Transcrição - Astrologia - Aula 01 - 2002 (Sem Revisão)
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Eu acho que seria bom clarearmos mais um pouco o que são os quatro elementos. O
importante é se ficam claros os pressupostos dos quatro elementos, se é clara para o sujeito
aquela definição de corpo e se é claro o que é uma condição necessária para a existência de
um corpo. Porque é disso que fica clara a definição de algo. Se a gente chega e fala que
todo corpo tem extensão quer dizer que a extensão é uma condição necessária para a
existência de um corpo. Sem extensão não tem corpo. Se a gente fala que não basta
extensão mas que é necessário o limite da extensão.
Deixa eu perguntar condição por condição: é claro que para existir um corpo tem
que existir extensão, que para que algo seja um corpo ele seja dotado de extensão? Isto é
claro e evidente para todos? É claro que essa extensão tem que ser limitada? Não é para
fazer de conta que é e ver no que dá. É claro para vocês que se existisse um corpo de
extensão ilimitada isso impediria a existência de outros corpos? E como a gente observa
que existe mais do que um corpo a gente conclui que não existe nenhum cuja extensão seja
ilimitada.
Por que é claro isso? É claro porque está subentendido um traço essencial dos
corpos, aliás, um traço que quase define a manifestação corpórea no qual a gente não
pensou, que é a impenetrabilidade. Não dá para coexistir um corpo ilimitado com corpos
limitados porque um não pode estar no mesmo lugar que o outro. Porque se existisse um
ilimitado e um limitado eles teriam que estar no mesmo lugar, o limitado teria que ocupar
alguma porção do espaço que é ocupada pelo ilimitado, e isso repugna a nossa inteligência.
Estamos nos referindo a corpos. Se existe um corpo ilimitado então não pode
coexistir um limitado. Se existe um corpo que não tem limite em sua extensão então não
pode existir um corpo que tenha limite, porque ele ocuparia toda a extensão possível.
Estou falando em ilimitado em todas as dimensões, porque quando a gente fala de
um corpo a gente está falando de algo que tem três dimensões. Se a gente fala de um corpo
ilimitado é ilimitado em todas as dimensões. Então o corpo tem que ter algum limite em sua
extensão. Se esse limite tem que ser necessariamente em todas as dimensões ou não eu não
sei. Suponha que exista um negócio com dois centímetros de espessura e extenso nas outras
duas direções indefinidamente. Não está provado que ele não pode existir, pelo menos pelo
que foi dado até agora, mas também não está provado que existe porque a gente não
observa, nem está provada a necessidade de existência dele.
É claro para vocês que todo corpo é mutável? Que todo corpo pode ser mudado? E é
claro que todo corpo tem alguma duração? Que todo corpo persiste no Ser mais do que um
instante? Também tem limites temporais porém não é necessário que todos os corpos
tenham limites temporais, porque a existência de um corpo temporalmente ilimitado não
exclui a existência de corpos temporalmente limitados. Se existir um corpo que existiu
desde sempre e que existirá sempre isto não impede que existam corpos que passaram a
existir num momento e vão deixar de existir em outro. Uma coisa não exclui a outra. A
limitação temporal aí não é da mesma natureza que a limitação espacial.
Está claro que se um corpo é mutável existe um substrato que continua o mesmo
subjacente a qualquer mutação? Você pega um corpo quente e o muda de quente para frio,
tem que existir algo que antes era quente e depois era frio que, fora a razão quente-frio, é o
mesmo algo. Quer dizer, subjacente a qualquer mutação tem que existir um sujeito, um
substrato.
Com essas condições aí nós temos as condições realmente necessárias para a
existência de um corpo. E são dessas condições que a gente tira a idéia dos elementos.
Vamos pensar se alguma dessas condições é divisível, se pode ser concebida naturalmente
em duas espécies.
Por exemplo, existem duas espécies de duração? A duração longa é especificamente
distinta da duração curta? Elas não são especificamente distintas mas só acidentalmente
distintas. Um corpo grande é intrinsecamente diferente de um corpo pequeno? Mudou a
espécie por mudar o tamanho? Não. Mesmo porque longo, curto, grande e pequeno são
relativos. Quer dizer, não existe um grande sem existir um pequeno com o qual você
compara. Não existe uma duração longa se ela não é comparada com uma outra duração.
Qual é a característica dos relativos? Os conceitos relativos podem se encontrar
simultaneamente na mesma coisa. Uma mesma coisa sob um mesmo aspecto pode ter uma
duração longa e curta ao mesmo tempo, depende de com o que eu estou comparando ela.
Um sujeito pode ser grande e pequeno ao mesmo tempo, depende de com o que eu o estou
comparando. A sala é grande comparada com o copo mas é pequena comparada com a
cidade. E ela é essas duas coisas ao mesmo tempo. A sala não precisou mudar para ser
pequena comparada com a cidade e grande comparada com o copo. Ela pode ser as duas
coisas ao mesmo tempo. Grande e pequeno não são contrários, são relativos.
E quanto ao limite da extensão? O limite é divisível em algum sentido que forme
contrários? Quer dizer, existem duas espécies de limites distintas? Existe. Aí existe mesmo.
Um copo tem o seu limite determinado por ele mesmo. A forma do copo é a mesma, só vai
mudar se a gente usar um agente externo e há outras coisas que são adaptáveis por elas
mesmas. Ou o café só é adaptável porque existe um agente externo? O café é capaz de
mudar sua figura porque é aplicada uma força externa ou por ele mesmo? A gente pode
dizer que o café se adapta ao copo movido por uma força externa, porque tem o peso dele.
