reis seriam assassinados pela ditadura militar em abril e maio
de1970. Francisco morreria acidentalmente uma semana antes de
seu apartamento ser invadido pela polícia política e Geraldo, Valdir,
Valdecir e o próprio Narciso seriam presos nesse mesmo ano. Manuel
conheceria a clandestinidade por alguns anos.
Em 1966 Narciso, Três Reis e José Idésio se envolveram com
a UEA – União dos Estudantes de Apucarana. Em 1967 construirão
todos juntos o Clube Cultural de Apucarana, o início da tomada de
consciência sobre a ditadura militar e as desigualdades econômi-
cas e sociais em Apucarana, no Brasil e no mundo. Ainda nesse
ano Narciso conquista a presidência do CENC, Centro Estudantil
Nilo Cairo do Colégio de mesmo nome, que será o principal espaço
de atuação e resistência desses meninos na cidade. Em 1968, é a
partir do Congresso da UPES (secundarista) em Cornélio Procópio,
onde Narciso e Idésio serão fotografados e fichados pela primeira vez
pela DOPS, que se intensifica esse processo de consciência política.
Todos, no começo desse mesmo ano, irão compor uma célula da DI
(Dissidência do PCB) na cidade de Apucarana, organizada por Berto
Curvo, então vice-presidente da UPE (universitária).
“Nesse momento a gente já percebia as profundas desigualda-
des sócio-econômicas no país e no mundo, as suas causas e sabíamos

173
Depoimentos para a História

das implicações do golpe militar, uma clara renúncia à soberania


nacional e contra o povo brasileiro”, afirma. E das questões locais,
os ‘meninos’ partem para ações mais abrangentes como a luta contra
o acordo MEC-USAID e contra a violenta repressão ao ME em todo
o país. Os meninos de Apucarana já não sonham apenas com uma
educação de qualidade, mas com um país e um mundo mais justo
e igualitário, o socialismo. O assassinato de Edson Luiz de Lima
Souto, no restaurante Calabouço no Rio de Janeiro, faz com que em
abril de 1968 organizem uma passeata de estudantes em Apucara-
na que contou com cerca de 3 mil jovens. Passeata que terminou
com a palavra de ordem puxada por Idésio: “Viva o Brasil!”, lembra
Narciso. Tal evento fez com que o grupo fosse chamado no quartel
do Exército para dar explicações.
1979 – NARCISO PIRES
BOCA MALDITA CAMPANHA PELA ANISTIA
ACERVO: Narciso Pires

Narciso assume em 1968 também a


presidência da UEA- União dos Estu-
dantes de Apucarana, entidade que
seria nesse mesmo ano, em 15 de de-
zembro, dois dias após a promulgação
do AI-5, invadida, fechada e lacrada por
uma tropa do exército comandada pelo
capitão Aimar. Impossibilitados de con-
tinuar a atividade política em Apucara-
na e já rompidos com a DI, os meninos de Apucarana vão se dividir.
Idésio e Três Reis aderem a ALN do Marighela e partem para São
Paulo nos primeiros meses de 1969. Narciso, Francisco e Manuel
para Curitiba. Os demais, impossibilitados pelas condições econô-
micas, permanecem em Apucarana. Com exceção de Idésio e Três
Reis todos os demais se integram a POLOP. Narciso em Curitiba, em
1970, entra na UFPr para fazer Jornalismo. É na condição de vice-
-presidente do DARP que nesse mesmo ano parte para a clandesti-
nidade, sendo preso no final do ano. Depois da prisão, impossibili-
tado de permanecer em Curitiba, volta para o interior e vai ser pro-
fessor suplementarista em Mamborê, cidade próxima a Campo
Mourão, no Norte do Estado de 1971 a 1973. Em 1974 a DOPS lhe

174
Resistência à ditadura Militar no Paraná

nega o atestado para fins de magistério e se encerra a sua condição


de professor. Novamente em Apucarana, em 1975, ajuda a reorga-
nizar o PCB. Com o desmonte do PCB no Paraná nesse mesmo ano
pela “Operação Marumbi”, comandada pelo exército e já foragido,
seu irmão Lauro Narciso é preso e torturado pela repressão, mesmo
ela sabendo que ele não era ativista. Lauro é torturado uma noite
inteira e libertado com o recado de que todos os demais familiares
seriam presos e torturados até que Narciso se entregasse. Diante de
tudo isso Narciso se entrega e mesmo assim é sequestrado, preso e
torturado no Quartel do Exército em Apucarana pelo capitão Isnard
de Moura Romariz. Em seguida é transferido de Apucarana para
Curitiba, algemado, com os olhos vendados e levado para um centro
clandestino de tortura do exército, ironicamente chamado pelos
torturadores de “Clínica Marumbi”.
Preso em 16 de outubro de 1975, é libertado dois anos depois, em
16 de outubro de 1977, após ter sido condenado e passado pelos centros
de tortura, pela DOPS, pelo Quartel da PM da Marechal Floriano, pelo
Regimento Cel. Dulcídio e finalmente pela penitenciária do Ahu, todos
em Curitiba. No início de 1978, casado e com uma filha a caminho,
engaja-se na luta pela Anistia sendo eleito presidente do CBA- Curitiba,
organizando reuniões, passeatas e protestos, mobilizando estudantes,
sindicalistas e trabalhadores contra a ditadura ao lado de Claudio
Fajardo, Moacir Reis Ferraz, Otávio Barbosa, Valmor Marcelino, Sônia
Kessel, Leo Kessel, Elba Ravaglio, Edésio Passos, Zélia Passos, Claudio
Ribeiro e centenas de outros companheiros e companheiras igualmente
importantes. Militante quase em tempo integral, Narciso continua a ser
vigiado pela repressão e ameaçado pelo CCC. “A decretação da Anis-
tia não é ampla, nem geral e nem irrestrita, bem ao contrário do que
queríamos, trouxe, mesmo assim, de volta os companheiros exilados
e foi um recomeço para todos”,
destaca. Mas muitos militantes
continuavam presos, e ainda

PRESOS POLÍTICOS NA PRISÃO PROVISÓRIA


DE CURITIBA EM 1977

Em pé: Osiris Boscardim Pinto, Mário Gonçalves


Siqueira, Diogo Afonso Gimenes, Antonio Brito.
Sentados: Ildeu Manso Vieira e Narciso Pires.
ACERVO: Narciso Pires.

175
Depoimentos para a História

havia muito por lutar fosse pela libertação dos presos políticos, pelas
Diretas para presidente, a Constituinte ou em apoio aos movimentos
sociais que se intensificavam. Depois dessa prisão de dois anos, Narciso
chegou a ser detido mais quatro vezes. No final dos anos 70 e início
dos 80 se integra ao MR-8 com atuação dentro do PMDB, junto com
Fajardo, Alzimara Bacellar, Gilberto Fonseca, os irmãos Ildeu e Julio
Manso Vieira, Marlene Zannin, Luiz Gonzaga e outros.
Em 1985 cria a Sociedade de Direitos Humanos para a Paz
e dez anos depois, em 1995, funda o Grupo Tortura Nunca Mais
do Paraná, nos quais milita até os dias de hoje. Coerente com os
seus sonhos de juventude, continua, após 46 anos de luta a ser um
militante dos Direitos Humanos, comprometido com a construção
de um mundo mais justo, igualitário e fraterno.

ANTONIO PEREIRA DE SANTANA


Profissão – Aposentado
Idade – 73 anos

Presidente do Sindicato dos Trabalhadores


na Construção Civil em Curitiba, ANTONIO PE-
REIRA DE SANTANA esteve à frente da entidade
durante a greve geral realizada em novembro de
1979, que contou com a adesão de aproximada-
mente 10 mil trabalhadores e paralisou o setor.
Após a greve, chegou a ser eleito três vezes presidente do Sin-
dicato de 80 a 92, mas teve as posses impedidas pelo então Delegado
do Trabalho, General Adalberto Massa. Em 1986, foi eleito secretário
da Federação dos Trabalhadores na Construção e o Mobiliário.
Em seu depoimento, Santana narra uma trajetória de supe-
ração para alguém que aos 19 anos ainda não sabia ler e escrever e
que aos 70 consegue o diploma de bacharel em Direito.
Mesmo sem uma educação formal, ele se mostrou durante a
vida ser uma liderança nata, participando do movimento sindical
na defesa dos direitos dos trabalhadores da construção civil, na
organização de associações de bairros em Curitiba e no trabalho
da pastoral operária.

176
Resistência à ditadura Militar no Paraná

ARNO A. GIELSEN
Idade – 68 anos
Profissão – Advogado

Aos 18 anos, o golpe militar de 1964 teve


um grande impacto na vida de ARNO A. GIEL-
SEN, que vivia em Rolândia, sua cidade natal,
já demonstrando simpatia pelo Movimento
da Legalidade pela posse de João Goulart e
com uma forte ligação com o PTB local. Mas
foi pelas mãos e influência de Manoel Jacinto Correia, em 1967, que
Arno conhece o PCB e passa a militar efetivamente. Antes de 64, o
PCB tinha um grande trabalho de campo no Paraná, lembra Arno,
“com a organização de mais de 60 sindicatos de trabalhadores rurais”.
Com a ofensiva contra o PCB entre 1968 e 1969, a base do
partidão em Rolândia foi desmantelada, com doze militantes presos.
A partir daí, parte do grupo opta pela luta armada e Arno ingressa
no PCBR e vive na clandestinidade total. “Para minha família, eu
continuava estudando em Londrina”, afirma.
Apesar do medo, da insegurança, o grupo permaneceu na luta
até que em 1970, devido a quedas de membros do comitê central
houve o desmantelamento do PCBR no Paraná, com a prisão da
maioria dos seus integrantes. Preso pela primeira vez, Arno foi um
dos militantes levados ao Quartel do Exército em Apucarana, onde
permaneceu dois meses. Nas mãos do famigerado torturador sargento
Balbinotti, foi submetido a todas as técnicas de tortura, como pau-
de-arara, choques e afogamento. “Sobrevivi às sessões de tortura e
saí incólume, sem falar nada e entregar ninguém”, ressalta.
Depois da prisão, Arno Gielsen retoma os estudos no curso de
Direito na Fundação Universidade Estadual de Londrina (FUEL). Recém
formado, e já com escritório de advocacia própria, Arno é preso em 1974,
ao mesmo tempo que Manoel Jacinto também era detido. Foram mais
dois meses de suplício, agora em São Paulo nas mãos do Dops paulista
e o Delegado Sérgio Paranhos Fleury.
Em 1975, o PCB volta a se organizar no Paraná com o vereador
londrinense Geneci Souza Guimarães, fazendo reuniões no escritório
de Arno que seria de apoio ao grupo, sem uma militância efetiva.

177
Depoimentos para a História

“No Paraná foram mais de cem prisões na Operação Marumbi e eu,


mesmo sendo apenas um simpatizante, acabei preso”, lembra. Arno
e outros militantes foram levados a Curitiba, onde foram torturados
no local clandestino, que até hoje eles não conseguem precisar.
Absolvido do processo, Arno retoma novamente a vida de mili-
tante após deixar o MDB e se filiar ao PT, onde permanece até 1988.
Chega a ser candidato pelo PT a vereador de Rolândia, mas não se
elege por causa da legenda. Somente em 1992 consegue chegar à Câ-
mara de Vereadores de Rolândia pelo PSB, sendo reeleito três vezes.
Mas os rumos do PSB fizeram com que Arno retomasse sua
antiga ligação com o PCB autêntico de Francisco Luiz de França,
Wilson Previdi e Espedito Rocha, este falecido em 2010. Atualmente,
Arno é Secretário de Organização e continua sua militância junto com
Amadeu Felipe, também de Londrina, na direção estadual do partidão.

CÂNDIDO GOMES GAYA


Idade – 68 anos
Profissão – Aposentado

Paulista de Itararé, CÂNDIDO GOMES


GAYA chegou ao norte do Paraná, em Man-
daguari, na década de 1950. Sua vida política
começa quando parte para estudar em Curi-
tiba, primeiro no Colégio Estadual do Paraná
e depois na Universidade Federal do Paraná,
onde ingressou no curso de Direito em 1965.
E foi na UFPR, em meio à agitação do movimento estudantil
que lutava contra a ditadura e o modelo MEC-USAID de reforma
universitária proposta pelos militares, que Cândido se aproximou
do Partido Comunista Brasileiro e da célula de quinze componentes
da Federal. “Fui indicado como elemento do PCB para participar
do encontro em Petrópolis, no Rio de Janeiro”, lembra.
Com uma militância intensa e com dificuldades para se manter
na capital, trancou o curso no segundo ano e passou a trabalhar
para sobreviver. Junto com Fábio Campana, o ‘Zapatão’, Cândido, o
‘Zapatinha’, toca um projeto de cinema experimental. Em 1968, am-

178
Resistência à ditadura Militar no Paraná

bos partem para o sudoeste paranaense, orientados por integrantes


do MR-8, para organizar a luta armada na tríplice fronteira. Após o
fracasso da empreitada, que culminou com a prisão dos guerrilheiros,
Cândido foge para o Rio de Janeiro e o grupo cessa suas atividades.
Ignorando os perigos, Zapatinha retorna clandestinamente a
Curitiba para visitar uma namorada e acaba preso. Foram dois dias na
sede da DOPS na Rua João Negrão e mais trinta dias sob a custódia da
Polícia Militar. Barbaramente torturado, com afogamento e choque elé-
trico, Cândido foi internado numa clínica psiquiátrica devido à síndrome
de pânico. Ainda se recuperando, após um surto, foi preso pela segunda
vez e levado para o Quartel do Exército na Praça Rui Barbosa, onde foi
novamente submetido a novas atrocidades. Depois de um longo período
internado num hospital psiquiátrico em São Paulo, em 1978 se mudou
para Maringá e nos primeiros anos ainda tentou retomar as atividades
profissionais como entregador e revisor de jornais e revistas da cidade.
Mesmo absolvido dos processos, Cândido passou a carregar as
sequelas que o acompanham até hoje. Em seu depoimento, conta que
de 1978 a 1995 permaneceu em silêncio total por medo de revelar
segredos que pudessem comprometer os companheiros. Atualmen-
te, medicado e em tratamento, já consegue falar sobre os suplícios
sofridos e afirma estar pronto para registrar suas memórias.

CARLOS FREDERICO MARÉS


Idade – 63 anos
Profissão – Procurador do Estado

CARLOS FREDERICO MARÉS DE


SOUZA FILHO teve o primeiro contato com
integrantes do Partido Comunista Brasileiro
ainda no secundarista, mais especificamente
no último ano no Colégio Estadual do Paraná,
em 1964. Um dos seis filhos de promotor pú-
blico em Palmas, Carlos Marés trouxe de casa o interesse pelos livros,
especialmente os de sociologia e filosofia. Quando em 1965 começou
a cursar Direito na Universidade Federal do Paraná, ele já conhecia o
grupo que iria resistir e combater a ditadura dentro da universidade.

179
Depoimentos para a História

“O golpe de 1964 não afetou o nosso grupo e quando entramos


na universidade já nos reorganizamos, pois já tínhamos experiência de
mobilização”, afirma. Ao lado de José ‘Cela’ (sic), Marcos Machado, Berto
Curvo, Vitório Sorotiuk, Roberto Requião e Aluísio Albino Ramos, este
já falecido, Marés faz parte da chapa que disputou o DCE em 1966 e é
escolhido presidente. “A ditadura desarticulou os movimentos camponês,
operário, sindical e os partidos políticos e a última resistência era a dos
estudantes. A universidade passou a ser o palco da resistência”, analisa.
A mobilização dos estudantes chamou a atenção dos milita-
res a partir de 1968: Tomada da Reitoria, Congresso da UNE em
Ibiúna e Minicongresso da UNE na Chácara do Alemão são alguns
dos eventos que marcaram o ano que terminou com a edição do Ato
Institucional nº 5 e legitimou a violência contra os opositores ao
regime. “No episódio da Chácara do Alemão, cheguei tarde e todos
já tinham sido presos. E como estava no quinto ano do Direito,
com a carteira da OAB pude visitar meus companheiros na prisão”.
Depois desse episódio, Carlos Marés foi acusado de escrever um
manifesto, julgado num processo fraudulento e condenado a três anos
de prisão, enquanto quem assinou recebeu a pena de seis meses de
detenção. “Eu já militava no PCBR, embora tivesse uma vida legal, e
quando veio a ordem de prisão eu cai na clandestinidade. Isso foi em
1970. Fui para Santos e com o apoio da minha família e amigos, eu e
Maria Dirce, minha companheira, partimos para o Uruguai”, relembra.
E aqui começa a odisseia de resistência à ditadura no exílio.
Recebidos por Leonel Brizola no Hotel de propriedade de João Gou-
lart em Montevideo, Marés recebeu o mesmo apoio e estrutura que
centenas de refugiados do regime militar brasileiro. Do Uruguai,
em 1971 o casal vai para o Chile. “No Chile, até o golpe de derru-
bou Salvador Allende, tive que me virar para sobreviver, fazendo
trabalhos de tradução, linotipista e até de engraxate”.
Em Dezembro de 1973, partimos para a Dinamarca como re-
fugiados políticos e com um passaporte que nos proibia de voltar ao
Brasil. “Podíamos ir a qualquer lugar, menos ao Brasil. Recebíamos
notícias do nosso país pelas rádios, revistas mexicanas e jornais
clandestinos, sempre com quinze dias de atraso”. Em 1977, Marés,
sua esposa e dois filhos pequenos, vão para São Tomé e Príncipe,
na África portuguesa, e lá permanecem até o retorno ao Brasil em
1979, um mês antes da decretação da Anistia.

180
Resistência à ditadura Militar no Paraná

No retorno, apesar das agruras do exílio, Carlos Marés retoma


a vida, filia-se no MDB e faz concurso para a Procuradoria do Estado
do Paraná. “Passo a me dedicar à militância social, defendendo os
povos indígenas e contribuindo teórica e juridicamente com o MST”.

CARLOS MOLINA
Idade – 54 anos
Profissão – Servidor Público

Sob influência de seu pai partidário do


PTB e de professores vinculados ao MDB, AN-
TONIO CARLOS DA SILVA MOLINA começou
a militar muito jovem em sua cidade natal,
Tupã. Lá atuou com outros jovens no grêmio
estudantil, organizando cineclube, jornal estudantil, rádio amadora,
grupo de discussão e teatro, vivendo suas primeiras experiências
com a repressão, que coibiu essas atividades.
Molina se mudou para São Paulo em 1975, onde passou a
fazer panfletagem relâmpago e se envolver nos debates pela Anistia,
Constituinte e fim da ditadura. Ingressou no MR-8, onde permaneceu
por dois anos até entrar no Partido Comunista do Brasil (PCdoB),
já no final da década.
Em 1978, envolveu-se no Movimento Negro, na oposição dos
bancários (SP) e na Greve do ABC, pichando e distribuindo o jor-
nal Movimento. Após confrontos com a polícia nessa e em outras
circunstâncias, teve a casa invadida e vandalizada pelo movimento
anticomunista. Então, mudou-se para Curitiba, permanecendo
no PCdoB e se engajando em várias greves, movimentos e gru-
pos, como a luta dos moradores da periferia, a questão indígena
(ANAI), o Comitê em Defesa dos Povos da América Latina e Caribe,
CDAMA e o CBA-CURITIBA.
Participou ativamente das eleições de 1982, apoiando a can-
didatura de José Richa como meio de acelerar o final da ditadura.

181
Depoimentos para a História

CARMEN RIBEIRO
Idade – 63 anos
Profissão – Socióloga

CARMEN REGINA RIBEIRO passou a


se engajar politicamente tão logo entrou no
curso de serviço social, aos dezessete anos
de idade. Sensibilizada com a situação dos
presos políticos, envolveu-se na organização
de diversas atividades para apoiá-los. A influ-
ência cristã da família e de padres progressistas a aproximou da Ação
Popular (AP). Nessa organização executou várias tarefas políticas,
como panfletagens, distribuição do Jornal Libertação e organização
de uma estrutura de apoio para angariar recursos, criar uma rede
de simpatizantes e ocultar pessoas vivendo na clandestinidade.
Devido a circunstâncias próprias e seguindo orientação da AP,
abandonou o curso de serviço social e passou em ciências sociais na
UFPR, acreditando que lá poderia realizar um trabalho político mais
efetivo. Sabendo da prisão de seus companheiros, e temendo destino
semelhante, fugiu para o interior de São Paulo e Minas Gerais onde
passou alguns meses refugiada com seu marido, Claudio Ribeiro. Po-
rém, decidiu retornar a Curitiba para se apresentar na Auditoria Militar
e responder dois processos embasados na Lei de Segurança Nacional.
Passados os Anos de Chumbo, Carmen voltou a participar ati-
vamente da vida política, envolvendo-se na Escola Oficina, no MDB,
no movimento dos moradores de periferia e na fundação e legalização
do Partido dos Trabalhadores. Embora perseguida e tendo que en-
frentar momentos de desemprego e desespero, seu trabalho engajado
junto à Prefeitura de Curitiba, ao IPARDES – Instituto Paranaense
de Desenvolvimento Econômico e Social e ao IPPUC – Instituto de
Pesquisa Planejamento Urbano de Curitiba, também foi importante
meio de intervenção social.
O relato de Carmem é uma fonte valiosíssima sobre os efeitos
deletérios da ditadura civil-militar brasileira, como insegurança
constante, ameaças, desemprego, pesadelos e momentos de pânico
e terror. Ela expõe com clareza e muita sensibilidade as diversas
facetas de seu drama pessoal, como mãe e militante.

182
Resistência à ditadura Militar no Paraná

CESAR T. KOHATSU
Idade – 58 anos
Profissão – Médico

Filho de Médico, CÉSAR TOSHIYUKI


KOHATSU ingressa na Universidade Estadual
de Londrina em 1973 para cursar Medicina.
Sem amigos na cidade, a universidade passou
a ser sua única referência social. Imediatamente
conhece os integrantes do DCE que o ajudam a
fazer o jornal da Medicina, ‘O Saco’. Entre eles estavam Marcelo Oikawa e
Célia Regina de Souza, diretamente ligados ao Jornal do DCE, o ‘Poeira’.
A deflagração da Operação Marumbi no Paraná, uma ofensiva
do governo militar contra integrantes do PCB, fez que com que o clima
ficasse tenso na UEL, uma vez que um professor tinha sido preso, além
do vereador londrinense Genecy Souza Guimarães e outras lideranças
do partidão na região. Mas o movimento continuava coeso e resistente,
realizando a Semana de Atualidades, série de eventos culturais que
mobilizavam os estudantes. César continuou a participar, até que em
1979, pouco antes da formatura, ingressou nas fileiras do PCdoB,
que já contava com Marcelo Oikawa, Gilberto Martin e Marco Antonio
Fabiani, todos contemporâneos do movimento estudantil.

CÍCERO DO AMARAL CATTANI


Idade – 73 anos
Profissão - Jornalista

CÍCERO DO AMARAL CATTANI nasceu


na região das missões jesuíticas, em 1940.
Suas recordações trafegam pelos diferentes
acontecimentos do período por intermédio da
história do periódico trabalhista “Última Hora”,
no qual esteve envolvido. A proximidade fami-
liar do mundo político e das letras talvez tenha influenciado Cícero a
ingressar no universo jornalístico com apenas dezessete anos.

183
Depoimentos para a História

Em 1961, já com alguma experiência profissional foi seleciona-


do pelo “Última Hora”, que então iniciava a publicação de sua edição
paranaense, a qual estavam vinculadas importantes autoridades
políticas da época, como Nei Braga e Iberê de Matos. Além das re-
portagens, também fazia o plantão noturno nesse jornal adepto do
getulismo e trabalhismo. Com o jornal dando cobertura ao movimento
sindical e inclusive fomentando sua unificação e organização, Cícero
se envolveu na instalação de sua sucursal no Paraná e passou a di-
rigir a edição. Lembra como sua sede congregava diferentes setores,
inclusive a ala legalista do exército.
O jornalista, argutamente, faz um contraponto entre a reper-
cussão positiva da Campanha da Legalidade no Paraná, em 1961, e o
silêncio diante do Golpe, três anos mais tarde. Já nos primeiros suspiros
da Ditadura foi aberto um Inquérito Policial Militar, indiciando os jor-
nalistas do “Última Hora”, dentre os quais esteve Cícero. Fortalecendo
o regime recém-instaurado, além da repressão ao jornal o sindicato
dos jornalistas foi aparelhado pela direita. Ele lembra bem da pressão
psicológica exercida sobre eles, bem como da conivência com a depre-
dação da sede do jornal em Curitiba, ainda antes do Golpe. Esse fato
foi para ele um forte indício das pretensões golpistas, e inclusive alertou
pessoalmente Jango do ocorrido, quando este fez escala no aeroporto
de Curitiba, dias antes da fatídica e duradoura quartelada. Antes de
conseguir recomeçarsua vida profissional nos anos 1970, perseguido
politicamente foi mantido longe das salas de redação por anos a fio,
sendo impedido de exercer sua profissão e tendo que se virar com bicos.

CLAIR DA FLORA MARTINS


Idade – 68 anos
Profissão - Advogada

CLAIR DA FLORA MARTINS integrou


a Ação Popular em sua juventude. Quanto a
essa militância, destaca que “em 1966 eu me
filiei à Ação Popular, que era um partido de
massa, que não só tinha uma interseção no
movimento estudantil, mas em diversos ou-
tros segmentos da sociedade, por exemplo bancários, meio operário.

184
Resistência à ditadura Militar no Paraná

Eu, então, não só comecei a participar do movimento estudantil,


mas também tinha ligações estreitas com esses outros movimentos
bancário e operário. As mobilizações cresceram e logicamente, em
contrapartida, também o movimento de repressão em todo o país.
Foi quando nossa luta também se dirigiu não só para questões vin-
culadas ao movimento estudantil, mas também em relação à luta
contra a ditadura e pelas liberdades democráticas”.
Com o endurecimento do regime após o AI-5, Clair entrou
na clandestinidade, indo para São Paulo “assumir a coordena-
ção do diretório da ação popular nessa cidade, juntamente com
outros dois companheiros. Fiquei vinculada mais ao movimento
operário, e lá então pretendíamos não só organizar o movimento
operário juntamente com outros segmentos da sociedade, mas
também o partido tinha uma visão de que nós tínhamos que ter
uma dedicação relacionada também ao movimento agrário, mo-
vimento camponês”.
Em decorrência dessa atuação, Clair acabou presa em São
Paulo, em 1971. Lá, sofreu todo tipo de tortura, física e psicológica,
praticada pela equipe do Delegado Fleury na sede da DOPS paulista.
Em suas palavras, “já a partir do ato da prisão nós já fomos agredi-
dos, fomos presos pela equipe do famoso delegado Fleury. A partir
de então já sofremos todo tipo de tortura. Fomos presos eu e meu
companheiro nesse dia, Hasiel da Silva Pereira. Já fomos levados para
a DOPS, e lá nos interrogatórios sofremos espancamentos, choque
elétrico, pau-de-arara e outros tipos de tortura, como permanecer
numa cela isolada por quarenta dias”.
Após permanecer oito meses presa em São Paulo, Clair foi
trazida de carro para Curitiba e ficou ainda uns dias presa na sede
da PE na praça Rui Barbosa. Depois, viveu na clandestinidade no
Rio Grande do Sul até ser absolvida pela Justiça Militar, quando
retornou para Curitiba.
Filiou-se ao PMDB, atuou junto aos movimentos feministas e
em 2000, já no PT, foi eleita para a Câmara de Vereadores de Curi-
tiba e dois anos depois e 2002 se elegeu Deputada Federal sendo a
primeira mulher a conquistar um mandato federal na história política
do Paraná. “Mantenho os mesmos ideias progressistas e a convicção
que me fizeram lutar para mudar o país e a ordem mundial”.

185
Depoimentos para a História

CLAUDEMIR FELTRIN
Idade – 67 anos
Profissão - Professor

A vida simples na lavoura no distrito de


Floriano em Maringá, Norte do Paraná, não
impediu que CLAUDEMIR ONOFRE FELTRIN
e seu irmão Edson tomassem gosto pela
política. Junto com os primos Feltrin que
moravam em Apucarana, Claudemir integrou
a célula da Política Operária.
Entre panfletagens e pichações, reuniões e contatos com mi-
litantes da capital, o grupo caiu em 1970, com Claudemir sendo
preso em casa. “Minha mãe ficou desesperada, pois ninguém sabia
da nossa militância”, lembra emocionado. O irmão Edson, falecido
em 2013, foi preso no banco em Itambé. “Ficamos de três a quatro
dias no Quartel do Exército em Apucarana á base de banho gelado
de mangueira e muita tortura psicológica”.
Quando eram trazidos para Curitiba, Claudemir, Edson e o
primo Valdecir, “os milicos ameaçaram nos jogar no rio no viadu-
to da curva da Santa. Mandaram a gente ajoelhar e rezar. Foi um
terror”. Em Curitiba, foram trinta dias de isolamento total, até que
o pai dos irmãos Feltrin viesse visitá-los. No retorno ao pequeno
distrito de Floriano, Claudemir lembra que “nenhum dos amigos
vieram saber notícias, nos evitavam na rua. Somente meu barbeiro
teve uma palavra de conforto”.
Depois da prisão, Claudemir retomou os estudos de Matemá-
tica, começou a dar aulas na Universidade Estadual de Maringá
e iniciou sua militância na Associação dos Professores do Paraná
– APP. Em 1986 foi eleito vice-presidente da APP e assumiu a pre-
sidência em função da renúncia do titular, participando de ações e
mobilizações como greves e outros embates na defesa dos direitos
da categoria. Filiado ao PT há 10 anos, continua a sua militância
política até os dias de hoje.

186
Resistência à ditadura Militar no Paraná

CLAUDIO GAMAS FAJARDO


Idade – 62 anos
Profissão - Advogado

Em 1973 quando ingressou no curso de


Ciências Sociais da Universidade Federal do
Paraná, CLAUDIO GAMAS FAJARDO imedia-
tamente se ligou ao movimento estudantil e à
luta contra o Decreto- Lei 477/69, conhecido
como o AI-5 das universidades, que proibia
manifestações políticas de professores, servidores e de estudantes
na universidade. O DARPP – Diretório Acadêmico Rocha Pombo do
Paraná, das ciências humanas, era, nessa época, um dos poucos
diretórios da UFPr de oposição – enquanto os demais flertavam com
a Reitoria e se transformou em reduto da esquerda.
“Éramos vanguarda na luta contra a ditadura”, define Fajar-
do, que participou da criação de vários centros acadêmicos, agora
por curso, entre eles o de jornalismo. No final de 1976, começo de
1977, vários estudantes em São Paulo foram presos durante uma
panfletagem, o que mobilizou os alunos da UFPR a chamar uma
assembleia para exigir a imediata libertação dos jovens. As notícias
sobre a ação da repressão chegavam com muita rapidez e já se sabia
no âmbito da universidade sobre sequestros, torturas e o desapa-
recimento de militantes que se opunham ao regime militar. Nesse
momento, “despertamos para a importância da luta” e a única saída
era o enfrentamento através das organizações clandestinas.
Fajardo passou a atuar na Política Operária, a Polop [POLOP
é do final dos anos 1960, acho que aqui a sigla correta é PO], e
junto com outros companheiros manteve um grupo de estudos sobre
marxismo e intensificou as ações para a organização da massa tra-
balhadora. Em maio de 1977, foi detido com outros oito estudantes
numa panfletagem de convocação de uma assembleia, entre eles
Ivo Augusto de Abreu Pugnaloni. O grupo foi levado para a sede da
DOPS e lá foram ameaçados e sofreram tortura psicológica praticada
pelos agentes públicos.
Mesmo depois desse episódio, Fajardo continuou sua militância
política, seja no clandestino MR-8 em Campinas, seja no MDB – e

187
Depoimentos para a História

depois no PMDB - em Curitiba na organização de associações de


bairros. Passou a fazer parte do CBA - CURITIBA e foi eleito vice-
-presidente, com Narciso Pires na presidência do CBA. Junto com
a Anistia, em 1979, conseguiu terminar a graduação em Ciências
Sociais e mais tarde faz mestrado em Sociologia na UNICAMP. Hoje,
Fajardo continua sua militância política partidária, sendo um dos
fundadores do Partido da Pátria Livre, o PPL.

CLAUDIO RIBEIRO
Idade – 70 anos
Profissão – Advogado

CLAUDIO ANTÔNIO RIBEIRO nasceu


em Nova Rezende, em 1943. Sua família logo
se deslocou para uma região de ocupação de
terras próxima de Londrina, mais especifi-
camente Centenário do Sul. Lembra Ribeiro
que, o interventor Manoel Ribas e o governa-
dor Moyses Lupion distribuíram títulos naquela região, levando à
grilagem de terras e expulsão dos colonos. Ocorreu então um longo
processo de resistência armada. Claudio recorda de algumas cenas,
como cinco assassinatos que testemunhou quando era criança, mas
admite sua incapacidade para compreender seu sentido naquela
época. De família católica, julga ter herdado alguns valores dessa
tradição, como solidariedade e percepção de justiça. Estudou em
Porecatu, nos anos 1950, presidindo o Centro Estudantil Castro Al-
ves, nutrindo forte gosto pela leitura e acompanhando os noticiários
por intermédio do rádio.
Mudou-se para Curitiba, no começo dos anos 1960, aprovado
em concurso público para o banco (1963). “Passando no vestibular da
faculdade federal de direito, ali com as conversações e as conversas
daqui e de acolá, acabei de certa forma tomando conhecimento de
várias formas e quando veio o Golpe de 1964 eu já sabia de que lado
ficar. Fui em seguida escolhido para presidir o Partido Acadêmico
Renovador [PAR] da UFPR, exatamente porque eu tinha um discurso
muito claro do que achava que deveria ser feito” e por não ter uma
lealdade organizacional definida, o que lhe possibilitava unificar as

188
Resistência à ditadura Militar no Paraná

diferentes correntes. O PAR, que disputava as eleições para o CAHS,


aglomerava estudantes com pensamentos de esquerda e foi, paula-
tinamente, assumindo um caráter de resistência.
Ribeiro lembra que, ao mesmo tempo em que eles tentavam orga-
nizar os jovens na universidade (da qual saiu formado em 1967/1968),
a Ditadura reprimia os sindicatos, especialmente o dos bancários.
Então, foi formado um grupo para retirar o sindicato da categoria da
intervenção sofrida, o que conseguiram no primeiro semestre de 1967
com uma votação esmagadora que elegeu Ribeiro secretário-geral,
assumindo a condição de dirigente de uma chapa de composição com
pessoas de diferentes tendências políticas (PCB, PCBR, entre outros).
Sua falta de vínculos orgânicos com algum grupo específico o possi-
bilitou exercer seu cargo com desenvoltura, conduzindo o sindicato
em um momento de claro favorecimento do capital em detrimento do
trabalho. Participou do primeiro encontro nacional dos bancários,
no Rio de Janeiro, logo após a posse da chapa, começando ali as
discussões sobre a necessidade de uma greve geral contra a política
macroeconômica e o arrocho salarial imposto pelo regime.
Relembrando a aguerrida resistência interposta por diversos
setores sociais contra a Ditadura em 1968, recorda que foi ao Rio de
Janeiro mobilizar os bancários para os protestos ocasionados pela
morte do estudante Edson Luís de Lima Souto (Passeata dos Cem
Mil). Ainda nesse ano, ocorreu outro encontro nacional dos bancá-
rios, agora em São Paulo, e Ribeiro foi para defender a necessidade
iminente de realização de uma greve geral. Com ampla articulação
nacional favorável a essa tese, saíram do encontro com a deliberação
de realizar a greve, acaso as negociações não avançassem no sentido
do governo atender às exigências de restituir os salários defasados.
Além dessa questão, Ribeiro lembra que por meio do sindica-
to também atuavam em outras frentes como forma de mobilizar os
bancários e a população, a exemplo da construção de cerca de quatro
mil unidades residenciais em um projeto firmado em parceria com
o recém-criado Banco Nacional de Habitação. Também promoviam
jogos, campeonatos e outras ações para agregar os sindicalizados.
Próximo da greve dos bancários em Curitiba, em 1968, foi
recrutado por Edésio Passos para integrar a Ação Popular Marxista
Leninista (AP-ML), participando de reuniões em Curitiba e em outras
cidades, onde eram discutidas questões internas, documentos, sobre-

189
Depoimentos para a História

tudo de teor maoísta, e dado cursos de sindicalismo. Mas, admite


que sua formação se deu muito mais por meio da poesia engajada
que de leituras teóricas. Foi um relacionamento esporádico com a
organização, uma vez que divergia de algumas diretrizes, como a
fusão com o PCdoB.
O endurecimento do regime atingiu Ribeiro, que foi preso no dia
quatro de novembro de 1970 “já de uma forma mais dura” no quar-
tel da polícia do exército. Lá foi torturado e testemunhou as sevícias
impostas a dois presos políticos do PCBR: “Xanha” e Elinor Mendes
Brito. Ribeiro lembra que foi preso e interrogado, como se fosse da ala
do Marighella. Ficou nessa condição de sequestrado pelo regime por
cerca de sessenta dias, sendo transferido para outros locais para ser
interrogado. Como não foi processado, ao final desse processo foi liber-
tado. Voltou a exercer atividades sindicais, reassumindo suas funções.
Porém, logo foi cassado e o sindicato colocado sob intervenção. Algum
tempo depois, pressionada a direção do banco o demite e é avisado que
iriam prender sua companheira e então decidem fugir, passando um
tempo escondidos em uma fazenda de sua família em Minas Gerais.
O casal retornou ao Paraná, entre 1971 e 1972, e enfrentou
sérias dificuldades, até que Ribeiro recomeçou sua vida profissio-
nal, advogando em Pato Branco. Após esse período, já no final dos
anos 1970, retornou a Curitiba e fundou um escritório de advocacia
trabalhista para reconstruir as atividades sindicais e auxiliar os
movimentos populares nos bairros. Envolveu-se também com a luta
pela Anistia ampla, geral e irrestrita e no processo de fundação do
Partido dos Trabalhadores e da Central Única dos Trabalhadores.

