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Ensino a Distância

cosmologia

2015
Da origem ao fim do universo

Módulo 1
A história da Cosmologia
Presidente da República Equipe de realização
Dilma Vana Rousseff
Revisor de conteúdo e texto
Ministro de Estado da Ciência, Tecnologia e Inovação
Carlos Henrique Veiga
Aldo Rebelo
Secretário-Executivo do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação Projeto gráfico, editoração e capa
João Alberto De Negri Vanessa Araújo Santos

Ensino a Distância
Subsecretário de Coordenação das Unidades de Pesquisas Front page (Web)
André Tortato Rauen Giselle Veríssimo
Diretor do Observatório Nacional
Colaboradores
João Carlos Costa dos Anjos
Ney Avelino B. Seixas

cosmologia
Observatório Nacional/MCTI (Site: www.on.br) Alex Sandro de Souza de Oliveira
Rua General José Cristino, 77
São Cristóvão, Rio de Janeiro - RJ
CEP: 20921-400 Este livro é dedicado a Antares Cleber Crijó
(1948 - †2009) que dedicou boa parte da sua
Criação, Produção e Desenvolvimento (Email: [email protected]) carreira científica à divulgação e popularização
da ciência astronômica.

2015
© 2015 Todos os direitos reservados ao
Observatório Nacional. (www.on.br) Da origem ao fim do universo
Coordenador: Carlos Henrique Veiga
Cosme Ferreira da Ponte Neto
Silvia da Cunha Lima
Vanessa Araújo Santos
Giulliana Vendramini da Silva
Giselle Veríssimo
Caio Siqueira da Silva

Módulo 1
A história da Cosmologia
Capa do Módulo 1: Nebulosa da Chama (Flame Nebula, NGC
2024). Nebulosas são nuvens de poeira e gás, de formação de
estrelas, conhecidas como “Berço das Estrelas”. Descoberta por
Willian Herschel, em 1786, a NGC 2024, localizada na conste-
lação de Orion, está a uma distância de 1500 anos-luz do Sis-
tema Solar.
Crédito: European Southern Observatory (ESO)
OBSERVATÓRIO NACIONAL Designado pelo Inmetro como Laboratório Primário de Tempo e Fre-
quência, o Observatório Nacional é responsável pela geração, distribuição e
O Observatório Nacional (ON), instituto de pesquisa vinculado ao Minis- conservação da Hora Legal Brasileira (HLB), popularmente conhecida como
tério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), atua em três grandes áreas do “Horário de Brasília”.
conhecimento – Astronomia, Geofísica e Metrologia em Tempo e Frequência, O Observatório Nacional, por meio da sua Divisão de Atividades Educa-
nas quais realiza pesquisa, desenvolvimento e inovação, com reconhecimento cionais, promove regularmente ações que despertem o interesse da sociedade
nacional e projeção internacional. para as ciências, utilizando elementos visuais e interativos, de forma a simpli-
Fundado pelo Imperador D. Pedro I em 15 de outubro de 1827, o Obser- ficar e esclarecer conceitos científicos. Uma de suas principais atividades são
vatório Nacional é uma das mais antigas instituições dedicadas à ciência no os cursos a distância, que desde 2003 tem atraído milhares de jovens e adultos
Brasil. No campus que ocupa desde a década de 1920, em São Cristóvão, no de todas as classes sociais. O seu principal objetivo é socializar o conhecimen-
Rio de Janeiro/RJ, o passado e o presente se encontram. to científico por meio de um veículo eletrônico que hoje é amplamente utili-
O ON preserva o seu patrimônio histórico e mantém modernas instalações zado, a internet. Levar a sociedade as razões pela qual a ciência deve ser uma
de pesquisa com equipamentos de última geração que acompanham a evolu- prioridade, esclarecendo o público de que modo o investimento governamen-
ção tecnológica de suas áreas. O conjunto arquitetônico, assim como o seu tal em ciência reverte a seu favor sob forma de cultura e tecnologia. Mostrar
acervo documental e de instrumentos científicos são tombados pelo Instituto de que modo a ciência faz parte do nosso dia-a-dia e como a utilizamos para
de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). melhorar nossas condições de vida.
A biblioteca do ON conserva obras raras de riqueza inestimável, com pu- A Grande Luneta Equatorial de 46cm (imagem ao lado) tem importância
Conjunto Cúpula-Luneta montado em 1922 no
campus do Observatório Nacional. blicações dos séculos XVIII e XIX, além de uma coleção de documentos, foto- inegável para a Astronomia brasileira. A partir da sua instalação, em 16 de
grafias e iconografias de importância histórica para a ciência brasileira. fevereiro de 1922, muitos projetos foram realizados, permitindo ao Brasil in- Detalhe do conjunto de lentes da Grande Luneta
gressar nos programas internacionais de observação de estrelas duplas visuais, Equatorial de 46cm
Além da estrutura de sua sede, o ON mantém em funcionamento regular
os Observatórios Magnéticos de Vassouras/RJ (1915), de Tatuoca/PA (1957) e planetas, asteroides, cometas, eclipses solares e lunares.
do Pantanal/MT (2012). Também mantém em operação o Observatório Astro- Grande Luneta Equatorial, símbolo que representa uma importante parte
nômico do Sertão de Itaparica, instalado em Itacuruba/PE. da história da astronomia do Observatório Nacional.
O Observatório Nacional tem reconhecida tradição no campo da Astro- Ao longo dos seus 93 anos, a velha Luneta viu passar por suas lentes ima-
nomia e Astrofísica, com destaque nas subáreas de astronomia fundamental, gens de muitos fenômenos celestes e as registrou com precisão, ajudando a
ciências planetárias, astrofísica estelar, astrofísica galáctica, astrofísica extra- preparar e formar bons observadores. Foi o seu legado. Cumpriu a sua missão.
galáctica e cosmologia. A trajetória do ON acompanha a evolução teórica
e instrumental da astronomia, buscando sempre a cooperação científica na
fronteira do conhecimento.
Conheça em detalhes
Na área de geofísica, a atuação da instituição se estende às diversas espe- as dependências do
cialidades, como da geofísica da Terra sólida, geofísica aplicada e ambiental, Observatório Nacional
com a realização de pesquisa básica e prestação de serviços técnico-científicos.
Na cooperação com o setor produtivo, para execução de projetos de pesquisa
e desenvolvimento, destacam-se os levantamentos na área de petróleo e gás. Esta imagem é uma panorâmica da Grande
Campus do Observatório Nacional com seus Luneta Equatorial, símbolo que representa uma
instrumentos científicos e a natureza do seu espaço importante parte da história da astronomia
bucólico, patrimônio histórico e cultural do país. do Observatório Nacional.

4  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  5


O CURSO DE ENSINO A DISTÂNCIA DO As provas
OBSERVATÓRIO NACIONAL
1. As questões das provas sempre terão um conteúdo genérico. Não será
Generalidades exigido conhecimento de cálculos, gráficos, fórmulas e etc.
Tratando-se de um curso em nível de divulgação científica, não é neces- Lembre-se que este curso é de informação e divulgação científica, ape-
sário qualquer conhecimento prévio para acompanhá-lo a distância, uma vez sar da necessidade da apresentação de algumas equações.
que ele está voltado para um público não especializado em ciências exatas. 2. Serão realizadas 05 (cinco) provas durante o curso.
Nosso objetivo é difundir, atualizar e socializar o conhecimento científico
para todos os interessados em ciências. 3. As provas terão duração de 4 (quatro) dias, sempre iniciando numa
Devido à sua característica abrangente, durante o curso serão abordados Sexta-Feira às 0h e terminando na Segunda-Feira às 24horas. Durante
assuntos muito básicos, o que não deve ser entendido pelos professores par- este período o aluno poderá consultar previamente a prova, sem pre-
ticipantes ou por aqueles que já possuem conhecimento prévio (científico ou cisar fazê-la.
técnico) como um demérito à sua competência. 4. Recomendamos ao aluno copiar a prova para o seu computador
O compromisso deste curso é transformar um assunto científico comple- (download), responder as questões e depois entrar no sistema para
Ensino a Distância xo em uma linguagem simples e compreensível, mas sem abrir mão do rigor realizar a prova. Isso diminui o risco do aluno ter sua prova enviada

cosmologia
das ciências exatas, estabelecendo uma conexão entre a pesquisa científica e incorretamente por algum problema de transmissão de dados da sua
o público. É a oportunidade de uma instituição federal de pesquisa colocar a rede internet.

2015
serviço da sociedade os conhecimentos que são produzidos por seus pesquisa-
Da origem ao fim do universo 5. A rede e o sistema de energia do Observatório Nacional são redundan-
dores, democratizando assim o seu acesso.
tes (duplicados), ou seja, o risco de falhas é bastante minimizado.
Como estudar a distância 6. Também recomendamos que os alunos evitem realizar a prova no últi-
Uma das grandes vantagens de um curso à distância é permitir a cada mo dia, pois o sistema poderá ficar lento ao acesso à prova, aumentan-
participante definir o seu ritmo de estudo, avaliando o seu tempo disponível, do assim os riscos de falhas (rede, energia elétrica, etc).
programando assim a sua dedicação ao curso. Para obter o certificado, o par- 7. Quando o aluno terminar a prova, deve, obrigatoriamente, clicar nos
Logotipo do curso a distância 2015. ticipante terá que fazer provas durante o curso e, certamente, se esforçar bem botões CONCLUIR e ENTREGAR PROVA, para que o sistema dê por
mais que os outros participantes. encerrado o evento com sucesso.

O curso não tem custos 8. Não haverá, em hipótese alguma, segunda chamada.
Os cursos a distância, oferecidos pelo Observatório Nacional, são inteira- IMPORTANTE: para realizar a prova, o aluno deverá utilizar obriga-
mente grátis. Nenhuma taxa é cobrada aos participantes. O material produ- toriamente o login (seu endereço e-mail) e a senha que receberá au-
zido, disponibilizado no site, pode ser copiado (download) e impresso, desde tomaticamente no ato da inscrição no curso. Caso esses dados sejam
que não seja publicado em outros meios, o que caracteriza crime de proprie- extraviados, o aluno poderá recuperá-los, sendo acessados pelo botão
dade intelectual. “Esqueci minha senha”.
O participante que receber qualquer mensagem ou sugestão que indique
custos, deve enviar imediatamente uma cópia para [email protected] para tomar-
Nota: Ao longo do curso o aluno não poderá mudar o seu endereço e-mail.
mos as providências cabíveis.
Caso isso ocorra, comunicar imediatamente a [email protected] .
Imagem do certificado do curso a distância 2015.
Duração do curso
O curso de “Cosmologia” terá duração de 05 (cinco) meses, sendo iniciado
Certificado do curso
no dia 03 de março de 2015 e encerrado no dia 03 de agosto de 2015. O curso é
Ao final do curso o certificado será emitido e disponibilizado na página
constituído de 10 (dez) módulos, num total de 73 capítulos.
do Observatório Nacional, sem qualquer custo. Não será emitido ou enviado
certificado impresso ou declarações. A divulgação das notas e o acesso ao cer-
Inscrição
tificado são restritos ao aluno.
Neste curso teremos uma nova forma de inscrição e emissão de certifica-
Cada dois módulos correspondem a um total de 24 horas de curso. No
dos. As inscrições serão abertas no dia 23/02/2015 e permanecerão abertas até
final do curso o certificado será emitido multiplicando-se o número de provas
o final do último dia de prova (03/08/2015).
realizadas, com nota média mínima igual a 7,0(sete), por 24 horas. Assim, o
aluno que tiver feito todas as cinco provas, tendo obtido a nota mínima em
Onde as aulas são apresentadas
cada uma delas, terá um certificado de 120 horas.
Os assuntos das aulas são apresentados em módulos na área de “Divulga-
ção Científica” da página do Observatório Nacional ( www.on.br ). O curso
tem carga horária equivalente ou estimada a 120 horas (não há registro do
número de horas durante o acesso ao site). Não disponibilizamos qualquer
material impresso, mesmo para os participantes inscritos, e não poderemos
atender a qualquer solicitação de envio de imagens, animações ou vídeos.

6  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  7


01
   SUMÁRIO COMO OS POVOS ANTIGOS VIAM O UNIVERSO?

      MÓDULO 1 - História da Cosmologia Iniciaremos nosso estudo de Cosmologia voltando à pré-história. Mas,
 9 Capítulo 01-Cosmologia dos Povos Antigos para que recuar tanto no tempo? Precisamos realmente fazer isso? É claro que
  27 Capítulo 02-Cosmologia Grega não precisamos mas, devemos. Se esse fosse um curso estritamente técnico,
  49 Capítulo 03-O Universo da Idade Média começaríamos com a parte matemática necessária para estudar a “teoria da Cosmologia dos
  60 Capítulo 04-Cosmologia Islâmica relatividade geral”, depois veríamos algumas de suas soluções exatas e os mo-
Povos Antigos
  63 Capítulo 05-Os primeiros Sistemas Heliocêntricos delos cosmológicos. No entanto, esse é um curso de divulgação científica. Não
  82 Capítulo 06-Grandes descobertas usaremos física e matemática como ferramenta principal, mas em seu lugar
  84 Capítulo 07-O universo mecânico: René Descartes tentaremos fazer um grande discurso sobre como os filósofos do passado e os
  85 Capítulo 08-Isaac Newton e a Gravitação Universal cientistas do presente desenvolveram o seu conhecimento sobre o Universo.
  92 Capítulo 09-A teoria da gravitação de Newton Vamos iniciar o curso de Cosmologia falando sobre o desenvolvimento
  94 Capítulo 10-O determinismo e Pierre-Simon Laplace de uma ideia. Uma ideia absurdamente ambiciosa: saber se, e consequen-
temente como, o universo se formou e quais são as leis que o governam.
MÓDULO 2
       Nosso objetivo é apresentar os conceitos básicos sobre os quais se baseia a
 95 Capítulo 01-História da Astronomia cosmologia moderna.
 99 Capítulo 02-História da Astronomia Nossa abordagem seguirá, sempre que possível, a trilha histórica deixa-
100 Capítulo 03-História da Astronomia da por aqueles que se aventuraram por esse intrincado caminho. Tentaremos
106 Capítulo 04-História da Astronomia mostrar como foram desenvolvidas as ideias sobre as quais a teoria cosmoló-
gica foi crescendo até chegar ao que ela é hoje.
  3 MÓDULO 3 No entanto, é preciso muito cuidado ao estudar a história da cosmologia,
  7 Capítulo 01-História da Astronomia em particular da sua fase mais antiga. Certamente estaremos pisando num
  10 Capítulo 02-História da Astronomia terreno minado, dominado por mitos religiosos e misticismo que nada têm
  20 Capítulo 03-História da Astronomia a ver com a ciência moderna. O fato de alguém ter dito há milhares de anos
  39 Capítulo 04-História da Astronomia que o universo era, por exemplo, infinito, de modo algum deve ser encarado
  46 Capítulo 05-História da Astronomia como um conhecimento científico já estabelecido naqueles tempos remotos.
  78 Capítulo 06-História da Astronomia Ao contrário, todas estas afirmações devem ser vistas como pura especulação.
  88 Capítulo 07-História da Astronomia Durante todo o primeiro módulo do curso será visto que o estudo do uni-
  90 Capítulo 08-História da Astronomia verso feito pelos antigos pensadores irá se limitar quase que exclusivamente à
  93 Capítulo 09-História da Astronomia observação do Sistema Solar. Isto era motivado pelo fato de que somente a Lua, o
Sol, cinco planetas e as estrelas eram os objetos celestes capazes de serem obser-
  93 MÓDULO 4 vados pelos antigos filósofos. Este era o universo observável dos povos antigos,
 95 Capítulo 01-História da Astronomia o seu “universo local”. Ainda levaria muito tempo até que os cientistas tivessem
 99 Capítulo 02-História da Astronomia uma visão correta (?) do Universo. Hoje sabemos que o Sistema Solar faz parte
100 Capítulo 03-História da Astronomia de uma galáxia, a nossa Galáxia, e que existem bilhões de galáxias em todo o
106 Capítulo 04-História da Astronomia Universo. Mesmo com a invenção do telescópio, ainda passariam alguns séculos
até que os cientistas soubessem que a nossa Galáxia não era o Universo. Vere-
  3 MÓDULO 5 mos a enorme disputa que essas ideias geraram em grupos rivais, aquilo que
  7 Capítulo 01-História da Astronomia hoje chamamos de “Grande Debate”. No momento nos preocuparemos com as
  10 Capítulo 02-História da Astronomia descrições do “universo” feitas por aqueles que há milhares de anos tiveram a Imagem que ilustra os elementos que compõem
ousadia de olhar para o cosmos e pensar sobre ele. o Sitema Solar: a estrela Sol, em torno da qual
  20 Capítulo 03-História da Astronomia
orbitam planetas, asteroides e cometas.
  39 Capítulo 04-História da Astronomia
  46 Capítulo 05-História da Astronomia
  78 Capítulo 06-História da Astronomia
  88 Capítulo 07-História da Astronomia
  90 Capítulo 08-História da Astronomia
  93 Capítulo 09-História da Astronomia

  93 MÓDULO 6
 95 Capítulo 01-História da Astronomia
 99 Capítulo 02-História da Astronomia
100 Capítulo 03-História da Astronomia
106 Capítulo 04-História da Astronomia

8  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  9


O SER HUMANO SURGE EM UM PEQUENO PLANETA Triássico répteis gigantescos - -
300 milhões Jurássico répteis diversificados, aves - -
Sabemos hoje, graças aos trabalhos dos geólogos, que nosso planeta foi Mesozóico
de anos marsupiais, peixes ósseos,
formado há cerca de 4,5 bilhões de anos a partir de uma nebulosa plane- Cretáceo - -
aves, árvores
tária. Inicialmente, uma massa superaquecida de matéria, sem atmosfera e
que não abrigava qualquer forma de vida tal como conhecemos hoje. Com mamíferos primitivos;
Eoceno - -
o passar do tempo, e isso significa bilhões de anos, a Terra foi lentamente se primeiros primatas
transformando. Sua temperatura foi diminuindo e uma atmosfera, inicial- símios primitivos,
mente muitíssimo diferente da que hoje envolve nosso planeta, foi formada. antepassados dos
Oligoceno - -
Ainda se passariam muitos milhões de anos antes que o primeiro ser vivo macacos; roedores,
surgisse nesse planeta azul. Esses primeiros habitantes eram corpos sim- camelos
ples, unicelulares que ainda teriam muito que evoluir até chegar ao nível de antepassados dos grandes
complexidade que o ser humano tem hoje. Mioceno símios, árvores de - -
Entre 3 e 3,9 milhões de anos atrás, no período geológico chamado Plio- folhagem caduca
ceno, surgiu no leste da África, ao que parece, o mais antigo antepassado do antepassados do ser
ser humano: o chamado “Australopithecus afarensis”, nome que significa humano (Australopthecus
Plioceno - -
“macaco do sul”. Quase nada se sabe sobre ele e seus hábitos. Muito tempo afarensis), mamíferos
ainda passaria, vários milhões de anos, até que os primeiros seres huma- modernos
Imagem obtida pelo Telescópio Espacial Hubble da nos surgissem no nosso planeta e iniciassem algum tipo de desenvolvi- espécies humanas
Nebulosa de Carina, situada na constelação austral Pleistoceno linguagem falada,
mento social. primitivas
de Carina, a 7500 anos-luz do Sistema Solar. Uma (Período conhecimento do
Na tabela abaixo mostramos um resumo sobre a evolução geológica da (Pithecanthropus erectus, paleolítico
região incubadora de nascimento de estrelas. Glaciário) fogo, sepultamento
Terra e localizamos o surgimento dos seres vivos dentro de cada era. Note que 50 milhões Sinanthropus pekinensis, inferior
Cenozóico 1 milhão a dos mortos, armas e
a vida provavelmente começou no nosso planeta há cerca de 2 bilhões de anos, de anos Homo Neanderthalensis,
25000 a.C. utensílios de pedra
mas algo parecido com o ser humano, que chamaremos de nosso “antepassado etc.), outros primatas
primitivo” só surgiu em uma época que se situa entre 1 milhão e 25000 anos agulhas, arpões, anzóis,
paleolítico
antes de Cristo pelo calendário moderno. O ser humano moderno irá aparecer magia, arte, organização
superior
cerca de 25000 anos antes de Cristo. Vemos então que somos muito recentes, social
em termos de época geológica, na superfície da Terra. Considerando que a ci- agricultura,
ência se desenvolveu há muito menos tempo que isso, somente nos últimos 10 domesticação de
neolítico
séculos (isso se formos bem generosos com o significado da palavra “ciência”) animais, navegação,
certamente ficamos surpreendidos com o enorme salto intelectual dado pelo Holoceno instituições
animais e raças humanas
ser humano. ou bronze, ferro, escrita,
atuais (homem de Cro-
recente arte, tecnologia, ciência,
Magnon, etc.)
25000 a.C. literatura (e também
Big Brother Brasil,
A HISTÓRIA GEOLÓGICA DA TERRA E A EVOLUÇÃO DA VIDA NO NOSSO PLANETA ser humano
corrupção, holocaustos,
“civilizado”
armas químicas e
período período formas características período biológicas, armas de
época progressos
paleontológico geológico de vida cultural destruição em massa,
poluição, etc)
ausência de vestígios
2 bilhões de
Arqueozóico Arqueano definidos; prováveis - -
anos
formas unicelulares
AS CIVILIZAÇÕES MAIS PRIMITIVAS E SUAS
1 bilhão de Pré- só invertebrados; vermes COSMOLOGIAS
Proterozóico - -
anos cambriano e algas
Cambriano moluscos, esponjas - - Em geral os historiadores dividem a história da humanidade em dois gran-
insetos, primeiros des períodos: a Idade da Pedra e a Idade dos Metais. A Idade da Pedra é aquela
Ordoviciano - -
vertebrados anterior à invenção da escrita. Por esse motivo ela também é, às vezes chama-
corais, tubarões, algas da de Idade Pré-literária. A Idade dos Metais é a história das nações que se
500 milhões Siluriano - -
Paleozóico marinhas auto-proclamam civilizadas.
de anos
peixes pulmonares,
Devoniano - - A IDADE DA PEDRA
crustáceos
Carbonífero primeiros anfíbios - -
A Idade da Pedra cobre pelo menos 95% da história da existência do ser
Permiano grandes anfíbios, fetos - -
humano. Ela só irá terminar nas proximidades do ano 3000 antes de Cristo.
10  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  11
Esta Idade se subdivide em era Paleolítica, ou antiga idade da pedra, e ERA NEOLÍTICA
era Neolítica, a nova idade da pedra. Chamamos a “era Paleolítica” de “ida-
de da pedra lascada” enquanto que a “era Neolítica” é chamada de “idade da O último estágio da Idade da Pedra é conhecido com período Neolítico.
pedra polida”. Como podemos ver, cada uma dessas eras é caracterizada pela É muito difícil fixar datas para o período Neolítico. Sua cultura não se esta-
maneira como as armas e utensílios de pedra eram fabricados pelos povos beleceu solidamente na Europa antes de cerca de 3000 a.C. No entanto, há
que nelas existiram. provas da existência desse período no Egito já no ano 5000 a.C. e não muito
mais tarde que isso no sudoeste da Ásia. O fim dessa era também é difícil de
ERA PALEOLÍTICA precisar. No Egito ele foi superado um pouco depois do ano 4000 a.C. mas não
desapareceu em parte alguma da Europa (exceto na ilha de Creta) antes do ano
É preciso ter sempre em mente que o começo e o fim do intervalo de tempo 2000 a.C. e muito mais tarde ainda na Europa setentrional. Curiosamente em
que caracterizam essas divisões são aproximados e varia muito com os auto- certas regiões da Terra ainda existem populações vivendo no período neolíti-
res. Para alguns cientistas o período Paleolítico vai de 500000 a 10000 antes co. Nas selvas do nosso país ainda encontramos povos indígenas vivendo com
de Cristo. O Paleolítico Inferior, que cobre cerca de 75% da duração global uma cultura neolítica exceto por alguns costumes que acabam adquirindo de
desta era, foi a época em que surgiram as quatro primeiras espécies humanas exploradores e missionários que deformam substancialmente suas culturas.
na superfície da Terra (aqui citadas não em ordem de descoberta mas sim do Na era Neolítica as pessoas começaram a abandonar a vida nômade e a se
seu aparecimento na Terra): agrupar em pequenas comunidades agrícolas formando, eventualmente, cida-
des. O ser humano neolítico é produtor de alimentos e domestica animais. AAexpansão
expansãoda
dacultura
culturamegalítica
megalíticana
naEuropa,
Europa,
período
período de 6000 a.C.até
entre 5000a.C.
a.C. e 5000 a.C
• o homem de Java (Pithecanthropus erectus)
Esse nome significa “homem-macaco em pé”. Foi descoberto na ilha de
Java, Indonésia, no ano 1891.
• o homem de Pequim (Sinanthropus pekinenses)
Encontrado a cerca de sete quilômetros a sudoeste de Beijing entre
1926 e 1930.
• o homem de Fontéchevade
• Seus restos foram encontrados em 1947 no departamento de Charente,
sudoeste da França.
• o homem de Neanderthal (Homo neanderthalensis)
Este é o famoso “troglodita” ou “homem das cavernas”. Seus restos fo-
ram encontrados pela primeira vez no vale do Neander, perto de Düs-
seldorf, noroeste da Alemanha, em 1856.

Osso de lobo usado na era Paleolítica como


Segundo alguns cientistas o Paleolítico Inferior vai até cerca de 30000 Como consequência deste agrupamento de pessoas ocorreu naturalmen-
instrumento de registro.
ou 25000 antes de Cristo. Sabemos muito pouco sobre a cultura, as habi- te, em várias regiões, o desenvolvimento de muitas atividades diferentes, em
lidades e a ciência dos seres que existiram nessa época. Suas habilidades e particular aquelas associadas com a arte. A necessidade de habitações per-
sua ciência adquirida devem ter sido ínfimas, mesmo se confrontadas com manentes exigiu móveis e utensílios, o que desenvolveu a arte na madeira e
as dos povos primitivos que habitam o nosso planeta hoje em dia. Apesar a cerâmica. Além disso, as cidades (ou o que parecia ser uma cidade naquela
disso, descobertas feitas por antropólogos mostram que não podemos con- época) trouxeram a necessidade de localizações fixas para deuses e deusas, o
siderar o Pithecanthropus e seus sucessores como simples macacos. que levou alguns destes povos a construírem templos e objetos religiosos. A
De 30000 a.C até 10000 a.C. temos o chamado Paleolítico Superior. religião passou a exigir lugares sagrados para os mortos, com a consequente
Nesta época surge o homem de Cro-Magnon que desenvolveu uma cultura fabricação de tumbas, ossários e urnas.
bastante superior à dos seus antepassados. Estes homens já usam roupas e O ser humano do Neolítico inventou os primeiros barcos e jangadas e desse
criam artefatos mais elaborados como agulhas, anzóis, arpões, etc. modo espalhou-se por todo o mundo atingindo até mesmo ilhas tão remotas
No Paleolítico Superior os homens de Cro-Magnon ainda não constru- como o arquipélago do Havaí.
íam casas. Eles habitavam cavernas e a vida grupal tornou-se mais regular Nesta época também houve o desenvolvimento da religião. Na verdade
e organizada do que antes. O homem de Cro-Magnon desenvolveu a arte ela era mais rito do que crença. Como o ser humano primitivo dependia to-
da pintura, a escultura, o entalhe e a gravação. Ele também desenvolveu talmente da natureza, da sucessão regular das estações do ano, da queda de
o mito, apresentando ideias muito evoluídas sobre um mundo de forças chuvas nas ocasiões apropriadas, do crescimento das plantas e da reprodução
invisíveis que passaria a reger todos os momentos de sua vida. Também dos animais, ele acreditava que esses fenômenos naturais só ocorreriam se ele
foram eles que desenvolveram as primeiras notações numéricas da história cumprisse certos sacrifícios e ritos.
da humanidade. Eles faziam isso na forma de entalhes sobre ossos e, pos- No entanto, também estava muito presente na religião primitiva o medo.
sivelmente, estas contagens estavam relacionadas com animais abatidos Os seres humanos pré-históricos viviam em um estado constante de alarme e
durante a caça. terror. Eles temiam não só a doença e a morte mas também a fome, a seca, as

12  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  13


tempestades, os espíritos dos mortos e até mesmo os espíritos dos animais que do final da idade da pedra que habitou a Europa por volta do ano 2200 a.C.
eles haviam matado para se alimentar. Como no seu imaginário toda desgraça Acredita-se que este povo, e não os Celtas como comumente é dito, construiu
era precursora de outras desgraças, o ser humano primitivo acreditava que só parcialmente o segundo estágio de um dos grandes monumentos megalíticos
conseguiria quebrar este ciclo nefasto se a má influência causadora destes ma- que conhecemos: Stonehenge. Note que a época em que o povo Beaker existiu
les fosse apaziguada ou aniquilada. E só havia um meio para isso: os feitiços. é muito anterior à cultura Celta!
Entretanto, pesquisas mais recentes revelaram que os megalitos existentes
A IDADE DO BRONZE na Bretanha têm, na verdade, uma origem muito mais antiga. Nesta região
foram encontrados alguns megalitos que datam de cerca de 4600 a.C., bem
À era Neolítica seguiu-se a chamada Idade do Bronze, o período entre 2200 dentro da idade pré-histórica!
a 800 a.C. A Idade do Bronze é geralmente marcada pelo uso cada vez maior de No entanto, é muito importante que se tenha em mente que nem todas
metais substituindo as ferramentas de pedra e um aumento na fixação dos seres estas estruturas megalíticas têm relação com a astronomia.
humanos, frequentemente com sítios marcados por grandes geoglifos (nome
dado a desenhos feitos nas paisagens em épocas antigas, por várias sociedades e A RELIGIÃO DO SER HUMANO NEOLÍTICO
em várias partes do mundo) e estruturas megalíticas, como Stonehenge.
Uma das principais instituições desenvolvida em sua forma mais complexa
pelo ser humano do período neolítico foi a religião em suas numerosas varie-
dades. Os antropólogos modernos destacam o fato de que a religião primitiva
não era uma questão de crença e nem de ritos. Na maioria dos casos, os ritos
vieram em primeiro lugar. Os mitos, dogmas e teologias foram racionaliza-
ções criadas posteriormente. O ser humano primitivo dependia inteiramente
da natureza ou seja, da sucessão regular das estações do ano, da queda de Megalito do Grand Menhir Brisée de
Locmariaquer, Bretanha, França.
chuvas nas ocasiões apropriadas, do crescimento das plantas e da reprodução
dos animais.
Para esse ser humano primitivo, esses fenômenos naturais não ocorreriam
a não ser que ele cumprisse certos sacrifícios e ritos. Deste modo, o ser huma-
no primitivo criou cerimônias destinadas, por exemplo, a fazer chover: nelas
ele borrifava água sobre espigas de milho para imitar a precipitação da chuva.
Para eles existia a vaga noção de que, imitando o comportamento de um de-
terminado animal, ele contribuía para garantir a sobrevivência dessa espécie.
Stonehenge é um alinhamento megalítico da Assim, muitas vezes toda uma aldeia vestia peles de algum tipo de animal do
Idade do Bronze, localizado no Sul da Inglaterra. Chamamos de estruturas megalíticas as construções feitas por estes povos qual eles dependiam para a obtenção de alimento e imitavam seus hábitos, o
O início de sua construção foi em 2600 a.C. em que há a presença de megalitos. A palavra “megalito” significa “grande que garantia que os animais não desapareceriam. Um outro elemento impor-
pedra” em grego. Algumas vezes ela é usada, erroneamente, para descrever os tante na religião primitiva era o medo. Os seres humanos primitivos viviam
monumentos megalíticos. num estado constante de terror e tudo que acontecia de estranho ou mal co-
Os monumentos megalíticos possuem formas gerais variadas mas em to- nhecido representava perigo. Imagine o que se passava na mente de um deles
dos eles é característica a presença de enormes blocos de pedra, dispostos às ao ver um eclipse solar ou um cometa no céu!
vezes em forma circular, outras vezes simplesmente alinhados. Em algumas Segundo os antropólogos, a maioria dos seres humanos do período neolí-
destas construções é notada a presença de um enorme monolito, chamado tico achavam-se num estágio pré-lógico. Eles não faziam distinção entre ob-
“Menhir”, uma pedra isolada que domina a região. Na Bretanha, França, foi jetos animados e inanimados, nem entre o natural e o sobrenatural. Eles nem
encontrado o Grand Menhir Brisée de Locmariaquer, que tinha 20 metros de mesmo eram capazes de pensar em termos de “milagres” pois, para eles, nada
altura e pesava 350 toneladas. Atualmente ele está tombado e quebrado em 4 era impossível ou absurdo. Do mesmo modo, não existiam acidentes casuais,
pedaços (imagem a seguir). pois tudo que acontecia tinha um significado místico. Assim, os seres huma-
Existem muitas estruturas megalíticas espalhadas por todo o mundo. Elas nos primitivos não aceitavam o conceito de “morte natural” e não tinham
são encontradas na Inglaterra, Irlanda, Pais de Gales, Escócia, Suécia, França, qualquer noção do processo de geração e de nascimento. Para eles não havia
Itália, Romênia, Rússia, nas Américas, na Nova Zelândia e em muitos outros qualquer relação entre sexo e reprodução.
países. Um local que apresenta uma grande concentração de megalitos é a Bre- A primeira revolução intelectual na história da humanidade foi, provavel-
tanha, na França. No entanto, é impossível ter um mapa completo dos mega- mente, a passagem das várias religiões primitivas para o pensamento religioso
litos que foram construídos no mundo por que muitos foram destruídos pelas que repousa sobre a crença em deuses benévolos e uma explicação filosófica do
populações locais como, por exemplo, os milhares de megalitos que existiam Universo. Ninguém sabe como se realizou essa transição
no norte da Alemanha.
Sabemos muito pouco sobre a cultura dos povos que construíram estes A COSMOLOGIA NEOLÍTICA
megalitos. Como não haviam inscrições neles também desconhecemos suas
línguas, religiões, costumes ou mitos. Até recentemente os historiadores as- A cosmologia é tão velha quanto a própria humanidade. A cosmologia mais
sociavam a construção dos megalitos ao chamado “povo Beaker”, um povo primitiva que conhecemos, criada pelos povos que viveram na era neolítica,

14  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  15


era, como não podia deixar de ser, extremamente local. Para esses povos o evidências de que alguns povos primitivos observavam cuidadosamente
universo era aquilo com que eles interagiam de modo imediato. Para eles o as fases da Lua e registravam isto fazendo entalhes em uma vara de madeira
universo, ou seja, as coisas cosmológicas, era o clima, os terremotos, os vul- ou arranhões em um osso. A imagem abaixo mostra o mais antigo objeto
cões, e as fortes mudanças que ocorriam ao longo do ano no meio ambiente com registro matemático conhecido. Veja que os entalhes marcam valores
que os cercava. Todas as outras coisas que ocorriam fora da vida diária comum numéricos.
desses povos eram interpretadas como sendo sobrenaturais. Esse é o motivo
pelo qual muitos historiadores dão à cosmologia desenvolvida por esses povos
o nome de “Cosmologia Mágica”.
Os povos primitivos projetaram seus próprios sentimentos e pensamentos
internos dentro de um mundo animístico externo, um mundo onde todas as
coisas tinham vida. Por meio de preces, sacrifícios e presentes aos espíritos, os
seres humanos ganhavam controle dos fenômenos que ocorriam no seu mun-
do. Essa é uma visão do mundo mágica e antropomórfica, de uma terra, água,
vento e fogo vivos, nos quais os homens e mulheres projetaram suas próprias
emoções e motivos como sendo as forças que os guiavam, o tipo de mundo que
encontramos nas fantasias e contos de fadas.
Já vimos que mais tarde a humanidade começou a se organizar e desenvol-
Os ossos de Ishango foram encontrados na região
ver o que agora chamamos de sociedade. Um sentido maior de estabilidade em Este mesmo processo de registro tornou possível que vários povos, sem que correspondia ao Zaire, atual República
sua existência diária conduziu ao desenvolvimento de mitos mais elaborados, terem o domínio da escrita, pudessem contar o número de dias em um ano. Democrática do Congo.
em particular mitos de criação cujo objetivo era explicar a origem do universo. Qualquer povo primitivo podia encontrar as direções do nascimento e do
Construção megalítica que, de alguma forma, estava Vários desses mitos ainda mantiveram temas sobrenaturais mas havia, en- ocaso das estrelas, ou então as direções do nascimento e do ocaso do Sol e da
relacionada a obtenção de dados astronômicos.
tretanto, uma pequena consistência lógica interna em várias dessas histórias. Lua, mais ao norte e mais ao sul, sem necessitar escrever. A prova de que isso
Os mitos frequentemente tentam uma explicação racional do mundo diário. era feito está nas várias grandes construções megalíticas que conhecemos tais
Mesmo se considerarmos algumas dessas histórias como sendo tolices elas como Stonehenge, na Inglaterra.
foram, em algum sentido, nossas primeiras “teorias científicas”. Essa época é Podemos dizer que tão logo os grupos sociais primitivos desenvolveram a
chamada pelos historiadores de “Cosmologia Mítica”. linguagem foi preciso apenas um pequeno passo para que eles fizessem suas
O Universo conhecido por estes povos era somente aquele visível. Eles primeiras tentativas para compreender o mundo que existia em torno deles.
não conseguiam explicar a ocorrência de fenômenos casuais tais como a Enquanto isso, como já dissemos, sua cosmologia era alimentada pelos mitos
aparição de um cometa ou um eclipse. Esses fenômenos eram observados de criação do universo, na verdade mitos que envolviam somente aquilo que
por eles com pavor e os levaram à elaboração de muitos mitos associados eles podiam presenciar no seu dia-a-dia como, por exemplo, o surgimento e
à astronomia. Ao mesmo tempo, a necessidade de saber quando semear e desaparecimento diário de uma bola de fogo brilhante, e o medo de que ela
quando colher, o que garantia a subsistência desses povos, fez com que eles não aparecesse no dia seguinte.
passassem a olhar com mais atenção para o seu universo local. Isso pode ser Havia também um grande objeto brilhante que assumia várias formas no
comprovado pelas várias construções megalíticas que sobreviveram até os céu, às vezes sendo redondo mas mudando sua forma até desaparecer. Seria
dias de hoje e que estão, de alguma forma, relacionadas com a obtenção de o mesmo objeto sempre ou seriam vários? Este estranho objeto também era
dados astronômicos. capaz de aparecer durante o dia e às vezes desaparecer por completo. As cores
No entanto, existe uma questão bem mais profunda em relação a essas ob- do céu e o seu estranho salpicado de pontos luminosos que piscavam quando
servações astronômicas: embora vários megalitos tenham sido, certamente, tudo estava escuro mas não apareciam quando estava tudo claro. Explicar isso
erigidos para assinalar momentos astronômicos específicos, como o solstício era muito difícil. Melhor acreditar que alguém os criou.
por exemplo, até que nível fatos astronômicos poderiam ser compreendidos pe-
las pessoas que viviam na época em que essas grandes pedras foram erigidas?
O fato mais importante a notar é que na época em que os megalitos foram AS PRIMEIRAS TENTATIVAS DE COMPREENDER O
construídos, as pessoas não conheciam a escrita. Deste modo, a pergunta fun- UNIVERSO
damental passa a ser:
Faremos agora uma pequena descrição do pensamento cosmológico de po-
“Que astronomia é possível fazer sem conhecer a vos antigos (não pré-históricos). Esse é o tema da chamada arqueoastronomia,
a parte da astronomia que estuda como os povos da antiguidade registravam
escrita?” e interpretavam fenômenos celestes e como elas descreviam o cosmos. Essa
área, embora de grande riqueza cultural, é interdisciplinar e exige, além de
Certamente o não conhecimento da escrita coloca fortes limites sobre o
grande conhecimento de astronomia de posição, competência em história
conhecimento astronômico. Basta lembrar que sem ela fica muito mais difícil
antiga, antropologia, arqueologia e sociologia. Tal como a astrobiologia (que
(mas não impossível) realizar uma das tarefas mais elementares (e importan-
procura vida em outros planetas), a arqueoastronomia, quando tratada com
tes) da astronomia: o registro de ocorrências astronômicas.
seriedade, é uma belíssima e importante parte da ciência.
Na verdade, alguns fatos astronômicos diários podem ser registrados
sem que seja necessária a intervenção da escrita. Por exemplo, existem
16  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  17
MESOPOTÂMIA o que faz com que suas origem estejam ligadas a tribos semíticas que viveram
no quarto milênio a.C. Outras tribos se fixaram em Eridu, próximo ao rio Eu-
O que era a Mesopotâmia frates no sul da Mesopotâmia, povos estes com uma origem ainda mais antiga.
A mesopotâmia não foi um império ou um país. Ao invés disso, a mesopo- Os sumérios também se fixaram em Ur, uma região que prosperou até
tâmia era uma área geográfica na qual pessoas, com as mais variadas origens, se quase o tempo de Homero, e também em Lagash, uma cidade que escavações
instalaram e, eventualmente, organizaram estados-cidades, que mais tarde se arqueológicas revelaram ser um dos mais criativos meios ambiente daqueles
transformaram em poderosos impérios. Vários destes estados-cidades primor- tempos antigos e que prosperou até aproximadamente a mesma época da que-
diais mesopotâmios foram fundados muito antes que as mais antigas comuni- da do Velho Reinado egípcio, por volta de 2500 a.C. Claro que estas cidades
dades políticas egípcias (que são ainda mais antigas que qualquer “civilização” não existem mais e só são lembradas pelos que estudam a Bíblia ou pelos pro-
européia). fessores e estudantes de história. O importante é saber que, inicialmente, a
maioria das pessoas que habitaram os vários estados-cidades estabelecidos na
Mesopotâmia eram Sumérios (ou Sumerianos).
Os sumerianos fizeram florescer uma brilhante civilização durante o quar-
to milênio antes de Cristo. Este povo desapareceu no segundo milênio antes
de Cristo, não sem antes transmitir aos assírios os principais elementos de sua
arte e de sua mitologia.

BABILÔNIA

Quem eram os Babilônios


Como vemos no mapa anterior, a Babilônia estava situada na região conhe- Antigo sistema de escrita chamada cuneiforme,
utilizado pelos babilônios.
cida como Mesopotâmia.
A história dos babilônios é tão misturada com a dos sumérios e caldeus que
fica difícil separar o passado de cada um destes povos.
Os historiadores têm dúvidas quanto à extensão da história dos babilônios.
Alguns consideram que ela se estende até o quarto milênio a.C. enquanto que
outros a traçam somente até o século 18 a.C. quando Hamurabi estabeleceu a
primeira dinastia babilônia.

A escrita dos Babilônios


Muito do sistema educacional dos babilônios têm fortes ligações com a
cultura suméria. Sua escrita e sua ciência, em particular a astronomia e a as-
trologia, teve suas origens na ciência desenvolvida pelos sumérios.
Região da Mesopotâmia,formada pelos impérios A palavra Mesopotâmia, de origem grega, significa “a terra entre os rios”, e Os estudiosos babilônicos eram sacerdotes e/ou profetas. Deste modo, ape-
Sumério, Babilônio, Caldeus e Assírio. este foi o nome dado por Políbio e Estrabão às terras muito planas que estavam nas uns poucos tinham acesso à educação.
situadas entre os dois rios que fluem através delas, os rios Tigre e Eufrates. A astronomia babilônica não foi exceção. Ela foi deixada nas mãos de uns
Estes rios correm de Anatólia e Síria até o golfo Pérsico. poucos cidadãos educados que serviam como escribas e eram capazes de usar
A região da Mesopotâmia era limitada ao norte pelas montanhas do Cur- e compreender o sistema de escrita que havia sido transmitido aos babilô-
distão. O limite oeste eram as estepes e os desertos da Síria e da Arábia e a leste nios pelos sumérios. Este sistema de escrita, que usava símbolos em forma de
estava a cadeia de montanhas Zagro, no atual Irã. A fronteira ao sul eram os cunha ao invés de caracteres alfanuméricos, é chamado de cuneiforme e é o
pântanos do delta do rio. mais antigo sistema de escrita conhecido.
Ao longo dos rios Tigre e Eufrates muitas grandes cidades comerciais se Note que existiram vários sistemas cuneiformes na região da Mesopotâ-
formaram, entre elas Ur e Babilônia às margens do rio Eufrates. A região que mia. Exemplos desses alfabetos são mostrados na imagem ao lado.
era chamada de Mesopotâmia está situada, aproximadamente, na mesma re- Com o passar dos séculos ao longo da época antiga os símbolos cuneifor-
gião geográfica ocupada hoje pelo Iraque. mes sofreram uma evolução gráfica muito grande até chegarem à sua forma
Os impérios formados pelos sumérios, babilônios, caldeus e assírios se es- definitiva adquirindo não somente novos significados mas também tendo o
tenderam por toda a região conhecida como Mesopotâmia. seu desenho drasticamente alterado. Nas suas formas mais antigas, os símbo-
los cuneiformes identificavam principalmente objetos físicos. Mais tarde os
SUMÉRIA babilônios adicionaram novos símbolos que representavam ideias abstratas.