Se ele não tivesse peso ele não se adaptaria ao copo. No entanto o limite dele é móvel em si
mesmo, independente do peso.
A gente não vai colocar como sólido e líquido aqui, porque essas são só novas
noções que vão complicar a questão. Vamos só pensar o seguinte: um é naturalmente capaz
de adaptar seu formato e o outro não. Não sei se ele é isso porque ele é líquido ou sólido,
não me interessa porquê, por enquanto não estamos estudando o porquê das coisas, somente
o que elas são, se não soubermos direitinho o que uma coisa é nunca saberemos o porquê
dela. Está claro que se só houvesse uma pedra no universo ela ainda teria a inclinação
natural a manter sua própria figura e que se só houvesse café no universo ele teria
naturalmente a inclinação a ser indeferente à mudar de figura ou não?
Então nós temos o limite da extensão como diferença específica que gera duas
espécies de limite. Essa diferença é uma diferença de espécie para o limite mas não é uma
diferença de espécie para o corpo e eu já vou explicar porquê. Vamos continuar analisando
outra diferença, a da mutabilidade.
Qual é a primeira mutabilidade de que um corpo é capaz só pelas condições da
existência dele? O corpo é capaz de mudar em muitos sentidos, é capaz de mudar de branco
para preto – mudar de cor –, pode mudar de tamanho, pode mudar um monte de coisas. Mas
essas mudanças não estão incluídas nas condições necessárias para a existência de um
corpo. Existe alguma possibilidade de mudança incluída na própria definição de corpo e nas
próprias condições? Essa possibilidade de mudança se encontra na condição da extensão,
porque toda extensão é divisível. Se uma coisa se encontra num momento não-dividida e
em outro dividida ela mudou. É claro para vocês o conceito de divisibilidade da extensão?
É claro para vocês que a inteligência não exige, dado o conceito de extensão, o conceito de
indivisibilidade? É claro para vocês que a experiência também não apresenta isso? Se você
pensa em extensão você tem que pensar em indivisível? Não, a idéia de extensão não
implica a idéia de indivisível. Você pensa em divisível. É claro que a experiência também
comprova isso? Então da extensão divisível você pode conceber a possibilidade de um
corpo resistir ou não à divisão, de um corpo tender por si mesmo à divisão e de outro corpo
não tender por si mesmo mas que só se divide movido por uma força externa.
Então dessas condições que são divididas em espécies surgem os tipos dos corpos.
Quer dizer, você pode conceber um corpo cuja extensão tenda naturalmente à divisão, um
corpo que seja impelido por si mesmo à divisão, e outro que seja compelido por si mesmo à
indivisão. E você pode conceber, ao mesmo tempo, um corpo cujo limite seja auto-
determinado e um outro corpo cujo limite não seja auto-determinado, seja determinado por
outro. Se juntarmos todas essas condições formamos os quatro elementos. Tem um corpo
que tende por si mesmo à divisão cujo limite não é determinado por ele mesmo. Esse tipo
de corpo é o que se chama ar na tipologia tradicional. Existe um outro corpo que tende por
si mesmo à divisão cujo limite é determinado por ele mesmo, e não por outro, e esse corpo
é o que se chama fogo. Existe um outro corpo que tende à indivisão, cujo limite é
determinado por ele mesmo, e esse corpo se chama terra. E tem um corpo que é por si
mesmo inclinado à indivisão, cujo limite não é determinado por ele mesmo, e esse corpo se
chama água.
Por que a gente dá esses nomes para os elementos e não outros? Justamente porque
as coisas que são propriamente denominadas com esses nomes ilustram imaginativamente o
que seja esse tipo de corpo. Quer dizer, a água que a gente bebe é uma imagem sensível
imediata do tipo água, que é determinado por aquelas condições.
Sim. A água tende a manter suas partes unidas? Pelo contrário, você solta a água,
você a libera, e ela tende a se reunir. A água não desce toda para um lugar só ou a água se
espalha por si mesma?
Aluno: eu pensei numa imagem escatológica disso: quando você mija sai um jato
aponta para uma direção, quando você peida não. Ou quando você põe duas gotas de água
próximas e elas se unem.
Sim. Enquanto que o ar está sempre movendo uma parte para um lado e outra parte
para o outro.
É claro que cada uma dessas coisas ilustra o tipo do qual estamos falando? É claro
para vocês que a água que a gente vê parece o tipo água? Que o ar que respiramos parece o
tipo ar? E assim por diante para as outras coisas?
Agora, também segundo a ciência tradicional todos os corpos concretos são
compostos dos quatro elementos, quer dizer, apresentam silmultâneamente características
dos quatro tipos, em dosagens diferentes. Esse é um ponto importante: composição no
sentido tradicional é distinto de composição no sentido atual. Composição no sentido
tradicional não significa que em um determinado corpo há um pedacinho que é do tipo
fogo, um pedacinho segundo o tipo água, um pedacinho segundo o tipo ar e um pedacinho
segundo o tipo terra, isso é combinação. Composição significa coisas que têm a mesma
posição, que estão no mesmo lugar.
Como é que estão no mesmo lugar? Como se trata de uma composição natural,
significa o seguinte: que em relação a alguns corpos esse copo aqui tende a ser repelido; ele
tende a repelir alguns corpos mas não tende a repelir outros. Em relação a uns ele é ígneo e
em relação a outros ele não é. Em relação a uns ele é quente e em relação a outros ele é frio.