CLETO TAMANINI
Idade – 65 anos
Profissão - Professor

Em 1968, o seminarista CLETO TAMA-


NINI chega a Curitiba para cursar Filosofia
na Pontifícia Universidade Católica (PUC)
vindo de Brusque, Santa Catarina, onde mo-
rava desde a adolescência. Lá, sempre ouvia

190
Resistência à ditadura Militar no Paraná

dos padres de que o ‘comunismo ia tomar o Brasil’, ideia que não


concordava desde aquela época. Ao lado de Antonio João Manfio,
também seminarista da PUC, Cleto participava das reuniões, das
passeatas e dos eventos mais radicais como a tomada da reitoria da
UFPR em maio de 1968.
“Das passeatas, me lembro de uma que ia em direção à Boca
Maldita e houve um confronto pesado com a polícia. Eu me assustei
e fui me esconder no prédio da Biblioteca Pública do Paraná”, conta.
Junto com outros seminaristas, Cleto trabalhou na campanha de
Dom Camilo de reciclagem em 1968.
No ano seguinte, com dúvidas sobre o seminário, mudou para
Letras e continuava a militar dentro do movimento estudantil contra
a ditadura. “A ditadura amordaçou o movimento estudantil”. Vários
companheiros foram presos, mas Cleto não, pois não era uma liderança.
Para sobreviver, Cleto Tamanini lecionava à noite. Em 1970,
integrou a oposição da APP e em 1972 seu grupo venceu em função
da APLP, que tinha um trabalho de base e proporcionou a vitória.
“Começamos uma luta muito grande pela aprovação do estatuto do
magistério, que finalmente foi aprovado em 1975”. Chegou a ser detido
uma vez por fechar uma escola em Paranacity, “mas nada de grave”.
Até 1979, Cleto permanece na direção da APP e nesse período
a entidade se abre para os movimentos sociais. “O salão estava sem-
pre disponível para os representantes dos movimentos populares,
era mais seguro e um ambiente de muito respeito”, conta. Foram
realizados inúmeros eventos organizados pelos integrantes do PCB
e PCdoB, “contribuindo com os primeiros passos no Paraná no
sentido da abertura democrática”. Além das questões regionais, a
APP também apoiou campanhas nacionais como da Anistia, Diretas
Já e Constituinte. Cleto Tamanini se transferiu para Guarapua-
va após assumir cargo de auditor fiscal e no magistério continua
sua militância. Foi filiado ao MDB no princípio, optou pelo PDT
por sempre ser brizolista, partido pelo qual foi eleito vereador em
Guarapuava em 2012.

191
Depoimentos para a História

CLÓVIS MARTINS
Idade – 52 anos
Profissão - Advogado

CLÓVIS APARECIDO MARTINS foi


criado em Ivaiporã, mudou-se sozinho e
ainda muito jovem para Curitiba, em 1977,
onde começou a trabalhar e cursar o ensino
médio no Colégio Estadual do Paraná. Nesta
instituição, cuja direção ainda hesitava em
permitir a mobilização dos estudantes, envolveu-se no processo de
reconstrução do grêmio, que estava inoperante há alguns anos.
Participou das eleições, durante as quais denunciou a ditadu-
ra e defendeu aredemocratização de sala em sala, e depois compôs
a gestão da entidade. Esta passagemfoi a porta de entrada para
a atuação mais ampla junto ao movimento estudantil do Paraná,
sendo secretário de cultura da reconstruída União Paranaense dos
Estudantes Secundaristas, em 1979, e participando do congresso
de retomada da União Brasileirados Estudantes Secundaristas.
Nesses anos finais da Ditadura, Clóvis participou ainda do movi-
mento pela Anistia e, pouco mais tarde, integrou o MR-8, auxiliando na
venda do jornal Hora do Povo. Concursado na Caixa Econômica Federal e
aprovado em Direito no vestibular da PUC, passou a atuar no movimento
sindical dos bancários. Este depoimento é um precioso relato de alguém
que, ainda muito jovem, passou a militar nos estertores da Ditadura.

DÁCIO VILLAR
Idade – 69 anos
Profissão - Economista

DÁCIO VILLAR nasceu em Mandaguari


e foi criado em Porecatu. Neto de um operário
anarquista assassinado no Braz, começou a
trabalhar com doze anos. Após alguns anos,
mudou-se para Londrina onde aprofundou

192
Resistência à ditadura Militar no Paraná

seus conhecimentos em contabilidade e passou a trabalhar como


classificador de produtos agrícolas.
Transferiu-se para Curitiba para fazer a universidade, quando
em setembro de1968 participou como delegado no malfadado Congres-
so da UNE em Ibiúna. Foi mantido no presídio Tiradentes por alguns
dias junto aos demais representantes, até ser trazido e liberado em
Curitiba. Em dezembro desse mesmo ano novamente foi preso por
participar do Congresso regional da UNE na Chácara do Alemão, vindo
a ser condenado no processo dos estudantes em 1969. Libertado após
cumprir pena de dezoito meses no presídio do Ahú (de dezembro de
1968 a julho de 1970) ficou marcado pela repressão, perdendo seu
emprego e curso e sendo coagido a sair do Paraná e se estabelecer
em São Paulo, capital. Lá, após seu passado ser descoberto, sua casa
foi invadida e se viu mais uma vez obrigado a fugir, primeiro para
Campinas, refugiando-se em uma igreja, depois Belo Horizonte e por
fim Ilhéus, na Bahia, onde havia um grupo da Ação Popular (AP),
entidade à qual Villar estava ligado como simpatizante.
Porém, devido à atuação da repressão na cidade, teve que
deixá-la no mesmo dia em que chegou, partindo para Salvador,
onde também foi aconselhado a não permanecer. Seguindo a su-
gestão recebida, foi para o Rio de Janeiro, em janeiro de 1972, onde
com sua esposa fez nova carteira de trabalho e passou a trabalhar
com representação comercial, hospedando e prestando apoio a
clandestinos da AP. Voltou ao Paraná somente com o processo da
Anistia. Suas lembranças reconstituem em detalhes os melancólicos
anos passados no presídio do Ahú. 

DANIEL FARIA
Idade – 59 anos
Profissão – Professor, Compositor e Poeta

RÔMULO DANIEL BARRETO DE FARIA


é o mais novo de quatro irmãos perseguidos e
presos pela Ditadura. Influenciado pelas con-
cepções e experiências de seus irmãos mais
velhos, participou do Movimento Estudantil

193
Depoimentos para a História

no começo dos Anos de Chumbo. Essas atividades culminaram, ini-


cialmente, em pressão para que sua mãe retirasse os três filhos do
colégio militar, caso contrário seriam expulsos.
Mais tarde, quando Daniel e seus irmãos aderiram à Ação
Popular, seguindo os passos de Hamilton, o mais velho, acabaram
presos e interrogados. Enquanto Paulo foi torturado, talvez tenha
sido a minoridade penal de Daniel à época que lhe salvou dos suplí-
cios maiores do cárcere – ainda que haja vários registros de menores
torturados pela repressão.
Embora sua trajetória nos porões da Ditadura tenha sido breve,
é um testemunho fidedigno da prisão e do sofrimento de amigos e
familiares, bem como da trajetória de uma mãe simples, que se viu
obrigada a deixar seu “pequeno mundo doméstico” para enfrentar
o regime em busca de seu primogênito sequestrado pelos militares.
Belíssimo depoimento, regado com poesia e música dedicada à
bravura dos que lutaram e a essa mãe, digna da obra de Máximo Gorki.

DANILO SCHUAB MATTOZO


Idade - 75 anos
Profissão - Aposentado

DANILO SCHWAB MATTOZO nasceu


(1938) e foi criado em Ponta Grossa. Ainda jo-
vem, começou a trabalhar em uma farmácia e
se sensibilizar com a situação política e social
de seu entorno, contestando a desigualdade
social. A partir dos quinze, dezesseis anos,
passou a ler sobre e se envolver nos movimentos de sua época, como
a campanha “O petróleo é nosso”. Servindo o exército, passou dois
anos no Rio de Janeiro, onde fez um curso de cartografia militar.
Por seus posicionamentos nacionalistas e críticos, Danilo se
tornou visado pelos setores mais conservadores da instituição. Recor-
da-se da oposição gerada já com seu apoio à candidatura do Marechal
Lott, contrapondo-se com isso ao posicionamento de seu superior em
favor de Jânio Quadros. Já de volta a Ponta Grossa, aproximou-se de
um major também nacionalista em 1963, integrando uma frente.

194
Resistência à ditadura Militar no Paraná

Quando veio o Golpe de 1964, Danilo foi preso, processado


junto com outras vinte e três pessoas de Ponta Grossa e reformado
do exército enquanto fazia um tratamento de saúde. Lembra que
nesse período inicial foi preso e interrogado “umas três vezes”, mas
logo liberado sem maiores violências. Então, devido à perseguição
sofrida, mudou-se para Curitiba onde se engajou nas trincheiras
da oposição, aproximando-se do major Joaquim Pires Cerveira e
da Frente de Libertação Nacional (FLN). Participou da arriscada
operação de resgate do coronel Jefferson Cardim de Alencar Osó-
rio, que em 1965 havia liderado uma coluna contra a ditadura e
se encontrava detido em um quartel no boqueirão, em Curitiba.
Anos mais tarde, no final de 1975, Danilo voltou a ser preso,
agora em decorrência da operação Marumbi. Sequestrado pelo DOI-
CODI e mantido isolado e em condições degradantes, sofreu diver-
sas ameaças. Porém, confidencialmente, o carcereiro – tratando-o
como “tenente” - já havia lhe advertido que isso ocorreria, o que lhe
tranquilizou. Mais tarde, sua prisão foi oficializada e ele liberado.
Seu depoimento é de extrema relevância, haja vista que
além de narrar sua importante trajetória de resistência também
conta algumas passagens da vida e luta do desaparecido político
Joaquim Pires Cerveira, executado pela repressão entre o final de
1973 e o começo de 1974.

DAVID GONGORA JUNIOR


Idade – 65 anos
Profissão – Advogado

Nascido em 1948 na cidade de Cam-


pinas DAVID GONGORA JUNIOR se mudou
ainda jovem para Osasco onde terminou o
primário, fez cursos profissionalizantes e co-
meçou a trabalhar na COBRASMA. Seguindo
o exemplo paterno, também se sindicaliza.
Compondo a comissão de sua fábrica, Gongora participou ativamen-
te da greve de Osasco, em 1968. Em decorrência de sua atuação
nas movimentações, foi demitido e seus pais presos, na tentativa

195
Depoimentos para a História

da repressão de rastreá-lo. Identificado como parte do comando da


greve, foi “guardado” ou “protegido” pela VPR, entrando na organi-
zação e na clandestinidade.
Com a fusão da VPR e da COLINA, que resultou na formação
da VAR-Palmares, Gongora aderiu a esta organização atuando em
seu setor de operações. Foi deslocado para o Recife, onde estruturou
uma oficina de montagem de armas para a organização. Chegaram a
elaborar um protótipo, contudo tiveram que abandonar os trabalhos
em razão das inúmeras quedas na VAR-Palmares. Nesse processo
de desestruturação da VAR-Palmares, David rompeu com a orga-
nização por se contrapor ao julgamento de um desertor. Contudo,
antes de partir para o Chile com um documento falso e se aproximar
novamente de membros da VPR no exílio e do pessoal que havia
regressado de Cuba e lá se encontrava, limpou alguns pontos que
sobraram para não caírem na malha da repressão.
No exílio, labutou em uma cooperativa de trabalhadores da
construção como técnico industrial e passou a atuar como falsificador
de documentos, para facilitar o trânsito de pessoas. Integrado na
sociedade local, com a derrubada de Allende, participou por cerca
de um mês e meio da resistência ao golpe. David atribui essa sua
atuação na resistência chilena à influência exercida sobre ele por
Tiago de Melo e por outros intelectuais, que ampliaram sua visão
sobre a América Latina e suas lutas.  
A supressão violenta das oposições à recém-instalada ditadura
chilena obrigou Gongora a retronar ao Brasil, estabelecendo-se em
Londrina com identidade falsa, onde já havia vivido em 1956. Logo
encontrou emprego e voltou a atuar na organização dos trabalha-
dores, via sindicato dos metalúrgicos.
Após uma rápida estada na Argentina e na Europa retornou a
Londrina e à vida sindical, mas com a operação Marumbi em curso par-
tiu para São Paulo, onde ficou trabalhando em um bar. Mais uma vez,
para rastreá-lo com celeridade, seus pais foram presos, até chegar a vez
de David, que foi parar nas instalações do DOI-CODI. Identificado como
membro da VPR, passou por interrogatórios objetivando a localização
de uma arma, ainda do tempo de Lamarca. Ficou mais de dois meses
incomunicável, alternando entre a DOPS, o DOI-CODI e o presídio de
Barro Branco. As convulsões que passou a ter após o acidente de carro
na Serra do Cadeado o livraram de sofrer torturas mais pesadas.

196
Resistência à ditadura Militar no Paraná

Fazendo um balanço do período, destaca que “nós fomos


realmente uma juventude extraordinária [...] Na época éramos
solidários aos movimentos de libertação africanos, ao Vietnã”. O
próprio David tinha como codinome “Habib”, nome alusivo aos
povos árabes que se opunham ao domínio imperialista no Egito
e Palestina.
Em 1979 foi Anistiado e voltou para Londrina, onde já tinha
uma base de atuação, mas desta vez com seu nome verdadeiro.
Monitorado pela repressão, galgou cargos políticos e sindicais,
participando inclusive do ENCLAT, na Praia Grande. Gongora,
em Londrina, fez o curso de direito e mestrado, estabelecendo-se
com o advogado e professor.

DAVID PEREIRA DE VASCONCELOS


Idade – 70 anos
Profissão – Sindicalista Aposentado

O mineiro de nascimento DAVID PEREI-


RA DE VASCONCELOS chegou ao Paraná na
década de 1960 para trabalhar na lavoura.
Fixou residência em Terra Roxa onde casou
e teve dois filhos. Por volta de 1975, “a crise
econômica atingiu em cheio os agricultores
com a proposta do governo do estado de mecanizar todas as terras.
Assim, fomos todos tocados da lavoura rumo às cidades”, afirma David.
Dotado de uma memória privilegiada, David lembra do dia em
que chegou a Curitiba: “Era 17 de maio de 975, chego na capital com
mulher, quatro filhos e duas malas, sem ter onde morar”. Instalado
na casa de um cunhado, David arrumou serviço na construção civil.
Congregado mariano, ele conseguiu apoio da igreja para construir
um barraco e lutar pela sobrevivência, como milhares de outros
homens e mulheres expulsos do campo.
Em final de 1978, o então prefeito Jaime Lerner ameaçou
acabar com as favelas da capital, especialmente a Vila Pinto e Pa-
rolim. Foi aí que um grupo de intelectuais propôs a organização de
associações de moradores na Vila São Carlos, e David se engajou

197
Depoimentos para a História

no movimento. Entre os ‘intelectuais’ citados estão Edésio Franco


Passos, Claudio Ribeiro, Geraldo Correia Vaz, Zélia Passos, Dr. Tei-
xeira, Dr. Luiz Salvador, Roberto Requião, Carminha Ribeiro, Narciso
Pires, Fábio Campana e José Gomes.
Foi com a ajuda deles que David relembra que, em 1º de
maio de 1979 foi fundada a Associação de Moradores da Vila Nossa
Senhora da Luz. “Neste ano fundamos quarenta e três associações
e eu fui o primeiro dirigente da Associação da Vila Nossa Senhora
das Graças”.
Em 1979, David não parava em emprego “porque não aguen-
tava a injustiça. Os trabalhadores da construção civil estavam pas-
sando fome”. A situação era tão desesperadora, que em novembro
daquele ano, os trabalhadores se mobilizaram e realizaram uma
greve que paralisou o setor durante vinte e três dias em plena
ditadura militar. “Participaram mais de sessenta mil operários,
sendo trinta e cinco mil da base. Foi um movimento tão impor-
tante que fez com que ganhássemos a direção do Sindicato dos
Trabalhadores na Construção Civil (SINTRACON)”, avalia. Com
Antônio Pereira de Santana na presidência e David na vice, os
operários tinham que enfrentar também o Delegado Regional do
Trabalho, General Adalberto Massa, que “era quem mandava no
sindicato antes de nós”, completa.
O grupo de David conseguiu cumprir os três anos de mandato
e se reeleger em 83, assumindo somente por força de um mandado
de segurança que anulava a decisão do General Massa que cassou
o novo mandato. Em 1986, David foi eleito presidente e a direção
do SINTRACON continuou nas lutas em defesa dos direitos dos
operários da construção civil.
Além das lutas em defesa da categoria, como diretor do SIN-
TRACON David também participou das campanhas pela Anistia,
Diretas Já e Constituinte, sempre ao lado dos ‘intelectuais’ das
diversas correntes ideológicas que conhecera ainda nos anos de
chumbo. Foi filiado ao MDB e ajudou a fundar o PT, partido ao
qual está ligado até hoje.

198
Resistência à ditadura Militar no Paraná

DÉLIO NUNES CÉSAR


Idade – 74 anos
Profissão - Jornalista

DÉLIO NUNES CÉSAR mora em Londri-


na, Norte do Paraná, desde os quinze anos, e
só deixou a cidade para estudar Jornalismo
na Clásper Líbero, em São Paulo. Mas a liga-
ção com a academia durou pouco: “Abandonei
o curso e cai na vida. Era muita boemia, muita
política e militância estudantil”. Antes de 1964, Délio César já tinha
passagem na polícia, pelo menos três detenções, por pichações e
panfletagem. “Uma vez fui em cana por pichar no consulado ameri-
cano ‘Yankees go home’. Em outra vez, foi ‘Cuba livre’”.
Ao retornar a Londrina, Délio trouxe a ideologia do Partido
Comunista Brasileiro (PCB) já assimilada em São Paulo e se entregou
ao Jornalismo de vez. Em 1961 começou a trabalhar na sucursal de
Londrina do Última Hora. Atuando como jornalista, paralelamente
iniciou em 1964 o curso de Direito na Universidade Estadual de
Londrina (UEL). Em Primeiro de Abril de 1964, os militares fecharam
a redação do Última Hora em São Paulo, e consequentemente, todas
as sucursais deixaram de funcionar. Não bastasse o fechamento do
jornal, todos considerados ‘comunistas’ ou ‘esquerdinhas’ foram
processados no IPM dos Jornalistas.
Em 1968, último ano da faculdade, Délio estava filiado ao MDB,
agitando no movimento estudantil e criando o Festival de Cultura
de Londrina com a proposta de movimentar a cidade com diversas
atividades culturais como música, teatro, artes plásticas e concurso
literário. “Foi tamanho o sucesso do festival que acabei sendo eleito
vereador pelo MBD junto com Álvaro Dias, Antonio Belinatti, Romeu
Curi, José Alencar Guimarães, Genecy Souza Guimarães, entre
outros. Eu não queria ser candidato, entrei apenas para ajudar na
chapa”, afirma.
Em suas memórias, Délio recorda o ano de 1975, quando a
ditadura endureceu no Paraná, prendendo comunistas históricos de
Londrina e região “e a tortura veio pesada”, constata. Ele se lembra
dos relatos das barbaridades infringidas a Genecy Souza Guimarães,

199
Depoimentos para a História

João Eineck e Luiz Gonzaga Ferreira, entre tantos presos e tortura-


dos pela Operação Marumbi que foram vítimas da violência perpetrada
pelo Estado brasileiro.
Mas sua vocação não era para a política, muito menos para
a vida de vereador, embora tenha cumprido o mandato até o fim.
O jornalismo era a sua verdadeira aptidão, tanto que foi diretor de
jornalismo da TV Tibagi/SBT e da TV Coroados/Globo, ambas con-
correntes, mas pertencentes ao Grupo Paulo Pimentel. Délio montou
o Jornal Panorama e em Maio 1989 o Jornal de Londrina, o segundo
da cidade com circulação diária.

DEMÉTRIA FILIPPIDIS
Idade – 59 anos
Profissão – Produtora Cultural

DEMÉTRIA FILIPPIDIS tem a vida marca-


da pela forte herança das lutas travadas por seu
pai, que vão da resistência à ocupação nazista
na Grécia à participação no PCB. Ela passou
parte de sua infância entre a escola e o arma-
zém da família, que também funcionava como
açougue e confeitaria, recebendo diferentes influências de esquerda
por meio de reuniões do Partidão às quais era levada por seu pai,
conversas dele com seus amigos, filmes e palestras.
Demétria lembra da segregação de sua família no seio da co-
munidade helênica de Curitiba, dado as divergências ideológicas.
Junto a essa exclusão, outros estigmas gerados pelo anticomunis-
mo marcaram a vida de Demétria, como a violência sofrida por sua
mãe, o agravamento de seu quadro de esquizofrenia, a destruição
do comércio familiar, os anos de penúria e os sumiços, prisões e
espancamentos aos quais seu pai fora submetido.
Já durante a Ditadura, além da desagregação familiar,
outros problemas surgiram em suas vidas, como a nova prisão
e tortura do pai e a discriminação sofrida na escola. Foi nesse
período, que Demétria começou a dar seus primeiros passos como
militante, participando do movimento estudantil secundarista e

200
Resistência à ditadura Militar no Paraná

universitário e da organizaçãoi Liberdade e Luta (LIBELU). Atuou


dentro da Universidade Católica do Paraná, como no movimento de
boicote às mensalidades, o que lhe acarretou a expulsão do curso.
Paralelamente, começou sua atuação dentro do PT.
Em suma, o depoimento é um relato sobre o drama de toda
uma família perseguida e aterrorizada, que nos coloca a terrível
questão: Qual a dimensão dessa tragédia? Qual o peso da repressão
da ditadura na desintegração pessoal e familiar, nessa sucessão de
catástrofes narrada por Demétria? São os pequenos e sufocantes
acontecimentos de um cotidiano opressivo e desesperador.

DENI LINEU SCHWARTZ


Idade – 75 anos
Profissão – Engenheiro Civil

O engenh eiro civil DE NI LINEU


SCHWARTZ não chegou a se envolver em
política na época da faculdade, embora enti-
dades como a UNE e UPE, esta presidida pelo
grande amigo e companheiro José Richa, ti-
vessem uma movimentação intensa. Mas nem
por isso ele ficou afastado da política. Já em 1961, como funcionário
público estadual aos vinte e dois anos, foi designado pelo Governador
Ney Braga para trabalhar no campo e acompanhar a questão agrária
que registrava grandes conflitos. Chefiado por Deni, o Grupo Exe-
cutivo das Terras do Sudoeste do Paraná (GETSOP), subordinado ao
gabinete militar da Presidência da República, regularizou as posses
de terras no município de Francisco Beltrão e acalmou os ânimos
dos pequenos agricultores.
Instalado na região visada pelas autoridades pela suposta
influência de Brizola, Deni acompanhou os acontecimentos gerados
pelo golpe de 1964 e já estava de ‘namoro’ com o PTB, que o queria
candidato a prefeito pela sua popularidade e respeito. Ele não aceitou
a incumbência e o PTB elegeu Euclides Scalco prefeito, sucedendo
o médico Walter Pecoits que seria preso e torturado pela polícia
política. Deni foi eleito prefeito em 1969, numa aliança entre Arena

201
Depoimentos para a História

e MDB, coisa rara para a época. Filiado ao MDB, mas inscrito para
disputar pela Arena, Deni conseguiu cumprir o mandato sem ser
incomodado pelos militares.
A carreira política de Deni continuou com: a eleição para dois
mandatos de deputado estadual (1974 a 1982) e um para deputado
federal (1993) e a nomeação para secretário dos transportes no governo
José Richa (1983 a 1986) e, novamente, entre 1995 e 1996, e se-
cretário da agricultura nos governos Jaime Lerner (2002), além de
ministro do desenvolvimento urbano e meio-ambiente do presidente
José Sarney (1986 e 1987) e diretor de assuntos institucionais da
Copel (de 1996 a 2002).
Em seu depoimento, Deni destaca que no exercício de suas
funções públicas sempre apoiou os perseguidos e cassados pela
ditadura, como Hermógenes Lavoisier e o próprio Walter Pecoits.
“Fazíamos uma oposição moderada, pacífica à ditadura, e muitas
vezes fomos criticados pela esquerda”, ressalta.
Embora tenha pertencido ao grupo fundador do MDB, chamado
de autêntico, Deni seguiu Euclides Scalco, Terezinha Scalco, José
Richa e Nelton Friedrich e participou da fundação do PSDB, em 1988.
“Era uma proposta viável para o país, com bandeiras legítimas como
a reforma política, a reforma tributária. Mas a aprovação da reeleição
foi uma maldição para o PSDB e para o país, elegendo sempre o mais
ruim”, lamenta. Para ele, que abandonou a política e vive um autoexí-
lio, “a elite política não sabia das necessidades do povo e fracassou”.

DENISE DE CAMARGO
Idade – 62 anos
Profissão – Professora

Enquanto cursou a universidade de psi-


cologia entre 1969 e 1974, portanto nos Anos
de Chumbo, DENISE DE CAMARGO não se
envolveu com nenhuma forma de militância.
Foi a partir de seu relacionamento com Fábio
Campana que passou a ter uma ação política
direta, participando da escola alternativa OCA, do sindicato dos

202
Resistência à ditadura Militar no Paraná

professores da UFPR - onde passou a trabalhar a partir de 1977 – e


dos psicólogos, do CBA-CURITIBA, do Centro Brasileiro de Estudo
da Saúde, do CDAMA e do PCdoB.
Já no final da década de 1970, início dos anos 1980, presidin-
do o sindicato dos psicólogos participou dos encontros das classes
trabalhadoras (ENCLAT, CONCLAT). Membra da primeira diretoria
da associação dos professores da UFPR se envolveu na organiza-
ção de uma greve nacional. Também acompanhou as lutas pelas
associações de moradores na periferia e associações de mulheres.
Tomou parte no diretório municipal do PCdoB, vivendo intensamente
a experiência partidária. Moviam Denise “os sonhos de um mundo
sem classes sociais, onde todos fossem iguais”.
Integrante do departamento de psicologia da UFPR, em seu
depoimento Denise Camargo faz uma análise psicologizante tanto
de sua própria militância quanto da luta mais geral e de seus prota-
gonistas. “Necessidade de ser atuante, de transformar a sociedade,
era o sonho da minha geração”. Acompanhar essa reflexão sobre
a militância e a subjetividade dos militantes é tarefa obrigatória
para quem realmente deseja compreender de forma mais profunda
as gerações que lutaram contra a ditadura.

DIMAS FLORIANI
Idade – 63 anos
Profissão - Professor

DIMAS FLORIANI nasceu em Rio dos


Cedros, Santa Catarina, uma típica cidade
dividida politicamente em torno da igreja e
do futebol, sendo um time da UDN e outro do
PSD. O caminho do seminário era natural, já
que garantia uma forma de ascensão social
para o filho de agricultores sem muitas posses. “Os salesianos eram
um pouco mais liberais, tinham obras sociais, eram uma ordem
muito mais secular com projetos sociais”, analisa.
Em 1966, Dimas se mudou para Curitiba, onde já tinha dois
irmãos vivendo para tentar um emprego melhor e conseguir ter mais

203
Depoimentos para a História

tempo e condições para estudar. Depois de seis meses conseguiu


trabalho em uma imobiliária, como auxiliar e datilógrafo. Passou
a estudar à noite no CEP, onde adquiriu certa consciência social.
“Encontrei pessoas que já tinham uma visão crítica da realidade.
Pessoas que posteriormente foram perseguidas. Elas me ensinaram
a ler Antonio Gramsci com dezesseis, dezessete anos de idade. Essa
curiosidade pelo conhecimento foi fundamental”.
Na capital, integrou o movimento estudantil de 1966 a 1968
ainda no CEP. Já sob o AI-5, Floriani passou no vestibular de direi-
to da UFPR e começou a atuar no CAHS. “Eu comecei a participar
do centro acadêmico onde havia ainda um grupo de resistentes,
pois aqueles que eram líderes da resistência começaram a ser
perseguidos como o Vitório Sorotiuk, o Carlos Frederico Marés”,
relembra. No Hugo Simas, formou-se um grupo de pessoas que
começaram a oferecer gratuitamente aulas para pessoas que não
tinham condições de entrar na Universidade. “Nós criamos um
cursinho voluntário”.
Dimas lembra ainda que a Polícia Federal infiltrou um in-
formante no curso de direito, o ‘Natanael’, que tinha a missão de
localizar pessoas que eram críticas ou tentavam organizar alguma
forma de resistência. “Era comum eu receber ameaças do Natanel
de que se eu me pronunciasse em sala poderia ser preso. Foi um
momento em que o sistema começou a sofisticar a repressão para
identificar alguns surtos de resistência ou possíveis pessoas que
pudessem estar organizando uma maneira de resistência crítica ao
regime militar”.
Por conta dessa vigilância, Dimas resolveu abandonar o Direi-
to e retornou tempos depois para estudar filosofia, na mesma UFPR.
Conseguiu um emprego para lecionar filosofia. Bem remunerado,
alugou uma casa na Rua Santo Antônio, perto da Rua Chile. “Fi-
zemos a mudança com um grupo político que nós tínhamos, que
eu chamaria assim de resistência. Cada um tinha assim alguns
vínculos políticos, mas por questões de segurança nós não dizíamos
que grupos políticos eram esses”, conta. Muito tempo depois, ele
descobriu que um era do MR-8, outro da POLOP, outro da VPR,
que eram organizações clandestinas, algumas inclusive armadas.
Porém, o cerco ia se fechando e muitos dos que viviam na casa
ou a frequentavam foram sendo presos como Claudio Ribeiro, os ir-

204
Resistência à ditadura Militar no Paraná

mãos Faria, Nelson Seratiuk, entre tantos outros. “No fim, o Eduardo
Stots, que era da POLOP, acabou entrando na clandestinidade. Aí eu
fiquei sozinho”. Isolado, em Janeiro de 1972, Dimas decidiu se exilar
no Chile, passando antes pela Argentina. “No Chile, fomos morar em
uma pensão onde havia morado o Geraldo Vandré, um ano antes”.
Mas a situação no exílio era tensa e no dia do golpe contra Allende,
Dimas e sua esposa conseguiram abrigo na casa de um boliviano.
Após permanecer semanas na Embaixada do Panamá, com mais
de trezentas pessoas de toda a América Latina, tendo que muitas
vezes dormir em pé, o casal seguiu para a Bélgica, onde permaneceu
exilado por sete anos.

DINO ZAMBENEDETTI
Idade – 85
Profissão – professor e sindicalista

Nascido no Rio Grande do Sul, em 1928,


morou algum tempo em Curitiba antes de se
estabelecer em Londrina, em 1959, onde logo
passou a desenvolver importante atividade
sindical como professor. Em 1968, juntamente
com outros companheiros, Dino protagonizou um movimento de pro-
fessores, que terminou com o atendimento das demandas pelo então
governador Paulo Pimentel. Nesse mesmo ano, Zambenedetti foi eleito
presidente da APLP, passando a visitar diferentes cidades do estado
para fundar sub-sedes.
Em seu depoimento, Dino recorda das pressões exercidas
para que os docentes permanecessem afastados da entidade, bem
como da perseguição sofrida por ele para cercear seu trabalho
sindical. Na pauta de reivindicações estava a realização de con-
cursos, a regulamentação dos professores suplementaristas e
mais garantias no emprego. Nesse trabalho, acabava por criticar
e se chocar com o governo. Zambenedetti acabou exonerado da
UEL, em 1978.

205
Depoimentos para a História

DIVA RIBEIRO LIMA


Idade – 62 anos
Profissão – Advogada

Aos dezoito anos, a secretária do escri-


tório da Acarpa Emater em Maringá, DIVA RI-
BEIRO LIMA, foi presa no trabalho por agentes
da polícia política. Era 1970. Sem um histórico
de atuação que justificasse a prisão, Diva só
tinha o parentesco com Ruth Ribeiro Lima, sua
irmã, e Licínio Lima, o primo, e a proximidade com o namorado Vitório
Sorotiuk, os três militantes ativos do PCBR. Ruth estudava em Curi-
tiba e conheceu Vitório na UFPR e ele regularmente ia a Maringá pela
organização clandestina, e acabou se aproximando da família de Diva.
No trabalho, a ‘prisão de uma subversiva’ gerou um constran-
gimento geral e uma preocupação para a família. Diva foi levada para
o quartel do exército, em Apucarana e lá encontrou presas diversas
jovens também de Maringá, entre elas Deise Deffune, Elizabete Suga
e as irmãs Deonisia e Hilária Zimowski. O grupo sofreu diversas
ameaças, fazendo com que os trinta e seis dias de prisão fossem re-
pletos de medo e terror, quase sempre protagonizados pelo sargento
Balbinotti, “o mais sádico de todos”.
“Depois da minha prisão é que tive uma participação maior na
organização”, afirma Diva, que ainda acredita que a sua prisão se
deu “porque os agentes tinham que justificar os gastos do aparato
repressivo para continuarem a fazer as barbaridades com o aval
da ditadura”. Logo após a soltura, Diva foi avisada de que iriam
continuar a vigiá-la. Apesar das ameaças, nas viagens que fazia a
Curitiba para responder ao processo na justiça militar, ia visitar a
irmã Ruth e o namorado Vitório no Presídio do Ahu, além de outros
companheiros presos. Passou a morar em Curitiba, onde iniciou a
faculdade de Direito, deixando os contatos e a militância.
Em seu depoimento, Diva conta um pouco da trajetória de sua
irmã Ruth Ribeiro de Lima, militante do PCBR que viveu na clandes-
tinidade até ser presa no Rio de Janeiro. Barbaramente torturada
nos porões da ditadura, foi libertada em Curitiba pelo Juiz Auditor
Ramiro Costa, onde cumpriu parte da condenação em 1970. Ruth
vive atualmente, vive em Maringá. Diva é advogada em Curitiba.

206
Resistência à ditadura Militar no Paraná

DORIVAL RODRIGUES
Idade – 60 anos
Profissão – Médico Veterinário

Ao chegar à Universidade Estadual de


Londrina (UEL) em 1976 para cursar Me-
dicina Veterinária, DORIVAL RODRIGUES,
filho de cafeicultores, encontrou um grupo
de jovens universitários ligados ao DCE que
tinham um grande trunfo nas mãos: o jornal
Poeira. Imediatamente, Dorival engajou-se no movimento de resis-
tência à ditadura, contra ao acordo MEC-Usaid e o Decreto 477 e
pelas liberdades democráticas. “Meu envolvimento foi tamanho com
o jornal que passei a ser chamado de ‘Poerinha’. Eu fazia de tudo,
ajudava na produção das matérias, varava a noite imprimindo o jor-
nal e depois ia distribuir nas salas, minha tarefa preferida”, recorda.
Pra ele, o Poeira era uma trincheira da resistência, “uma arma
poderosa para divulgar tudo que era importante para o país”. Em
edições especiais, como de protestos dos estudantes, passeatas
pelo centro da cidade e até a que tratava da Anistia, o número de
exemplares chegava a dez mil, sendo distribuídos inclusive em
outras universidades.
Em seu depoimento, Dorival fala com saudade dos tempos em
que ao lado de Marcelo Oikawa, Roldão Arruda, Tadeu Felismino,
Roberto de Souza, “todos grandes militantes e jornalistas”, viveu
os grandes momentos de sua vida, da UEL e do país. A primeira
greve dos estudantes, a passeata até a concha acústica, a invasão
do DCE e o roubo da máquina de impressão do jornal foram even-
tos emblemáticos. “Sabemos que ainda há muitos resquícios da
ditadura e que há muito a se fazer”.

207
Depoimentos para a História

,
EBRAHIM GONÇALVES D OLIVEIRA
Idade – 81 anos
Profissão – Aposentado

Ebrahim é portador de uma história


singular. Agricultor como seus familiares, ele
acabou desapropriado de suas terras na re-
gião de divisa entre o Paraná e Santa Catarina
(famigerado imbróglio do campo de Marechal
Hermes) e jamais foi indenizado adequada-
mente pelo governo brasileiro.
Seu depoimento é uma exposição detalhada das arbitrarie-
dades do governo brasileiro, sobretudo durante o regime civil-
militar, que o privaram juntamente com sua família da fonte de
sustento. Nem após a redemocratização, mesmo após intensa
luta e mobilização coletiva, inclusive com longo acampamento
protagonizado em Florianópolis, Ebrahim conseguiu reaver suas
propriedades.
 

EDÉSIO FRANCO PASSOS


Idade – 74 anos
Profissão – Advogado

Se a disposição para enfrentar confli-


tos ele herdou do pai, como afirma EDÉSIO
FRANCO PASSOS, foi a vida quem lhe deu me-
canismos e estratégias para ser o protagonista
da sua própria história de resistência à dita-
dura militar. Nascido em 1939 em Tomazina,
Edésio deixou Londrina em 1957 e foi para Curitiba cursar Direito.
Vivendo o que ele define como um “período altamente positi-
vo e de ampla liberdade” até o início dos anos 1960, os estudantes
tinham uma inserção social que os mantinha ativos, com entidades
respeitadas e intensa atividade política. “O caráter ideológico daquela
geração foi definido nesse momento. E para mim, foi a descoberta
do marxismo”, afirma Edésio.

208
Resistência à ditadura Militar no Paraná

Ao optar pelo viés do socialismo independente, sem atrela-


mento à União Soviética, Edésio se filiou ao PSB em 1962, mesmo
ano que se formou em Direito. Já trilhando o jornalismo, definiu
o caminho a ser seguido: sindicalismo e justiça do trabalho.
Enredado pela militância, optou por se mudar, juntamente com
sua esposa Zélia e a pequena filha Ana Beatriz, para Maringá,
estando o casal já inserido na AP, organização em que tiveram
proeminente papel. Nessa cidade, exerceram importante atividade
política junto aos trabalhadores, em um modelo de integração
indireta, ela na docência e ele na advocacia. Inclusive, Edésio teve
relevante participação na greve dos trabalhadores de Maringá, em
1968, ano em que com o AI-5, o terror e o medo se instituíram
no Brasil e a vigilância se intensificou. “Não havia outra saída
que a clandestinidade”, relembra. Então, Zélia e a filha vão para
o Rio de Janeiro, Edésio para Minas Gerais.
Em 1971, ele voltou para Curitiba, quando a AP já tinha sido
praticamente eliminada pela força do regime. Edésio foi preso na
capital do Paraná e levado para o Rio de Janeiro para o CENIMAR,
onde foi submetido a interrogatórios a base de muita tortura psico-
lógica, especialmente em relação à Zélia, presa em Curitiba grávida
do segundo filho. Em Minas, respondeu a processo da auditoria
militar e foi condenado a um ano e meio, sendo solto em 1975. Três
anos depois de retomada a vida em Curitiba na advocacia, Edésio
foi preso novamente uma semana por integrar a Escola Oficina - a
cooperativa de pais para educação infantil orientada por linhas pe-
dagógicas progressistas.
Edésio continuou sua militância com a Anistia, exercendo a
advocacia trabalhista e integrando o movimento pelas Diretas Já,
a formação de associações de moradores na periferia de Curitiba,
o processo da constituinte de 1988 e a criação da CUT e do PT.
Participou da fundação do PT e colocou seu nome para disputar o
governo do Estado e o Senado (recebeu mais de um milhão de votos),
até que em 1990 foi eleito deputado federal. Em seu depoimento,
Edésio desfia sua trajetória de luta e diz entender que “a política é
o exercício da realidade”.

