A Seduçao Da Liberdade
A Seduçao Da Liberdade
A Seduçao Da Liberdade
[...] Isso, entretanto, não lhe vedava o acesso ao conhecimento das novas ideias
que chegavam da Europa e que, lenta mas consistentemente, balizavam a emergência de
uma cultura politica conflitante com aquela da ilustração conservadora
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Situações que compõem o todo nas manifestações de desconforto com a ordem
colonial do Antigo Regime portugues na Colônia, é a emergência de uma cultura política
alternativa, que contrasta com a dominante. Ao contrário da cultura política do
absolutismo ilustrado, circunscrita à elites e rigorosamente excludente, a nova que emerge
tem por portadores os letrados, mas, ao lado destes, estão agora, também, homens de
ínfima condição no dizer da época, dotados, contudo, de visão politica, qualquer que seja
seu nível cultural. Essa nova cultura politica se exprime menos por um elaborado
consenso teórico, mas sobretudo por um sistema de referencias no qual se reconhecem
todos os membros de uma mesma família politica, os quais, no caso, são os envolvidos
nos projetos sediciosos e sua presumida audiência. É ai que se desenha a trama complexa
do fluir de ideias politicas que colide com as formas tradicionais de difusão e,
principalmente, de integração destas como instrumento de pratica. E os agentes desse
processo instauram formas de sociabilidade que redefinem os significados de praticas
consagradas.
“Haviam feito muito bem em matar o Rei, pois como os povos eram os mesmos
que os faziam e levantavam, os podiam também matar”.
Das viagens que faziam à Europa retornavam trazendo livros, ainda que proibidos.
Livros condenados eram acessíveis para compra mesmo na Colonia quando faziam parte
de espólios, e eram nessa condição arrematados, ocorrendo sem problemas sua circulação
por tal via. Outra forma de burlar os controles se dava pela compra de impressos nos
navios que chegavam da Europa, quer se tratasse de livros, quer das gazetas cuja
circulação era vedada pelo governo.
Não eram apenas membros da elite que se interessavam por livros proibidos, mas
também, e sobretudo, “pardinhos e branquinhos”, gente de pouca valia. Tinha um
problema – eram em francês ou inglês. Os textos que informavam criticamente os
coloniais sobre as grandes novidades do mundo e, em particular, aqueles que divulgavam
o ideário revolucionário do século XVIII, não contavam com a tradução em portugues.
É bem verdade que a elite letrada era em geral, à parte o latim, versada nesses
idiomas, mas é verdade, da mesma forma, que, tendencialmente, o interesse pelas novas
ideias ultrapassava o restrito circuito dessa elite.
Os livros circulavam e, por essa via, as ideias que continham. Livros eram
emprestados, lidos em conjunto, traduzidos por amigos ou pessoas sem intimidade.
“obras poéticas feitas contra eclesiásticos, [...] gazetas vindas da frança e outros
discursos sobre a liberdade”.
“Na Bahia dos anos finais do século XVIII, percebe-se nitidamente que a critica
ao statu quo valia-se das oportunidades que a permanente reiteração dos rituais da Igreja
oferecia para as exteriorizações de descontentamento com a situação vigente. Há fortes
indícios para se acreditar que, entre os aderentes à trama sediciosa aí em curso, a rejeição
de normas de comportamento prescritas pela Igreja assumia, na transgressão publica de
padrões de comportamento consagrados, um significado politico.”
A base das esperanças que convergiam para a sedição era, em cada caso particular,
a condição social de seu portador. Se para Alvarenga, em Minas Gerais, o acesso a títulos
poderia estar entre os motivos que o levavam à sedição, o escravo José Felix, na Bahia,
era movido pela perspectiva de supressão geral da condição que era a sua. A profunda
diferença que aflora do significado de liberdade para os envolvidos nas sedições mineira
e baiana revela-se radicalmente nesses dois projetos particulares. O que ressalta
poderosamente é que, para uns, liberdade significava, para além da reiteração das
diferenças num universo de desigualdades, o reforço de seu poder mediante a supressão
do jugo colonial que limitava seu pleno exercício. Tratava-se ai, da liberdade sonhada por
senhores de escravos. No segundo caso, o do escravo baiano, a liberdade era tida por
condição de igualdade, o que implicava, cabalmente, a supressão da própria relação
escravista constitutiva da subordinação colonial e, portanto, a supressão também desta
última.