Isto significa que ele participa em alguma medida dos quatro tipos e não que ele tem
partículas de fogo, partículas de ar, partículas de terra e partículas de água como a gente
imagina quando pensa em composição.
Para a gente usar os quatro elementos como tipos não de corpos mas como tipos de
outras coisas a gente tem que entender qual a raiz, qual o fundamento ontológico da divisão
em quatro. A gente vai entender que tudo que naturalmente se dividir em quatro segue uma
estrutura tal que cada um dos elementos de um quaternário tem uma analogia com um dos
elementos de outro quaternário natural.
Para a gente usar os quatro elementos como tipos, por exemplo, de diferenças na
personalidade a gente tem que descobrir em que sentido a personalidade humana pode ser
dividida em quatro tipos e a gente vai ver que cada um dos tipos da personalidade humana e
cada um dos tipos dos corpos correspondem cada um deles a um outro tipo no qual eles se
unificam, ao qual os dois são análogos. Não é uma identificação mas é uma analogia, quer
dizer, eles têm aquele traço em comum. Você vai dizer, em termos tradicionais, que tudo
que naturalmente se divide em algum número, tudo que é medido por algum número
naturalmente, corresponde a um tipo expresso por aquele número. Então, antes de a gente
levar adiante o estudo da corporalidade nós vamos introduzir aqui o estudo dos números no
sentido tradicional. E, para começar, vamos tentar entender o que é o número, o que a gente
significa pela palavra número.
Só uma notinha antes de entrarmos no número: é muito útil para os alunos ficar
observando nas coisas, nos corpos concretos, as diferenças dos tipos, olhar as coisas e saber
identificar se a coisa é terrestre, ígnea, aquática ou aérea, adquirir essa facilidade, essa
capacidade. E isso o sujeito só consegue observando os corpos e catalogando eles.
No caso dos corpos concretos ela é sempre comparativa, se bem que para a maioria
dos corpos ela salta aos olhos. Se você olhar isso aqui – o copo – corresponde mais a que
elemento? Terra. Tipologicamente isso aqui é terra. Se você pegar o café que está aqui
dentro, corresponde a o quê? À água. É muito simples. É muito fácil.
Dentro dos corpos se você quiser complicar sua vida pegue a água fervendo. Vapor
é fácil, é ar. E a cinza de cigarro? Cinza é terra. Não tem dúvida. Se o sujeito não conseguir
fazer isto com os tipos que são os corpos ele não vai conseguir nunca interpretar um mapa
astrológico, porque a gente vai ver daqui a pouco que a gente vai lidar com tipos muito
mais abstratos do que os tipos que são os elementos.
Alguém aqui pode me explicar o que é número? Ou pelo menos me dizer alguma
coisa acerca do número? Modernamente ninguém sabe nada porque todo mundo esqueceu
de olhar o que as coisas são. De um determinado tempo para cá essas palavras começaram a
significar muitas coisas análogas entre si mas que não são especificamente as mesmas. E
quando um termo significa muitas coisas análogas ele se torna confuso e se torna
impossível defini-lo. Você tem que parar e ver dessas coisas análogas qual é a primeira a ser
concebida, e daí esse termo significará estritamente isso, e as outras coisas ele significará
somente por analogia, só porque essas outras coisas são parecidas com ele.
Chegamos a algo, o número tem alguma coisa a ver com quantidade. Isso todo
mundo percebe, certo? Até aí estamos no terreno da unanimidade, todos concordam que
número tem alguma coisa a ver com quantidade? Quando falamos de quantidade nos
referimos à duas espécies de quantidade: quantidade contínua e a quantidade descontínua
ou discreta. Será que conseguimos definir essas duas espécies?
Aluno: as contínuas estão juntas e as descontinuas estão separadas.
É por aí a distinção. Toda quantidade tem partes fora de partes. Numa quantidade
uma parte está fora da outra e a característica da quantidade descontínua é que os limites de
cada uma das partes não são em comum. Vamos considerar o isqueiro e o copo para
representar a quantidade dois. Tem duas partes, o isqueiro e o copo, e os limites do copo
não sào os mesmos do isqueiro. Eles não têm limites em comum. Os limites podem estar
juntos ou separados, mas, mesmo juntos, o limite de um não é o limite do outro. E na
quantidade contínua os limites das partes são sempre em comum com outra parte. Vamos
considerar o papel dividido em duas metades – fazendo um traço no meio com uma caneta,
ressaltando a divisão ao meio. Está claro que o limite de uma parte é em comum com o
limite da outra? Esse limite é uma linha separando uma metade da outra. Essa linha que é o
limite dessa parte é a mesma linha que é o limite da outra. Não são duas linhas juntas,
encostadas uma na outra, mas a mesma linha pertence às duas partes, como limite. Agora,
se eu cortar esse papel bem no meio, nessa linha, mesmo que eu junte e enconste uma parte
na outra, a linha que pertence a uma parte não é a linha que pertence a outra parte.
Então podemos definir a quantidade contínua justamente como a quantidade cujas
partes têm seus limites em comum. E a quantidade discreta ou descontínua é a quantidade
cujas partes não têm limite em comum. Essa definição é suficientemente clara porque
distingue realmente, porque toda quantidade cujas partes não têm limites comuns
corresponde à quantidade discreta e nada mais é além da quantidade discreta.
Vamos dar um nome para cada uma dessas quantidades para a gente não se
confundir. Vamos dizer que a quantidade contínua chama-se magnitude – e aí a definição de
magnitude seria a quantidade cujas partes têm limites comuns – e vamos chamar de
multidão, ou multiplicidade, a quantidade discreta – multidão, ou multiplicidade, é a
quantidade cujas partes não possuem limites comuns. Só há essas duas espécies de
quantidade, todas as outras são subdivisões dessas mesmas espécies.