209
Depoimentos para a História

EDEZINA DE LIMA OLIVEIRA


Idade – 71 anos
Profissão – Professora

Nascida no antigo distrito de Tamarana,


hoje cidade emancipada vizinha de Londrina, no
Norte do Paraná, EDEZINA DE LIMA OLIVEIRA,
mais conhecida na época como ‘Dego’, teve um
educação rígida, criada numa família religiosa
em que o pai era um ‘integralista de direita’, da
UDN, e o debate político era intenso. “Comecei a questionar a realidade
que vivíamos a partir dos primeiros contatos com a célula do PCB que
havia em Tamarana já na minha juventude”, enfatiza Edezina, que em
1963 foi cursar História na Fundação Universidade Estadual de Londrina
(FUEL), “por si só uma excrescência, por ser estadual e ter o ensino pago”.
Edezina salienta que toda a formação da esquerda daquela
época vinha do PCB e o golpe de 1964, que colocou os partidos de
esquerda na clandestinidade, “foi um golpe no coração”. Era tanto
envolvimento, que mesmo depois da formatura em 1967, ela conti-
nuou no movimento estudantil, com forte aproximação da AP e da
POLOP, mas sem pertencer formalmente a nenhuma delas.
O casamento com o jornalista Edilson Leal, a proximidade com
a também jornalista Teresa Urban de Curitiba, falecida em 2013, fez
com que a casa de Edezina, de 1968 a 1970, se transformasse em
referência para quem estivesse precisando de apoio, cobertura para
escapar da repressão ou apenas uma noite tranquila nas insondá-
veis rotas de fuga. “Fizemos parte desta rede de apoio e em nossa
casa recebemos vários militantes, como Teresa que praticamente
morava conosco, o Narciso Pires e algumas pessoas que até hoje
não sei o nome e nem de onde são”, conta emocionada. A casa era
vigiada, o telefone grampeado, sabia das prisões e torturas, mas
nada a amedrontava.
Em 1976, dez anos após ter começado a atuar no magistério,
Edezinha assumiu a presidência da APLP, muito estimulada pelo
grupo de jovens que fazia o Jornal Poeira na UEL. “Em 1978, os pro-
fessores deflagram uma greve de quarenta dias e a APLP de Curitiba
adere. Foi emocionante”, recorda.

210
Resistência à ditadura Militar no Paraná

EDSON GRADIA
Idade – 73 anos
Profissão – Dentista

“Londrina era a capital política do Sul


do Brasil. Londrina era rebelde. Foi o berço de
um grupo de que pensava politicamente e agia
politicamente”. A declaração apaixonada a esta
cidade da região norte do Paraná é de EDSON
GRADIA, que em 1962 entra na Fundação Universidade Estadual de
Londrina (a atual UEL) par cursar Odontologia e agitar no movimento
estudantil. Pelas mãos do Professor Olivir Gabardo, filia-se ao MDB e
passa fazer parte da história da sigla de oposição no Paraná.
“Eu ia de sala em sala, pelos corredores, filiar os jovens ao
partido que organizava atividades culturais pela cidade, promovia
discussões sobre as questões nacionais e iria produzir grandes lí-
deres, futuros governantes e nos levar rumo à liberdade”, aponta.
Visado pela repressão, Gradia lembra que a liderança, a exposição
que a militância estudantil e política proporcionava, de certa forma
o protegia dos perigos e violências da ditadura. “Antes do golpe de
64, eu estive no Congresso da UNE que elegeu José Serra presidente
da entidade e que tanto desagradou os militares. Mesmo assim, eu
continuei a militar, no MDB, depois no PSDB, e estou há quarenta
anos ao lado de Álvaro Dias, ainda na política”.

ELISABETH FRANCO FORTES


Idade – 68 anos
Profissão – Jornalista

Vinda do interior do Paraná, chegou em


Curitiba em 1964 e ingressou na Pontifícia
Universidade Católica, em 1966, para cur-
sar Jornalismo. ELIZABETH FORTES, hoje
jornalista aposentada, participou ativamente
de 1966 a 1968 do movimento estudantil. “Vivíamos um período de

211
Depoimentos para a História

intensa ebulição, com acesso à leitura, cinema, teatros e grande


agitação na faculdade”, lembra Elizabeth, que até hoje entende que
“o medo não pode fazer com que a gente fique quieta”.
Tudo muda quando em maio de 1968, Elizabeth é presa em São
Paulo por participar do Congresso da UNE em Ibiúna. Dezenas de
estudantes do Paraná foram presos. “Foi desesperador. Da sede do
Dops, fomos levados para o presídio, tivemos que fazer uma greve de
fome para ter melhor tratamento”. Após uma semana presa na capital
paulista, Elizabeth foi ‘solta’ em frente ao prédio da UPE em Curitiba.
“Era uma insegurança total e a vida estava sempre por um
fio”. Dois meses depois, em dezessete de dezembro daquele ano,
Elizabeth foi presa novamente na Chácara do Alemão, onde seria
realizado um minicongresso regional da UNE em Curitiba. Dos mais
de quarenta presos na operação, apenas quinze foram “selecionados”
para o processo.
Condenada a um ano e meio, Elizabeth dividiu a cela com
Judite Barbosa Trindade, as únicas mulheres do processo da Chá-
cara do Alemão. Enquanto cumpria a pena, sua irmã, Ana Beatriz
Fortes, foi presa pela polícia política em Curitiba, levada para Foz
do Iguaçu e barbaramente torturada no Batalhão do Exército da
Fronteira, sendo solta após dez dias de terror. Após o cumprimento
da pena, Elizabeth retomou a faculdade de Jornalismo e foi trabalhar
no Jornal “O Estado do Paraná”.

ELZA CORREIA
Idade – 66 anos
Profissão – Professora

ELZA PEREIRA CORREIA se define


como “filha de comunista”, criada numa
“família comunista” onde a generosidade, a
solidariedade e a ética foram os valores que
forjaram o seu caráter. É inegável a influência
do pai, Manoel Jacinto Correia, vereador elei-
to, liderança do PCB e um dos artífices da Guerrilha de Porecatu. Mas
a coragem e a determinação da mãe, Anita, e da avó, Maria César,

212
Resistência à ditadura Militar no Paraná

também permeiam as memórias de Elza, filha, mãe, avó, comunista,


cidadã e vereadora eleita em Londrina, norte do Paraná.
Das lembranças do pai, Elza destaca em seu depoimento as
dezessete vezes que ele foi preso pela militância política, dos meses
sem poder vê-lo, pois foi mantido incomunicável, das visitas na
cadeia, das fugas na calada da noite e do preconceito sofrido pela
família de comunistas. “Passamos por muitas necessidades econô-
micas, vivemos na clandestinidade, meus irmãos – eram onze filhos,
sendo oito legítimos – e eu sofremos “bullying” na escola. Devido à
militância do meu pai, nós nunca baixávamos a guarda. Estávamos
sempre alerta, prontos para esconder e destruir livros, documentos
ou mudar de nome e cidade”, recorda.
A participação de Manoel Jacinto na Guerrilha de Porecatu se
deu em meados de 1940, quando o PCB resolveu somar força com os
posseiros que lutavam contra grileiros da região. Do conflito, surgiu a
primeira liga camponesa e os primeiro sindicatos rurais que rendeu a
Manoel Jacinto e a sua família uma implacável perseguição das forças
repressivas, especialmente no pós-1964. “Meu pai era o primeiro a
ser preso e o último a ser libertado. Nesses momentos de ausência,
minha casa era mantida pela força da minha mãe e avó, contra tudo
e todos”. E mesmo com grandes dificuldades, a casa de Manoel ja-
cinto sempre tinha uma cama, uma refeição para os militantes que
precisavam de apoio. Quando estava com a família, “a presença forte
e alegre de meu pai compensava todos os contratempos”.
Elza Correia afirma que não gosta de falar desse período e que
tem pesadelos ainda hoje da sua prisão em 1970, quando foi levada
para o quartel do exército de Apucarana onde seu pai também estava
preso. Mas o faz por obrigação com o resgate da memória. “Quando
se é presa nestas circunstâncias, aos vinte e dois anos, pode ser
um dia, um mês ou prisão perpétua, as marcas são profundas e
permanecem por toda a vida”, acredita.
Neste processo, Elza ressalta ainda que a questão de gênero
está presente e pesa ainda hoje, pois a ditadura foi impiedosa com
as mulheres, muitas delas vítimas de assédio, abusos sexuais e
estupros por parte dos agentes públicos. A defesa dos direitos da
mulher é uma das prioridades na carreira política de Elza, que
chegou a presidir o Conselho Estadual da Condição Feminina no
governo Roberto Requião.

213
Depoimentos para a História

Apesar dos traumas e perigos iminentes, e dos avisos da


família para não radicalizar, Elza entra de cabeça no movimento
cultural de Londrina junto com Nitis Jacon e Abelardo Moreira,
este já falecido, entre outros militantes de esquerda. Para militar
em prol dos movimentos sociais foi um pulo, estando entre as
fundadoras do Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Eleita
vereadora de Londrina pelo PCdoB em 1994, a filha de Manoel
Jacinto foi reeleita e em 2002 chegou à Assembleia Legislativa
pelo PMDB. Hoje cumpre o terceiro mandato como vereadora em
Londrina, ainda pelo PMDB.

EUCLIDES COELHO DE SOUZA


Idade – 77 anos
Profissão – Artista

EUCLIDES COELHO DE SOUZA ou “Dadá”


nasceu em Roraima e jovem foi estudar no
Amazonas, participando de movimentos
nacionalistas, como “O petróleo é nosso”.
Ouvindo enorme propaganda sobre Curitiba,
mudou-se para a capital paranaense a fim
de estudar. Ao chegar já se envolveu com o movimento estudantil
local e passou a frequentar certa banca na Rua XV, cujo proprietário
fazia circular literatura marxista. Mais militando do que estudando,
aproximou-se do PCB, assumindo a secretaria da juventude. Nesse
contexto, lembra-se do ato que organizaram denunciando a invasão
de Cuba pelos EUA, no episódio da Baia dos Porcos.
Artista por talento e convicção, ao longo de toda a trajetória
de Dadá arte e militância se imbricam e ressignificam. Concomi-
tantemente à atuação estudantil, Dadá passou a organizar peças
teatrais, como “Patria ou muerte” que originou o Teatro Popular, em
parceria com Walmor Marcelino. Lembra de terem adaptado peças
de Sartre, Camus e Brecht e realizado as primeiras apresentações
com bonecos no começo dos anos 1960, o que se tornaria seu ofício,
meio de luta e paixão. A pedagogia freiriana exercia forte influência
nas reflexões desses jovens, que buscavam qualificar sua linguagem
para se aproximar do tão idealizado povo. Ora atuavam em centros

214
Resistência à ditadura Militar no Paraná

universitários ora se deslocavam para a periferia, buscando estreitar


os contatos e despertar a consciência dos trabalhadores.
Parte da atuação do Centro Popular de Cultura (CPC) do Paraná
se explica a partir da ida de Dadá ao Rio de Janeiro a fim de discutir
os rumos da entidade com membros de outras seções estaduais do
órgão cultural da UNE. A diretriz foi que, cada estudante retornaria
para seu estado, promovendo cultura popular no lugar da imposição de
temas exógenos, além da alfabetização de adultos, conforme o método
freiriano. Dadá enfatiza os corriqueiros conflitos entre o CPC e o PCB.
Muito visado, com o golpe e a desarticulação do CPC Dadá
passou um período foragido, transitando entre o norte do país e o Rio
de Janeiro, até que optou por retornar a Curitiba e tentar rearticular
o movimento cultural e estudantil, mesmo respondendo a dois IPMs.
Com o apoio de mães que levavam seus filhos assistir a apresenta-
ções de teatro de bonecos na praça da Espanha, organizaram então
o jardim Pequeno Príncipe, mais tarde fechado pela polícia. Ainda
antes do AI-5, Euclides e sua companheira Adair iriam e retornariam
de Moscou, onde fizeram curso político e de teatro. Passaram um
tempo em Brasília e com a condenação no IPM aberto para apurar as
atividades do CPC se refugiaram no Chile e no Peru, onde também
promovem teatro popular, fundindo-se com grupo local.
O casal retornou ao solo pátrio anos mais tarde, já após a
Anistia. Mais uma vez, o intrépido par recomeçaria suas atividades
culturais e políticas, não só mantendo o Teatro de Bonecos Dadá, como
atuando em importantes manifestações do período, como a campanha
pelas Diretas Já. “Eu tinha que ser político para ser artista”.      
Euclides conheceu sua companheira Adair (a verdadeira
“Dadá”, cujo apelido mais tarde passaria para o próprio Euclides)
já nos primórdios dos anos 1960. Ela o acompanhou na vida, arte
e luta, sendo sua parceira em todas essas frentes e a inspiradora
do nome “Teatro de Bonecos Dadá”. Pesarosamente, esteve muito
doente durante a realização do projeto, vindo a falecer antes de dar
seu depoimento. Contudo, durante as gravações Euclides fez questão
de registrar parte de sua vida e personalidade.

215
Depoimentos para a História

EUCLIDES SCALCO
Idade – 81 anos
Profissão – Farmacêutico

Gaúcho de nascimento, EUCLIDES GIRO-


LAMO SCALCO chegou ao Paraná em Janeiro
de 1959, recém-formado em Farmácia e casado
com Terezinha, para se instalar em Francisco
Beltrão e começar a vida profissional. A paixão
pela política veio do pai, fundador do PTB no Rio
Grande do Sul e de quem herdou os valores de esquerda para a defesa
das causas sociais. “Em Beltrão havia um colosso de concentração, com
o Governo Lupion expulsando os donos de terra”, relembra.
Desde o início, a simpatia mútua entre Scalco e o médico Walter
Pecoits rendeu uma parceria e amizade que já em 1960, fez de Pecoits
o prefeito da cidade pelo PTB e Scalco, vereador. A afinidade entre
eles e as ideias progressistas que defendiam aglutinaram um grupo
forte na cidade, do qual fazia parte também Deni Schwartz, e que
irradiaria para o Paraná e Brasil importantes lideranças políticas.
Vereador em 1960, Scalco sucedeu Pecoits na prefeitura em
1964, ano do golpe militar, e se revoltou contra as cassações dos
mandatos de seu amigo, eleito deputado federal, de Leon Naves
Barcellos e de Alberto Dalcanalle, os mais próximos.
A luta pela Democracia e liberdades individuais fez com que Scal-
co se aliasse ao grupo que fundaria o MDB, chamado ‘os autênticos’, e
seguisse uma sólida carreira política. Suplente de senador de 1974 a
1982, deputado federal de 1978 a 1990, candidato a vice-governador
em 1990 (na chapa de José Richa) e presidente da Itaipu Binacional e
ministro do presidente Fernando Henrique Cardoso (1994 a 2002). Seja
no legislativo seja no executivo, Scalco afirma ter sempre pautado sua
vida pública pelo diálogo, ética na política e coerência nas escolhas, o
que o fez ter o respeito dos correligionários e também dos adversários.
A importância de sua atuação nos momentos mais emblemáticos
para o país rumo à Democracia, especialmente durante a campanha
das Diretas Já e a Assembleia Nacional Constituinte, pode ser confe-
rida em seu depoimento, repleto de detalhes e análise crítica, às vezes
até ácidas, dos acontecimentos políticos das últimas cinco décadas.

216
Resistência à ditadura Militar no Paraná

FÁBIO CAMPANA
Idade – 66 anos
Profissão – Jornalista

LUIZ FABIO CAMPANA tem uma longa


trajetória de militância. Campana ou “Zapa-
tão” começou a atuar politicamente já aos
doze anos de idade, na Juventude do Partido
Comunista, em Foz do Iguaçu. Chegando a
Curitiba em 1960, envolveu-se com o movi-
mento de estudantes secundarista, dirigindo entidades municipais
e estaduais - como a União Paranaense dos Estudantes Secun-
daristas – e participando do Teatro do Estudante Universitário.
Campana foi um dos jovens que rompeu com o partidão e
formou a dissidência do Paraná. Após algumas discussões e a ra-
mificação dentro da própria dissidência, em 1967, Zapatão aderiu
à teoria “foquista” e, na clandestinidade, retornou a Foz do Iguaçu
para organizar a luta armada. Acabaram somando forças com o
MR-8 e foi deslocado para Curitiba, a fim de organizar a logística de
sustentação do foco guerrilheiro. Contudo, não vendo possibilidades
concretas de cumprir a tarefa designada, acabou rompendo com o
grupo, afastando-se.  
Preso por várias vezes entre 1964 e 1968, Campana foi
mesmo marcado pelo novo cárcere que enfrentou já nos “Anos
de Chumbo”, quando foi transferido para o Rio de Janeiro, sen-
do lá mantido em condições abjetas e duramente torturado. Em
seu depoimento, compartilha das angustiantes e fragmentadas
memórias que tem desse processo abominável, bem como dos
traumas adquiridos.
Apesar da dureza da tortura infligida a Campana, após o
cárcere ele recobrou suas forças e retomou a militância, nos anos
1970, agora obtendo maior sucesso em seus objetivos. A partir
de alguns contatos aderiu ao PCdoB, desempenhando a tarefa
de organizar o partido no Paraná. Para cumprir a incumbência,
percorreu o estado, contatando diferentes pessoas e grupos, sem
ser rastreado pela repressão. Ao final dos anos 1970 início dos
anos 1980, muito em decorrência do esforço e da capacidade de

217
Depoimentos para a História

Campana, o PCdoB já estava relativamente bem organizado no


estado, com militantes e células em suas principais cidades. Anos
mais tarde Zapatão deixou o partido, dedicando-se ao mercado
editorial e ao jornalismo político. 

FRANCISCO LUIZ DE FRANÇA


Idade – 92 anos
Profissão - Aposentado

FRANCISCO LUIZ DE FRANÇA, nascido


no Rio Grande do Norte em 1922, recorda que
já sua mãe era “prestista”. Ele, primeiro como
simpatizante e depois como membro, começou
a desempenhar tarefas pelo PCB nos anos
1940, ao passo que integrava como funcionário
os esforços governamentais de combate à malária. Recorda-se de uma
de suas primeiras ações na esfera pública, que foi um movimento que
fizeram para que fossem cedidos gratuitamente pelo menos os unifor-
mes de trabalho. Encaminharam um abaixo-assinado reivindicatório
para o Ministério da Educação e Saúde, o que rendeu a França e a
alguns de seus companheiros vigilância, perseguição e demissão.
Dessa conjuntura, lembra também das manifestações de entusiasmo
decorrentes da legalização do PCB, após o final do Estado Novo, que
entretanto durou pouco sendo revogada ainda sob a presidência de
Eurico Gaspar Dutra. Com base nessa medida, França foi pressionado
para se desligar oficialmente do PCB, acaso quisesse continuar a tra-
balhar na área de saúde para o governo. Como recusou, foi demitido.
Os despedidos organizaram um protesto de repúdio à medida,
mobilizando várias pessoas, mas ninguém foi readmitido. Nesse inter-
lúdio, França passou pelo Rio de Janeiro e São Paulo. Neste estado,
mantendo-se no partido, aproximou-se do sindicato dos trabalhado-
res da Pireli, onde arrumou empregou e integrou movimentos reivin-
dicatórios, além de escrever e distribuir um jornal. Foi novamente
demitido, em decorrência de suas convicções e ações políticas em
prol dos trabalhadores. Chegou a ser preso várias vezes, em plena
república populista, “de quinze em quinze dias”. Como consequên-

218
Resistência à ditadura Militar no Paraná

cia da perseguição, entrou na clandestinidade e foi deslocado pelo


PCB para o interior paulista, próximo de Araçatuba, onde auxiliou
na organização de um movimento de posseiros, que foi reprimido
pela polícia. O jornal “Terra Livre” noticiou esses acontecimentos.
Após o desmantelamento do movimento, continuando na
militância a serviço do PCB, França foi deslocado primeiro para
Ourinhos e depois para o nordeste do país, para compor o secreta-
riado do partido com sede em Recife, sendo sua família deixada em
São Paulo. Nessa condição, auxiliava na organização interna e na
distribuição das tarefas delegadas pelo Comitê Central.
Em meados dos anos 1950, procurado pelos agentes de “ordem
política e social”, foi enviado para Maceió, também com o objetivo
de organizar as bases locais para participarem do quarto congresso
do PCB. Na clandestinidade, impedido de voltar a Pernambuco, foi
trabalhar na Bahia, já por volta de 1958, participando do comitê
estadual do PCB, até retornar ao Recife anos mais tarde. Nesse pe-
ríodo participou do quinto congresso do partidão. Sendo processado
e com prisão preventiva decretada no Recife, mudou-se novamente.
Na clandestinidade, participou, em 1966, do sexto congresso.
Sem poder retornar ao nordeste, passou algum tempo no Rio
de Janeiro, até ser transferido para o Paraná, em 1968, onde o pre-
sidente era Aparecido Moralejo. França recorda desses primeiros
momentos no estado, apontando que o partido estava desarticulado
e os militantes e simpatizantes assustados com a onda de prisões no
ano anterior. Sua missão era, justamente, operar a reestruturação
do PCB, de seus comitês e organizações de base. Cumpre-a com
relativo sucesso até 1975, quando o partidão sofreu novo e duro
golpe com a operação Marumbi, iniciada a partir da queda de um
membro no Rio de Janeiro, que havia passado pelo Paraná e Santa
Catarina em missão.
França foi sequestrado pelo DOI-CODI, na noite do dia vinte
de setembro, e mantido preso na clandestinidade e em condições
deletérias, sendo interrogado sob tortura física e psicológica por cerca
de vinte dias, após os quais foi transferido para a DOPS. No final de
outubro, a delação de um colega fez com que França voltasse a ser
barbaramente torturado, até o final do ano, quando foi transferido
para o Presídio Provisório do Ahú, onde cumpriu pena. Após ser solto,
continuou militando no PCB, ocupando importantes cargos. Lembra

219
Depoimentos para a História

de ter participado de movimentos de bairros e de ter montado dois


times de futebol de areia, um deles “O Partidão”.
Depoimento imperdível, que retrata um período crucial da
história do PCB no país e no Paraná.

FRANCISCO TIMBO DE SOUZA


Idade – 70 anos
Profissão Advogado e Jornalista

FRANCISCO TIMBÓ DE SOUZA co-


meçou sua militância política em Fortaleza,
envolvido com o grêmio estudantil. Com notas
baixas por causa da agitação política, deixa o
Ceará em 1959 rumo a Brasília. Um ano de-
pois, segue para Maringá, interior do Paraná,
onde se matricula no Colégio Gastão Vidigal e novamente participa
das agitações promovidas pela União Municipal de Estudantes Se-
cundaristas (UMES), além dos movimentos sociais.
Para sobreviver, começa sua atuação em jornais vendendo
assinatura e também escrevendo notícias. “A partir dai, eu passei
a desempenhar uma liderança ativa, sendo eleito representante do
colégio no Congresso da UPES em 68”, relembra. Desde então, co-
meçou a ser perseguido e passou a ser chamado para fazer esclare-
cimentos na Polícia Federal, “sempre na gritaria: Você é comunista?
Você é subversivo?”.
Em 1968, estava entre os estudantes que fizeram um protesto
na visita do então governador Paulo Pimentel à cidade, em frente ao
Hotel Bandeirantes. “Botamos ele para correr”, diz Timbó, que a essa
altura já era filiado ao MDB. Eleito vereador em 1972, ele lembra
que era o único a fazer oposição a Silvio Barros, “prefeito que tinha
ódio mortal de mim por causa do movimento estudantil”.
Em 1980, Timbó obtém o diploma de Direito após sete anos
de curso. “Demorei porque estava sempre agitando”. Hoje Timbó é
diretor da Tribuna de Paiçandu.

220
Resistência à ditadura Militar no Paraná

GENESIO NATIVIDADE
Idade – 56 anos
Profissão - Advogado

GENÉSIO NATIVIDADE chega a Curi-


tiba para cursar Direito na PUC, em 1978,
vindo de Mamborê, localizada na região cen-
tro-oeste do estado do Paraná. Integrado ao
movimento estudantil na defesa da ‘Anistia
ampla, geral e irrestrita’, Genésio participa
do CBA-CURITIBA, onde reencontra o professor de português ‘Toni’
de Mamborê, na verdade Narciso Pires, presidente do CBA. “O ‘Pro-
fessor Toni’ era muito adorado pelos estudantes por utilizar o teatro
e a música como didática”, lembra.
Nessa luta, foi detido com Narciso e os defensores da Anistia,
permanecendo na DOPS até a visita de Dom Ladislau Biernaski.
Também era atuante no Departamento Cultural da Casa do Estu-
dante onde morou até 1982, além de participar de panfletagens,
confecção de jornais e todas as atividades políticas dos estudantes.
Com a Anistia, esteve com o grupo que foi até o Aeroporto Afonso
Pena receber Vitório Sorotiuk, que voltava do exílio e se emociona:
“Reencontrar os brasileiros que estavam fora foi um dos momentos
mais marcantes desse período”.
Filiado ao MDB, ‘apaixonado’ pelo PCdoB e flertando com a
LIBELU, ele intensifica sua militância na resistência democrática, dia
e noite incansavelmente. Em 1982 se forma Bacharel em Direito e
vai para o interior do Paraná participar do programa de regularização
fundiária. A experiência o leva ao Acre onde conhece Chico Mendes
e a sua luta contra os posseiros, onde continua sua militância social
na defesa dos brasileiros excluídos.

221
Depoimentos para a História

GERALDO SERATHIUK
Idade – 57 anos
Profissão - Advogado

“A ditadura viverá na minha família


até o fim dos meus dias”. A afirmação con-
tundente está no depoimento de GERALDO
SERATHIUK, nascido em 1956 e um dos oito
filhos do farmacêutico João Seratiuk, eleito
vereador de Mamborê em 1974 pelo PTB.
Militar com nove anos de serviço prestado ao exército, entre 1936
e 1945, o patriarca da família Seratiuk era um homem de posições
políticas progressistas e que vivia os conflitos agrários da região.
Enquanto os irmãos mais velhos já estavam no exílio ou a caminho
dele, Geraldo em 1972 ingressou no curso de Direito na PUC, integrando
todas as lutas que mobilizaram os estudantes universitários pelas liber-
dades individuais, Anistia e o fim da ditadura. Sempre próximo ao PCB
e MR-8, filiou-se ao PMDB e passou a fazer parte da política partidária.
“Éramos poucos e fomos detidos diversas vezes em função das
nossas ações”, lembra ele, que foi vigiado pelos órgãos de repressão
até depois da redemocratização. Em seu depoimento, Geraldo analisa
ainda o contexto político, social e econômico do Brasil e do mundo
na década de 1970, período de grandes transformações políticas e
profunda recessão econômica para os brasileiros, que até hoje lutam
pela consolidação da Democracia.

GERNOTE KIRINUS
Idade – 65 anos
Profissão – Teólogo

GERNOTE KIRINUS nasceu 1948 em


Não Me Toque, no Rio Grande do Sul, e se-
guindo a tradição familiar, estudou numa
escola mantida pela Igreja Luterana, onde
começou a despertar uma consciência crítica.

222
Resistência à ditadura Militar no Paraná

Os anos eram de dificuldades tanto política quanto econômica e o


acirramento da repressão após o golpe de 1964 fez com que Gernote in-
tensificasse sua militância política, sempre orientado pelos valores da
igreja evangélica. Em 1969 conheceu Frei Beto, frade dominicano que
teve destaque na luta contra a ditadura e na Teologia da Libertação.
Gernote optou por participar do movimento de apoio aos foragi-
dos, auxiliando-os a atravessarem a fronteira. Diante da truculência
do Governo Médici e da perseguição implacável do regime contra
seus opositores, Gernote, já casado com Glória sua companheira
até os dias de hoje, foi transferido em 1975 para o oeste do Paraná,
onde assumiu como pastor luterano a paróquia de Marechal Candido
Rondon, no distrito de Entre Rios.
Ali, Gernote mesclou os afazeres espirituais da paróquia com
a militância política no MDB, experiência que resultaria anos mais
tarde no livro ‘Entre a cruz e a política’. Em 1978, o envolvimento
com a Pastoral da Terra na defesa dos direitos dos expropriados
pela Usina de Itaipu possibilitou a Gernote a conquista do mandato
de deputado estadual pelo MBD. “A região não tinha representação
política e com o apoio da Igreja Luterana fiz uma votação expressiva,
em mais DE duzentos municípios”, relembra.
E foi na Assembleia Legislativa do Paraná que Gernote travou
sua luta mais dura. “Para resolver o conflito dos expropriados de
Itaipu, defendíamos a proposta de ‘terra por terra’ como modelo
de reforma agrária para a região. Infelizmente, nossa bandeira foi
suplantada pelo ‘preço justo’, o que gerou muita injustiça”. Em
1982, foi reeleito, através do PMDB, desta vez ocupando o cargo de
Primeiro Secretário e “numa nova luta para moralizar o Legislativo
paranaense”. Depois de conquistar o terceiro mandado em 1986,
Gernote tentou uma vaga na Câmara Federal no pleito seguinte,
mas não se elegeu.
Hoje, Kirinus se dedica à formação política, em cursos desen-
volvidos pelo PPS: “A Democracia foi conquistada a duras penas para
jogarmos tudo fora agora?”.

223
Depoimentos para a História

GERSON ZAFALON MARTINS


Idade – 68 anos
Profissão - Médico

Acadêmico do curso de Medicina da


Universidade Federal do Paraná em 1965,
GERSON ZAFALON MATINS foi eleito em
1967 presidente do DANC. Esteve entre os
líderes da tomada da Reitoria em Maio de
1968, quando os estudantes derrubaram o
busto do Reitor Flávio Suplicy de Lacerda e o arrastaram pelas ruas
em uma marcha contra a Universidade paga. 
Em Outubro de 68, Gerson não foi ao Congresso da UNE em
Ibiúna, interior de São Paulo, porque estava de plantão. Mas não
escaparia da prisão, tempos depois. Junto com outros estudantes
que enfrentaram a cavalaria no Centro Politécnico, foi detido, jul-
gado e condenado a um ano, em março de 1970.  Cumpriu pena
no Presídio Provisório do Ahú em Curitiba. Passou por profundas
dificuldades para trabalhar, pois lhe era negado o atestado de an-
tecedentes criminais.
Em 1980, participou da fundação do PT em Campo Largo. Por
sua atuação na defesa dos valores democráticos, integrou todas as
Comissões de Indenização aos Presos Políticos do Paraná. Hoje, faz
parte do Conselho Federal de Medicina.

GILBERTO MARTIN
Idade – 55 anos
Profissão - Médico

GILBERTO BERGUIO MARTIN, ainda


criança, mudou-se com sua família do inte-
rior de São Paulo, inicialmente, para Jardim
Alegre e depois Londrina, onde cursou o
segundo e o terceiro grau. No Colégio Uni-
versitário, paralelamente aos anos finais do

224
Resistência à ditadura Militar no Paraná

secundário, fez um curso especial de jornalismo estudantil, sendo


premiado nacionalmente por uma matéria, o que lhe incentivou a
posteriormente, como estudante de Medicina, fazer parte do grupo
que produzia o jornal Poeira e dirigia o DCE da UEL.
Gilberto integrou ativamente este coletivo. Compôs a gestão
do DCE, que organizava, além do referido jornal, greves, abai-
xo-assinados e atos contra a repressão na UEL e a Ditadura e
reivindicava a redemocratização, melhorias nos cursos e direitos
para os estudantes, como passe e restaurante universitários.
À frente do DCE, Gilberto Martin e seu grupo organizaram
importantes eventos políticos-culturais, como as semanas de
atualidades para receber os calouros, durante as quais se apre-
sentaram artistas renomados como Chico Buarque, Elis Regina,
João Bosco, Milton Nascimento e Gonzaguinha, e personalidades
intelectuais e políticas para debater temas como constituinte e
redemocratização.
A combativa atuação do grupo, que endurecia as críticas
ao reitor e à Ditadura, rendeu a invasão do DCE pela repres-
são, já no final do regime civil-militar. A militância de Gilberto
transcendeu os limites da UEL, participando do processo de
reorganização da UNE, compondo a sua diretoria em sua reor-
ganização . A partir de 1982, já formado, foi se envolvendo cada
vez mais na luta pela saúde pública em paralelo ao processo
político partidário, tornando-se secretário de saúde, prefeito de
Cambé e deputado estadual.
Essa trajetória no movimento estudantil, rememorada de
forma detalhada e brilhante, não passou incólume às ameaças e
à repressão da Ditadura. O depoimento, que entrelaça sua vida
pessoal e política com a história da cidade e da universidade, ilumi-
na os anos vibrantes de Londrina, ao final do regime civil-militar.

225
Depoimentos para a História

GILBERTO SILVEIRA
Idade – 66 anos
Profissão - Aposentado

GILBERTO SILVEIRA fez parte da orga-


nização VAR-Palmares no Paraná, junto com
o casal Izabel e Luiz André Fávero, que tentou
implementar um foco guerrilheiro na região
de Nova Aurora.
Gilberto teve uma atuação mais centra-
da em Curitiba. Em 1970, ele foi preso na capital e levado de avião
para Foz do Iguaçu onde foi mantido por seis meses no Batalhão de
Fronteira do Exército. Lá foi submetido a torturas físicas e psico-
lógicas e sistemática vigilância e perseguição mesmo depois de ter
cumprido a pena de um ano e meio, sentenciada pela Justiça Militar.
Após as sevícias sofridas, que lhe marcaram profundamente,
Gilberto não voltou a militar. Inclusive, ele deixou claro em seu de-
poimento que não tornaria a falar das torturas, o que por si só é um
indício do fardo que isto lhe representa até os dias de hoje.

HAMILTON FARIA
Idade – 65 anos
Profissão – Poeta e Professor Universitário

Já nos tempos de secundarista no Co-


légio Militar de Curitiba, HAMILTON JOSÉ
BARRETO DE FARIA passou a ter contato com
pensamentos e certa militância de esquerda,
logo transformada em participação ativa no
movimento estudantil e na AP. Foi, portanto,
um dos integrantes da célula do “Colégio Militar” da AP. Não só vi-
venciou como protagonizou os importantes acontecimentos do “Ano
que não terminou”, como a tomada da Reitoria e as manifestações de
outubro de 1968. Em seu depoimento, descreve em detalhes o que-
bra-quebra nas ruas centrais de Curitiba, dois meses antes do AI-5. 

226
Resistência à ditadura Militar no Paraná

Hamilton foi o único estudante que conseguiu driblar a re-


pressão e não ser preso na Chácara do Alemão, escondendo-se no
alto de um pequeno paiol abandonado.  Contudo, sua destacada
atuação já havia lhe rendido algumas prisões pela DOPS, antes
da truculência institucionalizada pelo AI-5 ganhar terreno. Diante
desse novo cenário, atuou ainda por pouco tempo no movimento
estudantil, sendo deslocado para São Paulo de onde partiu para
cumprir rápidas missões no norte do país até se refugiar no Rio de
Janeiro, na completa clandestinidade e desamparo.
Conseguiu se manter intocado, embora perseguido, até o final
de outubro de 1970, quando foi sequestrado pelo DOI-CODI e sub-
metido a diversas formas de tortura, que descreveu como “o inferno
de Dante”: “não tinha forças nem para levantar uma colher”. Após
algum tempo sendo seviciado, foi transferido para o presídio da Ilha
das Flores. Nesse momento, sua história se entrelaça com a de sua
mãe, dona Julíbia, que empreendeu uma longa campanha, supe-
rando todo tipo de adversidade e ameaças, até conseguir localizar e
depois visitar seu filho e ver que ele estava, de fato, vivo. 
Hamilton é portador de uma memória e dono de uma narrativa
sobre a infância e juventude plenas de detalhes e sentidos. Propi-
cia-nos um olhar que consegue recobrar parte do imenso lirismo
da época, bem como de seu sofrimento. Seu depoimento, tomado
conjuntamente com o de seus irmãos e irmã, ilumina parcialmente
e nos permite remontar algumas cenas da trajetória de uma mãe
desesperada, porém resoluta a ir até o fim para encontrar seu filho
desaparecido. Emocionante, comovente, imperdível.
  

HASIEL PEREIRA
Idade – 65 anos
Profissão – Assessor Parlamentar

Aos dezesseis anos, HASIEL PEREIRA


despertou para a luta política em Salvador na
Bahia. Em 1967, começou sua militância estu-
dantil e no início de 1969, sob o efeito do AI-5
partiu para São Paulo. Já filiado à Ação Popular

227
Depoimentos para a História

(AP), Hasiel estudava e trabalhava numa fábrica, mantendo uma vida


legal como operário e o codinome ‘Amilton’ para a organização.
Em vinte e um de novembro de 1971 foi preso no Largo do
Paissandu pela equipe do Delegado Sérgio Paranhos Fleury, junto
com sua companheira Clair da Flora Martins. Foram trinta dias de
torturas físicas como pau de arara, choques elétricos, corredor polo-
nês, em sessões que chegavam a durar mais de seis horas, verdadeiro
campo de tortura. Como consequência da violência teve o cotovelo
deslocado e todas as obturações caíram por causa do choque, o que
lhe causou dores terríveis. Permaneceu um ano encarcerado no
Presídio Tiradentes, sendo libertado foi preso novamente um mês
depois. Foi para a clandestinidade após a prisão e com a Anistia de
1979 veio para Curitiba, militando nos movimentos sociais contra
a ditadura, sendo eleito vereador em 1982 pelo PMDB.
O depoimento de Hasiel Pereira reforça a tese de que as seque-
las permanecem nas gerações pós-ditadura, mas que a solidarieda-
de, o companheirismo continuam vivos e mantêm acesa a chama
da luta pela liberdade. “O resgate da memória é fundamental para
que a sociedade não permita que se repitam as prisões políticas,
os campos de tortura e o enfraquecimento da nossa Democracia”.