Quem eram os Sumérios A matemática dos Babilônios


Os sumérios eram membros de um povo que estabeleceu uma civilização A matemática dos Babilônios não seria estranha para aqueles que estão acos-
na Suméria, região que fica no baixo vale do rio Eufrates, região sul da Babilô- tumados com os sistemas binário (sistemas de base 2) e hexadecimal (sistemas
nia. Eles vieram de muitos lugares. Alguns deles vieram das terras de Akbad, de base 16) exigidos pela computação moderna. Ela não estava baseada no

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sistema decimal que usamos comumente, segundo o qual contamos todas as Os egípcios não demonstraram muito interesse pela astronomia. Ao con-
coisas usando potências de 10 ou seja, usando 10 dígitos de zero a nove para trário dos babilônios, não deixaram registros importantes de posições plane-
representar as unidades, e as notações posicionais de dezenas, centenas, mi- tárias, eclipses ou outros fenômenos. Uma evidência dessa falta de interesse
lhares para representar as potências de 10. é o fato de que um “catálogo do universo”, elaborado por volta de 1100 a.C.,
Os babilônios usavam um sistema de contagem de base 60. Isto os levou a lista apenas cinco constelações. Duas delas são Orion e Ursa Major, mas não
dividir o círculo em 360 graus. Eles também dividiram a hora em intervalos menciona Sírius ou qualquer outra.
usando sua medida sexagesimal. Esta é a razão pela qual existem 60 segundos A astronomia só aparece melhor registrada em um documento datado de
em um minuto e 60 minutos em uma hora. 300 a.C. Isso é “muito tarde” na história do antigo Egito. A primeira dinastia
Os babilônios mostraram ser muito hábeis nas artes dos cálculos e distin- começou aproximadamente em 3100 a.C. e essa fase da história egípcia termi-
guiram-se na manipulação aritmética e na representação simbólica. nou em 332 a.C., quando Alexandre conquistou toda a região. Um documento
Foram eles que inventaram as tabelas de multiplicação e estabeleceram as astronômico está gravado na base da estátua de um homem chamado Harkhe-
regras da aritmética. bi, que afirmou ter constatado “tudo observável no céu e na Terra”.
O desenvolvimento da cosmologia seguiu linhas práticas. Os egípcios ti-
A cosmologia na Mesopotâmia nham pouca ideia da extensão e estrutura do universo. Sua cosmologia, tal
Sistema numérico utilizado pelos egípcios.
Sistema de contagem e representação simbólica Há quatro mil anos os babilônios eram bastante versados em astronomia. como a dos babilônios, refletia crenças religiosas.
utilizado pelos babilônios. Os conceitos sobre o céu noturno foram formulados em vários mitos que
A astronomia babilônica é notada pelos seus registros, contínuos e detalhados,
de fenômenos astronômicos tais como eclipses, posições dos planetas e nasci- mais tarde se tornaram parte central da religião. As principais divindades
mento e ocaso da Lua. Alguns destes registros foram feitos em 800 a.C. e são eram os corpos celestes. Um grande esforço foi feito pelos religiosos para pre-
os mais antigos documentos científicos existentes. ver o momento e o local do aparecimento de seus deuses. Foram essas ha-
O propósito desta atividade era claramente astrológico com o objetivo de bilidades que levaram a divisão do dia e da noite em 12 seções cada um, o
predizer a prosperidade do país assim como a do seu rei. desenvolvimento de dois calendários, um lunar e um solar. O solar tinha 12
Além de registros os astrônomos babilônios também desenvolveram várias meses, cada um com 30 dias, além de 5 dias “especiais”, totalizando 365 dias.
ferramentas aritméticas que, aplicadas às suas tabelas de dados, os permitiam O deus Sol, denominado Ra, era o mais importante. Portanto, o movimen-
prever os movimentos aparentes da Lua, das estrelas, dos planetas e do Sol no to solar anual foi uma observação astronômica fundamental na cosmologia
céu. Eles podiam até mesmo prever eclipses. egípcia. A determinação dos solstícios e equinócios possuía grande relevância.
Entretanto, embora sua preservação de registros fosse uma tecnologia Uma lenda relata que a deusa do céu, Nut, gera Ra uma vez por ano, suces-
nova para a época e seu sistema de nomes estelares e sistema de medição fosse sivamente. Nut é representada como uma mulher nua que se estica através
passado para civilizações posteriores, os babilônios nunca desenvolveram um do céu. O Sol (deus Ra) é mostrado entrando em sua boca, passando através
modelo cosmológico para nele interpretar suas observações. Os astrônomos de seu corpo salpicado de estrelas e saindo pelo “canal de nascimento”, nove
Imagem extraída do livro dos mortos, datado do
gregos alcançariam este objetivo usando os dados dos babilônios. meses mais tarde (período compreendido entre o equinócio da primavera e século 10 a.C., mostra a deusa Nut com o seu corpo
Apesar disso, a cosmologia na Mesopotâmia era muito mais sofisticada do o solstício de inverno no hemisfério norte). Ra é um deus que simboliza um suspenso por Shu, deus do ar. O deus da
que, por exemplo, a do Egito. Os babilônios acreditavam em um universo de seis universo eterno. terra, Geb, reclina-se a seus pés.
níveis com três firmamentos e três terras: dois firmamentos acima do céu, o fir-
O Universo visto pelos babilônios. mamento das estrelas, a terra, o submundo do Apsu, e o submundo dos mortos.
Era assim que os babilônios imaginavam o Universo. A Terra era um enor-
me plano que tinha uma forma circular. Ela repousava sobre uma câmara de
água, um rio que a circunda totalmente. Em volta da Terra havia uma parede
que sustentava uma cúpula onde todos os corpos celestes estavam localizados.
A Terra foi criada pelo deus Marduk como uma jangada que flutua sobre o
Apsu. Os deuses estavam divididos em dois panteons, um ocupando os firma-
mentos e o outro no submundo.

A cosmologia no Egito
As dinastias que floresceram no antigo Egito foram contemporâneas dos povos
que habitaram a mesopotâmia. Dentre outros aspectos, eles também desenvol-
veram uma cultura prática, destacando-se na arte, literatura, arquitetura e em
algumas ciências, como medicina e matemática. Uma das principais fontes de
informação sobre a matemática é o “papiro Rhind” (imagem à esquerda). Ele foi
feito por volta do ano 1650 a.C., mas seu autor, o escriba Ahmes, copiou-o de
um documento ainda mais antigo, (de 1800 a.C.). O papiro Rhind consiste de
uma tabela de números 1/n, onde n= 3, 5, 7,..., 101,. Além disso, inclui dezenas
de exercícios matemáticos acompanhados de soluções. Também é atribuída aos
Antigo papiro egípcio com cálculos matemáticos. egípcios a invenção do “cúbito”, uma “medida padrão de comprimento”, em sua
cultura antiga. Sem isso talvez suas grandes edificações não seriam possíveis.

20  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  21


Existem referências astronômicas neste e em outros livros Védicos que re-
A COSMOLOGIA DOS EGÍPCIOS
cordam eventos ocorridos no terceiro ou quarto milênio a.C. ou ainda antes
oceano primordial que • oceano infinito que continha os constituintes básicos de tudo deste tempo.
Nun representa um universo que existiria eternamente Em resumo, os textos Védicos apresentam uma visão do universo que é
de caos • para os egípcios a água era o elemento básico da vida tripartida e recorrente. O Universo é visto como três regiões, terra, espaço e
• existia dentro de Nun e permaneceu em repouso até o céu, que no ser humano estão espelhadas no corpo físico, a respiração (prana)
momento em que desejou viver e mente. Os processos que ocorrem no céu, sobre a terra e dentro da mente
são tomados como estando conectados. O universo também está conectado
Ra deus Sol • a partir dele veio o ar que sustenta o céu e o orvalho e a com a mente humana conduzindo à ideia de que a introspecção pode produzir
chuva que umedece a Terra conhecimento. O universo passa por ciclos de vida e morte.
Os profetas Védicos estavam cientes de que todas as descrições do universo
• de suas lágrimas foram criados os homens e as mulheres
conduzem a paradoxos lógicos.
• nascido de Ra Mostramos abaixo um dos hinos sobre a criação que faz parte dos Vedas.
Shu deus do ar
• sustenta o céu

• filha de Ra

• deu à luz Geb (Terra) e Nut (Céu)


Tefnut deusa do orvalho e da chuva
• entretanto, Geb e Nut casaram sem a aprovação de Ra. Então
ele ordena que Shu separe a Terra e o Céu para sempre

• primeiro filho de Geb e Nut As características mais notáveis da visão Védica do universo eram:
Osiris deus da natureza e da vegetação
• a terra deve sua fertilidade a ele • o Universo é grande, cíclico e extremamente velho
Os Vedas falam de um universo infinito e os Brahmanas men-
No período denominado velho reinado, o entusiasmo astronômico-religio- cionam “yugas” (eras) muito grandes. A visão Védica recorrente do
so dos faraós chega ao ápice com a construção das pirâmides de Gizé. Elas universo exige que o próprio universo passe por ciclos de criação e
também simbolizavam um caminho para os deuses, sendo orientadas para as destruição. Esta visão cíclica se tornou parte da estrutura astronômica
estrelas circumpolares do norte. desenvolvida por eles e isso fez com que ciclos muito longos, de bilhões
de anos, fossem considerados. Os Puranas falam do universo passando
A COSMOLOGIA NA ÁSIA por ciclos de criação e destruição de 8,4 bilhões de anos embora tam-
bém existam ciclos mais longos.
Existia (a ainda existe) um certo desejo entre historiadores eurocêntricos Assim, na cosmologia hindu o universo tem uma natureza cíclica.
em retroceder a ciência e filosofia antigas somente até os gregos. Com isso A unidade de medida usada é a “kalpa”, que equivale a um dia na vida
esses importantes pilares do conhecimento humano, a ciência e a filosofia, de Brahma, o deus da criação. Uma kalpa tem aproximadamente 4,32
aparecem como algo totalmente criado no ocidente. Deste modo a pré-histó- bilhões de anos. O final de cada “kalpa”, realizado pela dança de Shiva,
ria asiática das ciências ocidentais, em particular a base asiática sobre a qual é também o começo da próxima kalpa. O renascimento segue à destrui-
se apóia uma parte da ciência e filosofia gregas, é absolutamente ignorada. ção. Shiva é representada tendo na mão direita um tambor que anuncia
Mais recentemente começou a haver um reconhecimento, com uma certa má a criação do universo e na mão esquerda uma chama que destruirá o
vontade, de que os Babilônios e os Egípcios podem ter contribuído para o de- universo. Muitas vezes Shiva é mostrada dançando num anel de fogo
senvolvimento das ideias científicas e filosóficas dos gregos. que se refere ao processo de vida e morte do universo.
O mais notável na cosmologia hindu, que lhe dá uma característica
A COSMOLOGIA NA ÍNDIA única, é o fato de que nenhuma outra cosmologia antiga usou períodos
de tempo tão longos nas suas descrições cosmológicas.
A literatura dos Vedas e a arqueologia indianas nos fornecem bastante evi- • um mundo atômico Visão hindu sobre a criação e
dências relacionadas com o desenvolvimento da ciência pelos povos que habita- De acordo com a doutrina de Kanada existem nove classes de destruição do Universo.
vam este país. Segundo alguns arqueólogos, existem registros que nos permitem substâncias:
acompanhar estes desenvolvimentos recuando no tempo até o ano 8000 a.C. ▶▶ éter, espaço e tempo, que são contínuas.
A mais antiga fonte textual destas narrativas históricas está no Rig Veda, o ▶▶ as quatro substâncias elementares, ou partículas, chamadas ter-
livro sagrado dos Hindus, que é uma compilação de material muito mais anti- ra, ar, água e fogo, que são atômicas.
go. A descoberta de que Sarasvati, o importante rio da época Rig Vedica, ficou ▶▶ dois tipos de mentes, uma onipresente e outra que é o indivíduo.
Detalhe do livro sagrado dos Hindus. seco por volta do ano 1900 a.C. devido a movimentos tectônicos, fortalece a A doutrina atômica de Kanada é, em certos aspectos bem mais inte-
ideia de que os hinos do Rig Veda recordam eventos anteriores a esta época. ressante do que aquela proposta pelo grego Demócrito.
De acordo com a história tradicional o Rig Veda é anterior a 3100 a.C.

22  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  23


• relatividade do espaço e do tempo Os filósofos indianos sempre foram fascinados pela matemática. Como já
Descrições mostrando que nem o espaço nem o tempo precisam vimos, foram os matemáticos indianos que inventaram o zero, uma absoluta
fluir à mesma taxa para observadores diferentes é encontrada nas his- necessidade para que pudesse ser desenvolvida uma aritmética tratável. Isto se
tórias de Brahmana e Purana assim como no Yoga Vasistha. refletiu diretamente no desenvolvimento da ciência quantitativa.
Certamente estas histórias não têm qualquer ligação com a teoria A era realmente produtiva da antiga astronomia indiana, entretanto, ocor-
da relatividade especial que estabelece um limite superior para a velo- reu muito depois que os gregos passaram a fazer parte do império bizantino.
cidade da luz. Este desenvolvimento deve ter acontecido do meio do terceiro século até o
sétimo século, pois foi durante este período que a Índia teve um grande desen-
• números binários e o infinito
volvimento sob as regras da dinastia Gupta e a cultura Harsch. Nesta época a
Parece que um sistema de números binários foi usado por Pingala
cultura hindu experimentou sua idade de ouro. Durante este tempo viveram
por volta do ano 450 a.C. A estrutura deste sistema numérico pode ter
os dois principais astrônomos indianos Aryabhata e Brahmagupta.
ajudado na invenção da forma gráfica que distingue o zero, feita pelos
Aryabhata de Kusumapura nasceu no ano 476. Ele foi um grande matemá-
indianos possivelmente entre os anos 50 a.C a 50 d.C. Sem o símbolo
Ilustração encontrada nas histórias de tico, o primeiro a usar álgebra na astronomia. Seus trabalhos, incluídos como
Brahmana e Purana.
do zero a matemática teria tido grandes dificuldades no seu desenvol-
parte de uma compilação tradicional de escritos matemáticos e astronômicos
vimento. O sistema de números binários foi descoberto no ocidente
coletivamente conhecidos como Siddhantas, incluiam fórmulas aritméticas,
pelo matemático alemão Leibnitz em 1678, quase 2000 anos depois de
medições trigonométricas e equações quadráticas.
Pingala.
Aryabhata acreditava que existiam fórmulas algébricas e princípios geomé-
A ideia do infinito é encontrada nos próprios Vedas. Ele foi correta-
tricos capazes de explicar toda a mecânica celeste. Ele não aceitava o processo
mente compreendido como aquilo que permanece inalterado se adicio-
ptolomaico usado para explicar e verificar fatos astronômicos. Na verdade,
narmos ou subtrairmos dele o próprio infinito.
Aryabhata nunca esteve completamente satisfeito com as ideias de Ptolomeu
Segundo a crença hindu o universo é destruído no final de cada kal-
sobre as maneiras pelas quais os planetas se moviam nem com as várias ideias
pa, que é a vida do deus criador Brahma. Entre a destruição do universo
cosmológicas deste filósofo grego.
e sua recriação, no final de cada ciclo, o deus Vishnu repousa nos anéis
Aryabhata opunha-se particularmente ao pensamento de que a Terra esta-
de Ananta, a grande serpente do infinito, enquanto espera o universo
va em repouso. Ele se sentia bastante seguro de seus próprios cálculos e obser-
se auto-recriar.
vações e, baseado neles, afirmava que a Terra devia girar, estivesse ou não fixa
em uma coordenada espacial.
A imagem ao lado mostra um dos conceitos hindus do Universo. A Terra,
Brahmagupta, que viveu no período entre 590-660, também foi matemáti-
chamada por eles de Monte Meru, e as regiões infernais eram transportadas
co e astrônomo. Ele escreveu um poema chamado “Brahma-Sphuta-Siddhan-
por uma tartaruga, símbolo da força e poder criativo. Por sua vez, a tarta-
ta”, que significa “sistema melhorado de Brahma”, que era, na verdade, um
ruga repousava sobre a grande serpente, que era o emblema da eternidade.
trabalho sobre astronomia que incluía também capítulos sobre matemática.
Existiam três mundos: a região superior era a residência dos deuses, a região
Brahmagupta conhecia muito bem as opiniões de Ptolomeu e Aryabhata.
intermediária era a Terra e a região inferior era a região infernal. Eles acre-
No entanto, ele preferiu apoiar as teorias planetárias de Aryabhata, pois ele
ditavam que o Monte Meru cobria e unia os três mundos. No topo do Monte
também acreditava que haviam evidências suficientes para provar que a Terra
Meru estava o triângulo, o símbolo da criação. As estrelas giravam em volta
girava.
da montanha cósmica Meru.
A ciência indiana, mas não a sua religião, sofreria uma profunda modifica-
ção com a incorporação dos conhecimentos trazidos pelos gregos.
A COSMOLOGIA NA CHINA
Ocorre que a transmissão das ideias desenvolvidas pelos filósofos gregos para
os árabes não foi algo que ocorreu de modo direto. Antes de chegar aos árabes, a Entre as civilizações antigas é certo que a chinesa foi uma das primeiras a
Um dos conceitos hindus sobre o Universo. se preocupar com a astronomia. Já entre os séculos 3 e 4 antes de Cristo os as-
filosofia grega passou pela Índia. Esta transmissão de conhecimentos dos gregos
para os indianos possivelmente já ocorria desde o final do período grego antigo, trônomos chineses Shi Shen, Gan De e Wu Xian mapearam as posições das es-
em particular desde a época das conquistas de Alexandre, o Grande. trelas no céu e determinaram algumas constelações (bem diferentes daquelas
Certamente muitas ideias e inovações científicas surgiram na Índia em uma construídas no mundo ocidental, uma vez que o desenho de constelações não
Carta celeste feita entre os séculos 3 e 4 a.C.. O mais
época anterior à idade científica grega. No entanto, os historiadores não con- possui base física). Segundo alguns historiadores, esse é o mais antigo mapa
antigo mapa estelar que se conhece.
seguiram mostrar que as inovações criadas pelos indianos de alguma forma estelar que se conhece. Ao longo dos séculos muitas cópias foram feitas desse
estivessem associadas às correspondentes inovações que surgiram na Grécia. documento. Ao lado mostramos a cópia mais antiga existente deste mapa, feita
Os astrônomos indianos ficaram fascinados com a astronomia grega. Em na Dinastia Tang, por volta do século IX da nossa era. Ele foi descoberto, na
particular eles se impressionaram com o método científico que os gregos ti- época moderna, nas ruínas de um mosteiro nos desertos da Ásia Central.
nham trazido, e tornado necessário, para a ciência. A seguir mostramos o mapa estelar da projeção polar sul feita para o glo-
No entanto, os filósofos indianos estavam pouco preocupados com dados bo celeste do engenheiro mecânico e cientista chinês Su Song (1020-1101) da
puramente observacionais. Seu principal interesse se fixava nos princípios Dinastia Song (960-1279). Esse mapa foi publicado pela primeira vez no livro
subjacentes que governavam o movimento dos planetas, do Sol, e da Lua, ou “Xin Yi Xiang Fa Yao”.
seja, eles se interessavam mais pela matemática que descrevia estes movimen- A cosmologia da China antiga pode ser vista na arte, arquitetura e nos
tos e que já havia sido desenvolvida pelos astrônomos gregos. escritos mais antigos deste povo. Ela está fortemente impregnada com as reli-
giões dominantes, o Taoísmo e o Confucionismo.

24  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  25


02
A cosmologia chinesa é muito esparsa no que diz respeito à criação. A COSMOLOGIA GREGA
Entretanto, existe um mito que data do século 3 a.C. que estabelece que no
começo, o céu e a terra estavam unidos sob a forma de uma vasta nebulo- A civilização grega
sidade na forma de um ovo. O primeiro homem sobre a Terra foi Pangu, Embora algumas civilizações antigas tenham realizado progressos cientí-
e foi ele que separou o céu e a terra. Alguns dizem que ele fez isso usando ficos relevantes, nada se compara ao que foi feito pelos gregos, que começaram
um machado. Outros dizem que ele fez isso crescendo cada vez mais até a desenvolver o método científico de investigação. Cosmologia
que os dois foram obrigatoriamente divididos. Em qualquer um dos ca- Na Grécia antiga, os pensadores não acreditavam imediatamente nas ex-
sos, a porção mais leve deslocou-se para cima, tornando-se o firmamen-
Grega
plicações dos fenômenos que ocorriam à sua volta. A ciência passou a ter uma
to enquanto a porção mais pesada acomodou-se na parte de baixo e se forte conotação experimental.
tornou a terra. Fatores culturais da sua civilização permitiram que o método científico
Quando Pangu morreu sua cabeça se tornou as montanhas, seus olhos o fosse adotado pelos filósofos, dentre os quais destacam-se:
Sol e a Lua, suas artérias e veias os mares e rios e seu cabelo e pele as plantas e
os vegetais. Não obstante, seus restos mortais são ditos terem sido enterrados • a possibilidade da discussão franca dos mais variados assuntos. Isso
Mapa estelas concebido por Sun Song da dinastia em algum lugar em uma montanha na província de Guangdong. ocorria nas assembléias onde, pela primeira vez, o debate racional per-
Song (960-1279). A interpretação chinesa da orientação física do universo teve pouca mitia que uns tentassem persuadir outros que seus argumentos eram
inf luência filosófica. Existem várias interpretações individuais diferentes mais corretos. O debate é um ponto fundamental para o desenvolvi-
mas cada uma delas contém várias ideias básicas comuns sobre a estrutura mento científico.
universal.
• a economia marítima, que impedia o isolamento do seu povo e permi-
Sabemos que os chineses na verdade distinguiam entre estrelas e planetas
tia a influências de outras culturas.
e que já tinham notado o comportamento errante de vários corpos celestes.
Existiam inicialmente três modelos de orientação celeste: • a existência de um mundo bastante amplo que usava a língua grega, per-
mitindo os viajantes e eruditos adquirir mais experiência e conhecimento.
• Gai Tian • a existência de uma classe mercantil independente, que podia contra-
Era a teoria do firmamento em forma de domo. Ele colocava o que tar seus próprios professores. Isso tirava o conhecimento exclusiva-
hoje chamamos de Ursa Maior no centro do domo celeste e a China mente dos nobres ou daqueles ligados à nobreza.
ficava no centro da Terra.
• a religião, que mesmo tendo sacerdotes, não era dominada por eles.
• Hun Tian Isso tornava maior a liberdade de expressão e diminuía o medo de
Era a escola que previa um firmamento esférico com uma forma expressar opiniões.
muito semelhante a um ovo de galinha onde a Terra é como a gema. O
firmamento era mantido suspenso por um vapor chamado “qi”. Esta Esses fatores, presentes numa sociedade durante mil anos, resultaram no
teoria particular conduziu a vários avanços tecnológicos na astrono- desenvolvimento cultural dos gregos antigos. O desenvolvimento da matemá-
mia como a construção de esferas e anéis armilares. tica foi fundamental para o avanço da ciência. Eles adquiriram uma paixão
pela geometria e por isso deram uma impressionante contribuição a esse ramo
• Xuan Ye da matemática. No entanto, acreditavam que o círculo era “a forma perfeita”,
Era a teoria que nos dizia que o universo era infinito e os corpos apesar das manchas que observavam na Lua, durante a fase cheia, e das man-
celestes estavam suspensos nele. Essa ideia, obviamente, não era justi- chas solares que ocasionalmente podiam ser vistas a olho nu, no crepúsculo.
ficada por qualquer fato ou observação. A adoração pela perfeição do círculo levou-os a postular que as órbitas
Em quase todas estas interpretações do firmamento, um vento ou vapor planetárias eram circulares. Foram os primeiros a construir um modelo cos- Detalhe da pintura feita por Rafael Sanzio, que
celestial sustentava os corpos celestiais. Este é um conceito chinês muito mológico parcialmente capaz de descrever o movimento aparente da Lua, do representa a Academia de Atenas. Uma alusão de
comum no qual o vento não somente mantinha suspensas as estrelas fixas Sol, planetas e estrelas.. debates entre os filósofos da época.

no céu mas também, devido ao arrasto viscoso proveniente da Terra, pro- No século 4 a.C. desenvolveram a ideia que as estrelas eram fixas numa es-
duzia o movimento para trás do Sol, da Lua, dos cinco planetas visíveis e fera celeste, que girava em torno da Terra esférica a cada 24 horas.Os planetas,
das estrelas. o Sol e a Lua, se moviam no éter, um meio que permeava todo o espaço. Para a
Os chineses percebiam o céu como sendo arredondado. Ele tinha nove maioria dos astrônomos gregos a Terra era estacionária e tudo mais se movia.
níveis cada um dos quais separado por um portão e guardado por um ani-
mal particular. O nível mais alto era o “Palácio da Tenuidade Púrpura”. A mitologia grega e sua cosmologia primitiva
Era aí que o Imperador do Céu vivia, na constelação que hoje chamamos Os povos antigos foram capazes de notar que o Sol, a Lua e as estrelas se-
de Ursa Major. guem trajetórias, que mudam levemente conforme as estações do ano. Isso os
No centro do céu estava o Pólo Norte e a Estrela Polar. O pólo celeste era levou a evoluir na maneira de encarar o mundo à sua volta. Postularam que al-
Conceito dos chineses sobre a distribuição dos uma característica crítica da cosmologia chinesa. Para os chineses esse centro gum tipo de consciência deveria estar controlando os movimentos dos corpos
corpos celestes. era o ponto geográfico mais importante porque ele era o ponto mais próximo celestes e determinando as variações de clima que ocorriam ao longo do ano,
do firmamento. Eles acreditavam que o coração da civilização estava situado fundamentais para a sobrevivência das sociedades pastorais e agrárias daquela
no centro da Terra e à medida que a Terra se espalhava para fora deste centro época. Mas quem, ou o que, produziria essas variações tão importantes? Uma
as terras e seus habitantes se tornavam cada vez mais selvagens. consequência dessa indagação é o surgimento da mitologia.

26  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  27


A mitologia grega é vastíssima. Muitos deuses e semideuses dividiam po- Certamente essas perguntas são, AINDA HOJE, FORMULADAS PELA
deres. Também possuíam imperfeições, relacionadas com algumas caracte- MAIORIA DAS PESSOAS NO NOSSO PLANETA!
rísticas do comportamento humano tais como ciúme, cobiça, ódio, etc. Um O grande acréscimo ao conhecimento dado pelos gregos foi a tentativa de
desses deuses, Atlas, era representado carregando o mundo em suas costas. A responder à pergunta: “podemos, e como, descrever a natureza usando a ma-
estátua de Atlas , que data do século II e foi recuperada em ruínas romanas du- temática?”. Isso eles começaram a fazer e o resultado dessa longa caminhada é
rante a renascença, parece apresentar parte do mais antigo catálogo de estrelas mostrado no conhecimento acumulado nos dias de hoje.
do ocidente, criado pelo astrônomo grego Hiparcus por volta de 129 a.C. Esse No século 6 a.C. surgiu na cidade de Miletus, nas costas do mar Egeu, na
catálogo era uma coletânea de observações ainda mais antigas, feitas pelos ba- região de Ionia, Anatólia, um dos mais antigos grupos de filósofos que pen-
bilônios. A maior parte do trabalho de Hiparcus foi perdida. Provavelmente, saram sobre a natureza. Sua grande contribuição foi apresentar uma descri-
outros astrônomos posteriores a ele usaram seu catálogo. Historiadores acre- ção da natureza totalmente contrária ao que existia naquela época, na qual
ditam que o globo celeste transportado por Atlas nessa escultura mostra parte os fenômenos naturais eram explicados unicamente como desejos de deuses
do catálogo, além de imagens míticas ainda mais antigas. com características humanas (antropomorfismo). Entre esses pensadores des-
Com esses deuses, os gregos montaram sua concepção primitiva do uni- tacaram-se Thales, Anaximander e Anaxímenes e as ideias desenvolvidas por
verso. eles são reunidas em uma escola de filosofia à qual é dada o nome de “escola
Os primeiros registros de como os gregos interpretavam o universo estão Milesiana”. Esses pensadores teriam sido os primeiros a desenvolver filosofias
em poemas épicos escritos por Homero e Hesiodo. Homero escreveu dois fa- verdadeiramente científicas (para os padrões da época). Não podemos julgar o
mosos poemas épicos, a ilíada e a odisséia, nos quais descrevia as guerras da pensamento de pessoas que viveram 27 séculos antes de nós com a óptica do
época e os perigos de retornar para casa após longas ausências. conhecimento científico atual.
Na odisséia Homero afirma que o céu possui formato de uma bacia em-
Atlas, o deus da mitologia grega carregando o borcada, que englobava toda a Terra, com um “aither” (éter) brilhante e fla-
FILÓSOFOS GREGOS PRÉ-SOCRÁTICOS
mundo em suas costas. mejante situado acima do “aer” (ar), onde estão as nuvens. Havia também o
oceano e Tartaros, região situada abaixo da terra (ilustração ao lado). Thales
cerca de 600 a.C. água / estudo racional da natureza
Para Hesiodo a noite era uma substância que jorrava para cima, vindo das (624-546 a.C.)
profundezas da Terra, como se a noite fosse uma névoa escura que fluía no fim Anaximander o Ilimitado / primeiro modelo mecânico do
do dia. cerca de 550 a.C.
(610-546 a.C.) cosmos
Além das interpretações do universo feitas pelos gregos cultos, havia tam- Jônicos
Anaximenes (de Miletus)
bém as que pertenciam à cultura popular. Um desses cultos era o de Orpheu, cerca de 520 a.C. ar / esferas cristalinas
(585-525 a.C.)
que concebeu seus próprios deuses e mitos sobre a criação do universo, dife-
rente de Homero e Hesíodo, nos quais um ovo primordial teria sido gerado Heraclitus
cerca de 500 a.C. fogo / transformação contínua
pelos deuses antigos. A metade superior da casca quebrada se tornou a abó- (535-475 a.C.)
bada do céu. Pythagoras misticismo numérico / mecanização da
cerca de 520 a.C.
(582-496 a.C.) natureza
Uma das odisséias de Homero. O universo dos gregos a partir do século 6 a.C. Pitagóricos
Philolaus
Com o desenvolvimento da civilização ocidental na Grécia Antiga vários cerca de 450 a.C. modelo do cosmos com “fogo central”
(470-380 a.C.)
pensadores se destacaram por ousarem pensar o mundo a sua volta de uma
maneira diferente dos demais. Os primeiros que temos notícia são chamados Parmenides
cerca de 480 a.C. ser / toda mudança é ilusória
de filósofos pré-socráticos ou seja, aqueles que viveram ou antes do filósofo (510-440 a.C.)
Eleáticos
grego Socrates (469-399 a.C) ou foram contemporâneos dele, mas defendiam Zeno (de Elea)
ideias anteriores a ele. A esses filósofos se devem as primeiras tentativas de cerca de 460 a.C. paradoxos envolvendo o movimento
(490-430 a.C.)
rejeitar as tradicionais explicações mitológicas dos fenômenos que ocorriam à
Leucippus
sua volta e tentar alguma explicação racional para eles. tudo é feito de átomos indivisíveis e
(século 5 a.C. - datas cerca de 430 a.C.
É nessa época que, apropriando-se do conhecimento de povos mais antigos imutáveis
Atomístas desconhecidas)
ou criando a partir de suas próprias ideias, os filósofos gregos desenvolveram
de modo sistemático ciências como a matemática (em particular a geometria), Democritus
cerca de 400 a.C. elaboração da hipótese atomista
os fenômenos da natureza (em particular a “cosmologia”) e a filosofia. Inicia- (460-370 a.C.)
va-se assim o conhecimento no mundo ocidental mas não no mundo como
um todo pois antes disso, como já vimos, povos orientais já apresentavam um OS PRIMEIROS FILÓSOFOS NATURAIS: OS JÔNICOS
grau mais alto de evolução nos seus conhecimentos.
Ao olhar para o mundo à sua volta várias perguntas eram formuladas Os antigos jônicos foram os primeiros pensadores que afirmaram, sistema-
Bustos de Homero, o escritor de poemas épicos e por pessoas do mundo antigo no Ocidente. Entre elas destacam-se perguntas ticamente, que são as leis e as forças da Natureza, e não os deuses, os respon-
Hesiodo.
simples, mas fundamentais, tais como “de onde vêm todas as coisas?”, “a sáveis pela ordem e até pela existência do mundo.
partir de que todas essas coisas são formadas?”, “existe alguma coisa comum O poeta romano Titus Lucretius Carus (cerca de 98-55 a.C.), autor de “De
a todas elas?” e “como podemos explicar a existência de tantas coisas dife- rerum natura” (Da Natureza das coisas), resumiu as ideias dos Jônicos da se-
rentes na natureza?”. guinte maneira:

28  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  29


“A Natureza livre e desembaraçada de seus senhores aconteceu durante uma batalha entre os Lídios e os Persas.
Se Thales realmente fez isso, e muitos historiadores não acreditam nesta
arrogantes é vista agindo espontaneamente por si
previsão, sem dúvida é uma façanha maravilhosa tendo em vista a pobreza dos
mesma, sem a interferência dos deuses.” registros astronômicos da época. Alguns pesquisadores acreditam que Thales
sabia da tendência que os eclipses tinham de se repetirem a cada 47 anos e
Sabemos hoje que a civilização humana começou há apenas 10 ou 12 mil sabia da ocorrência de um eclipse 47 anos antes da data que ele previu. Mesmo
anos. A experiência jônica tem 2500 anos. No entanto, a forma de pensar jôni- assim, isso é bastante notável para a época.
ca foi quase inteiramente apagada, desaparecendo quase totalmente depois da Nenhum dos trabalhos de Thales sobreviveu, mas a sua reputação entre
época de Platão e Aristóteles. os gregos nos séculos que se seguiram ficou sendo aquela de um homem que
Mostramos a seguir um resumo das ideias de alguns dos principais filóso- sempre assumia uma abordagem racional ou “científica” em relação aos misté-
fos gregos Jônicos: Thales, Anaximander, Heraclitus e Anaxagoras. rios do mundo natural. Para Thales, a natureza era a província da razão e para
Mapa da distribuição dos povos da época.
entendê-la não precisamos invocar deuses.
Thales colocou a questão de qual elemento veio primeiro ou seja, qual era
a substância fundamental da natureza. Sua conclusão foi que esse elemento
era a água. Assim ele explicava a mudança perceptível que havia entre os céus Thales (de Mileto).
e a Terra ou seja, líquido e vapor. Entretanto, Thales não explicou como essa
água se transformaria em outras substâncias tais como o fogo. A descrição do
universo feita por Thales sugeria que a Terra flutuava sobre a água.

Anaximander (de Miletus)


Depois de Thales a escola iônica foi liderada por Anaximander (610 - 547
a.C.), também de Miletus. Entretanto, o ensinamento de Anaximander era
mais complexo e sutil do que o de Thales.
Curiosamente, a reputação de Thales (de Miletus) foi fortemente apoiada
pelas realizações de Anaximander que havia sido seu aluno. A Anaximander é
creditado o fato de ter sido o primeiro pensador que tentou mapear o mundo e
que ofereceu uma audaciosa explicação sobre a origem do universo.
Anaximander mantinha que a origem de tudo (a substância fundamental
do universo) era uma massa primária, indefinida e eterna, a qual ele deu o
nome de “ilimitado”. Esse foi o primeiro elemento que surgiu, uma substância
não específica, algo indefinida. Sua teoria apresentava uma descrição de como
esse “ilimitado” resultaria nas coisas então conhecidas:

“No nascimento desse mundo uma semente de quente


e frio se separou do ilimitado e a partir disso uma bola
de fogo girou no ar em torno da Terra, como a casca de
uma árvore.”

Na teoria de Anaximander a partir do “ilimitado” os opostos primários de


calor e frio, aridez e umidade se separaram.
Thales (de Miletus)
Sua cosmologia partia dessa ideia. Na teoria de Anaximander o cosmos
O pensamento e a especulação científica grega começou em uma escola de
resultou de uma luta entre os opostos de calor e frio. No vasto começo não
filosofia criada em Iônia no século VI a.C. O interesse dos gregos pela espe-
limitado do tempo os dois começaram a se separar, resultando em uma bola Anaximander (de Miletus).
culação científica foi visto pela primeira vez na cidade de Miletus, em Iônia.
de fogo circundada por neblina. A bola quente contraiu e endureceu formando
Entre os filósofos que lá viviam um se destacou: Thales (de Miletus).
uma esfera sólida no centro, que é a Terra.
Thales (de Miletus) nasceu em 640 a.C. Ele foi o primeiro filósofo natural
No entanto, essa separação não foi perfeita. Alguns anéis mais externos
(assim os cientistas eram chamados naquela época) grego importante e, fre-
de fogo aprisionaram camadas de névoa dentro deles. Esta névoa é a nossa
quentemente, é considerado o pai da astronomia grega. Mais tarde, o filósofo
atmosfera. Através de aberturas nela podemos observar pequenas partes do
grego Aristóteles iria considerá-lo o fundador da filosofia ocidental.
fogo circundante, na forma do Sol, Lua e as estrelas.
Suas contribuições foram numerosas em particular no desenvolvimento
Deste modo, o Sol e as estrelas eram fogos aprisionados em massas glo-
da navegação astronômica.
bulares pelo ar mais frio. O que nós vemos realmente no céu é o “bocal” ou
Thales ganhou fama ao prever a ocorrência de um eclipse solar no ano
“respiradouro” do Sol que está voltado na nossa direção.
585 a.C. O historiador Herodotus, que viveu no século V a.C., nos conta que
Thales previu o ano em que iria ocorrer um eclipse do Sol. Isto realmente
30  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  31
A ideia da existência de uma matéria primária é digna de reflexão. É pre- Segundo ele, a Terra era plana, sólida e estava suspensa no ar. Para ele a Lua
ciso ter muita abstração científica para, naquela época, visualizar um único estava mais perto da Terra do que o Sol.
princípio metamórfico como base de todas as coisas. Anaxagoras também tinha opinião sobre os eclipses. Para ele, os eclipses
Anaximander também dizia que a Terra estava necessariamente em re- da Lua eram causados pela sombra da Terra e de outros corpos e os eclipses do
pouso por causa da sua homoiotes, palavra grega que significa uniformidade, e Sol eram causados pela Lua.
portanto não precisava repousar sobre coisa alguma. Segundo Anaxagoras existiam corpos invisíveis atrás das estrelas.
Anaxagoras também acreditava que os meteoros que ele e seus conterrâne-
Heraclitus (de Ephesus) os viam caírem do céu eram formados pelos mesmo materiais que encontra-
Heraclitus viveu no período entre 540 e 480 a.C. mos na Terra. Para ele os corpos celestes originalmente faziam parte da Terra
O Universo de Anaximander: uma Terra cilíndrica Para ele a criação ocorria por meio do equilíbrio de diferentes substâncias mas foram lançados no espaço devido à rápida rotação do nosso planeta. À
e “aberturas” de fogo.
e todas as coisas eram produzidas através de um processo de condensação medida que a rotação desses outros corpos diminuía eles eram puxados de
criado pelo fogo (substância fundamental). O fogo era o princípio constitutivo volta pela Terra e caiam sobre ela na forma de meteoros.
de todas as coisas e a partir dele tudo se explica por transformações: tudo
nasce do fogo e tudo também termina nele. Segundo Heraclitus, a parte mais A ESCOLA ELEÁTICA
espessa do fogo, ao se contrair, fez nascer a terra e quando esta se dilatou, em
virtude do fogo, nasceu a água. Da evaporação da água teve origem o ar. A escola eleática foi a terceira das antigas escolas filosóficas gregas, fundada
A noite era formada por emanações escuras liberadas pela Terra e o dia era por Xenophanes (nascido por volta de 570 a.C.). Seu principal ensinamento
criado pelas emanações acendidas pelo Sol. era que o universo é singular, eterno e inalterável. Segundo Xenophanes “O
Heraclitus acreditava que Sol, a Lua e as estrelas são fogos aprisionados em todo é um”.
Parmenides (nascido cerca de 540 a.C.).
bacias que lançam pontas para fora delas ocasionando os eclipses e as fases Os eleáticos consideravam a criação, a diversidade, a mudança e o mo-
da Lua. vimento como ilusões dos sentidos. Todas as transformações observadas na
Ele também achava que a Lua se deslocava através do ar menos puro que natureza são ilusões dos sentidos. O maior dentre seus filósofos foi Parmeni-
está próximo à Terra e, por esse motivo, ela é menos brilhante. O Sol tinha des (nascido cerca de 540 a.C.). Atribui-se a ele a introdução do argumento
cerca de 30 centímetros de largura e era a mais próxima de todas as estrelas lógico na filosofia. As crenças de Parmenides na unidade absoluta e constante
sendo, portanto, a mais brilhante e a mais quente entre elas. Para ele um novo da realidade são radicais e abstratas, mesmo para os padrões modernos. Um
Sol aparecia a cada dia. dos estudantes de Parmenides foi Zeno (de Elea) (~ 490 - ~425 a.C.). Ele é
Heraclitus parecia acreditar que o Universo se comportava de uma manei- lembrado por ter usado vários argumentos com os quais defendia a filosofia
ra periódica. eleática, “colocando à prova”, por meios lógicos, que a mudança, o movimento
e a pluralidade são impossíveis.
Anaximenes (de Miletus) Nenhum dos escritos de Zeno sobreviveu. Suas ideias são conhecidas com
Anaximenes viveu por volta do ano 525 a.C. Ele refinou a ideia de que a Terra base nos textos de Platão, Aristóteles, Simplicus e Proclus, que manifestavam
O Universo de Anaximenes. era plana e sugeriu que todas as coisas seriam produzidas através de um pro- pouca concordância com elas. A principal fonte de conhecimento sobre as
cesso de “condensação” e “rarefação” gradual. ideias de Zeno está no diálogo “Parmenides”, escrito por Platão. Contudo,
Para Anaximenes a substância fundamental é o ar. Para ele a terra se con- atribui-se a Zeno um livro contendo 40 paradoxos. Quatro deles tiveram al-
densa a partir do ar e o fogo é “exalado” pela terra. guma influência no desenvolvimento do raciocínio lógico e matemático: “di-
Segundo ele a Terra e os corpos celestes são planos e flutuam no ar infinito cotomia”, “Aquiles e a tartaruga”, “a flecha” e “stadium”. O mais conhecido é
como se fossem folhas de uma árvore. “Aquiles e a tartaruga” no qual descreve um paradoxo: “o mais lento nunca
Anaximenes também afirmava que os corpos celestes não se põem abaixo será alcançado pelo mais rápido, porque o mais rápido deve primeiro atingir o
da Terra, como se dizia na mitologia. Ao invés disso eles fazem uma curva em ponto onde o mais lento, que está fugindo, partiu. Assim o mais lento sempre
um determinado ângulo como podemos ver pelo fato das estrelas se moverem estará alguma distância à frente do mais rápido”.
realizando círculos na parte norte do céu.
Esses corpos celestes desaparecem das nossas vistas por serem ocultados O UNIVERSO DE PITÁGORAS (DE SAMOS)
pelas partes “mais altas” da Terra que estão na direção norte.
Pitagoras viveu no período entre ~580 (ou ~590) e 500 antes de Cristo e é
Anaxagoras (de Clazomenae) geralmente considerado um dos maiores professores gregos desta época mais
Anaxagoras viveu no período entre 500 e 428 a.C. remota. Pitágoras foi um importante contemporâneo de Thales (de Miletus).
Ele sugeriu que nous, palavra grega que significa a mente, controlava o Ele fundou uma escola que misturava filosofia natural e misticismo e que
universo. atraiu muitos seguidores. Vários estudiosos preferem dizer que Pitágoras for-
Anaxagoras (de Clazomenae). Ele também acreditava que os cometas eram formados por planetas que mou um culto e não uma escola em Crotona, sul da Itália. Porque um culto? Os
colidiam. seguidores de Pitágoras viviam em um rígido regime, que incluía o vegetaria-
Além disso, Anaxagoras acreditava que o Sol era uma bola de fogo, de ferro nismo, o voto de silêncio durante os cinco primeiros anos de permanência no
derretido, maior que o Peloponeso. grupo, e total anonimato em relação a feitos pessoais. Devido a estas restrições
é difícil saber o que foi feito por Pitágoras e o que foi pelos seus seguidores.

32  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  33


A escola de Pitágoras fez vários desenvolvimentos na matemática. Foram somente metade da esfera da Terra e essa nossa metade está sempre virada na
seus seguidores que, pela primeira vez, reconheceram a existência de núme- direção contrária ao fogo. Isso torna necessário que a Terra gire em torno do
ros irracionais. No entanto, havia também um pouco de misticismo nos seus seu eixo à medida que percorre sua órbita, uma revolução completa por órbi-
estudos. Para os pitagóricos o ponto estava associado ao número 1, uma linha ta exatamente como a Lua percorre sua órbita em torno da Terra mostrando
com o número 2, uma superfície com o 3 e um sólido com o 4. Sua soma dava sempre a mesma face. Para os Pitagóricos esta rotação da Terra em torno do
10, número então considerado sagrado e onipotente. seu eixo explica (corretamente) o modelo de dia e noite.
Pitágoras é mais conhecido pelo seu teorema: o Teorema de Pitágoras Acredita-se que a “contra-terra” foi “inventada” para explicar os eclipses,
em particular porque os eclipses lunares são mais frequentes do que os solares,
“Em um triângulo retângulo o comprimento da mas também para fazer com que o número de objetos que circundavam o fogo
central fosse 10, o número mágico dos pitagóricos.
hipotenusa elevado ao quadrado é igual à soma dos Deste modo os pitagóricos foram os primeiros a produzir uma teoria as-
comprimentos de cada cateto elevado ao quadrado.” tronômica na qual uma Terra esférica girava em torno de seu próprio eixo
assim como se movia em uma órbita. Note que essa teoria surgiu em parte
O teorema de Pitágoras já era conhecido pelos antigos Babilônios, mas pa- devido à necessidade de localizar o grande fogo que eles acreditavam alimen-
rece que Pitágoras foi o primeiro a demonstrá-lo. tar o universo.
Os desenvolvimentos feitos na astronomia pelos membros da escola de Pi- Os Pitagóricos estavam muito a frente do seu tempo ao proporem a única
tágoras estavam baseados nos estudos de Anaximander. Parece que o conceito verdade de sua teoria - o fato de que a Terra é esférica e gira. Futuramente
de “movimento circular perfeito” veio de Anaximandro. Copérnico desenvolveria esta ideia não deixando de reconhecer que os Pitagó-
A escola de Pitágoras estava interessada na relação entre a música e a ma- ricos foram os seus criadores. Esfera externa de Estrelas fixas.
temática. Eles provaram que os intervalos musicais seguem proporções numé- Para os Pitagóricos a sequência dos corpos celestes, se nos movermos nos
ricas. Seus membros acreditavam que os planetas estavam associados a esferas afastando da Terra, será dada pela Lua, a seguir o Sol, os planetas e finalmente
cristalinas, uma para cada planeta, as quais produziam a “Música das Esferas”. as estrelas. Essas últimas, ao contrário dos outros objetos celestes, permane-
Estas esferas estavam centradas na Terra, e ela mesma estava em movimento. cem fixadas sobre uma esfera mais externa.
Nós não notamos a “música das esferas” por que ela sempre esteve à nossa Estas “esferas celestiais”, surgidas no século 5 a.C. e conservadas como relí-
volta e, portanto, não sabemos como seria não sentir o seu som. quias por Ptolomeu, introduziram os círculos concêntricos que dominariam a
É provável que Pitágoras tenha sido o primeiro a supor que a Terra é uma descrição do Universo pelos próximos 2000 anos. Elas também dariam início
esfera. Alguns também atribuem a Pitágoras ter reconhecido que a “estrela a uma procura infrutífera que exercitaria muitas mentes brilhantes da época:
matutina” e a “estrela vespertina” são, ambas, o planeta Vênus. que modelo mecânico poderia explicar o movimento errático dos planetas?
Embora somente oito corpos celestes fossem conhecidos naquela época,
Pitágoras acreditava que deveriam haver dez - os cinco planetas conhecidos, o SURGE O CONCEITO DE ÁTOMO
Sol, a Lua, a Terra, e uma chamada “contra Terra” designada pelo termo grego
Pitágoras (de Samos) (entre 580 e 500 a.C.). antikhthon. Leucippus
Leukippos (Leucippus, em latim) nasceu na primeira metade do século 5
OS PITAGÓRICOS NO SÉCULO 5 A.C. a.C. e, provavelmente, foi o primeiro filósofo grego a propor a idéia de átomo.
Influenciado pelo filósofo Zeno (Zenão de Abdera) estudou na escola fun-
Um modelo astronômico interessante foi sugerido por volta de 410 a.C. dada por Zeno, que possuía grande interesse em questões filosóficas que en-
pelo filósofo Filolau (de Crotona) que postulou que o fogo central no universo, volviam o conceito de espaço, assunto que também passou a interessar seu
chamado “Héstia”, e que alguns pitagóricos colocavam no centro da Terra, na estudante. Por volta de 430 a.C. Leucippus fundou uma escola de filosofia onde
verdade marcava o centro do universo. tinha como aluno Demócrito. Nessa época iniciou o desenvolvimento de sua
Ao adotarem o modelo de Filolau, os seguidores de Pitágoras, no século teoria atomística, isto é, a idéia de que todas as coisas eram inteiramente com-
5 a.C., passaram a acreditar que nem a Terra nem o Sol, mas sim um “fogo postas de inúmeros elementos indivisíveis e inextinguíveis, chamados átomos.
central”, estava no centro do universo. Isso fazia com que a Terra fosse deslo- Até hoje não foi encontrado qualquer documento escrito por Leuccipus.
cada para fora do centro do universo, e agora passasse a circular em torno de Sabe-se que ele escreveu dois importantes trabalhos: “Magas Diakosmos” (A
Héstia. ordem do universo) e “Peri Nou (Sobre a mente). Há indícios que seus textos
Os Pitagóricos colocaram esse fogo no “centro escondido das coisas”. Era foram incorporados aos trabalhos de seu estudante, Demócrito, que aprimo-
esse fogo que fornecia a energia para que os corpos celestes pudessem se mo- rou as idéias de Leucippus sobre átomos. Por não existirem documentos, o
vimentar. Em torno deste “fogo central” moviam-se os planetas conhecidos, a filósofo Epicurus duvidava que Leucippus tivesse realmente existido. No en- Leucippus (século 5 a.C.).
Terra, a contra-Terra, a Lua e o Sol, cada um deles associado à sua própria es- tanto, Aristóteles e Theophrastus citaram explicitamente que o “atomismo”
fera de cristal. A Terra girava mais próxima do “fogo central” do que qualquer havia sido criado por Leucippus.
um dos outros corpos visíveis no céu.
A Terra estava protegida deste “fogo central” pela “contra-terra”, razão Demócrito (de Abdera)
pela qual nós não víamos o fogo central: a contra-Terra que circulava em volta No final do século 5 a.C,. Demócrito (460 a.C. e 370 a.C.) elaborou inteira-
de Héstia bloquearia a sua visão para os terráqueos. Uma outra razão pela qual mente a teoria proposta por Leucippus, ao afirmar que toda a matéria é com-
nunca vemos ou somos torrados por esse fogo é pelo fato de que vivemos sobre posta por substâncias infinitamente pequenas, indivisíveis e indestrutíveis,

34  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  35


que se reúnem em diferentes combinações para formar os objetos que perce- revelada pelos nossos sentidos. Somente o uso da inteligência nos permite es-
bemos. O termo grego para “unidade indivisível” é “atoma”. É impossível dizer capar dessa caverna e alcançar o mundo real do conhecimento.
qual parte dessa teoria deve-se a Leucippus ou a Democritus, mas, significa o Para Platão o tempo teve um início e surgiu junto com o universo em um ins-
nascimento do conceito de átomo. tante de criação. Para ele o universo foi criado por um “artesão” usando como seu
Segundo Demócrito (ou Leucippus) a essência da natureza é imutável por- modelo o mundo das formas. O Universo foi criado com arquitetura premeditada
que as mudanças são provocadas por átomos, que são imutáveis e indivisíveis. por Deus (Dermiugo) a partir de um caos primordial (posição anti-atomista).
Os átomos possuem algumas propriedades: tamanho, forma e talvez peso.. Platão acreditava que os corpos celestiais exibiam formas geométricas per-
tetraedro - corresponde ao fogo e possui
Demócrito foi o primeiro filósofo a propor que a via láctea é formada pela feitas. Baseado nisso ele procurou associar os quatro elementos essenciais de quatro lados que são triângulos equiláteros.
luz emitida por estrelas muito distantes (mais tarde Aristóteles discordaria Empédocles à sua concepção do universo baseada nos sólidos regulares con- Ele tem o menor volume para sua superfície e
dele). Também foi o primeiro a sugerir que o universo continha “muitos mun- siderados perfeitos. representa a propriedade de secura,
dos”, talvez um número infinito deles, alguns habitados. Existem cinco, e somente cinco, sólidos regulares possíveis. Cada um des- falta de chuva.
ses sólidos tem faces equivalentes com todas as linhas e ângulos iguais. Todos
“Em alguns mundos não há Sol nem Lua, enquanto em os seus lados são iguais, seus ângulos são os mesmos e todas suas faces são
idênticas. Em cada vértice de tais sólidos vemos o encontro do mesmo núme-
outros eles são maiores do que no nosso mundo e em ro de superfícies. A esses sólidos, perfeitamente regulares, damos o nome de
outros são mais numerosos. Em algumas partes existem “sólidos Platônicos”. Existem somente cinco sólidos platônicos: o tetraedro, o
mais mundos, em outras menos....; em algumas partes hexaedro, o octaedro, o dodecaedro e o icosaedro. Para Platão, quatro destes
cinco sólidos regulares representavam os quatro elementos, ar, fogo, água e
eles estão surgindo, em outras definhando. Existem hexaedro - corresponde à Terra estável e
possue seis lados que são quadrados. Como o
terra. Um deles representava o universo como um todo.
alguns mundos desprovidos de criaturas vivas ou plantas Estes sólidos e suas regularidades foram descobertos pelos Pitagóricos e hexaedro (ou cubo) pode permanecer
firmemente sobre sua base.
ou qualquer umidade” foram originalmente chamados de “sólidos Pitagóricos”. Mais tarde o filósofo
grego Platão os descreveu em detalhes no seu livro “Timaeus” e os associou à
Sua visão de início do universo é extraordinária. Supôs que originalmente concepção Platônica do mundo. Por esse motivo hoje estes sólidos são conhe-
todos os átomos estavam rodopiando de maneira caótica, até que colisões os cidos sob o nome de “sólidos Platônicos”.
Demócrito (de Abdera) (entre 460 e 370 a.C).
reuniram formando estruturas maiores, incluindo “o mundo” e tudo que está
nele. A teoria de Demócrito não foi bem aceita, encontrando poucos seguido- São os “sólidos platônicos” ao lado:
res ao longo dos séculos. No entanto, hoje ela parece uma descrição rudimen-
tar das primeiras fases do Big Bang. A maioria de seus escritos não sobreviveu Platão notou que esses sólidos podem ser construídos a partir de unidades
octaedro - corresponde ao ar e possue oito
à idade média. mais básicas como por exemplo, suas faces podem ser construídas a partir
lados que são triângulos equiláteros. Quando
O átomo descrito pelos filósofos atomistas não tem, absolutamente, nada de triângulos. Isso fez com que ele sugerisse, baseado nessa geometria, ex- seguro por dois vértices opostos, o octaedro
em comum com o átomo da ciência moderna, que hoje é o fundamento no plicações para algumas transformações da natureza. Por exemplo, a água se pode girar livremente.
qual se apóiam a física e a química. Deles herdamos apenas a nomenclatura transforma em vapor porque o icosaedro da água se transformaria em dois
“átomo” e a idéia que são os constituintes básicos da matéria. A própria no- octaedros de ar e um tetraedro de fogo.
menclatura já não corresponde à realidade, porque o átomo é divisível.
Eudoxus (de Cnidus)
O UNIVERSO DE PLATÃO E EUDOXUS
Foi na época de Platão, século 4 a.C., que surgiu o modelo que descrevia
Platão viveu entre 427 a.C. e 347 a.C., uma época política bastante contur- o universo por meio de esferas. Este modelo tornou-se popular e consistia de dodecaedro - possue 12 lados que são
bada em Atenas. Ele viu com tristeza a “democracia” ateniense, que substituía uma Terra esférica colocada no seu centro, circundada por uma esfera externa pentágonos equiláteros. O zodíaco é formado
a tirania que havia até então governado essa cidade-estado, perseguir Socrates, formada por estrelas. Entre estas duas esferas os planetas se moviam de um por 12 signos, que correspondem às doze faces
modo não determinado. O “Timeu” escrito por Platão nos mostra que os gre- do dodecaedro. Por esse motivo o dodecaedro
seu professor e amigo.
corresponde ao universo.
No entanto, foi a restauração da “democracia” em Atenas que levou às gos já distinguiam dois tipos de movimentos descritos pelos corpos celestes.
primeiras cosmologias especulativas tanto dos filósofos gregos mais antigos Um deles era o movimento da esfera de estrelas fixas, compartilhado por todos
como dos clássicos. os corpos celestes e o outro eram os movimentos independentes apresentados
Platão foi o primeiro filósofo que formou uma escola, a primeira universi- pelo Sol, Lua e planetas no céu.
dade. Como ela estava no terreno que tinha uma vez pertencido a um lendário Platão propôs, então, aos seus discípulos a seguinte questão: o que são os
grego chamado Academus, o nome dessa escola passou a ser “Academia”. movimentos uniformes e ordenados descritos pelos planetas no céu?
Platão mostrou sua maneira de entender o mundo à sua volta na sua fa- A resposta a esta pergunta viria a ser elaborada por Eudoxus (de Cnidus),
mosa “alegoria da caverna”: imagine que crianças são acorrentadas desde o antigo aluno de Platão. icosaedro - possui 20 lados que são triângulos
nascimento em uma caverna, e devem permanecer quietas olhando em uma Eudoxus nasceu entre 408 e 390 a.C. em Cnidus, nas costas do Mar Negro, equiláteros. Ele tem o maior volume para a
sua área superficial. O icosaedro representa a
única direção. Um fogo aceso atrás delas lança as sombras dos objetos sobre e morreu aos 53 anos. Ele foi um gênio da matemática, talvez o maior de todos
propriedade de umidade, umedecimento e, por
as paredes da caverna que estão a sua frente. Sem terem acesso a qualquer os antigos matemáticos sendo superado apenas por Archimedes muitos anos conseguinte, corresponde à água.
Platão (entre 427 e 347 a.C.).
outro tipo de experiência, essas crianças crescerão aceitando as sombras como depois.
realidade. Para Platão essa prisão na caverna corresponde à parte do mundo

36  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  37


Eudoxus foi o inventor de um método de análise conhecido atualmente A grande conquista de Eudoxus foi propor um engenhoso conjunto de es-
como “método da exaustão”. Ele também foi o descobridor do tratamento de feras que se relacionavam de tal forma que alguns importantes aspectos do
quantidades incomensuráveis que está apresentado no quinto livro do grande movimento planetário eram reproduzidos por este conjunto.
geômetra grego Euclides. Ao analisar a proposta de movimento dos corpos celestes sobre esferas
Aos 23 anos Eudoxus frequentou a academia de Platão em Atenas com o os astrônomos modernos mostram que Eudoxus tinha condições de supor
objetivo de estudar filosofia e retórica. Anos mais tarde ele foi para o Egito uma distância constante para o Sol e para as estrelas mas não para a Lua ou
aprender astronomia em Helopolis. No ano 365 a.C. Eudoxus retornou a Ate- para os planetas. A distância ao Sol só foi corretamente deduzida em 1673
nas com seus alunos e tornou-se colega de Platão. A astronomia grega alcan- pelo astrônomo italiano Cassini. Nem mesmo Copérnico ou Kepler conhe-
çou um novo patamar científico, muito mais sofisticado, a partir dos trabalhos ciam seus valores corretos. Medir diferenças entre as distâncias às estrelas
de Eudoxus. também estava fora do seu alcance pois a primeira distância a uma estrela
Foi Eudoxus (de Cnidus), no século 4 a.C., quem forneceu a primeira impor- só foi medida em 1838. Era razoável supor que o Sol e as estrelas estivessem
tante resposta à pergunta de Platão citada acima. Ele foi o primeiro a propor que a uma distância constante da Terra. No entanto, o diâmetro da Lua varia e
o movimento dos corpos celestes podia ser descrito por meio de uma série de isto pode ser facilmente observado. A razão entre o maior e o menor diâme-
esferas transparentes nos céus, que transportavam os corpos celestiais a diferen- tros aparentes é de 1,14 para 1, o que é perfeitamente detectável. Os discos
tes velocidades em grupos encadeados, com centros que variavam ligeiramente. dos planetas, que poderiam mostrar uma variação de distância à Terra, são
difíceis de serem observados. No entanto Marte mostra uma variação de
Seu raciocínio era brilhante para a época: brilho muito intensa quando está mais próximo ou mais afastado da Terra.
• uma vez que não podemos medir as distâncias às estrelas é bastante Marte chega a ser 25 vezes mais brilhante quando está mais próximo do
razoável supor que elas estão à mesma distância de nós. Deste modo nosso planeta. Esta observação levaria à conclusão de que a distância aos
Eudoxus (de Cnidus) (entre 408 e 355 a.C.).
podemos considerar que elas estão situadas sobre uma grande esfera planetas é variável.
em cujo centro a Terra esférica permanecia em repouso. Por que Eudoxus fez esta suposição? Ninguém sabe e talvez jamais consiga
saber. Todos os escritos de Eudoxus foram destruídos e o que conhecemos so-
• em torno deste centro existiam 27 esferas concêntricas em rotação.
bre ele provém de relatos feitos por outros filósofos ou historiadores da época.
• como não notamos nenhuma variação da distância entre a Terra e a O mais importante é que Eudoxus foi o primeiro a propor um modelo des-
Lua é natural supor que ela está se movendo sobre uma esfera. te tipo, com esferas concêntricas, e que foi adotado por muitos filósofos do seu
• o mesmo ocorria para todos os outros corpos celestes conhecidos. tempo.
Deste modo, as estrelas, o Sol, a Lua, Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Para fazer com que essas “esferas celestiais” agissem mais de acordo com
Saturno estavam fixos a esferas sobre as quais eles se moviam. o que pode ser observado no céu arranjos ainda mais complexos do que o
proposto por Eudoxus foram necessários. Seu modelo foi melhorado por
• cada planeta exigia 4 esferas concêntricas:
Callippus que logo viu a necessidade de serem introduzidas mais esferas. Mais
▶▶ uma para o seu movimento diurno junto com as estrelas fixas: a tarde, no século 4 a.C., Aristóteles acreditou que tinha resolvido o problema
esfera externa girava com o movimento das estrelas fixas, de leste de certos movimentos anômalos introduzindo algumas “esferas retrógradas”.
para o oeste em 24 horas. O modelo de Aristóteles exigia não menos do que 55 esferas transparentes.
Método de Exaustão, criado por Eudoxus para No entanto, todas essas adições feitas ao modelo de Eudoxus não conse-
determinar a área de uma figura inscrevendo-se ▶▶ uma para variações na longitude: a segunda esfera girava com a
guiam explicar porque os astros variavam suas luminosidades, um fenômeno
nela uma sequência de polígonos cuja soma das inclinação da eclíptica, representando o movimento aparente do
áreas resulta na área da figura desejada. facilmente observável.
planeta ao longo do zodíaco, movendo-se de oeste para leste
▶▶ uma para variações na latitude O universo de Aristóteles Aristóteles (entre 384 e 322 a.C.).
▶▶ uma para levar em conta o movimento retrógrado Aristóteles, que foi aluno de Platão, nasceu em Stagira, Macedônia, e viveu
no período entre 384 e 322 antes de Cristo.
O movimento das duas esferas mais internas descrevia uma figura
Aproximadamente no ano 335 a.C. Aristóteles fundou a sua própria escola
com a forma do algarismo “8”, figura essa que era conhecida como
de Filosofia Natural, o “Liceu”, em Atenas.
“hipopédia”. O eixo da terceira esfera era perpendicular ao da segunda
Ao contrário de Platão, Aristóteles prestava muita atenção aos resultados
esfera, enquanto que o eixo da quarta esfera é ligeiramente inclinado
das observações e das experiências de outros filósofos.
em relação ao eixo da terceira esfera, girando em sentido oposto com a
A filosofia de Aristóteles envolvia o estudo qualitativo de todos os fenô-
mesma velocidade angular.
menos naturais. Para ele isto devia ser feito sem o auxílio da matemática uma
O Sol e a Lua pediam apenas três esferas concêntricas cada, uma vez vez que ela era considerada “perfeita” demais para ter aplicação a uma esfera
que eles nunca mostravam movimento retrógrado. terrestre imperfeita.
Aristóteles acabou sendo o mais famoso e mais influente dos filósofos ini-
• as esferas intermediárias, onde estavam os planetas, giravam com ve-
ciais gregos. Sua Filosofia Natural foi incorporada nos escritos de Tomás de
locidades diferentes em torno de eixos inclinados diferentes.
Aquino e se tornou o fundamento da doutrina Católica e da instrução univer-
• para Eudoxus a esfera das estrelas fixas era a mais externa de todas e sitária na época medieval.
girava diariamente com velocidade constante. O trabalho cosmológico de Aristóteles chamava-se “Sobre os Céus”. Este é
o mais influente livro deste tipo em toda a história da humanidade tendo sido

38  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  39


aceito por mais de 18 séculos, desde a sua criação por volta de 350a.C. até os tornando visíveis ao longo do horizonte. Isto só poderia acontecer se a
trabalhos de Copernicus no início dos anos 1500. Terra fosse esférica.
No seu texto “Sobre os Céus”, Aristóteles discute a natureza geral do cos- • Elefantes são encontrados tanto na Índia, que estava na sua direção
mos e certas propriedades de corpos individuais. leste, como no Marrocos, na sua direção oeste. Sua ideia era que ambos
Segundo Aristóteles a Terra, assim como todos os corpos, era composta de as regiões estão a uma distância razoável na superfície de uma esfera
4 elementos: de tamanho moderado.
Embora Aristóteles considerasse a possibilidade, ele rejeitou a ideia de uma
TERRA  ÁGUA  AR  FOGO
Terra em órbita por causa da ausência de paralaxe detectável. A paralaxe só foi
provada pela primeira vez em 1838 por Bessel.
Cada um destes elementos procurava o seu lugar natural no Universo. Des-
A proposição fundamental da filosofia de Aristóteles era: “não há efeito
te modo:
sem causa”. Para ele força= resistência × velocidade, compreensível naque-
la época e que explicava porque uma carroça podia ser puxada por um boi.
• corpos feitos de terra caem na Terra
Como conclusão desse pensamento “não existe vácuo!” A razão é que, no vá-
• a chuva cai do céu, se deslocando através dos arroios, para os córregos, cuo, mesmo uma pequeníssima força produziria velocidade infinita na ausên-
para os rios e finalmente para o mar cia de resistência.
No seu livro “Metafisica” Aristoteles desenvolveu uma filosofia cuja des- Aristóteles também rejeitava a descrição da matéria por meio de átomos ou
crição do universo era baseada em esferas. Na verdade (embora Aristoteles seja, a visão atomística de Leucippus e Democritus.
negasse o uso da matemática em cosmologia) ele se apoiava na astronomia
matemática desenvolvida por Eudoxus e Callipus. No sistema cosmológico O universo dos estóicos
aristotélico, a Terra esférica e “imperfeita” estava situada no centro do Uni- Zeno (ou Zenão) (333 a.C.-264 a.C). nasceu em Citium, ilha de Chipre [não
verso (visão geocêntrica). Lembre-se que nesta época o Universo era apenas o confundi-lo com Zeno (de Elea) que pertenceu à escola eleática]. Também cha-
Sistema Solar. mado “o fenício”, chegou a Atenas ainda jovem, onde passou toda sua vida, Zeno (ou Zenão) (entre 333 e 264 a.C.).
Aristóteles adotou o sistema de esferas concêntricas proposto por Pitágoras embora nunca tenha se tornado cidadão ateniense. Estudou em várias escolas
para descrever os planetas, mas deduziu que a Terra devia estar imóvel. A Ter- filosóficas, e por volta de 308 a.C. fundou a escola estóica de filosofia.
ra não gira em torno de qualquer outra coisa nem gira em torno do seu eixo. Zeno ensinava a seus discípulos em lugares públicos, particularmente na
A Terra é circundada por 11 esferas concêntricas feitas de um “quinto chamada “stoa poikile” (varanda pintada), localizada na ágora, ou mercado
elemento” inalterável, uma substância perfeitamente transparente conhecida de Atenas. As “stoas” eram comuns nas cidades e santuários gregos. Eram
como “quintessência” ou “éter”. As três primeiras esferas contém água, ar e construções com uma fachada de colunas na frente. A “stoa” fornecia espaço
fogo. As outras 8 esferas “seguram” os corpos celestes conhecidos na época: a onde magistrados, comerciantes e outros cidadãos exerciam suas profissões.
Lua, Mercúrio, Vênus, Sol, Marte, Júpiter, Saturno e as estrelas. As estrelas são Também eram utilizadas como galerias de arte, para atividades religiosas,
fixas, não se movem. O “Reinado dos Céus” está localizado além da décima além de local público.
esfera. Cada uma dessas esferas concêntricas é movimentada por um deus. A “stoa poikile” recebeu este nome por causa das pinturas exibidas em suas
Curiosamente, Aristóteles afirmava que o universo não surgiu em um pon- paredes, que retratavam as vitórias militares atenienses, como por exemplo, na
to mas sim que ele tinha existido, inalterado, por toda a eternidade. Isso tinha batalha de maratona. Além das pinturas, escudos espartanos capturados pelos
que ser assim porque ele era “perfeito”. Deste modo Aristóteles estabelecia um atenienses também estavam expostos.
cenário de “estado estacionário” para o universo. Mais ainda, como ele acredi- Nenhum trabalho de Zeno sobreviveu até os dias de hoje. O estoicismo é
tava que a esfera era a mais perfeita de todas as formas geométricas, o universo uma doutrina filosófica que propunha “viver conforme a lei racional da na-
tinha um centro, que era a Terra, e sua parte “material” tinha uma borda que tureza” e recomendava “indiferença (apathea) em relação a tudo que é exter-
Stoa poikile, edificação onde Zeno ensinava a seus
era “gradual”, começando na esfera lunar e terminando na esfera das estrelas no ao ser”. Acreditavam em destino. Tudo estava predestinado. A mente era discípulos.
fixas. Depois da esfera das estrelas o universo continuava para dentro do do- governada pelo universo, uma entidade viva, estrelada e finita. Para além do
mínio espiritual onde as coisas materiais não podiam estar. cosmo existia o vazio. Também acreditavam que o cosmo pulsava lentamente
Aristóteles acreditava, assim como Pitágoras, que a Terra, o Sol, a Lua e os e periodicamente passava por eventos catastróficos, num ciclo eterno. Argu-
planetas deviam ser esferas. Entretanto, Aristóteles diferia de Pitágoras por mentavam que “logos” era o princípio ativo de toda a realidade. O “logos” era
basear a sua suposição de uma Terra esférica em fenômenos capazes de serem um meio de acesso ao poder divino que, em essência, ordenava e dirigia o
observados. universo. A razão e a alma humanas estavam subordinadas ao “logos”, sendo
Aristóteles propôs 4 provas observacionais de que a Terra era uma esfera: imortais, devido à reciclagem contínua.
A visão cosmológica dos estóicos teve influência por cerca de 2000 anos,
• Os navios desaparecem lentamente no horizonte servindo de base para o universo vitoriano do século 19.

• Durante os eclipses lunares a sombra lançada sobre a Lua pela Terra A ESCOLA DE ALEXANDRIA
parece circular
• Estrelas diferentes são visíveis em latitudes mais ao norte e mais ao sul. No ano 336 a.C. Alexandre o Grande (imagem a seguir), com apenas 20
Ele notou que, à medida que uma pessoa viaja para o norte, as estrelas anos, tornou-se rei do pequeno estado grego da Macedônia. Ele viria a se tor-
polares se colocam cada vez mais alto no céu e outras estrelas vão se nar um dos maiores líderes militares do mundo antigo.
40  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  41
No ano 331 a.C., as tropas de Alexandre o Grande invadiram a região que Os métodos geométricos de Aristarcos eram bastante corretos. Os erros
hoje é conhecida como Egito. Após conquistá-la Alexandre fundou uma cida- introduzidos são devidos ao fato de que as observações do instante exato do
de cujo nome o homenageava, Alexandria. primeiro e terceiro quarto da Lua e da duração do eclipse lunar, necessários
Ao contrário de outros conquistadores de sua época, Alexandre o Grande para os seus cálculos, estavam muito além da capacidade instrumental de
era um homem culto. Ele havia sido educado por Aristóteles e isto foi decisivo na sua época.
maneira como foram tratadas as culturas dos povos submetidos ao seu domínio. Por volta do ano 270 a.C. Aristarcus estava atarefado tentando calcular o
O desenvolvimento da região de Alexandria foi muito grande. O comércio tamanho do Sol e da Lua assim como a distância desses corpos à Terra. Aris-
era intenso e, com o acúmulo de riquezas, a cidade prosperou tanto economi- tarcos calculou que o Sol está, aproximadamente, 20 vezes mais afastado de
camente como culturalmente. nós do que a Lua. Além disso, ele calculou que o Sol é cerca de 20 vezes maior
Foi em Alexandria que o mundo antigo viu a construção de enormes mu- do que a Lua e 10 vezes maior do que a Terra.
seus e bibliotecas. A intensidade da vida cultural nesta região fez com que a ci- Por ter deduzido que o Sol era muitíssimo maior do que a Lua, ele concluiu
dade de Alexandria se tornasse a capital da erudição de todo o mundo antigo. que a Terra deveria, por conseguinte, girar em torno do Sol.
Certamente isto atraiu a atenção dos estudiosos da época que viram Aristarcus acreditava que a Terra estava em órbita em torno do Sol, muito
em Alexandria uma boa oportunidade para desenvolverem seus traba- ao contrário do que é evidente para qualquer um ver. Houve uma tentativa,
lhos. Nos séculos que se seguiram a maioria dos grandes estudiosos da que levou a nada, de fazer Aristarcus ser processado por irreverência. Sua ideia
região Mediterrânea deslocou-se para lá a fim de realizar seus trabalhos se junta a várias outras noções arrojadas e estranhas que estimulam a história
filosóficos-científicos. do pensamento humano. Até mesmo Copernicus mencionou esse heliocen-
Os pensadores gregos também participaram desta emigração. Foi em Ale- trismo em um antigo rascunho de seu importante livro, e citou Aristarcus
xandria que muitos pesquisadores gregos desenvolveram seus trabalhos mais como aquele que teve a ideia correta primeiro mas, após refletir, Copernicus
Alexandre o Grande (entre 356 a.C. e 323 a.C.).
importantes. tirou o nome de Aristarcus das versões posteriores do texto.
Um dado importante é que estes trabalhos, em geral, ficavam armazena- Infelizmente quase todo o trabalho de Aristarcos foi perdido no grande
dos na grande biblioteca que havia sido construída em Alexandria. Entretanto incêndio de Alexandria que arrasou a fabulosa biblioteca que existia nesta ci-
tudo isto foi perdido quando um incêndio de enormes proporções destruiu dade, destruindo todos os registros da ciência e cultura gregas que estavam
a cidade no século 4 da nossa era. Todo o acervo da biblioteca foi destruído. arquivados nela. Um dos poucos trabalhos de Aristarcus que sobreviveu é so-
Trabalhos que representavam a vida inteira de vários filósofos desapareceram. bre as medições dos tamanhos do Sol e da Lua, assim como de suas distâncias
Esta foi uma das maiores tragédias já ocorrida na ciência, principalmente para à Terra. Todas as descobertas de Aristarcos que conhecemos estão no livro
aqueles que se interessam pela história do pensamento. de astronomia escrito por ele, “Peri megethon kai apostematon heliou kai se-
Os grandes filósofos da Escola de Alexandria foram Aristarcos, Erastote- lenes” (Sobre os tamanhos e distâncias do Sol e da Lua). Este é o mais antigo
nes, Hiparcus e Ptolomeus. tratado completo sobre um assunto astronômico que chegou até nós vindo da
Grécia antiga.
Aristarcos (de Samos) (século 3 a.C.) Em reconhecimento às realizações de Aristarcos, uma cratera na lua pos-
Aristarcos viveu no período entre ~310 e 230 antes de Cristo. Ele foi uma sui o seu nome.
voz solitária na ilha grega de Samos e é o primeiro astrônomo famoso do con-
junto de filósofos naturais que formaram a Escola de Alexandria. Eratóstenes (de Cirene)
Geralmente dá-se a Aristarcos o crédito de ter sido o primeiro a propor O matemático e geógrafo Eratóstenes viveu no período entre 276 e 197 (ou
várias ideias importantes para a astronomia. 192 ou 194 ou 195) antes de Cristo.
Tudo indica que Aristarcos foi o primeiro astrônomo a realmente acreditar Entre as várias realizações científicas de Eratóstenes destaca-se o desenvol-
em um modelo heliocêntrico (o Sol no centro) para o universo. Isto nos é con- vimento de um mapa do mundo, um método para encontrar números primos,
tado por Arquimedes no seu livro “Psammites” onde ele descreve a teoria de chamado “A peneira de Eratóstenes”, e a estimativa do tamanho da circunfe-
Aristarcos, ou seja, que o Sol e as estrelas estão em repouso e que a Terra gira rência da Terra.
em um movimento circular com o Sol ocupando o centro do círculo. Na época de Eratóstenes, o tamanho da Terra ainda era um problema Eratóstenes (de Cirene).
Baseado no sistema heliocêntrico, ele supôs que o movimento diário das central.
estrelas era devido à rotação da Terra.
Além disso, Aristarcos criou métodos bastante engenhosos para estimar O TAMANHO E A FORMA DA TERRA
as distâncias e os tamanhos relativos do Sol, da Lua e da Terra. Embora estas
estimativas não tenham a precisão a que estamos acostumados hoje, elas re- Para nós, após termos acumulado milhares de anos de ciência e informa-
Aristarcos (de Samos) (século 310 a.C. e 230 a.C.). presentaram um importante avanço para a astronomia por terem produzido ções, pode parecer estranho que tanto tempo tenha passado sem que os filóso-
conhecimentos sobre o Sistema Solar que hoje sabemos serem verdadeiros. fos naturais gregos, tão sábios na sua época, tivessem conseguido determinar
Por exemplo, as medições de Aristarcos mostraram que o Sol é muito maior o tamanho e a forma da Terra. O erro está em olhar criticamente para o pas-
do que a Terra, que a Lua é muito menor que o nosso planeta e que o Sol está sado do alto de tanto conhecimento. Transporte-se para a época em que eles
muito mais afastado de nós do que a Lua. viveram e tente, somente com a geometria, resolver este problema.
Aristarcos concluiu que o Sistema Solar deveria ser heliocêntrico, a partir Conhecer o tamanho e a forma do nosso planeta era vital para o desenvol-
de suas estimativas geométricas dos tamanhos e distâncias relativas entre a vimento da astronomia. O primeiro vestígio de que a Terra não era plana veio
Terra, a Lua e o Sol. dos navegadores. Em terra firme, as irregularidades da superfície mascaram

42  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  43


a curvatura da Terra. No entanto, em alto-mar, quando este está bem calmo, Claudius Ptolomeus
esta curvatura é perfeitamente notada ao vermos que um navio que se afasta Ptolomeus viveu e trabalhou em Alexandria, no Egito, no século 2, tendo
misteriosamente desaparece abaixo do nível do mar no horizonte distante. sido matemático, geógrafo, e astrônomo. Não se sabe muito bem as datas de
Mas isto poderia nos levar a imaginar que a Terra tem a forma de um cilindro. seu nascimento e de sua morte. Pode ser que ele tenha vivido no período entre
No entanto, este fenômeno ocorre em todas as direções, o que nos faz supor ~ 85 e 165, ou de ~ 100 a 170 depois de Cristo. Tem-se uma ideia da época em
que a Terra é redonda. que ele viveu a partir das observações que ele diz ter realizado no período
Este argumento aparece por escrito, pela primeira vez, nos textos de Stra- entre 127 e 141 depois de Cristo.
bo, cerca de 10 a.C., embora ele diga que isto já era conhecido por Homero. Vários trabalhos importantes foram desenvolvidos por Ptolomeus. Um
Mesmo assim os antigos ainda podiam argumentar que somente uma parte deles foi o texto “Geografia” que permaneceu como o principal trabalho neste
pequena da Terra havia sido explorada e, portanto, somente esta parte seria campo até a época de Colombo.
esférica. As partes remotas poderiam ter outra forma. Ptolomeus realizou várias experiências em óptica e notou que a luz estelar
Hoje, ninguém mais pode ter dúvidas sobre a forma da Terra. Ela não é é refratada na atmosfera da Terra.
perfeitamente esférica uma vez que o diâmetro de um pólo ao outro é 42 qui- Ptolomeus é um dos grandes sintetizadores da história. Em vários im-
lômetros menor do que o diâmetro no equador. No entanto, é errado dizer que portantes campos, tais como cosmologia, astronomia e geografia, Ptolomeus
a Terra tem a forma de uma tangerina. O diâmetro da Terra no equador é de reuniu, de forma enciclopédica em vários livros, um relato da sabedoria reco-
cerca de 6500 quilômetros e a diferença de 42 quilômetros não significa muita nhecida de seu tempo.
coisa a não ser que a Terra é muito menos achatada do que qualquer tangerina A enorme influência de Ptolomeus vem do fato dos trabalhos de seus pre-
ou parente dela. decessores terem sido destruídos em Alexandria enquanto que os seus sobre-
Ptolomeus.
As medições mais recentes, bastante precisas e delicadas feitas principal- viveram. As realizações deles são conhecidas somente por meio do discurso
mente por satélites artificiais, mostram que o nosso planeta tem uma forma de Ptolomeus e, de modo interessante, quando Ptolomeus discorda com os
que se assemelha, muito ligeiramente, a uma pêra. Mas, cuidado ao afirmar outros filósofos usualmente é ele que está errado. Assim como na astronomia
isto. A Terra não tem a forma de uma pêra! Se quiser ser técnico, diga que a ele erroneamente ajusta o grau de precessão de Hiparcus, também na geogra-
Terra tem a forma de um esferóide oblatado. fia ele rejeita os cálculos muito precisos de Eratostenes sobre a circunferência
É importante lembrar que o conhecimento de que a Terra era redonda não da Terra e prefere usar uma estimativa que é cerca de 30% menor do que o
foi perdido nos séculos seguintes. Assim, nem Vasco da Gama, nem Cristóvão valor dado por Eratostenes.
Colombo, nem Pedro Álvares Cabral, nem qualquer outros dos grandes nave-
gadores ou qualquer dos seus contemporâneos com cultura, tinham medo de O Almagesto
cair da borda da Terra durante suas viagens para o oeste na tentativa de achar O mais importante trabalho astronômico de Ptolomeus é conhecido como
um caminho marítimo para as Índias. “Almagesto”. Este grande compêndio de astronomia, escrito por volta do
ano 150, é uma valiosa história das observações e pensamentos dos antigos
Hiparcos astrônomos.
Hiparcos viveu no período entre 190 e 120 antes de Cristo. O título original da obra de Ptolomeus era “Mathematike syntaxeos biblia
Somente um dos vários trabalhos feitos por Hiparcos sobreviveu: seus co- ιγ” (Compêndio matemático em 13 volumes).
mentários sobre Aratus e Eudoxus onde ele apresenta alguns dados numéricos O tratado matemático de Ptolomeus se tornou conhecido como Ho megis-
interessantes sobre astronomia. te astronomas, termo grego que quer dizer “o maior de todos os astrônomos”,
Tudo indica que Hiparcos compilou um catálogo de estrelas. O historiador ou simplesmente Megiste (“o maior de todos”).
Plinio nos diz em sua “História Natural”, escrita no primeiro século depois de
Cristo, que, por ter visto uma “estrela nova”, Hiparcos começou a “enumerar Os árabes traduziram este texto e acrescentaram a ele o artigo “al”, equiva-
as estrelas para a posteridade”. Esta “estrela nova” que Hiparcos viu, prova- lente ao artigo definido “o” em português. O uso de “al” também aparece em
velmente foi um cometa que apareceu em 134 a.C. e retornou em 124 a.C. A muitas outras palavras de origem árabe tais como álgebra e em vários nomes
passagem deste cometa também foi registrada pelos astrônomos chineses. de estrelas como por exemplo, Aldebaran. Assim, o texto de Ptolomeus ficou
Mais informações sobre os trabalhos de Hiparcos somente foram obtidas sendo conhecido pelos árabes como Al Megiste (O Megiste). Já na idade média
a partir do “Almagesto” escrito por Ptolomeus aproximadamente no ano 160 esse livro alcançou o norte da Europa levado pela civilização árabe existente
de nossa era. na Espanha. Ao ser traduzido do árabe para o latim medieval esse livro adqui-
Uma das ideias brilhantes de Hiparcos lhe ocorreu ao observar que o Sol se riu seu título final, Almagesto. Assim, a palavra “Almagesto” é uma corrupção
move irregularmente ao longo da eclíptica. Ele notou que o deslocamento do árabe de “Megiste syntaxeos” (O maior compêndio) como também era conhe-
Sol nos céus é gradualmente mais rápido e mais lento ao longo do ano e que ele cida a obra de Ptolomeus. Esta impressionante imagem de Ptolomeus é uma
alcança sua maior velocidade sempre na mesma época do ano. Para explicar O trabalho astronômico de Ptolomeus, o “Almagesto”, é um conjunto de 13 escultura em madeira que está na catedral de Ulm,
isto Hiparcos considerou que o centro da órbita circular do Sol em torno da livros cuja tradução moderna chega a 500 páginas. Este trabalho incluía ele- na Alemanha.
Terra não estava no nosso planeta e sim em um ponto diferente. Isto significa mentos de astronomia esférica, teorias solar, lunar e planetária, além de falar
que Hiparcos foi, provavelmente, o primeiro cientista a considerar uma órbita de eclipses e das estrelas fixas. O primeiro desses livros prova que a Terra é o
excêntrica em um sistema orbital. centro imóvel do Universo. Os últimos cinco descrevem o movimento do Sol,
Hiparcos (entre 190 a.C. e 120 a.C.).
Hiparcos também foi o primeiro a determinar a distância entre a Terra e a Lua e cinco planetas cada um associado a sua própria esfera de cristal. Adicio-
Lua ao comparar as observações de um eclipse solar que ocorreu em Cirene e nando ajustes para refletir o comportamento errático visto no céu, Ptolomeus
em Alexandria.
44  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  45
completou com êxito um sistema capaz de satisfazer a indagação científica nos A imagem anterior pertence ao Almagesto de Ptolomeus e nos revela a
séculos não científicos da Idade Média. estrutura que acabamos de descrever acima. Ela é parte do Livro X, capítulo 7,
Para Ptolomeus, o céu não era constituído de rocha, metal ou qualquer de uma tradução feita do árabe para o latim em 1175 por Gerard de Cremona
outro material terrestre. Para ele o cosmos era feito de algum material celestial na Espanha. A imagem do texto ilustra o modelo cinemático usado por Pto-
divino que não oferecia qualquer obstrução à passagem de uma parte do céu lomeus para descrever o movimento dos planetas superiores ou seja, Marte,
para outra. Júpiter e Saturno. De acordo com este modelo geocêntrico, a Terra está em
O Almagesto permaneceu por aproximadamente 1500 anos como o texto repouso no ponto designado pela letra (e) e os planetas se movem uniforme-
definitivo sobre astronomia. A imagem abaixo mostra uma página do livro mente em relação a um ponto (r). Este último ponto está separado do centro
VI, capítulo 7, de uma tradução latina do Almagesto feita por volta de 1451 por das esferas planetárias que é o ponto (d). Esta estrutura engenhosa é capaz de
George Trebizond. O desenho aqui mostrado é parte do cálculo da duração prever trajetórias dos planetas no céu que se aproximam bastante daquelas
de eclipses solares e lunares. Como era costume na época, esta tradução do resultantes das órbitas elípticas nas quais os planetas realmente se movem.
Almagesto, um manuscrito bastante elaborado onde as figuras são apresenta- Certamente não é fácil ver os pontos citados acima na figura do Almagesto.
das em várias cores, foi dedicado pelo filho de George Trebizond, Andreas, ao Vamos então explicar melhor como Ptolomeus descrevia o seu universo.
Papa Sixtus IV. Segundo Ptolomeus a Terra era esférica, estacionária e muito pequena em
relação à esfera celeste. Para ele as estrelas eram pontos fixos de luz dentro da
A COSMOLOGIA DE PTOLOMEUS esfera celeste.
A noite e o dia resultavam da rotação do sistema celeste inteiro em torno da
A cosmologia descrita no Almagesto inclui cinco pontos principais, sendo Terra, que permanecia fixa e sem rotação.
Página do livro VI, Capítulo 7 do Almagesto. Na descrição proposta por Ptolomeus os planetas se deslocavam sobre pe-
cada um deles assunto de um capítulo do Livro 1 da coleção de 13 volumes que
compõe esse tratado. Esses são os principais pontos: quenas trajetórias circulares, chamadas epiciclos. Os centros destes epiciclos
se moviam em torno da Terra em outras trajetórias circulares que eram cha-
• o domínio celeste é esférico e se move como uma esfera madas de deferentes (imagem ao lado).
O primeiro ponto importante a notar nesta figura é que a Terra não é o cen-
• a Terra é uma esfera
tro do deferente. Para justificar a variação da velocidade dos planetas durante
• a Terra está no centro do cosmos o seu movimento “para a frente” Ptolomeus tirou a Terra do centro do círculo
• a Terra, em relação à distância das estrelas fixas, não tem tamanho orbital criando, deste modo, um círculo excêntrico. Como consequência disto
apreciável e deve ser tratada como um ponto matemático o planeta pareceria se deslocar mais rapidamente quando estava mais próximo
da Terra.
• a Terra não se move O centro do epiciclo se desloca no sentido contrário aos ponteiros de um
Para provar essas hipóteses Ptolomeus desenvolveu o mais sofisticado relógio sobre o deferente. O planeta também se move no sentido anti-horário
modelo matemático até então conhecido para descrever os movimentos dos sobre o seu epiciclo.
planetas no Sistema Solar. O epiciclo e a excêntrica não eram completamente adequados para repro-
As ideias de Aristóteles tinham um problema observacional: o movimen- duzir corretamente a variação no tamanho dos movimentos retrógrados. Por
to retrógrado dos planetas. O modelo desenvolvido por Ptolomeus era muito esta razão Ptolomeus introduziu o equante. O equante é um lugar geométrico
complexo uma vez que ele pretendia descrever detalhes dos movimentos pla- de movimento angular uniforme que está dentro do deferente e se situa a uma
netários. Como o seu trabalho estava baseado no modelo geocêntrico (a Terra distância igual e oposta à posição da Terra. A velocidade do epiciclo é unifor-
no centro) e no princípio do movimento circular perfeito foi necessário usar me em relação ao equante.
ciclos (epiciclos) em órbitas circulares fora do centro (excêntricas), o que o fez Isto faz com que o epiciclo, observado da Terra, pareça se mover mais ra-
introduzir o conceito de “deferente”. pidamente no perigeu, quando ele está mais próximo da Terra e mais afastado
Mais tarde Ptolomeus introduziu um refinamento em sua teoria. Ele do equante. Podemos dizer que a introdução do equante para descrever os
passou a fazer uso do “excêntrico” que para cada planeta era o centro de movimentos planetários foi uma das maiores descobertas de Ptolomeus.
seu movimento e não mais a Terra. Ele também introduziu o “equante” A combinação dos movimentos planetários ao longo dos epiciclos e defe-
para cada planeta mover-se uniformemente. No entanto, é preciso escla- rentes produz o passeio observado dos planetas entre as estrelas, incluindo o
recer que nenhum desses conceitos geométricos (epiciclo, deferente) foi movimento retrógrado.
criado por Ptolomeus. Foi Apollonius (de Perga) (~262 a.C. - ~347 a.C.) A imagem ao lado mostra o movimento combinado do planeta sobre o
o introdutor do deferente, epiciclo e deferente excêntrico na astronomia. epiciclo e do centro do epiciclo sobre o deferente. O movimento sobre o de-
No Almagesto Ptolomeu usou os conceitos criados por Apollonius sobre o ferente na figura é feito de modo crescente, da direção do ponto 1 ao ponto
modelo matemático do movimento do Sol e da Lua que havia sido criado 14. O deslocamento do planeta no seu epiciclo faz com que ele descreva uma
por Hipparchus no século 2 a.C. figura geométrica, chamada ciclóide, sobre o deferente. Vê-se claramente que
Segundo Ptolomeus, as “esferas” descritas no seu modelo giravam porque quando o planeta se desloca nas regiões entre os pontos 3-4-5 ou 10-11-12 ele
esse era o movimento natural delas. Ele acreditava que era adequado atribuir parece se movimentar no sentido contrário para um observador colocado na
movimento circular uniforme aos planetas porque desordem e não uniformi- Terra. A isto damos o nome de movimento retrógrado do planeta.
dade eram contrários às coisas divinas. Para ele o estudo da astronomia, por
tratar com coisas divinas, era especialmente útil para elevar a alma do homem.

46  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  47


03
O sistema proposto por Ptolomeus para descrever os movimentos planetá- PTOLOMEUS: UMA FRAUDE CIENTÍFICA?
rios funcionava muito bem para os planetas superiores conhecidos na época
ou seja, Marte, Júpiter e Saturno, e também para Vênus. No entanto, ele não O pesquisador R. R. Newton é um feroz critico do “Almagesto” de Ptolo-
conseguia se adequar às observações de Mercúrio o que fez com que Ptolo- meus. Ele escreveu vários artigos de pesquisa e um livro chamado “The Crime
meus apresentasse um modelo bastante complicado para explicar a órbita of Claudius Ptolemy” (O crime de Claudius Ptolomeus) nos quais afirma que
deste planeta. Esta é uma das razões pela qual o modelo de Ptolomeus estava todas as observações que Ptolomeus diz ter realizado no Almagesto e muitas O Universo da
errado mas, infelizmente, ele foi adotado por cerca de 1400 anos. atribuídas por ele a outros astrônomos foram ou inventadas ou modificadas
A tabela abaixo mostra como Ptolomeus via a ordenação dos planetas e o
Idade Média
com o objetivo de reproduzir os resultados que ele queria obter.
Sol no Sistema Solar. Os argumentos apresentados por R. R. Newton são muito fortes e ele apon-
ta evidências difíceis de serem rebatidas.
A ordenação dos planetas e do Sol segundo Platão e Ptolomeus Não descreveremos estes argumentos aqui por serem bastante técnicos.
Apenas podemos dizer que o acordo entre a teoria e as observações de Pto-
segundo Platão segundo Ptolomeus a ordenação atual
lomeus são bons demais para serem verdadeiros. A primeira vista parece que
Lua Terra Sol Ptolomeus teria fabricado as observações declaradas por ele.
Sol Lua Mercúrio Possivelmente Ptolomeus coletou um grande número de observações e se-
Mercúrio Mercúrio Vênus lecionou entre elas as que melhor se ajustavam com a sua teoria.
Vênus Vênus Terra
Marte Sol Marte
Júpiter Marte Ceres*
O CRISTIANISMO: UMA NOVA MANEIRA DE OLHAR
A NATUREZA
Júpiter Júpiter
Saturno Saturno A época mais brilhante da história da ciência ocidental, antes do século
Urano XVII, foi, como vimos, o chamado “período da civilização helenística”. Mui-
Netuno tas realizações científicas da época moderna dificilmente teriam ocorrido
Plutão* sem as descobertas dos filósofos gregos. Quando a filosofia grega se fundiu
com a ciência, já conhecida dos caldeus e egípcios, houve um grande esti-
Eris*
mulo ao desenvolvimento intelectual. Um outro fator de desenvolvimento
(*) a partir de 2006 considerado planeta anão pela classificação estabelecida pela União Astronômica Internacional (IAU). científico foi o novo interesse do povo grego pelo conforto, o que o levou
à procura de conhecimentos práticos capazes de solucionar os problemas
Em termos práticos o sistema de Ptolomeus se mostrou adequado para do dia a dia. E esse conhecimento exigia o desenvolvimento da astronomia,
propósitos diários. Na verdade sua própria complexidade o tornou atraente física e matemática.
para a minoria de homens letrados que existiam em sua época. Os detalhes Ao mesmo tempo em que a civilização grega florescia também crescia a
podiam ser duros de aprender, porém uma vez compreendidos eles tinham civilização romana. Não vamos aqui discuti-la, mas apenas para situar datas,
condições de revelar as futuras posições dos planetas. O próprio Ptolomeus em 265 a.C. Roma já havia conquistado e anexado toda a Itália (compare as
preparou cartas do comportamento da Lua, mais precisas do que qualquer datas aqui apresentadas com o que ocorreu em termos de desenvolvimento in-
uma disponível anteriormente, as quais permaneceram em uso diário até a telectual na Grécia). Logo Roma envolveu-se nas chamadas “guerras púnicas”
Renascença. com a cidade-estado Cartago derrotando-a totalmente (após três guerras) em
Como vimos, no Almagesto Ptolomeus elaborou sistemas geométricos que 146 a.C. Como o rei da Macedônia havia sido aliado de Cartago, Roma invadiu
descreviam movimentos compostos sobre círculos bidimensionais. Seu obje- e ocupou toda a Grécia.
tivo era justificar os movimentos celestes já observados. Mais tarde Ptolomeus Roma certamente sofreu uma grande influência da civilização helenística,
escreveu um novo livro (Hipóteses planetárias) usando conchas esféricas ocas porém várias partes da cultura grega não foram adotadas pelos romanos. No
tridimensionais em vez da estrutura bidimensional apresentada no Almages- entanto, o epicurismo e o estoicismo dos gregos foi adotado por muitos roma-
to. Essas conchas esféricas localizavam-se umas dentro das outras e circunda- nos das classes mais elevadas. Por exemplo, o mais famoso epicurista romano
vam a Terra. Não havia espaço vazio entre elas. A espessura de cada concha foi Lucrecio (98 a.C.-55 a.C.). Seu poema didático “Da Natureza das Coisas”
permitia a existência de pequenos movimentos tanto de aproximação como de procurava explicar o universo de forma a libertar o ser humano do medo do
afastamento em relação à Terra. A própria concha esférica em rotação é que sobrenatural, que ele considerava o principal obstáculo à obtenção da paz de
transportava ou o Sol ou a Lua em sua órbita em torno da Terra. Foi George espírito. Lucrecio dizia que os mundos, e todas as coisas contidas neles, eram
Peurbach quem descreveu este modelo do universo de Ptolomeus no seu livro resultados fortuitos de inúmeras combinações de átomos.
“Theoricae novae planetarum, publicado em 1553. O estoicismo foi introduzido em Roma por Panécio (de Rodes) aproxima-
Mas no fim das contas a complexidade apresentada pelo modelo de Pto- damente no ano 140 a.C. Seu mais ilustre representante foi Cicero (106 a.C.
lomeus não era convincente. A alternativa proposta por Copernicus seria - 43 a.C.), um dos maiores pensadores de Roma.
mais simples. Além disso os satélites orbitando em torno de Júpiter, revela- Ao mesmo tempo em que Roma florescia cada vez mais, o mundo gre-
dos pelo telescópio de Galileu, iriam despedaçar uma das esferas de cristal de go desmoronava. Muitos fatores contribuíram para isso (não apenas a con-
Ptolomeus. quista pelos romanos), mas não entraremos nesses detalhes históricos. Cabe

48  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  49


dizer que um dos fatores importantes para o declínio do pensamento grego “Qual é a importância de saber se a Terra é uma esfera,
foi a nova orientação de sua religião. A maioria dos intelectuais gregos pas-
um cilindro, um disco ou uma superfície côncava? O
sou a adotar o estoicismo, o epicurismo e o cepticismo como regras de vida
enquanto que as classes mais populares adotaram as religiões emocionais que é importante é saber como eu devo me conduzir na
de origem oriental tal como a adoração da deusa-mãe egípcia Isis que, em direção de mim mesmo, na direção dos membros da raça
dado momento da história, quase se transformou em religião mundial. Do humana e na direção de Deus.”
mesmo modo, a religião astral dos caldeus também se disseminou e seu pro-
duto principal, a astrologia, propagou-se por todo o mundo grego tendo sido
São Basílio de Cesareia (ou São Basílio Magno)
recebida com um entusiasmo quase fanático. A mais poderosa de todas as (329 ou 333-379) (século IV)
influências se deveu ao zoroastrismo, em particular ao mitraismo e gnosti-
cismo. Essas religiões, assim como todas as religiões orientais, prometiam “E assim fica manifesto como a “multiforme sabedoria
a salvação extraterrena mas o mitraismo e o gnosticismo apresentavam um
de Deus”, que aparece claramente na Sagrada Escritura,
desprezo muito maior por esse mundo e definiam de modo mais claro sua
doutrina de salvação por um redentor personificado. Não havia mais neces- está oculta em todo o conhecimento e em toda a
sidade de pensar o universo pois a vida era um castigo que só seria redimido natureza. Fica, igualmente, manifesto como todas as
na morte e na salvação. ciências estão subordinadas à teologia, pelo que esta
A Grécia não voltou a apresentar pensadores com a dimensão de Platão e
Aristóteles. Mesmo em declínio ainda apareceram alguns nomes importantes
colhe os exemplos e utiliza a terminologia pertencente
para a ciência tais como Euclides com os seus “Elementos de Geometria” no a todo o gênero de conhecimento. Fica, além disso, São Boa Ventura (1217-1274)
Livro "Elementos de Geometria", de Euclides
(século 3 a.C.). século 3 a.C., Arquimedes (de Siracusa) e Heron (de Alexandria) na física e, manifesto como é grande a iluminação divina e de que
como vimos, já no século II (depois de Cristo) Ptolomeu na astronomia.
modo no íntimo de tudo quanto se sente ou se conhece
O mais importante aqui é o fato de que, nessa época (obviamente depois
de Cristo), surgiu uma nova religião baseada na religião judaica e que pouco a está latente o próprio Deus.”
pouco foi ganhando mais adeptos. Inicialmente essa religião disputava adeptos “Redução das Ciências à Teologia”
com o mitraismo, mas lentamente foi se impondo como religião dominante. São Boaventura (1217-1274))
Era o que mais tarde veio a ser chamado de cristianismo e que se apoiava nos
ensinamentos de Jesus Cristo. Sua força inegável levou até mesmo o imperador Com o desenvolvimento do Cristianismo passamos a viver em um mundo
romano Constantino a converter-se ao cristianismo no início do século IV. Ela inequivocamente teocêntrico. Esse teocentrismo é garantido pela evolução e
tornou-se a religião oficial do Império Romano. estruturação de uma nova instituição que soube chegar ao poder: a Igreja Cató-
A religião cristã foi a herdeira das civilizações grega e romana. Quando lica. Com a sua criação tudo muda no mundo civilizado ocidental. Aos poucos
ocorreu a derrocada do Império Romano foram os cristãos (ao mesmo tempo a Igreja deixa de se concentrar no domínio religioso e estende sua influência a
que os árabes) que, espalhados em mosteiros em todo o mundo, preservaram todos os domínios da vida europeia. A Igreja passa a ditar as regras do convívio
o conhecimento antigo. Devido à sua formação estritamente religiosa e não social, econômico, artístico, cultural e, porque não, político. Com o acúmulo
filosófica, os cristãos tendiam a encarar o conhecimento, em particular o desse enorme poder, a Igreja passou a ter como meta principal conservá-lo. Isso
conhecimento da natureza, de uma maneira apenas religiosa: nosso destino fez com que surgisse um vergonhoso totalitarismo religioso: a Igreja decretou
estava nas mãos de Deus e até a natureza mostrava sinais da sua grandeza. O que suas “verdades” não estavam sujeitas à crítica e quem as desafiassem, mes-
que restava para nós era conhecer a vontade de Deus e para isso de nada servia mo que isso fosse apenas discutir o que era considerado sagrado pela Igreja,
a especulação filosófica se ela não fosse iluminada pela fé. teria que se confrontar com os guardiães da fé, a famigerada Inquisição.
Tendo como base esse raciocínio, o conhecimento científico não podia ne- Ao mesmo tempo mudanças políticas (destruição do Império Romano
gar os dogmas religiosos. Pelo contrário, o conhecimento científico deveria feita pelos povos chamados “bárbaros” vindos do norte e leste da Europa) fize-
fundamentá-los. Agora a ciência e a filosofia ficavam submetidas à religião: a ram o mundo civilizado ocidental caminhar para o que viria a ser a Idade Mé-
investigação livre não era mais possível. dia. E a Idade Média é, sem qualquer dúvida, um mundo teocêntrico cristão.
Para muitos pensadores dessa época as teorias desenvolvidas pelos filóso- Será visto que, de agora em diante, até mesmo os grandes pensadores temem
fos gregos não despertavam mais qualquer interesse. Para ter sabedoria basta- a Igreja e tentam reduzir suas descobertas aos ditames teocráticos. Alguns,
Imperados romano Constantino (272-337 d.C.).
va fundamentar-se na Bíblia, pois como Deus era o criador de todas as coisas como Giordano Bruno, não aceitam isso e pagam com a vida pela sua audácia.
e a Bíblia era a palavra de Deus, tudo estava nas Sagradas Escrituras. Para
compreender a natureza devíamos procurar esse conhecimento não direta- O QUE FOI A IDADE MÉDIA?
mente na própria natureza mas sim nas Sagradas Escrituras. Elas continham
o sentido da vontade divina e, portanto, o sentido de toda a natureza criada Os historiadores dividem esquematicamente a história da Europa em três Imagem da época medieval.
por Deus. A isso é que deveríamos verdadeiramente dar o nome de “ciência”. “idades”: a civilização clássica da Antiguidade, a Idade Média e os Tempos
A ciência se reduziu à teologia. Compreender a natureza consistia em in- Modernos.
terpretar a vontade de Deus mostrada na Bíblia. O problema fundamental da A Idade Média também é comumente chamada de período medieval ou
ciência consistia em enquadrar de modo correto os fenômenos naturais com o época medieval. O nome “Idade Média” (“medium ævum”) foi cunhado pelo
que era dito nas Sagradas Escrituras. humanista italiano Flavio Biondo no início do século XV.

50  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  51


Tradicionalmente dizemos que a Idade Média na Europa Ocidental come- vos, Alamanos, Saxões, e os Vândalos, já tinham realizado uma série de inva-
çou quando o Império Romano do Ocidente cessou formalmente de existir no sões por toda a Europa, saqueando e rompendo a estabilidade política de toda
ano 476 (século V). No entanto é extremamente difícil decidir quando a Idade a região.
Média terminou. Os historiadores consideram que isso ocorreu em datas di- Com a queda final do império romano do ocidente, no século 5, a escuri-
ferentes, dependendo do local da Europa que estamos considerando. Podemos dão desceu sobre a Europa. Todas as atividades intelectuais definharam nas
supor que a Idade Média terminou quando houve a queda do Império Romano mãos dos chamados “povos bárbaros”. O rompimento das relações sociais fez
do Oriente (1453), ou a ascensão das monarquias nacionais, ou o começo da com que a principal preocupação fosse a sobrevivência.
exploração dos mares pelos europeus, ou no despertar humanista ou então na O Cristianismo foi racionalizado pelo conhecimento judaico e grego que
Reforma Protestante iniciada por Martinho Lutero em 1517. Estas várias mu- ainda tinha sobrevivido em Alexandria. Sua disseminação foi muito ajudada
danças marcam o começo do chamado Período Moderno Inicial, que precede pela rede de comunicação que havia sido criada pelo Império Romano que,
a Revolução Industrial. naquele momento, já estava se desintegrando.
Sob este ponto de vista histórico o Mundo Antigo inclui os primeiros 500 Os historiadores consideram que o pior período da Idade Média foi a
anos do Império Romano, enquanto que a Idade Média cobre os 1000 anos sua fase inicial. A ela foi dado o nome de “Idade das Trevas”, embora haja
finais da longa história de 1500 anos do Império Romano. muitas vozes discordantes sobre o que esta fase realmente significou para Boethius.
A Idade Média frequentemente é subdividida em três períodos: alta, clássi- a humanidade.
ca e baixa. Essa subdivisão passou a ser usada após a Primeira Guerra Mundial Na Idade das Trevas a discussão sobre o universo retrocedeu muito. Vol-
e é consequência dos trabalhos de Henri Pirenne, em particular seu artigo tou-se a ter uma polarização mitológica entre o céu e o inferno. Para o homem
“Les periodes de l’historie du capitalism”, publicado no Bulletin de la Classe comum a Terra voltava a ter a forma de um tabernáculo retangular, plano,
des Lettres da Academie Royale de Belgique, em 1914, e também dos trabalhos circundado por um abismo de água. Se olharmos para o que as civilizações
de Johan Huizinga, autor de “The Autumn of the Middle Ages”, publicado em já haviam criado para descrever o Universo, vê-se que este realmente foi um
1919. monstruoso retrocesso.
A Alta Idade Média, também chamada de Idade Média Antiga, vai do No entanto, alguns sábios da época, tais como Boethius e o Venerável
século V ao X. Este foi um período de formas inconstantes de governo, um Bede, estavam a par da ciência grega através das anotações em latim que Cí-
nível relativamente baixo de atividade econômica e de incursões bem suce- cero, Plínio e outros filósofos haviam deixado. Boethius, romano de origem
didas feitas por vários povos não Cristãos tais como os eslavos, os árabes e os nobre, preservou o conhecimento existente sobre a lógica e a matemática. Foi
escandinavos. O período que vai do século V ao século VIII é algumas vezes ele quem traduziu os textos de lógica de Aristóteles, além de outros trabalhos
chamado de “Idade das Trevas”. de Pitágoras e Euclides. Assim, embora o saber europeu estivesse no seu mais
A Idade Média Clássica, também chamada de Idade Média Plena, se esten- baixo nível após muitos séculos, ainda sobreviviam resíduos do conhecimento
de do século XI ao final do século XIII/início do século XIV. Este período se antigo, principalmente em locais como Bizâncio, Síria e na antiga Pérsia.
caracteriza pela cultura expansionista e pelo renascimento intelectual. Este é Somente no século 11 é que a Idade das Trevas começou a ser dissipada,
um período de crescente poder real, de aumento dos interesses comerciais e do com o surgimento de escolas e, mais tarde, universidades. Novas importantes
enfraquecimento dos usuais laços de dependência, especialmente após a peste ideias também apareceram como, por exemplo, o conceito de que é necessário
que ocorreu no século XIV. É nesse período que temos as instituições desen- primeiro compreender para então acreditar.
volvidas, o domínio dos lordes e o crescimento da vassalagem, a construção O mapa ao lado mostra o florescimento das universidades em toda a Euro-
de castelos e combates a cavalo, e o renascimento da vida urbana e comercial. pa por volta do século 12. As universidades daquela época eram produtos de
A Baixa Idade Média, também chamada de Idade Média Tardia, corres- um sistema de associações.
ponde aos séculos XIV e XV, indo de cerca de 1300 a 1500. Politicamente esta Existiam quatro faculdades que estavam voltadas para arte, teologia, lei e Venerável Bede.
era foi tipificada pelo declínio do poder feudal e sua substituição pelo desen- medicina. Haviam também sete artes liberais: a gramática, retórica e lógica
volvimento de fortes nações-estado baseadas na realeza. formavam o chamado “trivium” enquanto que a aritmética, geometria, músi-
ca e astronomia formavam o “quadrivium”.
O UNIVERSO NA IDADE MÉDIA Nos séculos 12 e 13 durante o declínio do império islâmico, acelerado mais
ainda no século 14 pela invasão dos Mongóis, os trabalhos de Aristóteles, Eu-
Como já vimos, o Império Romano não produziu qualquer progresso cien- clides, Ptolomeu e vários outros foram traduzidos para o latim. Primeiramen-
tífico em nossa compreensão do universo. A maior parte do conhecimento dos te eles foram traduzidos do árabe mas, mais tarde, isto foi feito diretamente a
gregos foi esquecida e os registros que existiam na biblioteca de Alexandria partir dos originais gregos.
foram perdidos. É interessante notar que no século XIII estudiosos em várias universidades
Na Idade Média floresceram ideias mitológicas sobre o universo. de toda a Europa procuravam analisar as implicações que surgiram com a
Depois do declínio do Império Romano, os contatos feitos pelos Cruzados redescoberta da filosofia de Aristóteles e a astronomia de Ptolomeus. Um dos
do ocidente com o mundo árabe fizeram efervescer novos pensamentos. principais itens de pesquisa dizia respeito à verdadeira natureza das “esferas
celestes”. Os filósofos da época consideravam que as esferas celestes descritas
A IDADE DAS TREVAS nos modelos de Aristóteles e Ptolomeus eram sólidas no sentido tridimensio-
nal ou seja, eram contínuas. No entanto, a maioria não as considerava mais
No ano 476 o último imperador romano do ocidente, Rômulo Augústulo, serem sólidas no sentido de “duras”. Havia consenso de que as esferas celestes
foi deposto. Várias tribos bárbaras, tais como os Ostrogodos, Visigodos, Sue- eram feitas de algum tipo de fluido contínuo.

52  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  53


Robert Grosseteste “A ciência natural não consiste em ratificar o que outros
Um importante nome para a ciência, nessa época de final do século XII
disseram, mas em procurar as causas dos fenômenos.”
e início do século XIII, foi o do teólogo e bispo inglês Robert Grossetes-
te (~1175-1253). Ele escreveu vários trabalhos enquanto ainda era padre, Albertus Magnus
entre eles “Chasteau d’amour”, um poema alegórico sobre a criação do
mundo e a redenção cristã. Entre 1220 e 1235 Grosseteste escreveu vários Roger Bacon
tratados científicos, entre eles “De sphera”, um texto introdutório de astro- Já no século XIII, surgiu Roger Bacon (~1214-1294), um monge franciscano
nomia, e “De luce”, sobre a luz, considerado por alguns historiadores como inglês que enfatizava que o método científico consistia em fazer observações
o trabalho mais original sobre cosmogonia que surgiu no ocidente latino e não realizar a eterna leitura de textos antigos. Para ele o método científico
em sua época. significa observar, usar a matemática, comparar os resultados obtidos com os
Grosseteste também escreveu vários comentários sobre a filosofia de experimentos feitos e voltar a fazer observações. Era preciso se libertar dos ve- Portal da Catedral de Strasbourg, França.
Aristóteles onde apresentou conceitos básicos que serviriam, mais tarde, lhos clássicos e criar uma nova maneira de encarar a ciência. Em pleno século
para o desenvolvimento do chamado “método científico”. Grosseteste en- XIII ele tinha a coragem de declarar:
tendeu completamente a visão proposta por Aristóteles da trajetória dual do
raciocínio científico: a generalização das observações particulares em uma “Em qualquer ciência é essencial seguir o melhor
lei universal e então retornar das leis universais para as previsões particula- método, isto é, estudar cada coisa na ordem correta,
res. Grosseteste chamou isso de “resolução e composição”. Para Grosseteste,
por exemplo, por meio da observação das características particulares da Lua
colocando o primeiro no começo, o fácil antes do
seria possível chegar às leis universais sobre a natureza. Inversamente, uma difícil, o geral antes do particular, o simples antes do
vez que as leis universais estejam compreendidas é possível fazer previsões complexo. A apresentação deve ser conclusiva e isto é
e observações sobre outros objetos diferentes da Lua. Ele dizia que ambas as
impossível sem a experiência. A autoridade não vale
trajetórias deveriam ser verificadas por meio da experiência com o objetivo
de observarmos seus princípios. nada se suas asserções não podem ser substanciadas: a
Grosseteste também foi responsável pelo desenvolvimento da ideia de su- autoridade não ensina, ela exige apenas concordância.
bordinação entre as várias ciências. Ele alegava que, por exemplo, comparando Raciocinando comumente distinguimos entre sofismo e
a óptica e a geometria, vemos que a óptica é subordinada à geometria porque
a óptica depende da geometria. Grosseteste concluiu, seguindo de perto o que
prova, verificando conclusões pela experiência.” Roger Bacon (~1214-1294).
havia sido proposto por Boethius, que a matemática era a mais elevada de
todas as ciências naturais e a base sobre a qual todas elas se apoiavam, uma vez
Tomas de Aquino
Thomas Aquinas (Tomás de Aquino) (1224-1274), foi um dos principais
que todas no fim das contas dependiam da matemática.
representantes do pensamento da Idade Média. Ele foi responsável por dar ao
Cristianismo todo um suporte filosófico. Para isso ele mostrou, no século 13,
Albertus Magnus
de que forma o cristianismo podia ser acomodado dentro do universo Aristo-
Esse dominicano nascido na Bavaria, Alemanha, (1193/1206-1280) al-
télico, necessitando apenas modificações relativamente superficiais. Segundo
cançou fama por defender a pacífica coexistência entre a ciência e a religião.
o seu pensamento os seres humanos mantinham a imortalidade mas, no en-
Ele foi um dos primeiros religiosos da Idade Média que aplicou a filosofia de
tanto, o universo adotado perdia a sua eternidade uma vez que ele tinha sido
Aristóteles ao pensamento cristão. Albertus interpretou e sistematizou, de
criado por Deus. Thomas Aquinas cristianiza a filosofia de Aristóteles.
acordo com a doutrina da Igreja Católica, todos os trabalhos de Aristóteles
Ele utiliza e adapta à doutrina cristã da Igreja os conceitos metafísicos de
com base nas traduções latinas e não naquelas feitas pelos árabes. Deve-se
Aristóteles em particular o conceito de que tudo que existe tem uma causa
a ele a preservação e apresentação dos trabalhos de Aristóteles como os que
primeira e um fim último. Ele também aceita a cosmologia aristotélica que
conhecemos na época moderna. Foi com Albertus que Thomas Aquinas co-
nada mais é do que o geocentrismo reformulado por Ptolomeus, que nos dizia
meçou seus estudos teológicos.
que o universo é formado por esferas concêntricas no meio do qual a Terra
Albertus Magnus foi tão importante na sua época (possivelmente o au-
permanece imóvel. A partir de Thomas Aquinas a filosofia de Aristóteles pas-
tor mais lido em seu tempo) que Dante Alighieri o cita em sua obra literária
sou a ser estudada e comentada nas escolas da época que pertenciam à Igreja
“Divina Comédia”. A escritora Mary Shelly também o cita, juntamente com
e que funcionavam em seus mosteiros. Aristóteles e sua filosofia passam a ser
Agrippa e Paracelsus, no seu romance “Frankenstein” onde um de seus livros
confiáveis e ele agora é considerado, ao lado das Sagradas Escrituras, uma au- Tomás de Aquino.
é escolhido para leitura pelo jovem Vitor Frankenstein.
toridade no que diz respeito ao conhecimento da natureza.
Embora Albertus tenha se dedicado mais à alquimia e astrologia, ele mos-
Albertus Magnus (1193/1206 - 1280). trou-se crítico de Aristóteles ao rejeitar a ideia de “música das esferas” como
sendo ridícula. Segundo Albertus o movimento dos corpos astronômicos era Sacrobosco
incapaz de gerar som. Também é no século XIII que surge um outro importante membro do pen-
Os textos de Albertus Magnus foram tão importantes para a Igreja que samento da Idade Média: Sacrobosco. Também conhecido como John Halifax,
a iconografia do arco superior do portal da Catedral de Strasbourg, França, John de Holywood ou então Johannes de Sacre Bosco, Sacrobosco nasceu, não
construída no final do século XIII, foi inspirada nos escritos deixados por ele se sabe em que ano, em Yorkshire, Inglaterra, e faleceu em 1256. Ele foi educa-
(imagem a seguir). do em Oxford e ensinou matemática na Universidade de Paris. Sacrobosco foi
o primeiro europeu a escrever sobre o sistema de Ptolomeu.
54  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  55
Seu livro “Sphoera Mundi” foi o mais importante livro texto de astrono- Suas crenças estão bem claras nesta imagem onde Ptolomeus é colocado
mia por cerca de 400 anos. A razão disso foi a introdução dos tipos móveis como príncipe ao lado da deusa da Astronomia, Urania.
na imprensa por volta do ano 1440 por Johannes Gutenberg (~1397-1468). O Por volta do século 14 o universo medieval atingiu o seu maior desenvolvi-
“Sphoera Mundi” foi um dos primeiros livros de astronomia impressos em mento. Ele agora era antropocêntrico e foi santificado pela religião, endossado
todo o mundo, daí a sua grande divulgação. Entre 1472 e 1500 este livro teve pelos filósofos e racionalizado pela ciência geocêntrica.
25 edições. Por volta de 1650 ele teve mais 40 edições. A descoberta de Gutem- Essas ideias permaneceram ainda em vigor ao longo de todo o século XV
berg tornou mais fácil os meios educados da Europa terem acesso à ciência apesar de já estarmos em plena Renascença.
embora isso não significasse muito para a população comum, em sua maior
parte analfabeta. Dante Alighieri
A imagem abaixo faz parte de uma edição de 1537 do livro “Sphoera Mun- As ideias apresentadas por Thomas Aquinas tão logo foram divulgadas co-
di”. Nela vemos Sacrobosco escrevendo seu livro. meçaram a sofrer adaptações suplementares. O famoso escritor italiano Dante
Alighieri (1265-1321), autor do conceituado texto “Divina Commedia” (1306-
1321) (originalmente chamado “Commedia”) (em português “Divina Comé-
dia”), uma obra prima da literatura mundial, descreveu, de forma literária (e
magistral) como o universo era concebido, sob o ponto de vista teológico, na
Idade Média. Na “Divina Comédia” o próprio Dante realizava uma jornada
através do Inferno, Purgatório e Paraíso, a princípio guiado pelo poeta épico
romano Virgilio e depois por Beatriz, sua amada.
Na seção intitulada “Paraiso” Dante descreve Deus como uma luz no cen-
tro do cosmos. O inferno era uma região inferior localizada bem dentro da
Terra enquanto que o purgatório era a região sublunar. As regiões etéreas eram
os locais ideais para a residência das hierarquias superlunares, os seres ange-
licais (imagem abaixo).
Dante frequentemente cita Albertus Magnus em seus textos literários. Ele
faz a doutrina de livre arbítrio desenvolvida por Albertus Magnus a base de
Sphoera Mundi.
Os pequenos desenhos localizados dentro da borda desta ilustração mos- seu sistema ético. No seu famoso livro “Divina Comédia” Dante coloca Al-
tram os planetas. Marte está no canto inferior esquerdo, Mercúrio está no bertus Magnus e seu discípulo Thomas Aquinas entre os grandes amantes da
centro a esquerda, Vênus está no centro a direita, Saturno está no canto in- sabedoria (Spiriti Sapienti) no “Céu do Sol”.
ferior direito e Júpiter está na parte de baixo ao centro da imagem. Na parte Os fatos narrados a partir de agora já ocorrem dentro do período chamado
de cima desta borda são mostrados instrumentos usados para medir o espa- “Renascença”, que durou do século XIV ao XVI, como veremos no próximo
ço tais como o esquadro, no canto superior esquerdo, e o dióptro, no canto item deste módulo. Somente por uma questão de continuidade os filósofos
superior direito. São mostrados instrumentos para medir o tempo tais como abaixo são citados dentro do período da Idade Média. Isso também serve para
a ampulheta, a esquerda do centro, e o relógio de sol portátil, a direita do mostrar que as épocas históricas não são estanques e que o pensamento domi-
centro. Espalhados pela borda estão ícones que representam outros estudos nante em uma delas invade a seguinte. Assim fica claro como o pensamento
matemáticos, música e o desenho em perspectiva. Também são mostrados os de Ptolomeus e Aristóteles ainda será dominante em muitos aspectos durante
símbolos para os polos celestes: “acticus”, na parte superior esquerda (deveria a Renascença.
ser “arcticus”) e “antar”, abreviação de “antarcticus” na parte superior direita.
Estes símbolos estão acompanhados por pequenos desenhos da constelação Nicholas Oresme
Ursa Maior. Na parede atrás de Sacrobosco estão pendurados seus instrumen- Não foi apenas Roger Bacon que apresentou críticas à ciência oficial. Mui-
tos de observação, o quadrante e o astrolábio, assim como seus instrumentos tos outros pensadores, ao longo da Idade Média, também tiveram coragem de
de projetos, o compasso e o esquadro. apresentar ideias sobre o universo que eram revolucionárias e perigosas para a
Por ter muitas ilustrações o livro “Sphoera Mundi” de Sacrobosto tornou- época. E, o mais curioso, muitos deles eram religiosos!
Ilustração do Paraíso, canto 31, feita por Gustave
se bastante útil. Mesmo se os leitores não conseguissem compreender todo ou No século XIV viveu o bispo francês Nicholas Oresme (1320-1382), um Doré (1832-1883).
a maior parte do texto, eles poderiam ainda assim aprender bastante por meio brilhante matemático, físico e economista, que apesar de seus trabalhos cien-
das várias ilustrações ali apresentadas. Mostramos abaixo uma destas ilustra- tíficos, é muito mais célebre por ter, em algum momento antes do ano 1355,
ções, que explica os eclipses lunares (parte de cima) e solares (parte de baixo). escrito o livro “Tratado sobre a Origem, Natureza, Lei, e Alterações das Moe-
Ela faz parte da edição de 1491 do livro de Sacrobosco. das”, o primeiro tratado sobre economia que falava sobre a teoria da inflação
Curiosamente, as edições posteriores do livro “Sphoera Mundi” de Sacro- monetária!
bosco incluiam ilustrações móveis, chamadas “volvelles” que os leitores po- Oresme afirmou que o movimento de um corpo somente poderia ser per-
diam girar para melhor compreender os fenômenos celestes que variavam. A cebido quando ele alterava sua posição em relação a outro corpo.
imagem abaixo mostra uma “volvelle” pertencente a uma edição de “Sphoera Baseado nessa ideia, Oresme apresentou um discurso refutando o velho
Sphoera Mundi.
Mundi” feita por volta do século XVI. Ela representa um eclipse lunar. pensamemto de que a Terra não podia girar em torno do seu eixo.
A imagem ao lado, que também pertence ao “Sphoera Mundi” de Sacro- Em 1377 Nicholas Oresme publicou o livro “Le Livre du Ciel et du Monde”,
bosco, mostra a visão do universo que ele divulgava, puramente Ptolomeus. uma tradução com comentários do livro “De caelo” de Aristóteles . É curioso

56  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  57


notar que, esse livro de Oresme possui ilustrações, de autor desconhecido, que A ARTE MOSTRA A CIÊNCIA DO FIM DA IDADE
mostram as esferas celestes colocadas na sua ordem convencional, com a Lua MÉDIA (EM PLENA RENASCENÇA!)
e Mercúrio mais próximos da Terra e Saturno e as estrelas nas esferas mais
elevadas. No entanto, as esferas das ilustrações aí mostradas são côncavas para No ano de 1493 foi publicada uma história ilustrada da Terra, que descre-
cima, centradas em Deus, em vez de serem mostradas com a forma côncava via de sua criação até 1490. Este livro, “A Crônica de Nuremberg”, também
para baixo e centradas na Terra. chamado de “O Livro de Crônicas desde o Começo do Mundo”, foi compilado
por Hartmann Schedel, com ilustrações e gravuras de Michael Wohlgemuth,
Nicholaus (ou Nicholas) Cusanus Wilhelm Pleydenwurff e Albrecht Dürer, e impresso e publicado por Anton
Em 1401 nasceu em Kues, atualmente Bernkastel-Kues, Alemanha, Niko- Koberger. Este maravilhoso trabalho de arte, hoje um dos principais itens dos
laus Kryffs ou Krebs que ao ingressar na vida religiosa (em 1440) passou a colecionadores de livros, continha 1809 impressões obtidas de 645 gravuras
se chamar Nicholas Cusanus (1401-1464) (por causa do nome latino de sua originais de madeira. A imagem abaixo mostra o “Venerável Bede”, represen-
cidade natal, Cusa). Seu interesse era em lógica e geometria e contribuiu para tado em uma das ilustrações desse livro.
o estudo do infinito estudando tanto o infinitamente grande como o infini- Entre as belíssimas imagens desse livro encontramos uma que nos descre-
tamente pequeno. Nicholas de Cusa olhava para o círculo como o limite de ve o universo. Ela nos mostra o ponto de vista medieval da ciência, isso já em
polígonos regulares (o círculo é um polígono plano, fechado, formado por um pleno século XV.
número infinitamente grande de lados infinitamente pequenos) e usava isso Também mostramos abaixo um painel que é parte de uma pintura feita
em seus ensinamentos religiosos para mostrar como podemos nos aproximar por Hieronymous Bosch em 1504. Ela se chama “O Jardim dos Prazeres Ter-
da realidade sem entretanto jamais alcançá-la. Cusa é melhor conhecido como restres” e é chamada de “tríptico” por ser constituída por três grandes partes.
o filósofo que debateu a natureza incompleta do conhecimento do universo Provavelmente essa pintura foi feita para a diversão particular de alguma fa-
pelo ser humano. Ele declarava que a procura da verdade é inútil. mília nobre. O painel central, que não é mostrado aqui, apresenta um jardim
Em 1444 Cusa passou a se interessar por astronomia. Após comprar 16 de delícias, de onde vem o nome da pintura. A parte da pintura mostrada
Le Livre du Ciel et du Monde. livros sobre o assunto, um globo celeste de madeira e um de cobre e vários aqui é de uma das venezianas externas e representa uma visão medieval do
instrumentos astronômicos, inclusive um astrolábio, Cusa passou a desenvol- terceiro dia da criação, incluindo uma Terra plana, com nuvens flutuando em
ver teorias sobre o universo bastante avançadas para sua época. Segundo ele, um firmamento esférico, e um vazio circundando a bolha esférica que envolve
a Terra girava em torno do Sol e as estrelas que vemos nada mais são do que a Terra.
muitos outros objetos celestes semelhantes ao nosso Sol.
Cusa acreditava que as estrelas que vemos no espaço também tinham pla-
netas em órbita em torno delas, alguns sendo até mesmo habitados.
Nicholas de Cusa também se destaca por ter afirmado que o espaço era
infinito. Ele argumentou que, uma vez que foi Deus quem criou o Universo e
Deus é infinito e sem localização, o próprio universo também não tinha que
ser limitado e sem borda e centro. Nicholas Cusanus afirmou que o Universo
“é uma esfera na qual o centro está em todos os lugares e a circunferência em
lugar nenhum”. Tudo isso aconteceu ainda no século XV.

Petrus Apianus
Petrus Apianus (1495-1552) (também chamado de Petrus Apian, ou Peter
Bienewitz ou Peter Bennewitz) foi um humanista alemão que ficou famoso por
seus trabalhos em matemática e em astronomia. Seu nome foi latinizado para
Apianus em virtude da palavra “abelha” (seu nome original continha a palavra
alemã Biene, que quer dizer abelha) ser “apis” em latim.
Apian realizou importantes trabalhos em matemática tendo, em 1527 pu- Esta visão do universo não era predominante nem amplamente comparti-
“Cosmographicus liber” de Apianus. blicado uma variação do chamado “triângulo de Pascal” assim como impor- lhada pelos membros educados da sociedade na Idade Média, que certamente
tantes textos de astronomia. tinham herdado muito do seu conhecimento astronômico a partir de docu-
Em 1531 Apianus observou um cometa e descobriu que sua cauda apontava mentos como o Almagesto e outros. No entanto, esta visão tinha uma certa
sempre na direção contrária à do Sol, mostrando isso em um desenho. influência entre os membros do público geral.
Suas principais obras sobre astronomia foram o livro que ele publicou em
1524, o “Cosmographicus liber” onde mostrava o universo segundo a des- UM RESUMO DA COSMOLOGIA DA IDADE MÉDIA
crição de Ptolomeu, e o livro publicado em 1540 chamado “Astronomicum
Caesareum”. • a ciência grega tinha estabelecido que Terra era o apex (o ponto mais
O “Cosmographicus liber” de Apianus (do qual vemos uma página na ima- alto) do Universo em um sentido físico.
gem abaixo) era um texto altamente respeitado sobre astronomia e navegação
que teve pelo menos 30 edições em 14 línguas, permanecendo popular até o fi- • a igreja institucional elaborou um significado desta interpretação nas
nal do século XVI. Na verdade ele faz uma pequena variação nas propostas de Sagradas Escrituras e adotou o esquema de Ptolomeus.
Ptolomeu, mostrando as “orbes” celestes de uma forma um pouco diferente.
58  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  59
04
• abaixo da Terra estava o inferno, evidenciado pelos vapores abrasado- Com o domínio dos árabes, o artesanato, as artes e as ciências mais uma
res que é lançado pelos vulcões. vez floresceram em todas as regiões por eles conquistadas. Foram fundadas
bibliotecas de manuscritos antigos e muitos sábios emigraram para Damasco,
• acima estavam sete esferas nas quais o Sol e os planetas giram em tor-
Bagdá, Córdoba e outros grandes centros da nova civilização islâmica. A lite-
no da Terra.
ratura grega, egípcia, persa, chinesa e indiana foi cuidadosamente reunida por
• a oitava esfera era uma abóbada imóvel sobre a qual as estrelas se pen- eles, traduzida, primeiro em siríaco e mais tarde em árabe, e então combinada
Cosmologia duravam como lâmpadas. por sábios que trabalhavam intensamente.
Islâmica Enquanto isto, na Europa, a Terra voltava a ser considerada redonda e o
• a nona, ou esfera cristalina, era a residência dos santos.
universo era mais uma vez geocêntrico.
• acima de tudo, na esfera número dez, estava a residência de Deus Todo
Pela preservação e transmissão do conhecimento antigo, que no fim das
Poderoso, chamada Paraíso ou o Firmamento.
contas despertou de novo a Europa, o mundo moderno possui uma grande
• esta teoria de cosmologia tendeu a ser cada vez mais aceita como fato. dívida com o Império Islâmico.

As teorias de Ptolomeus e Aristóteles dominaram a astronomia/cosmolo-


A CIÊNCIA DOS ÁRABES
gia por aproximadamente 14 séculos. O sucesso do universo Ptolomaico-Aris-
O segundo califa de Abbasid, no período de 754 a 775 foi Abu Ja’far Ab-
totélico deve-se a:
dallah ibn Muhammad al-Mansur (712 – 775), ou simplesmente Al-Mansur.
No ano 773, Al-Mansur recebeu um hindu erudito, um astrônomo chama-
• a beleza intrínseca de seus conceitos e ao fato de estarem em acordo
do Mankha, que era capaz de falar sobre os céus como se fosse a reminiscência
com as filosofias da época.
de uma viagem pessoal.
Califa de Abbasid.
• eram amplamente bem sucedidas em explicar as observações. Lem- Impressionado com os conhecimentos demonstrados por este astrônomo
bre-se que as paralaxes das estrelas ainda não eram conhecidas e os indiano, Al-Mansur notou que o mundo islâmico poderia estar se prejudican-
telescópios ainda não existiam. do muito ao desprezar o conhecimento acumulado pelas outras civilizações.
• ter sido adotada pela poderosa Igreja Católica durante a Idade Média Quando o astrônomo indiano Mankah presenteou Al-Mansur com uma
que a considerou um dogma. cópia do Siddhanta, revelando ao califa a fonte de seu grande conhecimento,
Al-Mansur ordenou que os astrônomos persas começassem imediatamente a
traduzir este importante texto científico.
A COSMOLOGIA ISLÂMICA Logo os árabes passaram a demonstrar muito interesse pelo conhecimento
recém apresentado dos céus. Isto os estimulou a traduzir os textos gregos ao
No século 7 os árabes saíram de seus desertos e deram início à formação do saberem que estes eram a origem de grande parte do conhecimento incorpo-
grande Império Islâmico. Suas conquistas se estenderam do oceano Atlântico rado ao Siddhanta.
até a Índia. Entre os textos adquiridos no início do século 9 pelos árabes estava o “Ma-
thematike syntaxeos biblia ιγ” de Ptolomeu, o maior texto astronômico até
então escrito. Os árabes mais tarde deram-lhe um novo nome, Almagest. A
data da sua primeira tradução para o árabe foi, provavelmente, o ano 827.
De posse do Almagest, agora traduzido para a sua língua, os árabes tinham
os fundamentos básicos a partir do quais eles poderiam iniciar a sua própria
investigação na ciência astronômica.
Logo os filósofos árabes mostraram seu espírito crítico perante a ciência
grega. Para eles Ptolomeu não devia ser aceito sem questionamento.
O grande matemático e astrônomo Al-Kwarizmi (780-850) recebeu o en-
cargo de verificar e, possivelmente, atualizar o trabalho escrito por Ptolomeu.
Al-Kwarizmi também redigiu as primeiras tabelas estelares em árabe.
Curiosamente, ele o fez usando o sistema indiano de contagem, um sistema
muito superior àquele que os árabes usavam. A matemática árabe, que passou
a incorporar este novo sistema numérico, se tornou tão bem sucedida que o
sistema numérico indiano ficou sendo conhecido como sistema numérico ará-
bico desde aquela época.
Mais tarde, o astrônomo Al-Battani (850-929), também conhecido como
Abattegnius, modificou alguns cálculos de Ptolomeu como, por exemplo, a
verdadeira extensão do ano e a constante de precessão. Seu trabalho foi tradu-
zido em várias línguas européias e se tornou muito popular entre acadêmicos
e cientistas. Al-Battani acreditava que a astronomia só perdia em importância
para a religião.

60  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  61


05
Ulugh Begh, neto do chefe tártaro Tamerlane, compilou um catálogo de al-Haytham criticava muitos dos trabalhos de Ptolomeu, incluindo o “Al-
estrelas no início do século 15. Seu catálogo tinha a precisão de 1/10 do diâ- magesto” e seu livro “Optica”. Segundo al-Haytham alguns dos artifícios
metro da Lua, mostrando a alta qualidade de seus instrumentos, anteriores ao matemáticos introduzidos por Ptolomeu em sua descrição do universo, em
telescópio. O seu observatório ainda está de pé em Samarkand. particular o equante, não satisfaziam as exigências de um movimento circular
uniforme. Em seguida Ibn al-Haytham propôs o primeiro modelo não-pto-
Abu Rayhan al-Biruni lomaico rejeitando os equantes e excêntricos postulados por Ptolomeu, mas Os primeiros
No século XI destaca-se na ciência islâmica Abu Rayhan Muhammad ibn continuando a aceitar seu modelo geocêntrico.
Ahmad al-Biruni (973-1048). Suas grandes contribuições em física, astrono- Durante a Idade Média, os livros de al-Haytham sobre cosmologia foram
sistemas
mia, química e matemática fizeram-no um nome muito conhecido no mundo traduzidos para o latim, hebreu e várias outras línguas. O Professor Abdus heliocêntricos
muçulmano. No entanto, no ocidente suas realizações foram bem menos co- Salam, físico ganhador do Premio Nobel por ser um dos criadores da chama-
nhecidas do que aquelas feitas por muitos de seus contemporâneos. da “Teoria de Glashow-Weinberg-Salam”, declarou considerar Ibn al-Hay-
Biruni escreveu 146 obras científicas das quais 35 eram sobre astronomia, 4 tham “um dos maiores físicos de todos os tempos”. Muitos historiadores o
sobre astrolábios e 15 sobre matemática. Destas somente 22 sobreviveram (das consideram o maior cientista de toda a Idade Média e que seus trabalhos
quais 6 são sobre astronomia). permaneceram insuperados por aproximadamente 600 anos até a época de
Catálogo de estrelas. Destacam-se no trabalho de al-Biruni suas propostas de que a Terra era Johannes Kepler.
uma esfera e que “todas as coisas são atraídas para o centro da Terra”. Ele
também postulou que os dados astronômicos tanto podem ser explicados su- UM RESUMO DA ASTRONOMIA ÁRABE
pondo que a Terra gira diariamente em torno de seu eixo e anualmente em
torno do Sol como supondo a hipótese que o Sol é que gira em torno da Terra.
Al-Biruni foi um dos primeiros cientistas a realizar elaboradas observações • foi o professor hindu de Al-Mansur, o segundo califa de Abbasid
em astronomia. Em 1030 ele discutiu em seu livro “Indica” as teorias heliocên- Mankah século 8 • apresentou o Siddhanta ao califa
tricas propostas por cientistas indianos tais como Aryabhata, Brahmagupta e
Varahamihira. Para al-Biruni a questão do heliocentrismo era um problema • estimulou o apetite árabe pela ciência e a astronomia de outras culturas
filosófico e não matemático.
• verificou e atualizou o Almagest de Ptolomeu
Segundo al-Biruni “A rotação da Terra de modo algum invalida os cálculos
astronômicos pois todos os dados astronômicos são tão explicáveis em termos Al-Kwarizmi 780-850 • redigiu as primeiras tabelas estelares em árabe usando o sistema indiano
de uma teoria como de outra. O problema é, desse modo, de solução difícil.” de contagem
Também foi al-Biruni o primeiro a medir o raio da Terra. Usando méto-
• modificou alguns cálculos de Ptolomeu, incluindo a duração verdadeira
dos trigonométricos ele calculou que o raio terrestre tinha 6339,6 quilômetros Al-Battani 850-929
do ano e a constante de precessão
(apenas 16,8 km menos do que o valor atual). Devemos lembrar que o valor do
raio terrestre só foi obtido no ocidente no século XVI. • desafiou a cosmologia de Ptolomeu mas não pode apresentar uma
Al-Tusi 1201-1279
Al-Biruni foi um grande crítico dos trabalhos de Aristóteles, em particular alternativa satisfatória
de sua cosmologia. Entre muitas outras críticas destaca-se a declaração de al-
Biruni de que não há qualquer razão para supormos que as órbitas dos plane-
tas têm que ser circulares e não elípticas. A COSMOLOGIA NA RENASCENÇA

Ibn al-Haytham O termo “renascença” descreve o período da história européia que vai do
Abu Ali al-Hasan ibn al-Hasan ibn al-Haytham (965-1039), conhecido início do século XIV até o final do século XVI.
também como al-Basri ou pelo nome latinizado de Alhacen, foi um dos gran- O termo “renascença” se originou da palavra italiana “rinascita”, que lite-
Abu Ali al-Hasan ibn al-Hasan ibn al-Haytham des nomes da ciência islâmica. Ele escreveu mais de 200 trabalhos sobre vários ralmente significa “renascer”, e descreve as mudanças radicais que ocorreram
(965-1039) assuntos sendo que 50 destes sobreviveram (23 são sobre astronomia). na cultura européia durante estes séculos. É nesta época que vemos o desapa-
O trabalho mais importante de al-Haytham foi sobre óptica. Seu livro “Ki- recimento da idade média e, pela primeira vez, a incorporação à sociedade dos
tab al-Manazir” (Livro de Óptica), escrito entre 1011 e 1021, é considerado valores do mundo moderno.
como um dos mais importantes tratados de física escritos até hoje por iniciar Neste período vemos a exploração do globo terrestre com as grandes na-
uma revolução na óptica. Neste livro al-Haytham provou que as propostas vegações feitas por portugueses e espanhóis. Vemos também um incrível
de Euclides, Ptolomeus e Aristóteles estavam erradas e desenvolveu a teoria desenvolvimento da expressão artística, com Leonardo da Vinci, Rafael, Ti-
que explica o processo da visão por meio de raios de luz que atingem o olho ciano, Michelangelo e também das ciências com Copérnico, Tycho Brahe,
provenientes de cada ponto de um determinado objeto. Kepler e Galileu.
Os capítulos 15 e 16 do seu livro de óptica tratam da astronomia. Ibn al No entanto, este desenvolvimento não deve ser confundido com liberdade.
-Haytham foi o primeiro a dizer que as “esferas celestes” não consistiam de A Igreja Católica dominava fortemente o pensamento da época. As artes e
matéria sólida como se pensava na época. Ele também propôs que os “céus” a ciência passavam pelo crivo de seus censores. Cientistas como Copérnico
eram menos densos que o ar. e Galileu apresentaram suas ideias, e sofreram por causa delas, nesta época.
Entre os anos 1025 e 1028 Ibn al-Haytham escreveu o livro “Al-Shukuk Alguns como Giordano Bruno foram queimados por apresentarem interpre-
‘ala Batlamyus”, traduzido como “Dúvidas relativas a Ptolomeus”. Nele Ibn tações científicas diferentes daquelas apoiadas pela Igreja Católica.

62  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  63


Entretanto, durante o Renascimento muitas verdades intocáveis são revis- estabelecido anteriormente por Ptolomeus.
tas e destruídas. Até mesmo a autoridade do Papa é contestada por Martinho Copérnico começou então a imaginar se o modelo de Ptolomeus poderia
Lutero (1483-1546), dando origem ao protestantismo. Os ensinamentos de estar realmente correto. Seus estudos revelaram que na antiguidade, entre os
Cristo não possuem mais somente um dono. gregos, haviam teorias rivais sobre os cosmos - incluindo até mesmo aquela
Apesar de tudo isto, a era do renascimento tirou o mundo da apatia e igno- de Aristarchus de Samus que declarava que a Terra se movia em torno do Sol.
rância em que ele havia sido lançado durante a Idade das Trevas. Copernicus ficou intrigado com a noção de um sistema planetário helio-
É importante ter em mente que essas divisões históricas não são muros cêntrico ou seja, centrado no Sol. Testando essa ideia com suas próprias obser-
rígidos em torno de ideias. Na Europa do século XIII, ainda Idade Média, já vações ele encontrou que ela concordava com as evidências observacionais de
havia uma forte insatisfação com a física e a astronomia de Aristóteles e de um modo muito mais simples do que a solução de Ptolomeus.
Ptolomeu. Nos séculos XIII e XIV muitos fatos científicos desconhecidos de Assim, para fugir dos problemas apresentados pelo modelo de Ptolomeus,
Democritus, Aristoteles e tantos outros filósofos naturais já haviam sido acu- Copérnico desenvolveu um modelo heliocêntrico do Sistema Solar. Ao con-
mulados e pediam novos métodos de análise. trário do que é comumente afirmado, Copérnico não tinha observações novas
No entanto, como vimos ao falar da Idade Média, muitos cientistas que e muito mais precisas que exigissem o abandono da velha teoria de Ptolo-
viveram durante a Renascença ainda se apegavam às ideias de Ptolomeus e meus. Foi a atração por uma maior harmonia matemática que o fez procurar
Aristóteles. algo diferente de Ptolomeus. Na opinião de Copérnico, quando Ptolomeus
Um fato que bem demonstra isso ocorreu no começo do século XVII. Um introduziu o movimento em torno do ponto equante em sua teoria, ele violou
clérigo, ao ser convidado para ver as manchas do Sol em um telescópio, de- o princípio de que os corpos celestes deveriam se mover segundo um mo-
clarou: “Bobagem, meu filho. Eu li Aristóteles duas vezes e não encontrei nada vimento circular uniforme. Além disso, na teoria heliocêntrica desenvolvida
Martinho Lutero (1483 - 1546).
sobre isso. Não existem manchas. Elas são apenas resultado de manchas nos por Copérnico vários fenômenos observados ocorriam (quase) naturalmente,
seus óculos ou em seus olhos”. ao contrário do que acontecia na teoria de Ptolomeus onde esses fenômenos
Apesar de tudo isso, a Renascença nos conduziu à “revolução copernicana” sempre precisavam ser ajustados.
e, como consequência, à era moderna da ciência. O modelo heliocêntrico de Copérnico mantinha a noção de movimento
circular perfeito mas, como o seu próprio nome diz, colocava o Sol no centro,
OS GRANDES NOMES DA COSMOLOGIA NA além de estabelecer a ordem correta dos planetas a partir do Sol.
RENASCENÇA O ajuste não era ainda perfeito por que Copernicus ainda supunha que
os planetas se moviam em órbitas circulares - um erro que seria futuramente
Nicolaus Copernicus corrigido por Kepler.
Nicolaus Copérnico nasceu no dia 19 de fevereiro de 1473 em Torun Por volta de 1530 Copernicus começou a circular um manuscrito, conhe-
(Thorn), às margens do rio Vístula, na Polônia, e morreu no dia 24 de maio de cido como
1543 em Frauenburg.
Seu nome verdadeiro, polonês, era Nikolas Kopernig ou Niklos Kopper- Commentariolus
nigk. O nome Nicolaus Copernicus é seu nome latino. Em português o nome que dava um esboço de suas ideias (existe a dúvida se o livro Comentario-
usado é Nicolau Copérnico. lus foi escrito em 1530 ou em maio de 1514). Seu conteúdo era uma breve intro-
Ele estudou matemática e astronomia na Universidade de Crácovia, dução seguida de sete axiomas ou postulados e os capítulos com os títulos “A
na Polônia, mas abandonou a Universidade em 1494 sem ter obtido o grau ordem das esferas”, “Os movimentos aparentes do Sol”, “Os movimentos uni-
acadêmico. formes não devem se referir aos equinócios mas sim às estrelas fixas”, “A Lua”,
Copérnico viajou para a Itália onde estudou leis canônicas, medicina, filo- “Os três planetas superiores: Saturno, Júpiter e Marte”, “Vênus” e “Mercúrio”.
sofia e leis. Os cientistas da época mostraram interesse por “Comentariolus”, embora
Quando terminou sua educação formal e assumiu compromissos de tra- sem a oposição apaixonada encontrada por Galileu no século seguinte.
balho como cônego residente na catedral de Fraunberg, no Báltico, em 1512, Copernicus então começou a fazer planos para uma edição impressa de
Copérnico era matemático, astrônomo, jurista e médico. todo o seu trabalho.
O modelo proposto por Copernicus, um grande tratado matemático, ficou
A astronomia de Copérnico pronto em 1530 mas só foi publicado em 1543, ano de sua morte, em um livro
Como quase todo astrônomo de sua época, Copérnico também estava in- chamado
Nicolaus Copérnico (1473 - 1543).
teressado nas esferas celestiais. Ele adquiriu este interesse em 1497 quando era
estudante na Itália e se tornou amigo e assistente de um astrônomo de Ferrara. De Revolutionibus Orbium Coelestium
A principal preocupação de Copernicus era com as órbitas dos planetas. O cujo nome quer dizer “Sobre as Revolução das Esferas Celestes”.
modelo dominante até então, o sistema proposto por Ptolomeus, era razoavel- A tradição diz que o velho homem, que havia sofrido um derrame cerebral
mente satisfatório quando usado para justificar as observações. No entanto, na em 1542 e estava desde então acamado, agora com setenta anos, viu a primeira
época de Copérnico o modelo proposto por Ptolomeus já não era mais capaz cópia do livro em seu leito de morte. Dizem que o livro tinha um prefácio não
de reproduzir as posições planetárias que haviam sido observadas. À medida autorizado assinado por Osiander no qual ele procurava aplacar as críticas
que Copernicus observava e registrava as posições dos planetas no céu, ele se feitas pelo meio eclesiástico.
deparava com a necessidade de fazer ajustes ainda mais detalhados às já com- Ao contrário do que é comumente repetido, Copernicus não provou que a
plexas contorções impostas sobre os “astros errantes” (os planetas) no sistema Terra se move em círculo em torno do Sol. Ele postulou isto citando um su-

64  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  65


posto antigo axioma da física que dizia que “nada infinito pode ser movido” e planeta não recua ao longo de sua trajetória. O que acontece é que a projeção
daí concluiu que os céus deveriam estar em repouso. Ele também argumentou do seu movimento sobre a esfera celeste reproduz um aparente movimento
que a imobilidade era mais nobre e mais divina do que a instabilidade e, deste retrógrado como podemos ver na animação abaixo.
modo, ela deveria pertencer ao céu e não à Terra. Em momento algum Coper- Em 1616 o trabalho de Copernicus “De Revolutionibus” foi banido pela
nicus prova, em seu livro, que a Terra gira em torno do Sol. igreja católica como heresia. O mapa abaixo mostra os locais onde em, 1620, a
Copernicus também faz uso de epiciclos para explicar o movimento dos proibição havia afetado a distribuição deste texto científico.
planetas, exceto Mercúrio, para o qual ele, do mesmo modo que Ptolomeu,
precisou desenvolver uma teoria mais complicada. Thomas Digges
Muitos livros repetem que Copernicus é o começo de uma nova era na No ano da morte de Copernicus nasceu na Inglaterra o astrônomo e mate-
ciência, que o seu trabalho inicia a astronomia científica. No entanto, se for- mático Thomas Digges (1543-1595). Comparação do modelo cosmológico de Ptolomeu
mos olhar para detalhes mais técnicos ao escrevermos uma história da ciên- Digges escreveu um trabalho popular chamado “A Perfit Description of com o de Copernicus.
cia, Copernicus ocupará o lugar de último dos velhos astrônomos ao invés de the Caelestiall Orbes”. Este texto foi publicado pela primeira vez em 1576 e seu
primeiro dos novos astrônomos. Para historiadores como Hugh Thurston, o objetivo era explicar o modelo de Copernicus.
primeiro grande cientista da nova era científica foi Johannes Kepler. No entanto Digges introduziu uma importante modificação no sistema
Esta é a página inicial da primeira edição do livro “De Revolutionibus” de universal de Copernicus.
Copernicus. Ela pertenceu a Johannes Kepler e mostra um poema introdutó- No mundo antigo e medieval, o universo (que era a porção visível do céu)
rio, traduzido por Kepler e assinado com as suas iniciais. era suposto ser limitado por uma esfera mais externa que continha todas as es-
Esta é a página título do “De Revolutionibus” onde vemos uma inscrição de trelas. Essa esfera estrelada mais externa era simplesmente uma região do céu,
Rheticus para o seu amigo Andrew Aurifaber. O parágrafo central desempe- centrada na Terra, como mostra a figura abaixo extraída de um livro editado
nha o papel da moderna lombada de livro, pedindo que os leitores comprem, em 1566 por Leonard Digges.
leiam e aproveitem. Este volume, que pertence a Harrison Horblit, já foi a lei- Seu filho, Thomas Digges acreditava que a teoria heliocêntrica de Coperni-
lão duas vezes tendo sido comprado por 400000 dólares. cus estava certa. Baseado nisso ele reconheceu que essa esfera de estrelas não
Esta é a famosa passagem no manuscrito de Copernicus para o seu livro era logicamente necessária em um universo onde a Terra tinha um movimento
“De Revolutionibus” onde ele elimina uma seção sobre Aristarcos um pouco de rotação. Ele então preferiu remover a borda externa do modelo e dispersou
antes da sua publicação. as estrelas fixas por todo o espaço não limitado. Seu desenho, agora centrado
Esta é a página do manuscrito original de Copernicus onde ele desenhou no Sol mostra as estrelas espalhadas por um espaço vasto e aberto. Este dese-
o seu sistema heliocêntrico. O Sol está no centro circundado por Mercúrio nho foi adicionado por ele como parte de um apêndice do livro de seu pai.
(Merc), Vênus (Veneris), Terra (Telluris), Marte (Martis), Júpiter (Jovis), Satur- Mostramos abaixo o texto incluído na figura de modo mais claro.
no (Saturnus) e as estrelas fixas. Este manuscrito está na biblioteca da Univer- Note que no diagrama acima Digges coloca as estrelas dispostas por toda
sidade de Cracow, na Polônia. a página, tanto acima como abaixo da linha que Copernicus usou para repre-
Entre os pontos que Copernicus propôs em seu livro “De Revolutionibus sentar a ultima sphera mundi.
Orbium Coelestium” estão:

• o Sol é o centro do Sistema Solar


• a Terra e os planetas descrevem órbitas circulares em torno do Sol
• o dia e a noite são o resultado da rotação da Terra em torno de seu eixo
• Mercúrio e Vênus estão mais próximos ao Sol do que a Terra
• somente 3 movimentos da Terra são necessários
▶▶ rotação diária em torno de seu eixo
▶▶ revolução anual em torno do Sol
▶▶ oscilação ou libração da Terra em torno do seu eixo, explicando a
precessão dos equinócios.

Note que Copernicus coloca os planetas visíveis a olho nu na sequência cor-


reta a partir do Sol ou seja, Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter e Saturno.
Embora Copernicus não fosse um observador, ele tem o mérito de ter pro-
movido o sistema heliocêntrico, isto é o sistema no qual o movimento da Terra
e dos planetas é realizado em órbita em torno de um Sol fixo.
Copernicus reconheceu que, ao supor que os planetas estão em órbita em
torno do Sol em vez de estarem em órbita em torno da Terra, ele poderia fa-
cilmente explicar o movimento retrógrado observado em alguns planetas tal
como Marte.
O movimento retrógrado não é um movimento real mas sim um movi-
mento aparente. Ele ocorre devido à diferença nas velocidades dos planetas. O

66  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  67


No entanto, Digges está o tempo todo dominado pela concepção religiosa de • Spaccio de la bestia trionfante (1584)
um “céu” situado no espaço. O texto que Digges acrescenta a esta figura diz que: • De gli eroici furori (1585)
• De minimo (1591)
O orbe das estrelas fixas se estende esfericamente na • De monade (1591)
• De immenso et innumerabilis (1591)
altitude infinitamente para o alto e [é] por consequência
imóvel. Em 1584 Giordano Bruno escreveu seus mais importantes trabalhos. No
seu livro “La Cena de le Ceneri” Giordano Bruno apresenta a melhor dis-
Sua religiosidade se manifesta quando ele diz que este orbe é: cussão e refutação, escrita antes de Galileu, das objeções clássicas, sejam elas
aristotélicas ou ptolomaicas, contra o movimento da Terra. Neste texto ele
o palácio da felicidade, adornado de inumeráveis defendia com ardor a teoria heliocêntrica.
No seu livro “De l’infinito, universo e mondi” ele afirma de maneira preci-
luzeiros gloriosos, resplendendo perpetuamente e
sa, resoluta e consciente que o espaço é infinito. Ele também tem a ousadia de
ultrapassando de longe em excelência nosso Sol, tanto afirmar que movimento e mutação são sinais de perfeição e não de ausência de
em quantidade quanto em qualidade. perfeição. Um universo imutável seria um universo morto. Um universo vivo
tem de ser capaz de mover-se e de se modificar.
Ele também acrescenta que o orbe é: Segundo Bruno como poderia o espaço “vazio” deixar de ser uniforme ou
vice-versa, como poderia o “vazio” uniforme deixar de ser ilimitado e infinito?
a corte do grande Deus, a habitação dos eleitos e dos Do ponto de vista de Bruno a concepção aristotélica de um espaço fechado no
interior do mundo é não só falsa como absurda.
anjos celestes. Neste livro Giordano também afirma que o universo contém um número
infinito de mundos habitados por seres inteligentes.
Vemos, portanto, que Thomas Digges não descreve um céu astronômico
As afirmações de Giordano Bruno eram avançadas demais para a época
mas sim teológico.
em que ele vivia. Ao contrário de Digges, Giordano Bruno não imergiu os
corpos celestes nos céus da teologia: ele nada nos fala sobre anjos e santos. Isso
Giordano Bruno era demais para ser tolerado.
Giordano Bruno nasceu em Nola, perto de Napoles, Itália. Ele tornou-se Em 1591 Giordano Bruno mudou-se para Veneza onde foi preso pela In-
religioso dominicano e estudou a filosofia aristotélica. Atraído pelo pensa- quisição e julgado. Devido às suas declarações Giordano Bruno foi enviado
mento não ortodoxo, Giordano Bruno logo teve que deixar Napoles, em 1576, para Roma, para um segundo julgamento, onde permaneceu preso em uma
e Roma, em 1577, para escapar da Inquisição. cadeia eclesiástica e foi continuamente interrogado até o ano 1600. Após ter
Ele foi então para a França, onde viveu até 1583. Depois mudou-se para sido torturado, e bravamente ter se recusado a se retratar das ideias que propa-
Londres onde permaneceu até 1585. gava, Giordano Bruno foi queimado vivo em uma praça pública no ano 1600
Bruno estava vivendo em Londres quando conheceu o livro de Thomas em Roma, Itália.
Digges. Ele prontamente adotou as ideias ali contidas, que falavam de um uni-
verso sem contorno, e voltou sua atenção para a conclusão lógica, previamente
Tycho Brahe
mostrada por Nicholas de Cusa, de que o universo também não possui centro.
Também chamado Tyge Brahe, este astrônomo dinamarquês, descendente
Giordano Bruno procurou desenvolver os ensinamentos de Copernicus de
de família nobre, nasceu no dia 14 de dezembro de 1546 em Knudstemp (Scho-
uma maneira filosófica. Seu maior trabalho foi divulgar, com veemência, essas
nen) e morreu no dia 24 de outubro de 1601 em Praga.
ideias. Giordano foi um forte crítico das doutrinas de Aristóteles e Ptolomeus
Tycho Brahe é lembrado principalmente por suas meticulosas observações,
tornando-se um dos grandes defensores das teorias de Democritus e Epicurus.
feitas com instrumentos que ele mesmo desenhou antes do surgimento do
Ele rejeitava os ensinamentos de Aristóteles que diziam que o universo era
telescópio.
finito. Ele também criticava a ideia de que havia um centro absolutamente
Tycho Brahe observou uma supernova em 1572 tendo publicado um livro
determinado no universo
sobre este fenômeno em 1573, com o nome “De Nova Stella”, onde mostrava
Giordano Bruno (1548 - 1600). Giordano Bruno deve ser considerado o principal representante da doutri-
suas observações e concluía que as próprias estrelas podiam mudar. As medi-
na do Universo descentralizado, infinito e infinitamente povoado. Ele não só
ções dos brilhos da supernova que ele obteve mostraram, claramente, que ela
a apregoou em toda a Europa Ocidental com o fervor de um evangelista como Tycho Brahe (1546 - 1601).
era um objeto variável.
foi o primeiro a formular sistematicamente as razões pelas quais ela, mais tar-
Nota-se que Brahe hesitou muito em escrever este livro porque, naquela
de, foi aceita pela opinião pública.
época, era considerado impróprio um nobre escrever livros.
Giordano Bruno escreveu vários livros:
Em 1576, o rei Frederick II da Dinamarca cedeu a Tycho Brahe uma ilha in-
teira a leste de Copenhagen, chamada Hven (ou Hveen). Esta ilha atualmente
• Candelaio (1582)
pertence à Suécia e tem o nome de Ven.
• De umbris idearum (1582)
Brahe construiu nesta ilha, para ele mesmo, um observatório sob enco-
• Cena de le Ceneri (1584)
menda, o observatório de Uraniborg onde realizou suas primeiras observa-
• De la causa, principio e uno (1584)
ções com os instrumentos que ele mesmo fabricava.
• De l’infinito, universo e mondi (1584)
68  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  69
Brahe gastou 20 anos de sua vida realizando observações astronômicas em A COSMOLOGIA DE TYCHO BRAHE
Uranienborg. Mais tarde, ele construiu um outro observatório, o Stjerneborg.
Estes são os observatórios astronômicos construídos por Tycho Brahe, As medições das posições planetárias feitas por Tycho Brahe estavam em
o observatório Uraniborg (a esquerda) e o observatório Stjarneborg (a desacordo com o modelo de Ptolomeus.
direita). Na imagem do observatório Stjarneborg, palavra que significa Baseado nisto Brahe, que já era conhecido em toda a Europa, desenvolveu o
“castelo das estrelas”, podemos ver vários tipos de instrumentos usados seu próprio modelo do Sistema Solar no qual o Sol e a Lua estavam em órbita em
naquela época. Stjarneborg e Uranienborg, ambos situados na ilha Hven, torno da Terra, mas os planetas restantes estavam em órbita em torno do Sol.
foram os mais avançados observatórios da época que antecedeu à desco- A imagem acima é uma versão simplificada do modelo para o cosmos feito
berta do telescópio. por Tycho Brahe. O Sol se move em torno da Terra e todos os planetas circu-
É muito importante destacar que estamos falando de observações feitas lam ao redor do Sol.
antes da descoberta do telescópio, que só ocorreu em 1609. Como então essas Na verdade o modelo de Tycho Brahe era uma modificação geocêntrica do
observações eram feitas? Outros instrumentos eram utilizados e alguns deles modelo de Copérnico. Seu sistema era inteiramente equivalente ao sistema
são mostrados abaixo. de Copérnico, no sentido de que os movimentos relativos de todos os corpos
A imagem colorida acima mostra o observatório de Tycho em Uraniborg, celestes (exceto as estrelas) são os mesmos nos dois sistemas.
Dinamarca, em 1587. Aqui Tycho é visto mostrando o quadrante mural, isto Esta imagem, desenhada sem escala, mostra detalhes do sistema de Tycho
é, um grande quarto de círculo sobre uma parede, que ele usava para medir as Brahe.
altitudes nas quais as estrelas e os planetas cruzavam o meridiano. O obser- O cometa de 1577 também aparece nesta ilustração reproduzida do livro
vador está à direita do centro enquanto que a luz entra pela janela estreita na de Tycho sobre aquele cometa, publicado em 1588, onde o sistema solar está
parte superior esquerda. Vários instrumentos são mostrados nos nichos que totalmente registrado. Aliás, foi a observação desse cometa, que cruzou as “or-
estão ao fundo. bes” planetárias (as esferas celestes onde estavam os planetas), que o levou a
Este é um outro instrumento usado pelos astrônomos da época. É a armi- concluir que “a estrutura do céu era muito fluida e simples”. Tycho se opôs à
lária equatorial de Tycho, com um círculo de declinação com 2,90 metros de visão de outros filósofos que dividiam o céu em “várias orbes feitas de matéria
diâmetro. dura e impenetrável”.
Este é o grande sextante que Tycho Brahe construiu e usava em suas ob- A imagem abaixo compara os modelos cosmológicos de Ptolomeu, Coper-
servações. Este equipamento não tem qualquer relação com o instrumento nico e Tycho Brahe.
moderno de navegação que conhecemos com o nome de sextante. Na verdade, Embora a cosmologia de Tycho Brahe tenha sido logo esquecida, sua gran-
o equipamento de Tycho Brahe correspondia a 1/6 de um círculo, daí o seu de reputação atual resulta do fato dele ter fornecido as bases observacionais
nome “sextante”, que era conectado a um pedestal por uma junta universal que permitiram Kepler desenvolver a sua pesquisa.
que permitia que ele girasse em qualquer direção.
Usando esses equipamentos Tycho Brahe observou, em 1577, um cometa.
As medições de paralaxe feitas por ele demonstraram que estes objetos esta-
vam além da Lua. Brahe começou a escrever um livro sobre este cometa mas
nunca o terminou.
A natureza agressiva de Tycho o levou a duelar e, como resultado disto, ele
perdeu parte do seu nariz. A prótese escolhida por ele foi um nariz de prata.
Este seu temperamento, no fim das contas, colocou-o em desgraça.
Em 1596 Tycho Brahe teve uma polêmica com o rei sobre questões reli-
giosas. Como consequência, o generoso fundo dado pelo governo foi cortado
pelo sucessor do rei Frederick II. Aborrecido com isso Tycho aceitou o convite
feito pelo imperador Rudolf II que morava no castelo de Benatky, na Boêmia,
próximo a Praga, República Tcheca. Tycho então se transfere, com seus instru-
mentos, para a corte de Rudolph II, em Praga, em 1599, onde ele passaria suas
observações para Johannes Kepler.
Curiosamente, durante os anos de 1600 dois dos mais importantes astrô-
nomos europeus, refugiados, foram convidados do imperador Rudolph II. O
mais velho deles foi Tycho Brahe. O outro era Johannes Kepler.
Tycho Brahe foi talvez o maior observador de todos os tempos. Ele desen-
Johannes Kepler
Johannes Kepler nasceu no dia 27 de dezembro de 1571 em Weil (Wurttem-
volveu novos instrumentos e novas técnicas para realizar observações.
berg), na Alemanha, e morreu no dia 15 de novembro de 1630 em Ratisbona.
Kepler usou as observações de Tycho Brahe para deduzir as suas leis das
Ele foi um dos mais importantes cientistas do seu tempo e pode-se dizer
órbitas planetárias. Foi a precisão das observações de Brahe que permitiram
que, sem os seus trabalhos, a física desenvolvida posteriormente por Newton
que Kepler determinasse corretamente que as órbitas dos planetas são elipses
talvez não existisse.
com o Sol em um dos focos.
Kepler era matemático e místico, interessado principalmente nas relações
numéricas entre os objetos do Universo. Ele descreveu a sua busca pela ciência
como um desejo de conhecer a mente de Deus.
70  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  71
Kepler logo se convenceu de que Copernicus tinha razão. No entanto, suas Embora Kepler pudesse ter obtido resultados quase coincidentes aos dados
primeiras tentativas de criar um modelo que descrevesse os movimentos dos experimentais de Tycho Brahe se tivesse usado órbitas circulares perfeitas, era
planetas baseou-se fortemente na ideia aristotélica de que eles deveriam se tanta a confiança que ele tinha nos dados observacionais de Brahe que con-
mover sobre esferas. Ele também deixou-se levar pela geometria de Platão e a tinuou a insistir nos cálculos até conseguir igualar a precisão anteriormente
mistura dessas ideias fez com que Kepler desenvolvesse um estranho modelo obtida por Brahe.
para o Sistema Solar. Com as informações que Tycho Brahe reuniu ao longo de tantos anos sobre
Segundo Kepler os seis planetas conhecidos na sua época (Mercúrio, Vê- os movimentos planetários, junto com suas próprias observações contínuas,
nus, terra, Marte, Júpiter e Saturno) moviam-se sobre a superfície de esferas Kepler estava agora em condições de publicar - em Praga - suas mais signifi-
e isso deveria ser casado com os cinco sólidos perfeitos destacados por Platão cantes descobertas. Em 1609 Johanes Kepler publicou seu livro
(cubo, tetraedro, octaedro, icosaedro e dodecaedro). Para ele os tamanhos
relativos das esferas sobre as quais os planetas se moviam eram obtidos da Astronomia nova aitologetos
seguinte maneira: Um vasto volume de quase 400 páginas, onde ele apresentava uma das
maiores revoluções na astronomia. Neste livro Kepler revelava ao mundo cien-
• em volta da esfera cristalina sobre a qual a Terra se move devemos tífico duas importantíssimas leis relacionadas com o movimento planetário: a
colocar um dodecaedro. lei das órbitas elípticas e a lei das áreas. Sua Astronomia nova apresenta a afir-
mação correta e radical de que os planetas se movem em órbitas elípticas em
• Marte se moverá sobre uma esfera colocada em torno deste dodecaedro.
vez de circulares. Com isso ele removia a última anomalia existente no modelo
• coloque um tetraedro em torno da esfera cristalina sobre a qual Marte heliocêntrico de Copernicus. O modelo proposto por Copernicus passava a ser
se desloca e envolva-a por uma outra esfera cristalina. Esta é a órbita agora, inequivocamente, uma explicação mais simples dos fenômenos obser-
de Júpiter. vados do que a versão de Ptolomeus.
• em torno da esfera cristalina sobre a qual Júpiter se desloca coloque A chamada terceira lei do movimento planetário, a lei que relaciona o perí-
Johannes Kepler (1571 - 1630). Imagem 1.
um cubo. Circunde-o com uma esfera cristalina. Sobre ela Saturno se odo orbital com as distâncias, foi publicada em outro livro de Kepler, editado
move. em 1619 com o título

• coloque um icosaedro dentro da esfera cristalina que determina a ór-


Harmonice mundi
bita da Terra. Vênus irá se deslocar sobre uma esfera cristalina contida
Resumindo, Kepler desenvolveu três regras matemáticas que eram capazes
dentro desse icosaedro.
de descrever as órbitas dos planetas. Segundo Kepler
• coloque um octaedro dentro da esfera cristalina que determina a ór-
bita de Vênus. Mercúrio irá se mover sobre a esfera cristalina que está • as órbitas dos planetas são elipses onde o Sol ocupa um dos focos (ima-
dentro do octaedro. gem 1).
• os planetas percorrem áreas iguais da sua órbita em intervalos de tem-
Vemos, portanto, que Kepler ordenou os sólidos de Platão segundo a sequ- pos iguais (imagem 2).
ência octaedro, icosaedro, dodecaedro, tetraedro e hexaedro (cubo).
• o quadrado do período orbital é proporcional ao cubo das distâncias
Kepler gastou 20 anos de sua vida tentando fazer esse modelo funcionar
planetárias medidas a partir do Sol (imagem 3).
e, obviamente, não conseguiu. No entanto este trabalho fez com que ele fosse
reconhecido como cientista. Imagem 2.
Os problemas religiosos que nessa época existiam por toda a Europa fi- As consequências do trabalho de Kepler
zeram com que Kepler, por ser protestante, fosse expulso da universidade no É muito interessante verificar o que estas leis modificam na astronomia
ano 1600. Ele foi obrigado a deixar seu posto de pesquisador em Graz, Áustria. antiga.
A pedido de Tycho Brahe, Kepler foi convidado pelo imperador Rudolf II, A primeira lei de Kepler elimina o movimento circular que tinha sido acei-
da Boêmia, para trabalhar com ele. Mais jovem do que Tycho Brahe, Kepler to durante 2000 anos.
foi para Praga trabalhar com este grande observador. Isso foi fundamental A segunda lei de Kepler substitui a ideia de que os planetas se movem com
para ele que agora tinha à sua disposição os preciosos dados observacionais velocidades uniformes em torno de suas órbitas pela observação empírica de
Modelo geométrico do Sistema Solar desenvolvido de Tycho Brahe. que os planetas se movem mais rapidamente quando estão mais próximos do
por Kepler. Tycho Brahe, após convidar Kepler em 1600 para realizar suas pesquisas Sol e mais lentamente quando estão mais afastados.
em Praga, morreu no ano seguinte. Kepler herdou seus instrumentos e os re- A terceira lei de Kepler é precursora da Lei da Gravitação que seria desen-
sultados detalhados de uma vida inteira de observações. volvida por Newton na parte final do século 17.
Em 1602-1603 Kepler editou e publicou o trabalho de Tycho, Astronomiae Além disso, de modo bastante óbvio, as três leis de Kepler exigem que o Sol
instauratae progymnasmata (“Começo de uma nova astronomia”). Esse livro esteja no centro do Sistema Solar, em contradição com a ideia de Aristóteles.
dava a posição precisa de 777 estrelas.
A astronomia muda para sempre Imagem 3.

As leis de Kepler Mais importante do que descrever órbitas ou posições de planetas, as leis
Usando as observações de alta qualidade, sem precedente, de Tycho Brahe, de Kepler são, na verdade, consequências de princípios muito mais fundamen-
Kepler pode fazer cálculos altamente precisos das órbitas planetárias. tais. Quando as leis de Newton, que descrevem o movimento dos corpos e a

72  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  73


gravitação são aplicadas aos sistemas planetários, elas se reduzem às leis de Em um ano Galileo melhorou tanto seu telescópio que agora tinha à sua
Kepler. Deste modo, a astronomia e a física passaram a ser ligadas para sempre. disposição um instrumento capaz de aumentar 30 vezes. Usando estes teles-
Os trabalhos de Kepler iniciam uma nova era. A partir de Galileu, o uso dos cópios que ele mesmo projetava e construía, Galileo, durante o ano de 1610,
telescópios foi se tornando uma necessidade cada vez maior na astronomia. fez algumas surpreendentes descobertas astronômicas, algumas delas com
Equipamentos cada vez mais poderosos passaram a revelar os mais incríveis enormes consequências filosóficas.
segredos guardados há milhares de anos no céu. Com o uso dos telescópios, Uma das mais importantes decorrências de suas observações foi o fato de
e com a fusão entre a astronomia e a física, a astronomia nunca mais seria Galileo ter notado que para qualquer parte do céu que ele olhasse com o seu
a mesma. telescópio, ele via mais e mais estrelas. Isto refutava a ideia de Aristóteles de
que o céu continha somente um certo número de estrelas e que este número
Galileo Galilei conhecido não poderia ser mudado.
Galileo nasceu no dia 18 de fevereiro de 1564 em Pisa, Itália, e morreu no
dia 8 de janeiro de 1642 em Arcetri. O “Siderius Nuncius”
A imagem ao lado, é uma pintura de Galileo feita por Domenico Robusti, No dia 12 de março de 1610 Galileo publicou um relatório geral de suas
Galileo Galilei (1564 - 1642). filho do grande pintor Tintoretto, em 1605-1607, quando Galileo tinha cerca observações. O texto tinha o título “Siderius Nuncius” (O Mensageiro Sideral)
de 42 anos e vivia em Pádua. onde ele descrevia suas primeiras descobertas com o telescópio.
Pela sua maneira de ver a ciência e pelos trabalhos apresentados Galileo é A página título do Siderius Nuncius de Galileo anuncia ele mesmo como
considerado por vários historiadores como o primeiro “cientista moderno”. um florentino que ensina em Padua e que recentemente usou um “perpi-
Foi Galileo que argumentou que a matemática, ao invés de ser uma perfei- cillium” para examinar a Lua, as estrelas fixas, e a Via Láctea e descobrir as
ção, é a verdadeira linguagem da ciência. quatro “estrelas Mediceanas” (“Medicea Sidera”) que se movem em torno de
As ideias de Copernicus, lançadas em 1543, permaneciam como teoria. Júpiter com “surpreendente velocidade”.
Elas ainda não haviam feito qualquer estrago na aceitação ortodoxa da teoria Esse livro trouxe fama imediata para Galileo. Sua publicação fez com que
de Ptolomeu. Os mais importantes astrônomos da época já estavam conven- Galileo conseguisse o trabalho que ele procurava na corte do grão-duque Co-
cidos do valor da teoria de Copernicus mas discutiam e desenvolviam o tema simo II de Medice, em Florença (imagem a direita). Ele foi até mesmo bem
em privacidade. A instituição igreja, guardiã da verdade, vigiava atentamente recebido em 1611 na Roma papal.
qualquer tentativa de debate público sobre esses temas. Como haviam quatro irmãos Medice, Galileo considerou chamar os qua-
Esta situação mudaria abruptamente em 1610 quando Galileo descobriu tro satélites de Júpiter que ele havia revelado de “Estrelas Mediceanas”. No
uma firme prova das teses de Copernicus. entanto, ele achou que isto poderia diminuir o impacto sobre Cosimo, o mais
poderoso e mais velho dos quatro irmãos Medice. Galileo decidiu então cha-
Galileo e o telescópio mar os satélites de Júpiter de “Estrelas Cosmicanas” numa alusão a Cosimo.
Na época de Galileo as lentes de vidro já eram conhecidas há cerca de 300 O secretário do duque Cosimo logo alertou Galileo que este nome parecia
anos. A data e o local de sua origem não são claras, mas elas eram usadas por demais com “Estrelas Cósmicas”, o que faria a homenagem perder o sentido.
fabricantes de óculos para corrigir defeitos da visão humana. É bom lembrar Galileo dirigiu-se à gráfica onde o Siderius Nuncius estava sendo impresso e
Imagem da luneta.
que os ópticos daquela época não tinham a menor ideia dos princípios físicos colocou uma pequena fita sobre o texto original, mudando-o para “Estrelas
que poderiam justificar o funcionamento de seus “vidros” e, consequentemen- Mediceanas”.
te, a construção de óculos era feita de um modo puramente experimental. Entre as descobertas reveladas por Galileo no Siderius Nuncius estavam
No verão de 1609, um mensageiro que retornava a Veneza vindo da Holan- as crateras e montanhas na Lua. A partir desta revelação, Galileo notou que a
da contou a um professor de matemática da cidade de Padua, Galileo Galilei, Terra não era tão diferente dos objetos celestes.
que um holandês havia inventado recentemente um aparelho que fazia objetos A descoberta de montanhas na Lua mostrava que o nosso satélite era pare-
distantes ficarem mais próximos. cido com a Terra e não tinha uma superfície suave e esférica como as ideias de
Galileo imediatamente construiu um telescópio para ele mesmo testar o Aristóteles exigiam para os corpos celestiais perfeitos.
seu princípio. Ele chamou seu primeiro telescópio de “perspicillium”. Já em A Lua, de modo algum, era o globo etéreo de cristal puro imaginado por
1609 Galileo usou-o, pela primeira vez, para estudar os céus. A imagem a es- Aristóteles.
querda mostra dois dos telescópios construídos por Galileo em uma monta- À direita um dos desenhos da Lua apresentados por Galileo no Siderius
gem que inclui uma lente objetiva quebrada. Nuncius.
A imagem a esquerda mostra a lente do maior telescópio feito por Galileo
e que foi acidentalmente quebrada por ele. Galileo montou a lente no centro
deste quadro de marfim.
Astutamente, Galileo construiu uma versão muito melhorada do telescó-
pio e a ofertou ao Doge de Veneza, Itália. Padua era governada por Veneza e o
senado veneziano, muito impressionado, dobrou o salário de Galileo, confir-
mando-o em seu posto para toda a vida.
Agora, com uma situação financeira bem definida, Galileo se estabeleceu
em Padua e passou a fazer uso sério do novo instrumento apontando-o para
o céu noturno.

74  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  75


Galileu observa os satélites de Júpiter • quando Vênus está “cheio”, nós não podemos vê-lo porque o Sol está
Galileo tinha muito cuidado com suas observações e desde o início do uso no caminho.
do telescópio procurou registrar o que estava vendo. • à medida que Vênus “mingua” a partir da fase “cheia” ele se torna
A imagem a esquerda é a representação das estrelas na vizinhança do cin- maior porque está se aproximando da Terra.
turão e da espada de Orion feita por Galileo e publicada no seu texto “Siderius
Nuncius” (O Mensageiro Sideral). • quando ele está mais próximo de nós não podemos vê-lo porque ne-
Galileo também descobriu os quatro maiores satélites de Júpiter, agora nhuma luz é refletida na nossa direção.
chamados satélites galileanos, e que são Io, Europa, Calisto e Ganimedes. Como era costume naquela época, no início de dezembro de 1610, Galileo
Ele notou que o comportamento orbital desses pequenos objetos era aquele enviou a Giuliano de Medici, irmão do grão-duque Cosimo de Medici, um
previsto anteriormente por Copérnico. anagrama contendo uma informação chave sobre as fases de Vênus. No dia do
A imagem a direita mostra as anotações de Galileo, onde vemos a disposi- ano novo de 1611, Galileo decifrou o anagrama para Giuliano. O anagrama
ção dos satélites de Júpiter observados por ele com o seu telescópio. rearranjado dizia:
O círculo maior representa Júpiter enquanto que as “estrelas” são os
satélites. Cynthiae figuras aemulatur mater amorum
Vê-se claramente que estes satélites estão mudando suas posições continu-
amente próximo ao planeta, o que indica que eles estão girando em torno de ou seja
Júpiter e não são estrelas situadas no fundo celeste.
Entretanto, a primazia de ter sido o primeiro a ver os quatro maiores saté- “A mãe dos amores imita as formas de Cynthia”
lites de Júpiter é disputada pelo alemão Simon Mayr, conhecido como Simon
Marius (1570-1624), que alega ter visto estes objetos em 1605. Foi Simon Ma- Com esta frase Galileo queria dizer que, tal qual a nossa Lua (Cynthia),
rius que deu a esses satélites os nomes que usamos hoje. Vênus apresentava um conjunto completo de fases.
À esquerda mostramos uma página das notas observacionais de Galileo
sobre os satélites de Júpiter apresentada no texto Siderius Nuncius. “Cartas sobre as Manchas Solares”
Ainda mais curioso é o fato de que talvez nenhum dos dois tenha sido o Galileo continuou a pesquisar os céus e, projetando a imagem do Sol sobre
primeiro a ver os satélites de Júpiter. um pedaço de papel, conseguiu observar manchas sobre a superfície do Sol, as
Um antigo registro chinês diz que Kan Te, um astrônomo chinês do século chamadas manchas solares.
4 a.C. fez várias observações de Júpiter. Isto mostrou a Galileo, e a todos os astrônomos e filósofos, que a superfície
Em um de seus livros Kan Te narra que Júpiter parecia ter “uma pequena do Sol era imperfeita, outro duro golpe contra os defensores da cosmologia de
estrela avermelhada associada a ele”. Aristóteles pois acabava com a ideia do Sol perfeito.
Este registro pode indicar que ele estava observando o mais brilhante dos Galileo também notou que o movimento aparente das manchas através do
satélites de Júpiter. disco solar mostrava que o Sol possuía rotação em torno do seu eixo.
Parece que, sob condições de céu muitíssimo especiais, este satélite de Jú- Sentindo-se encorajado a ser mais explícito nas suas ideias, Galileo publi-
piter pode ser visto a olho nu. cou em Roma em 1613 seus resultados em um livro chamado Istoria e dimos-
Se este registro é verdadeiro, Kan Te pode ter notado a existência deste trazioni intorno alle machie solari que significa “Avaliação e evidência das
satélite de Júpiter cerca de 2000 anos antes de Galileo, ou Simon Marius, tê-lo manchas solares”.
feito com a ajuda de um telescópio. Este trabalho estabelece diretamente que o movimento das manchas atra-
vés do Sol prova que Copernicus está correto e Ptolomeus errado. É um duro
Galileo e as fases de Vênus golpe, frontal, contra as teorias de Ptolomeus. Foi neste importante texto que
Uma outra observação importante feita por Galileo, e descrita no Siderius Galileo fez, pela primeira vez por escrito, uma declaração de sua crença no
Nuncius, diz respeito às fases de Vênus. modelo de Copérnico. Isso a Igreja não iria aceitar.
Galileo notou que Vênus possui fases que podem ser facilmente explicadas: A imagem ao lado mostra anotações feitas por Galileo, e apresentadas no
seu livro, onde ele assinala manchas sobre a superfície do Sol.
• Vênus é um planeta inferior. Planetas inferiores são aqueles que estão
mais próximos do Sol do que a Terra, ou seja, são os planetas Mercúrio As descobertas de Galileo versus Ptolomeu
e Vênus. Por estar tão próximo à Terra e situado mais próximo do Sol, Assim como muitos outros cientistas de sua época, Galileo há muito tempo
Vênus possui fases do mesmo modo que a Lua. declarava, particularmente, estar convencido de que o sistema heliocêntrico
• Vênus fica mais próximo da Terra na conjunção inferior do que na de Copernicus era correto. Para ele a tradicional avaliação do universo feita
conjunção superior. Assim, o tamanho angular de Vênus muda à me- por Ptolomeu era uma concepção errada e que já havia sido remendada de-
dida que a distância entre ele e a Terra varia, ficando maior na conjun- mais por outros cientistas à procura de uma solução para os seus inúmeros
ção inferior e menor na conjunção superior. problemas. Ele expressa esta visão em uma carta para Kepler em 1597. O que
ele agora observa refuta, além de qualquer dúvida científica, as teorias de Po-
• do mesmo modo que a Lua, Vênus cresce e mingua visto a partir da lomeus que eram conservadas como relíquias sagradas.
Terra. Focalizando seu telescópio em Júpiter, Galileo viu quatro satélites giran-
do em torno desse planeta. Se Júpiter estivesse fixado a uma esfera de cristal,

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como Ptolomeus afirmava, estes satélites a rachariam. Deste modo, ao contrá- saudável penitência por isto; e averiguações terem sido
rio do que muitos filósofos pensavam, outros objetos no Sistema Solar também
feitas no que diz respeito à verdade, dizemos que o
tinham satélites em órbita em torno deles.
Vênus passava por um intervalo inteiro de fases e Saturno possuía anéis, dito senhor Galilei não abjurou qualquer opinião ou
como ele escreveu no Siderius Nuncius. doutrina dele em nossas mãos nem naquela de qualquer
Ao observar o Sol, Galileo viu manchas que, ao longo de um período de outra pessoa em Roma, muito menos em qualquer
tempo, se moviam através de sua superfície. A implicação evidente era que
o próprio Sol estava girando, não fixado à sua própria esfera de cristal como
outro lugar, no nosso conhecimento; nem ele recebeu
Ptolomeus queria. penitência de qualquer tipo; mas somente foi dito a
As observações de Galileo sugeriram que os céus eram tão “imperfeitos” ele a decisão feita por Sua Santidade e publicada pela
quanto a Terra. Mais ainda, elas o levaram à conclusão de que o modelo de
Sagrada Congregação do Índice, na qual é declarado
Copérnico do Sistema Solar era preferível ao modelo de Ptolomeus.
que a doutrina atribuída a Copernicus, de que a Terra
As ideias de Galileo e a ciência oficial se move em torno do Sol e que o Sol está fixo no centro
Com a publicação do livro Istoria e dimostrazioni intorno alle machie do Universo sem se mover de leste para oeste, é contrária
solari e vendo as afirmações ali contidas, os círculos tradicionais se sentiram
ultrajados.
às Santas Escrituras, e por conseguinte não pode ser
Logo depois da chegada de Galileo a Roma, o Santo Ofício decidiu ponde- defendida ou sustentada.”
rar sobre duas importantes proposições:
Galileo foi forçado a se ocupar pelos próximos sete anos com outros estu-
1. que o Sol é o centro do Universo e, consequentemente, não é alterado dos. Mas em 1623 uma outra chance foi dada a ele.
por qualquer movimento local. Após a eleição do cardeal Barberini à cadeira papal em 1623 como o papa
2. que a Terra não está no centro do Universo nem é sem movimento, Urbano VIII, Galileo decidiu testar, de novo, a disposição da igreja no que diz Declaração do cardeal Bellarmino.
mas se move como um todo, e também tem movimento diurno. respeito à teoria de Copernicus.
Naquele ano ele publicou “O Ensaiador” e o dedicou ao papa Urbano, que,
No dia 24 de fevereiro de 1616 a primeira proposição foi declarada “formal- dizem, ficou muito agradecido pela dedicatória.
mente herética” e a segunda “errônea na fé”. Então, em abril de 1624, Galileo foi para Roma, tendo sido calorosamente
Um decreto papal de 1616 colocou Copernicus e sua teoria no índice de acolhido pelo papa. Embora seus apelos para que o decreto de 1616 fosse revo-
material censurado pela igreja. Não só os trabalhos de Copérnico foram gado tivessem sido recebidos com evasivas, Galileo ficou com a impressão de
censurados, como também o foram todos os outros livros que ensinavam a que o debate sobre a teoria de Copernicus não teria oposição.
mesma doutrina. Na verdade o texto “De Revolutionibus” de Copérnico foi O Papa Urbano VIII deu permissão para que Galileo comparasse os siste-
apenas censurado e não banido, em parte devido aos argumentos do cardeal mas de Copernicus e Ptolomeus. No entanto, o Papa estabeleceu uma condi-
Barberini, que mais tarde se tornaria o papa Urbano VIII. ção: nenhuma conclusão deveria ser alcançada quanto a verdade de qualquer
Galileo por ser profundamente religioso e respeitar a Igreja Católica logo uma das teorias uma vez que somente Deus sabe como ele criou o universo.
tomou providências para seguir as recomendações da Sagrada Congregação Assim, em 1624 Galileo começou o seu grande livro, Dialogo sopra i due
do Índice. massimi sistemi del mondo (“Diálogo sobre os dois principais sistemas de
Capítulo 10 do “De Revolutionibus” . A imagem ao lado mostra passagens no texto de Copernicus, pertencente mundos”), que originalmente seria chamado de “Diálogo sobre o fluxo e re-
a Galileo, que foram censuradas por seu próprio punho em 1616 em acordo fluxo das marés”. O trabalho recebeu o novo nome por exigência dos censores
com o que havia sido recomendado pela Sagrada Congregação. Nele vemos uma vez que era bem conhecida a insistência de Galileo de que a sua teoria das
que Galileo cortou a última sentença do capítulo 10 do “De Revolutionibus” marés fornecia uma prova conclusiva da teoria heliocêntrica.
em que estava escrito: “Tão vasto, sem qualquer dúvida, é a divina obra do O “Diálogo” foi terminado em 1630 e depois de muito atraso, causado por
mais excelente Todo Poderoso”. Galileo também mudou o título do capítulo pressões exercidas pelos inimigos de Galileo, foi relutantemente dado a ele o
seguinte de “Sobre a explicação do movimento triplo da Terra” para “Sobre a “imprimatur” da igreja.
hipótese do movimento triplo da Terra e sua explicação”. O livro, escrito em italiano, foi publicado em Florença em fevereiro de
Quanto a Galileo, o cardeal Bellarmino foi instruído pelo papa a adverti-lo 1632. Seu nome era
a abandonar os pontos de vista censurados.
No dia 26 de fevereiro, na presença do Comissariado Geral do Santo Ofí- Dialogo di Galileo Galilei Linceo
cio, o cardeal Bellarmino chamou a atenção de Galileo. Este é o frontispício do “Diálogos Relativos ao Sistema de Dois Mundos”
Galileo obteve do cardeal Bellarmino a seguinte declaração: de Galileo, publicado em 1632, que fez ele ser levado perante a Inquisição
uma vez que ele tinha sido avisado em 1616 a não ensinar a teoria de Coper-
“Nós, Roberto Cardeal Bellarmino, tendo ouvido que nicus. De acordo com as indicações, Copernicus está a direita com Aristóte-
les e Ptolomeus está à esquerda. Entretanto, Copernicus foi desenhado com
é caluniosamente citado que o Senhor Galileo Galilei o rosto de Galileo.
em nossas mãos abjurou e também foi punido com

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Embora Galileu use de subterfúgios no capítulo final de seu livro, como era Inquisidor de Florença que deve publicamente ler
de se esperar, o peso dos argumentos apresentados por ele torna a conclusão
a sentença para toda a sua congregação e mesmo
científica indiscutível: Copernicus estava certo.
Ocorre que as ideias de Galileo estavam em contradição direta com a visão na presença de tantos quanto aqueles que ensinam
do mundo ensinada pela igreja católica. matemática e que ele possa reunir.
O papa Urbano ficou furioso após ser convencido por seus auxiliares de
que Galileo não somente advogava a teoria de Copernicus contra a de Ptolo- A abjuração de Galileo aparece na Livro dos Decretos logo em seguida ao
meus, mas também o tinha enganado ao não informá-lo da existência de uma seu sentenciamento.
proibição supostamente enviada a ele pelo Comissariado Geral em 1616.
Além disso, tudo indica que o papa pode ter sido persuadido por adversá- “Eu não mantenho e não mantive esta opinião de
rios de Galileo de que um dos personagens do “Diálogo”, chamado Simplício
e que era apresentado como um ambulante ligeiramente estúpido, havia sido
Copernicus desde que a ordem foi notificada a mim de
modelado na personalidade do próprio papa. que eu devo abandoná-la; no que resta, eu estou aqui em
Com o livro amplamente aclamado como uma obra prima, e a autoridade suas mãos - façam comigo o que desejarem.”
de Roma enfraquecida, o papa Urbano VIII reagiu com truculência. Quase
Sendo mais uma vez ordenado falar a verdade, caso
imediatamente o livro foi condenado e, em outubro, foi dada a ordem de parar
a sua venda e recolher todas as cópias. O Papa ordenou que a Inquisição in- contrário auxílio seria obtido pela tortura:
vestigasse Galileo como herege. A imagem ao lado é uma pintura que mostra “Eu estou aqui para submeter-me, e eu não tenho
Galileo perante a Inquisição. mantido esta opinião desde que a decisão foi
Em 1633 Galileo foi formalmente interrogado durante 18 dias e no dia 30
Frontispício do “Diálogos Relativos ao Sistema de de abril confessou que sua defesa das teses Copernicanas no livro “Dialogo”
pronunciada, como eu declarei.” Livro dos Decretos.
Dois Mundos” de Galileo. tinham sido fortes demais e se ofereceu para refutá-las no seu próximo li- E uma vez que nada mais poderia ser feito na execução
vro. Mesmo assim, o Papa decidiu que ele deveria ser julgado. Ao lhe serem do decreto, sua assinatura foi obtida, e ele foi enviado de
mostrados os instrumentos de tortura Galileo se retratou. Em uma cerimônia
volta ao seu lugar.
formal da igreja de Santa Maria Sofia Minerva Galileo se arrependeu de seus
erros. A Inquisição o condenou, em 1633, à prisão perpétua por ter mantido “Eu, Galileo Galilei, declaro solenemente como acima.”
a heresia Copernicana. Isto tomou a forma de prisão domiciliar em sua casa
em Sienna, próxima a Florença onde ele passou os anos restantes de sua vida. Galileo realizou várias experiências revolucionárias na mecânica e em ou-
tros campos da física. Entre as suas realizações na mecânica estão:
O Livro dos Decretos da Congregação da Inquisição registra o sentencia-
mento de Galileo em 1633. • desenvolvimento do conceito de inércia, mais tarde refinado por
Newton.
16 JUNHO 1633 • descobriu, entre outras coisas, que os objetos não caiam em taxas di-
Galileo Galilei, pelas razões acima, como decretado ferentes como Aristóteles tinha acreditado. Várias experiências rea-
lizadas com corpos em queda livre demonstraram que a “aceleração
por sua Santidade, deve ser interrogado no que diz
da gravidade” é independente da massa. No entanto, não há qualquer
respeito à acusação, mesmo ameaçado com tortura, e se evidência histórica de que Galileo tenha, realmente, lançado objetos
ele o mantém, proceder a uma abjuração do veemente do alto da torre de Pisa. Ao contrário, tudo indica que suas experiên-
[suspeito de heresia] ante a completa Congregação do cias foram conduzidas com um plano inclinado.

Santo Ofício, sentenciado a aprisionamento ao prazer • também deve-se a Galileo a primeira teoria da relatividade, válida para
Sentenciamento de Galileo. velocidades muito menores do que a velocidade da luz. As transforma-
da Santa Congregação, ordenado, tanto na escrita ou
ções nesta teoria são conhecidas como “transformações galileanas” e
falando, a não tratar mais de qualquer maneira da relacionam as coordenadas espaciais e temporais de dois referenciais
mobilidade da Terra ou a estabilidade do Sol; ou caso que possuem uma velocidade relativa constante.
contrário ele sofrerá a punição de reincidência. O livro
realmente escrito por ele, cujo título é “Dialogo di Galileo Em 1638 Galileo ficou totalmente cego e o resto de sua vida foi gasto com
estudantes, incluindo Vincenzio Viviani e Evangelista Torricelli, e seu filho
Galilei Linceo”, deve ser proibido. Além disso, que estas
Vincenzio além de uma ampla correspondência científica.
coisas possam ser conhecidas por todos, ele ordenou A Inquisição impediu Galileo de publicar, no entanto ele continuava a es-
que cópias da sentença precedente devam ser enviadas crever. Seus assistentes salvaram dos censores seu último trabalho, o Discorsi,
Arcetri , próximo a Florença.
a todos os Núncios Apostólicos, a todos os inquisidores a culminação das pesquisas de uma vida sobre as leis da mecânica. Publicado
em Leiden em 1638 ele se tornou a pedra fundamental sobre a qual as ciências
contra a depravação herética, e especialmente ao da física, astronomia e cosmologia iriam se erguer.

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06
Galileo morreu em Arcetri (imagem anterior), próximo a Florença, no dia MEDINDO A DISTÂNCIA AO SOL
9 de janeiro de 1642, e está enterrado na Igreja de Santa Croce, em Roma,
próximo à tumba de Michelangelo. Giovanni Domenico Cassini, diretor do Observatório Real de Paris, enviou
Há uma excelente página (em inglês) sobre a vida e a época de Galileo no um de seus colegas astrônomos para a Guiana Francesa, uma difícil viagem
site The Galileo Project da Rice University. de mais de 9654 quilômetros. Em um instante combinado a posição de Marte
Grandes no céu deveria ser registrada tanto pelo observador na Guiana como por ele
GRANDES DESCOBERTAS em Paris.
Descobertas
Quando Cassini recebeu em Paris os dados que haviam sido obtidos na
Três importantes descobertas experimentais abriram caminho para a me- Guiana ele pode compará-los e calcular a distância de Marte à Terra. Isso foi
lhor compreensão do Universo. E todas elas ocorreram no século XVII. A me- possível usando geometria, baseado no efeito da paralaxe. A paralaxe é o efeito
dição da distância Terra-Sol nos mostrou que, mesmo em termos de Sistema que faz com que um determinado objeto pareça ter duas posições diferentes
Solar, as distâncias envolvidas eram gigantescas. quando o observamos com apenas um dos olhos de cada vez, sem variar a
A medição da velocidade da luz nos apresentou um dado físico de extrema posição entre nós e o objeto.
importância uma vez que, se a velocidade da luz é finita, ela leva um certo tem- Tendo obtido sua primeira distância astronômica, Cassini foi capaz de
po para vir das estrelas até nós. Isso nos permitiu entender que o que víamos aplicá-la a cada um dos outros planetas utilizando o trabalho que Kepler havia
no céu era o passado do nosso Universo. desenvolvido sobre as órbitas elípticas dos planetas.
A descoberta de que o vácuo era possível revelou a todos os cientistas que o No entanto, sua grande procura era pela distância entre a Terra e o Sol,
espaço entre as estrelas podia ser considerado como vácuo, sem a necessidade uma medição crucial que hoje é conhecida pelos cientistas como unidade as-
de existir qualquer meio semelhante ao “éter”. O entendimento do que é o tronômica. A unidade astronômica é definida como a distância média entre a
vácuo será mudado no futuro, permitindo que as teorias de campo possam Terra e o Sol. Sua abreviação é U.A. (sempre em letras maiúsculas). Giovanni Domenico Cassini.
justificar diversos fenômenos da maior importância que ocorrem no interior O valor obtido por Cassini para a unidade astronômica, em 1672, esta-
da matéria. va surpreendentemente próximo ao que conhecemos hoje. Ele obteve que a
distância Terra-Sol é de quase 140 milhões de quilômetros. O erro existen-
OTTO VON GERICKE E O VÁCUO te entre este valor, medido em 1672, e aquele aceito hoje como verdadeiro,
149597870,691 quilômetros, é de apenas 7%.
No século XVII a possibilidade da existência de um espaço vazio, o vácuo, Em geral consideramos que a unidade astronômica tem o valor aproxima-
sem qualquer quantidade de matéria no seu interior, não era aceita por muitos do de 150 milhões de quilômetros.
Bomba de ar inventada por Otto von Gericke.
filósofos naturais. Existe realmente tal coisa como o vácuo? Se existe, quais são
as suas propriedades? MEDINDO A VELOCIDADE DA LUZ
Os filósofos da antiguidade estavam envolvidos neste debate. Ocorre que a
existência de um espaço vazio, que caracterizava a existência de um vácuo, era O astrônomo dinamarquês Ole Roemer trabalhava com Cassini em Paris
recusada por muitos filósofos com bases na religião: se Deus é onipresente, a compilando as tabelas dos satélites de Júpiter obtidas por Galileo. Foi então
existência de uma região do espaço sem nada era contrária à doutrina religiosa que ele notou que os eclipses desses satélites, que ocorrem quando eles passam
da época. A maioria dos homens letrados da época estava convencida de que ou dentro da sombra de Júpiter ou por trás do planeta, ocorrem em intervalos
“a Natureza abomina o vácuo”. irregulares. Os eclipses ocorrem mais tarde do que o esperado quando Júpiter
Em 1656 o físico Otto von Guericke obteve a primeira prova experimental está se afastando da Terra e ocorrem mais cedo quando Júpiter está se aproxi-
da existência do vácuo. Com uma bomba de ar modificada que ele mesmo ha- mando. A diferença no tempo se relaciona exatamente com essa variação na
via inventado, Guerick tirou o ar de dois hemisférios de metal que tinham sido distância.
postos em união somente com graxa. A seguir ele atrelou um grupo de oito Roemer concluiu que os raios refletidos por cada satélite devem levar um
cavalos a cada um dos hemisférios e fez com que eles tentassem separar o con- tempo finito para nos alcançar, o que implica que a luz se desloca a uma velo-
junto. Apesar de todo o esforço, os cavalos foram incapazes de separá-los. O cidade fixa.
que impedia a separação era a pressão exercida pelo ar sobre a superfície exter- Um trabalho recém feito por Cassini em Paris tinha revelado, com consi-
na dos hemisférios. Esta experiência foi feita na cidade alemã de Magdeburg e derável precisão, a distância de cada planeta à Terra. Os valores da distância
os hemisférios passaram a ser conhecidos como “hemisférios de Magdeburg”. dos satélites de Júpiter, comparados com as variações observadas nos instantes
Em 1663 von Guericke repetiu sua espetacular experiência com os “he- dos eclipses, permitiram a Roemer calcular a velocidade da luz.
misférios de Magdeburg” para autoridades de Brandenburg em Berlin. Para Em 1676 Roemer apresentou à recentemente fundada Academia de Ciên-
espanto dos presentes, 24 cavalos foram incapazes de separar as esferas. cias da França um artigo chamado Démonstration touchant le mouvement Ole Roemer.
Guericke estudou astronomia e era um convicto Copernicano. Ele se preo- de la lumière (“Demonstração que diz respeito ao movimento da luz”). Nesse
cupava com a natureza do espaço, com a possibilidade da existência do espaço trabalho ele obtém o valor de 225260 quilômetros por segundo para a velo-
vazio. cidade da luz. Isto é cerca de 25% menor pois o valor estabelecido hoje é de
Imagens sobre a experiência de Otto von Gericke. Guericke construiu um modelo físico do universo, englobando as ideias quase 300000 quilômetros por segundo. No entanto, a obtenção desse valor
de Copernicus. Sua teoria baseava-se no espaço vazio através do qual a ação nos impressiona tendo em vista que esta foi uma primeira tentativa feita com
magnética controlava os movimentos dos planetas. Cada corpo celeste tinha instrumentos bastante imprecisos.
sua própria esfera finita de atividade.

82  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  83


07 08
O UNIVERSO NECÂNICO: RENÉ DESCARTES ISAAC NEWTON E A GRAVITAÇÃO UNIVERSAL
Isaac Newton nasceu na cidade inglesa de Woolsthorp, Lincolnshire, no
A ciência desenvolvida por Galileu lançou as bases para uma nova concep-
dia 25 de dezembro de 1642, exatamente 11 meses após a morte de Galileo. Ele
ção da natureza que iria ser amplamente aceita e desenvolvida. Esta descrição
faleceu em Londres no dia 20 de março de 1727.
da natureza ficou sendo conhecida como “mecanicismo”.
Em janeiro de 1665, após receber o título de bacharel, Newton teve que
O universo Os mecanicistas viam a natureza como um mecanismo cujo funcionamen-
retornar à sua cidade natal, onde ficou durante dois anos, devido à peste que Isaac Newton e
to era regido por leis precisas e matemáticas. Para eles o mundo era formado
mecânico: assolava Londres. Foi neste período em que ele desenvolveu suas mais impor- a Gravitação
de peças ligadas entre si e o seu funcionamento regular nos permitia descrevê
René Descartes -las usando as leis da mecânica. Com esse argumento eles negavam a necessi-
tantes ideias científicas. Universal
Nestes dois anos Newton desenvolveu a ciência da mecânica como nós a
dade de se apelar a um Deus para conhecer o que estava acontecendo (mas não
conhecemos, estabelecendo as leis do movimento dos corpos.
a existência do próprio Deus). Segundo os mecanicistas, um ser inteligente
Newton também dedicou-se à óptica nesta época, iniciando suas primeiras
pode conhecer o funcionamento de uma máquina tão bem como o seu próprio
experiências com prismas.
inventor sem ter que consultá-lo a esse respeito.
Para poder realizar cálculos mecânicos e compreender a Gravitação, New-
Um dos grandes defensores do mecanicismo foi o filósofo francês René
ton inventou uma ferramenta matemática que ele chamou de “fluctions”, e que
Descartes (1596-1656). Ele propôs um modelo não matemático para o univer-
agora é conhecida como “cálculo”. O cálculo diferencial também foi descober-
so sugerindo que ele consistia de enormes rodamoinhos de matéria cósmica.
to nesta mesma época, independentemente, pelo filósofo e matemático alemão
A esses rodamoinhos ele deu o nome de “vórtices”. Nosso Sistema Solar seria
Gottfried-Wilhelm Leibnitz.
apenas um dos inúmeros rodamoinhos que formavam o universo.
Newton é considerado hoje o maior de todos os físicos clássicos.
Descartes baniu da investigação científica os chamados “fenômenos ocul-
tos” ou quaisquer princípios que não podiam ser percebidos pelos sentidos.
Para ele a matéria celestial que circulava em torno da Terra empurrava toda a As leis de Newton
matéria terrestre na direção da própria Terra. Em 1684 o astrônomo Edmund Halley visitou Newton em Cambridge.
Os seguidores de Descartes (quando a teoria de Newton foi publicada, em Ouvindo suas ideias sobre o movimento dos corpos celestes ele estimulou
1687, Descartes já havia morrido. Na teoria Newtoniana, como veremos, os Newton a desenvolvê-las sob a forma de um livro. Halley certamente queria
movimentos das estrelas e dos planetas eram tratados como problemas de usar estas teorias para analisar órbitas, particularmente aquela do cometa de
mecânica, governados pelas mesmas leis que governam os movimentos que 1682, que agora tem o seu nome, cometa Halley.
ocorrem na Terra. Newton também descreveu a força da gravidade matemati- Impelido por Edmund Halley, Newton publicou, em 1687, as suas leis do
camente.) não acreditavam na teoria de Newton que propunha uma misterio- movimento e a análise da gravidade sob a forma de um livro que, possivel-
sa força gravitacional agindo a distância. mente, é o mais importante texto de física escrito até hoje.
A cosmologia mecanicista de Descartes era altamente aceitável dentro da O livro de Isaac Newton tinha o título Philosophiae Naturalis Principia
concepção geral existente no século XVII do mundo como uma máquina. En- Mathematica ou simplesmente Principia Mathematica (“Princípios Mate-
tretanto suas explicações eram apenas redescrições qualitativas de fenômenos máticos da Filosofia Natural”).
em termos mecânicos. Durante o século XVIII a teoria do “vórtice” de Des- Halley estava tão decidido a ver as ideias de Newton sob a forma impressa que,
cartes mostrou ser incapaz de calcular os movimentos planetários que eram ao notar que a falta de fundos na Royal Society provavelmente retardaria o projeto,
observados. Enquanto isso, a teoria Newtoniana rival avançava de um sucesso decidiu pagar o custo inteiro da primeira impressão deste importante livro.
quantitativo preciso para outro. A página título e o frontispício que aparecem na imagem acima são da ter- Philosophiae Naturalis Principia Mathematica.
René Descartes (1596 - 1656). ceira edição do Principia Mathematica de Isaac Newton, publicada em 1726.
A primeira edição apareceu em 1687.
Newton formulou três importantes leis:

• um objeto permanece em repouso ou em movimento uniforme em


uma linha reta a menos que atue sobre ele alguma força.
• quando uma força age sobre um corpo ele muda seu movimento em
uma quantidade proporcional à força que age sobre ele, e de acordo
com a direção da força.
• quando um objeto exerce uma força sobre um segundo objeto, o se-
gundo objeto exerce uma força igual e oposta sobre o primeiro.
• Entre as suas várias realizações científicas podemos citar:
• seu trabalho intitulado “Principia” onde ele formulou as leis do mo-
vimento que são os fundamentos da mecânica. Com base nestas leis
Newton conseguiu explicar porque os planetas obedecem às leis de
Kepler. O “Principia” é, provavelmente, o mais importante trabalho
científico escrito até hoje.

84  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  85


• Newton expressou a lei universal da gravitação em forma matemática, uma força que tem uma forma matemática universal.
mostrando que a força da gravidade cai inversamente com o quadrado A palavra gravidade já estava em uso nessa época, significando a qualida-
da distância entre dois corpos. de de “peso” que faz um objeto cair. Newton demonstrou sua existência agora
como uma lei universal:
• Newton mostrou que a gravidade não somente faz uma maçã cair ao
chão mas também governa os movimentos dos planetas e seus satéli-
tes. A teoria da gravitação de Newton deve se aplicar a quaisquer cor- “Duas partículas quaisquer de matéria atraem uma
pos até mesmo, por exemplo, a estrelas binárias. a outra com uma força diretamente proporcional ao
• Newton mostrou que a lei da gravitação poderia explicar tanto as ma- produto de suas massas e inversamente proporcional ao
rés sobre a Terra como a precessão dos equinócios. quadrado da distância entre elas.”

Isaac Newton e a Gravitação Universal Com esta observação Newton introduziu o grande princípio unificador
O “Principia”, um dos mais influentes livros na história da ciência, teve sua da física clássica, capaz de explicar em uma lei matemática o movimento dos
origem nas especulações do jovem Newton sobre a trajetória da Lua duran- planetas, o movimento das marés e a queda de uma maçã.
te sua estadia em Woolsthorpe Manor duas décadas antes (a história de que Veja que a lei descrita acima nos fala de proporcionalidades. Em matemá-
Newton teria notado a existência da lei da gravitação a partir da queda de uma tica quando queremos passar de uma proporcionalidade para uma igualdade
maçã é, quase certamente, duvidosa). introduzimos uma “constante de proporcionalidade”. Esta constante de pro-
A pergunta que estimulou seus pensamentos era: o que impede a Lua de porcionalidade terá um determinado valor numérico além de unidades físicas.
sair de sua órbita em torno da Terra exatamente como acontece ao cortarmos Deste modo, podemos escrever a lei da gravitação universal como uma
a corda que prende uma bola que está sendo girada? igualdade se introduzirmos uma constante de proporcionalidade, que chama-
A bola em tal situação abandona sua trajetória circular e desloca-se em remos de constante universal da gravitação e que será sempre representada
uma tangente a essa órbita. pela letra G.
Vamos ver isso de uma outra maneira. Suponha que temos um canhão A Lei da Gravitação Universal pode ser escrita matematicamente como:
imaginário, muito poderoso, sobre a superfície da Terra. Vamos colocá-lo no
topo de uma montanha bastante alta e dispará-lo sempre horizontalmente.
Após um pequeno percurso a bala do canhão cairá sobre a superfície da Ter-
ra. Suponha agora que aumentamos bastante a capacidade do nosso projétil
e o disparamos de novo nas mesmas condições anteriores. Agora, com mais onde G é a “constante universal da gravitação” (ou apenas constante gra-
velocidade, ela percorrerá uma trajetória maior, mas voltará a cair sobre a vitacional), M e m são as massas dos corpos que estão interagindo gravitacio-
superfície. nalmente, e d é a distância entre estes mesmos corpos.
Seguindo esse raciocínio podemos imaginar que à medida que aumenta-
mos a velocidade do nosso projétil, ele se deslocará por distâncias cada vez
maiores antes de retornar à superfície da Terra. É fácil concluir que se o ca-
nhão projetasse sua bala com exatamente uma determinada velocidade, ela
se deslocaria em volta de todo o nosso planeta, sempre “caindo” mas nunca
alcançando a superfície da Terra. Podemos dizer que a superfície da Terra se
curva com a mesma taxa que a bala do canhão “cai”.
Essa analogia agora pode ser aplicada à Lua em seu movimento em torno A constante universal da gravitação tem o valor
da Terra. Newton raciocinou que a Lua pode ser vista como perpetuamente
Isaac Newton. caindo da tangente que ela descreveria em sua contínua órbita em torno da G = 6,67 x 10-8 dinas centímetro2/grama2
Terra se não fosse atraída pelo nosso planeta.
ou
Newton calculou matematicamente por quanto, em tal analogia, a Lua es-
taria caindo a cada segundo. Com esses valores ele calculou, com base no mes- G = 6,67 x 10 newtons metro2/quilograma
-11

mo princípio, a velocidade provável de um corpo que cai de modo usual nas


nossas próprias vizinhanças. Em suas próprias palavras, a teoria e a realidade Na igualdade acima “dina” e “newton” são unidades de medida de forças.
estavam “consideravelmente próximas”. “Dina” corresponde a gramas.centímetro/segundo2 e “newton” equivale a qui-
Mas, quem faz a Lua “cair” na direção da Terra? Newton nos disse que a lograma.metro/segundo2.
Lua “cai” continuamente em sua trajetória em torno da Terra por que existe Por que chamamos G de constante universal da gravitação? Isso se deve
uma força gravitacional que a atrai na direção do centro do nosso planeta. A ao fato de que a física considera que o seu valor é, e sempre foi, o mesmo em
Lua sofre uma aceleração gerada pela gravidade da Teraa e o conjunto desses todos os lugares do universo ao longo de toda a sua existência. Isso nos diz que
fatores produz, no fim das contas, sua órbita. a física considera que a interação gravitacional possui uma característica uni-
Seguindo esse raciocínio Newton chegou à conclusão que dois objetos versal: ela possui a mesma forma matemática em todos os locais do universo.
quaisquer no Universo exercem uma mútua atração gravitacional, gerada por Na física de hoje é mais comum usar o termo “interação” em vez de “força”
quando falamos dos processos fundamentais que ocorrem na natureza. Deste

86  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  87


modo, passaremos a usar o termo “interação gravitacional” (em vez de “força E que outras ações da gravidade nos afetam diretamente? A ação gravita-
gravitacional”) ao nos referirmos aos processos de interação que ocorrem en- cional entre a Terra e a Lua é uma dessas ações. É ela que produz o conhecido
tre dois corpos com massa envolvendo a gravidade. fenômeno das marés. Além disso, como a Lua é um satélite de grande massa,
A interação gravitacional possui algumas características importantes que se comparado com os outros satélites do Sistema Solar, a atração gravitacio-
devem ser realçadas: nal entre ela e a Terra serve como elemento estabilizador da rotação do nosso
planeta em torno do seu eixo. No entanto, a Lua está se afastando da Terra e a
• a gravidade é a mais fraca entre todas as interações fundamentais mudança desta ação gravitacional, daqui a milhares de anos, provocará uma
(mais tarde veremos que existem outras três interações fundamentais alteração no eixo de rotação da Terra. Esta mudança se refletirá sob a forma de
na natureza, a forte, a fraca e a eletromagnética. Veremos também que fortes alterações climáticas no nosso planeta.
estas três interações na verdade se reduzem a apenas duas, a eletrofra-
ca e a forte). MASSA, PESO E A INTERAÇÃO GRAVITACIONAL
• a gravidade é uma interação de longo alcance. Veja, na equação acima,
A expressão da Lei da Gravitação Universal proposta por Newton envolve
que não há qualquer limite para o valor de d, que é a distância entre
uma grandeza física fundamental: a massa. Mas, afinal, o que é massa?
os corpos.
Na linguagem popular massa e peso têm sido usados para significar a mes-
• a gravidade é uma interação somente atrativa. Não existe repulsão ma coisa. Para a física essas duas grandezas estão relacionadas, porém são
gravitacional na física newtoniana. completamente diferentes.
Voltamos a lei da gravitação universal:
• quando consideramos dois corpos celestes, a distância entre eles se refe-
re não às suas superfícies mas sim aos seus centros. Por exemplo, se es-
tivermos aplicando a lei da gravitação universal ao sistema Sol-Júpiter, a
distância entre eles é aquela que vai do centro do Sol ao centro de Júpiter.
Por causa destas propriedades a gravidade domina várias áreas de estudo
na astronomia. É a interação gravitacional quem determina as órbitas dos pla- Essa lei descreve a força de atração entre dois corpos de massas M e m,
netas, estrelas e galáxias, assim como os ciclos de vida das estrelas e a evolução situados a uma distância d. No entanto, a segunda lei de Newton nos diz que,
Nevil Maskelyne (1732 - 1811) do próprio Universo. se a massa é mantida constante, força é igual à massa do corpo multiplicada
pela sua aceleração.
A CONSTANTE GRAVITACIONAL DA EQUAÇÃO DE Vamos então considerar o sistema Terra-corpo qualquer, onde M é a massa
NEWTON da Terra e m é a massa do corpo. Como o corpo está na superfície da Terra, a
distância Terra-corpo é apenas o raio da Terra. Pela segunda lei de Newton F
A gravidade é uma interação tão fraca que não era possível medir o valor = ma, refere-se à aceleração sofrida pela massa que forma o corpo. Podemos
da constante G que aparece na equação da gravitação de Newton na época em então igualar as duas expressões acima, a lei da gravitação universal e a segun-
que ela foi proposta. da lei de Newton, obtendo
O primeiro a estimar o valor de G foi o astrônomo Nevil Maskelyne. Para
fazer isto ele procurou usar duas massas bastante diferentes de tal modo que
a interação gravitacional entre elas pudesse ser medida. Nada melhor do que
a massa de uma montanha e a de um pedaço de chumbo preso a uma linha.
Certamente a atração gravitacional entre estas duas massas provocaria uma
deflexão na linha que sustentava o chumbo. Como os dois “m” se referem à massa do corpo, é fácil ver que
Em 1774, Maskelyne aproximou o seu peso de chumbo das encostas incli-
nadas do Monte Schiehallion, na Escócia, e mediu a deflexão da linha ou seja,
a ação gravitacional entre a montanha e o peso de chumbo. Como o monte
Chiehallion tinha uma forma muito regular, Maskelyne foi capaz de estimar
sua massa e, como ele conhecia a massa do peso de chumbo, foi possível então
determinar o valor da constante gravitacional G. Veja então que para calcularmos a aceleração produzida pela gravidade da
No entanto, o físico inglês Henry Cavendish foi o primeiro a medir G no Terra temos que obter o produto da constante universal da gravitação G pela
laboratório. massa da Terra M, e em seguida dividir este resultado pelo raio da Terra, r,
elevado ao quadrado.
Henry Cavendish (1731 - 1810). A AÇÃO DA GRAVIDADE NAS NOSSAS VIDAS O cálculo acima é apenas aproximado. Por que? Pelo fato de estarmos su-
pondo que a Terra é redonda (na verdade a forma da Terra é a de um esferóide
E de que modo a ação da gravidade se apresenta na nossa vida? O simples
oblatado!) e, portanto, o seu raio é sempre o mesmo. Também introduz erro o
fato de você permanecer de pé na superfície da Terra é resultado da existência
fato de estarmos desprezando o raio do objeto (no caso, o corpo!) em relação
da interação gravitacional. É a ação da gravidade da Terra que faz você perma-
ao raio da Terra em toda essa discussão. Podemos ficar tranquilos porque os
necer sobre ela. É claro que você tem até uma pequena liberdade pois consegue
erros introduzidos são absurdamente pequenos para criar qualquer problema
saltar na vertical, mas logo é obrigado a retornar à sua superfície.
no resultado final do nosso problema.
88  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  89
Se agora substituirmos os valores numéricos nesta expressão ou seja, G = • na lei da gravitação universal, m é uma medida de quão fortemente um
6,67 x 10-11 newtons metro2/quilograma2, massa da Terra = 5,99 x 1024 kg, e raio corpo é afetado pela força da gravidade e também quão forte é a força
(médio) da Terra = 6,367 x 106 metros, iremos obter gravitacional gerada por m.
Quando está desempenhando este papel dizemos que m é uma massa
a = 9,80 m/seg2 gravitacional.
Estas duas quantidades referem-se a propriedades diferentes de um corpo e
Este é o valor da aceleração que o campo gravitacional da Terra exerce
não necessariamente deveriam ser iguais. No entanto, medições extremamen-
sobre um corpo qualquer.
te precisas indicam que elas são iguais.
Podemos generalizar a equação acima obtendo a expressão que nos dá a
aceleração da gravidade criada por um corpo qualquer de massa M a uma
distância d qualquer: A COSMOLOGIA DE ISAAC NEWTON

Newton viveu em uma época em que a religião estava presente em todas as


parcelas da vida e, em particular, ainda vigiava os pensadores, embora sem ter
mais o peso da Inquisição.
A partir do conhecimento da aceleração da gravidade criada por um corpo Nessa época muito se especulava sobre a idade do universo. A maioria dos
qualquer de massa M, podemos determinar uma outra grandeza física impor- pensadores procurava se apoiar na Bíblia para descobrir quando Deus fez o uni-
tante relacionada com a massa ou seja, o peso do corpo. O peso de um corpo é verso. Alguns pensadores cristãos daquela época acreditavam que o universo
definido como sendo o produto de sua massa pela aceleração da gravidade que tinha ap enas alguns milhares de anos de existência e que havia sido criado em
atua sobre ele. Veja, portanto, que o peso de um corpo de massa m colocado na apenas seis dias, praticamente nas mesmas condições então existentes. Deste
superfície da Terra é obtido multiplicando-se sua massa m pela aceleração que ponto de vista a história do universo e a história do ser humano eram as mesmas.
o campo gravitacional da Terra produz sobre a superfície do nosso planeta. Vários teólogos fizeram cálculos sobre a idade do universo baseando-se
A expressão matemática do peso é dada por exclusivamente no estudo de passagens bíblicas. Uma das “conclusões” mais
comentadas sobre a idade do Universo foi divulgada no início do século XVII
por James Usher (1581-1656), arcebispo de Armagh, Irlanda. Após uma meti-
culosa análise da Bíblia, Usher chegou à conclusão que o universo foi criado
no dia 23 de outubro 4004 a.C., um domingo. Suas conclusões foram, publica-
onde g é a aceleração gravitacional que atua sobre o corpo de massa m.
das postumamente no seu livro “The Annals of the World iv” em 1658.
É importante notar que, no âmbito da física clássica newtoniana, a gran-
A onipresença de Deus impregnava o cosmos Newtoniano. Newton tam-
deza massa é invariável. No entanto, a grandeza peso varia: ela depende do
bém calculou a idade do universo com base nos textos bíblicos e estava conven-
valor da aceleração da gravidade que está atuando sobre o corpo de massa m.
cido de que suas descobertas demonstravam as maravilhas criadas por Deus.
Enquanto a massa de um corpo é a mesma estando ele na superfície da Terra
A presença divina agia como um “éter” imaterial que não oferecia resistência
ou em qualquer outro planeta, seu peso não é o mesmo, pois o campo gravita-
aos corpos mas poderia movê-los por meio da força da gravitação.
cional e daí a aceleração da gravidade, varia para cada planeta. Por exemplo,
A teoria gravitacional Newtoniana exigia praticamente um milagre contínuo
como a Lua possui um campo gravitacional aproximadamente seis vezes me-
para evitar que o Sol e as estrelas “fixas” fossem puxadas umas em direção às ou- James Usher.
nor do que o da Terra, um corpo de massa m na Terra teria a mesma massa,
tras. Newton imaginava um universo infinitamente grande no qual Deus tinha
mas um peso muito menor na Lua.
colocado as estrelas exatamente nas distâncias corretas umas em relação as outras
Poderíamos questionar: se, pela segunda lei de Newton, F = ma (massa ve-
de modo que a ação mútua de suas forças de atração gravitacional fossem cance-
zes aceleração) e se o peso de um corpo de massa m é dado por P = mg (massa
ladas, um equilíbrio tão preciso como o de agulhas equilibradas por suas pontas.
vezes aceleração) então força é o mesmo que peso. Na verdade, o peso é uma
Uma outra possível solução era colocar as estrelas “fixas” tão afastadas umas
força sim, mas nem sempre a expressão da força dada pela segunda lei de New-
das outras que elas não podiam ter atraído umas às outras de modo perceptível
ton está nos informando qual o peso de um corpo. Isso se deve ao fato de que na
nos poucos milhares de anos que haviam decorrido desde a Criação Bíblica.
segunda lei de Newton, a aceleração considerada é qualquer uma capaz de fazer
A antiga suposição de que as estrelas eram objetos “fixos” em posição, não
variar a velocidade de um corpo, enquanto que na expressão do peso a acelera-
foi questionada até o ano de 1718 quando o astrônomo inglês Edmond Halley
ção considerada é sempre aquela produzida por um campo gravitacional.
fez uma notável descoberta. Ele verificou que três estrelas brilhantes não es-
Um outro ponto importante é que a massa m usada tanto na segunda lei de
tavam mais nas posições determinadas pelas antigas observações. As estrelas
Newton como na sua lei da gravitação universal desempenha dois importantes
estavam livres para se moverem como objetos físicos normais.
papéis:
Vários filósofos criticaram duramente a visão Newtoniana do cosmos. Suas
críticas eram mais incisivas tendo em vista o fato de que os movimentos dos
• na segunda lei de Newton, F = ma
planetas não eram perfeitos: suas órbitas sofriam perturbações criadas pelos
a massa m é uma medida de quão fortemente um corpo é acelerado por
campos gravitacionais dos outros corpos celestes. Segundo Newton, o projeto
uma dada força. Ela é uma medida da inércia de um corpo.
do Sistema Solar mostrava a inteligência e o poder de Deus o fato dos planetas
Quando está desempenhando este papel dizemos que m é uma massa
permanecerem em suas órbitas, a despeito dessas perturbações, mostrava que
inercial.
havia uma contínua intervenção de Deus. Para muitos filósofos a simples ideia
de uma intervenção ocasional divina no universo era um questionamento à

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09
perfeição de Deus. Aqueles que apoiavam as ideias de Newton argumentavam As conclusões de Aristóteles estavam erradas mas como sua ciência foi
que não havia nada de errado ou ofensivo nessa ideia, pois essa intervenção era considerada “oficial” por aqueles que regiam o mundo naquela época, suas
parte integrante do plano Divino para o universo. ideias imperaram por quase 2000 anos, impedindo a compreensão correta dos
fenômenos gravitacionais.
A TEORIA DA GRAVITAÇÃO PROPOSTA POR Os trabalhos de Nicolau Copérnico (1473-1543) sobre o Sistema Solar fo-
O desenvolvimento NEWTON É MESMO UNIVERSAL? ram muito importantes por mostrarem o papel que a gravitação exercia nos
corpos celestes. Em seguida Johannes Kepler (1571-1630) apresentou suas leis
da teoria da Já vimos que a teoria clássica da gravitação é descrita pela lei de Newton do movimento planetário e Galileo Galilei (1564-1642) nos fez compreender
Gravitação da Gravitação Universal. O nome pode nos levar a crer que essa é uma teo- o movimento e a queda dos corpos.
do Newton ria que vale “universalmente”: todos os corpos existentes no universo sentem Com base nesses conhecimentos, Isaac Newton apresentou em 1687 no seu
interações gravitacionais que são dadas pela mesma expressão matemática famoso livro Philosophiae Naturalis Principia Mathematica, ou simplesmente
descoberta por Isaac Newton. Principia, suas três leis do movimento e sua Teoria da Gravitação Universal.
No entanto, isso não é verdade. A teoria da gravitação de Newton é absolu- Newton modificou a equação de movimento de Aristóteles, que dominou
tamente satisfatória quando tratamos de processos de interação entre corpos o cenário da física durante tanto tempo, propondo uma nova equação de
macroscópicos em um universo local. O que queremos dizer é que, ao levar- movimento:
mos em conta a estrutura geométrica do universo ou seja, os fenômenos que
resultam do fato da matéria criar uma curvatura no espaço-tempo, a teoria de força = massa × aceleração
Newton já não é mais satisfatória. Neste caso ela precisou ser substituída por
uma outra teoria que levava em consideração esta geometria: a teoria relativís- No seu Principia Newton estabeleceu axiomas capazes de descrever como
tica da gravitação apresentada por Albert Einstein. os corpos interagiam por meio da força gravitacional.
A teoria da gravitação de Einstein, também chamada de Teoria da Relati- No entanto, a teoria da gravitação proposta por Newton era apenas o
vidade Geral, descreve de que modo matéria e espaço-tempo interagem. Na começo de uma longa história de pesquisas. Ainda faltava muito para que o
verdade, a interação gravitacional seria melhor chamada de Geometrodinâ- trabalho apresentado por Newton pudesse ser realmente considerado uma
mica, termo proposto pelo físico norte-americano John Wheeler, uma vez que “teoria completa”. E muitos pesquisadores, do mais alto nível, se dedicaram à
a relatividade geral geometriza a gravitação. tarefa de completá-la.
No entanto, como veremos mais tarde, para descrever os estágios iniciais da A forma analítica definitiva dos axiomas propostos por Isaac Newton foi
formação do Universo nem mesmo a teoria relativística da gravitação é satisfa- elaborada pelo grande matemático alemão Leonhard Euler. Esses axiomas
tória. Precisamos agora de uma nova teoria, uma teoria quântica da gravitação. também foram trabalhados por três grandes nomes da ciência, o matemático
Até agora os físicos ainda não possuem uma teoria como essa, apesar dos italiano Giuseppe Lodovico Lagrangia (que ao se naturalizar françês adotou
enormes esforços desenvolvidos para isto. Existe uma incompatibilidade, ainda o nome Joseph-Louis Lagrange), o matemático irlandês William Rowan Ha-
não compreendida, entre a teoria relativística da gravitação e a teoria quântica. milton e o matemático alemão Carl Gustav Jacob Jacobi.
As dificuldades para criar uma teoria quantizada para a gravitação têm Esses grandes cientistas transformaram os axiomas do movimento criados
sido muito grandes: a matemática envolvida é excepcionalmente sofisticada e por Newton em métodos gerais e muito poderosos. Graças ao trabalho deles
os conceitos físicos estão na fronteira do nosso conhecimento e imaginação. os físicos passaram a empregar novas quantidades analíticas em suas análises
dos problemas de movimentos. Surgiu nessa época o conceito de potencial,
O DESENVOLVIMENTO DA TEORIA DA GRAVITAÇÃO grandeza física intimamente associada às forças, mas que não faz parte da
DO NEWTON nossa experiência diária.
Dizemos que uma força é conservativa se o trabalho realizado por ela sobre
Já vimos que toda a história da gravitação começou com as tentativas de uma partícula que se move entre dois pontos depende somente desses dois
compreender o movimento dos corpos. Esse problema já fazia parte do pen- pontos e não de qual o tipo ou tamanho da trajetória percorrida. Toda força
samento dos antigos filósofos gregos. Muitos deles se manifestaram sobre o conservativa aplicada a um corpo é igual ao negativo da variação da energia
assunto mas somente alguns marcaram a ciência com suas ideias. O filósofo potencial desse corpo ao longo de um deslocamento.
grego Aristóteles (~ 300 a.C.) foi um deles. Ele acreditava que para que um Os importantíssimos trabalhos desses cientistas se condensaram nas cha-
corpo fosse mantido em movimento uniforme, era necessário que uma força madas equações de Euler-Lagrange, publicadas em 1788, e na teoria de Ha-
constante fosse aplicada sobre ele. Além disso Aristóteles acreditava que forças milton-Jacobi, poderosos instrumentos conhecidos por todos que estudam a
só podiam ser aplicadas por meio do contato entre corpos. Para ele era inad- mecânica clássica.
missível o conceito de força à distância. As equações de Euler-Lagrange são o meio mais econômico de escrever-
Para Aristóteles a equação de movimento era: mos as equações de movimento de um corpo pois, além de envolverem o nú-
mero mínimo de coordenadas, elas lidam apenas com duas funções escalares,
força = resistência × movimento energia cinética (T) e energia potencial (V), em vez das forças e acelerações
vetoriais que caracterizam a abordagem feita anteriormente por Newton.
A partir disso Aristóteles concluiu que o vácuo não podia existir na natu- Como as equações de Euler-Lagrange podem ser deduzidas a partir da se-
reza uma vez que no vácuo não haveria resistência e qualquer que fosse a força gunda lei de Newton, que só vale em referenciais inerciais, as funções T e V
aplicada a um corpo ela sempre produziria velocidades infinitas. também têm que ser expressas em relação a um mesmo referencial inercial.

92  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  93


10
As equações de Euler-Lagrange utilizam um termo dado por L = T - V. “Devemos considerar o estado presente do universo como
Esse L é a chamada lagrangiana. Todos os “campos” existentes na natureza são
um efeito do seu estado anterior e como causa daquele
descritos por uma lagrangiana. É muito comum vermos os campos existentes
na natureza, tais como o campo eletromagnético, o campo eletrofraco e até que se há de seguir. Uma inteligência que pudesse
mesmo do campo gravitacional, serem representados por suas lagrangianas. compreender todas as forças que animam a natureza e
O Determinismo A teoria de Hamilton-Jacobi é um método que nos permite realizar um a situação dos seres que a compõem - uma inteligência
certo tipo de transformação, chamado transformação canônica, que é capaz
e Pierre-Simon de simplificar drasticamente as equações de movimento de um dado sistema.
capaz de submeter todos esses dados a uma análise -
Laplace Dois grandes físicos franceses, Alexis Clairaut e Pierre-Simon Laplace, englobaria na mesma fórmula, desde os movimentos dos
publicaram vários trabalhos mostrando que a teoria da gravitação universal maiores corpos do universo ao menor átomo. Para ela,
proposta por Isaac Newton estava correta.
nada seria incerto, e o futuro, tal como o passado, seriam
Laplace se interessou pelo problema da estabilidade do Sistema Solar no
seu Traité du Mécanique Céleste publicado em 1799. Na verdade o chamado presente aos seus olhos”.
“problema de três corpos” foi intensamente estudado no século XIX, mas só
foi entendido muito mais tarde. Apesar do sucesso parcial de Leonhard Euler, ainda permaneciam sem ex-
plicação as anomalias observadas nos movimentos de Júpiter e Saturno, assim
O DETERMINISMO E PIERRE-SIMON LAPLACE como a aceleração sofrida pela Lua em seu movimento orbital em torno da Ter-
ra. Laplace resolveu estes problemas em 1785 e 1787, demonstrando que as in-
Laplace (1749 - 1827) foi um importante matemático e filósofo francês que terações gravitacionais existentes entre Júpiter e Saturno eram auto corrigidas.
também deu contribuição à astronomia em sua obra Mécanique Celeste, den- Em seu livro, Mécanique Céleste, publicado em cinco volumes entre 1799
tre outras. e 1805, Laplace propôs que todos os fenômenos físicos no universo poderiam
O Sistema Solar contém muitos corpos e o cálculo da órbita de qualquer ser reduzidos a um sistema de partículas que exercem forças de atração e de
planeta, ou satélite, não se limita ao cálculo de sua interação gravitacional com repulsão entre todas elas. Laplace não escreveu apenas para cientistas.
outro corpo mais próximo. Na física clássica isso é denominado “problemas Em 1796 apresentou o livro Exposition du Systèma du Mond, onde resumia
de dois corpos”, cuja solução é simples. No entanto, outros corpos também para o público leigo o conhecimento existente sobre astronomia e cosmologia
podem produzir efeitos menores, mas não desprezíveis, sobre o corpo estu- no final do século XVIII. Neste livro antecipou a idéia que se tornou conhecida
dado. Tais efeitos são chamados “perturbações”. Por exemplo, o Sol perturba como “hipótese nebular”. Ele sugeriu que o Sistema Solar, assim como todas
(altera) o movimento da Lua em torno da Terra. Júpiter e Saturno perturbam as estrelas, foi criado a partir do esfriamento e condensação de uma enorme
(modificam) os movimentos, um do outro, em torno do Sol. Assim, o “proble- “nebulosa” quente em rotação, ou seja, uma nuvem gasosa de partículas.
ma de dois corpos” passa a ser, no mínimo, um “problema de três corpos”. Ge- A “hipótese nebular” influenciou fortemente os cientistas no século XIX,
neralizando, cada corpo celeste sofre influência de todos os demais existentes fazendo-os procurar sua confirmação (ou recusa). Parte da “hipótese nebular”
na sua vizinhança. Trata-se então de um “problema de n corpos”, onde n é o de Laplace permanece no centro da compreensão atual sobre a formação do
número de corpos que perturbam o corpo estudado. O problema de n corpos sistema solar.
é extremamente difícil. Os trabalhos de Laplace eram uma tentativa de substituir o poder divino
O desenvolvimento da matemática e sua aplicação ao movimento dos cor- por uma teoria puramente física que explicasse a ordem no universo. Isso con-
pos celestes teve uma grande importância durante o século XVIII. Leonhard sistia numa abordagem atéia da natureza, característica do chamado “período
Euler, um matemático suiço, desenvolveu métodos para calcular os efeitos da iluminista francês”. Conta-se que quando o imperador Napoleão perguntou a
perturbação. Primeiro aplicou o método à Lua e em seguida, a Júpiter e Satur- Laplace se ele deixou algum lugar para o criador em sua teoria, Laplace res-
no, com êxito parcial. pondeu que não teve necessidade de tal hipótese.
Ao longo do século XIX já havia confiança em relação à ciência. A física,
em particular, teve importantes avanços, ajudando a compreender melhor o
mundo. Nesse contexto surgiu uma linha de pensamento filosófico apresenta-
da pelo francês August Comte (1798-1857) conhecida como “positivismo”. Ela
considerava a ciência o auge do desenvolvimento do conhecimento humano.O
pressuposto fundamental é que há uma regularidade no funcionamento da
natureza, cabendo ao cientista descobrir as “leis naturais invariáveis” às quais
todos os fenômenos da natureza estão submetidos.
Segundo os positivistas, qualquer fato observado é um resultado de cau-
sas que merecem investigação, porque as mesmas causas produzem sempre
os mesmos efeitos, não havendo na natureza lugar para o imprevisível. O con-
ceito de que as mesmas causas geram sempre os mesmos efeitos, passou a ser
chamado determinismo. O determinismo teve inúmeros defensores, dentre
os quais Laplace se destaca. Sobre o universo, Laplace escreveu em “Ensaio
filosófico sobre as probabilidades”:

94  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  95


Ensino a Distância
cosmologia

2015
Da origem ao fim do universo

Módulo 2
Conhecendo o Universo
em que vivemos

Cosmologia - Da origem ao fim do universo  97


Ensino a Distância
cosmologia

2015
Da origem ao fim do universo

A Via Láctea é uma galáxia espiral da qual o Sistema Solar faz


Módulo 2
parte. Vista da Terra, aparece como uma faixa brilhante e di- Conhecendo o Universo
fusa que circunda toda a esfera celeste, recortada por nuvens
moleculares que lhe conferem um intrincado aspecto irregular
em que vivemos
e recortado. Sua visibilidade é severamente comprometida pela
poluição luminosa. Com poucas exceções, todos os objetos vi-
síveis a olho nu pertencem a essa galáxia.
Divisão de Atividades
Crédito: European Southern Observatory (ESO) Educacionais - ON/MCTI
11
COMO COMEÇAMOS A CONHECER O CONTEÚDO DO ou Abd al Rahman Abu al Husain, e algumas vezes como Azophi) que a citou
UNIVERSO no seu “Livro das Estrelas Fixas”, publicado no ano 964, com o nome de “Al
Bakr” (“Boi Branco”).
Vimos que a vontade de descrever o Universo estava presente em várias A figura ao lado pertence ao livro de Al-Sufi e nela podemos ver o desenho
culturas antigas. O conteúdo conhecido do Universo, naquela época, limi- que localiza esta pequena nebulosidade, marcada com a letra ‘A’.
As primeiras tava-se aos seis planetas visíveis a olho nu (Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Para a história oficial esta “nuvem” foi descoberta pelo navegador Fernão
Júpiter e Saturno), seus satélites naturais (nossa Lua e, a partir de Galileu, os de Magalhães em 1519 e recebeu o nome de Grande Nuvem de Magalhães
descobertas (mais tarde veremos que esta é uma das duas únicas galáxias visíveis a olho nu
quatro grandes satélites de Júpiter ou seja, Io, Europa, Ganimedes e Calisto),
e as estrelas. no hemisfério sul).
O Universo dos povos antigos era apenas a nossa Galáxia, a Via Láctea, este A imagem a seguir mostra as galáxias Grande e Pequena Nuvem de Ma-
Imagem extraida do livro de Al-Sufi.
enorme conjunto de estrelas que vemos distribuídas no céu em uma noite es- galhães observadas com o auxílio de modernos telescópios. No entanto, o que
cura. Ela é formada pelas estrelas que constituem o plano da nossa Galáxia. A os antigos observadores viam era algo completamente diferente, apenas uma
imagem abaixo mostra toda a riqueza da Via Láctea que podemos observar em pequenina mancha no céu. O que era esse objeto nebuloso? Por que ele era
uma noite bastante escura. Este era o Universo até praticamente o século XX! diferente das estrelas?
Veremos mais tarde que somente em 1935 é que passamos a aceitar que a nossa
Plano da Via Láctea. Galáxia não era o Universo e sim apenas uma pequeníssima parte dele. THOMAS WRIGHT E UM DOS PRIMEIROS MODELOS
MODERNOS DO UNIVERSO

A partir do século XVIII, com o desenvolvimento de novas teorias científi-


cas e a melhoria dos equipamentos usados para observações astronômicas, os
cientistas passaram a ter alguns elementos essenciais para começar a compre-
ender a estrutura do Universo.
O filósofo inglês Thomas Wright propôs em seu livro “An original the- Imagem das galáxias Grande e Pequena Nuvem
de Magalhães.
ory or new hypothesis of the universe”, publicado em 1750, um dos primeiros
modelos modernos para o Universo. Nele Wright procurava explicar alguns
aspectos que eram naturalmente observados no céu como, por exemplo, a apa-
rência da Via Láctea.
Para Wright o Universo estava contido em uma pequena concha situada
entre duas esferas concêntricas. As estrelas estavam distribuídas de tal modo a
“preencher o meio inteiro com um tipo de irregularidade regular de objetos”.
Muitos séculos passariam até que o ser humano tivesse uma imagem mais Olhando ao longo de uma tangente à concha, veríamos uma quantidade enor-
detalhada, mas de modo algum completa, do conteúdo do Universo. Esse co- me de estrelas. O céu inteiro naquela direção estaria preenchido com estrelas
nhecimento certamente aumentou após a primeira utilização do telescópio distantes e fracas de tal maneira que a região pareceria ter um brilho nebuloso.
para observar os céus, feita por Galileu em 1609, e a partir da disseminação de Se um observador olhasse através da porção fina de tal Universo ele veria bem
seu uso por outros estudiosos da astronomia. Mas, embora colecionar dados poucas estrelas e o céu pareceria bem pouco populoso nesta direção. Wright
seja importante, não é suficiente par a que os cientistas consigam descrever a então concluiu que a aparência da Via Láctea resultava de uma distribuição
Abd Al-Rahman Al-Sufi (903-986). estrutura do Universo. Isto continua a ser, até hoje, um dos mais fascinantes esférica de estrelas. Para Thomas Wright a aparência observada da Via Láctea
assuntos científicos. No entanto, apesar de todos os esforços, o Universo ainda era devida a um efeito óptico produzido pelo fato de estarmos imersos no que,
guarda seus segredos e sua estrutura, até hoje, continua não completamente localmente, era semelhante a uma camada plana de estrelas. A imagem ao lado
explicada. reflete as ideias de Thomas Wright.
Entretanto, é preciso assinalar que Wright não se apoiava em qualquer
OS PRIMEIROS MODELOS análise científica para estabelecer seu modelo do Universo. Sua motivação era
religiosa pois ele acreditava que a estrutura esférica era a mais lógica para ter
Numa época em que a palavra “cientista” ainda não existia e aqueles que se sido construída por Deus. Apesar disso ele estava correto em atribuir o brilho
interessavam por ciência eram chamados de “filósofos naturais”, muitos pen- da Via Láctea a efeitos ópticos.
As ideias de Thomas Wright sobre o Universo.
sadores começaram a especular não sobre o movimento dos planetas no Siste-
ma Solar mas sim sobre um Universo bem mais amplo que incluía um número IMMANUEL KANT E OS “UNIVERSOS ILHA”
cada vez maior de estrelas. Afinal, qual era o seu tamanho e seu conteúdo?
Há muito tempo que certas partes do céu chamavam a atenção daqueles Escritores do período romântico no início do século XIX, como, por exem-
que o admiravam. Por exemplo, algumas pessoas antigas, dotadas de um sen- plo, William Wordsworth na Inglaterra e Friedrich Schelling na Alemanha,
so agudo de observação, já haviam notado a existência de uma pequena nebu- reagiram contra a cosmologia Newtoniana. Convencidos de que a ordem cós-
losidade, visível a olho nu, nos céus do hemisfério sul. mica estava além da explicação científica, eles procuraram trazer de volta a
Essa pequena nebulosidade já havia sido percebida pelo astrônomo persa “vida divina” para o que parecia um universo que se tornava cada vez mais
Abd Al-Rahman Al-Sufi (também conhecido como Abr-ar Rahman As Sufi, mecanizado e sem Deus.

100  Módulo 2 · Conhecendo o Universo em que vivemos Cosmologia - Da origem ao fim do universo  101
O filósofo alemão Immanuel Kant argumentou contra os românticos insis- maior porte. O arranjo das estrelas poderia ser similar àquele dos planetas.
tindo que a metafísica não poderia fornecer uma explicação dos fundamentos Além disso, o sistema Newtoniano fornecia, por analogia, uma explicação
da natureza física, corpórea e que a questão da existência de Deus estava com- para uma estrutura de disco. A mesma causa que deu aos planetas seus movi-
pletamente divorciada da experiência sensorial direta. mentos e direcionou suas órbitas para um plano, poderia também ter dado às
Em 1775 Kant apresentou um modelo para descrever o Universo. Ele le- estrelas o poder de revolução e colocado suas órbitas em um plano.
vantou a seguinte questão: se as estrelas se movem, então porque elas pare- No final do século XVIII as observações entraram na cosmologia estelar
cem estar fixas no céu? Ele mesmo forneceu uma resposta bastante razoável. com um papel principal. Isso se deve ao astrônomo alemão Wilhelm Friedrich
Segundo Kant este movimento ou era excessivamente lento, tendo em vista Herschel que ao se naturalizar inglês assumiu o nome de William Herschel.
a grande distância entre as estrelas e o centro comum em torno do qual elas Suas descobertas se tornaram possíveis graças aos grandes telescópios que ele
giravam, ou essa falta de movimento era devida a uma mera incapacidade nos- mesmo construiu.
sa de percebê-lo, devido à grande distância existente entre o local onde elas Em 1773 Herschel, baseado em uns poucos livros existentes sobre astro-
estavam e aquele de onde as observávamos. nomia que ele havia comprado, mas dotado de grande habilidade em óptica
Para Kant o Sistema Solar Newtoniano fornecia um modelo para os siste- e mecânica, construiu alguns dos melhores (e maiores) telescópios existentes
mas estelares maiores. Kant raciocinou que a mesma causa que deu aos pla- na sua época. Isso culminou em 1789 quando Herschel construiu um enorme
netas sua força centrífuga, mantendo-os em órbita em torno do Sol, poderia telescópio refletor com comprimento focal de 40 pés e cujo espelho tinha o
também ter dado às estrelas o poder de realizar seus movimentos em círculo. diâmetro de 48 polegadas (imagem ao lado). Este telescópio refletor, uma das
E seja o que for que fez todos os planetas descreverem órbitas aproximada- maravilhas da época, não seria superado por décadas.
mente no mesmo plano, poderia ter feito o mesmo com as estrelas. Para ele o Os vários telescópios construídos por Herschel não somente revelaram
Universo tinha uma ordem similar àquela que vemos no Sistema Solar, mas mais satélites em órbita em torno de planetas como também revelaram algu-
Immanuel Kant (1724- 1804). em uma escala maior e envolvendo muito mais objetos. O Universo de Kant mas “nebulosas” de aspecto indistinto em aglomerados de estrelas. Eles tam-
era formado por uma multidão de estrelas que giravam em torno de um centro bém permitiram que Herschel registrasse objetos celestes situados a distâncias
comum estando todas, aproximadamente, no mesmo plano. muito além do alcance dos telescópios refratores existentes naquela época. Os
A maior contribuição de Kant foi a introdução, no seu modelo do Universo, telescópios refratores dependiam de uma grande lente, mas a arte de polimen-
das pequenas manchas luminosas elípticas observadas no céu pelos astrôno- to de lentes estava limitada a aberturas pequenas, bem menores do que os Ilustração de um dos telescópios construido
mos de sua época e que eram chamadas coletivamente de “estrelas nebulosas”. espelhos de 48 polegadas construídos por William Herschel. por Herschel.
Ele raciocinou que, se a Via Láctea tinha a forma de um disco de estrelas, não Com base em suas meticulosas observações, nas quais era ajudado por sua
seria viável existirem também outros planos agregados de estrelas espalhados irmã Caroline Lucretia Herschel (1750-1848), Herschel observou estrelas que
por todo o espaço? Kant também argumentou que se estes agregados, tendo pareciam estar situadas entre dois planos paralelos que se estendiam em linha
em vista os seus tamanhos, estavam tão distantes da Via Láctea, do mesmo reta por grandes distâncias. Isso o levou a concluir que a Via Láctea (a banda
modo como as estrelas individuais estão umas das outras, então eles deveriam luminosa de estrelas que parece envolver o céu em uma noite escura e que
aparecer para nós como pequenas manchas luminosas, manchas estas que hoje sabemos ser o plano da nossa Galáxia) é a manifestação da projeção das
teriam a forma mais ou menos elíptica dependendo de quanto elas estavam estrelas nessas camadas. Em 1784 Herschel afirmou que:
inclinadas em relação à nossa linha de visada.
Kant estava convencido da existência de “outros Universos” além da nossa “Uma circunstância muito notável que se aplica às
Via Láctea e foi ele quem propôs pela primeira vez, mas baseado apenas em
filosofia, que o Universo era formado por vários “Universos ilha” repletos de
nebulosas e aglomerados de estrelas é que elas estão
estrelas, semelhantes à Via Láctea, a bela faixa de estrelas que vemos atraves- organizadas em camadas, que parecem prosseguir
sada no céu em uma noite escura e que, insistimos, é apenas o plano da nossa por uma grande extensão; e algumas delas eu já fui
Galáxia e não ela toda.
capaz de seguir, de modo a supor muito bem suas
Assim, os objetos que pareciam nebulosos quando observados nos céus se
tornaram, na mente de Kant, “universos ilhas”, algo como colossais sistemas formas e direções. É muito provável que elas possam
solares formados por milhares de estrelas. circundar toda a esfera aparente dos céus, até mesmo a
Os pensamentos de Kant sobre o universo tinham pouco conteúdo obser- Via Láctea, que certamente é apenas uma camada de
vacional. Os fundamentos de suas hipóteses cosmológicas eram filosóficos e
teológicos. As observações entrariam pela primeira vez na cosmologia de um
estrelas fixas.”
modo marcante no final do século XVIII graças ao astrônomo amador ale-
Vemos ao lado o diagrama feito por Herschel em seu artigo publicado em
mão, naturalizado inglês, William Herschel.
1784 sobre a construção dos céus. Ele nos mostra como um observador loca-
lizado no centro de uma fina camada de estrelas verá as estrelas circundantes
DESCOBRINDO O CÉU: WILLIAN HERSCHEL
projetadas como um anel que as envolvem. Se a camada se divide, o anel tam-
bém se divide.
Herschel observa o Universo
Indo muito mais “longe” no espaço do que qualquer um havia consegui-
William Herschel (1738 - 1822). As equações de Newton permitiam que os cientistas descrevessem sob o
do antes com seus grandes telescópios, Herschel iniciou o primeiro levan-
ponto de vista matemático o nosso Sistema Solar. Logo especulou-se que elas
tamento sobre a forma e o tamanho do Universo ou seja, da estrutura da
também seriam capazes de oferecer um modelo para os sistemas estelares de
nossa Galáxia (que era o universo da época!). Usando métodos sistemáticos

102  Módulo 2 · Conhecendo o Universo em que vivemos Cosmologia - Da origem ao fim do universo  103
ao invés de conjecturas, Herschel atacou o problema realizando contagens UMA CURIOSIDADE HISTÓRICA
de estrelas em 683 regiões do céu. Herschel raciocinou corretamente que
deveria registrar um número maior de estrelas nas contagens feitas na dire- Wilhelm Friedrich Herschel nasceu na cidade de Hanover, Alemanha,
ção do centro da nossa Galáxia e um número menor nas contagens feitas na em 1938. Sua profissão era músico, tocando na banda do regimento da
direção de sua borda. Guarda de Hanover. Em 1755 as coroas de Hanover e da Inglaterra foram
No entanto, Herschel encontrou aproximadamente o mesmo valor de den- unidas sob a liderança do rei inglês George II. A banda em que Herschel
sidade estelar (número de estrelas por área) em todas as direções examinadas. tocava foi enviada para a Inglaterra. Em 1757 ele naturalizou-se inglês e
Daí ele concluiu que o Sistema Solar deveria estar situado no centro da Galáxia mudou seu nome para Frederick William Herschel. Em solo inglês ele con-
(na época de Herschel os astrônomos ainda não sabiam que o espaço interes- tinuou a dar aulas (tocava violino, oboé e, mais tarde, órgão) e a compor
telar contém poeira e gás capazes de bloquear a luz emitida por estrelas). A músicas sendo o autor de 24 sinfonias, 7 concertos para violino e 2 concer-
partir dessas contagens Herschel chegou a uma forma grosseira do Universo tos para órgão. Em 1766 Herschel assumiu o posto de organista na cidade
que confirmava a especulação feita anteriormente por Kant, de que o Universo de Bath, Inglaterra, e começou a se interessar por astronomia. A música fez
tinha uma forma alongada. A imagem abaixo mostra o Universo ou seja, a com que Herschel se interessasse por harmonia, esta o levou à matemática
nossa Galáxia, descrito por Herschel e finalmente à astronomia. Para ele astronomia ainda era um passatempo
Herschel também se interessou pelas “estrelas nebulosas” mencionadas por mas, à medida que isso foi ficando mais sério, Herschel foi diminuindo
Kant e, ao longo de seus levantamentos do céu, descobriu muitas outras. Ao o número de seus estudantes de música de modo a poder dedicar mais e
iniciar suas observações nos primeiros anos da década de 1780, os astrôno- mais tempo à observação astronômica. Neste mesmo ano (1766) ele fez o
mos conheciam cerca de 100 “objetos nebulosos” no céu do hemisfério norte primeiro registro sobre astronomia em seu diário. A descoberta pela qual
que haviam sido catalogados pelo astrônomo francês Charles Messier. Em ele é mais conhecido ocorreu no dia 13 de março de 1781 quando Herchel
1786 Herschel publicou um catálogo com cerca de 1000 objetos nebulosos. observou um pequeno objeto, nebuloso e de brilho fraco, na constelação
Três anos mais tarde ele acrescentou mais mil objetos à sua lista e em 1802 Taurus que ele pensou ser um novo cometa. No final deste mesmo ano,
publicou uma terceira e última lista de mais 500 objetos nebulosos. Em 1811 Herschel já sabia que havia descoberto um novo planeta do Sistema Solar,
Herschel publicou na conceituada revista inglesa Philosophical Transactions situado além de Saturno. Com a descoberta do planeta Urano, situado além
of the Royal Society vários desenhos em que mostrava a rica variedade de do limite mais externo até então aceito que era a órbita de Saturno, Hers-
Imagem extraida da revista inglesa Philosophical objetos nebulosos que ele havia registrado. chel praticamente dobrou o tamanho do Sistema Solar conhecido. Embora
Transactions of the Royal Society.
oficialmente descobridor do planeta Urano, Herschel certamente não foi o
primeiro a vê-lo. Este planeta já estava registrado em pelo menos 20 cartas
celestes elaboradas no período entre 1690 e 1781. No entanto Herschel foi
o primeiro astrônomo a notar que aquele pequeno ponto luminoso era um
novo planeta.
Herschel quis agradar o rei da Inglaterra dando ao novo planeta o nome
de Georgium Sidus (Estrela de George), o que foi rejeitado por astrônomos de
muitos países. Os franceses passaram a chamar o novo planeta de “Herschel”,
mas o nome mais aceito foi “Urano”, dado pelo astrônomo alemão Johann
Elert Bode.
Com a fama conseguida, Herschel foi indicado astrônomo real pelo rei
George III da Inglaterra e passou a receber um grande auxílio financeiro que
desfrutou até o fim de sua vida.

WILLIAN PARSONS E A DESCOBERTA DAS


“NEBULOSAS ESPIRAIS”

Os “leviatãs” de William Parsons


Um fato importante descoberto por Herschel era que algumas destas “es-
trelas nebulosas”, vistas através dos telescópios que ele mesmo construía, nada
mais eram do que aglomerados de estrelas. Este fato o levou, em 1785, a con-
jecturar que todas as nebulosidades vistas no céu se revelariam como sistemas
estelares distantes se olhadas em poderosos telescópios.
Com o surgimento de telescópios de maior porte, muitos astrônomos
passaram a se preocupar com as pequenas nuvens difusas que eram obser-
vadas no céu e que, até aquele momento, não haviam sido resolvidas em
estrelas. Mesmo os melhores telescópios da época só conseguiam observar
estes objetos como nuvens difusas, não discernindo se elas tinham ou não
conteúdo estelar.

104  Módulo 2 · Conhecendo o Universo em que vivemos Cosmologia - Da origem ao fim do universo  105
12
Em 1845, o astrônomo irlandês William Parsons, terceiro conde de Rosse, ONDE ESTÃO AS “NEBULOSAS ESPIRAIS”?
construiu um telescópio de 72 polegadas no seu castelo em Parsonstown (mais
tarde conhecida como Birr), na Irlanda. Esta construção, monstruosa para a O problema principal para a astronomia naquela época era descobrir como
época, foi logo apelidada de “Leviathan of Parsonstown”. As três imagens ao poderíamos medir as distâncias até as chamadas “nebulosas espirais”. Somen-
lado mostram o “Leviathan” de Parsons. te assim ficaríamos sabendo se elas pertenciam ou não à nossa Galáxia e esse
Parsons conseguiu com a ajuda deste equipamento determinar que algu- era um ponto fundamental que precisava ser esclarecido para conhecermos o Medindo
mas destas “nebulosas” possuíam uma estrutura em forma de espiral. Em abril tamanho do universo.
de 1845 Parsons desenhou a “nebulosa” M51 (hoje conhecida como galáxia
distâncias
Entretanto, não havia nenhum método confiável para determinar distân-
Rodamoinho) mostrando sua forma espiral. Esta foi a primeira vez em que a cias a objetos astronômicos situados além das estrelas mais próximas. Isso não aos objetos
forma espiral foi identificada em uma “nebulosa”. O desenho de Parsons teve permitia que fosse respondida a pergunta: estavam as “nebulosas espirais” celestes
grande impacto no encontro da British Association for the Advancement of relativamente próximas a nós e eram apenas nuvens de gás em rodamoinho
Science realizado em junho deste mesmo ano. ou elas estavam muito longe de nós e eram extremamente grandes? É fácil ver
A imagem abaixo mostra a galáxia espiral M51 ou NGC 5194 ou galáxia como isso modificaria a nossa percepção do tamanho do universo.
Rodamoinho (Whirlpool Galaxy) fotografado pelo astrônomo Todd Boroson Para resolver este problema era necessário, em primeiro lugar, desenvolver
do National Optical Astronomy Observatory (NOAO). Ela está localizada a métodos que permitissem calcular distâncias às estrelas.
apenas 23 milhões de anos-luz de nós e possui 65000 anos-luz de diâmetro.
Esta galáxia é uma das mais brilhantes no céu, podendo ser vista com um MEDINDO DISTÂNCIAS AOS CORPOS CELESTES
simples binóculo na constelação Canes Venaciti. Compare esta imagem com o observação: Existem hoje vários métodos
desenho feito por William Parsons! de determinação de distância a objetos
Os primeiros astrônomos estimavam as distâncias às estrelas comparando
celestes. Só citaremos alguns métodos
seus brilhos. Para isso eles supunham que todas elas possuíam a mesma lumi- históricos. O leitor interessado no assunto
nosidade intrínseca. Assim, aquelas que pareciam ser mais brilhantes certa- deve procurar textos de Astrofísica.
mente estavam mais próximas.

Definição de luminosidade
A luminosidade de um corpo celeste é a quantidade de energia luminosa
total ou seja, em todos os comprimentos de onda, emitida por este corpo em
uma determinada unidade de tempo.
A primeira técnica direta de medição de distâncias às estrelas foi conheci-
da como paralaxe trigonométrica. Este método foi empregado em 1838 por
Friedrich Wilhelm Bessel para demonstrar que a Terra girava em torno do Sol.
Tendo em vista o movimento de translação que o nosso planeta faz em
torno do Sol, um observador sobre a superfície da Terra verá uma mudan-
ça contínua e periódica nas posições aparentes das estrelas no céu. Assim, as
estrelas mais próximas de nós, que chamamos de estrelas vizinhas, mudarão
suas posições aparentes em relação às estrelas mais distantes. A quantidade
medida deste deslocamento na posição aparente dessas estrelas é inversamen-
te proporcional à distância à estrela.
Para observar a paralaxe de uma estrela os astrônomos utilizam o movi-
mento da Terra em torno do Sol. Eles observam uma estrela e cuidadosamente
medem sua posição contra as estrelas que estão no fundo do céu. Seis meses
após isso a Terra se moveu para o lado diametralmente oposto de sua órbita.
Essa distância é conhecida pois ela representa duas vezes a distância entre o
Sol e a Terra. Agora os astrônomos fazem uma nova medida e verificam que a
Galáxia espiral MS1 ou NGC5194 ou Parsons também conseguiu discernir estrelas individuais em várias “ne- estrela está em uma posição ligeiramente diferente daquela medida seis meses
Galáxia do Rodamoinho. bulosas” onde nem mesmo o poderoso telescópio de Herschel tinha obtido antes. O valor dessa diferença dependerá somente da distância entre a estrela e
sucesso. nós. Quanto mais próxima a estrela estiver de nós maior será essa diferença de
Tendo em vista sua forma peculiar, estes objetos nebulosos passaram a ser posição. No entanto, note que mesmo para as estrelas muito próximas a medida
chamados de “nebulosas espirais”. A natureza destas “nebulosas espirais” foi de paralaxe é extremamente pequena. Por esse motivo a paralaxe não e medida
assunto de intenso debate durante as várias décadas que se seguiram. Afinal, em graus mas sim frações de grau que têm o nome de “segundos de arco”.
estes objetos pertenciam ou não à nossa Galáxia? Note que, nesta época, mui- A paralaxe de uma estrela é a metade do valor do ângulo de deslocamento
tos cientistas acreditavam que a nossa Galáxia era todo o Universo: as estrelas aparente da estrela. Baseados nessa definição a distância a uma estrela é dada
que víamos eram únicas e mais além destas estrelas existia apenas a escuridão pelo inverso da paralaxe. Se medirmos a paralaxe em segundos de arco a dis-
de um espaço sem fim. tância será dada em parsecs.

106  Módulo 2 · Conhecendo o Universo em que vivemos Cosmologia - Da origem ao fim do universo  107
Infelizmente esta técnica só podia ser aplicada às estrelas que estavam mais
1 próximas de nós, usualmente àquelas situadas a menos de 100 parsecs. Para as
d (em parsecs) = (em segundos de arco)
θ estrelas situadas a distâncias maiores que esta, o deslocamento angular é tão
Onde: d é a distância à estrela e θ é a pequeno que torna-se quase impossível medi-lo.
paralaxe medida.
No século XIX o refinamento das técnicas de astrometria, parte da astro-
nomia que se preocupa com medições de movimentos e posições estelares, fez
surgir uma técnica de medições de distâncias baseada no chamado movimen-
to próprio das estrelas.

Definição de movimento próprio


O movimento próprio de uma estrela é a componente do seu movimento
verdadeiro perpendicular à nossa linha de visada. O movimento próprio é me-
dido em segundos de arco por ano e é designado pela letra grega μ.
Os astrônomos separam a velocidade de uma estrela no espaço em duas pesquisadores de Harvard logo notaram que o fator básico subjacente a esta Annie Jump Cannon (1863 - 1941), Ejnar
Hertzsprung (1873 - 1967), Henrietta S. Leavitt
componentes: classificação era a temperatura da superfície das estrelas: ela diminuía conti-
(1868 - 1921) e George Willis Ritchey (1864 - 1945).
nuamente das estrelas mais quentes, classificadas como O, até chegar às mais
• uma componente paralela à nossa linha de visada. Esta é a velocidade frias, do tipo M.
radial da estrela, designada por vr. Em 1906 o astrônomo dinamarquês Ejnar Hertzsprung descobriu que
• uma componente perpendicular à nossa linha de visada. Esta é a velo- existiam estrelas gigantes e anãs. Isso mostrou que as estrelas podiam ser
cidade tangencial da estrela, designada por v t. bastante diferentes também em seus aspectos físicos. As estrelas com grande
tamanho, chamadas estrelas gigantes, também tinham alta luminosidade.
A velocidade tangencial de uma estrela está relacionada com o movimento Como resultado dessa pesquisa os astrônomos viram que as distâncias às es-
próprio pela expressão: trelas podiam ser estimadas se seus espectros fossem conhecidos.
Ao mesmo tempo em que isso acontecia, a astrônoma Henrietta Swan
v t = 4,74 μ d Leavitt, do Harvard College Observatory, fez uma grande contribuição para
o cálculo de distâncias às estrelas. Em 1908, enquanto estudava estrelas va-
onde d é a distância às estrela. riáveis nas Nuvens de Magalhães, ela notou que havia uma correlação entre
A técnica do movimento próprio foi usada amplamente durante o século o período de sua variabilidade e sua luminosidade. Embora essa descober-
XIX por diversos astrônomos. No entanto, na prática só podemos medir pe- ta tenha um grande potencial para a determinação precisa de distâncias a
quenas distâncias desta maneira, uma vez que o movimento próprio de estre- objetos celestes Leavitt não a desenvolveu. Ela foi proibida de fazê-lo pelo
las muito distantes é pequeno demais para que possamos detectá-lo. Apesar diretor do Harvard College Observatory, Professor Pickering, sob a alegação
disto esta técnica permitiu que os astrônomos medissem distâncias a estrelas de que a tarefa para a qual ela havia sido contratada era coletar dados e não
situadas bem além do alcance oferecido pela paralaxe trigonométrica. analisá-los.
No século XIX as técnicas de espectroscopia, até então utilizadas somente No ano seguinte à descoberta de Leavitt, Hertzsprung verificou que as es-
nos laboratórios de física, passaram a ser uma útil ferramenta para os estudos trelas variáveis observadas por ela nas Nuvens de Magalhães eram variáveis do
das estrelas. Isso produziu um grande avanço no conhecimento destes objetos, tipo Cefeida, já conhecidas dos astrônomos.
uma vez que o espectro estelar nos dá informações muito importantes sobre
sua constituição física. O QUE SÃO AS “VARIÁVEIS CEFEIDAS”
Em 1886 o diretor do Harvard College Observatory, o astrônomo norte-a-
mericano Edward Charles Pickering (1846–1919), inventou um método enge- Durante o processo de evolução de uma estrela, em um dado momento
nhoso pelo qual era possível obter espectros de centenas de estrelas de uma só ela inicia seu caminho para se tornar uma estrela gigante. Esse proces-
vez usando o chamado “prisma objetivo”. Para analisar os espectros obtidos, so de evolução para o ramo das gigantes faz com que ela fique instável e
um trabalho lento e meticuloso, Pickering tinha um grupo de mulheres, o cha- mude, de modo periódico, tanto o seu tamanho como sua luminosidade.
mado “harém de Pickering”. Entre elas destacaram-se as astrônomas Annie Às estrelas que estão passando por este processo damos o nome de estrelas
Jump Cannon, Henrietta Swan Leavitt e Antonia Maury que, além do traba- variáveis pulsantes.
lho de classificação, desenvolveram outras importantes pesquisas científicas. Existem vários tipos de estrelas variáveis pulsantes. O tipo de variabilida-
As duas imagens ao lado mostram Pickering cercado por suas colaborado- de de cada uma delas dependerá de sua massa. Quanto maior for a massa de
ras. A primeira imagem é de 1890 e a segunda é de 1912. uma estrela, maior será sua luminosidade durante o período de pulsação, em
Uma dessas pesquisadoras, Annie Jump Cannon, verificou que as estrelas comparação com as estrelas de pequena massa. Como a luminosidade está
podiam ser classificadas de acordo com as linhas que apareciam nos seus es- associada com a massa, e o período de pulsação também está associado com
pectros. Ela notou que as classes espectrais podiam ser rearranjadas de modo a massa, os astrônomos puderam deduzir uma importantíssima relação entre
a formarem uma sequência contínua de mudanças graduais. Foi então que período e luminosidade, a chamada relação período-luminosidade.
surgiu a chamada “classificação espectral de Harvard”, que usamos até hoje, e Um desses tipos de estrelas variáveis pulsantes são as chamadas “variá-
que classifica as estrelas como sendo dos tipos O, B, A, F, G, K, M, R, N e S. Os veis Cefeidas”. As estrelas classificadas nessa categoria cada vez que pulsam

108  Módulo 2 · Conhecendo o Universo em que vivemos Cosmologia - Da origem ao fim do universo  109
mudam o valor do seu raio em cerca de 5% a 10% do valor que teriam em Hale), Ritchey sobreviveu vendendo limões e laranjas até ser contratado pelos
equilíbrio. As estrelas variáveis Cefeidas possuem, em média, períodos de franceses. No início dos anos de 1910, na França, Ritchey desenvolveu, junta-
variação entre 1 e 70 dias e, em geral, a amplitude de sua variação é de 0,1 a 2,0 mente com o astrônomo francês Henri Chrétien (1879–1956), um novo projeto
magnitudes. Ao lado mostramos o gráfico de variação de magnitude de uma óptico de telescópio que hoje tem o nome de “telescópio Ritchey-Chrétien”.
estrela variável Cefeida típica. Este modelo de telescópio foi tão bem sucedido que hoje importantes instru-
Hertzsprung logo notou que conhecendo o período de qualquer estrela mentos tais como os dois telescópios de 10 metros de abertura do Keck Obser-
variável Cefeida , sua luminosidade absoluta poderia ser determinada. Isso vatory, os quatro telescópios de 8,2 metros do Very Large Telescope do European
era muito bom pois os astrônomos sabiam como calcular distâncias a partir Southern Observatory (ESO), e até mesmo o telescópio de 2,4 metros do Hubble
das magnitudes absoluta e aparente das estrelas. Embora o método que usa a Space Telescope foram construídos segundo esse tipo de projeto óptico. Parte do conjunto de 4 telescópios do VLT.
relação período-luminosidade não fosse um método direto, ele era muito mais
preciso e versátil do que os métodos estatísticos anteriores que dependiam de
grandes números de estrelas para ter alguma precisão.
O método de determinação de distâncias baseado nas estrelas variáveis Ce-
feidas requer somente uma única Cefeida associada ao objeto em estudo para
permitir o cálculo de sua distância.
Em 1917, acidentalmente, o astrônomo norte-americano George Willis Ri-
tchey (imagem na página anterior) descobriu um dos melhores indicadores de
distância. Ritchey começou a fazer fotografias de longa exposição de algumas
das chamadas “nebulosas espirais” com o objetivo de descobrir se elas estavam
Telescópio refrator de 102cm de abertura do em rotação e qual o valor de seus movimentos próprios. No dia 19 de julho de
Yerkes Observatory e telescópio refletor de 1,5m 1917, na placa fotográfica da “nebulosa espiral” NGC 6946, Ritchey notou a
de abertura do espelho principal do Mount presença de uma “Nova”.
Wilson Observatory.

DEFINIÇÃO DE NOVA

Ao contrário do que possa parecer uma Nova não é uma estrela que sur-
giu recentemente no céu. Uma Nova é uma estrela que, de modo súbito, tem
sua luminosidade aumentada em cerca de 106 vezes. Este aumento abrupto
de luminosidade é seguido por um decréscimo gradual que pode levar vários
meses. Os astrônomos acreditam que a Nova ocorre em sistemas binários de
estrelas muito próximas uma da outra, sendo uma delas uma estrela comum
e a outra uma estrela anã branca. A continua transferência de hidrogênio da Um dos astrônomos que mais se interessou pelas “Novas” observadas nas
estrela comum para a anã branca faz com que este gás seja cada vez mais com- “nebulosas planetárias” foi Heber Doust Curtis.
primido na camada mais externas da anã branca. A temperatura nesta camada Comparando o brilho das “Novas” encontradas nas “nebulosas espirais”
externa de hidrogênio vai aumentando e quando chega a cerca de 107 K todo com o daquelas pertencentes à Via Láctea ele obteve valores aproximados para
este envoltório da estrela anã branca entra em queima nuclear de modo súbito. as distâncias a essas espirais. Segundo seus cálculos “as espirais que contém
Isto faz com que a luminosidade da estrela aumente violentamente. essas Novas estão muito afastadas do nosso sistema estelar”. Isso era um forte
Não podemos confundir Nova com Supernova. São fenômenos completa- impulso à ideia de que as “nebulosas espirais” eram objetos localizados fora
mente diferentes. da nossa Galáxia.
Analisando outra vez suas placas antigas Ritchey descobriu várias “Novas” Em 1916 o astrônomo holandês Adriaan van Maanen realizou medições
nas “nebulosas espirais” fotografadas anteriormente. Ao saberem desta desco- extremamente difíceis de movimentos próprios de vários pontos em uma “ne- Resultados obtidos por Adrian van Maanen de
bulosa espiral”. Seus resultados, mostrados na imagem abaixo, provavam que suas observações de movimentos próprios.
berta vários astrônomos reexaminaram suas placas fotográficas e, em apenas
dois meses, 11 “Novas” já haviam sido descobertas em “nebulosas espirais”. elas estavam em rotação. No entanto, os valores obtidos por van Maanen eram
muito grandes. Se eles estivessem corretos e se as “nebulosas espirais” estives-
UMA CURIOSIDADE HISTÓRICA sem tão distantes como alegado por Curtis, isso faria com que a velocidade
física das bordas dessas “nebulosas espirais” atingissem valores absurdamente
George Ritchey inicialmente era construtor de móveis e mestre carpinteiro grandes. Os resultados obtidos por van Maanen pareciam desacreditar a teo-
tendo mais tarde se interessado por óptica e construção de lentes e espelhos ria dos “Universos Ilhas”.
para telescópios. Ele foi um dos maiores responsáveis pela construção das Como pode ser notado, havia uma enorme contradição entre as conclusões
grandes lentes do telescópio do Yerkes Observatory (ao lado). obtidas por Curtis e por van Maanen. Nem mesmo os métodos observacionais pa-
Ele também colaborou ativamente com George Ellery Hale na construção reciam esclarecer a pergunta que todos os astrônomos faziam: as “nebulosas espi-
dos espelhos de 60 e 100 polegadas dos futuros grandes telescópios do Mount rais” estavam próximas a nós ou muito distante sendo, portanto, outras galáxias?
Wilson Observatory (a seguir). Demitido por Hale logo após a construção do A resposta a essa pergunta era fundamental para que pudéssemos ter uma
espelho de 100 polegadas (por motivos de ciúmes profissionais por parte de visão do que era o universo. Mas, apesar dos esforços, o impasse continuava.

110  Módulo 2 · Conhecendo o Universo em que vivemos Cosmologia - Da origem ao fim do universo  111
13 12
SURGE A RELATIVIDADE DE POINCARÉ E EINSTEIN o campo eletromagnético se propagava com uma velocidade essencialmente
igual à velocidade da luz (essa velocidade já havia sido medida em 1676 pelo
Até 1905, os conceitos de espaço e tempo eram descritos pela chamada astrônomo dinamarquês Ole Roemer), Maxwell postulou que a própria luz era
“física newtoniana”. Isso quer dizer que os fenômenos da natureza, da simples um fenômeno eletromagnético.
queda de um corpo na superfície da Terra até a descrição dos movimentos dos Assim, a luz passou a ser entendida como uma onda eletromagnética cuja
Surge a Medindo
corpos celestes em suas órbitas, eram descritos pelas equações do movimento velocidade constante é representada pela letra “c”. Isso equivalia mostrar que
e pela teoria da gravitação universal estabelecidas por Isaac Newton. a luz se deslocava com uma velocidade que independia do movimento de
relatividade distâncias quem a estivesse observando assim como da velocidade da fonte que a estava
De acordo com as leis clássicas da física, formuladas por Isaac Newton
de Poincaré e no seu livro Principia em 1687, o movimento de uma aos objetos
partícula tinha que ser emitindo.
Einstein celestes
descrito em relação a um sistema de referência inercial. Nele a partícula não As leis físicas, propostas por Newton para o movimentos dos corpos, pre-
estava sujeita a forças externas e, portanto, se moveria com uma velocidade via o contrário: elas mostravam que a velocidade da luz dependia do movi-
constante e em uma linha reta. Segundo Newton dois referenciais inerciais mento do observador.
podiam ser relacionados desde que eles estivessem se movendo, um em relação
ao outro, em uma direção fixa e com velocidade constante. O tempo nesses re- Quem estava certo: Newton ou Maxwell?
ferenciais inerciais iria diferir por uma constante e todos os tempos poderiam E o éter? Como ele ficava nessa história? Maxwell escreveu um artigo sobre
ser descritos em relação a um tempo absoluto. o éter para a edição de 1878 da Encyclopaedia Britannica e propôs a existência
Essa teoria, criada no século XVII, não foi alterada até o século XIX quando de um único éter. Seu artigo narra sua própria tentativa, sem sucesso, em me-
os fenômenos elétricos e magnéticos passaram a ser estudados teoricamente. dir o efeito do arrasto do éter provocado pelo movimento da Terra no espaço.
No entanto, ao contrário do que muitos podem pensar, o próprio Newton Maxwell também propôs uma maneira astronômica pela qual poderíamos
tinha dúvidas em partes de sua teoria. Por exemplo, a física newtoniana nos verificar o arrasto do éter feito pelo nosso planeta. Para isso deveríamos medir
dizia que a ação entre dois corpos era descrita por uma lei da gravitação uni- a velocidade da luz usando os diferentes satélites de Júpiter quando eles esti-
versal que ocorria como uma ação a distância e cuja informação se propagava vessem em posições diferentes em relação a Terra.
com velocidade infinita. Impelido pelas ideias de Maxwell, o físico Albert Abraham Michelson
Vamos dar um exemplo: dois corpos estão em repouso no espaço. Subita- (nascido na Prússia e naturalizado norte-americano) iniciou uma série de ex-
mente um deles se desloca enquanto o outro permanece em repouso. Segundo periências sobre o éter. Em 1881, ele registrou:
a teoria de Newton o corpo que permaneceu em repouso sente imediatamen-
te o deslocamento do outro corpo. Aqui a palavra “imediatamente” quer dizer “O resultado da hipótese de um éter estacionário
“instantaneamente”, sem qualquer intervalo de tempo.
Isso implica que a informação de que “o primeiro corpo se moveu” se pro-
é mostrada ser incorreta, e segue a conclusão
paga com uma velocidade infinita. E isso entravam em contradição com ob- necessária de que a hipótese está errada.”
servações feitas em laboratório.
Em 1886 o físico holandês Hendrik Lorentz escreveu um artigo onde cri-
UM ÉTER QUE EVAPOROU ticava a experiência feita por Michelson. Ele declarou que, realmente, não es-
tava preocupado com o resultado experimental obtido por Michelson, que ele
Os físicos já sabiam há muito tempo que o som se propagava através de um desprezava considerando-o ter sido resultado de experiências realizadas sem Albert A. Michelson (1852 - 1931) e Edward
meio material. Isso naturalmente levou-os a postular, no final do século XIX, a precisão necessária. Williams Morley (1838 - 1923).
que também deveria existir um meio material no qual a luz se propagava. Tal Michelson foi persuadido por Thomson e outros a repetir sua experiência.
meio foi chamado de éter luminífero ou, simplesmente, éter. Ele assim o fez em 1887, dessa vez associando-se ao físico norte-americano
Grandes cientistas dessa época, tais como Cauchy, Stokes, Thomson e Edward Williams Morley. Os dois cientistas registraram, mais uma vez, que
Planck, aceitaram a hipótese da existência do éter e postularam suas várias nenhum efeito de arrasto havia sido encontrado. Parecia que a velocidade da
propriedades. No final do século XIX a luz, o calor, a eletricidade e o magne- luz era independente da velocidade do observador. Michelson e Morley refina-
tismo tinham seus respectivos éters. ram a experiência e a repetiriam várias vezes até 1929.
No entanto, à medida que os pesquisadores tentavam explicar o éter e es- A ideia da existência de um meio material chamado éter só foi abandonada
tabelecer suas propriedades, o que se viu foi o surgimento de uma substância quando as transformações Galileanas e a dinâmica Newtoniana foram modi-
quase mágica. Segundo as teorias correntes, o éter tinha que ser um fluido pois ficadas pelas transformações de Lorentz-FitzGerald e pela Teoria da Relativi-
era necessário que ele preenchesse o espaço. No entanto, ele também deveria dade Restrita de Albert Einstein.
ser milhões de vezes mais rígido do que o aço, pois precisava aguentar as altas
frequências das ondas luminosas. Ao mesmo tempo o éter não podia ter mas- AS TRANSFORMAÇÕES DE FITZGERALD-LORENTZ
sa, deveria ser completamente transparente, não dispersivo, incompressível,
contínuo e não ter viscosidade! Sabemos hoje que as equações que descrevem um dado fenômeno físico,
Nesta época o físico escocês James Clerk Maxwell mostrou que os fenôme- definidas em um determinado referencial, precisam permanecer inalteradas
nos eletromagnéticos se propagavam com velocidade finita. Matematicamente se as observamos em um outro referencial que se desloca com velocidade
ele mostrou que a onda eletromagnética se propagava no vácuo com a veloci- constante em relação ao primeiro. O conjunto de equações que associa es-
dade constante de cerca de 300000 quilômetros por segundo. Ao verificar que ses dois referenciais são conhecidas como transformações de Lorentz em

112  Módulo 2 · Conhecendo o Universo em que vivemos Cosmologia - Da origem ao fim do universo  113
homenagem ao físico holandês Hendrik Antoon Lorentz que as apresentou Finalmente Lorentz escreveu por extenso as transformações que agora têm
mais claramente ao mundo científico. Na verdade, as transformações de o seu nome, sendo portanto a terceira pessoa a fazê-lo. Ele então, assim como
Lorentz possuem diversos descobridores. Larmor já havia feito, mostrou que a contração de FitzGerald-Lorentz era uma
O primeiro cientista a obter as importantes relações que hoje conhecemos consequência dessas transformações.
como transformações de FitzGerald-Lorentz foi o físico alemão Wolde-
mar Voigt (1850 - 1919), em 1887. Foi ele quem, pela primeira vez, as escre- A RELATIVIDADE ENGATINHA
veu por extenso e mostrou que certas equações eram invariantes sob essas
transformações. O mais importante artigo relacionado com a relatividade especial publi-
Hoje, com um fator de escala diferente, essas transformações são conhe- cado antes de 1900 foi de autoria do físico francês Jules Henri Poincaré, “La
cidas simplesmente como equações de Lorentz ou transformações de mesure du temps”, que apareceu em 1898. Nesse artigo Poincaré diz:
Lorentz. O grupo das transformações de Lorentz nos dá a geometria da rela-
tividade especial. Curiosamente, a importância dessas transformações para o “...não temos intuição direta sobre a igualdade de dois
desenvolvimento dos conceitos de espaço-tempo era totalmente desconhecida
por Voigt, que estava pesquisando o deslocamento Doppler quando as obteve.
intervalos de tempo. A simultaneidade de dois eventos
Embora Voigt tenha se correspondido com Lorentz sobre a experiência de ou a ordem de sua sucessão, assim como a igualdade
Michelson-Morley em 1887 e 1888 não parece que esse último tenha tomado de dois intervalos de tempo, deve ser definida de tal
conhecimento dessas transformações. Lorentz, nessa época, estava muito pre-
modo que as afirmações das leis naturais sejam tão
ocupado com a nova experiência de Michelson-Morley feita em 1887.
Em 1889 um pequeno artigo foi publicado pelo físico irlandês George Fit- simples quanto possível.”
Hendrik Antoon Lorentz (1853 - 1928).
zGerald na revista Science. O artigo, The ether and the earth’s atmosphere,
tinha menos de meia página e não é técnico. Nele FitzGerald mostrava que os Por volta de 1900 o conceito de éter como uma substância material estava
resultados da experiência de Michelson-Morley somente poderiam ser expli- sendo questionado. Paul Drude escreveu:
cados se:
“O conceito de um éter absolutamente em repouso é
“...o comprimento dos corpos materiais muda, o mais simples e o mais natural - pelo menos se o éter Jules Henri Poincaré (1854 - 1912).

dependendo se eles estão se movendo ao longo do éter é concebido como sendo não uma substância, mas
ou através dele, por uma quantidade que depende do meramente espaço dotado de certas propriedades
quadrado da razão entre suas velocidades e aquela físicas.”
da luz.”
Poincaré, em sua palestra de abertura no Congresso de Paris em 1900,
Lorentz não conhecia o artigo de FitzGerald e em 1892 propôs a existên- perguntou “O éter realmente existe?”. Em 1904 esse grande cientista se apro-
cia de uma “contração” quase idêntica em um artigo que agora considerava ximou bastante de uma teoria da relatividade especial em uma palestra no
muito seriamente a experiência de Michelson-Morley. Quando Lorentz ficou International Congress of Arts and Science, em Saint Louis. Ele mostrou que
sabendo, em 1894, que FitzGerald já havia publicado uma teoria similar à dele, observadores em diferentes sistemas de referência terão relógios que:
prontamente escreveu ao físico irlandês. FitzGerald replicou que realmente
havia enviado um artigo para a Science, mas “eu não sei se eles em algum “... marcarão o que podemos chamar de tempo
momento o publicaram”. Ele ficou feliz em saber que Lorentz concordava com local...como exigido pelo princípio da relatividade o
ele “pois eu tenho sido um tanto ridicularizado por aqui devido à minha
visão”. Depois disso Lorentz usou cada oportunidade que surgia para agrade-
observador não pode saber se ele está em repouso ou
cer a FitzGerald, que havia sido o primeiro a propor a ideia de contração dos em movimento absoluto.”
corpos materiais. Somente FitzGerald, que não sabia se seu artigo havia sido
publicado, acreditava que Lorentz tinha publicado primeiro. O ano em que a relatividade especial finalmente passou a existir foi 1905.
Em 1897, o físico norte-irlandês Joseph Larmor publicou as transformações O mês de junho desse ano foi muito importante para essa nova teoria. Em 5
de Lorentz na conceituada revista científica inglesa Philosophical Transactions de junho Poincaré apresentou um importante trabalho, “Sur la dynamique
of the Royal Society in 1897. Note que isso ocorreu dois anos antes de Hendrik de l’electron”, enquanto o primeiro artigo de Einstein sobre a relatividade foi
Lorentz e oito anos antes de Albert Einstein. Larmor também foi capaz de pre- recebido em 30 de junho. Poincaré estabeleceu que “parece que esta impossi-
ver o fenômeno da dilatação do tempo e também a contração do espaço. bilidade de demonstrar movimento absoluto é uma lei geral da natureza.”
Joseph Larmor (1857 - 1942). Depois de criar o nome de transformações de Lorentz em homenagem a
Larmor escreveu um livro chamado “Aether and matter” (1900) no qual
escreve por extenso as transformações de Lorentz, o que ainda não havia sido esse físico, Poincaré mostrou que essas transformações, junto com as rotações,
feito por Lorentz, assim como a contração do espaço e a dilatação do tempo. formam um grupo, uma estrutura algébrica muito importante.
Ele mostrou que a contração de Fitzgerald-Lorentz era uma consequência des- O artigo de Einstein possui uma abordagem completamente diferente. Ele
sas transformações. não tem como objetivo explicar resultados experimentais, mas sim mostrar a
beleza e simplicidade da teoria. Na introdução Einstein diz:

114  Módulo 2 · Conhecendo o Universo em que vivemos Cosmologia - Da origem ao fim do universo  115
“...a introdução de um éter-luz provará ser supérflua terceiro sendo a contração de Fitzgerald-Lorentz. Na verdade Poincaré nun-
ca escreveu um artigo sobre relatividade no qual mencionasse Einstein. O
uma vez que, de acordo com a visão a ser desenvolvida próprio Einstein comportou-se de maneira similar e Poincaré é mencionado
aqui, nem um espaço em repouso absoluto dotado de apenas uma vez nos artigos de Einstein. Lorentz, entretanto, foi elogiado tan-
propriedades especiais será introduzido nem um vetor to por Einstein como por Poincaré e frequentemente foi citado nos trabalhos
desses dois grandes físicos.
velocidade será associado com um ponto do espaço
O próprio Lorentz nem sempre parecia aceitar as conclusões de Einstein.
vazio no qual processos eletromagnéticos ocorrem.” Em 1913 ele fez uma palestra advertindo que a teoria da relatividade havia sido
aceita muito rapidamente e que não estava tão seguro sobre a sua validade.
Referenciais inerciais são introduzidos os quais, por definição, estão em Lorentz disse:
movimento uniforme um em relação ao outro. A teoria inteira é baseada em
dois postulados:
“Até onde essa palestra diz respeito ele encontra
1. as leis da física tomam a mesma forma em todos os sistemas de refe- uma certa satisfação na interpretação mais antiga
rência inerciais. de acordo com a qual o éter possui pelo menos
2. em qualquer sistema de referência inercial a velocidade da luz c é a substancialidade, espaço e tempo podem ser
mesma independentemente da luz ser emitida por um corpo em re- rigorosamente separados, e a simultaneidade sem
pouso ou por um corpo em movimento uniforme.
especificação suplementar pode ser falada. Finalmente
Einstein deduziu as transformações de Lorentz a partir de seus dois postu-
deve ser notado que a temerária afirmação que nunca
lados e, como Poincaré, provou a propriedade de grupo dessas transformações. podemos observar velocidades maiores do que a
Ele também deduz a contração de FitzGerald-Lorentz e menciona o paradoxo velocidade da luz contém uma restrição hipotética do
do relógio. Einstein o chamou de teorema e afirma que se dois relógios síncronos
que é acessível a nós, uma restrição que não pode ser
C1 e C2 são sincronizados em um ponto A e C2 deixa A movendo-se ao longo de
uma curva fechada até retornar a A, então C2 marcará o tempo mais lentamente aceita sem algumas reservas.”
comparado com C1. Einstein afirma que isso não significa a existência de qual-
quer paradoxo, uma vez que C2 experimenta aceleração enquanto C1 não o faz. A despeito da cautela de Lorentz a teoria da relatividade especial foi rapida-
Em setembro de 1905 Einstein publicou um pequeno mas importante arti- mente aceita. Em 1912 Lorentz e Einstein foram propostos conjuntamente para
go no qual ele provou a famosa equação o Prêmio Nobel pelo seu trabalho na teoria da relatividade especial. A reco-
mendação foi feita por Wien, o ganhador do Prêmio Nobel de 1911, que disse:
E = mc2
“...Embora Lorentz deva ser considerado como o
O primeiro artigo sobre a relatividade especial não escrito por Einstein primeiro a ter encontrado o conteúdo matemático do
apareceu em 1908 e seu autor foi o físico alemão Max Planck. O fato da teoria
da relatividade ter sido aceita por alguém tão importante quanto Planck fez
princípio da relatividade, Einstein foi bem sucedido
com que ela fosse rapidamente aceita pelos físicos da época. Quando Einstein em reduzi-lo a um princípio simples. Devemos
escreveu seu artigo de 1905, ele ainda era um especialista técnico de terceira por conseguinte avaliar os méritos de ambos
classe no escritório de patentes de Berna. Também em 1908 Minkowski pu-
pesquisadores como sendo comparáveis.”
blicou um importante artigo sobre relatividade, apresentando pela primeira
vez as equações de Maxwell-Lorentz na forma tensorial. Ele também mostrou
Einstein nunca recebeu Prêmio Nobel pela relatividade. O comitê Nobel
que a teoria Newtoniana da gravitação não era consistente com a relatividade.
estava, a princípio, cauteloso e esperou por confirmações experimentais. Na
As principais contribuições para a relatividade especial foram feitas, sem
época em que tal confirmação estava disponível Einstein tinha se movido para
dúvida, por Lorentz, Poincaré e, certamente, pelo fundador da teoria, Eins-
trabalhos mais monumentais.
tein. É interessante ver suas respectivas reações em relação à formulação final
da teoria.
Embora Einstein tenha gasto vários anos pensando sobre como formular
O QUE É A TEORIA DA RELATIVIDADE ESPECIAL?
essa teoria, uma vez tendo, encontrou os dois postulados, que passaram ime-
diatamente a ser naturais para ele. Einstein sempre foi relutante em aceitar que Os postulados sobre os quais se apoia a teoria da
os resultados da experiência de Michelson-Morley tiveram qualquer influên- Relatividade Especial
cia na sua maneira de pensar. A teoria da Relatividade Especial proposta por Einstein em 1905 baseia-se
A reação de Poincaré ao artigo de Einstein de 1905 foi tão estranha quanto em dois postulados básicos:
a de Einstein em relação aos trabalhos do físico francês. Quando Poincaré deu
uma palestra em Göttingen em 1909 sobre relatividade, ele não mencionou • a velocidade da luz é a mesma para todos os observadores, não importa
Einstein de modo algum. Ele apresentou a relatividade com três postulados, o quais sejam suas velocidades relativas.

116  Módulo 2 · Conhecendo o Universo em que vivemos Cosmologia - Da origem ao fim do universo  117
• as leis da física são as mesmas em qualquer sistema de referência to de cada um deles para podermos determinar sua velocidade relativa. Se eles
inercial. se afastam ao longo de uma mesma reta ou seja, se eles estão se deslocando em
sentidos opostos, sua velocidade relativa é a soma de suas velocidades particu-
Para entendermos melhor o que eles significam precisamos definir alguns
lares resultando, nesse caso, em 80 quilômetros por hora. Se eles estão se apro-
de seus termos.
ximando ao longo da mesma direção ou melhor, se eles estão se deslocando
no mesmo sentido, sua velocidade relativa é a diferença entre suas velocidades
O que é um postulado?
particulares ou seja, nesse exemplo, 20 quilômetros por hora.
O dicionário Aurélio define “postulado” como sendo uma “proposição
não evidente nem demonstrável, que se admite como princípio de um siste-
ma dedutível, de uma operação lógica ou de um sistema de normas práticas”.
E o que é aceleração?
A aceleração também é uma grandeza vetorial. Ela também precisa de mais
Postulado é um fato ou preceito reconhecido sem prévia demonstração. Isso
que um número para ser descrita. Ela precisa de um número e de uma direção.
nos diz que as duas afirmações feitas acima não são demonstráveis. Elas foram
Por isso nos referimos sempre ao “vetor aceleração”. Para a física, a aceleração
estabelecidas por Einstein e colocadas sobre sua teoria sem terem sido deduzi-
é definida como a variação do vetor velocidade. Note que não foi dito que a
das, calculadas ou inferidas a partir de experiências.
aceleração é a variação da velocidade, mas sim do “vetor velocidade”. Como
um “vetor” é descrito por um número e uma direção, basta que um desses
O que é preciso para definir repouso e movimento?
fatores varie para que se tenha uma variação do próprio vetor. Isso quer dizer
Na nossa vida diária comumente nos referimos a um determinado corpo
que a aceleração pode ser provocada tanto pela variação do valor numérico da
dizendo se ele está em repouso ou em movimento. Para nós essas palavras
velocidade como também pela variação de sua direção. Assim é possível ter
bastam, pois são bastante óbvias. No entanto, isso não é visto de modo tão
aceleração pelo simples fato de mudar a direção do seu movimento.
simples pelos físicos.
Vemos então que um corpo que se desloca em linha reta será acelerado se
Quando um físico se refere a “repouso” ou “movimento” ele precisa defi-
ele variar o valor numérico da sua velocidade, mas mantiver a mesma trajetó-
nir em relação a que sistema de referência isso está relacionado. Duas pessoas
ria. No entanto, se o corpo começa a descrever uma curva, ele estará acelerado
paradas em um ponto de ônibus estão em repouso uma em relação à outra
uma vez que, mesmo mantendo o valor numérico de sua velocidade, ele estará
se considerarmos que o nosso sistema de referência é o ponto de ônibus. Os
variando a direção da velocidade!
ônibus que passam estão em movimento para essas duas pessoas. No entanto,
se você está dentro de um ônibus e considera que o sistema de referência é o
ANALISANDO OS POSTULADOS DA RELATIVIDADE ESPECIAL
ônibus, você está parado e as duas pessoas que estão no ponto de ônibus estão
em movimento.
Isso nos mostra que “repouso” e “movimento” não são conceitos absolutos
mas sim relativos que precisam da definição de uma sistema de referência para
Primeiro postulado:
que possam ser perfeitamente entendidos pelos físicos.
“a velocidade da luz é a mesma para todos os
E o que é movimento? observadores, não importa qual seja a sua velocidade
Definimos velocidade como sendo a variação da posição de um corpo ao
relativa.”
longo de um determinado intervalo de tempo. Por isso sempre estamos co-
mentando que um carro nos ultrapassou a mais de 100 quilômetros por hora.
Este postulado nos diz que independente da velocidade que o observador
No entanto, para os físicos a definição de movimento não é tão simples. Ao
possua em valor. Vimos anteriormente que a velocidade relativa entre dois
dizermos que um determinado corpo está em movimento é preciso que fique
corpos que se deslocam ao longo de uma mesma direção podia ser dada pela
claro que tipo de movimento ele tem. O corpo mantém uma direção de movi-
soma ou subtração de suas velocidades particulares, dependendo se eles estão
mento retilínea ou sua trajetória é curva? Sua velocidade é constante ou varia
se deslocando no mesmo sentido ou não. No caso do feixe luminoso isso não
em intervalos de tempo?
ocorre.
Quando falamos de velocidade não basta citar um número. Para o físico a
Ao se aproximar de um feixe luminoso será verificado que ele possui uma
velocidade é definida por um valor numérico e por uma direção. Quando uma
velocidade c. Ao se afastar do feixe, será constatada a mesma velocidade c. Seja
grandeza física, tal como a velocidade, precisa de um número e uma direção
qual for a velocidade e seja qual for a direção, o deslocamento sempre irá me-
para ser definida, dizemos que ela é uma grandeza vetorial. Assim, a veloci-
dir a mesma velocidade c para o feixe luminoso. A velocidade da luz no vácuo
dade é uma grandeza vetorial e nos referimos a ela como o “vetor velocidade”.
é independente do movimento de todos os observadores e possui o mesmo
Agora podemos definir “velocidade relativa”. Esse termo nos informa a
valor constante de 300000km/s.
diferença de velocidade existente entre dois corpos. Se um corpo está em re-
pouso em relação a um referencial, sua velocidade é zero. Ao compararmos
Segundo postulado:
isso com um outro corpo que se desloca a uma velocidade de 10 quilômetros
por hora nesse mesmo referencial dizemos que a velocidade relativa entre esses
dois corpos é de 10 quilômetros por hora. “As leis da física são as mesmas em qualquer sistema de
Por outro lado, se um corpo se desloca a 30 quilômetros por hora e um se- referência inercial.”
gundo corpo se desloca a 50 quilômetros por hora, ambas medidas em relação
ao mesmo sistema de referência, precisamos conhecer a direção do movimen-

118  Módulo 2 · Conhecendo o Universo em que vivemos Cosmologia - Da origem ao fim do universo  119
14
Vamos supor que um pesquisador observa uma partícula em um determi- Um outro fenômeno explicado pela teoria da relatividade é o deslocamento
nado referencial inercial ou seja, um sistema de referência não acelerado que mais lento do tempo quando medido em um referencial que está se movendo.
neste caso consideramos estar se movendo com uma determinada velocidade Ela nos diz que cada observador inercial tem seu próprio tempo pessoal que é
constante v. Esse postulado de Einstein nos diz que as leis da física observadas chamado de tempo próprio. O tempo próprio é o valor temporal medido por
por esse pesquisador serão exatamente as mesmas que aquelas observadas por um relógio que está “acoplado” a um observador inercial ou seja, no mesmo
um outro pesquisador que esteja em repouso ou melhor, parado, em relação a referencial que ele. Isso nos leva a situações tipicamente relativísticas na qual
esse sistema de referência. dois observadores, que inicialmente têm as mesmas idades como registradas
A teoria da
Ao dizer que as leis da física são as mesmas para todos os observadores que por seus tempos próprios, terão idades diferentes quando se encontrarem de gravitação é
não estão acelerados (ou de outra forma, que estão descrevendo um fenôme- novo depois de viajarem por diferentes trajetórias no espaço-tempo. relativística:
no em um sistema de referência inercial), este postulado explica vários Dizemos em relatividade que cada um de nós descreve durante sua vida Hilbert e
fenômenos da nossa vida diária: porque conseguimos beber um copo de água uma trajetória no espaço-tempo que é uma linha do universo. Cada um de Einstein
em um veículo que se move com velocidade constante e nos molhamos todo nós (que é o mesmo que dizer “todo e qualquer evento físico no universo”)
se ele acelera? A teoria da relatividade restrita nos mostra que se algo é feito possui uma “linha do universo”, a descrição temporal de todos os fatos que
em um veículo em movimento retilíneo e uniforme (velocidade constante) o acontece com o objeto. A cada um dos fatos que ocorrem durante a nossa
resultado obtido será o mesmo se fizermos a ação em um veículo que está em existência (o que é o mesmo que dizer “qualquer fato que ocorre a qualquer
repouso (parado). momento no mundo físico) damos o nome de evento.
No entanto, se o veículo acelera (e isso pode ocorrer tanto mudando o valor
de sua velocidade como mudando a direção em que ele se desloca) as duas SURGE A TEORIA RELATIVÍSTICA DA GRAVITAÇÃO
experiências já não darão o mesmo resultado. Agora sabemos porque quando
se está em pé dentro de um ônibus que se move com velocidade constante Einstein e a gravitação
não é necessário segurar naquele ferro que fica no teto do ônibus. No entanto, A teoria da gravitação universal apresentada por Isaac Newton funcionava
quando o motorista acelera o coletivo, você é lançado para a frente. extremamente bem nos problemas apresentados pela mecânica clássica. Havia
muito pouco motivo para questioná-la. No entanto uma pergunta permanecia
OBJETOS RELATIVÍSTICOS E NÃO RELATIVÍSTICOS na mente dos cientistas: no processo de interação gravitacional entre dois cor-
pos como podemos explicar que cada um deles saiba que o outro está presente?
Para os físicos é mais comum usar o termo “partículas” do que “objetos” e Além disso, qual seria o comportamento das equações que descrevem os
é isso que faremos a partir desse momento. fenômenos físicos da natureza se o processo descrito estivesse ocorrendo não
Afinal, o que diferencia um corpo relativístico de um não relativístico? Para em um sistema inercial mas sim num sistema arbitrário de coordenadas?
os cientistas todas as partículas (ou objetos) cujas velocidades sejam compará- Como vimos acima, as leis da física conhecidas até agora, e que eram des-
veis à velocidade da luz são consideradas “relativísticas”. Isso quer dizer que ao critas tanto pela física Newtoniana como pela teoria da relatividade especial
dividirmos a velocidade v do corpo pela velocidade c da luz o resultado deve somente eram válidas em um conjunto restrito de sistemas de coordenadas
ser bem próximo a 1. Dizemos então que um objeto é relativístico se (v/c) ~ 1. conhecido como sistemas de referência inerciais.
No entanto, as partículas cujas velocidades são muito menores do que a ve- Em 1900 Hendrik Antoon Lorentz conjecturou que a gravitação pode-
locidade da luz são consideradas “não-relativísticas”. Nesse caso a razão entre ria ser atribuída a ações que se propagavam com a velocidade da luz. Henri
essas duas velocidades é bem menor que 1 ou seja (v/c) também é bem menor Poincaré, em um artigo de julho de 1905 enviado para a revista alguns dias
que 1. antes do trabalho de Einstein sobre a relatividade restrita, sugeriu que todas
as forças deviam se transformar de acordo com as chamadas “transformações
A MUDANÇA NOS CONCEITOS DE ESPAÇO E TEMPO de Lorentz-Fitzgerald”. Ele também afirmou que, se essa regra é verdade, a lei
de Newton da Gravitação não é mais válida pois ela não a obedece. Poincaré
Os dois postulados da teoria da relatividade modificam radicalmente também propôs a existência de ondas gravitacionais que se propagavam com
nossa concepção de espaço e tempo. Deixamos para trás os conceitos New- a velocidade da luz.
tonianos de espaço e tempo como entidades separadas e passamos a pensar Em 1907, dois anos após ter apresentado sua teoria da relatividade restrita,
o espaço e tempo como entidades que funcionam conjuntamente. Não há Einstein estava preparando um artigo de revisão sobre essa teoria. Durante
mais espaço e tempo na física relativística mas sim “espaço-tempo”, uma esse trabalho ele ficou curioso em saber como a gravitação Newtoniana te-
entidade única. ria que ser modificada para se ajustar dentro da estrutura da sua teoria da
A introdução do “espaço-tempo” como algo único significa que os dois relatividade especial. Neste momento ocorreu a Einstein o que ele mesmo
conceitos não devem (e não podem) ser examinados separadamente. Isso nos descreveu como “o mais feliz pensamento de minha vida” ou seja, que um
Existe uma completa equivalência
traz alguns fenômenos curiosos. Por exemplo, ao contrário do que Newton observador que está caindo do telhado de uma casa não sente o campo gravi- física entre um campo gravitacional e a
dizia, eventos que ocorrem simultaneamente para um observador podem tacional. Como consequência disso ele propôs então o chamado princípio da correspondente aceleração do sistema
ocorrer em momentos diferentes para um outro observador. O conceito de equivalência: de referência. Esta suposição estende o
“simultaneidade”, que era um conceito absoluto na teoria Newtoniana, passa a O princípio da equivalência é o responsável pela sensação que temos quan- princípio da relatividade para o caso de
movimento uniformemente acelerado do
ser “relativo” na teoria de Einstein. Isso nos leva a fenômenos intrigantes tais do estamos dentro de um elevador que desce em grande velocidade. Todos sistema de referência.
como a “contração do espaço” e a “dilatação do tempo”. sentimos como se estivéssemos sendo puxados para cima, como se fossemos
ser tirados do chão do elevador. Na verdade, se o elevador romper seus cabos

120  Módulo 2 · Conhecendo o Universo em que vivemos Cosmologia - Da origem ao fim do universo  121
e despencar em queda livre por uma distância suficientemente longa, a pessoa ainda errada, pela primeira vez a gravitação era descrita por um tensor métri-
irá flutuar dentro dele e, no final, irá cair com violência no poço do elevador. co, o que significava um grande avanço.
Depois de criar o princípio da equivalência em 1907, um importante passo, Em outubro de 1914 Einstein escreveu um artigo em que metade dele é um
Einstein não publicou nada mais sobre gravitação até 1911. Ele sabia desde tratado sobre análise tensorial e geometria diferencial. Esse artigo fez com que
1907 que um raio luminoso se curvaria na presença de um campo gravita- fosse iniciada uma correspondência entre Einstein e Levi-Civitta na qual o
cional forte. Esse encurvamento da luz era uma consequência do princípio grande matemático italiano apontou erros técnicos no trabalho sobre tensores
da equivalência, mas era difícil fazer uma verificação experimental disso por apresentado por Einstein. Einstein estava maravilhado em ser capaz de trocar
meio de observações terrestres. ideias com Levi-Civitta, um matemático muito mais receptivo às suas ideias
Em 1911 Einstein compreendeu que a curvatura do raio luminoso em sobre a relatividade do que um grande número de seus colegas físicos.
um campo gravitacional poderia ser verificada por meio de observações Na segunda metade de 1915 Einstein finalmente aprontou sua teoria. En-
astronômicas. tretanto, o passo final para a teoria da relatividade geral foi tomado por Eins-
Também foi discutido nessa época o deslocamento para o vermelho gra- tein e David Hilbert quase ao mesmo tempo.
vitacional, o “redshift” gravitacional, que ocorre quando o comprimento de Ambos haviam reconhecido falhas no trabalho de Einstein publicado em
onda da luz que sai de um corpo de grande massa (uma estrela por exemplo) é outubro de 1914. Uma correspondência entre estes dois cientistas ocorreu em
deslocado na direção do vermelho devido à perda de energia necessária para novembro de 1915. É difícil saber quanto um deles aprendeu com o outro mas
escapar do campo gravitacional do corpo. o fato de ambos descobrirem a mesma forma final das equações do campo
Einstein publicou outros artigos sobre gravitação em 1912. Nestes ele com- gravitacional e publicarem seus artigos com um intervalo de apenas alguns
preendeu que as transformações de Lorentz não se aplicariam na estrutura dias, certamente indica que a troca de ideias entre eles foi valiosa. David Hilbert (1826 - 1943).
mais geral que ele estava desenvolvendo. Ele também notou que as equações No dia 20 de novembro de 1915 David Hilbert submeteu seu artigo, com
do campo gravitacional estavam limitadas a não ser lineares e o princípio da o título “Os fundamentos da física”, (“Die Grundlagen der Physik”, Nachr.
equivalência parecia ocorrer somente localmente. Königl. Gesellsch. Wiss. Göttingen, math.-phys. Kl. 1915, Heft 3, p. 395), a
Nessa época Einstein verificou que se todos os sistemas acelerados são publicação. Nesse artigo Hilbert obtinha as equações de campo corretas
equivalentes, então a geometria Euclidiana não pode ser usada em todos eles. para a gravitação. Cinco dias depois de Hilbert, no dia 25 de novembro de
Lembrando o estudo da teoria das superfícies de Gauss que havia feito quando 1915, Albert Einstein submeteu seu artigo, “Die Feldgleichungen der Gravi-
estudante, Einstein logo compreendeu que os fundamentos da geometria ti- tation”, sobre a teoria da gravitação. Em 1916 Einstein publicou outro arti-
nham significado físico. go, “Die Grundlage der allgemeinen Relativitätstheorie” (Ann. Phys.
(Leipzig), 49, 769, 1916), onde ampliava sua discussão sobre o assunto. A
teoria relativística da gravitação era apresentada ao mundo científico em
duas brilhantes versões.

Marcell Grosmann (1878 - 1936), Georg Friedrich Ele consultou seu amigo, o grande matemático húngaro Marcell Gros-
Bernhard Riemann (1826 - 1866), Elwin Christoffel
(1829 - 1900) e Sophus Lie (1842 - 1899). mann, que prontamente lhe mostrou os importantes desenvolvimentos
que haviam sido feitos em geometria pelos alemães Bernhard Riemann e
Elwin Christoffel, o norueguês Sophus Lie e os italianos Gregorio Ric-
ci-Curbastro e Tullio Levi-Civita, alguns dos nomes mais importantes da O artigo de Hilbert contém algumas importantes contribuições à rela-
matemática naquela época. Pode-se dizer que foi Marcell Grossmann quem tividade não encontradas no artigo de Einstein. Hilbert aplicou o princípio
descobriu a importância que o cálculo tensorial desenvolvido por esses mate- variacional à gravitação e atribuiu a Emmy Noether (imagem a seguir) a
máticos teria para a futura teoria da relatividade geral de Einstein. descoberta de um dos principais teoremas que dizem respeito a identidades
Em 1913 Einstein e Grosmann publicaram um artigo juntos (“Entwurf que aparece no seu artigo.
einer verallgemeinerten Relativitätstheorie und der Theorie der Gravitation”, Na verdade o teorema de Emmy Noether só foi publicado com uma de-
Zs. Math. und Phys., 62, 225 (1913)) onde o cálculo tensorial desenvolvido monstração em 1918 em um artigo que ela escreveu sob seu próprio nome
por Ricci e Levi-Civita é empregado. Grosmann mostrou a Einstein o tensor (nessa época mulheres não tinham acesso à Academia de Ciências e Emmy
de Riemann-Christoffel, ou tensor de curvatura, que junto com o tensor de Noether entregava seus artigos para serem lidos perante os acadêmicos por
Ricci, que é deduzido a partir dele, iriam se tornar ferramentas importantes na algum de seus colegas homens). O teorema proposto por Noether se tornou
futura teoria relativística da gravitação. Embora a teoria apresentada estivesse uma ferramenta vital na física teórica. Um caso especial do teorema de Noe-

122  Módulo 2 · Conhecendo o Universo em que vivemos Cosmologia - Da origem ao fim do universo  123
ther foi escrito por Hermann Weyl (1885-1955) em 1917 quando o utilizou Essas leis relativísticas gerais conectam matéria e energia com a estrutura
para deduzir identidades que, mais tarde foi verificado, já haviam sido inde- geométrica do espaço-tempo. A TRG é uma teoria matematicamente muito
pendentemente descobertas por Ricci em 1889 e por Luigi Bianchi, aluno do mais complexa do que a teoria clássica da gravitação, aquela proposta por
matemático alemão Felix Klein (1849-1925), em 1902. Isaac Newton e que permaneceu intocada por tanto tempo. Enquanto a te-
oria Newtoniana é descrita por uma única equação, a teoria relativística da
PENSANDO ALÉM DE NEWTON gravitação, devido às suas características matemáticas, é descrita por um
conjunto de 10 equações.
Após dez anos de intenso trabalho intelectual, Einstein conseguiu com su- Apesar das dificuldades matemáticas, logo depois dos artigos de Einstein
cesso traduzir sua intuição física sobre o comportamento da natureza em uma e Hilbert com as equações de campo corretas, o físico alemão Karl Schwar-
teoria matemática que nos descrevia o movimento livre em espaços-tempo zschild obteve, em 1916, uma solução matemática para as equações que
curvos. Nascia então a teoria da relatividade geral que por ser na verdade corresponde ao campo gravitacional de um objeto compacto esfericamente
uma teoria da gravitação iremos chamá-la de teoria relativística da gra- simétrico. Pela primeira vez era obtida uma solução exata das equações de
vitação (TRG). campo da gravitação relativística para surpresa de Einstein que não acreditava
Nosso “problema” em aceitar o conceito de espaço curvo é derivado do que isso pudesse ocorrer tão cedo.
fato de que nossa vida diária está associada a uma geometria plana, a cha- Na época o resultado apresentado por Schwarzschild foi considerado
mada “geometria Euclidiana”. É ela que aprendemos nos cursos mais básicos como um exercício puramente teórico. No entanto, anos mais tarde, veri-
e usamos na vida diária: quem não sabe que a soma dos ângulos internos de ficou-se que esta solução descrevia uma estrela relativística e, deste modo,
um triângulo é igual a 180o? Um mestre de obras dirá que isso é verdade sem inaugurava-se uma nova área de pesquisa em astrofísica, a astrofísica re-
fazer qualquer menção à geometria Euclidiana. Ele sabe, pela sua prática diá- lativística. Todos os trabalhos que hoje vemos sobre estrelas de nêutrons, Observação feita pelo Hubble Space Telescope de
ria, que “isso é verdade”. Em uma geometria curva (ela existe e foi construída pulsares e buracos negros se apoiam inteiramente nas soluções obtidas por uma estrela de nêutron.
Emmy Amelie Noether (1882-1935).
por Bolyai, Lobatchevsky, Riemann e outros geniais matemáticos) a soma dos Karl Schwarzschild.
ângulos de um triângulo pode ser maior ou menor que 180o! Hoje conhecemos muitas soluções das equações relativísticas do campo
Mas porque Einstein complicou a história? Porque ele não fez sua teoria gravitacional. Algumas dessas soluções estão associadas a estranhos corpos
usando a geometria Euclidiana? Esse é o ponto mais nobre da TRG. Para Eins- celestes. Por exemplo, a própria solução obtida por Schwarzschild nos intro-
tein o espaço-tempo descrito pela TRG se torna curvo em resposta aos efeitos duz o conceito de buracos negros. Uma outra solução, conhecida como “solu-
da matéria que existe no universo. Vamos usar como exemplo o nosso Sistema ção de Kerr” nos descreve buracos negros em rotação.
Solar. A TRG nos diz que um corpo com massa como, por exemplo, o nosso Logo os cientistas começaram também a investigar se a TRG poderia ser
Sol, faz com que o espaço-tempo em torno dele se curve. Essa curvatura, por usada para descrever o universo. Haveria alguma solução das equações da
sua vez, afeta o movimento dos planetas obrigando-os a descrever órbitas em TRG que pudessem ser cosmológicas ou seja, descrever a estrutura geométrica
torno do Sol. global do espaço-tempo?
Essa é uma abordagem completamente diferente daquela usada por Isaac Muitas soluções das equações relativísticas do campo gravitacional nos
Newton para descrever os efeitos da gravitação universal e que foi aceita dão as chamadas “soluções cosmológicas”, ambiciosos resultados que descre-
como verdadeira e única até o século XX. Newton descrevia a gravidade vem possíveis estruturas geométricas para o Universo.
como uma força. Isso quer dizer que dois corpos massivos, independentes
dos valores relativos de suas massas, por exemplo a Terra e uma maçã, exer-
ciam uma ação mútua, um sobre o outro: a Terra atraia gravitacionalmente teoria da relatividade geral = teoria da gravitação de einstein =
a maçã e essa atraia gravitacionalmente a Terra. Isso resultava da maneira teoria relativística da gravitação
como Newton apresentou sua lei da gravidade. Se a maçã estivesse em re-
pouso no galho da macieira e, por um motivo qualquer esse equilíbrio fosse
rompido ou seja, a maçã caísse, ela seria atraída na direção do centro da A EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO SOBRE GRAVITAÇÃO
Terra e pararia na sua superfície. Ela só não atingiria o centro da Terra por
ser impedida durante o seu percurso (a crosta e toda a estrutura interior do Ao contrário do que muitos declaram, a teoria relativística da gravi-
nosso planeta). Como já vimos as leis de Newton explicavam em detalhes tação não surgiu do nada. Sua elaboração é uma longa história de erros e
não apenas a queda de maçãs mas também os movimentos dos planetas em acertos que se alternaram até que, em um determinado momento, cien-
Luigi Bianchi (1856-1928). torno do Sol e dos satélites em torno dos planetas. tistas conseguiram estabelecer a forma correta final que ela deveria ter.
Em resumo, a TRG é uma teoria que nos diz que o espaço e o tempo são Como qualquer outra teoria descoberta na física, a construção da teoria
quantidades dinâmicas que podem se curvar em resposta aos efeitos da maté- da relatividade geral se apoiou em conhecimentos previamente estabeleci-
ria. Por outro lado, o espaço-tempo pode alterar o comportamento da matéria. dos ou, como disse muito bem Isaac Newton, ela foi criada “sobre os om-
bros de gigantes”. Isso de modo algum é uma tentativa de tirar o mérito
AS PRIMEIRAS SOLUÇÕES DAS EQUAÇÕES científico de Albert Einstein, mas é preciso desmistificar a história e acei-
RELATIVÍSTICAS DA GRAVITAÇÃO tar que muitos outros grandes nomes da física participaram do problema
e contribuíram para a sua solução.
As leis da teoria relativística da gravitação são formuladas de uma ma-
neira que as torna igualmente válidas em qualquer sistema de referência.

124  Módulo 2 · Conhecendo o Universo em que vivemos Cosmologia - Da origem ao fim do universo  125
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A PROIBIÇÃO DA DINÂMICA: UNIVERSOS DE SITTER E O UNIVERSO ESTÁTICO SEM MATÉRIA
ESTÁTICOS
No mesmo ano em que Einstein apresentou seu modelo de universo está-
Desde os tempos mais antigos os pensadores que ousaram descrever o tico, o astrônomo holandês Willem de Sitter também propôs um modelo de
universo acreditavam que ele era essencialmente imutável. Até mesmo New- universo, completamente diferente daquele apresentado por Einstein.
O universo ton acreditava que o universo era sempre o mesmo se o estudássemos não O universo de de Sitter era isotrópico e, para ser estático, não podia conter
localmente, porém sob o ponto de vista mais amplo possível. É claro que qualquer quantidade de matéria!
estático
ocorriam fenômenos no universo que mudavam coisas, mas isso o afetava O universo de de Sitter poderia ter sido considerado uma mera curiosida-
de Einstein apenas localmente e não o perturbava de um modo geral. O nascimento ou de matemática pelos astrônomos (ele exigia a não existência de matéria, no
e de Sitter morte dos seres vivos na Terra, o movimento dos astros e até mesmo a explo- entanto todos sabemos que o universo é preenchido por matéria na forma de
são de uma estrela eram vistos como fenômenos locais. O universo permane- nebulosas, estrelas, galáxias, etc.) se não fosse por uma propriedade muito in-
cia inalterado, exatamente como ele sempre foi. Isso era descrito dizendo-se teressante. Se fosse lançado um punhado de partículas dentro desse universo
que o universo era estático. elas se comportavam de uma maneira estranha: elas pareciam estar se afas-
As equações da teoria relativística da gravitação descrevem a natureza do tando umas das outras. Isso foi interpretado como tendo alguma relação com
espaço-tempo e isso logo levou os pesquisadores a perguntar o que elas pode- os resultados de redshift obtidos por Slipher e por muito tempo foi chamado
riam dizer sobre a estrutura do próprio universo ou seja, a estrutura do espa- de “efeito de Sitter”.
ço-tempo sob o maior ponto de vista possível. Isso é o domínio da Cosmologia. Os argumentos parecem se contradizer, pois foi dito que o universo é o
todo de matéria e energia existentes e agora é dito que é possível jogar algo
O UNIVERSO ESTÁTICO DE EINSTEIN “dentro” do universo? Onde estava essa matéria até agora? Pior ainda, para
jogar alguma coisa dentro do universo é preciso estar do lado de “fora” dele, o
Tanto Albert Einstein como outros pesquisadores logo se dedicaram que é um absurdo!
a essa tarefa ambiciosa. Em 1917, um ano após Einstein ter divulgado as
equações da TRG em sua forma final, para sua surpresa, verificou-se que as
equações da TRG não tinham soluções estáticas quando estudadas em esca-
las cosmológicas. Dito de outro modo, as equações da TRG previam que o
universo não era estático: ele era dinâmico e deveria estar ou se expandindo
ou se contraindo.
A conclusão de que o universo deveria ser dinâmico e não estático de-
sagradou Einstein. Mas havia um problema com o modelo de universo
estático: a TRG mostrava que modelos contendo matéria não podiam ser es-
táticos. Se o universo fosse estático desde o seu início, a atração gravitacional
da matéria faria todos os corpos existentes colapsarem sobre si mesmos. Isso
parecia ridículo, pois não havia qualquer razão que justificasse um espaço
tão instável.
Para Einstein tudo isso era implausível e ele imediatamente decidiu mo-
dificar sua teoria a fim de obrigar a existência de uma solução cosmológica
estática mas estável. Para isso Einstein alterou as equações de campo da TRG
introduzindo um termo que foi chamado de constante cosmológica e repre- Einstein e Sitter discutindo cosmologia.
sentada pela letra grega lambda maiúscula (Λ). Sua função era fornecer solu- Podemos supor então que um grupo de partículas é criado, bem próximas
ções cosmológicas estáticas estáveis. Essa constante cosmológica agia como umas das outras em um determinado ponto do universo.
uma força repulsiva que se opunha à ação da força gravitacional. Ajustando o De novo vem a dúvida: então podemos criar partículas a partir do “nada”?
valor dessa constante cosmológica era possível contrabalançar a ação da gra- De repente essas partículas surgem e pronto! Está explicado! Isso é uma viola-
vidade que resulta de uma distribuição uniforme de matéria. Se essa constante ção do princípio de conservação de energia!
fosse diferente de zero, o modelo estático com matéria não colapsaria sob sua A explicação vem do fato que as partículas surgiram a partir de uma flutu-
própria gravidade. ação quântica do vácuo.
Einstein considerava que essa “constante cosmológica” era somente “um Logo foi mostrado que a natureza estática do universo de de Sitter era
termo hipotético”. Segundo ele, essa constante “não era exigida pela teoria um artifício puramente matemático. Seu modelo de universo se compor-
nem parecia natural de um ponto de vista teórico”. Ele declarou que “esse ter- tava de modo estático somente devido ao fato dele não conter matéria. A
mo é necessário somente para o propósito de tornar possível uma distribuição presença de matéria fazia com que ele exibisse suas características dinâ-
quase-estática de matéria”. micas. O astrônomo norte-americano Howard Robertson mostrou, mais
Em resumo, o modelo proposto por Einstein para o universo continha ma- tarde, que o modelo de universo proposto por de Sitter era homogêneo e
téria uniformemente distribuída. A geometria do espaço era esférica ou seja, o isotrópico e que nessa forma ele também era espacialmente plano, infinito
espaço era uniformemente curvado. Seu universo era de natureza estática: ele e estava se expandindo.
não estava se alterando, nem expandindo e nem colapsando.

126  Módulo 2 · Conhecendo o Universo em que vivemos Cosmologia - Da origem ao fim do universo  127
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Uma distinção pode ser feita agora entre os modelos de universo propostos
por Einstein e por de Sitter. O universo de Einstein era “matéria sem movi-
mento” enquanto que o universo de de Sitter era “movimento sem matéria”.

O UNIVERSO EM EXPASÃO
O universo
Surge o Universo em expansão de Friedmann
em expansão Em 1922 o matemático e meteorologista russo Alexander Friedmann (ou
Friedman) publicou um conjunto de soluções matemáticas possíveis das equa-
ções de campo da teoria relativística da gravitação. A análise dos resultados
obtidos mostrava um comportamento não estático para o Universo! Ao con-
trário do que havia sido previsto por Einstein, Friedmann apresentava uma
solução das equações relativísticas nas quais o universo estava em expansão.
A importância do trabalho de Friedmann está no fato de que ele propõe
três modelos que descrevem espaços cujas geometrias possuem curvaturas
positiva, zero e negativa. Isso foi feito uma década antes que o astrônomo nor-
te-americano Howard Robertson e seu companheiro Walker publicassem os
mesmos resultados.
Nesta época, nem Einstein nem qualquer outro cientista teve qualquer No encontro da Royal Astronomical Society, ocorrido em Londres no iní- George Lemaître (1894- 1966).
interesse no trabalho apresentado por Friedmann. Para os poucos que tive- cio de 1930, de Sitter admitiu que nenhuma das soluções propostas às equa-
ram contato com esse trabalho, as conclusões apresentadas pareciam ser me- ções do campo gravitacional relativístico, nem a sua solução cosmológica nem
ramente uma curiosidade teórica bem abstrata, sem qualquer contato com a aquela proposta por Einstein, poderiam representar o universo observado.
realidade do universo. A maioria dos astrônomos continuavam a considerar Quando Lemaître viu o resumo desse encontro, prontamente escreveu para o
que o universo real era estático. astrofísico inglês Arthur Eddington (que havia sido seu professor) relembran-
Foi grande o sentimento de desprezo com que os astrônomos trataram do a ele o artigo que havia publicado em 1927 no qual propunha um universo
essa descoberta de Friedmann, quando, em 1924, ele publicou novamente em expansão (até mesmo Eddington que havia lido o artigo de Lemaître na
o seu trabalho “Über die Möglichkeit einer Welt mit konstanter negativer época de sua publicação já o havia esquecido!).
Krümmung des Raumes” (Sobre a possibilidade de um universo com espaço Eddington prontamente reconheceu o valor do estudo feito por Lemaître e,
de curvatura negativa constante - Zeitschrift für Physik, vol. 21, páginas 326 sem perda de tempo, entrou em contato com de Sitter apresentando a ele esse
-332), o artigo foi visto como uma questão puramente da teoria da relativi- artigo fundamental, mas quase desconhecido. A existência do artigo de Lemaî-
dade, sem qualquer interesse astronômico. O artigo escrito por Friedmann tre foi aos poucos se espalhando entre os nomes célebres da época. Logo depois
nem mesmo apareceu no levantamento anual de artigos científicos sobre de tomar conhecimento da existência do artigo de Lemaître, de Sitter escreveu
tópicos de astronomia. para Harlow Shapley, que estava em Harvard, Estados Unidos, dizendo:
Infelizmente Friedmann não pode nem mesmo defender suas ideias, pois
um ano mais tarde ele morreu de febre tifóide, com apenas 37 anos de idade. “Eu encontrei a solução verdadeira, ou pelo menos
Pior ainda, hoje o trabalho pioneiro de Friedmann é simplesmente des-
uma solução possível, que deve estar aproximadamente
prezado por escritores, em particular norte-americanos, que se referem às so-
luções clássicas das equações de campo da TRG que descrevem um universo próxima da verdade, em um artigo... de Lemaître...que
homogêneo e isotrópico com sendo “métrica de Robertson-Walker”. Ninguém tinha escapado de minha atenção na época.”
Alexander Friedmann (1888- 1925).
se refere a isso como “métrica de Friedmann” e alguns poucos a chamam de
“métrica de Friedmann-Lemaître-Robertson-Walker” ou “métrica FLRW”. Einstein também logo confirmou que o trabalho apresentado por Lemaître

Georges Lemaître e o “nascimento” do Universo “se ajusta bem na teoria da relatividade geral”
Poucos anos após a publicação do trabalho de Alexander Friedmann, que
Arthur Eddington (1882- 1944).
mostrava pela primeira vez um universo em expansão, o astrofísico belga Ge- Em 1931, publicamente, de Sitter elogiou a “brilhante descoberta” de Le-
orges Lemaître chegou às mesmas conclusões. maître, o “universo em expansão”. Neste mesmo ano, Lemaître avançou mais
Lemaître era um padre católico que durante praticamente toda sua vida se ainda suas ideias propondo que o universo atual é formado pelas
interessou pela ciência. Em 1927 ele publicou na revista científica Annals of
the Brussels Scientific Society, um modelo de um universo que se expandia.
“cinzas e fumaça de fogos de artifício brilhantes mas
Como essa revista era pouco lida pela maioria dos grandes cientistas da época,
a contribuição científica de Lemaître não causou qualquer impacto nos meios muito rápidos. “
científicos. Sua teoria não foi amplamente conhecida e rapidamente esquecida
até mesmo por aqueles que leram o seu artigo. Hoje vemos esta “teoria de fogos de artifício”, como ela ficou sendo co-
nhecida em sua época, como uma primeira versão da “teoria do Big Bang” da
origem do Universo.
128  Módulo 2 · Conhecendo o Universo em que vivemos Cosmologia - Da origem ao fim do universo  129
17 18
O GRANDE DEBATE: SHAPLEY E CURTIS HUBBLE E A CLASSIFICAÇÃO DAS GALÁXIAS

Por volta de 1920 os astrônomos discordavam em vários assuntos que di- