Serviço Social e Os Desafios Da Contemporaneidade
Serviço Social e Os Desafios Da Contemporaneidade
Serviço Social e Os Desafios Da Contemporaneidade
Lisboa
2018
Introdução
O Serviço Social tem um compromisso com os direitos humanos, com a promoção dos
direitos individuais, grupos e comunidades.Compromete-se com o respeito e a promoção da
autonomia das pessoas em especial com relação à raça, etnia, nacionalidade, cor, sexo,
orientação sexual, idade, estado civil, crenças políticas, deficiência, incluindo o compromisso
com a igualdade, justiça social e equidade.
Vivemo numa sociedade dita globalizada na qual, segundo Giddens, ocorre uma “a
intensificação das relações sociais de escala mundial, relações que ligam localidades distantes
de tal maneira que as ocorrências locais são moldadas por acontecimentos que se dão a muitos
quilómetros de distância e vice-versa”.
Apesar do grau de estabilidade social sem paralelo em termos históricos, vivemos num
período de acentuada insegurança social, ansiedade e mudança. A velocidade da mudança, o
ritmo de vida, as possibilidades de escolha e os vastos fluxos de informação aniquilam os
fundamentos sólidos das nossas vidas, agora dominadas pelo risco. Os riscos são
consequências dos processos de modernização e globalização e surgem reflexivamente, como
ameaças provocadas pela actuação do próprio sistema. Os riscos constituem-se, assim, como
ameaças globais/supranacionais e não específicas de uma classe social e possuem uma nova
dinâmica social e política e não se limitam apenas aos riscos ambientais e de saúde. Estes
riscos com os quais nos confrontamos não podem ser delimitados espacialmente,
temporalmente ou socialmente e pela sua natureza apresentam novos tipos de desafios às
instituições designadas para o seu controlo (o paradoxo é que as mesmas produzem
incontrolabilidade).
Tem-se, dessa forma, o trabalho polivalente precarizado, como não basta às funções
desenvolvidas por este trabalhador serão exauridas por ele mesmo, ou seja, um trabalhador
que exerce determinada função em uma empresa por um determinado período sua própria
condição de trabalho acarretará para este trabalhador sua saída do mercado, pois o grau de
exaustão que sua atividade diariamente implicará no futuro bem próximo seu afastamento da
função, devido suas condições de trabalho.
Para o Serviço Social esse universo se reflete desde a concepção da sua matriz teórica
crítica, que apreendeu ao longo da história todas as relações presentes na sociedade,
envolvendo as relações de trabalho e o modo de produção capitalista, que são questões
concretas discutidas dentro do universo do Serviço Social, aprofundadas dentro de uma
construção teórica, que está mais do que nunca consolidada dentro da profissão.
Nesse contexto, estabelece-se ―um paradoxo para o Assistente Social, posto que, por
um lado está o projeto profissional da categoria voltado à defesa dos direitos sociais, da
democracia, da universalidade no acesso aos bens e serviços e a defesa dos interesses da
coletividade. Dessa forma o trabalho do Assistente Social na cena contemporânea consiste em
garantir a efetivação dos direitos sociais, articular com o conjunto de forças políticas que há
dentro do Serviço Social, tendo em vista que a trajetória histórica do Serviço Social vem
sendo construída em meio as lutas da classe trabalhadora.
Nas últimas décadas a profissão vem garantindo cada vez mais sua presença no que diz
respeito, ao gerenciamento de políticas sociais para atender a população que demanda o
serviço, como também este mesmo profissional vem enfrentando um desmantelamento nos
direitos dos cidadãos especialmente nos serviços sociais básicos fundamentais para a
população. A demanda que emerge para o Serviço Social na atualidade ―consiste na gestão
social pública, que em consonância com as diretrizes apontadas por organismos
internacionais, adquire uma nova perspectiva à gerência pública burocrática das formas de
gerência desenvolvidas nas organizações privadas.
O Serviço Social em toda sua trajetória afirma seu compromisso ético político no
comprometimento em lutar na defesa dos direitos sociais, diante de uma corrente de
pensamento marxista, que historicamente vem na defesa dos direitos da classe trabalhadora,
esse momento para o Serviço Social e para os profissionais torna-se fundamental entender o
sentido histórico da profissão, como Serviço Social emerge a evolução teórica crítica da
profissão, e principalmente sua função real para sociedade, como esta profissão segue na
contra mão do retrocesso dos direitos sociais.
Os Assistentes Sociais vêm sendo atingidos pelos efeitos da Reforma de Estado, que
tem primado pela redução do campo de emprego e da precarização de trabalho, as relações de
trabalho notavelmente estão fragmentadas através da redução de concursos públicos, da
demissão de funcionários não estáveis, contenção salarial e a terceirização cada vez mais
presente na pauta de decisões do governo. Este é o cenário de trabalho dos Assistentes Sociais
e como é contraditório a profissão lutar pela garantia de direitos, sendo que seus próprios
direitos estão sendo constantemente violados.
Em primeiro lugar, para garantir uma sintonia do Serviço Social com os tempos atuais,
é necessário romper com uma visão endógena, focalista, uma visão "de dentro" do Serviço
Social, prisioneira em seus muros internos. Alargar os horizontes, olhar para mais longe, para
o movimento das classes sociais e do Estado em suas relações com a sociedade; não para
perder ou diluir as particularidades profissionais, mas, ao contrário, para iluminá-las com
maior nitidez. Extrapolar o Serviço Social para melhor apreendê-lo na história da sociedade
da qual ele é parte e expressão. É importante sair da redoma de vidro que aprisiona os
assistentes sociais numa visão de dentro e para dentro do Serviço Social, como precondição
para que se possa captar as novas mediações e requalificar o fazer profissional, identificando
suas particularidades e descobrir alternativas de ação.