HÉLIO DUQUE
Idade – 71 anos
Profissão - Economista

A militância política de HÉLIO DUQUE


começa no movimento estudantil na Bahia,
em Salvador, onde mantém os primeiro con-
tatos com a juventude católica engajada na
Ação Popular (AP) da qual foi um dos dirigen-
tes. Em 1964, por ocasião do golpe militar,
estava no Rio de Janeiro trabalhando na Petrobrás quando toda a
diretoria foi presa. “Também eu recebi a marca de uma demissão
sumária e a formação de um inquérito militar”, recorda.
Impossibilitado de permanecer na Bahia após a demissão da Petro-
brás, Duque se instala em São Paulo e permanece dois anos trabalhando

228
Resistência à ditadura Militar no Paraná

como jornalista na Folha de São Paulo. Com formação em Economia,


adquire conhecimento sobre a indústria cafeeira e conhece em 1966 o
empresário Horácio Sabino Coimbra, que monta a Cacique Café Solúvel
em Londrina e convida Duque para ali se estabelecer.
“Mesmo atuando profissionalmente, nunca abandonei a mi-
litância política, embora de forma discreta”, afirma. Duque retoma
os estudos universitários e lá conhece o grupo dos autênticos que
funda o MDB no Paraná e participa desse movimento de resistência à
ditadura militar junto com o professor e vereador de Londrina Olivir
Gabardo, Álvaro Dias, Alencar Furtado, entre outros dessa geração.
Em 1978 se lança candidato a deputado federal e se elege. Em
Brasília, Hélio Duque coloca em prática a oratória que lhe é peculiar
e a experiência anterior para articulações políticas que o destacam
entre seus pares. Desse período, a luta pela Anistia guarda lugar
especial em suas memórias, especialmente na companhia de Tere-
zinha Zerbini a quem devota grande admiração.
Duque mantém a mesma determinação com a eleição dos
governadores do PMDB em 1982 e com a Campanha das Diretas Já
em 1984. Nessa altura, o antigo MDB, agora PMDB, mantinha certa
unidade no parlamento brasileiro, “mas não tínhamos condições de
legislar pela diversidade de seus componentes já que era formado
por gregos, troianos, fenícios, turcos e otomanos”.
Para Hélio Duque, “a História não tem ideologia. A ideologia da
História é a verdade”. Com esse espírito, combate ainda hoje setores
resistentes a mudanças e à apuração das responsabilidades pelas
violações de Direitos Humanos praticadas no período.

HONÓRIO DELGADO RÚBIO


Idade – 88 anos
Profissão - Aposentado

HONÓRIO DELGADO RÚBIO, espanhol


de nascimento, chega ao Brasil em 1955
aos trinta anos, “desembarcando no Rio de
Janeiro exatamente no dia em que Juscelino
Kubistchek toma posse como presidente do

229
Depoimentos para a História

Brasil”. Em sua terra natal, frequentava o Partido Comunista Espa-


nhol. No início de sua vida no Brasil, Honório ainda não conhecia a
realidade dos partidos brasileiros, mas não precisou de muito tempo
para se somar às fileiras do PCB.
Instalado no Paraná, primeiro em Cascavel, depois em Guara-
puava, Honório foi para Curitiba trabalhar na Confeitaria das Famílias.
Quando o golpe de 1964 aconteceu, ele já estava casado, mantinha
uma livraria na Avenida República Argentina e fazia um programa
musical na Rádio Marumbi. E foi graças a um comentário em seu
programa contra a proposta de mudar o nome da República Argen-
tina para Avenida Presidente Kennedy, que Honório teve a atenção
da polícia política. “O Delegado Zacarias, da DOPS, foi a minha casa
apreender livros e conseguiu que eu deixasse o programa”, relembra.
Apesar da perseguição e ameaças, Honório continuou resis-
tente. Não chegou a ser preso, mas constantemente ‘visitavam’ sua
livraria e vigiavam seus passos. Junto com Enio Monzón Pires e
Hiram Ramos, organizaram bases do PCB em diversos bairros de
Curitiba. “Mesmo na clandestinidade, tínhamos mais discussão e
atividades que hoje. O Partido Comunista Brasileiro era maior que
agora”, lamenta.
Em 1968, a militância se intensifica, a medida que a repressão
aumenta: “Não me deixavam em paz e tínhamos sempre que armar
estratégias para nos encontrarmos”. Em 1975, durante a Operação
Marumbi, Honório soube da prisão dos companheiros do partidão.
Tinha sido avisado por um soldado fardado que foi na sua casa:
“- Espanhol, toma cuidado porque você está sendo vigiado”. Numa
tarde, estava na Rua Dr. Muricy, centro da capital, e viu um carro
com gente com olhos vendados.
Não tardou e ele foi capturado e levado pelo DOI-CODI a um
local clandestino de tortura do ex[ercito, no qual foram reunidos os
militantes do PCB do Paraná e Santa Catarina. Foram vários dias
incomunicáveis, vítima de choque elétrico, afogamento, camisa de
força e roleta russa, até ser levado para a sede da DOPS, na Rua
João Negrão, onde as torturas recomeçaram. “Vi companheiros des-
figurados pela tortura e também fui torturado”, confirma.
Somente quando foi para o Presídio Provisório do Ahú é que
os maus-tratos terminaram. “O Coronel Furquim (Diretor da prisão)
foi correto conosco. Foi sim”, atesta.

230
Resistência à ditadura Militar no Paraná

Depois de um longo processo, deixou a prisão e retomou os


contatos com o Partido Comunista Brasileiro. “Nunca deixei o PCB
e continuei mais ativo que muitos jovens hoje em dia”. Participou
do CBA – Curitiba e da Campanha das Diretas Já. Honório mantém
o mesmo espírito combativo e crítico de outrora: “Agente lutou pelo
povo brasileiro, que ainda sofre tanto pela ação de pessoas deso-
nestas. Amo o Brasil”.

ILDEU MANSO VIEIRA JUNIOR


Idade – 55 anos
Profissão - Professor

ILDEU MANSO VIEIRA JUNIOR tinha


dezessete anos quando foi preso junto com
seu pai, Ildeu Manso Vieira, em 14 de Se-
tembro de 1975 e levado para um centro
clandestino de tortura do exército em Curi-
tiba. As prisões faziam parte da Operação
Marumbi que desmantelou o PCB no Paraná e promoveu seques-
tros e as mais bárbaras formas de tortura, deixando um rastro
de destruição física e emocional.
“Aquele foi o dia mais longo da minha vida e que ainda não
acabou”, afirma Ildeu. Para ele, aquele dia representou um rito de
passagem para a construção da sua própria história de militância
e resistência à ditadura militar. Estão vivos na memória de Ildeu os
momentos no cárcere em que presenciou pessoas conhecidas que
estavam sendo vítimas de tortura. “Vi as pessoas sendo levadas
para a sala de interrogatórios e pude ouvir os gritos de meu pai.
Muito triste tudo aquilo”. Depois de várias horas preso no Quartel
do Exército, ele foi solto.
Ao chegar em casa, Ildeu se deparou com a família mantida
refém por agentes à paisana, que depois de muita truculência e amea-
ças partem levando livros e outros objetos. “Fomos procurar ajuda
na OAB e ninguém sabia nada, pois era uma operação clandestina.
Foram muitos dias de incertezas e incomunicabilidade”, relembra.
Quando puderam visitar o pai na prisão, encontraram um homem
magro e psicologicamente abatido.

231
Depoimentos para a História

A partir deste momento, Ildeu deixou os estudos para traba-


lhar. “Mudei toda a minha vida. E nessa mudança, a ditadura con-
seguiu calar a voz do meu pai, mas despertou quatro vozes, a minha
e de meus irmãos”, afirma. Ildeu engajou-se no MR-8, na campanha
pela Anistia no CBA - CURITIBA, no movimento estudantil, na venda
de jornais alternativos, nos comícios relâmpagos e pixações contra
a ditadura militar. Coerente continua ainda hoje com os mesmos
sonhos da juventude por um mundo mais justo e melhor.

IVO PUGNALONI
Idade – 60 anos
Profissão – Engenheiro Elétrico

IVO AUGUSTO DE ABREU PUGNA-


LONI nasceu no Rio de Janeiro, mas passou
parte de sua infância em Brasília. Em suas
lembranças, refere-se à forte influência “ge-
tulista” e nacional-estatista de seu pai, em
oposição aos “entreguistas” e “lacerdistas”.
Em 1967, Ivo então com quatorze anos se mudou com sua família
para Curitiba. O rádio amador fez parte de sua adolescência, e por
meio dele ouvia transmissões internacionais, destacando-se as lu-
tas anticoloniais na África e Ásia. Pugnaloni iniciou sua militância
política quando passou no vestibular, em 1972, sendo influenciado
por seu amigo “Antão”, da POLOP. Até 1974, junto a uma pequena
célula da PO, dedicou-se basicamente a estudar e discutir a realidade
socioeconômica do Brasil, sem promover atos públicos.
A palavra de ordem da organizaçào  “economicista” era contra
a ditadura e a exploração capitalista, e não pela liberdade como
um fim em si mesmo. Ou seja, defendiam não só a liberdade de-
mocrática, mas o socialismo. Defrontando-se com um ensino su-
cateado, aproximou-se de um dos poucos grêmios ainda atuantes,
o de Arquitetura e Urbanismo, onde havia um cineclube com uma
conotação mais política. Inspirado nessa experiência, participou da
organização da assembleia de fundação do centro de Engenharia
Elétrica separado do diretório de Engenharia Civil, que se resumia
a “cervejada e jogos de futebol”.

232
Resistência à ditadura Militar no Paraná

Com a nova entidade acadêmica promoveram eventos so-


ciais e abaixo-assinados para contratar professores. Uniram-se
ao grêmio de Arquitetura e Geologia e organizaram uma chapa,
vencendo as eleições para o diretório estudantil, que passou a
ser presidido por Samuel Bracarense Costa, filho do comunista
histórico Oto Bracarense Costa. Entre 1976 e 1977, promoveram
movimentos para melhorar as condições de permanência dos es-
tudantes na Universidade.
Em decorrência dessa atuação, Ivo foi preso e mantido várias
horas na DOPS com alguns companheiros e companheiras, onde
foram agredidos pelos agentes públicos. Algumas horas depois, foram
transferidos para a polícia federal onde passaram a noite e foram
interrogados ao amanhecer. Na saída, foram novamente capturados
pelas famigeradas “veraneios”, nas próprias escadarias da Polícia
Federal, sendo levados mais uma vez à DOPS para registrar suas
digitais. Imediatamente após esse episódio, foi demitido do cargo de
professor na escola técnica por ordem do superintendente da PF e
passou a ser seguido por alguns meses.
Em 1978, passou a atuar no movimento de moradores de
periferia, organizando as associações e prestando apoio topográfico
nas invasões para drenagem da água das chuvas e arruamento,
o que garantia loteamento, saneamento e eletricidade aos mora-
dores. Buscou filiá-los em massa no MDB, porém a presidência
regional não aceitou as fichas. Ainda no final dos anos 1970,
participou da organização da greve dos metalúrgicos, perdendo
mais uma vez seu emprego (agora na SIEMENS) e ficando nessa
condição por seis meses.
Desiludido com o PMDB, Ivo aderiu ao projeto de fundação e
expansão do PT no Paraná, o que lhe custou outra vez o emprego.
Embora sustente algumas críticas, Ivo continua militando até os
dias de hoje no partido. Além dessa luta político-partidária, seu
relato remete ao início do período de transição oficial, agregando
importantes elementos para compreendermos melhor a ótica dos
estudantes de então. 

233
Depoimentos para a História

JAIR TEIXEIRA
Idade – 58 anos
Profissão – Promotor de Eventos

No começo da década de 70, JAIR TEI-


XEIRA deixa Lages em Santa Catarina para
viver no Paraná. Criado numa família de
agricultores rurais em que os nove irmãos
mantinham diferentes tipos de militância
política, o envolvimento com integrantes do
Partido Comunista Brasileiro (PCB) e do Movimento Democrático
Brasileiro (MDB) era natural.
A partir de 1973, Jair se instala definitivamente em Curitiba
após rápida passagem por Guarapuava. Aos 16 anos já era casado.
“Deixei mulher e filho pequeno para militar e participar ativamente
da organização dos movimentos sociais, comícios e greves para lutar
por um mundo melhor”.
Em 1975, testemunha as torturas sofridas pelos presos
políticos na Operação Marumbi, que desmantelou o PCB no
Paraná. “Fui visitar os companheiros no Quartel da Polícia Mi-
litar e vi as barbaridades a que todos foram submetidos pelo
Dops”, lembra. Apesar dos horrores produzidos pela tortura no
Paraná, Jair e tantos outros resistiram. “Eu ainda era muito jo-
vem, mas tinha clareza que somente com o apoio da população
poderíamos conquistar a liberdade e construir a Democracia”.
Ingressa no Movimento Revolucionário 8 de Outubro, o MR-8, e
intensifica sua militância.
Sabia que a proximidade com as lideranças de oposição ao
regime militar representava uma ameaça real. Apesar dos riscos e
das dificuldades, Mesmo sendo preso diversas vezes, Jair integrou
o grupo que apoiava os presos e as suas famílias: “Faria tudo de
novo”, afirma. Em 1979, Jair atua no Comitê Brasileiro pela Anistia
(CBA) no Paraná. Mesmo com a repressão ainda impedindo a livre
manifestação, foi um dos que participou da instalação na Rua XV
da Barraca da Democracia no movimento pelas Diretas Já, motivo
de uma de suas prisões.

234
Resistência à ditadura Militar no Paraná

JAIRO DE CARVALHO
Idade – 54 anos
Profissão - Professor

JAIRO DE CARVALHO gosta de lembrar


que nasceu no ano da revolução cubana, em
1959. O pai, Adenias Raimundo de Carvalho
(Seu Deco), era presidente do Sindicato dos
Carregadores e Ensacadores do Paraná em
1964, o que já dava mostra de que toda a fa-
mília era de oposição ao regime militar e todas as formas de opressão.
Mesmo criança, Jairo se lembra de ter presenciado a prisão de uma
pessoa por conta da oposição ao golpe.
Filiado ao MDB, Seu Deco abriu as portas para a militância
política de Jairo que integrou a Organização Socialista Interna-
cionalista (OSI), participou da Liberdade e Luta (Libelu) e em
1984 chega à presidência do DCE da Universidade Estadual de
Maringá (UEM) com a vitória da chapa ‘Próximos passos’. A prin-
cipal bandeira do grupo era luta pela gratuidade do ensino e pela
democratização da universidade. Em meados de agosto de 84, o
clímax do movimento contestatório aconteceu com a tomada da
reitoria ocupada por oito dias e que ganhou grande repercussão
no Estado, mostrando que os estudantes estavam determinados
a lutar por suas crenças.
Além da pauta estudantil, Jairo também incentiva e parti-
cipa de discussões e mobilizações na campanha das Diretas Já,
especialmente um ato no Jardim Alvorada, noticiado com destaque
no jornal do DCE. Embalado pela abrangência da mobilização na
universidade e ciente da responsabilidade, ele participa da fun-
dação do PT na cidade e integra o primeiro diretório ocupando o
cargo de tesoureiro.

235
Depoimentos para a História

JOÃO BONIFÁCIO CABRAL JUNIOR


Idade – 68 anos
Profissão - Advogado

JOÃO BONIFÁCIO CABRAL presidiu o


grêmio estudantil do internato paranaense antes
de ingressar no curso de Direito da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná, em 1964.
Engajou-se no movimento estudantil, primeiro
vice-presidente e depois presidindo o Centro
Acadêmico de Direito, em nome do qual participou de diversas reuniões,
congressos e manifestações contra a ditadura e os acordos MEC-USAID.
Paralelamente ao curso, era funcionário da Secretaria de
Educação do Estado do Paraná e repórter do jornal “Tribuna da
Imprensa”. Participou do malfadado Congresso da UNE de Ibiúna e
da minicongresso na Chácara do Alemão, sendo preso em ambas as
ocasiões. Processado e condenado cumpriu pena de um ano e meio
no Presídio Provisório do Ahu.
Voltaria a militar no começo dos anos 80 integrando o MDB
e se envolvendo na luta contra a grilagem de terras, primeiro no
Paraná, depois no país inteiro. Casado com Beatriz com quem teve
cinco filhos, o depoimento de Cabral é um valioso relato tanto das
experiências do movimento estudantil quanto do processo de recons-
titucionalização do país, destacando-se sua atuação no movimento
pela terra e reforma agrária, inclusive na Constituinte de 1988.

JOÃO ELIAS DE OLIVEIRA


Idade – 70 anos
Profissão - Advogado

Em 1965, JOÃO ELIAS DE OLIEIRA


ingressa no curso de Direito da Universidade
Federal do Paraná junto com grande parte do
grupo de amigos do Colégio Estadual, entre
eles Luiz Felipe Haji Mussi e Carlos Frederico

236
Resistência à ditadura Militar no Paraná

Marés. Diferente da movimentação política no clássico, a orientação


muda na universidade em função do início da ditadura. “Tínhamos
um grupo que organizava o Teatro de Estudos Universitários, que
promovia noites de discussões de peças políticas”, conta João Elias,
que destaca a participação do curso de Jornalismo dos estudantes
Fabio Campana e Walmor Marcelino.
Embora houvesse muitos estudantes que não estavam vincu-
lados a organizações políticas, chamados de independentes, outros
sentiam necessidade de pertencer a alguma célula da Ação Popular
(AP) ou Política Operária Comunista (Polop), as mais atuantes neste
momento. João Elias faz parte da AP e participa de reuniões, pas-
seatas e ações promovidas durante a resistência à ditadura.
Com o AI-5 em 13 de Dezembro de 1968, João Elias deixa
Curitiba e vai para Londrina trabalhar na Cacique Café Solúvel,
mesma empresa que abrigou Leo de Almeida Neves e Hélio Duque,
todos com ficha no Dops e que teriam dificuldades para encontrar
trabalho na grande maioria das empresas. Após 12 anos na empresa,
com uma temporada em São Paulo, João Elias, já casado e com o
curso de Direito concluído, retorna a Curitiba em 80 e participa da
campanha ao governo de José Richa em 82.
Mas foi a partir de 1994 com a eleição de Jaime Lerner ao
Governo do Paraná, que João Elias considera o ápice de sua mili-
tância política. “Foi nomeado Ouvidor Geral do Estado do Paraná e
permaneci no cargo sete anos. Criamos um modelo de ombudsman
que serve de modelo para o Brasil”, afirma.
E foi na condição de Ouvidor que João Elias presidiu em 1998
a primeira Comissão de indenização aos ex-presos políticos instituída
pela Lei 11.255/95 de autoria do então deputado estadual Beto Richa,
que em 2010 é eleito Governador do Paraná. “Foi a primeira lei no país
aprovada num Legislativo a reconhecer a luta e o sofrimento daqueles
que participaram da resistência à ditadura”.

237
Depoimentos para a História

JOÃO OLIVIR GABARDO


Idade – 82 anos
Profissão – Funcionário Público Aposentado

JOÃO OLIVIR GABARDO nasceu em


União da Vitória, em 1931. Trabalhou como
telegrafista ferroviário até 1952, quando se
mudou para Curitiba a fim de concluir os
estudos. Na capital, foi eleito presidente do
grêmio estudantil do Colégio Estadual do
Paraná e começou a participar da UPE e, posteriormente, presi-
diu o centro acadêmico de filosofia da Universidade Católica do
Paraná. Durante sua vida estudantil, chegou a participar ainda
de pelo menos três congressos da UNE, além de encontros da
Juventude Democrática Católica do Paraná, vinculada ao Partido
Democrata Cristão. 
Concluído o curso de Direito na UFPR foi morar em Londri-
na, onde foi eleito vereador em 1962. Com o AI-2 e a criação do
bipartidarismo integrou o MDB, juntamente com uma ala do PDC
capitaneada por José Richa, que ele intitula de “esquerda” em opo-
sição à direita cristã representada pelo ex-governador Ney Braga.
Participando ativamente da vida político-partidária, em 1966 se
candidatou a deputado estadual, ficando na suplência, e em 1968
concorreu à prefeitura de Londrina, auxiliando na vitória do outro
candidato do MDB, Dalton Paranaguá. De 1970 a 1982 registrou
candidaturas bem-sucedidas para a Câmara Federal, tornando-se
deputado emedebista do Paraná em Brasília.
Paralelamente a essas batalhas eleitorais, Gabardo auxiliou na
fundação de diretórios do MDB na região, sobretudo com o auxílio
de políticos antes vinculados ao PTB. Participou ainda da consoli-
dação da Frente Ampla, em Londrina e Maringá, até sua extinção
em 1968. Já no final da Ditadura, não se furtou da luta democrá-
tica, participando das campanhas pelas Diretas Já e presidindo o
diretório estadual do PMDB.

238
Resistência à ditadura Militar no Paraná

JORGE HADDAD
Idade – 85 anos
Profissão - Advogado

JORGE HADDAD era advogado de sin-


dicatos de trabalhadores quando em 1964
veio o golpe militar. “Aquela ‘revolução’ foi um
episódio triste para nós”, lamenta Jorge, que
advertido por um delegado amigo da família
Haddad, vai para Curitiba passar uma tempo-
rada e não é preso. Mas é processado, junto com outros advogados,
num longo inquérito que após oito anos lhe garantiu a absolvição.
“Só não fui preso durante o processo devido ao apoio do Dele-
gado Miguel Zacarias, do Dops de Curitiba, conhecido do delegado
maringaense”, acredita. Após as prisões de 64, os militantes da
esquerda começaram a se reorganizar na região. Jorge enfrenta
dificuldades para atuar como advogado, mas como a família era
pioneira na cidade, pode trabalhar para sobreviver.
Os irmãos Haddad, estabelecidos em Maringá desde 1947, eram
homens engajados. César Haddad foi vereador da primeira legislatura
da cidade. Salim Haddad, médico e dirigente do Partido Comunista
Brasileiro, é preso em 1975 na Operação Marumbi e passa dez meses
na Prisão Provisória do Ahu. Um dos episódios mais violentos da re-
pressão do Paraná, com perseguições, sequestros e bárbaras torturas,
fez com que o médico deixasse a atividade política após a prisão.

JORGE MANIKA
Idade – 53 anos
Profissão - Professor

JORGE SAMY MANIKA faz parte de uma


geração que não passou incólume aos acon-
tecimentos políticos do final dos anos 1970
a meados dos 80. Estudante secundarista no
Colégio Estadual do Paraná, Jorge ingressa na
Universidade Federal do Paraná (UFPR) em 78

239
Depoimentos para a História

para cursar Engenharia Civil e em 79, Matemática, quando ainda era


possível fazer dois cursos na mesma instituição de ensino. “Foram
anos que mararam minha trajetória de militante, aos quais me doei
ao máximo e vivi momentos inesquecíveis”, relembra emocionado.
Leitor contumaz e aluno exemplar – passou em primeiro lugar
no curso de Engenharia Civil, Jorge não demorou a ser chamado para
participar do movimento estudantil que pulsava na UFPR. Participa
em 1979 da chapa ‘Vira volta’ que concorreu ao DCE Livre, num
momento em que o Decreto 477/69, ainda em vigência, proibia qual-
quer mobilização ou organização política nas universidades. “Com a
expressiva participação dos estudantes, a eleição despertou a atenção
dos jornais, mas não foi reconhecida pela reitoria”, afirma Jorge.
A única alternativa para a participação dos estudantes nas
decisões da Reitoria seria indicar representantes para o Conselho
Universitário, ideia sugerida por Maurício Requião. Seriam dois es-
tudantes contra 40 representantes da instituição. Mas havia crité-
rios: não podiam ser calouros e nem formandos e muito menos que
tivessem reprovação. “Dos 15 integrantes da chapa, apenas eu e Luiz
Edson Fachin nos enquadrávamos. Ficamos 14 meses no conselho”.
Enquanto isso, fora das fronteiras da universidade, a agitação
política mobilizava as massas. Campanha pela Anistia, organização das
associações de bairros, a defesa da Amazônia e dos Índios, a luta pela
liberdade de expressão e o fim da ditadura. “Desses embates, a campa-
nha pela Anistia foi o mais emocionante. Estive no aeroporto recebendo
Vitório Sorotiuk que estava exilado no Chile”. Para Jorge, “as coisas
aconteciam com uma velocidade que a gente não imaginava na época”.

JORGE MODESTO
Idade – 56 anos
Profissão - Servidor Judiciário

De família curitibana simpatizante do


trabalhismo varguista, JORGE ASSIS MO-
DESTO PEREIRA DA SILVA desde pequeno
esteve exposto a essas influências. Seu pai
havia sido perseguido por vinculação com a
organização dos trabalhadores da Empresa de

240
Resistência à ditadura Militar no Paraná

Correios e Telégrafos. Alguns dos amigos paternos frequentavam a


casa da família, inclusive alguns que estavam na clandestinidade.
Ademais, recorda-se de alguns professores críticos do regime com
os quais teve aula no colégio Hidelbrando de Araújo.
Sua militância começou na segunda metade dos anos 1970,
quando entrou no MDB para fazer oposição à Ditadura e começou
a participar das reuniões do CBA e CDAMA.
Já no começo da década de 1980, entraria também na uni-
versidade e no movimento estudantil, participando dos esforços de
reorganização do DCE, e na juventude do PCdoB. Atuava vendendo o
veículo partidário na porta das fábricas e formando núcleos de bairro
e de cultura. No período posterior à ditadura, Jorge continuou atuan-
do politicamente, tanto partidariamente quanto no âmbito sindical.

JOSÉ ANTONIO TRINDADE


Idade – 71 anos
Profissão - Professor Aposentado

Filho de uma militante religiosa com


um pai simpatizante de Plínio Salgado, JOSÉ
ANTONIO TRINDADE estudou em um se-
minário em Jacarezinho, mudando-se para
Curitiba em 1965 para concluir seus estudos.
Recém-admitido no curso de letras da UFPR,
começa sua atuação política no movimento estudantil, integrando a
direção do Diretório Acadêmico Rocha Pombo.
Participa das manifestações contra a guerra no Vietnã e contra
o ensino pago, esta última assumindo a forma de uma campanha
para todos os calouros entrarem com um pedido de isenção da taxa
que passaria a ser cobrada. Trindade continuou no movimento es-
tudantil, inclusive no momento em que suas ações recrudesceram,
transformando-se em batalhas campais contra a polícia no Politéc-
nico e culminando na tomada da reitoria da UFPR.
Em 1968 sofreria duro golpe com a prisão de sua companheira,
Judite, detida na Chácara do Alemão e mantida no Presídio Provisório
do Ahu. Em meados dos anos 1970, José Trindade voltaria a ter

241
Depoimentos para a História

uma atuação política, participando das lutas dos professores por


melhores condições de trabalho.

JOSÉ CARLOS MENDES


Idade – 62 anos
Profissão - Empresário

JOSÉ CARLOS MENDES iniciou a mi-


litância ainda muito jovem, participando das
manifestações que sacudiram Curitiba e o
país, em 1968, como membro do movimento
secundarista e do movimento estudantil livre,
à margem da UPES. Juntamente com outros
secundaristas, vinculou-se inicialmente à AP participando de peque-
nos comícios relâmpagos, panfletagens e pichações. Por intermédio
de Júlio Covello foi recrutado para a VPR, comando Juarez de Brito,
adquirindo conhecimentos básicos de guerrilha. Cumpriu algumas
tarefas, como em 1971 levar ao Chile a família do falecido Walter Ri-
beiro. Em momento de desagregação da organização ele próprio deixou
o país pela Argentina, rumando ao Chile. Lá, contatou o comando
da VPR que decidiu retê-lo, treinando-o nas Cordilheiras dos Andes.
Agindo com um pequeno grupo dentro da organização, mas
à revelia de suas lideranças, retornou ao Brasil entre 1972 e 1973
pela cidade de Guaíra, como “José Maria Santos”, com o intuito de
avaliar o terreno para a preparação da guerrilha rural e retomar os
contatos feitos anteriormente por Aluízio Palmar. Essa célula da VPR
(se é que pode ser chamada dessa forma) passou a trabalhar com
argentinos e paraguaios (ERP e Movimento Popular), mapeando a
rotina do ditador Stroessner, com o intuito de assassiná-lo. Contudo
o plano foi abortado. Com o golpe no Chile, Mendes tentou participar
da resistência, mas logo concluiu a iminência da derrota e partiu
para o exílio na Holanda. Na Europa, aproveitou uma bolsa para dar
prosseguimento nos estudos e, juntamente com outros sul-ameri-
canos, participou de comitês de solidariedade.
Após meia década no exílio, Mendes articulou sua volta ao
país com Leonel Brizola, entrando por Foz do Iguaçu após a lei de

242
Resistência à ditadura Militar no Paraná

Anistia. Essa parceria com o líder gaúcho foi estendida e Mendes


participou dos esforços iniciais para viabilizar e expandir o PDT no
estado e no país, compondo comissões organizadoras. A trajetória do
jovem revolucionário Mendes merece ser ouvida com mais detalhes.

JOSÉ DOS REIS GARCIA


Idade – 73 anos
Profissão – Agente Público

JOSÉ DOS REIS GARCIA, nascido em


Rio de Sul, Santa Catarina, mudou-se para
Curitiba com sua família em 1957, quando
tinha dezessete anos. Em 1961, ingressou no
curso de Direito da UFPR. Um ano depois,
aprovado em concurso público do Banco do
Brasil, muda-se para Foz do Iguaçu para assumir o cargo. Já em
abril de 1964, foi intimado a prestar depoimento em decorrência de
suas atividades políticas. Nas fileiras do Partido Comunista Brasi-
leiro (PCB), atuando no movimento estudantil e no Sindicato dos
Bancários, Garcia retornou a Curitiba em 1966.
Em 14 de abril de 1969, foi preso dentro do Banco do Brasil,
na Praça Tiradentes. Interrogado e torturado na Polícia Federal,
foi transferido para o Presídio do Ahu. Terminou seu tempo no
cárcere em Blumenau, em abril de 1973. Findos esses quatro anos
de lancinantes suplícios e afastamento forçado das atividades
políticas, retomou a resistência imediatamente, envolvendo-se
na rearticulação do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário,
o PCBR, no qual se manteve até 1988. Participou ativamente da
fundação do Partido dos Trabalhadores, assumindo cargos rele-
vantes de expressão nacional.
Agindo nos bastidores, como dirigente do PCBR, Garcia parti-
cipou ativamente guerrilha urbana contra a Ditadura e pelo socialis-
mo. Envolveu-se em ações arriscadas, como a libertação do Coronel
Jeferson de Alencar Cardim do Regimento de Obuses em Curitiba.
O preço pago por essa ousadia: intermináveis torturas praticadas
pelo tenente Fernando José Vasconcelos Kruger e pelo sargento Bruno

243
Depoimentos para a História

Goerisch, com choques elétricos, pau-de-arara, telefones, afogamentos


e simulação de fuzilamento. Depoimento imperdível, sobretudo para
quem se interessa ou idealiza a luta armada nesses tempos sombrios.

JOSÉ FERREIRA LOPES


Idade – 61 anos
Profissão - Médico

JOSÉ FERREIRA LOPES, ou “Zequi-


nha”, nasceu em Marília, em uma família
de produtores rurais retirantes, semianalfa-
betos. Embora seus pais não tivessem uma
atuação política, seus vizinhos e amigos – e
uma irmã mais velha - estavam vinculados
ou simpatizavam com o PCB. Essa proximidade o influenciou e Ze-
quinha começou a ter uma participação política já no movimento
secundarista, participando do grêmio de seu colégio e de pequenas
manifestações estudantis.
A fim de cursar o ensino superior, mudou-se para Curitiba
onde já residia um irmão, e foi aprovado em medicina, em 1965. Do
primeiro ano se recorda especialmente das noitadas e festas, mais
do que das reuniões no DANC das quais participava, ou mesmo dos
estudos. Foram seus primeiros contatos com o movimento estudantil
da época, destacando-se as apresentações de teatro e as palestras
da UNE. Foi a partir de 1966 que passou a ter maior compromisso
com a militância, aproximando-se de quadros da AP, concorrendo
à vice-presidência da UPE e participando das lutas reivindicatórias
e políticas dos estudantes. Passou então a organizar congressos,
aproximar-se do movimento secundarista e viajar por meio da UPE,
formando diretórios acadêmicos e grêmios estudantis. Logo seria
recrutado pela AP e passaria a ter uma atuação mais orgânica,
acompanhada de estudos dos clássicos marxistas.
No momento de reorganização e crescimento do movimento es-
tudantil, em 1967, foi preso pela primeira vez, durante uma pichação,
sendo levado para a DOPS, onde passou trinta e seis horas. Foi deixado
nu e em cima de uma lata de cera, com dedos apontados para a parede.

244
Resistência à ditadura Militar no Paraná

De forma alguma esse episódio o afastou da militância, pelo


contrário. Em 1968, participou ativamente das manifestações es-
tudantis, que cresceram em volume e crítica, sobretudo a partir da
morte de Édson Luís, no restaurante Calabouço. “Tinha povo, mas-
sa, estudantes sentindo que as coisas não andavam [...] eu estava
levando o curso e a militância, mas o curso já estava secundário, a
militância era principal”. Até o AI-5, Zequinha foi preso outras duas
vezes, participando dessa ebulição social puxada pelos estudantes.
Com o “golpe dentro do golpe” foi deslocado para São Paulo,
participando da secretaria de organização nacional da AP, onde fazia
trabalho de articulação. Contudo, logo seria integrado à produção.
Iniciando na construção civil, passou bom tempo em uma indústria
têxtil, onde desenvolveu amizades e promoveu discussões com pe-
quenos grupos. Diante de uma onda de prisões de simpatizantes e
militantes, a repressão acabou chegando até Zequinha e dando início
ao seu calvário. Após um árduo período de torturas em Minas, foi
abandonado em uma delegacia de bairro. Quando descobriram que
era militante da AP, voltou a ser torturado e foi transferido para o
CENIMAR, no Rio de Janeiro. Então foi novamente enviado a Minas,
onde sofreu novas torturas, até ser levado a Curitiba para responder
processo do tempo do movimento estudantil.        
Após esse período nas malhas da repressão, conseguiu sair da
prisão e, em 1972, aderiu ao PCdoB, realizando viagens para orga-
nizar o partido. Passou um tempo em São Paulo, onde casou com
outra militante da AP/PCdoB (Maria de Fátima) e foi para Jequié,
na Bahia, iniciar um trabalho de formação de estruturas secundá-
rias para guerrilha. Lá, logo deixou sua ocupação de vendedor para
montar uma olaria, sempre mantendo contato com o partido. Após
alguns anos, viu-se forçado a abandonar a cidade, em decorrência da
queda do comitê central do PCdoB, em 1976, refugiando-se em um
sítio em Recife, completamente isolado. Permaneceu nessa situação
até o começo dos anos 1980, quando retornou a Curitiba e retomou
não só a faculdade como a vida partidária. De lá para cá, Zequinha
se tornou importante dirigente do PCdoB de Curitiba e do Paraná,
sempre presidindo ou pelo menos compondo diretórios.

245
Depoimentos para a História

JOSÉ GIL DE ALMEIDA


Idade – 57 anos
Profissão - Jornalista

Nascido em Goioerê em 1956, JOSÉ GIL


DE ALMEIDA começou sua militância política
em Maringá quando começou a trabalhar no
Banco do Estado de Paraná, o Banestado,
como contínuo. Era da oposição bancária com
Luiz Gushiken, ao mesmo tempo em que par-
ticipava do cineclubismo com estudantes da Universidade Estadual
de Maringá (UEM) que exibiam filmes em escolas sobre guerrilhas e
outros títulos que não eram permitidos na época.
“A partir de 1964, houve muita repressão em Maringá. Eu
era do movimento sindical e estudantil, mas também agitava em
atividades culturais. Cheguei a ser preso pichando ‘abaixo à dita-
dura’, participei de protestos, passeatas e greves”, conta. No final
dos anos 60, “o grande sonho dos estudantes secundaristas era ir
para a Guerrilha do Araguaia”, relembra.
Com o envolvimento na Organização Socialista Internacionalista
(OSI) e com a Liberdade e Luta (Lubelu), José Gil empreende fuga para
São Paulo de taxi. “Lá acompanho a luta radical dos vigilantes, que
erguem armas e afastam a polícia, e adquiro experiência para a resis-
tência”. Demitido do Banestado em 1967, derrotado na eleição para
a presidência do sindicato dos bancários, ameaçado de morte pelos
adversários durante a campanha do sindicato, a vida não estava fácil.
Em 1974, José Gil decide vir para Curitiba trabalhar na Assem-
bleia Legislativa com a tia, a deputada estadual Amélia de Almeida
Hruschka, eleita pelo PMDB. Na capital, organiza um cineclube e entra
em contato com o movimento anarquista, da linha kadafista de apoio à
Líbia. “Kadafi era um idealista”, afirma José Gil, que foi 19 vezes para
o país do Norte da África, inclusive para fazer curso de guerrilha. Lá
conheceu Evo Morales, que chegaria à presidência da Bolívia.
Responsável pelo Jornal Água Verde e o Jornal Mercosul, este
com informações sobre política internacional, José Gil mantém até
hoje uma adoração pela Líbia e sua cultura, tendo escrito seis livros
sobre o assunto.

246
Resistência à ditadura Militar no Paraná

JOSÉ KANAWATE
Idade – 74 anos
Profissão - Aposentado

Nascido em 1932 e instalado em Ponta


Grossa, região dos Campos Gerais no Paraná,
JOSÉ KANAWATE é de descendência síria e
foi na companhia de Felipe Chede, comunista
notório na cidade, grande amigo e companhei-
ro de uma vida, que conheceu “o que era a
política do Brasil e do mundo”.
Em 1958 ingressa no curso de Direito e disputa o diretório aca-
dêmico, perde a eleição, mas ganha gosto pela militância e engrossa
as fileiras do PCB. Em 60, integra o comitê de apoio ao Marechal
Teixeira Lott (candidato à presidente pela coligação governista PTB/
PSD) e João Goulart (candidato a vice-presidente pelo PTB). Naque-
la época, votava-se separadamente no presidente e no vice. Jânio
Quadros foi eleito presidente pelo PDC/UDN e Jango, vice.
“Por ocasião do golpe de 64, eu e meus colegas percebemos
uma orientação diferente no papel institucional do 13º Regimento
de Infantaria”, lembra Kanawate. Vigilância, perseguição e muita
repressão. Mais de 300 policiais foram destacados para prender
o grupo do PCB, entre eles o próprio Felipe Chede. “Fomos tra-
zidos para Curitiba de ônibus, levados para o Presídio do Ahu,
revistados e jogados numa cela comum. Me lembro que era um
frio tremendo”.
Kanawate ficou 10 dias preso e foi liberado. O Inquérito
Policial Militar (IPM) durou cerca de três anos e nesse período foi
chamado diversas vezes para prestar esclarecimentos na Dops.
Quando o inquérito terminou, ele que era representante comercial,
já estava falido. Recupera-se financeiramente e aficionado por mú-
sica, Kanawate passa a se dedicar à Orquestra Sinfônica de Ponta
Grossa, da qual é um dos fundadores.