Agora, se o número tem a ver com quantidade, ele tem a ver principalmente com a
quantidade discreta ou com a contínua? Com a multidão ou com a magnitude? Com qual
delas? Com a multidão, porque é pela multidão que a gente apreende o número, e depois a
gente aplica a idéia de número à quantidade contínua, fazendo de conta que ela é uma
multidão de pedacinhos. Quer dizer, a quantidade que primeiro tem a ver com número é a
multidão. A outra quantidade vem só tem a ver com número quando eu concebo uma outra
magnitude que é uma unidade para ela, e assim eu concebo aquela magnitude como a soma
destas unidades. Quer dizer, o número só tem a ver com maginitude, com a quantidade
contínua, se eu puder imaginá-la como quantidade descontínua. Como um papel que tem
trinta centimetros. Mas só observando a quantidade contínua não dá para ter a idéia de
número. Para ter a idéia de número eu tive que observar a quantidade descontínua. Entào a
gente vai dizer que o número tem a ver propriamente com a quantidade descontínua.
Agora vamos pensar qual é a relação do número com a quantidade descontínua.
Aqui nós temos essa multidão – copo, isqueiro, duas canetas e um maço de cigarros – e
suponha que ela fosse muito grande e não fosse fácil apreender de imediato qual é o
número dela. Como tem pouca coisa aqui o pessoal já olha, conta rapidinho e vê que tem
cinco. Mas suponha que tem um monte de coisas aqui. Como a gente faz para descobrir o
número de uma multidão? Primeiro a gente forma a noção de unidade. Considerando que
cada objeto que tem seu limite próprio é um, o primeiro chama um; com o segundo, somam
dois, e assim por diante. Eu tenho que contá-los, um por um. Eu tenho que medir essa
multidão pela unidade. Se minha unidade fosse outra o número seria diferente. Para dizer
que são cinco eu tenho que tomar primeiro como ponto de partida a idéia de que cada um
deles é uma unidade. Só se dá a uma multidão o nome de número quando ela é medida pela
unidade. Enquanto ela não foi medida pela unidade ela não é um número.
Pelo menos o universo corpóreo não pode ser infinito, tem que ser finito, porque o
universo corpóreo é uma multidão.
Agora, vamos considerar o seguinte: para algumas coisas pode ser acidental
apresentarem-se nesse ou naquele número; quer dizer, algumas coisas são de multiplicidade
variável. Por exemplo, é acidental à natureza das pedras existirem três ou quatro pedras.
Não muda nada na natureza das pedras se em algum momento existem três e em outro
existem quatro. Suponha que existam três milhões de grãos de areia no universo; se em
algum momento passar a ter dois bilhões, grão de areia continua sendo grão de areia, eles
não deixam de ser grãos de areia, nem a ser mais grãos de areia porque mudou a
quantidade. Não mudou a definição de cada um dos elementos porque mudou a quantidade.
Aqui nós temos duas canetas; caneta tem uma definição – instrumento que serve para
escrever; se em determinado momento eu não tiver mais duas canetas mas uma só, mudou a
definição de caneta? Não, continua a mesma definição. Quer dizer, existir em uma
determinada quantidade não faz parte da definição de caneta, tanto podem existir duas
como dois milhões.
Agora, aquilo que é por acidente é sempre menos cognoscível do que aquilo que é
por essência. Então para a gente entender direitinho o que é o número a gente tem que
procurar coisas que para existirem tem que existem naquele número e não em outro. Se eu
quero entender o que é dois eu preciso procurar coisas que, quando existem, existem em
forma dual, que se tirar um dos elementos eu destruí a definição da coisa. Porque aí o dois
entra na própria definição da coisa.
Como o um não é propriamente um número mas é o princípio do número a gente vai
começar pelo dois. Depois de analisar o dois talvez a gente volte para o um. Vocês podem
me dizer alguma coisa que existe sempre na forma de dois?
Polaridades listadas:
Noite dia;
Masculino feminino;
Bem mal;
Alto baixo;
Esquerda direita;
Feio bonito;
Norte sul;
Oriente ocidente;
Terra Céu;
Claro escuro;
Sol lua.
Agora, vamos excluir alguns pares como feio e bonito, porque feiura é privação de
beleza. É um conceito privativo.
Não, não são relativos de jeito nenhum. Agradável e desagradável sim. Mas de fato
é privativo, um dos conceitos aí não é real, é a falta de uma realidade. Alto e baixo são
relativos. Bem e mal é a mesma coisa, o mal é a privação do bem.
Vamos pegar a polaridade Sol e Lua como tipo e comparar as outras à ela.
Vamos comparar Sol e Lua com Dia e Noite. Qual dos elementos de Dia e Noite é
comparável ao Sol? É claro que pode ter lua de dia, mas a questão aí não é ter, a questão é
quem parece com o quê. É uma analogia. O dia parece mais com a lua ou com o sol? Parece
mais com o sol. Claro que a lua pode estar presente no céu diurno. Porque o que define dia
e noite é a posição do sol em relação ao horizonte e não a posição da lua. Pode ter lua de
dia mas não pode ter sol de noite, senão não é mais noite. Como a questão aí então não é a
posição da lua a gente tem que levantar a questão da semelhança. Também a gente pode
levantar a questão da função. O sol é a maior fonte de luz natural durante o dia e a lua é a
maior fonte de luz natural durante a noite. A gente pode dizer que o sol está para o dia
assim como a lua está para a noite. É indiferente se a luz da lua vem dela ou não, o que
importa é que quando tem algo iluminando a noite é a lua. O sol sozinho não ilumina a
nossa noite. A gente pode dizer que o fator decisivo aí é a lua, a posição da lua em relação
ao sol.