Um dos maiores desafios que o Assistente Social vive no presente é desenvolver sua
capacidade de decifrar a realidade e construir propostas de trabalho criativas e capazes de
preservar e efetivar direitos, a partir de demandas emergentes no cotidiano. Enfim, ser um
profissional propositivo e não só executivo. O Assistente Social tem sido historicamente um
dos agentes profissionais que implementam políticas sociais, especialmente políticas públicas
- um executor terminal de políticas sociais, que atua na relação direta com a população
usuária. Mas, hoje, o próprio mercado demanda, além de um trabalho na esfera da execução, a
formulação de políticas públicas e a gestão de políticas sociais. Responder a tais
requerimentos exige uma ruptura com a atividade burocrática e rotineira, que _duz o trabalho
do assistente social a mero emprego, como se esse se limitasse ao cumprimento burocrático de
horário, à realização de um leque de tarefas as mais diversas, ao cumprimento de atividades
preestabelecidas. Já o exercício da profissão é mais do que isso. É uma ação de um sujeito
profissional que tem competência para propor, para negociar com a instituição os seus
projetos, para defender o seu campo de trabalho, suas qualificações e funções profissionais.
Requer, pois, ir além das rotinas institucionais e buscar apreender o movimento da realidade
para detectar tendências e possibilidades nela presentes passíveis de serem impulsionadas pelo
profissional.
Essa observação merece atenção: as alternativas não saem de uma suposta "cartola
mágica" do Assistente Social; as possibilidades estão dadas na realidade, mas não são
automaticamente transformadas em alternativas profissionais. Cabe aos profissionais
apropriarem-se dessas possibilidades e, como sujeitos, desenvolvê-las transformando-as em
projetos e frentes de trabalho. Assim, a conjuntura não condiciona unidirecionalmente as
perspectivas profissionais; todavia impõe limites e possibilidades. Sempre existe um campo
para a ação dos sujeitos, para a proposição de alternativas criadoras, inventivas, resultantes da
apropriação das possibilidades e contradições presentes na própria dinâmica da vida social.
Essa compreensão é muito importante para se evitar uma atitude fatalista do processo
histórico e, por extensão, do Serviço Social: como se a realidade já estivesse dada em sua
forma definitiva, os seus desdobramentos predeterminados e os limites estabelecidos de tal
forma, que pouco se pode fazer para alterá-los. Tal visão determinista e a-histórica da
realidade conduz à acomodação, à otimização do trabalho, ao burocratismo e à mediocridade
profissional.
Olhar para fora do Serviço Social é condição para se romper tanto com uma visão
rotineira, reiterativa e burocrática do Serviço Social, que impede vislumbrar possibilidades
inovadoras para a ação, quanto com uma visão ilusória e desfocada da realidade, que conduz a
ações inócuas. Ambas têm um ponto em comum: estão de costas para a história, para os
processos sociais contemporâneos.
O terceiro pressuposto é que tratar o Serviço Social como trabalho supõe privilegiar a
produção e a reprodução da vida social, como determinantes na constituição da materialidade
e da subjetividade das "classes que vivem do trabalho".
Aqui se trabalha em uma outra perspectiva. Quando se indaga como o Serviço Social
participa da produção/reprodução da vida social, a atenção volta-se à produção e reprodução
da vida material. Os homens têm necessidades sociais e carecimentos a satisfazer e, por meio
do trabalho, buscam produzir objetos úteis para respondê-los; objetos estes que, na moderna
sociedade burguesa, são também mercadorias produto do capital, e, portanto, portadoras de
valor-trabalho e de mais-valia. O trabalho é, pois, uma atividade que se inscreve na esfera da
produção e reprodução da vida material. Como já anunciavam Marx e Engels, em seus
estudos sobre a Ideologia Alemã: "o primeiro pressuposto de toda a existência humana e,
portanto, de toda a história, é que os homens devem estar em condições de viver para poder
'fazer história'. Mas para viver é preciso comer, beber, ter habitação, vestir-se e algumas
coisas mais. O primeiro ato histórico é, portanto, a produção de meios que permitam a
satisfação dessas necessidades, a produção da própria vida material". Os homens necessitam
trabalhar, precisam ter base para a sobrevivência, base esta hoje ameaçada para uma enorme
parcela da população brasileira. Aquela reprodução envolve a vida material, mas ao
trabalharem os homens estabelecem relações entre si, portanto, relações sociais. Quando se
fala em produção/reprodução da vida social não se abrange apenas a dimensão econômica -
freqüentemente reduzida a uma óptica economicista -, mas a reprodução das relações sociais
de indivíduos, grupos e classes sociais. Relações sociais estas que envolvem poder, sendo
relações de luta e confronto entre classes e segmentos sociais, que têm no Estado uma
expressão condensada da trama do poder vigente na sociedade. Mas a produção/reprodução
das relações sociais abrange, também, "formas de pensar, isto é, formas de consciência,
através das quais se apreende a vida social". Em síntese, o Serviço Social é considerado como
uma especialização do trabalho e a atuação do assistente social uma manifestação de seu
trabalho, inscrito no âmbito da produção e reprodução da vida social. Esse rumo da análise
recusa visões unilaterais, que apreendem dimensões isoladas da realidade, sejam elas de
cunho economicista, politicista ou culturalista. A preocupação é afirmar a óptica da totalidade
na apreensão da dinâmica da vida social, identificando como o Serviço Social se relaciona
com as várias dimensões da vida social.
BIBLIOGRAFIA
BARROCO, Maria Lúcia Silva. Ética e Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2003.