247
Depoimentos para a História

JOSÉ MARIA CORREIA


Idade – 65 anos
Profissão –Delegado da Polícia Civil Aposentado

Na manhã de 14 de maio de 1968, es-


tudantes secundaristas e universitários ocu-
param o prédio da Reitoria da Universidade
Federal do Paraná, um ato que simbolizava
a revolta contra a tentativa do regime militar
em instituir o ensino pago nas universidades,
em defesa da liberdade de expressão e pelo fim da ditadura no país.
Na linha de frente, um grupo de estudantes contra um batalhão de
policiais, entre eles JOSÉ MARIA DE PAULA CORREIA, calouro do
curso de Direito.
Depois de arrancarem o busto do reitor Flávio Suplicy de La-
cerda, odiado entre os alunos por ser o mentor da privatização do
ensino público no Brasil, avalizando o acordo Mec-Usaid assinado
um ano antes, a massa saiu em passeata pela Rua XV até a Praça
Osório arrastando até lá o busto.
“Eu era praticante de judô, tinha um porte forte, e estava bem
na frente. Participei de todos os momentos, das barricadas, da ne-
gociação, até o final na Boca. Ainda hoje tenho um pedaço do busco
do reitor, que é um peso de papel na minha mesa para me lembrar
daquele grande momento”, conta José Maria. Integrante do grupo
que tentava reorganizar a UNE, José Maria Correia não chegou a ir
a Ibiúna, São Paulo, no fatídico congresso que acabou com a prisão
de todos os estudantes naquele mesmo ano.
Em 1972, faz concurso para a Polícia Civil do Estado do Para-
ná e começa a ser preparar para ingressar da carreira de delegado.
Mantendo a convivência e amizade com os companheiros da época de
militância estudantil, José Maria se aproximou do MDB e participou
do Comitê Brasileiro pela Anistia em Curitiba – CBA-Curitiba – e
acompanhava, de dentro da Polícia Civil, a luta pela restauração da
Democracia no país.
Em seu depoimento, o ex-delegado José Maria Correia conta
como foi assediado para integrar o Doi-Codi no Paraná, a vigilância
sistemática, o terror de algo acontecer com a família e as pressões

248
Resistência à ditadura Militar no Paraná

sofridas por ser declaradamente um homem envolvido com a esquer-


da e persona non grata dentro da corporação.
Eleito vereador de Curitiba pelo PMDB em 1982, conseguiu
negociar, já que ainda havia resistências à homenagem, e aprovar
um Título de Cidadão Honorário de Curitiba para Dom Helder Câma-
ra, entregue numa grande solenidade no antigo Cine Vitória. Numa
visita a Cuba e Nicarágua representando o prefeito Maurício Fruet,
quase teve seu mandato cassado.
Em 1987, no Governo Álvaro Dias, José Maria ocupou o cargo
de delegado geral da Polícia Civil e deu prosseguimento às diretrizes
estabelecidas no governo anterior pelo Secretário de Segurança Luiz
Felipe Haj Mussi para desarticular o sistema repressivo no estado
do Paraná. “Houve uma ampla investigação interna e descobrimos o
arquivo da Dops, que muitos diziam ter sido destruído”, conta José
Maria. Com informações datadas de 1930 até 1989, o arquivo con-
tinha cerca de 40 mil fichas. “Houve uma grande resistência para a
abertura dos arquivos” relembra. Finalmente em 1991, já no governo
Roberto Requião, é assinado o Decreto Estadual 577 que repassou
ao Arquivo Público do Paraná a guarda do acervo.

JOSÉ SFORNI
Idade – 65 anos
Profissão - Economista

O estudante de Economia na Universi-


dade Estadual de Maringá (UEM), entre 1967
e 70, JOSÉ APARECIDO SFORNI participava
de um núcleo de estudos sobre a realidade
brasileira junto com Laércio Souto Maior,
Ramires Moacyr Pozza e Antonio Calegari.
“Naquela época, na Economia da UEM havia apenas três pessoas
de esquerda: eu, Ruth Ribeiro de Lima e Deisi Deffune”, relembra.
Sforni se lembra claramente do longínquo dia em que ele foi
voto vencido na discussão em que seu grupo decidiu ingressar nas
fileiras do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário, o PCBR.
“Várias organizações clandestinas nos procuravam. Optar pelo PCBR

249
Depoimentos para a História

foi um grave erro já que muitos do grupo original não defendiam a


luta armada”, afirma.
Com a ofensiva da repressão no aniquilamento das organi-
zações clandestinas em 1970, os integrantes do PCBR de Maringá
foram presos e levados para o Quartel do Exército de Apucarana.
“Na minha leva, fomos eu, Ramires, Laércio e Licínio Lima. Eu fiquei
30 dias e não fui torturado”, recorda Sforni.
Apesar da prisão, o grupo depois de absolvido continuou ar-
ticulado, mas sem pertencer a nenhuma organização. “Até que o
pessoal do Partido Comunista Brasileiro, representados por Ildeu
Manso Vieira e Nilton Cândido nos procuraram para ajudar na
reorganização do PCB na região”. Sforni lembra que pouco tempo
depois desse encontro, em meados de 1975, muitos dos que esti-
veram naquela reunião foram presos pela Operação Marumbi, que
desmantelou o PCB no Paraná.
Em seu depoimento, Sforni conta ainda porque ele, Laércio e Ra-
mires não entraram com pedido de indenização, apesar da vigilância,
perseguições e prisões a que foram submetidos pelo regime militar.

JUDITE BARBOZA TRINDADE


Idade – 69 anos
Profissão - Professora

Paulista de nascimento, JUDITE MARIA


BARBOZA TRINDADE morava em Maringá,
Norte do Paraná, quando iniciou sua mili-
tância política como estudante secundarista
engajada em protestos, por exemplo, contra a
Guerra do Vietnã. No pós-64, está integrada à
Juventude Estudantil Católica (JEC), participa de discussões políti-
cas, adere ao movimento estudantil e desde já questiona a ditadura,
participando da resistência para a sua derrocada.
Em 1968 Judite está devidamente instalada em Curitiba
para cursar História na Universidade Federal do Paraná. Trazia na
bagagem a agitação política vivida no interior e vive intensamente
os episódios que marcariam aquela geração. Detida duas vezes por

250
Resistência à ditadura Militar no Paraná

panfletagem, a jovem de 24 anos ainda insiste na militância estu-


dantil, lutando por uma universidade gratuita, pela liberdade de
expressão e pelo fim da ditadura.
Eis que na manhã do dia 17 de dezembro, quatro dias após a
decretação do famigerado do AI-5, definido como o golpe dentro do
golpe por usurpar de vez as liberdades individuais, aproximadamen-
te 45 estudantes são presos por agentes da repressão na Chácara
do Alemão, localizada no Bairro Boqueirão em Curitiba, onde iria
acontecer o minicongresso da UNE, encontro regional, para debater
a reorganização da entidade proscrita pela ditadura. Judite estava
entre eles.
“A princípio, achei que seria uma prisão rápida, com as ante-
riores. No segundo dia, a ficha caiu”, relembra Judite, que estava
entre os 15 estudantes mantidos presos no Presídio Provisório do
Ahu, enquanto os demais eram liberados. Foram apresentados à
imprensa como se fossem troféus da ditadura, subversivos, “e nesse
momento a coisa ficou clara”, completa. Processados e condenados,
ninguém escapou do peso da ditadura. Judite foi condenada a 4 anos
e teve a pena reduzida a um ano de detenção. Ela e outra estudante,
Elizabeth Fortes, foram as únicas mulheres do processo contra os
estudantes a cumprirem pena. Ficaram na mesma cela no Ahu e
dividiram as mesmas incertezas, medos e esperanças. Em dezembro
de 1969, Judite termina de cumprir a pena e deixa a prisão. Elizabeth
permanece mais seis meses. “Eu fui visitá-la uma vez”.
De volta à vida, Judite retoma a universidade e dois anos
depois termina o curso de História. “Naquele período, foi meio que
um autoexílio. Meu amigo Antonio Três Reis de Oliveira tinha sido
metralhado em São Paulo, havia o desaparecimento dos militantes,
tudo muito triste”.
Os anos seguintes foram difíceis. Para sobreviver, Judite dá
aulas em escolas particulares. Retoma os contatos com os compa-
nheiros de política estudantil, especialmente o Vitório Sorotiuk e a
jornalista Teresa Urban. Também abraça os movimentos sociais, a
luta pela terra, contra a exploração dos trabalhadores, pela defesa
dos professores, além de se engajar na Campanha pela Anistia,
iniciada em 1978. “Minha trajetória foi sofrida, mas tenho muitos
ganhos. Quem me dera todas as pessoas tivessem a oportunidade
que nós tivemos”, finaliza.

251
Depoimentos para a História

JULIO COVELLO
Idade – 62 anos
Profissão - Jornalista

Aos 16 anos, JULIO CÉSAR COVELLO


NETO sai de Guarapuava para estudar
no Rio de Janeiro e morar com a avó. Era
1967. Na cidade maravilhosa, Júlio vi-
vencia a efervescência cultural e agita no
movimento secundarista no Colégio André
Maurois. “Eu era um guri e não tinha formação política. Eu ou-
via as palavras de ordem, ‘Abaixo a ditadura’, ‘O povo no poder’,
achava justo e pronto”.
Quando o estudante de Medicina Edson Luiz foi morto no
Restaurante Calabouço após a invasão da Polícia Militar em 28 de
Março de 1968, Júlio estava lá entre centenas de secundaristas
que foram protestar. Em junho, ele também estava na passea-
ta dos 100 mil, e em outros tantos protestos e ações contra a
ditadura e seus generais. Participava de discussões filosóficas,
fazia leituras políticas, panfletagem e pichações e aprofundava
sua militância.
Cada vez mais engajado, passa a fazer parte da rede de
apoio de organizações clandestinas como a Vanguarda Popular
Revolucionária (VPR) e MR-8, com inserções na Val-Palmares.
Decide aderir à VPR e vive na clandestinidade. Em junho de 70,
a VPR sequestra o embaixador alemão Ehrenfried von Holleben,
que é trocado por 40 presos políticos que seguem para a Argé-
lia. Julio, que ajudara na preparação da ação já estava fora da
organização, mas para a repressão isso não contava. “Eles me
pegaram em casa, no começo de agosto de 1971. Me levaram
para o Doi-Codi onde fiquei 15, 20 dias. Depois fui para o Forte
de Copacabana e Forte do Leblon. Fiquei preso até final de se-
tembro”. Foi processado, julgado e absolvido.
Em seu depoimento, detalha as torturas sofridas nas diversas
celas por onde passou e as sequelas que carregou durante anos.

252
Resistência à ditadura Militar no Paraná

JULIO MANSO
Idade – 52 anos
Profissão - Professor

 “Aos 16 anos aprendi a não ter medo


da prisão e da tortura”, afirma de forma
contundente JULIO CÉSAR MANSO VIEIRA,
em depoimento que conta a sua militância
no movimento estudantil entre 75 até 1978.
Um dos quatro filhos de Ildeu Manso Vieira,
do PCB, preso em 1975 pela Operação Marumbi, Julio Manso diz
que na escola não podia participar de atividades como cantar o
Hino Nacional ou hastear a bandeira do Brasil “porque era filho
de comunista”.
No Colégio Estadual do Paraná participa da reconstrução do
grêmio e em 77 integra a organização de uma passeata de alunos
secundaristas da Região Metropolitana de Curitiba que pede a libe-
ração dos presos políticos.
Por sua militância, é preso diversas vezes, em manifestações
e panfletagem reivindicando recursos para a Educação, defesa do
meio ambiente, pela Anistia e liberdade de expressão. Numa destas
prisões, ele estava com o grupo de estudantes que vaiaram o então
Presidente João Batista Figueiredo na Praça Rui Barbosa. Artista
plástico, Julio encontrou na arte uma forma de resistência à repres-
são, à exploração e ao arbítrio.

LAÉRCIO SOUTO MAIOR


Idade – 75 anos
Profissão – Advogado

O pernambucano LAÉRCIO SOUTO


MAIOR vive no Paraná há 50 anos, onde
chegou como estudante secundarista já
simpatizante do PCB e seu líder maior Luiz
Carlos Prestes. 

253
Depoimentos para a História

Instala-se em Maringá, onde o partidão era organizado, inclusive


com um vereador eleito, Bonifácio Martins. Nos dias que antecederam
o golpe militar, Laércio participou da organização de uma vigília na
Câmara Municipal e um protesto nas ruas. No dia dos eventos, vés-
pera do golpe, a Polícia Militar já tinha reprimido as manifestações. 
Ainda simpatizante do PCB, Laércio conta que “Maringá era
revolucionária em 1968, com manifestações de estudantes e tentativa
de greve geral graças a uma frente ampla de militantes de esquerda
organizados e determinados a combater a ditadura”.
Presos três vezes (68, 70 e 75). Em 1970 a prisão teve como
acusação a participação no PCBR no Paraná, e em 1975 será se-
questrado e preso na Operação Marumbi de desmonte do PCB no
Paraná. Laércio se denomina um “comunista revolucionário que vai
morrer comunista”
Sua história de luta e resistência é um libelo à determinação
dos militantes que não apequenaram diante da perseguição, das
prisões, torturas e do medo, principalmente. Hoje, Laércio exalta o
movimento de resgate da memória destes militantes: “Não se resgata
a memória em silêncio. É preciso tocar o bumbo!”.

LAURO CONSENTINO FILHO


Idade – 71 anos
Profissão – Dentista

Em 1964, LAURO CONSENTINO FI-


LHO era o tesoureiro do Partido comunista
Brasileiro (PCB) e morava em Curitiba onde
cursava Odontologia na Universidade Federal
do Paraná. Nascido em Morretes, foi eleito
tesoureiro do DCE que era presidido por
Frederico Carlos Marés. Com a formatura em 1968, Lauro compra
um consultório com o ajuda do pai, se estabelece em Medianeira e
começa a trabalhar, sempre mantendo contato com os companheiros
de militância estudantil.
“Nessa época, Zapata (codinome do jornalista Fabio Campana)
me apresenta André (Aluizio Palmar) que me convida para participar

254
Resistência à ditadura Militar no Paraná

de uma organização, que ainda não tinha nome, mas era o MR-8”,
lembra Lauro. A proposta era montar uma guerrilha na fronteira.
“Eu era contra a luta armada”. Mesmo assim, aceitou esconder um
carregamento de armas no consultório, que alguém veio buscar dias
depois para jogar no rio próximo à cidade.
Tal ajuda fez com que fosse preso dois meses depois, em No-
vembro de 1969, uma vez que o Exército achou o armamento no rio
e expos o arsenal na rodoviária. Levado para Cascavel, Lauro em
seguida é transferido para Curitiba, permanecendo no Dops 30 dias,
incomunicável. Sem provas de seu envolvimento com a tentativa de
organização da guerrilha no Oeste do Paraná, Lauro é solto, após
sofrer ameaças dos agentes, de que deveria deixar o estado para a
segurança dele e de sua esposa.
Decide permanecer em Medianeira, “pois era o único dentista da
cidade”. Filia-se ao MDB e permanecesse no PMDB para em 82 partici-
par da campanha que elegeu José Richa governador. Convidado para
participar do governo como chefe da Odontologia, aceita e transfere-se
com a família para Curitiba. Até hoje continua trabalhando no Estado,
no Centro de Atendimento Integral ao Fissurado Lábio Palatal (Afissur).

LÉO DE ALMEIDA NEVES


Idade – 81 anos
Profissão – Advogado

LÉO DE ALMEIDA NEVES nasceu em


Ponta Grossa, em 1932, e se formou em
Economia e em Direito, respectivamente pela
Faculdade de Ciências Econômicas do Paraná
(1953) e pela Universidade Federal do Paraná
(1954). Na UFPR, foi vice-presidente do CAHS.
Ainda muito jovem começou a atuar no PTB, galgando cargos em
diretorias municipais e estaduais e transmitindo o programa “PTB
em marcha”. Exerceu o jornalismo no jornal “Diário do Paraná”,
ao passo que também publicou artigos em outros veículos, como
Jornal do Brasil, Correio da Cidadania, Gazeta do Povo, Diário dos

255
Depoimentos para a História

Campos, Jornal da Manhã e Folha de Londrina. Desde os anos 1990


vem publicando obras sobre a política nacional.
Ao longo de sua trajetória Léo de Almeida Neves exerceu di-
versos cargos, na iniciativa privada (como a Companhia Cacique de
Café Solúvel) e em empresas públicas (Banco do Brasil, Banestado,
etc.). Mas, notabilizou-se por sua atuação na política institucional.
Até o golpe de 1964 e a extinção do PTB decorrente do AI-2 e da
implementação do bipartidarismo, Léo foi uma das principais lide-
ranças do trabalhismo em Curitiba, no Paraná e no Brasil. Na capital
paranaense foi o presidente do diretório municipal por cinco anos.
No estado, foi o secretário geral por nove anos. Ainda, foi eleito
vice-presidente e secretário geral da executiva nacional do PTB, no tempo
em que o partido era presidido pelo próprio Jango. Nesse período, Léo
também exerceu mandatos como deputado estadual, eleito em 1958, e
deputado federal, eleito como o candidato mais votado já do MDB, em
1966. Léo teve importante atuação em nível nacional também no partido
antagonista da ARENA, presidindo seu diretório de Curitiba e atuando
desde sua fundação, com importante trabalho de consolidação no estado.
Na ocasião do golpe, encontrava-se Léo no Rio de Janeiro,
retornando ao Paraná para participar das eleições de 1966. Bem
sucedido no pleito, sua atuação política no estado foi até março de
1969, quando teve seu mandado cassado com base no AI-5 e seus
direitos políticos suspensos por dez anos. A acusação era de que Léo
seria comunista. Mas, há tempos sua atuação política era monitora-
da, sendo registrada na DOPS sua participação em uma campanha
pela legalização do PCB e em um ato de repúdio à invasão de Cuba
pelos EUA, ambos anteriores ao golpe.
Suas atividades parlamentares irritavam o governo, haja vista sua
participação na CPI da desnacionalização (que disciplinava os investi-
mentos diretos de capitais estrangeiros no país) e da energia nuclear.
Um artigo jornalístico de 1968 colocava seu nome como forte candidato
a governador do Paraná pelo MDB, em uma possível eleição estadual,
sendo, portanto, uma liderança a ser combatida. Ademais, Neves já havia
enfrentando o regime abertamente, quando ingressou na Frente Ampla.
Léo foi beneficiado pela Lei de Anistia, em 1979, recobrando
seus direitos políticos. Eleito anteriormente para a suplência, em 1985
assumiu o mandato de deputado federal, agora pelo PMDB. Nos anos
1990 seria o suplente do senador Roberto Requião, pela mesma sigla. 

256
Resistência à ditadura Militar no Paraná

LEONARDO HENRIQUE DOS SANTOS


Idade – 73 anos
Profissão – Jornalista

LEONARDO HENRIQUE DOS SAN-


TOS, em sua juventude, participou da União
Londrinense dos Estudantes (ULE). Como
representante do movimento, Leonardo foi a
Cuba, em torno das festividades do segundo
aniversário da revolução (1961), onde se en-
controu com Fidel Castro e “Che” Guevara.
Passou a trabalhar no jornal trabalhista “Zero Hora”, e depois
de sua extinção no Diário do Paraná e Folha de Londrina. Logo,
ingressou também no telejornalismo. Na condição de jornalista,
Leonardo conta alguns casos que vivenciou envolvendo a censura
exercida sobre os meios de comunicação no período, como a presença
constante dos agentes da repressão nas salas de edição.
As memórias de Leonardo também abrangem outros elementos,
como o apoio prestado ao jornal Poeira, os fatos em torno da rede da
legalidade, do movimento separatista do Paranapanema e como foi o dia
do golpe em Londrina. Ele também reflete sobre certa tradição de rebel-
dia na cidade, responsável pela eleição de sucessivos políticos do MDB.

LÍDIA LUCASKI
Idade – 69 anos
Profissão – Ambientalista

Nascida em Araucária, estudou em um


colégio de freiras e depois na rede pública, na
escola Júlia Wanderley. LÍDIA LUCASKI recor-
da que desde pequena seu pai e avô discutiam
política, tanto nacional quanto internacional,
destacando-se os acontecimentos na Polônia.
À medida que ela ia se interessando por teatro, foi conhecendo os
universitários que promoviam as peças como parte de um projeto
de luta maior, ainda no começo dos anos 1960.

257
Depoimentos para a História

O golpe foi percebido em sua casa como um rompimento


do governo, algo de grande gravidade. Mas, “o pior mesmo foi em
1968 com o advento do AI-5 [...] Aí agente já tinha consciência da
gravidade desse regime de exceção no qual vivíamos”. Lídia residia
na CEUC e participava das reuniões, debates e das apresentações
teatrais realizadas no DCE, bem como de manifestações, comícios
relâmpagos e pichações. Chegou a ser levada várias vezes à DOPS,
prestar depoimento.
“Acho que eu era de confiança de vários núcleos, de várias
organizações, então me designavam diferentes tarefas”. Lembra que
frequentava a biblioteca do PCB e de como foi obrigada a deixar a
timidez para entrar nas salas anunciando que o “China” (Issamu Itu)
havia sido preso. Recorda-se dos momentos de tensão vividos quando
era designada para tirar perseguidos políticos de Curitiba, levando-os
para fora da cidade com veículos pessoais ou da UPE. “Cumpria a
função de motorista, pois poucos estudantes tinham carteira”.
Com o endurecimento do regime, sabendo que seria presa,
foi levada para o Rio de Janeiro de onde, a partir de contatos com
membros do PCB, da igreja e com Branca Moreira Alves, foi condu-
zida na clandestinidade para o Uruguai. Lá passou pouco tempo,
mudando-se para o Chile, depois Bolívia e Peru. Retorna ao Brasil
em 1973, após sua absolvição no processo que estava indiciada.

LÍGIA CARDIERI
Idade – 67 anos
Profissão – Socióloga

Sobrinha de Joaquim Câmara Ferreira,


o segundo na hierarquia da Ação Libertadora
Nacional (ALN) de Carlos Marighela, LÍGIA
APARECIDA CORRÊA CARDIERI começou aos
13 anos a frequentar as reuniões da Juventude
Estudantil Católica (JEC) em Bauru, no Estado
de São Paulo. Após um ano de intercâmbio nos Estados Unidos, Lígia
retorna ao Brasil em 1964, com o golpe militar consumado. Inspirada

258
Resistência à ditadura Militar no Paraná

pelo lado crítico e contestador da família, a ala comunista, ela decide


fazer vestibular para Ciências Sociais e acaba aprovada na USP.
Vivendo numa pensão de mulheres em São Paulo mantida pelo
lado Cardieri da família, exatamente o lado do da Tia Leonora e Câmara
Ferreira, ela participa do Movimento de Educação chamado de MOV, “um
grupo formado por pessoas que liam o mundo pelo lado do oprimido, de
várias correntes e tinham em Paulo Freire seu mentor”, afirma. Nessa
época, Lígia começa o casamento com Antonio Mendonça, de quem
passa a adotar o sobrenome, e vive em comunidades com outros casais.
“Toninho era um militante mais engajado. Eu era do MOV e tinha uma
militância estudantil. Nunca cheguei a me filiar ao PCB”, completa.
No final de 68, início de 69, Ligia e Toninho moram num
apartamento em São Paulo e estão se mantendo. A pedido de uma
prima, filha de Câmara Ferreira, empresta o apartamento para uma
reunião de integrantes da futura ALN. “Deixamos a chave e não
participamos. Foram oito encontros”. Com os assaltos a bancos e
sequestros promovidos pela organização, a repressão veio com tudo.
“Na manhã de 4 de Janeiro de 1970, a OBAN apareceu com fuzil no
apartamento e nos levou presos. Foi um horror”, lembra.
Foram quatro dias de completo isolamento, mais três semanas
até que a família pudesse visitá-la. “A tortura psicológica é tamanha
que a gente teme pela vida e tem a exata noção dos perigos que
rondam”, avalia. No total, foram dez meses no Presídio Tiradentes,
onde estava parte dos presos políticos.
Depois da prisão, a ficha no Dops impedia arrumar empregos ou
assumir cargos em concursos públicos. Com duas filhas, ficou difícil
para a família se manter em São Paulo. “Em 1976, mudamos para
Curitiba e recomeçamos a vida”. Contratada como socióloga no Ins-
tituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes),
Lígia mantém contato com os idealizadores da Escola Oficina e passa
a colaborar com o grupo. Em 17 de Março de 1977, ela é presa junto
com os integrantes da escola, caso que ficou conhecido como os 11
de Curitiba. Apesar da repercussão nacional que a prisão na mídia
ganhou, ela ainda ficou cinco dias presa na sede da Polícia Federal.
Em 1978, participa da campanha pela Anistia e começa a mi-
litar nos movimentos sociais de base e de gênero, com ênfase para a
Saúde da Mulher e a luta contra a desigualdade. Atualmente, Lígia
é Secretária de Saúde na Lapa.

259
Depoimentos para a História

LUIS CORDONI JR.


Idade – 67 anos
Profissão – Médico

A participação de LUIZ CORDONI JR.


na resistência democrática começa verdadei-
ramente em 1967 quando chega a Londrina
para cursar Medicina. “Eu já era de esquer-
da, integrava o movimento secundarista
em Botucatu, mas não pertencia a nenhum
partido ou organização clandestina”, relembra. Vindo do interior
de São Paulo, Cordoni não era a favor da luta armada.
Em 1968, na preparação para o fatídico Congresso da UNE em
Ibiúna, Cordoni era o responsável no campus de entregar as senhas
para a viagem. “Era muita ingenuidade nossa achar que nada ia
acontecer”, afirma.
Embora não integrasse oficialmente as fileiras do Partido comu-
nista Brasileiro (PCB), na UEL ele esteve bem próximo de seus inte-
grantes, participando ativamente de ações como pichações, transportar
pessoas e até dando guarida a perseguidos políticos pela ditadura.
Entre aqueles que ajudou a transportar estavam Narciso Pires
e Antonio Três Reis de Oliveira, ambos do PCB, este último assas-
sinado pela repressão em Maio de 1970 e permanece na lista dos
desaparecidos políticos.

LUIZ ALBERTO MANFREDINI


Idade – 63 anos
Profissão – Jornalista

O jornalista LUIZ ALBERTO MANFRE-


DINI começou sua atividade política aos 16
anos ao participar do grêmio estudantil no
Colégio Militar do Paraná. Ao ingressar na
AP, em reunião na casa da jornalista Teresa
Urban, Manfredini participou intensamente

260
Resistência à ditadura Militar no Paraná

das manifestações de 1968, inclusive da tomada da Reitoria em 14


de Maio pelos estudantes que protestavam contra os acordos MEC-
-USAID, pela liberdade de expressão e pelo fim da ditadura. Antes
disso, Manfredini já havia sido preso, em 1967, no Rio de Janeiro,
por atuação no movimento estudantil.
Foi preso mais três vezes, uma delas em 17 de Julho de 1969
em São Paulo pela Operação Bandeirante, aos 19 anos, sofrendo as
mais bárbaras torturas quando estava sob a custódia do Exército.
Morando na capital paulista com a esposa, Manfredini trabalhava
numa metalúrgica como estratégia da AP para mobilizar os operá-
rios para a luta contra o regime militar. O casal ficou 10 dias na
sede da operação, submetidos ao pau de arara e outras sevícias.
Liberados, Manfredini e a mulher vão para a clandestinidade.
“Naquela época, ser preso significava risco de vida”. Vigilância,
perseguição e medo. Essa era a rotina de um militante de qualquer
organização clandestina.
Ao retornar a Curitiba onde vai trabalhar como copydesk,
antigo revisor de textos jornalísticos no jornal O Estado de Para-
ná, Manfredini é preso novamente junto com Edésio Passos, ainda
em função do processo da AP. Na ocasião, o diretor de redação do
jornal, Mussa José Assis, vai até à Polícia Federal visitá-lo. “Sou
muito agradecido por este gesto”, enfatiza. Em 1973, todos são
absolvidos deste processo.
Em Março de 1978, já atuando como jornalista do Jornal do
Brasil e militando pelo PC do B, Manfredini está entre os envolvi-
do no caso da Escola Oficina, de ensino infantil, que a repressão
julgava ser uma escola que ensinava comunismo para crianças. A
prisão dos pais de alunos que mantinham a cooperativa de ensino
teve grande repercussão na mídia nacional e até internacional,
fazendo com que todos fossem logo liberados. Mas ainda assim,
foram processados.

261
Depoimentos para a História

LUIZ CARLOS DA ROCHA


Idade – 54 anos
Profissão - Advogado
 
Filho do renomado militante do PCB,
Espedito Rocha – que foi de Pernambuco para
o Paraná nos anos 1950 já filiado ao partidão
-, LUIZ CARLOS DA ROCHA, “Rochinha”,
nasceu em 1959, tornando-se presidente do
sindicato das indústrias químicas e suplente
de vereador pelo PTB, já com o retorno do multipartidarismo.
Se a atuação de Rochinha se restringiu aos anos finais da di-
tadura, suas memórias são fonte valiosíssima de informação sobre
a vida e a militância de seu pai. Lembra dos tempos da infância
quando Espedito alertava para os perigos que a Democracia brasileira
sofria e que, em decorrência do golpe, fugiram de Curitiba, assim
que souberam do ocorrido. Em Itaúna do Sul, onde já morava seu
tio, reorganizam suas vidas, e seu pai entrou na clandestinidade,
assumindo a identidade de Tibúrcio Melo.
Então, o velho Rocha continuou a atuar no PCB, dirigindo-o
e o organizando Brasil afora. Simultaneamente à operação Ma-
rumbi no Paraná, Espedito foi preso quando dirigia uma fazenda
do partidão no Mato Grosso do Sul, ficando detido por cerca de
quatro meses, período que desenvolveu diferentes problemas de
saúde. Um amigo da ARENA teria conseguido tirá-lo da prisão,
assumindo agora a identidade de Tadeu França e voltando a mi-
litar no PCB.
Rochinha atuou no período final da ditadura, participando
do movimento estudantil em Paranavaí no término dos anos 1970
e, em Curitiba, no CBA, MDB, PMDB e PCB. Teve como atribuição
trabalhar para consolidar a frente de oposição à ditadura e orga-
nizar células do partidão no interior do estado, sendo conforme
suas memórias um partido de quadros e não de massa. Rochinha
permaneceu por vários anos filiado ao PCB, mesmo quando parte
de seus membros optaram por alterar a sigla, fundando o Partido
Popular Socialista.

262
Resistência à ditadura Militar no Paraná

LUIZ DONADON LEAL


Idade – 53 anos
Profissão – Psicólogo

LUIZ DONANDON LEAL era estudante


de Psicologia na Universidade Estadual de
Maringá (UEM) quando em 1979 se aproxi-
mou do grupo que integrava o Partido Comu-
nista do Brasil (PC do B), a maioria dissidente
de organizações de esquerda que atuavam no
Paraná. Entre eles o jornalista Luiz Alberto Mafredini e José Ferrei-
ra Lopes, o Dr. Zequinha, ambos dissidentes da AP, que buscavam
novos contatos para organizar a resistência na região de Maringá.
Era do PC do B as bases do movimento estudantil da UPES e
UNE, que estavam se reorganizando. “O PC do B organizava cursos
de formação com estudos sobre o marxismo. Eram tempos de pré-
-legalização da organização e havia muita movimentação na UEM
no começo dos anos 80”, enfatiza.
Fundador do primeiro Centro Acadêmico de Psicologia da UEM,
Luiz Donadon militava no movimento estudantil e participava de
projetos sociais, “com a criação de associações de moradores que
fazia a ligação entre universidade e sociedade”, destaca. Para ele, o
resultado foi uma ampla troca de apoio para as lutas emblemáticas
daquele momento como a gratuidade do ensino na UEM e a cam-
panha das Diretas Já.

LUIZ EDSON FACHIN


Idade – 55 anos
Profissão – Professor

A paixão pela literatura desde o ginásio


despertou em LUIZ EDSON FACHIN um inte-
resse pela leitura de textos políticos, especial-
mente os referentes às causas sociais. Filho
de um pequeno agricultor e de uma professo-
ra, foi no movimento estudantil secundarista

263
Depoimentos para a História

que Fachin encontrou seu caminho para mudar a sociedade. Foi


secretário da UPES e participou ativamente da entidade entre os anos
de 1975 e 76. “Naquela época, o movimento secundarista não era
protagonista, pois era formado pelos filhos do AI-5. A agitação estava
no universitário, que se concentrava nas grandes cidades”, destaca.
Quando deixa Toledo, no interior do Paraná, para cursar Di-
reito na Universidade Federal do Paraná em Curitiba, Fachin está
entre as lideranças do movimento estudantil que iriam somar forças
para lutar na defesa dos Direitos Humanos no Comitê Brasileiro
pela Anistia (1979), pelas Diretas Já (84) e pela Assembleia Nacional
Constituinte (88). “A luta pela conquista do estado democrático pas-
sava pela reforma agrária e na Constituinte eu me engajei”, afirma.
Indicado para integrar a Comissão Estadual da Verdade,
organizada em 2013, Fachin ressalta a importância do resgate da
memória histórica das lutas: “As novas gerações precisam saber das
atrocidades que foram praticadas pelo Estado”.

LUIZ FERNANDO ESTECHE


Idade – 56 anos
Profissão – Jornalista

Nascido em Guarapuava em 1957,


LUIZ FERNANDO ESTECHE iniciou seu mi-
litância no movimento estudantil pelo viés
cultural no grêmio estudantil com a poesia.
Chegou a presidente da união municipal de
estudantes e em 1979 é eleito presidente da
União Paranaense de Estudantes Secundaristas (UPES). Manti-
nham o Jornal Argumento, que além de incentivar reflexões com
franca inspiração oposicionista ao regime militar, também promo-
viam eventos. “Trouxemos para uma palestra Ferreira Goulart logo
após o retorno do exílio”, lembra.
Naquele período, o Decreto 477/69, chamado de AI-5 das
universidades, ainda estava em vigência e impedia qualquer tipo de
organização política nas instituições de ensino, seja de estudantes,
professores e funcionários.

264
Resistência à ditadura Militar no Paraná

Engajado na luta pela democratização da universidade, Esteche


também se integra no Comitê Brasileiro pela Anistia em Curitiba,
influenciado pelo Professor Luiz Edson Fachin, onde mantinha con-
tato com as diversas organizações políticas como o MR-8, PCdoB e
o PCB, este com mais identificação.
Quando surge o Partido dos Trabalhadores (PT), Esteche já está
em de volta a Guarapuava onde atua como Jornalista e se envolve
nos movimentos sociais, com a luta dos trabalhadores rurais e as-
sociações de moradores na região. Pertence ao PT até hoje e nunca
abandonou a poesia.

LUIZ GERALDO MAZZA


Idade – 82 anos
Profissão – Jornalista

Formado em Direito no ano de 1954,


organizou e participou ativamente de mani-
festações de rua do período, do Sindicato dos
Jornalistas Profissionais do Paraná e do Par-
tido Socialista Brasileiro (PSB). Envolveu-se
em movimentos como dos trabalhadores da
limpeza pública, contra o aumento da tarifa do transporte coletivo,
contra o imperialismo estadunidense e contra a carestia.
Durante a Ditadura, envolveu-se nos processos eleitorais,
apoiando o MDB. Respondeu a Inquérito Policial Militar aberto contra
os jornalistas do Última Hora já em 1964, enfrentando longo período
de desemprego formal.
Em seu depoimento, Mazza relembra a perseguição que ele e outros
jornalistas sofreram: “Eu fui atingido pelo lado institucional em 1964,
o Ato nº I, em que o governador Ney Braga seleciona algumas pessoas,
muitos jornalistas, para afastar do serviço público, colocando em dis-
ponibilidade”. Além de jornalistas, foram atingidos outros funcionários
públicos como, por exemplo, promotor Noel Nascimento, que tinha um
posicionamento muito forte contra o regime de exceção recém-instalado.
“Fomos afastados do serviço público. Houve alguns casos de
tortura, principalmente do pessoal mais determinado, o pessoal de

265
Depoimentos para a História

Londrina nessa época. Mas as coisas complicam depois de 68. Aí é


que o quadro complica”, afirma.
Com mais de 60 anos de atividade no jornalismo paranaense,
Mazza continua ativo na profissão, trabalhando em rádio e jornal,
sempre com seu viés crítico, ácido muitas vezes, mas sem nunca
perder o espírito combativo que o caracteriza. Respeitado por todas
as tendências ideológicas, é testemunha privilegiada da história
política do Paraná.

LUIZ HENRIQUE BONA TURRA


Idade - 52 anos
Profissão – Advogado

LUIZ HENRIQUE BONA TURRA vem de


uma família de políticos vinculada ao PTB e,
posteriormente, ao MDB. Bona Turra divide
sua relação com o período de exceção na
parte que o viveu como testemunha e outra,
já no final dos anos 1970, como partícipe da
resistência. Suas memórias infantis e juvenis perpassam as expe-
riências de seus parentes na política institucional do período, seja
nas reuniões realizadas na residência de seus pais e avós, seja nas
candidaturas pleiteadas.
Sua participação política direta se inicia já em período
avançado da “distensão lenta, gradual e segura”, com as pri-
meiras atividades estudantis e a publicação de um artigo em
1979, no qual questionou o conceito de “crimes conexos” da Lei
de Anistia. No movimento estudantil, assumiu a presidência da
União Paranaense dos Estudantes (1982) e posteriormente da
juventude estadual do MBD, já como membro do Partido Comu-
nista do Brasil.
Foi uma das lideranças da campanha pelas Diretas Já e se
tornou membro do Conselho Estadual de Educação, contribuindo
para sua maior combatividade. Findado os anos obscuros da Ditadu-
ra, Bona Turra foi eleito deputado estadual e se tornou procurador
geral da União.  

266
Resistência à ditadura Militar no Paraná

LUIZ SALVADOR
Idade – 73 anos
Profissão – Advogado

LUIZ SALVADOR, quando jovem, veio


com sua família do interior de São Paulo para
a pequena Assaí, cidade de colonização japone-
sa no norte do Paraná, onde presidiu a União
Estudantil, tomando então conhecimento “das
questões humanas, sociais e políticas”.
Aprovado em concurso público, torna-se bancário em Curitiba,
onde participa da Greve de 1967 e assume o sindicato da categoria,
sendo posteriormente cassado pela Ditadura. Concomitantemente,
ao concluir o curso universitário em 1972 passa a advogar em defesa
dos trabalhadores, moradores de periferia e presos políticos.
Foi um dos advogados dos detidos durante o desmantelamento
do PCB no Paraná, em 1975, durante a Operação Marumbi, expondo
com brilhantismo os percalços da defesa jurídica dos presos políticos
diante das arbitrariedades da justiça de exceção.
Incansável, atuou também na formação das associações de
moradores nas zonas de ocupação e na criação do Partido dos Tra-
balhadores, no Paraná.

MANOEL BARBOSA
Idade – 56 anos
Profissão – Advogado

MANOEL VALDEMAR BARBOSA FI-


LHO começa sua militância política em
1976, muito influenciado pelo pai, sargen-
to da Polícia do Exército preso em 64 por
participação no Grupo dos 11 de Leonel
Brizola no Rio Grande do Sul. Com a família
instalada na Lapa, Barbosa vem para Curitiba para cursar Letras

267
Depoimentos para a História

e morar na Casa do Estudante Universitário (CEU). Tem contato


com o PCB e a Libelu. Inicia intensa militância na resistência,
participando das reuniões, passeatas, pichações e ações do Comitê
de Defesa da Amazônia e Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA),
entre outros movimentos.
Já engajado no PCdoB, Barbosa era responsável pela distribui-
ção da Tribuna da Luta Operária, ‘junto com o ‘camarada Andrade’,
Antonio César Andrade. “Íamos buscar o jornal na transportadora
e depois vender no centro”, relembra. Por conta desta atividade,
Barbosa foi preso ou detido dezenas de vezes. “Parei de contar na
quadragésima detenção”, brinca.
De todas as prisões, Barbosa destaca duas em seu depoi-
mento: Em 22 de Março de 1982, ele e Andrade foram presos
na Praça Rui Barbosa hasteando a bandeira do PCdoB para
comemorar os 60 anos de fundação do partido e que estava na
ilegalidade. A internacional prisão teve repercussão internacio-
nal. “Na Polícia Federal, o interrogatório era para saber de onde
tinha vindo a bandeira, se de Cuba ou de Moscou”, rememora.
Esta prisão o abalou psicologicamente, pois presenciou o com-
panheiro Andrade sendo agredido fisicamente e teve a família
ameaçada pelos agentes federais.
Mesmo abalado, Barbosa continuou a participar das mani-
festações, de greves de sindicatos, das campanhas pela Anistia e
Diretas Já. E foi numa destas manifestações, quando estava co-
lando cartazes para pedir a libertação de estudantes presos pela
ditadura, ele e mais 40 militantes de diversas correntes foram
presos: “Foram sete dias incomunicáveis, dos dez em que ficamos
presos em celas separadas, luz acesa e muito medo com o que podia
acontecer com a família”.
Casado com Matsuko Mori Barbosa, companheira de mili-
tância no PCdoB, Barbosa se formou em Direito em 1985, chegou
a presidir o partido em Curitiba e começou a trabalhar com sin-
dicatos na área trabalhista. Até hoje acredita que o socialismo é o
futuro da humanidade.

268
Resistência à ditadura Militar no Paraná

MANOEL DE ANDRADE
Idade – 73 anos
Profissão – Advogado e Poeta

Em outubro de 1968, um poema exaltan-


do um ano da morte de Ernesto Che Guevara
transforma a vida de MANOEL DE ANDRADE,
nascido em 1940 em Rio Negrinho, cidade de
Santa Catarina, já diplomado em 65 em Direito
pela Universidade Federal do Paraná, casado e
pai de uma filha de seis anos. Com a ode ao revolucionário que pregava
a luta armada para combater ditaduras, Manoel teve o poema mimeo-
grafado em quatro mil cópias que foram distribuídas fartamente pelos
amigos nas universidades, sindicatos, entidades ligadas a movimentos
sociais e onde houvesse um grupo de resistência ao Regime Militar. Foi
o que bastou para despertar na repressão o interesse pelo autor dos
versos, considerado ‘subversivo, terrorista e perigoso’.
“Eu era um poeta engajado, um militante da poesia, e me
transformei em refugiado”, lamenta Manoel. Para fugir da persegui-
ção e possível prisão, deixou mulher e filha e iniciou um autoexílio
em março de 69 no Paraguai, depois passando por Argentina, Chile,
Bolívia, Peru e Equador.
Nesse périplo pelos países da América Latina, Manoel sobrevive da
solidariedade dos apoiadores aos exilados políticos, e da poesia, ainda
engajada, editada em livretos e livros, além de palestras para jovens nas
universidades que também lutam contra governos opressores. No Peru,
é preso por quatro dias por suas críticas contidas em sua produção
literária e é expulso para o Equador. Quase quatro anos depois, em
final de 1972, volta ao Chile e recebe no exílio a visita da esposa, que
com o sogro, senador brasileiro, negocia o retorno ao Brasil.
Para voltar, lembra Manoel, a condição era ficar longe da poesia
e da política. “Para sustentar a família, fui vender a Enciclopédia
Delta Larousse no interior do Paraná”, conta Manoel, que mesmo
assim ainda era vigiado pelos agentes da repressão. Em seu depoi-
mento, Manoel Andrade conta como foram os tempos de autoexílio
e os 30 anos longe da poesia e da militância política, já que somente
em 2002 volta a escrever poemas, sempre engajados.

269
Depoimentos para a História

MARCELO JUGEND
Idade – 61 anos
Profissão – Consultor

MARCELO JUGEND nasceu em 1952.


Desde pequeno conviveu e foi influenciado pelo
pensamento e prática política progressista de
seu pai, Chaim Israel Jugend, que foi um dos
principais artífices da Sociedade Cultural Isra-
elita Brasileira do Paraná (SOCIB) – entidade
caracterizada pelo posicionamento de esquerda. A atuação política
de Marcelo remonta aos anos no CEP, quando já em plena Ditadura
atuou junto ao movimento secundarista, por meio do qual também
participava do movimento estudantil mais amplo e combativo, vin-
culado à UPE. Lembra de uma frase muito significativa proferida por
seu pai em uma conversa telefônica, na ocasião do Golpe de 1964:
“- Fomos derrotados”. Pouco mais tarde, por sua estatura, passou a
integrar o grupo de segurança das passeatas, que seguia na frente
das lideranças de braços dados para impedir sua prisão.
Vigiado, com a prisão da principal liderança secundarista do
CEP, Marcelo decidiu se afastar das lutas quando seu companheiro
lhe contou que teve que mencionar seu nome às autoridades. De
forma exímia, em sua narrativa se define como parte de uma “geração
esmagada”, que ao entrar na universidade nos Anos de chumbo se
deparou com um vácuo de militância, uma interrupção na corrente
de transferência das experiências, e se viu sem possibilidades de
atuação política efetiva. Diz ele: “- Na medida do possível, fazíamos
pequenos atos de resistência, como na formatura”, em 1974, quando
escreveram e proferiram um discurso carregado de críticas veladas
ao regime. Lembra Jugend que, com o surgimento do Movimento
pela Anistia, já mais próximo do final da década, encontrou uma
brecha, “rachaduras na hegemonia da Ditadura”, para manifestar
sua indignação e ter uma atuação mais incisiva.
“Entrou de cabeça” nessa luta “que o regime não pode sufocar
e a população pode expressar indignação, inconformismo, sem poder
ser calada”. Dias antes da outorga da Lei de Anistia “que até hoje
causa polêmica em nosso país”, foi eleito presidente da seção para-

270
Resistência à ditadura Militar no Paraná

naense do Comitê Brasileiro pela Anistia, em um momento no qual a


organização rapidamente refluiu e se dispersou diante da conquista.
Nesse contexto, foi recrutado e ingressou nas fileiras do Par-
tido Comunista Brasileiro, com a incumbência de participar de sua
reorganização após a desarticulação promovida pela Operação Ma-
rumbi, em 1975. Pelo PCB, militou contra o que restava da Ditadura
nos anos seguintes e por causas populares, como o movimento dos
moradores sem teto. Chegou a ser candidato à prefeitura de Curitiba
e participou como delegado do Congresso que optou pela criação do
Partido Popular Socialista (PPS), decepcionando-se mais tarde com
os rumos tomados e aderindo ao Partido dos Trabalhadores.

MARCELO OIKAWA
Idade – 62 anos
Profissão – Jornalista

MARCELO EISI OIKAWA conviveu


desde pequeno com importantes lideranças
comunistas locais e não tardou para que
iniciasse sua atuação política em Londrina,
entre os anos 1960 e 1980. Envolveu-se, so-
bretudo, com o Movimento Estudantil (ME)
e, clandestinamente, com o Partido Comunista do Brasil, inclusive
no começo dos anos 1970, quando as esquerdas armadas já haviam
sido desarticuladas e parecia que o regime não teria fim. Foi um
dos primeiros membros e principais articuladores do grupo Poeira,
que dirigiu o DCE da UEL por anos a fio e deve sua fama ao jornal
editado de meados da década em diante.
As memórias de Oikawa percorrem caminhos que se iniciam
com a Guerrilha de Porecatu e vão até o final do regime de exceção
no Brasil, iluminando as especificidades de uma Londrina que, em
alguns aspectos, vivia em descompasso com o restante da nação.
Falando das atividades protagonizadas em sua cidade nos Anos de
Chumbo, Marcelo revela a profusão e intensidade de ações políticas
em contraposição à desarticulação do ME Brasil afora.

271
Depoimentos para a História

Inclusive, lembra como os estudantes londrinenses estiveram


à frente das tentativas de reorganização do movimento, tanto no
começo da década quando não encontraram outros grupos organi-
zados, quanto em seu final, já em um contexto de ressurgimento
do ME em todo país.
Tamanha é a disparidade temporal dos acontecimentos em
Londrina que, já muito próximo da Lei de Anistia, quando o país ca-
minhava para a redemocratização, o próprio Oikawa foi tardiamente
preso e condenado com base na Lei de Segurança Nacional, sendo
logo Anistiado. Se nas demais universidades do país os estudantes
acumulavam vitórias, o DCE da UEL foi invadido e interditado so-
mente no começo dos anos 1980.

MARCO ANTONIO FABIANI


Idade – 57 anos
Profissão – Médico

Um ano após o ingresso na Universida-


de Estadual de Londrina (UEL) em 1975 para
cursar Medicina, MARCO ANTONIO FABIANI
se integrou ao grupo do DCE que organizava
o movimento estudantil. O Jornal Poeira,
catalizador de todas as discussões políticas
e enfrentamentos à ditadura na UEL e outras instituições de ensino
onde havia resistência. Em 76, os estudantes elegem uma nova direção
para o DCE e Nilson Monteiro, aluno do curso de Jornalismo, é eleito.
“O ambiente de repressão era muito forte e a posse do Nilson
ficou marcada pela prisão de um professor do curso da Medicina,
Professor Nelson, denunciada no discurso”, relembra. Para Fabiani,
“foi um ato de coragem da nova direção romper com a reitoria, que
chegou a criar uma polícia interna, que apelidamos de Swat, numa
ironia ao seriado americano de sucesso na época, para nos reprimir”.
A invasão do DCE e o sequestro da máquina que imprimia o
Poeira foram dois dos episódios de truculência que marcaram Fa-
biani. Por sua militância chegou a ganhar o apelido de ‘Vermelho’,
embora nunca tenha sido formalmente filiado ao PCdoB.

272
Resistência à ditadura Militar no Paraná

MARIA APARECIDA ARRUDA


Idade – 70 anos
Profissão – Professora

Conhecida como Cidinha Arruda,


MARIA APARECIDA PIMENTEL ARRUDA
começou a militância política na oposição
à direção da Associação dos Professores
do Paraná (APP 4ª. Região), na regional de
Maringá. Após ser convidada pela professora
Neusa Leitão para participar da chapa de oposição e ser oradora
de uma assembleia de professores em 1979, Cidinha passa a
visitar as 36 escolas de Maringá promovendo discussões sobre
as propostas da chapa, que acabou sendo vitoriosa com Neusa
eleita presidente.
O trabalho na base fez com que o nome de Cidinha fosse indi-
cado para a presidência, quando Neusa Leitão deixou a direção por
problemas de saúde. “Eu assumi e fui acusada de ser presidente
biônica, o que me rendeu uma perseguição dos dirigentes das demais
APPs que chegaram a me expulsar da entidade”.
Em setembro de 1980, os professores do Paraná fazem uma
greve que durou 20 dias e teve adesão total em Maringá, onde todos
estavam mobilizados e tivemos grandes conquistas. Os professores
ficaram dias acampados em frente ao Palácio Iguaçu, na capital,
e foram retirados com truculência pela polícia. “Havia um grande
descontentamento com a ditadura e com a atuação da APP em de-
fesa dos interesses dos professores”, afirma. Quando neste ano foi
deflagrada uma nova greve no Estado que durou 27 dias, ela man-
tinha os professores de Maringá mobilizados contra o governo que
não cumpriu a pauta de reivindicações da categoria.
Em 1988, Cidinha estava entre os professores que em 30 de
agosto foram recebidos pela polícia militar e a cavalaria do Gover-
no Álvaro Dias em frente ao Palácio Iguaçu. Em seu depoimento,
Cidinha narra a luta dos professores para avançar nas conquistas
para a categoria, no fortalecimento da entidade e na resistência e
combate à ditadura.

273
Depoimentos para a História

MARIA DE FÁTIMA FERREIRA


Idade – 70 anos
Profissão – Assistente Social

MARIA DE FÁTIMA DE AZEVEDO FER-


REIRA nasceu em uma pequena cidade no
interior do nordeste brasileiro, em 1943, em
uma família com intensa participação política,
que rivalizava com outra do local. Quando
muito jovem, já participava das agitações es-
tudantis na diminuta Garanhuns, Pernambuco, vinculadas à igreja
e à “direita”. Contrariando a vontade da família, foi a Recife estudar,
então com dezessete anos. Recém-admitida na faculdade de serviço
social, ingressou na Juventude Estudantil Católica (JUC), e depois
na Ação Popular (1965), ampliando sua participação na vida política.
Fátima lembra em detalhes da recepção do Golpe em Recife,
quando ela e um companheiro ficaram nas ruas panfletando e de-
nunciando o ocorrido, até participarem das manifestações no centro,
dispersas à bala pela repressão. Com o curso concluído, “integrou-se”
como operária em uma fábrica de tecidos, chegando a dirigir uma
greve e a participar dos relevantes movimentos trabalhistas de 1968.
Integrando a direção da AP, Fátima se deslocou para São Paulo
e aderiu ao PCdoB, em meio ao processo de fusão das duas entida-
des. Após essa estada junto à pauliceia, transferiu-se para Jequié,
Bahia, onde buscou juntamente com seu companheiro, “Zequinha”,
integrar-se com a população e averiguar as condições para prepara-
ção de um novo foco guerrilheiro rural. Lá ficaram até a Chacina da
Lapa, quando foram obrigados a se mudar novamente, retornando a
Pernambuco. Foi condenada, à revelia, a três anos de prisão e à per-
da dos direitos políticos por cinco, sendo posteriormente Anistiada.
Continuou militando ao final da ditadura, passando pela
CUT e CTB.  Chegou, inclusive, a presidir o Conselho Federal de
Serviço Social e o Conselho Nacional de Seguridade Social. Até hoje
Fátima integra o PCdoB, e cerra ombros com as companheiras da
UBM. As memórias dessa militante aguerrida se estendem desde os
prenúncios do golpe até os dias de hoje, transitando por caminhos
e fatos surpreendentes.

274
Resistência à ditadura Militar no Paraná

MARIA RAMOS ZIMMERMANN


Idade – 86 anos
Profissão – Aposentada

Esposa e mãe de militantes políticos


de esquerda, MARIA RAMOS ZIMMERMANN
nasceu em 1927 e nunca pertenceu a ne-
nhuma organização. Porém, é possível dizer
que Dona Nina, como é carinhosamente
conhecida, foi uma das milhares de pessoas
que sentiram o peso da ditadura e resistiram ao regime militar com
bravura e incansável determinação.
Casada com o militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB)
Hilton Zimmermann com quem teve quatro filhos, Dona Nina não se
intimidou com os ‘milicos’, quando o marido foi preso em Blumenau
no 31 de março de 1964 e levado para quartel do Exército, primeiro,
e três dias depois transferido para Florianópolis. “Durante seis meses
eu fui a Florianópolis levar roupas e comida para meu marido, até
que ele foi transferido para Curitiba, onde eu também ia visitá-lo no
Presídio do Ahu”, relembra.
Até o marido ser libertado em abril de 1965, Dona Nina man-
tinha o sustento da família com o trabalho de diarista, lavando roupa
de outras famílias e fazendo pães e biscoitos para vender. “Quando
ele saiu, não tinha jeito de arranjar emprego em Blumenau e aí de-
cidimos viver em Curitiba”, recorda.
Processado e diante de uma iminente condenação de dez anos,
Hilton vai para São Paulo viver na clandestinidade. Quando o filho
mais velho Pedro Airton, começa na militância política na Ação Po-
pular (AP) também em São Paulo, Dona Nina já sabia o que estaria
por vir. “Eu era vigiada e perseguida porque o Hilton estava clan-
destino em São Paulo. Os agentes procuravam informações do pai e
do filho”. Em 71, os dois foram presos pela Operação Bandeirantes
(OBAN) e torturados na sede do Dops.
Transferidos para Curitiba, Dona Nina descobre o paradei-
ro dos presos, que estavam na Delegacia de Santa Quitéria, local
utilizado pela repressão para abrigar os presos políticos. “Arrumei
uma sacola de roupas, fiz uma trouxa com pães e biscoitos e sai de

275
Depoimentos para a História

madrugada. Encontrei um taxista, contei o que estava acontecendo


e dei a ele todo o dinheiro que tinha. Ele me levou até lá e me deixou
uma quadra antes. Quando cheguei perto do muro da delegacia eu
gritei o nome do meu filho e ele estava lá. Sujo e faminto”.
O depoimento de dona Nina é o relato de uma mãe que sempre
esteve ao lado do marido e dos filhos, “mesmo sem nem saber o
significado da palavra comunista”. Ela fala da morte do filho mais
novo, Paulo Airton, encontrado morto em 06 de Outubro de 1980
por enforcamento dentro do quartel em Cuiabá. Sua morte foi atri-
buída a suicídio; em 10 de Novembro de 1983, Pedro Airton, que
havia se estabelecido como empresário em Curitiba, é assassinado
por assaltantes na porta de empresa. Hilton, que continuou na
militância em defesa dos Direitos Humanos, morreu aos 76 anos
em Curitiba de causas naturais.

MÁRIO BACELLAR FILHO


Idade – 58 anos
Profissão – Funcionário Público

Em meados dos anos 70, MÁRIO JOSÉ


DE RAUEN BACELLAR FILHO inicia sua par-
ticipação política quando entra em Medicina
na Universidade Federal do Paraná (UFPR),
curso que acabou não concluindo. “Lia jornais
alternativos, tinha acesso à informação e ia a
palestras e eventos que ajudavam a esclarecer minhas ideias”, recorda.
Em 78, Bacellar destaca uma palestra do antropólogo Darci
Ribeiro, que reuniu o pessoal progressista de esquerda e serviu para
formar a convicção de muitos dos estudantes presentes de que era
possível derrubar a ditadura. “Na Igreja do Guadalupe, íamos dis-
cutir a Anistia no CBA, a questão indígena, a reconstrução da UNE,
entre tantas outras lutas”.
No final de 1979, após participar da Fração Operária Comu-
nista (FOC) e com Claudio Fajardo estudar o marxismo e outras
teorias políticas, Bacellar toma a decisão de somar esforços com o
grupo que militava no MR-8. Entre todas as ações de resistência,

276
Resistência à ditadura Militar no Paraná

recorda com detalhes da prisão de companheiros numa pichação.


“Eu era responsável pela segurança, devendo ficar distante da
ação. Foi tudo muito rápido, a polícia chegou e levou todo mundo.
Não tive tempo de avisar. Corri para um orelhão e liguei para os
advogados”, lamenta.
Outro episódio dessa época que Bacellar trata em seu de-
poimento foi a viagem a Moscou em 1985 para participar do 12º
Festival Mundial da Juventude como representante do movimento
estudantil. “Foi uma experiência rica para mim, pois reforçou todos
os ideais que me levaram à luta”, observa Bacellar, que atualmente
milita no Partido da Pátria Livre (PPL).

MÁRIO LUIZ ANTONELLO


Idade – 55 anos
Profissão – Economista

Começou sua militância na década de


1970 no movimento estudantil no Sudoeste
do Estado do Paraná. “Eu era cristão e me
acusaram de ser comunista por agitar o grê-
mio. Conheci o comunismo e gostei”, afirma
Mário Antonello, hoje economista e servidor
público estadual. Ainda no Sudoeste, esteve à frente da Escola de
Liderança, entidade ligada à Igreja Católica que fomentava discus-
sões políticas entre os jovens.
Filiou-se ao MDB e foi recrutado para integrar o MR-8, quando
já morava em Curitiba. Para Antonello, “de toda a luta, o que ficou
foi a liberdade”.

277
Depoimentos para a História

MARLENE ZANNIN
Idade – 58 anos
Profissão – Advogada Ambiental

MARLENE ZANNIN é natural de Urus-


sanga, Santa Catarina. Ela chegou a Curitiba,
em 1974, e se envolveu com a organização
MR-8, quando esta já havia feito uma auto-
crítica da luta armada e aderido ao projeto de
trabalho junto às massas. A área de atuação
de Zanin foi, sobretudo, o Movimento Estudantil de meados dos
anos 1970 em diante, destacando-se sua atuação na reconstituição
do DCE da UFPR. Em decorrência de seu engajamento político, ela
teve rápidas passagens pela prisão, em 1980 e 1981.
Com uma campanha baseada no contato direto com a po-
pulação, subindo nas floreiras da Rua XV para discursas, Zanin
conseguiu se eleger vereadora pelo PMDB em 1982, exercendo seu
mandato em prol da redemocratização do país e dos movimentos
populares, como o de moradores da periferia e das mulheres. 

MATSUKO MORI BARBOSA


Idade – 55 anos
Profissão – Enfermeira

Filha de imigrantes japoneses, MAT-


SUKO MORI BARBOSA chega em 1979 em
Curitiba para cursar Enfermagem na Univer-
sidade Federal do Paraná e contra um clima
de efervescência no movimento estudantil.
“Eu era alienada, não entendia bem o porquê
das manifestações, passeatas, greves e toda aquela agitação. Nessa
agitação, aproximei-me do grupo que organizava o centro acadêmico
da Enfermagem e comecei a participar”, lembra.
Entre as lideranças que mobilizavam as atividades de protesto
pela melhoria da qualidade do ensino e de luta contra a ditadura

278
Resistência à ditadura Militar no Paraná

estavam Vitor Moreschi, diretor da UNE, Zenir Teixeira, da UPE,


e Tosca Zamboni, do DCE, entre outros. Foi neste contexto que
Matsuko conheceu o estudante de Letras à época, hoje advogado,
Manoel Barbosa, que se torna seu companheiro e a leva para o
PCdoB. Juntos distribuíam o Jornal Tribuna da Luta Operária,
participavam de ações organizadas pelo partido e militavam pela
Anistia, Diretas Já e o fim da ditadura. Em março de 1982, Mat-
suko chegou a ser detida com um grupo colando cartazes na Rua
XV pedindo a libertação de dois integrantes do PCdoB, um deles
Barbosa, que tinham sido presos por colocar uma bandeira do
partido, ilegal, na Praça Rui Barbosa.
Entre os detidos estava Narciso Pires que não integrava o PC-
doB, mas estava apenas apoiando a ação. “O Narciso foi fundamental
para a libertação dos estudantes, organizando passeatas diariamente
denunciando a prisão que durou 10 dias”, destaca. No ano seguinte,
já casada com Barbosa, Matsuko vai morar na casa dos companhei-
ros Rosi Vilas Boas e Silvestre Duarte, que são enviados pelo partido
para conhecer a experiência comunista na Albânia. “Foi um período
interessante, com o povo nas ruas pedindo Diretas Já, Assembleia
Nacional Constituinte e lutando pela Democracia”.
Em seu depoimento, Matsuko fala dos avanços conquistados,
“mas do muito que ainda temos que avançar para termos uma socie-
dade mais justa e igualitária”. Conta como se engajou no movimento
de mulheres, é da direção da União Brasileira de Mulheres (UBM),
e como ainda acredita “no socialismo como única alternativa para
superar a opressão do capitalismo”.

MAURICIO REQUIÃO DE MELLO E SILVA


Idade – 59 anos
Profissão – Professor
 
Nascido em 1954 em uma família de
políticos tradicionais do Paraná, MAURÍCIO
REQUIÃO DE MELLO E SILVA  cresceu acom-
panhando em sua casa visitas e discussões de
homens públicos, estudantes, intelectuais e ar-
tistas. Também se formou ouvindo as histórias

279
Depoimentos para a História

dos irmãos mais velhos envolvidos no movimento estudantil. Já


sob a ditadura, um grupo se refugiou em sua casa, acompanhando
Roberto Requião, e seu outro irmão, Eduardo, foi preso no Rio de
Janeiro pela repressão.
Quando Maurício entrou no CEP, entre o final dos anos 1960
início dos 1970, não encontrou nem vestígios da política estudantil,
que teve seu ápice e desaparecimento brusco em 1968. Lembra que,
nesses anos sufocantes as notícias que acompanhava pela rádio
sobre o Chile eram um bálsamo até a queda de Allende, quando,
decepcionado, arrancou alguns panfletos espalhados pelo colégio se
regozijando do ocorrido.  
Entrou na faculdade, em 1974, carregando essas experiên-
cias e o desejo de “fazer política, como haviam feito meus irmãos
mais velhos”. Realizando esse intuito, ainda na segunda metade
do ano, acercou-se do DARP, uma das raras entidades com posi-
ções progressistas que congregava estudantes de todos os cursos.
Recorda de um ambiente com alguns jovens socialistas e vários
contrários à ditadura, mas com a maior parte das entidades de
direita ou despolitizadas. Havia o jornal “O Chato”, que discutia
questões nacionais e da universidade. Nele Maurício publicou al-
gumas matérias.
No final de 1974, o DARP teria encampado algumas lutas dos
estudantes do setor e realizado um movimento contra o trote e o
sistema de seleção para a universidade e em prol de uma recepção
politizada dos calouros. Fizeram até um filme sobre esses temas.
Focados na luta pela Democracia e organização estudantil autôno-
ma, diziam para os calouros que nem havia o que comemorar. O
DARP era um espaço político aberto para a oposição, que apoiava
os movimentos sociais e reagia à ditadura e aos sequestros e pri-
sões que operava.
Maurício recorda que, seu grupo chegou a perder as eleições
para uma chapa alinhada com o governo, retomando-a mais tarde
ao passo que surgiam outros grupos e entidades que opunham
resistência ao regime. Sua militância, portanto, orbitou em torno
do DARP e do movimento estudantil de meados e final dos anos
1970, ainda antes deste crescer e retomar as ruas no final da dé-
cada. Nesse processo, fazia parte de um grupo da PO, que pautava
suas intervenções junto aos estudantes: “queria ser a esquerda

280
Resistência à ditadura Militar no Paraná

da esquerda, contra o PCB reformista [...] nós nos achávamos re-


volucionários, queríamos o confronto com as autoridades [...] Não
achavam que a defesa das liberdades burguesas fosse revolucio-
nária”. Tinham uma “visão economicista”. Maurício participaria
ainda do movimento estudantil no Rio de Janeiro, do malfadado
encontro nacional dos estudantes em Belo Horizonte e da retomada
do DCE da UFPR.

MIGUEL COVELLO
Idade – 57 anos
Profissão – Inspetor de Saneamento

A vida de Miguel Covello é marcada por


uma manhã de 1971 quando foi preso aos 15
anos pelo Doi-Codi em Curitiba. Levado para
a Praça Rui Barbosa presenciou as torturas
que os amigos de colégio eram submetidos
pela polícia política como choques, socos,
banho gelado e todo tipo de humilhações.
Algemado na cela, apanhou para falar de organizações, apa-
relhos e entregar nomes. “Eu era uma criança que soltava pipa,
andava de bicicleta, não sabia nada daquilo”, conta Miguel. Irmão
de Julio Covello, preso no Rio de Janeiro por participação nas ações
da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), Miguel tinha ido a al-
gumas reuniões de secundaristas que organizavam manifestações
contra a ditadura, mas não era militante.
Aquela prisão foi de apenas um dia. Hoje, aos 57 anos, Miguel
ainda carrega as sequelas daquele dia, que o fez parar no tempo e
o impediu de seguir os sonhos de criança.

281
Depoimentos para a História

MILTON IVAN HELLER


Idade – 82 anos
Profissão – Jornalista

MILTON IVAN HELLER já era repórter


do Jornal Última Hora numa época em que a
profissão de jornalista nem existia. Observa-
dor atento e testemunha dos acontecimentos
políticos do Paraná e do país, Milton sentia
que a plena liberdade experimentada antes
de 1964 estava com os dias contados.
“Eu era repórter de política e sabíamos que o apoio ao governo
João Goulart tornaria o Última Hora um jornal maldito”, afirma. Tan-
to que no dia seguinte ao golpe militar, o jornal de maior circulação
no país era fechado e seu dono, Samuel Wainer, teve seus direitos
políticos cassados. A redação de Curitiba, assim como Londrina,
também foi cercada e os profissionais proibidos de trabalhar.
Durante quatro anos, os jornalistas que ali trabalhavam foram
processados pela Justiça Militar, sendo absolvidos no final. Além
de Milton, entre eles estavam Walmor Marcelino, Cícero Cattani,
Adherbal Fortes de Sá Junior, Edésio Passos, Délio César, Newton
Stadler de Souza, Silvio Back, Jairo Araujo Régis, Milton Cavalcanti
e Luiz Geraldo Mazza. O advogado de defesa era Renê Ariel Dotti,
junto com Hélio Narezi e Antonio Acir Breda.
E foi durante esse período do processo do Última Hora que
Milton começou a reunir informações, documentos e ouvir depoi-
mentos “para um dia, quem sabe, publicar essas memórias”. Em
1985, com o apoio do então Secretário de Cultura, Renê Dotti, ele
conseguiu publicar relatos de militantes de esquerda perseguidos,
presos e torturados pela ditadura reunidos no livro ‘Resistência
Democrática – A repressão no Paraná’.

282
Resistência à ditadura Militar no Paraná

NEIDE DE AZEVEDO LIMA


Idade – 81 anos
Profissão – Professora aposentada

NEIDE DE AZEVEDO LIMA gosta de


afirmar que ‘nasceu meio revolucionária’. Em
1949 tinha dezessete anos e contrariando o de-
sejo da família se casou com um homem mais
velho, que sempre a incentivou a lutar por seus
ideais. Admiradora de Getúlio Vargas, Neide
pertencia ao PTB quando em 1957 ficou com a primeira suplência
para vereadora em Ribeirão Claro. “Tomei posse uma vez”, afirma.
Sentimentalista, Neide era apaixonada por João Goulart e
chegou a participar da campanha da legalidade em 1961. Em 1964,
ano do golpe militar, como professora, sentiu o peso da ditadura ao
ser proibido o uso em sala de aula de um livro de psicologia para
crianças. “O juiz mandou queimar os exemplares”, lembra.
Mas foi na campanha pela Anistia, quando já estava estabe-
lecida em Curitiba, que ela se destacou. Com a determinação de
sempre Neide integra o Movimento Feminino pela Anistia em meados
de 1975, o que lhe rendeu ameaças do CCC. Junto com Terezinha
Zerbine, percorreu o país em busca de apoio de políticos do MDB,
artistas e população, denunciando as torturas e arbitrariedades a
que eram submetidos os opositores do regime.
Neide foi indicada em 2013 para participar da Comissão Es-
tadual da Verdade do Paraná.

NELTON FRIEDRICH
Idade – 65 anos
Profissão – Advogado

Quando chegou a Curitiba em 1967


para começar o curso de direito na UCP,
NELTON MIGUEL FRIEDRICH já trazia a ex-
periência de militância estudantil adquirida
em Toledo, onde participou intensamente

283
Depoimentos para a História

do movimento secundarista. Em 1968, auge do enfrentamento dos


universitários com a repressão, Nelton estava ligado às lideranças
estudantis e, mesmo vigiado, conseguiu participar de todas as lutas
sem maiores problemas.
Com a formatura em 1971, decidiu permanecer em Curitiba,
filiou-se ao MDB e intensificou sua militância ao se dedicar aos Di-
reitos Humanos, prestando assessoria gratuita aos sem terras da
região oeste do estado. Chegou a ser candidato a prefeito de Toledo
em 1976, mas não levou. Dois anos depois, foi eleito deputado es-
tadual e indicado líder do MDB na Assembleia Legislativa.
“A militância estudantil contra a ditadura marcou o começo da
minha trajetória política”, destaca Nelton, que durante seu manda-
to liderou um grupo combativo de oposição ao governo Ney Braga.
Participou ativamente como parlamentar da Campanha pela Anistia
(1979), bem como de outros movimentos sociais como o Justiça e
Terra (1980), em apoio aos atingidos pela barragem de Itaipu.
Com a eleição de José Richa em 1982, Nelton foi convidado a
integrar o governo como Secretário do Interior e participou da criação
e implantação do Programa Click Rural. Em 1986 foi eleito para a
Câmara Federal como deputado constituinte.
Desde 2003, Nelton integra a diretoria da Itaipu, coordenan-
do o Programa Cultivando Água Boa desenvolvido em vinte e nove
municípios lindeiros à barragem da hidroelétrica.

NEUSA PIRES CERVEIRA


Idade – 55 anos
Profissão – Professora

NEUSA ROMANZINI PIRES CERVEI-


RA é filha de Maria de Lourdes Romanzini e
Joaquim Pires Cerveira, major do exército e
militante da Frente de Libertação Nacional
(FLN), cassado em 1964, preso e torturado
em 1970 e desaparecido político desde 1973,
quando foi sequestrado na Argentina aos quarenta e nove anos
pela Operação Condor. A trajetória de vida e militância de Neusa

284
Resistência à ditadura Militar no Paraná

está intimamente ligada a do pai, pela bravura e coragem em lutar


pela liberdade e igualdade do povo brasileiro, e a da mãe e irmãos,
pela determinação em resistir à repressão para defender os ideais
e crenças da família.
As reminiscências da infância a levam até o bairro Água Verde,
em Curitiba, onde o pai, defensor da revolução democrática cubana,
recebe Ernesto Che Guevara para um pernoite em 1966. “Não houve
reunião nenhuma com nenhuma organização, ele apenas estava
em trânsito”, destaca Neusa. Ela também lembra das vezes em que
a casa esteve repleta de estudantes que partiam para fora do país,
ou era vigiada pela repressão, cercada outras vezes por agentes de
segurança, e de como a família teve que partir para o Rio de Janei-
ro para viver na clandestinidade. “Quando tinha dez anos, minha
casa foi invadida por muitos homens das polícias Militar, Civil que
perguntavam do meu pai. Eu não sabia. Usaram de muita violência,
rasgaram minha roupa e só não fui estuprada porque um homem
mais velho impediu”, recorda.
Em 1970, o Major Pires Cerveira foi preso pelo DOI-CODI do
Rio de Janeiro, junto com a mulher e o filho, e foram todos barba-
ramente torturados. Nessa época, Pires Cerveira trabalhava com
Carlos Lamarca, que acabou acolhendo Neusa, nessa época com doze
anos, em um sítio enquanto a família estava presa na Rua Barão de
Mesquita. Quando o pai foi trocado com outros trinta e nove presos
políticos pelo embaixador alemão, Ehrenfried Anton Theodor Ludwig
Von Holleben, Neusa foi para o Chile com o pai, enquanto a mãe e
o irmão voltaram para Curitiba.
Enquanto Neusa vai do Chile para Portugal com um casal a
pedido do pai para garantir a segurança da menina, o major Pires
Cerveira transita entre Chile e Argentina, até ser sequestrado em de-
zembro de 1973. De volta ao Brasil no ano seguinte, ela adere ao PCB
e inicia sua própria militância, engajando-se em campanhas no ME,
sendo detidas algumas vezes, pela Anistia, Diretas Já e Constituinte.
Em 1992, fixa residência em Natal, Rio Grande do Norte, “um
lugar que me acolheu depois de tantas andanças”. Sem militância
efetiva, Neusa continua numa luta para entender seu passado e o
do Brasil. Sua dissertação de mestrado é sobre a ‘Luta Armada no
Nordeste – PCR – 1966/1973’ e a tese de doutorado, ‘Memória da
dor: Operação Condor’, defendida na USP em 2007.

285
Depoimentos para a História

NILSON MONTEIRO
Idade – 62 anos
Profissão – Jornalista

Nascido em Presidente Bernardes, São


Paulo, em uma família que tinha na política
tema corrente de discussões, NILSON MON-
TEIRO atuou na esfera pública como estu-
dante e jornalista em Londrina. Na primeira
condição, teve participação intensa no ME
dos anos 1970, centrado no então recém-fundado DCE da UEL.
Presidiu não só o diretório acadêmico de letras e comunicação, mas
o próprio DCE, tornando-se o representante discente nas reuniões
da universidade.
Já no ato de cerimônia de sua posse, em 1975, fez um duro
discurso denunciando as prisões operadas durante a operação
Marumbi e cobrando a integridade física de um professor da UEL
sequestrado nesse processo. Coloca sua gestão como um ponto de
virada do DCE, no sentido de recrudescimento das críticas ao regime
e luta pela redemocratização. Além das mais variadas atividades
estudantis promovidas pelo grupo Poeira, Monteiro e seus compa-
nheiros participaram do MDB, promovendo campanhas de filiação
em massa. Mas, ao ser convidado a se candidatar a vereador, teria
dito: “Não, muito obrigado, quero ser líder estudantil”. 
Como jornalista Nilson publicou nove livros ao longo de qua-
renta e dois anos dedicados à profissão, passando por todas suas
áreas. Mas, o brilho de seu depoimento está mesmo no protagonismo
que exerceu no intenso ME londrinense dos anos 1970, que inclusive
contribuiu para a reorganização nacional dos estudantes e retomada
de suas entidades. As memórias de Nilson nos permitem transitar
por esse rico universo, vendo suas nuances e, ainda, saboreando
detalhes e controvérsias, que vão desde o final dos anos 1960, com
o movimento secundarista, até o movimento pela Anistia e as cam-
panhas pelas Diretas Já.

286
Resistência à ditadura Militar no Paraná

NOEMI OSNA CARRICONDE


Idade – 66 anos
Profissão – Jornalista

NOEMI OSNA CARRICONDE é neta de


antigo militante do PCB. Ingressou no ano
de 1965 no curso de Jornalismo, em um mo-
mento no qual o ME era rearticulado após a
fase inicial do golpe e logo recrudesceria suas
atividades, por meio do DCE e da UPE.
Noemi participou de comícios relâmpagos, panfletagens e de-
monstrações pelo voto nulo e contra a ditadura, a guerra do Vietnã,
a indicação de reitor e os acordos MEC-USAID. Vinculou-se à AP em
1967 e, buscando a integração junto à classe operária como tarefa
revolucionária, mudou-se grávida e com seu marido para São Paulo,
na clandestinidade.
Com o acirramento da repressão e a prisão de seu companhei-
ro, passou um tempo fugindo até partir para longo exílio no Uruguai,
Chile, Panamá e Canadá. Dentre outras coisas, a trajetória de Noemi
ilumina bem a experiência do exílio, comum a milhares de brasileiros
e brasileiras que escaparam da repressão.

OLANDA BRAUZA DE CASTRO


ESTEVES
Idade – 76 anos
Profissão – Aposentada

OLANDA BRAUZA DE CASTRO ALVES,


nascida em 1937, foi esposa do falecido jornalis-
ta e membro do PCB, Joaquim Alberto Esteves.
Ela afirmou que seu depoimento é uma home-
nagem à memória de seu falecido companheiro,
que teve importante atuação política no estado.
Seu testemunho é interessante justamente por apresentar
um ponto de vista geralmente relegado ao segundo plano ou mesmo

287
Depoimentos para a História

ignorado: o sofrimento infligido pela ditadura aos familiares dos


militantes. Nesse aspecto, Olanda comenta sobre as perseguições
sofridas, suas repercussões em casa e os medos e angústias vividas,
como as brigas para que seu marido não fizesse reuniões em casa,
seus frequentes sumiços, a necessidade corriqueira de se livrar de
documentos que pudessem incriminar seu companheiro, a miséria
forçada e o pavor de que tirassem seus filhos dela.
“Só quem passa por isso pode avaliar o que é uma ditadura
[...] me desfiz de toneladas de livros, uma parte joguei no lixo, outra
queimei”. Perseguidos e desempregados, os familiares chegaram a
viver alguns meses em Paranaguá, em uma igreja evangélica gentil-
mente cedida pelo pastor local, dormindo na sacristia.       

OSIRIS BOSCARDIM PINTO


Idade – 86 anos
Profissão – Professor e Dentista

OSIRIS BOSCARDIM PINTO nasceu em


Curitiba, em 1927. Seus primeiros contatos
com o PCB foram por meio da célula Leocádia
Prestes, nos idos dos anos 1940, que se situ-
ava na rua Comendador Araújo. Mais tarde,
como consequência dessas ligações, executou
suas primeiras tarefas. Osíris lembra que, quando Plínio Salgado
foi fazer um comício na Boca Maldita em Curitiba, na condição de
candidato à presidência, ele e seus companheiros lançaram bolinhas
de gude no asfalto para impedir que a cavalaria pudesse investir
contra os estudantes, que protestavam. Naquela época “quando se
dizia eu sou ou alguém acusava ‘- você é de esquerda’, ou você dizia
que era membro do Partido Comunista ou que você era comunista,
você podia dizer aquilo com orgulho e abertamente, que as pessoas
olhavam para você com respeito. Isso foi naqueles anos gloriosos de
1946, depois da guerra. A Guerra Fria foi acentuando essa animo-
sidade contra o comunismo”.
       Concluído seu curso de Odontologia, Osíris foi para o Rio
de Janeiro, onde travou contato com importantes lideranças do PCB

288
Resistência à ditadura Militar no Paraná

e teve profundo aprendizado. Ao retornar ao Paraná, em meados


dos anos 1950, foi exercer sua profissão no interior. Devido aos
poucos contatos com outros comunistas ou mesmo simpatizantes
acabou por reduzir suas atividades políticas. Estabeleceu-se em
Apucarana, colocando em prática os conhecimentos adquiridos na
graduação em paralelo ao exercício da docência. Lá, um pouco pos-
teriormente, travaria contato com jovens como José Idésio Brianezi
e Antônio dos Três Reis de Oliveira, que se engajaram na resistência
armada e acabaram mortos pela Ditadura. Mas, durante o Golpe,
Boscardim vivia em Peabiru, apoiando o sindicato dos trabalha-
dores rurais e a sua principal liderança “caboclo semianalfabeto”
Deodato, que pode sediar as atividades sindicais na sala cedida
atrás de seu consultório.
Com fama de comunista, foi perseguido pela sociedade local.
Enquanto nas principais cidades do país transcorria a Marcha com
Deus pela Família e Liberdade, em sua cidade pessoas vinculadas à
congregação mariana fizeram um ato em frente ao seu consultório
contra o “comunismo ateu”, ameaçando incendiar o recinto. Mudou-se
então para Campo Mourão, onde conheceu e estreitou os laços com
o também presidente do sindicato dos trabalhadores rurais, Moacir
ReisFerraz. Passado algum tempo, Boscardim retornou a Apucarana,
dedicando-se exclusivamente à docência no ensino médio e superior.
Manteve algumas atividades políticas em uma célula local do PCB,
mas em suas palavras “muito discretamente para não prejudicar sua
carreira”. Ficou na cidade até 1975 e em decorrência da operação Ma-
rumbi de desmonte do PCB, refugiou-se em Curitiba, sendo acolhido
por Ivete Torres Ribeiro até ser sequestrado pelo DOI-CODI. Foi vítima
de tortura psicológica (simulação de fuzilamento), testemunhou os
gritos lancinantes de companheiros sendo torturados e protagonizou
uma bem-sucedida greve de fome contra o péssimo tratamento no
quartel da PM na Av Marechal Floriano. Ficou preso quase dois anos
até ser absolvido por unanimidade de votos ao final do processo formal.
O depoimento de Osíris nos conduz por várias outras lembran-
ças desses tempos, ora agoniantes, como o período de desemprego
forçado, ora radiantes, como o apoio e a vida partilhada com Ivete,
os tempos passados nos EUA e o contato com o partido comunista
local e o surpreendente encontro com um aluno que era guarda do
presídio, que tentou lhe auxiliar.

289
Depoimentos para a História

OSVALDO ALVES
Idade – 79 anos
Profissão – Médico

Nascido em Araranguá, Santa Catarina


em 1934, OSVALDO ALVES tem na origem a
vida difícil do trabalho na roça. A despeito de
qualquer impedimento, a vontade de estudar
fala mais alto e ele vai para Porto Alegre para
cursar medicina, “movido pelo sentimento de
humanidade e o desejo de fazer algo mais pelos pobres e doentes”.
Além de um idealista, o “Dr. Osvaldo”, como é conhecido, é um mar-
xista que em 1964 já praticava a medicina social, ajudando os mais
carentes, lutando pela igualdade e o fim das injustiças no interior
do Rio Grande do Sul.
A proposta de fazer medicina popular trouxe Osvaldo a
Mandaguari, Norte do Paraná, em meados de 1967. “Eu não era
militante de nenhum partido, embora conhecesse as doutrinas
e tivesse alguns amigos comunistas”, afirma. Em Mandaguari,
ele mantinha o Hospital São Francisco, ao mesmo tempo em que
participava de reuniões políticas, algumas em sua casa, com in-
tegrantes do PCB como Ildeu Manso Vieira, Salim Haddad, Luiz
Gonzaga Ferreira, Nelson Pedro Zambom, Mário Siqueira e Narciso
Pires, os mais próximos.
Todo esse grupo que estava tentando reorganizar o PCB caiu
em 1975, quando foi deflagrada a operação Marumbi. Osvaldo foi
preso em onze de setembro, por volta das vinte e três horas, quando
retornava de uma festa em Arapongas, cidade próxima. “Seques-
trado, algemado, tratado como bandido, fui levado para o quartel
de Apucarana e torturado a noite inteira com as mais variadas
técnicas”, relembra.
Em seu depoimento, Osvaldo conta como foi o tempo em que
passou na prisão, o relacionamento com os companheiros de cela e
como, ao sair, resolveu mudar de vida. “Aproveitei o tempo na cadeia
para refletir, estudar e quando sai deixei de ser capitalista e aban-
donei a medicina. Mudei minha filosofia de vida, fiz voto de pobreza
e de 1980 para cá virei um ermitão urbano”, afirma.

290
Resistência à ditadura Militar no Paraná

OSVALDO MACEDO
Idade – 72 anos
Profissão – Advogado

O Advogado OSVALDO EVANGELISTA


DE MACEDO conclui o curso de direito na
UFPR em 1965, embora tenha sido afastado
da UFPR no ano anterior, sob a acusação de
ser subversivo. Por isso, não chegou a se for-
mar com a turma original. No ME, integrou
a esquerda independente, embora tivesse uma boa aproximação
com o PCB, compôs a direção da UPE.
Filiado ao MDB, conquistou o mandato de deputado esta-
dual em 1974, na eleição emblemática para a história política do
Brasil quando as urnas mostraram que o povo queria mudanças.
Representando a região de Londrina, o então deputado Osvaldo
Macedo visita os parlamentares e dirigentes do MDB que foram
presos em 1975 pela operação Marumbi. “Houve vários relatos
de torturas, físicas e psicológicas”, relembra. Foi Osvaldo Macedo
quem apresentou e aprovou o projeto de lei na Assembleia Le-
gislativa que extinguiu a obrigatoriedade da certidão negativa da
DOPS para o magistério.
Em 1978 foi eleito deputado federal e em Brasília foi indi-
cado vice-líder do MDB, continuando a lutar contra a ditadura
e pela redemocratização do país. Disputou a prefeitura de Lon-
drina, mas perdeu para Wilson Moreira. Retornou à Câmara
Federal em 1986 e participou da Constituinte, ‘o maior orgulho
da minha vida’.

291
Depoimentos para a História

PAULO DE TARSO FARIA


Idade – 61 anos
Profissão – Gestor Governamental

PAULO DE TARSO BARRETO DE FARIA


seguiu os passos do irmão mais velho, Hamil-
ton Faria, e não se conformou com a realidade
que o Brasil passou a viver após o golpe de
1964. Na condição de estudante secundarista
entre 1968 e 1970, exerceu intensa atividade
política no ME, aproximando-se da AP. Pichações, panfletagens e
reuniões políticas renderam aos três irmãos, Paulo, Sérgio e Daniel,
seu afastamento compulsório do Colégio Militar.
Mais tarde, enquanto Hamilton foi preso sozinho no Rio de
Janeiro, os três mais novos foram detidos no mesmo processo em
Curitiba, em decorrência das buscas efetuadas pela repressão para
deter José Carlos Mendes. Paulo, assim como Hamilton, não foi
só preso, como torturado, no final de 1971. Ele ficou no quartel
da praça Rui Barbosa e na Delegacia da Polícia Civil no Santa
Quitéria. Em seu depoimento descreve em detalhes o processo
de tortura.
 

PAULO GUSTAVO DE B. CARVALHO


Idade – 70 anos
Profissão – Médico

PAULO GUSTAVO DE BARROS CARVA-


LHO faz parte de uma família católica de onze
irmãos em que alguns, entre os treze e quator-
ze anos, participavam da JEC, no começo da
década de 1960. “Eu era um anticomunista
convicto, mas um cristão progressista. Até
que meu irmão seminarista, que estudava em Nova Friburgo com o
padre Henrique de Lima Vaz, um dos ideólogos da AP (Ação Popular),
passa a me influenciar”, destaca.

292
Resistência à ditadura Militar no Paraná

Na UFPR, em 1962, quando começa a cursar medicina, as


convicções de Paulo Gustavo já eram outras. Em 1963 passa a fazer
parte da JUC. Na noite do dia 31 de março de 1964, o clima era de
medo, “pois já sabíamos que o golpe traria profundos reflexos para
o movimento estudantil”.
Engajado na luta em defesa das bandeiras que mobilizavam
os universitários em todo o país, Paulo Gustavo participou da or-
ganização da AP em 1965 e foi preso em São Paulo durante uma
reunião clandestina. “Tínhamos várias anotações em papel e tivemos
que comer as folhas para não entregar aos agentes da Dops”, lem-
bra. Entre os quinze estudantes presos estavam Sérgio Motta, Luiz
Fernando Mendonça de Barros e Egydio Bianchi.
Até 1968, Paulo Gustavo foi intensificando a militância na AP.
Já com o diploma de médico, resolveu ‘servir ao povo’ e partiu para
Santa Catarina onde se “preparou para morar no campo”. Com o
codinome de “Antonio”, permaneceu na clandestinidade até setem-
bro de 1970, quando se exilou no Chile. “Lá, meu contato da AP era
José Serra”, observa Paulo Gustavo.
Mas as coisas não aconteceram como planejado. Numa mis-
são de retorno ao Brasil com o nome legal, Paulo Gustavo foi preso
em Santana do Livramento pelo exército, numa ação repressiva
nos moldes da operação Condor. Levado para Porto Alegre, depois
transferido para o Rio de Janeiro, foi submetido a todas as técnicas
de tortura por agentes do CENIMAR. Perto do natal, abatido pelas
torturas, foi levado para a sede do DOI-CODI da Barão de Mesquita
em São Paulo e de lá levado para Curitiba.
O ano de 1971 começa com Paulo Gustavo numa cela da De-
legacia de Santa Quitéria, junto com os companheiros da AP, Edésio
Passos, Luiz Alberto Manfredini, Elba Ravaglio, Walmor Marcelino,
entre outros. Após dois anos e três meses de idas e vindas, pois res-
pondia a processos no Rio de Janeiro e São Paulo, foi colocado em
liberdade. “A falta do atestado negativo da DOPS impedia a todos de
arrumar emprego e assumir cargos em concursos públicos. Foram
tempos difíceis aqueles”.
A filiação ao PCdoB ocorreu em 1978 e foi até 1982, quando
deixou o partido. “Não queria correr o risco de ser preso novamente.
Apesar de não ter abandonado minhas ideias, não tinha mais cora-
gem para militar”, destaca.

293
Depoimentos para a História

PAULO SÁ BRITO
Idade – 63 anos
Profissão – Engenheiro

Nascido no ano de 1950, em Curiti-


ba, PAULO DE ALBUQUERQUE SÁ BRITO
foi influenciado pelo ideário libertário de seu
pai. Mas, foi seu amigo Celso José Gorski, o
“Gogól”, que o apresentou para o movimento
familiar cristão, que não era uma atividade
propriamente da igreja, mas um grupo que se reunia semanalmente,
nos sábados à tarde, para discutir temas da vida. Pouco tempo de-
pois, Paulo passou a frequentar as reuniões de sábado à noite, que
agregavam um pessoal mais velho, próximo da JUC e JEC. Algumas
dessas pessoas, como Tereza Urban e José Carlos Zanetti, partici-
param dos primórdios da AP no estado, organização da qual Pau-
lo se aproximou a partir de 1966. Juntamente com seus colegas
secundaristas, formou a célula do colégio militar, encarregada de
pichações e panfletagem.
Aprovado em matemática na UFPR, organizou conjuntamen-
te com Hamilton Faria o comando de calouros, agregando dois de
cada curso, totalizando cerca de quarenta pessoas. Paulo participou
ativamente do ME, que recrudesceu suas ações em 1968, atuando
não só nos atos públicos, como em comícios nas salas, pichações
e panfletagens. Com  a  desintegração da célula do colégio militar,
passou a participar das reuniões do movimento universitário da AP,
que congregavam mais de dez jovens nos fundos da casa de Versa
Weisheimer. Foi preso pela primeira vez nessas agitações do “Ano
que não terminou”, tornando esse contratempo um ato político ao
gritar, enquanto era conduzido pelos policiais, “povo é essa a re-
pressão da ditadura”.
Sua vida foi profundamente marcada pela diretriz de “integra-
ção na produção” da AP, executada com mais ênfase a partir do AI-5.
Casou e, após algum tempo se deslocando na clandestinidade pelo
Paraná, Paulo e “Detinha” foram alocados em Mauá, não sem antes
ele ficar vagando pelas ruas da capital paulista, passando por sérias
dificuldades. Tornaram-se operários e realizaram um trabalho de

294
Resistência à ditadura Militar no Paraná

massa nas fábricas onde passaram a trabalhar e no bairro, Jardim


Zaira, juntamente com “Betinho”. Pressentindo a iminente queda de
toda a articulação, fugiram para Curitiba, afastando-se da militân-
cia. Em 1971, quando estava trabalhando em um banco, Paulo foi
preso, no processo de desmantelamento da organização no estado.
Então, iniciou sua peregrinação passando por locais da repressão,
como a PF, delegacia da Santa Quitéria, DOPS de São Paulo, OBAN
e o presídio Tiradentes.
Após responder ao processo, tentou retomar sua vida, sendo
aprovado no curso de engenharia. Desenvolveu uma tímida atua-
ção estudantil junto ao MEP, distribuindo o jornal “Em tempo”, e
participando da Escola Oficina, sendo novamente preso. Na década
de 1980, já formado, atuou junto ao movimento sindical dos enge-
nheiros elétricos. Experiência impar é assistir ao seu depoimento
e na sequência mergulhar nas páginas de seu livro “Como quem
risca a pedra”, no qual constrói uma narrativa literária a partir de
suas memórias juvenis, quando integrou a AP juntamente com Luiz
Alberto Manfredini, Celso Gorski e Hamilton Faria. 

PAULO SALAMUNI
Idade – 53 anos
Profissão – Advogado

PAULO SALAMUNI é filho da professora


Hôda Salamuni e do também professor Riad
Salamuni, que em 1985 foi o primeiro reitor
eleito da UFPR. Em suas reminiscências de
juventude, Paulo Salamuni se recorda da
agitação da casa com as reuniões da esquer-
da progressista que lutava contra a ditadura, da casa vigiada e até
invadida em certa ocasião, ‘quando confiscaram a biblioteca do pai’.
De personalidade forte, Hôda Salamuni tinha participação
ativa nos movimentos femininos, seja na criação do Conselho da
Condição Feminina e no PMDB Mulher. “Com as mulheres aprendi
a fazer política na rua”, observa Salamuni, que inspirado pela mãe
engaja-se na luta pela Anistia e Diretas Já pela Juventude do PMDB.

295
Depoimentos para a História

“Era um momento rico de retomada das liberdades civis”. Durante o


curso de Direito, na PUC, Salamuni conviveu com o Dr. Jorge Karan,
e integrantes da resistência do MR-8 e PCB.
Lançou-se candidato a vereador de Curitiba em 1988 e con-
quistou a 5ª. Suplência. Assumiu o cargo dois anos depois e prosse-
guiu na carreira política. Ao todo, Salamuni já soma sete mandatos
na Câmara de Curitiba, quase ‘sempre na oposição’, como gosta de
destacar. Atualmente, é presidente da Câmara pelo Partido Verde e
aliado do prefeito de Curitiba, Gustavo Fruet, eleito em 2012 pela
coligação PDT/PT.

PAULO URQUIZA
Idade – 61 anos
Profissão – Professor

Os contatos com a esquerda vieram


através do irmão mais velho de PAULO RO-
BERTO URBINATTI URQUIZA, que ajudou
na formação de suas convicções políticas
progressistas, “sempre radical contra a
miséria”. Em 1973, transfere o curso de
educação física, iniciado em outra faculdade, para a UEL e se in-
teressa pelo jornal Poeira. “Foi aí que eu comecei minha militância
estudantil, participando de diversas maneiras”, lembra Urquiza,
que dirigiu kombi, trabalhou no Restaurante Universitário e fre-
quentava os grupos de estudo.
O Poeira era um elemento de aglutinação das esquerdas e
foi lá que Urquiza foi apresentado ao pessoal do PCdoB. Em 1975,
termina o curso, começa a atuar como professor e participa da
APLP, na época presidida por Edezina de Lima Oliveira, a Professora
Dego. Em 1978 participa da greve dos professores e intensifica sua
militância, agora social.
E foi como professor num assentamento do MST, indicado pelo
PCdoB, que Urquiza encontrou ‘o único movimento genuinamente
marxista que existe’. Surge o PT e ele rompe com o PCdoB, aderindo a
‘uma proposta revolucionária de tomar o poder pelos núcleos de base’.

296
Resistência à ditadura Militar no Paraná

PE. ORIVALDO ROBLES


Idade – 72 anos
Profissão – Sacerdote

Em 7 de Dezembro de 1966, ORIVALDO


ROBLES é ordenado padre e passa a lecionar
Educação Moral e Cívica (EMC) no Colégio Es-
tadual Gastão Vidigal em Maringá. De origem
pobre, os pais eram trabalhadores da roça e o
seminário era a única alternativa para o filho
estudar. A mãe, que era médium, e o pai, pessoa sem convicções
religiosas, não entenderam quando ele disse que queria ser católico
e ser padre. “Meu pai ficou assustado, mas eu estava decidido”.
Em 1969, a prisão dos padres dominicanos em São Paulo, os
relatos de tortura, medo e terror que vinham dos porões da dita-
dura faz com que Padre Orivaldo tratasse do tema nas homilias de
domingo. Foi o que bastou para que a diocese ordenasse o fim das
pregações políticas e encerrasse sua carreira no magistério.
“Chegaram a gravar meus sermões para denunciar à Dops”,
lembra o sacerdote, que foi acusado de fazer crítica às forças ar-
madas, ser adepto do amor livre e aliciar jovens estudantes, como
Francisco Timbó de Souza, para incitar a população contra o regime.
Depoimento imperdível para quem quer entender como eram as
correlações de valores dentro da igreja católica durante a ditadura.

PEDRO AGOSTINETI PRETO


Idade – 74 anos
Profissão – Advogado

A família de PEDRO AGOSTINETI PRE-


TO chegou ao norte do Paraná para trabalhar
na lavoura em Apucarana em meados de
1939, ano do seu nascimento. O envolvimento
com a militância política começou bem antes
de 1964, já seguindo a orientação ideológica
do PCB, dentro da opção de lutar de forma pacífica.

297
Depoimentos para a História

“Eu não acreditava que o comunismo era a solução para todos


os problemas. Eu lutava pela liberdade de expressão e pela Demo-
cracia”, afirma Pedro Preto, que mesmo militando clandestinamente
no PCB, também pertencia ao MDB, a única alternativa de uma
militância legal, aberta. Como tesoureiro da legenda em Apucarana,
ganhou visibilidade e passou a ser vigiado pela repressão.
Até que em outubro de 1975, Pedro Preto foi preso em casa,
de madrugada, na frente dos filhos pequenos. Algemado e com os
olhos vendados, ele foi sequestrado pelos agentes que executavam a
operação Marumbi e levado para Curitiba para um local clandestino
de tortura sem que ninguém soubesse do seu paradeiro.
“Foram sete meses e um dia de cadeia, em que perdi dinheiro, e
minha família passou muitas necessidades”, recorda. Apesar da tortura
psicológica, Pedro Preto continuou a participar da política após a ab-
solvição do processo. Somou fileiras com o grupo que formou o PSDB,
sendo eleito vereador em Apucarana em 2000. “O que se pode fazer
numa câmara em que apenas dois fazem oposição? Nada!”, lamenta.
Hoje, Pedro Preto acompanha de perto o mandato do filho,
Beto Preto, eleito prefeito de Apucarana pelo PT em 2012. Beto ti-
nha sete anos quando o pai foi preso em casa, de madrugada, pela
operação Marumbi.

PEDRO PAULO PERRONI DA SILVA


Idade – 60 anos
Profissão – Jornalista

PEDRO PAULO PERRONI DA SIL-


VA nasceu em uma família humilde em uma
favela de Londrina, seu pai fora garçom e
músico e a mãe uma liderança comunitá-
ria, vinculada aos vicentinos. Na infância e
juventude, como a maior parte das crianças
brasileiras, Pedro era aficionado por futebol, chegando a jogar no time
do Londrina. Porém, também era um amante dos livros, definindo a
si mesmo como um “rato de biblioteca”.
Com dezoito anos, em 1972, foi transferido primeiramente para
Curitiba e logo para Brasília, a serviço do exército, mais especificamente

298
Resistência à ditadura Militar no Paraná

na Quarta Companhia do Batalhão da Guarda Presidencial. Na


capital, fez curso para cabo e treinamento de contrainsurgência,
sendo preparado para o combate à guerrilha do Araguaia. Porém,
por razões que desconhece, não chegou a ser enviado ao front.
Cumprido o tempo de serviço militar, trabalhou como bancário
e comerciante, até que foi se aproximando do jornalismo, em 1975,
como repórter da Folha de Londrina. Na UEL, engajou-se no ME, no
processo de rearticulação da UNE e na gestão do DCE, como parte
do grupo Poeira. Participou ainda da fundação do CLADH.
As memórias de Pedro Paulo compõem um precioso relato e
interpretação da geração que, no final dos anos 1970 início dos 1980,
precipitou a Ditadura para seu final.

PEDRO TONELLI
Idade – 63 anos
Profissão – Trabalhador rural

A participação no Grupo dos 11, organi-


zado por Leonel Brizola no Rio Grande do Sul,
fez com que o pai de PEDRO IRNO TONELLI
viesse para o Paraná militar pelo PTB em
Capanema, no sudoeste do estado. A família
chega em 1964 para trabalhar na roça e aos
vinte e três anos, Tonelli consegue adquirir seu pedaço de terra e
começa a viver os dilemas e dificuldades do trabalhador rural.
A partir de meados dos anos 1970, Tonelli começa a participar
da Pastoral Nacional da Terra, influenciado pelo grupo que organizava
a Assessoar no sudoeste do Paraná, entidade que dava apoio aos la-
vradores, especialmente os atingidos pela barragem da hidroelétrica de
Itaipu. “Fiz vários cursos e comecei a me dar conta que era preciso or-
ganizar os trabalhadores rurais para enfrentar aquele conflito”, afirma.
Em 1978, passa a estimular a oposição nos sindicatos rurais
e, em 1981 disputa ele próprio a direção da entidade de Capanema.
Nesse ínterim, Tonelli se envolve na luta pela Anistia e pela liberdade
dos presos políticos.
Nesta mesma época, começam a surgir na região Sudoeste as
primeiras articulações para a formação do MST, que em 1984 seria

299
Depoimentos para a História

formalizado no 1º Congresso do MST realizado em Curitiba, no Teatro


Guaíra. Filiado ao PMDB, ele criticava a falta de representação dos
dirigentes sindicais. “A realidade dos trabalhadores só iria mudar
se tivéssemos um partido político”, defendia Tonelli, mesmo antes
do surgimento do PT.
Filiado ao ‘partido da classe trabalhadora’, Tonelli candidatou-
se a prefeito de Capanema e perdeu por pouco. Mas a sua liderança
junto aos sindicatos rurais e outros movimentos sociais pela terra
garantiu a Pedro Tonelli o primeiro mandato de deputado estadual
do PT no Paraná, em 1986, que lhe rendeu a participação na elabo-
ração da Constituinte Estadual promulgada em 1989. “Eu era um
deputado sem vereador, prefeito, somente com apoio da base. Eu
era o patinho feio da Assembleia”, lembra.
Como resultado de seu mandato, na eleição seguinte conseguiu
ser o primeiro deputado federal paranaense do PT na Câmara Fe-
deral. “Lá participei do núcleo agrário e, mais importante, fui o voto
338 que aprovou o impeachment do Collor”, afirma com orgulho. No
começo do governo Fernando Henrique Cardoso, retorna à atividade
agrícola de origem, a apicultura. Em 2002, a convite do então pre-
sidente Lula ocupa um cargo na Itaipu Binacional, desenvolvendo
um programa de apoio à agricultura e pesca na região.

RAMIRES POZZA
Idade – 63 anos
Profissão – Empresário

A história de militância de RAMIREZ


MOACIR POZZA começa no antigo científico
quando estudava no Colégio Estadual Gastão
Vidigal. Adolescente ainda, começou a ter con-
tato com o pensamento crítico. Lá conheceu
o professor Renato Bernardi, que em 1978 foi
eleito deputado estadual pelo MDB. “Era uma pessoa preparada, cul-
ta, e passou para nós a insatisfação com a ditadura militar”, lembra.
Ramires se integra ao grupo mais combativo do MDB, com-
posto por nomes como Alencar Furtado. “Minha militância se dava

300
Resistência à ditadura Militar no Paraná

dentro do movimento estudantil, levando a bandeira da liberdade


de expressão e pelo fim da ditadura”, rememora.
A participação em passeatas e apoio aos movimentos sindi-
cais e sociais fez com que Ramires ganhasse a atenção, junto com
o grupo de esquerda na região, da repressão. “Eu era o orador
oficial dos comícios, fazia um ‘esquenta’ antes dos discursos das
lideranças”, afirma.
Em 1970, agentes do exército chegam a Maringá e realizam
a prisão de militantes do PCBR, entre eles José Aparecido Sforni,
Tarciso Trindade, Laércio Souto Maior, Juvência Batista dos Santos
e o próprio Ramires, embora ele não tivesse uma vinculação formal
com a organização. Pozza foi levado para Apucarana, enquanto ou-
tros foram transferidos para Curitiba. Os detidos responderam a um
IPM, tendo como advogado de defesa Antônio Acir Breda.

REGINALDO BENEDITO DIAS


Idade – 50 anos
Profissão – Professor

Professor da pós-graduação de história


da UEM, REGINALDO BENEDITO DIAS é um
estudioso do período da repressão e da atua-
ção das esquerdas no Paraná, com ênfase no
movimento de resistência e enfrentamento à
ditadura na região de Maringá. Sua disser-
tação de mestrado versou sobre a atuação dos integrantes da AP.
O interesse pelo tema surgiu com seu o ingresso na univer-
sidade em 1983 e a participação, como militante de esquerda, nas
lutas que os estudantes empreenderam para reescrever a história
da instituição. “A UEM nasceu no auge da ditadura em 1970 como
uma instituição pública, mas que oferecia ensino pago. Nos anos
1980, os estudantes se organizaram e realizaram passeatas, depois
os professores e alunos promoveram greves, mas o maior enfren-
tamento foi a tomada da Reitoria em 1984”, rememora. Inclusive,
detalhes deste episódio fazem parte do livro ‘Uma universidade de
ponta cabeça’ de sua autoria.

301
Depoimentos para a História

Para o professor, além das bandeiras estudantis, os movimen-


tos da universidade também se somaram à sociedade na luta pela
Anistia, Diretas Já e pela instalação da Assembleia Nacional Consti-
tuinte. Acima de tudo, contribuíram para a conquista da gratuidade
do ensino na UEM e nas universidades estaduais, convertida em lei
em 1987 e efetivada pelo governador Álvaro Dias em 1988.

REINOLDO DA SILVA ATEM


Idade – 63 anos
Profissão – Publicitário

O piauiense REINOLDO DA SILVA


ATEM queria ser escritor e poeta e estava
treinando para isso quando a efervescência
do ano de 1968 o pegou de jeito. “Tudo con-
vidava para o movimento social, em todos os
níveis e ambientes, e a juventude apoiava a
esquerda na luta por bandeiras estudantis e da sociedade”, reflete.
Apresentado à jornalista Teresa Urban, da POLOP, quando
ainda era estudante secundarista, chegou a ser preso junto com
os universitários que estavam na Chácara do Alemão preparando
o minicongresso da UNE, em final de dezembro de 1968. Porém,
Reinoldo só depois do AI-5 começou a participar efetivamente do
movimento estudantil e da resistência à ditadura, via POLOP, junto
com a ex-esposa Sueli Muniz, a própria Teresa e Antonio Urban.
“Na POLOP queríamos realizar atividades junto à classe operária.
Em 1970, por conta das prisões em Curitiba, fujo para São Paulo e vou
para o ABC participar confeccionando e distribuindo jornais”, recorda.
Permaneceu na clandestinidade, onde teve vários nomes como ‘Alceu’
e ‘Clóvis’, por aproximadamente três anos, até ser preso pela equipe do
delegado Sérgio Paranhos Fleury. “Ficamos um mês e meio nas mãos
dos torturadores e sai vitorioso porque eu não dedei ninguém”, conta.
Para Reinoldo, a decisão de combater a ditadura pela luta ar-
mada era ‘suicídio’. “Achávamos um absurdo arregimentar estudan-
tes para morrer no Araguaia. Foi um grande equívoco da esquerda”.
Ainda hoje pensa assim.

302
Resistência à ditadura Militar no Paraná

RENÊ ARIEL DOTTI


Idade – 75 anos
Profissão – Advogado

Em 1958, o curitibano de nascimento


RENÊ ARIEL DOTTI obtém o diploma de Bacha-
rel em Direito pela UFPR e inicia sua carreira
profissional sem temor quanto às convicções
políticas e individuais. “Com o Governo Jusce-
lino Kubitschek vivíamos um período de plena
garantia das liberdades individuais”, relembra.
Mesmo após o golpe de 1964, quando o ‘Doutor Dotti’ atuava
nos Inquéritos Policiais Militares, os IPMs, na defesa dos presos
políticos como estudantes, sindicalistas, jornalistas, entre tantos,
ainda havia condições para garantir acesso à justiça aos indiciados,
dignidade no tratamento na prisão e visita das famílias. A partir do
final de 1968, “a rotina era de temor e terror”.
Em seu depoimento, Dotti fala da difícil convivência com
o delegado Ozias Algauer, titular da DOPS e braço da Ditadura
no Paraná, da prisão de professor José Rodrigues Vieira Neto, da
defesa dos estudantes presos na Chácara do Alemão, do processo
dos jornalistas da Última Hora e da atuação no processo de inde-
nização do ex-preso político Walter Pecoits que perdeu a visão de
um olho devido às torturas sofridas no cárcere, entre outros casos
no Paraná e Santa Catarina.
Fiel às suas convicções, Dotti continuou após 1985 a parti-
cipar de forma decisiva dos momentos emblemáticos para a cons-
trução do ‘novo capítulo da restauração das liberdades individuais’,
como gosta de reafirmar. A Campanha pela Anistia (segundo ele
‘uma solução política e não jurídica’), as Diretas Já e o impeach-
ment de Collor tiveram Dotti como um dos principais protagonistas
e artífices. Seu depoimento é um testemunho fundamental para
entender como funcionavam as instituições brasileiras no período,
especialmente o judiciário.

303
Depoimentos para a História

ROBERTO ELIAS SALOMÃO


Idade – 60 anos
Profissão – Jornalista

Em 1973, o jornalista ROBERTO ELIAS


SALOMÃO começa sua militância política
em São Paulo, ainda estudante na Escola de
Comunicação e Artes (ECA) e sob a égide do
governo do general Emílio Garrastazu Médici.
Próximo de organizações clandestinas como
o PCB, MEP e PO, Salomão tem seu batismo na militância política
após o assassinato, em 17 de março daquele ano, do estudante de
geologia da USP, Alexandre Vanuchi Leme.
A partir deste episódio, Salomão intensificou sua participação
no ME e na luta contra a ditadura. Em 1975, o anúncio da morte
do jornalista Vladmir Herzog fez a ECA parar, mobilizando todos os
estudantes e professores numa greve que entraria para a história
da instituição e do país.
“No começo, eu era base no PCB, mas da linha trotskista”,
afirma. Outra morte, agora do operário Manoel Fiel Filho, em
janeiro de 1976, fez com que Salomão radicalizasse na militância.
Por sua participação, foi detido, junto com trezentos estudantes,
em setembro de 1977, quando já integrava o movimento nacional
pela Anistia.
Em 1980 chega ao Paraná e se junta a Angelo Vanhoni, Cafu-
ringa, Ademir Demarchi, Luiz Fernando Esteche e Silvana Corona
para fundar o PT. Por sua vivência como dirigente do partido desde
o início, Salomão escreveu e lançou em um livro contando “Os doze
anos do PT no Paraná – de 1980 a 1992”.

304
Resistência à ditadura Militar no Paraná

RODOLFO MONGÉLOS
Idade – 84 anos
Profissão – Aposentado

Paraguaio de nascimento, RODOLFO


MONGELÓS LEGUIZAMÓN mora no Brasil
há mais de cinquenta anos. Refugiou-se
em Foz do Iguaçu, em 1959, alguns anos
após o golpe do general Alfredo Stroessner.
Perseguido, viu-se obrigado a deixar um
importante cargo político que ocupava em seu país, passando a
viver do comércio.
O golpe civil-militar no Brasil, em 1964, colocou a comunidade
paraguaia refugiada em Foz em uma situação de fragilidade, pois o
novo governo brasileiro se acercou da ditadura paraguaia. Assim,
os exilados desse país passaram a ser vigiados e cerceados em sua
liberdade de movimentação.
Entre julho e agosto de 1969, Rodolfo e Alejandro Stumpf
Mendoza foram presos em suas respectivas residências durante
a madrugada por militares do batalhão de fronteiras de Foz. Após
dezessete dias, foram conduzidos a Curitiba e mantidos inco-
municáveis no quartel da PE, acusados de ligação com o MR-8
(DI-RJ) e de planejar atividades subversivas no Paraguai. Após
vinte e um dias na capital paranaense, foram transferidos para
o CENIMAR, no Rio de Janeiro, e depois para a Ilha das Flores,
onde permaneceram por mais dezessete dias, até serem liberados
e voltarem a Foz.        
Em dezembro de 1974, novo tormento se abateu sobre
Mongelós, Stumpf e Anibal Abatte Soley, paraguaios exilados em
Foz, sequestrados provavelmente pelo DOI-CODI juntamente com
César Cabral. Os agentes da repressão, mais uma vez, queriam
saber sobre operações no Paraguai. Antes de uma viagem de trinta
horas para um local clandestino em Goiás, onde foram mantidos
em condições degradantes, os quatro levaram socos e pontapés e
foram submetidos a torturas psicológicas, como simulação de fuzi-
lamento. No destino, novamente, torturas psicológicas e péssimas
condições de cárcere.

305
Depoimentos para a História

Suas vidas foram preservadas por supostas ordens do


presidente Geisel, influenciado por pressões internacionais. Em
troca, não puderam voltar a Foz. Mongelós decidiu residir em
Curitiba, onde permanece até hoje. É sabido que, em diferentes
momentos os paraguaios atuaram na resistência tanto contra a
ditadura paraguaia e brasileira. Os relatos de Rodolfo, Aluizio
Palmar e José Carlos Mendes trazem mais informações sobre
essa real participação.         

ROMEU BERTOL
Idade – 68 anos
Profissão – Médico

ROMEU BERTOL ingressou no curso de


Medicina em 1965, assumindo a vice-presi-
dência do Diretório Acadêmico Nilo Cairo nas
lutas pela Democracia e contra a ditadura
e a implantação do ensino pago. Participou
da tomada da reitoria da UFPR e de suas
barricadas, em 1968, e do famigerado Congresso de Ibiúna, em São
Paulo, onde foi preso.
Filiado ao PCBR, voltou a ser preso em janeiro de 1970, sendo
duramente torturado no Rio de Janeiro e em Curitiba antes de cum-
prir pena no Presídio Provisório do Ahú. Liberto, concluiu seu curso
universitário interrompido pela repressão e passou a se dedicar à
medicina comunitária.
Seu depoimento é um libelo de denúncia das torturas sofridas,
que constituíram violações sistemáticas e vergonhosas dos Direi-
tos Humanos de brasileiros e brasileiras. Bertol é um dos poucos
ex-preso político do período que consegue contar em detalhes o
processo de tortura ao qual foi submetido, aparentemente sem se
afetar pelo resgate que faz da memória. Difícil não ser tocado pela
sua narrativa.

306
Resistência à ditadura Militar no Paraná

ROSI VILAS BOAS


Idade – 52 anos
Profissão – Bibliotecária

ROSILEI VILAS BOAS, mais conhecida


como Rosi, nasceu em Arapongas em 1961.
Segundo ela era uma cidade dominada por
uma única família que tinha as principais
instituições políticas e administrativas nas
mãos. Foi nutrindo uma indignação diante
da desigualdade queRosi, ainda adolescente, chegou a Curitiba para
estudar. Na capital, conheceu várias pessoas de esquerda engajadas
em movimentos políticos e sociais, na luta contra a carestia, pelo fim
da ditadura militar, pela Anistia e democratização do país.
“Nesse período, 1978, filiou-se ao PCdoB e passou a fazer
parte da célula de organização da juventude, distribuindo o Jornal
Tribuna da Luta Operária. Rosi se casou e teve uma filha. Naquela
época, o PCdoB enviava casais para trabalhar e estudar a teoria
marxista na Albânia.Rosi, o marido e a filha, partem em 1983 e só
retornam em 1985.
“No retorno, foi um choque de realidade, pois conhecemos na
Albânia a experiência socialista na prática onde o respeito ao outro é
fundamental”, conta Rosi. O casal retornou em um difícil momento da
história brasileira, caracterizado por turbulências econômicas e em-
pregatícias, tendo que conciliar militância e luta pela sobrevivência.
Até hoje, a valorosa combatente continua a brandir sua voz
em favor da autonomia dos povos, pela paz e igualdade no mundo.

307
Depoimentos para a História

SÉRGIO FARIA
Idade – 64 anos
Profissão – Professor

SÉRGIO ANTONIO BARRETO DE FA-


RIA iniciou sua participação política como
secretário do grêmio estudantil do Colégio
Militar do Paraná. Esses primeiros passos lhe
oportunizaram perceber o peso do golpe que
tinha ocorrido no país, quando a peça teatral
na qual se envolveu “Os esquizofrênicos” foi censurada.
A partir de 1966, sua militância foi se ampliando para outras
frentes, integrando a JEC e a AP, o que repercutiu em sua expulsão
juntamente com seus irmãos do Colégio Militar, em 1968. Seguindo
as diretrizes construídas coletivamente com seu núcleo da AP, com
o qual romperia por divergências ideológicas tempos mais tarde, foi
aprovado no vestibular de direito da UFPR, em 1970.
No ano seguinte, intimado pelas autoridades, apresentou-se
na DOPS, sendo detido e mantido incomunicável e em condições
desumanas por quase dois meses, alternando entre aquela ins-
tituição, a PE e a delegacia da polícia civil, no bairro de Santa
Quitéria. Após esses dias de tormento, retomou o curso de direito,
simultaneamente à faculdade de matemática. De meados da dé-
cada de 1970 em diante, foi se envolvendo gradativamente com a
atuação sindical docente, participando ativamente de diretorias,
da organização das greves de professores de 1978 e de 1981 no
Paraná e de congressos nacionais.
Sérgio é o segundo mais velho dos quatro irmãos da família
Faria que bradaram e cerraram punhos contra a Ditadura e por um
país igualitário, pagando com a prisão e tortura por essa valentia.
Mesmo assim, não se calou. Interpelado sobre o legado de mais de
quarenta anos de militância, Sérgio respondeu que “dever não é algo
que se escolhe, mas se cumpre”.

308
Resistência à ditadura Militar no Paraná

SILVESTRE DUARTE
Idade – 63 anos
Profissão – Jornalista

SILVESTRE APARECIDO DUARTE, dife-


rentemente daqueles que iniciaram a militância
muito cedo, passou boa parte de sua juventude
imerso no universo da contracultura da época,
entre a MPB e o rock’nroll. Sua participação
política começou efetivamente em meados dos
anos 1970, logo que entrou no curso de comunicação social, na PUC.
Então, teve uma atuação aguerrida no ME, no CBA-Curitiba,
no MDB e no PCdoB, tornando-se diretor do jornal Tribuna da Luta
Operária. Sua atuação política e jornalística, como a cobertura da
repressão contra as duas escolas alternativas de Curitiba (Oficina e
OCA), renderam-lhe ameaças e várias prisões, desde 1976.
No começo dos anos 1980, desempregado e se sentindo per-
seguido, em decisão coletiva com a diretoria do PCdoB partiu com
sua família para uma tarefa internacional do partido na Albânia
socialista. A narrativa de Silvestre além de proporcionar lampejos
de uma experiência peculiar na Albânia, cobre um momento impor-
tante, mas pouco explorado da militância e da repressão, entre o
final dos anos de Chumbo e a retomada massiva das lutas sociais,
já no final dos anos 1970.

STENIO JACOB
Idade – 68 anos
Profissão – Administrador

STENIO SALLES JACOB, antes mesmo


do golpe, ingressa no ME, presidindo o grêmio
de sua escola na pequena Jaguapitã, situada
no norte do Paraná. Ao chegar em Curitiba no
ano de 1965 para fazer seu curso superior na
UCP, procura os membros do DCE e passa a
atuar junto a eles e representá-los na UPE.

309
Depoimentos para a História

Antes do AI-5, Eleito em 1967 para a presidência da UPE,


Stenio liderou parte da resistência organizada contra a ditadura e
suas investidas para privatizar o ensino público e reprimir as enti-
dades estudantis. Participou do Congresso da UNE em Ibiúna, sendo
condenado pela Lei de Segurança Nacional.
Stenio protagonizou importantes episódios da história curiti-
bana e paranaense, como a tomada da reitoria da UFPR em maio de
1968, o levante de trincheiras para defendê-la e as bem-sucedidas ne-
gociações com o governador de então, que salvaguardaram a UFPR do.
A outorga do AI-5 suspendeu o habeas corpus concedido a
Stenio, enquanto respondia ao processo instaurado com sua prisão
no Congresso de Ibiúna. Ele foi preso em casa e cumpriu pena no
Presídio Provisório do Ahú.
Esta narrativa de uma importante liderança estudantil da épo-
ca constitui um primoroso relato do movimento mais geral protago-
nizado pela juventude brasileira e das entidades que constituíram e
lutaram para manter. Stenio conta em detalhes o processo de tomada
da reitoria da UFPR em 1968 e as negociações com o governador do
Paraná para evitar o conflito corporal dos estudantes com as forças
policiais e conseguir um desfecho favorável ao ME.

SYLVIO SEBASTIANI
Idade – 84 anos
Profissão – Jornalista

SYLVIO SEBASTIANI nasceu no ano de


1929 em Batatais, interior de São Paulo, e se
mudou com sua família para Curitiba, em 1946.
Passados pouco mais de dez anos, filiado ao PTB,
assumiu a presidência da Câmara Municipal
de Toledo. No final dos anos 1950 retornou a
Curitiba, envolvendo-se ativamente nas atividades petebistas, no Insti-
tuto Brasileiro de Café (IBC) e como funcionário da ALEP (já em 1963).
Ferrenho trabalhista, fez oposição ao golpe desde o primeiro dia,
distribuindo folhetos nas ruas, o que lhe rendeu prestação de depoimen-
to ao delegado local. Com a extinção dos partidos, em 1966, ingressou

310
Resistência à ditadura Militar no Paraná

no MDB, assumindo a presidência da direção municipal curitibana


por vários anos e se envolvendo em praticamente todas as disputas
eleitorais do período. Junto aos grandes emedebistas do estado, como
Léo de Almeida Neves, José Richa e Miguel Buffara, ajudou na consoli-
dação do partido no Paraná, que possibilitou grandes vitórias nos anos
setenta, como a eleição de deputados federais e senadores. Em algumas
passagens, Sebastiani deixa claro como o governo interveio e adulterou
alguns resultados eleitorais insatisfatórios, como em 1968 e 1974. Já
no final da década, estreitou laços com Leonel Brizola, participando
brevemente de seu partido PDT quando da extinção do bipartidarismo.
Expoente das fileiras emedebistas de Curitiba e do Paraná,
desde a concepção desse partido em 1966 até o retorno do pluripar-
tidarismo em 1980, o depoimento de Sebastiani é imperdível para
aqueles que procuram se inteirar da atuação do MDB no estado.
Ficam evidentes os momentos de valentia e real oposição, bem
como a utilização do partido por alguns como meio de consecução de
projetos políticos pessoais. Ademais, as palavras proferidas podem cons-
tranger alguns participantes mais velhos dos recentes pleitos eleitorais,
nos quais eles bradam em alto e bom som e mantêm a imagem de in-
trépidos oposicionistas da ditadura, quando sua atuação histórica pode
relativizar tais afirmações. É possível perceber nas entrelinhas de seu
testemunho, bem como nos livros que publicou sobre o tema, as relações
e disputas de poder dentro do MDB, fracionado conforme suas memórias
em pelo menos dois grupos: um oriundo do PTB e outro do PDC.

TADEU FELISMINO
Idade – 58 anos
Profissão – Jornalista

Foi através da poesia ‘Expediente’,


vencedora de um concurso literário promo-
vido em 1974 pelo jornal Poeira do DCE da
Universidade Estadual de Londrina (UEL),
que JOSÉ ANTONIO TADEU FELISMINO se
aproximou do grupo que agitava o movimento
estudantil universitário. Estudante de Direito da turma de 1973,

311
Depoimentos para a História

Tadeu Felismino queria mesmo ser jornalista (ainda não havia o


curso de Jornalismo) e com a ajuda do companheiro de militância e
amigo Roldão Arruda, consegue o seu primeiro emprego em jornal.
“O Poeira tinha uma redação aberta, onde todos podiam
participar das lutas que nos mobilizavam como o ensino gratuito,
a livre organização e manifestação política dos alunos, eleições di-
retas para reitor, somando a luta pela Anistia e o fim da ditadura”,
rememora Tadeu. Em torno do jornal circulavam os estudantes
independentes, mas também os engajados nas organizações clan-
destinas como PCB e PCdoB.
O que começou como ferramenta da oposição do DCE para
mobilizar os estudantes sob o mote ‘levanta a Poeira, sacode e
dá a volta por cima’, transformou-se em veículo oficial do grupo
e porta-voz de uma geração. Em 1975, com coragem, o grupo
publica matéria denunciando as prisões na região dos militantes
do Partido Comunista Brasileiro pela Operação Marumbi, com
destaque para a do Professor Nelson Rodrigues dos Santos. A
ousadia rendeu perseguição, invasão do DCE e muita pressão
sobre os anunciantes do jornal.
No auge do Poeira, em 1976, Tadeu é eleito presidente do DCE.
Em Junho, ele, Marcelo Oikawa, Marco Antonio Fabiani e Márcia
Fugizawa participam de encontro da UNE em Belo Horizonte. Em
Londrina, o grupo do DCE enfrentava a truculência da reitoria que
queria impedir a realização de um debate sobre a Constituinte.
No final de 1978, o DCE foi fechado e a máquina de impressão do
Poeira roubada.
No final dos anos 70, Tadeu já estava cursando Jornalismo
quando se integrou às fileiras do MDB, participando da luta pela
democratização do país. Em 1982, foi eleito vereador de Londrina
pelo PMDB e reeleito em 88.

312
Resistência à ditadura Militar no Paraná

TARCÍSIO TRINDADE
Idade – 62 anos
Profissão – Professor

JOSÉ TARCÍSIO PIRES TRINDADE ti-


nha 19 anos quando foi preso no trabalho em
Maringá por uma equipe do Exército, Capitão
Antonio Benedito Balbinotti, durante ofensi-
va da repressão contra o Partido Comunista
Brasileiro Revolucionário (PCBR) no Norte do
Paraná. Da vida tranquila numa família de nove irmãos, Tarcísio
Trindade engaja-se na militância estudantil em meados de 1969,
muito influenciado pelo irmão Benedito Pires Trindade, que em fi-
nal de 68 tinha sido preso em São Paulo durante a participação no
Congresso da UNE em Ibiúna.
Enquanto Benedito está vivendo clandestino na capital pau-
lista militando pela Ação Popular (AP), Tarcísio passa três meses
preso no Quartel do Exército de Apucarana, sofrendo agressões
físicas e ameaças, “mas sem tortura forte”, minimiza. “Fiquei
numa cela sozinho, testemunhando os gritos dos jovens tortura-
dos na madrugada. Queriam saber quem era o cabeça”. Após a
prisão, Tarcísio passou um período de isolamento, “uma época
difícil para mim e minha família”. A retomada da ‘vida normal’
veio com o ingresso na Universidade Estadual de Maringá (UEM)
pra cursar Engenharia, após a absolvição do processo do PCBR,
mas a vigilância persistia.
Já formado, Tarcísio ingressa na UEM como docente em
1979. Sua ficha na DOPS já era conhecida da reitoria, pois foi
“convocado pelo ‘Tenente Rodrigues’, responsável pelo ‘ASI’ da
UEM, para falar sobre a minha militância”, recorda Tarcísio.
Mesmo com a advertência, participa da criação da Associação dos
Docentes da UEM (Aduem) em 80 e da primeira greve do ensino
estadual. Por sua militância, por duas vezes concorre na eleição
para Reitor, em 1990 e 2002.

313
Depoimentos para a História

TOSCA ZAMBONI
Idade – 54 anos
Profissão – Bióloga

TOSCA ZAMBONI tinha apenas cinco


anos quando o pai, Moacir Zamboni, foi um
dos presos políticos da ditadura já em 1964,
o que não permitiu que essa experiência e as
ressalvas familiares a afastassem das lutas
travadas por sua geração. De uma jovem
tímida e alheia ao movimento secundarista, transformou-se gradu-
almente em uma aguerrida militante universitária a partir de 1979,
participando da retomada do Diretório Central dos Estudantes e dos
enfrentamentos maiores que isso representava: combate ao autori-
tarismo e em prol da democratização da universidade.
Partindo da luta por um centro acadêmico para os estudan-
tes de Biologia, Tosca em pouco tempo assumiu a presidência do
DCE (1981), enfrentando tanto o machismo e o conservadorismo
imperantes na universidade de então quanto os desafios coloca-
dos pelo regime em seus momentos derradeiros. À frente do DCE,
protagonizou uma grande greve dos estudantes em 1981, quando
marcharam e depositaram flores aos pés dos soldados, porém fo-
ram impedidos de interceptar o presidente Figueiredo, tanto em
Curitiba quanto em Londrina.
Sua militância ultrapassou em muito as fronteiras estudantis
ao atuar no CDAMA, no movimento feminista, no CBA - CURITIBA,
no PCdoB e em manifestações de solidariedade plurais. Um relato rico
e envolvente sobre o movimento estudantil e a luta pela afirmação
da igualdade de gênero.

314
Resistência à ditadura Militar no Paraná

VALDIR IZIDORO SILVEIRA


Idade – 70 anos
Profissão – Engenheiro Agrônomo

VALDIR IZIDORO SILVEIRA ingres-


sou no Partido Comunista Brasileiro (PCB)
em 1964 em Florianópolis, onde militava
nos movimentos estudantil e sindical,
participando das atividades no período an-
terior ao golpe. No dia 29 de Março de 64,
ele e um grupo de estudantes fazem panfletagem com a palavra
de ordem ‘A favor de Jango. Contra o golpe’ na ponte Hercílio
Luz. “Fomos todos presos, obviamente, fichados, passamos a
noite na cadeia e soltos de manhã”, lembra com orgulho. Em
seguida ao dia do golpe, foi preso novamente e permanece por
60 dias encarcerado.
Comunista convicto e militante, vigiado e perseguido em Floria-
nópolis, em 1965 Valdir vai para Porto Alegre morar nas instalações
mantidas pela Juventude Católica Universitária (JUC) e radicalizou
na militância. Termina o científico e nesse momento faz contato com
Carlos Araujo, ex-marido de Dilma Rousseff, que estava fundando a
Var-Palmares. Já cursando Agronomia, teve uma rápida passagem
pela POC, mas passa a fazer parte da rede de apoio à Var-Palmares.
“Por seis meses guardei uma mala num apartamento que eu morava.
Guardei sem saber do conteúdo. Quando fui ver o que tinha dentro
eram os dólares da expropriação do Adhemar de Barros”, conta e
completa: “Se eu tivesse sido pego com essa mala, eu não estava
aqui para dar este depoimento”.
Com o cerco fechando pela repressão e vários militantes presos,
Valdir vai para o Rio de Janeiro em 1970. Depois de três meses, após
muitas dificuldades da vida clandestina, volta para Porto Alegre e é
preso. “Por ser da rede de apoio, ninguém me conhecia”. Solto em
abril de 71, retoma a faculdade de Agronomia e em 72 vem para o
Paraná para trabalhar na Acarpa, antiga Emater. “Apesar da ficha
na Dops, sou entrevistado por Heinz Herwig, um cidadão correto
que deu o emprego e a missão de construir a Copavel, cooperativa
de leite de Cascavel”, registra.

315
Depoimentos para a História

No Paraná retoma os contatos políticos com lideranças comu-


nistas como Espedito Rocha e volta a militar no PCB, mas filiado no
MDB. Quando veio a legalidade, Valdir integra a comissão provisória
do PCB em Curitiba. Participa do segundo mandato do governo de
Roberto Requião e como diretor da Claspar promove a luta contra
os transgênicos.

VALÉRIA PROCHMANN
Idade – 49 anos
Profissão – Jornalista

O começo da militância estudantil de


VALÉRIA BASSETTI PROCHMANN acontece
em 1982 quando participa do grêmio estu-
dantil do Colégio Medianeira, em Curitiba.
Mas de certa foram, ainda na infância, Valéria
já tem contato com a política em sua casa,
com a militância na Ação Popular (AP) de seu pai, o médico Régines
Prochmann. “Nasci na ditadura, com meu pai enquadrado na Lei
de Segurança Nacional e preso. Era um período de muita obscuri-
dade”, relembra.
Vivendo neste contexto, Valéria inicia sua militância quan-
do é convidada para ser representante dos estudantes na União
Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES). Participa da cam-
panha que elegeu o governador José Richa, sendo convidada por
ele para integrar o Comitê do Primeiro Voto. Em 1984, viaja pelo
Paraná com a Caravana das Diretas Já, organizada pelo PMDB,
que iniciou com o primeiro e grande comício na Boca Maldita em
12 de Janeiro daquele ano.
Em 1985, já cursando Jornalismo na Universidade Federal do
Paraná, Valéria participa da campanha da primeira eleição direta
para reitor na UFPR, que elegeu Riad Salamuni. Em 86, chega à
presidência da União Paranaense de Estudantes (UPE), a primeira
mulher a ocupar o cargo. “Com erros e acertos, dificuldades ou não,
a Democracia foi conquistada”, ressalta.

316
Resistência à ditadura Militar no Paraná

VALMOR WEISS
Idade – 76 anos
Profissão – Empresário

O ex-sargento VALMOR WEISS, nasci-


do em Rio do Sul, Santa Catarina, em 1937,
considera o início de sua trajetória política
uma viagem que fez para conhecer Curitiba,
em 1953. No trajeto de retorno, sentou ao
lado de um jovem, Luiz Geraldo Mazza, que foi
falando de Marx, reforma agrária, petróleo a viagem inteira. “Quando
me separei desse jovem, já me sentia um esquerdista”.
Em meados dos anos 1950 foi trabalhar em Paraíso do Norte e
após algum tempo se mudou para Curitiba, inicialmente exercendo
o ofício de garçom. Em 1956 começou a servir o exército, realizan-
do cursos e completando seus estudos, alimentando o sonho de
seguir carreira. No começo dos anos 1960, passou a acompanhar e
se envolver cada vez mais com a vida política, contestando pontos
específicos atinentes aos sargentos, como sua condição de inelegi-
bilidade eleitoral na prática e a hospedagem em quartos coletivos
dos hospitais e não em quartos individuais. Já próximo do golpe,
tornou-se autor de uma coluna do jornal trabalhista Última Hora,
dedicada à vida na caserna (Plantão Militar).
“Entre nós sargentos discutíamos muita política em nível de Brasil
[...] havia um sentimento nacionalista”. Uma reportagem que escreveu
sobre um sargento abandonado culminou na invasão do jornal e no
início de seus atritos com a alta oficialidade. Weiss chegou a formar um
grupo com outros suboficiais nacionalistas e trabalhistas (Comando
Geral dos Sargentos), iniciando algumas articulações fora do estado.
Pressentindo o golpe, elaboraram um plano de resistência,
que incluía a tomada do aeroporto Afonso Pena. Contudo, não tive-
ram tempo de executar o projeto, pois foram presos no 20º RI em
Curitiba, nos primeiros dias do novo regime. As péssimas condições
carcerárias resultaram na morte de um dos companheiros de Weiss,
vitimado por doença transmitida por rato. Foram submetidos a longos
interrogatórios, acompanhados de torturas físicas e psicológicas, e
transportados de carro com os olhos vendados, para um local des-
conhecido, possivelmente um navio.

317
Depoimentos para a História

De regresso a Curitiba, Weiss foi largado na cela 310 do


Presídio Provisório do Ahu, mantido isolado e incomunicável até
que finalmente conseguiu o habeas corpus, após várias tentativas
infrutíferas. Liberado em meados de 1965, de preso se tornou um
perseguido político, pois seus passos foram monitorados por certo
tempo e não conseguiu nenhum emprego formal. Nos anos subse-
quentes se dedicou exclusivamente aos negócios, tornando-se um
empresário de sucesso.  

VERDI ALVES DA SILVA


Idade – 76 anos
Profissão – Tecnólogo

O paraibano VERDI ALVES DA SILVA


chegou ao Paraná em 1960, depois de uma
temporada em São Paulo onde trabalhava
como topógrafo. Convidado para fazer um
curso de pavimentação, Verdi começou a
trabalhar no DER na ligação asfáltica entre
Curitiba e Ponta Grossa, conhecida como Rodovia do Café. “Embora
não pertencesse a nenhuma organização, já tinha feito as primeiras
leituras influenciado por integrantes do PCB que conheci em São
José do Rio Preto”, relembra Verdi.
Em Ponta Grossa, onde se estabeleceu, Verdi se filia ao PTB
e participa do comitê em apoio à candidatura do Marechal Lot em
1960. Em 63, organizados, lançam Felipe Chede candidato à pre-
feito e perdem. Quando o golpe acontece, todos do PTB são presos.
Verdi se refugia num sítio de um amigo. “25 dias depois, quando
já tinham soltado muitos dos presos, voltei para me apresentar
ao Exército e me detiveram para ser interrogado”, recorda. Muito
conhecido na cidade, Verdi é demitido e se vê obrigado a buscar
trabalho em Antonina, onde permanece por cinco anos e continua
a militância política.
No final dos anos 70, retorna a Ponta Grossa e participa da luta
pela Anistia, soma fileiras com os fundadores do PMDB em Ponta Grossa
e ajuda na eleição de José Richa em 1982 para o Governo do Estado.

318
Resistência à ditadura Militar no Paraná

VICTOR HORÁCIO DE SOUZA COSTA


Idade – 78 anos
Profissão – Aposentado

VICTOR HORÁCIO DE SOUZA COSTA


nasceu no bairro da costeira em Paranaguá,
no ano de 1935, Victor relembra sua infância,
quando jogava futebol e bolinha de gude, e
como, já com treze anos, idealizou e presidiu
uma liga de futebol juvenil. Sua vida profis-
sional começou aos quinze anos, em uma firma de café. Aprovado em
concurso público, logo se interessou e passou a se envolver com a vida
sindical, começando a “incomodar os patrões”. Em 1959, foi eleito presi-
dente sindical dos bancários estaduais de Paranaguá e, três anos mais
tarde, engajou-se na unificação de sindicatos de diferentes categorias do
litoral, fundando o Fórum Sindical de Debates do Litoral Paranaense.
Seguindo suas recordações, até a concepção desta importante
entidade, o cenário sindical local fora marcado por intensas disputas,
frequentemente envolvendo atos ilícitos, e até homicídios. Além dessa
organização e regulamentação das querelas, o Fórum protagonizou
importantes ações reivindicatórias, a exemplo de uma audiência
com o governador da época, denunciando as péssimas condições
de trabalho e empresas fantasmas.
Já na primeira semana do Golpe de 1964, Victor foi preso
juntamente com outras lideranças sindicais, permanecendo no cár-
cere por cerca de dois meses e meio e mantido sob vigilância após a
soltura. Lembra que, no calor dos eventos houve reuniões e vários
companheiros propuseram resistir para manter o apoio ao governo
de Jango e às reformas de base. Na prisão, conviveu com outras
lideranças sindicais e políticas, além de trabalhadores.  
Seu sindicato ficou sob intervenção e ele respondeu a um pro-
cesso na justiça comum e outro na justiça militar, sendo absolvido
anos mais tarde. Essa perseguição estatal custou seu emprego no
Banco do Brasil, o que o obrigou a se deslocar algumas vezes e advo-
gar, como em Ponta Porã, no Mato Grosso e em São José dos Pinhais.
Victor foi readmitido cerca de dez anos após sua demissão do banco,
reassumindo cargo em Curitiba e, gradativamente, foi se envolvendo
novamente na vida sindical, participando de greves e de outras ações.

319
Depoimentos para a História

VITOR MORESCHI FILHO


Idade – 57 anos
Profissão – Médico

VITOR MORESCHI FILHO atuou no


Movimento Estudantil no período final da
Ditadura, participando ativamente, inclusive
como diretor, da reconstituição da União Na-
cional dos Estudantes. Também se engajou
na reconstrução do Diretório Central dos
Estudantes da UFPR e do Diretório Acadêmico Nilo Cairo.
Sua luta foi muito além dos muros universitários, integran-
do brevemente os quadros do PMDB e do PCdoB, e organizações
diversas, como o Movimento Ecológico de Curitiba, o o CDAMA e o
CBA-CURITIBA.
As memórias de Vitor transcendem essa participação ativa nas
lutas de então, permeando o descompasso entre seu aprendizado
no curso de medicina e as necessidades das populações carentes, a
miséria na região do Contestado, quando ele próprio ainda era uma
criança, e os conflitos entre os moradores de periferia e a prefeitura
de Curitiba, no final dos anos 1970 início dos 1980.

VITÓRIA FARIA
Idade – 68 anos
Profissão – Professora

Desde os tempos mais idos, VITÓRIA


LÍBIA BARRETO DE FARIA destacou-se como
oradora. A segunda de seis irmãos, com a
morte precoce do pai em 1965 teve que, desde
cedo, conciliar os estudos superiores (histó-
ria e jornalismo) com o sustento da família,
trabalhando como professora particular nas horas vagas. Embora
não tenha tido uma atuação constante e direta nas ações políticas
protagonizadas pelos quatro irmãos, sempre consentiu com suas

320
Resistência à ditadura Militar no Paraná

perspectivas, dando suporte como podia. Inclusive, lembra como


transformou o Colégio Tuiuti – onde era diretora e nora do dono – em
um abrigo para militantes, empregando diversos deles, como seus
próprios irmãos.
Em suas palavras, na condição de trabalhadora “arrimo da
família”, sua “formação política se deu a partir dos meninos”. “Via,
discutia e apoiava irrestritamente seus irmãos e suas ideias, acre-
ditando em suas crenças”. Afora auxílio material, na condição de
simpatizante da AP, seu apartamento constantemente era cedido
para ser utilizado como “aparelho”.
Ao se formar em história, passou a lecionar em diversos locais,
inclusive as matérias de Organização Social e Política Brasileira e
Educação Moral e Cívica, sendo uma “professora diferenciada”, sem
“nunca cumprir o papel que deveria cumprir nessas disciplinas” ao
discutir “o que havia de mais avançado”, como repressão, divórcio e
anticoncepcionais. Nos anos 1970, divorciada e afastada do Tuiuti,
participou da comissão pedagógica da Escola Oficina. Junto a seu
novo companheiro, Gildo Scalco (ligado a AP), foi morar em Belo
Horizonte onde criou uma escola alternativa inspirada na experi-
ência de Curitiba e passou a ter uma atuação política mais ativa,
engajando-se na fundação do PT.

VITÓRIO SOROTIUK
Idade – 68 anos
Profissão – Advogado

VITÓRIO SOROTIUK, filho de pai farma-


cêutico filiado e eleito vereador pelo PTB, tão
logo entrou no curso de Direito da UFPR, em
1965, passou a atuar no movimento estudantil.
Participou das gestões do Centro Acadêmico
Hugo Simas, inclusive como presidente em
1967, conseguindo mantê-lo ativo e livre das ingerências do regime e
de grupos conservadores. Devido a essa atuação inicial, Vitório ficou
trinta dias detido, iniciando seu mandato na cadeia. Ao sair, passou três
meses foragido e na clandestinidade, com prisão preventiva decretada.

321
Depoimentos para a História

Em 1968, quando já havia deixado o PCB e se vinculado ao PCBR,


foi eleito presidente do DCE da Federal, tomando posse em meio a uma
peça teatral, como forma de driblar a repressão. Participou dos malfada-
dos encontros da UNE em Ibiúna e na Chácara do Alemão, sendo nova-
mente preso em dezembro de 1968 e condenado, desta vez cumprindo
pena até outubro de 1971. Ao deixar o cárcere, perseguido, exilou-se no
Chile já no começo de 1972, ficando lá até pouco depois do golpe que
derrubou o governo progressista de Allende. Antes de partir para França
e Suíça, Vitório passou quarenta dias detido no Estádio Nacional.
Exilado na América Latina e na Europa, participou de organi-
zações de brasileiros, como o Comitê de Denúncia da Repressão e o
CBA na Europa. Trabalhou ainda como falsificador de documentos
pelo PCBR no Chile, organizou uma rede de contatos para garantir
a entrada clandestina de exilados no Brasil, trabalhou na gráfica do
partido socialista francês, onde elaborou e imprimiu um dossiê sobre
prisões e torturas no Brasil, e organizou um curso de português, des-
tinando parte dos recursos arrecadados para apoiar presos políticos.
Desde que voltou do exílio no dia 31 de agosto de 1979, Vi-
tório participou ativamente dos acontecimentos políticos no país.
Recentemente, foi candidato a vereador de Curitiba pelo Partido dos
Trabalhadores, conseguindo uma expressiva votação.

WERNER FUCHS
Idade – 64 anos
Profissão – Pastor

Gaúcho de nascimento, o pastor WER-


NER FUCHS participou ainda nos anos 1950
do movimento estudantil e do movimento das
igrejas luteranas, no Rio Grande do Sul. Após
um tempo passado na Índia, mudou-se para
o Paraná em meados dos anos 1970, assen-
tando-se no oeste do estado onde passou a atender comunidades de
pessoas atingidas por barragens. Foi uma atuação ecumênica junto
à Comissão Pastoral da Terra (CPT) para “salvar população angus-
tiada”. Sua própria paróquia foi ameaçada de inundação e Fuchs

322
Resistência à ditadura Militar no Paraná

se tornaria uma importante liderança nessas questões, inclusive


assumindo o escritório da CPT de Curitiba.
Suas memórias percorrem, detalhadamente, os primórdios do
movimento de pessoas atingidas por barragens, que se desdobraria
em organizações (Movimento Justiça e Terra e Movimento dos Agri-
cultores Sem Terra do Oeste – MASTRO) e mais tarde no Movimento
dos Sem-Terra (MST).
A primeira grande concentração teria sido organizada em outubro
de 1978, reunindo mais de mil pessoas. Daí em diante seria travada
uma difícil negociação com a Itaipu, a fim de conseguir uma indenização
justa pelas desapropriações. Seriam bloqueados escritórios da empresa,
feitos acampamentos e marchas até Foz do Iguaçu para pressionar a
binacional, até que começassem as ocupações de terra e romarias.
Devido a essa atuação, que também contemplou as popula-
ções indígenas atingidas por barragens, Fuchs foi um dos últimos
a ser processado e responder a um IPM na auditoria da 5ª RM de
Curitiba, já após a ditadura, em 1987, tendo sido condenado. Seu
processo levou à criação de um comitê de solidariedade. Um depoi-
mento relevantíssimo, sobretudo pela narrativa da situação no oeste
paranaense e das arbitrariedades lá cometidas.

WILSON PREVIDI
Idade – 81 anos
Profissão – Aposentado

WILSON PREVIDI é um dos comunis-


tas históricos do Paraná. Integrou a União
da Juventude Comunista e em meados da
década de 40 já participava de campanhas
eleitorais, ajudando a eleger Maria Olimpia
Carneiro, integrante do PCB mas eleita pelo
PST, a primeira mulher eleita vereadora de Curitiba em 1947. “Eu
tinha 15 anos e a vi quebrar tabus com a sua vitória”, relembra. Na
juventude, chegou a ser detido duas vezes por pichações.
Previdi era um daqueles militantes incansáveis. Pela sua nar-
rativa, é possível entender como se davam as idas e vindas pelas

323
Depoimentos para a História

cidades do estado convocando, mobilizando e organizando ações


e eventos, mesmo antes do golpe de 64. Funcionário do Banco do
Brasil, ele tem forte atuação no movimento sindical dos bancários,
especialmente no interior, em Assai, para onde é designado. É eleito
vice-presidente da Associação Atlética do Banco do Brasil (AABB) e
por sua participação nos movimentos grevistas, sua permanência
na cidade fica impossível. “Não falavam comigo na rua, me isolaram
completamente por eu ser comunista”, recorda.
Já casado e com dois filhos, Previdi retorna a Curitiba em 1965
e continuar a militância no PCB. Até 68, ele integra a oposição à dire-
ção do Sindicato dos Bancários, mas não participa da chapa “porque
o Ministério do Trabalha vetaria o meu nome”. Vencida a eleição em
que o advogado Luiz Salvador é eleito presidente, é nomeado diretor
de publicidade e integra a gestão. A partir da decretação do AI-5, tudo
muda. A vigilância se intensifica, mas a militância clandestina no
PCB continua. Sempre tomando muito cuidado, usando codinomes
com os contatos que fazia pelo interior e litoral do Paraná, Previdi
não chegou a ser preso na Operação Marumbi realizada em 1975.
Ele não, mas seu pai, Virgílio, ficou 90 dias preso.
“Participei de todas essas lutas, de todos os movimentos, Anis-
tia, Diretas Já. Sempre junto com o pessoal do partido e junto com
o pessoal de outras correntes também”, afirma Previdi, que ainda
hoje faz parte da comissão executiva do PCB como tesoureiro.

ZÉLIA DE OLIVEIRA PASSOS


Idade – 72 anos
Profissão – Socióloga

ZÉLIA DE OLIVEIRA PASSOS já antes


do golpe, militava junto ao Movimento Estu-
dantil, acompanhando o curso de teatro orga-
nizado pela juventude do PCB, com Walmor
Marcelino à frente. Participou da organização
do Centro Popular de Cultura e de peças tea-
trais engajadas, adaptando textos de Bertold Brecht e Albert Camus.
Na faculdade de pedagogia, integrou o Centro de Estudos Peda-
gógicos, onde era discutido o método Paulo Freire, e inspirada nesse

324
Resistência à ditadura Militar no Paraná

referencial criou um grupo clandestino no Pilarzinho para alfabeti-


zação de trabalhadores. Filiou-se à Ação Popular e, recém-formada,
partiu para lecionar no magistério e na universidade em Maringá.
Cumprindo a tarefa pela AP de “integrar-se” junto à classe operária,
abandonou a carreira docente para trabalhar em uma fábrica no Rio de
Janeiro. Grávida e perseguida foi a Minas Gerais e depois retornou a
Curitiba, sendo presa. Após o período prisional, no qual esteve grávida,
reassumiu suas funções no funcionalismo público e acompanhou a luta
dos moradores de periferia. Seu depoimento é permeado pela tensão en-
tre o indivíduo e a obra revolucionária, trazendo um relato único sobre
a gestação no cárcere.

ZENIR TEIXEIRA
Idade – 56 anos
Profissão – Professor

ZENIR TEIXEIRA iniciou a sua militância


ainda na adolescência em Pato Branco, Sudoeste
do Paraná. Integrou o movimento estudantil, che-
gando a viajar para Salvador para participar do
congresso de reconstrução da UNE. “Lutávamos
pela liberdade, contra a escola autoritária e pelo
fim da ditadura”, afirma. Em Salvador, faz contato com PCdoB e outras
organizações de esquerda e se aproxima da direção da União Paranaense
dos Estudantes (UPE), Mário Leal, Geraldo Seratiuk e Pedro Longo.
Zenir intensifica a militância estudantil ao participar por três
gestões da direção da UPE, abandonando os estudos e se mudando
para Curitiba, onde passa a militar clandestinamente no PCdoB. Em
final de 79, vai a Florianópolis participar do protesto pela visita do
Presidente General João Batista Figueiredo à cidade.
Participa das campanhas pela Anistia, diretas Já e Constituin-
te. Em meados da década de 80 se transfere para Jacarezinho e passa
a atuar nos movimentos sociais e no apoio aos trabalhadores rurais
e sindicatos. Fez parte da comissão que trabalhou pela legalização
do PCdoB e até hoje é filiado. Desde 2008, trabalha na Central dos
Trabalhadores do Brasil.

325
Foto: http://super.abril.com.br/jogo-ditadura-militar/

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