Agora, vamos comparar o par Masculino e Feminino.ao par Sol e Lua. Sol e lua não
tem nada a ver com masculino e feminino? Notem que estamos falando de analogia, do que
parece, e não de identidade. Não estamos falando que o sol é masculino, não estamos
atribuindo essa diferença ao sol e à lua. Estamos perguntando o que parece com o que.
Aluno: não parece nada.
Aluno: e o hermafrodita?
Uma relação semelhante é entre forma e matéria, que é outra polaridade que
podemos colocar. Então vamos dizer que a geração é possível só no feminino, mas ela só é
possível por meio da agência do masculino. Quer dizer, homem não pode engravidar, a
geração não é possível nele, só é possível no feminino. Mas essa possibilidade é
condicionada por uma agência do masculino. A diferença entre o masculino e o feminino é
a diferença entre o potente e o possível.
Vamos pegar uma outra analogia com outro fato para a gente ver se entende um
pouco melhor isso aí: o oleiro e o barro. O oleiro vi fazer um vaso. O que é capaz de tornar-
se vaso? É o oleiro que vira vaso? Não, é o barro. Agora, o barro vira vaso por sua própria
agência? Não, pela agência do oleiro. Gerar um vaso é uma possibilidade dos dois, mas em
sentidos diferentes. Aí um polo é passivo e o outro é ativo. O barro é o polo passivo da
produção do vaso e o oleiro é o polo ativo. Isso não é semelhante ao que acontece na
geração humana? É a mesma correspondência. Então nós temos aí a distinção entre uma
potência ativa e uma potência passiva. Masculino e feminino correspondem aos tipos
potência ativa e potência passiva, do mesmo jeito que oleiro e barro, ou marceneiro e
madeira. Sol e lua também é análogo a potência ativa e potência passiva, porque a lua é
capaz de iluminar a noite por ser capaz de receber e refletir a luz do sol e não por ser uma
fonte de luz. Agora, o sol não á capaz de iluminar porque a lua é capaz de receber a sua luz,
tem uma diferença aí de potência ativa e potência passiva. Quer dizer, a capacidade de
iluminar que o sol tem decorre de sua agência, a capacidade da lua iluminar decorre de sua
receptividade à luz do sol. Continua sendo estranha a associação sol e masculino, lua e
feminino? Passa a ser natural, uma coisa de fato se parece com a outra.
Aluno: e se a pessoa não sabe que a lua não tem luz própria?
Aí, de fato, a analogia perde a sua força. Mas ainda assim a analogia tem alguma
força pela própria aparência, o estilo da luz solar e o da luz lunar. Uma, de certo modo,
repele o seu olhar – a luz solar é forte demais para ser encarada de forma agradável sua
visão direta, ela força para que você não olhe para o sol – enquanto que a outra – a luz da
lua – não te repele, até atrai o olhar. Qualquer um que já tenha olhado a lua percebe isso,
que ela exerce algum fascínio sobre o olhar. Assim fica clara a analogia entre luz solar/luz
lunar e masculino/feminino? Quer dizer, o sol parece algo que joga para fora de si algo de
si, algo que irradia, e a lua parece algo que recebe.
Aluno: mas a mulher não recebe a criança (n. do t.: não sei se a pergunta foi essa).
Será que não? O que define oriente e ocidente? Onde o sol se levanta e onde o sol se
põe. Quando a gente fala de oriente e ocidente estamos nos referindo aos oriente e ocidente
reais, que existe aqui. Então a gente tem que ver o que diferencia um do outro: o oriente é
onde o sol nasce e o ocidente é onde o sol se põe. O nascer do sol se assemelha com o quê?
Ele é o explicitar-se do sol, é o vir à tona. Isto não parece o que estávamos falando do
masculino? É uma potência criadora, o nascer do sol gera o dia. O oriente é onde nasce o
dia, é onde o dia passa do oculto ao manifesto. Aquilo que se manifesta, aquilo que se
explicita, se exterioriza, isso é semelhante à natureza do masculino.
Aluno: por que a gente não considera a noite como ausência do dia?
É verdade. E isso aí tem alguma coisa a ver com a analogia céu e terra. Quando é
dia as diferenças terrestres são explicitadas, as diferenças entre as coisas que estão na Terra
são evidentes. Quando é noite não é. Mesmo quando a lua é cheia tudo é meio obscuro na
Terra, mas as diferenças no céu são explicitadas à noite. De dia o céu é todo igual, é só o
céu e o sol, mas de noite o céu é feito de direções qualitativamente diferenciadas, porque
você observa as diversas estrelas e as posições relativas entre elas.
Aluno: o trabalho intelectual à noite é melhor.
Pois é. Essas atividades são facilitadas à noite. Na verdade são um monte de fatores
que colaboram com alguma coisa ou com outra, juntos, sem que um seja causa do outro. Aí
é uma questão de analogia mesmo.
É, esse, aliás, é um dos dilemas dos companheiros dos profetas, porque eles ficavam
a noite toda rezando e o dia inteiro trabalhando, e ninguém nunca descobriu quando eles
dormiam. A regra beneditina estipula isso, o monge dorme de nove até meia-noite, acorda,
faz ofício até as duas da manhã, aí descansa das duas da manhã até as quatro, levanta, vai
rezar, vai trabalhar, e depois do almoço dorme mais um pouquinho. Hoje em dia não se faz
isso, mas está lá na regra, são raríssimas, eu nem sei se tem alguma. De fato é um horário
mais natural, tem tudo a ver com as casas. É que os caras naquela época eram todos
gnósticos, consultavam os manuais de astrologia, faziam os cálculos. Hoje é tudo pelo
horário comercial.
Então a noite não é somente uma privação do dia porque ela predispõe para
determinadas funções humanas diferentes das funções que são predispostas pelo dia. Os
dois têm funções positivas.em relação à nossa existência.
Agora, será que a gente pode dizer que há um tipo geral nas polaridades? Toda
polaridade corresponde a uma oposição determinante/determinável, toda polaridade natural
tem um polo determinante e um polo determinável, um polo ativo e outro passivo. Aí dia e
noite é só realmente em relação às funções terrestres. Para as funções terrestres, durante a
noite é quando você é determinável e durante o dia é quando você é determinante. Para as
funções terrestres, durante a noite é quando você é indefeso e durante o dia é quando você
tem defesa. Durante a noite você é mais determinável e durante a noite você é mais
determinante. Somente nesse sentido que você pode dizer que dia e noite correspondem à
polaridade determinante/determinável? Na verdade com relação ao dia e à noite nós temos
um quaternário, a gente tem dois elementos cujas funções se invertem durante o dia e
durante a noite. Durante o dia você é capaz de caçar as feras, durante a noite elas é que são
capazes de caçar você. É claro, o dia e a noite correspondem a esses princípios para o ser
humano, quer dizer, o que nos torna determinantes e o que nos torna determináveis. Mas
para um leão é o contrário. Como não estamos interessados no simbolismo dos leões, que
eles nem mesmo são capazes de compreender, então para nós pouco importam as funções
que o dia e a noite têm para eles.
Se dia e noite aí para ser entendido precisa que a gente coloque outros dois fatores
então talvez dia e noite tenha mais a natureza de um quaternário do que de uma polaridade.
Se bem que podemos dizer que a aparência do céu pode ser masculino ou feminino,
dependendo de se é dia ou noite. Então o simbolismo do dia e noite decorre da aparência do
céu.
Será que podemos dizer que toda polaridade natural, ou essencial, se divide segundo
um determinante e um determinável? Dia/noite é o ponto em que isto está sendo
complicado, então nós podemos esquecer dia/noite por um tempo, e depois quando formos
analisar o quatro nós voltamos ao dia/noite e vemos se podemos explicar pelo quaternário,
ou se realmente ele se explica pelo dois e nós não estamos vendo o aspecto pelo qual ele se
explica pelo dois.
Então está claro qual é o simbolismo do dois? Tudo aquilo que é essencialmente
dois em alguma medida se divide segundo um aspecto determinante e um aspecto
determinável.
Forma e matéria também se divide assim. Aliás, a diferença entre forma e matéria é
justamente essa: matéria é o determinável e forma é o determinante. Ou também quando a
gente divide em essência e sujeito, ou essência e substância.
Ele pode ser visto como uma outra coisa também. Aí já é uma outra questão. Neste
par aí existe uma hierarquia clara. Um pode existir sem o outro. A gente não vai considerar
essa diferença. O que importa aqui é entender a complementaridade entre determinante e
determinável. Pode ser que o determinável seja acidental ao determinante, pode ser que
não, pode ser que seja essencial à sua atividade. A gente vai dizer que propriamente
pertence ao simbolismo do dois aquela em que a correlação determinante/determinável é
essencial. Masculino/feminino corresponde muito exatamente a esse tipo, porque em
relação à geração só dá para ter geração de tem os dois polos, mas um é determinante e o
outro é determinável. No caso de outras polaridades pode ser que essa complementaridade
não seja essencial, como no caso sol/lua. Aí a gente tem que dizer que sol/lua só num
sentido secundário corresponde a determinante/determinável. E é verdade, você pode
considerar o simbolismo do sol segundo outros aspectos, independente da lua. Então é uma
polaridade numa certa medida mas não é absolutamente uma polaridade. Quer dizer, não
existe uma complementaridade entre sol e lua. Mas a gente vai dizer que propriamente, em
primeiro lugar é dois aquilo em que a complementaridade é necessária, e que só
secundariamente é dois aquilo que sob algum aspecto é complementar no sentido de
determinante/determinável.
Pode haver confusão. Pode acontecer num caso, por exemplo, esquerda e direita
significando essa mão e essa outra, embora originariamente o sentido da palavra direita
tenha a ver com o polo determinante e o sentido da palavra esquerda tenha e ver com o polo
determinável, pode existir o caso de uma pessoa cuja mão esquerda parece mais com o
determinante e a mão direita parece mais com o determinável. Pode existir um sujeito
canhoto. Mas aí não se confundiu os tipos, a distinção entre os tipos continua sendo clara.
Aluno: sol e lua segundo outros aspecto não podem inverter os papéis?
Pode ser que segundo outro aspecto a lua seja o determinante e o sol o
determinável? Pode. Porque o sol e a lua têm vários aspectos. Mas, segundo cada um deles,
um vai tomar o aspecto determinante e o outro o determinável. Aí eu estou medindo outros
aspectos segundo o dois. Se em uma polaridade entre duas coisas cada uma delas só tem
um aspecto e ela é uma polaridade então uma vai corresponder totalmente ao determinante
e outra totalmente ao determinável. Mas se elas têm vários aspectos aí pode ser que
segundo um aspecto uma seja determinante e segundo outro seja determinável. Mas isso aí
vai implicar também uma contrapartida no outro.
As coisas têm diversos aspectos, a gente mesmo estava vendo no caso de dia e noite,
por exemplo. A gente não viu que a noite é determinante em relação às atividades
intelectuais ou interiorizantes? Mas em relação às atividades terrestres exteriores ela é
determinável, quer dizer, você se torna determinável. Então a noite tem dois aspectos,
segundo um é determinante e segundo outro é determinável. De qualquer forma o que
permanece é o simbolismo do dois. E, segundo aquele aspecto, ela corresponde ou ao
determinante ou ao determinável. Se a coisa tiver um aspecto que é predominante ou
principal nela aí você vai ter que dizer que ela é ou determinante ou determinável. Quando
a gente pegou masculino/feminino ou homem/mulher, em todas as instâncias homem é fator
determinante e mulher é fator determinável? Não, a gente disse isso na geração. Pode ser
que segundo um outro aspecto a coisa se inverta, em uma outra atividade a coisa se inverta.
Pouco importa saber no momento qual é esse aspecto. Importa que, quando a gente
considera dois aspectos que estão intrinsecamente ligados numa coisa e onde não se
envolve um terceiro, um desses aspectos corresponde ao determinante e o outro ao
determinável. Agora, e se cada uma dessas coisas tiver dois aspectos? Pode ser que aí se
inverta a coisa, mas aí há quatro aspectos e não dois, tem duas medidas do dois e não uma
só. Não é possível que a mesma coisa sob o mesmo aspecto seja determinante e
determinável, isso não dá. Mas segundo aspectos diferentes é possível. Porque o
simbolismo aí é justamente do aspecto da coisa, do aspecto observado.
Quente e frio não são relativos, quente se for a tendência a separar as partes e frio a
tendência a mantê-las unidas então não são relativos. Quente e frio no sentido de
temperatura, aí é relativo. Porque posições numa escala são relativas. Você pode dizer que
um é mais fria em relação à mais quente, e quente em relação à mais fria. Aí são relativos.
É evidente a diferença entre uma coisa e outra.
Aí você está falando de dois movimentos. Ou a coisa está indo para cima ou para
baixo. Mas quando falou de alto e baixo não falou de movimentos, falou de um sujeito mais
alto e outro mais baixo ou de duas direções a partir de um centro, aí não são relativos. Aí
também nós poderíamos procurar um simbolismo.
Polaridades:
Determinante Determinável
Sol Lua
Masculino Feminino
Forma Matéria
Dia Noite
Oriente Ocidente
Potente Possível
Oleiro Barro
Habilidade manual Mão
Vamos definir trabalho e lazer. Vamos ver se todos concordam com o seguinte
sentido para trabalho e lazer e se não for esse o sentido teremos que descobrir qual é:
trabalho é a atividade desagradável que é imposta a um sujeito pela necessidade e o lazer é
a atividade agradável que ele faz movido por ele mesmo. Quer dizer, uma é violenta e a
outra é natural. Muita gente pensa assim, isso é senso comum. Talvez seja até um fato.
Agora, trabalho e lazer não são noções naturais, noções naturais são atividade e inatividade,
atividade natural e atividade violenta. Atividade violenta significa atividade coagida, não
decorre do princípio intrínseco do sujeito mas de algo que lhe é extrínseco.
A questão aí é: o que é feito por causa de quê? O que é meio e o que é fim? O
sujeito trabalha para ter lazer ou tem lazer para trabalhar? Ou não há uma hierarquia entre
as duas coisas e existe uma função natural nas duas.
Será que podemos diferenciar assim: trabalho é a atividade pela qual você produz
um bem e lazer é a atividade pela qual você consome um bem? Isto porque a gente não
pode dividir pelo prazer e desprazer, porque às vezes você tem prazer no seu trabalho. O
trabalho deixa de ser trabalho porque você tem prazer nele? Não, continua sendo trabalho.
É muito mais próprio você definir trabalho como atividade pela qual você produz um bem e
o lazer como atividade pela qual você consome um bem. Bem não se resume a um objeto
corpóreo. E talvez você mesmo tenha trabalhado em outro momento para consumir o bem
que você mesmo produziu. Você faz um bolo e no dia seguinte você mesmo o come.
Trabalho então seria a atividade de fazer o bolo e lazer a atividade de comer o bolo. Existe
um trabalho que seja só comer o bolo? Você pode dizer que há pessoas que trabalham como
provadores de bolo, mas na verdade o trabalho do sujeito é produzir um juízo acerca do
bolo e não comer o bolo. Se ele comer o bolo e não produzir juízo nenhum ele será
demitido. Então mesmo o trabalho mais prazeiroso tem que produzir algum bem. Nesse
sentido de comer o bolo parece que o fim é o lazer, seu ou de outro, porque um bem que
não fosse para ser consumido, não fosse para ser usado de jeito nenhum nunca seria um
bem. Você produz um bem para alguém consumi-lo, ou você ou outra pessoa, para alguém
fruir dele.
Aluno: não poderia dizer que trabalho é quando você produz um bem para outro e
lazer quando você consome o bem produzido?
Não propriamente, porque não é pelo mesmo ato de produzir que ela consome. O
que você pode dizer é que tem algum trabalho que gera prazer e que a fruição desse prazer
é lazer.
Aluno: prostituição. Mas há mulheres que são prostitutas porque gostam, porque
querem mais sexo do que tem com o parceiro.
Se o sujeito então tem um trabalho que gera prazer e ele frui desse prazer ele deixou
de ser trabalho e passa a ser só lazer? Eu acho que não, porque o bem que ele está
produzindo propriamente não é o prazer de trabalhar, simplesmente esse produzir é
acompanhado de prazer. Isto é evidente porque mesmo aqueles sujeitos que mais têm prazer
em seu trabalho em algum momento não têm prazer nele. O prazer no trabalho é um
acidente que acompanha o processo, mas não define o processo. Como o pintor que pinta
um quadro e depois fica olhando, fruindo do prazer. Aí é lazer. É uma forma de dizer que
ele tem prazer no trabalho, tem prazer no resultado, no fruto do trabalho, mas ele também
pode ter prazer no próprio processo de pintar. Enquanto ele está pintando ele pode ter
prazer no que ele está fazendo. Mas isso não define a atividade como lazer, porque o
objetivo dele não é produzir o prazer de pintar, mas produzir um objeto pintado.
Se então o trabalho é a atividade pela qual você produz um bem e lazer é a atividade
pela qual você frui desse bem, você pode dizer o seguinte: que a diferença entre trabalho e
lazer está no fim almejado e não num outro processo. Então você pode estar pintando um
quadro e fruindo desse processo e, nesse sentido, o ato fruir é lazer. Mas no sentido de
pintar e produzir não é lazer, é trabalho. Talvez seja mais apropriada essa definição: lazer é
a atividade que visa o prazer. E no trabalho você pode sentir prazer ou não, e então ele visa
outra coisa.
Pode ser a necessidade ou pode ser até mesmo um bem capaz de produzir prazer,
mas não o prazer. Quando você trabalha você não está produzindo prazer, você está
produzindo algo, e esse algo pode gerar prazer ou não. Quando você pinta você pinta você
está produzindo o quadro, e o quadro é um bem – suponhamos que ele não seja uma
porcaria. O bem que você está produzindo não é o prazer que essa obra prima pode gerar
mas a própria obra prima, independente dela vir a gerar prazer ou não, em você ou em
outro. Você está produzindo ela porque ela é um bem. Agora, no lazer não é assim. Mesmo
que exista um lazer que consiste em produzir um objeto, se ele não gerar prazer ele não é
mais lazer. Não tem pessoas cujo hobby é a marcenaria? O que é um hobby? É um lazer. Só
que é um lazer que consiste em produzir outra coisa, mas você não produz aquela outra
coisa pelo bem próprio daquela coisa mas simplesmente pelo prazer. Então o sujeito produz
uma mesa. Qual é o fim dele nessa atividade? Era produzir uma mesa? Não. O fim dele era
sentir prazer no processo. Isto significa que as mesmas atividades podem ser lazer e
trabalho, depende do fim almejado.
Então essa aí não parece uma polaridade mesmo. Pode ser que os fins sejam
polaridades e não as atividades. Porque a gente viu que a atividade em si do lazer e do
trabalho pode ser a mesma mas o fim não pode ser o mesmo. Pode ser que os fins formem
uma polaridade. Se os fins formarem uma polaridade verdadeira aí sim. Mas os fins não
formam uma polaridade verdadeira. Porque a gente está dizendo que tem dois tipos de fins:
um que é o bem que não é prazer e outro que é o bem que é prazer. Um aí está se definindo
por não ser o outro. Nesse não ser o outro eu posso incluir espécies positivas determinadas
por outras qualidades. Então pode ser que existam mais do que dois fins. E quando eu digo
que algo é não-cavalo pode ser qualquer outra coisa. Não existe só uma espécie de coisa
que é não cavalo. Se o sujeito diz que existe um bem que não é prazer pode ser um monte
de coisas. Aí não tem uma polaridade verdadeira. Se nós formos analisar mais um pouco
vamos ver que o lazer é feito por causa do trabalho e não o trabalho por causa do lazer. Mas
isso é objeto de ética e não de astrologia. Isso pode até ser estudado em retórica, porque
envolve noções de senso comum importantes para o retórico. A gente mesmo viu aí um
pressuposto de senso comum: trabalho é desagradável e lazer é agradável, o trabalho é mau
e o lazer é bom. Esse é o lugar comum.
Pois é, a gente vê que essa associação é muito antiga. Daí que a idéia seja de que o
trabalho é somente o trabalho servil e esse é o significado da palavra na língua latina. E no
final essa associação mental que a gente faz vem, em última análise, dessa herança aí. Mas
se você pegar as atividades como a gente olha hoje e tentar diferenciá-las cientificamente e
chegar à definição de cada uma das atividades todas essas associações desaparecem.
Simplesmente a gente pode chegar e falar: a gente definiu uma atividade aqui, que visa a
produzir um bem distinto do prazer e a gente deu para ela o nome de trabalho.
Etimologicamente nós demos o nome errado,mas do ponto de vista dialético foi um
progresso e tanto, porque a gente compreendeu melhor as diferenças entre as atividades.
São os babilônicos. Você também tem dados dos cálculos que eles fizeram da
posição dos planetas nos signos. A astrologia chinesa eu não conheço bem mas ela tem
critérios muito diferentes da nossa. Ela é muito mais uma numerologia do que uma
astrologia. Uma dia a gente pode até falar um pouco sobre ela para mostrar a diferença.
Mas ela se utiliza antes de ciclos inteiros que de ciclos astrológicos. Quando a gente fala de
astrologia aqui é a que foi estudada na idade média cristã e messulmana, que tem origem na
astrologia dos gregos na antiguidade. E a grega tem origem na babilônia.
Signos: Planetas: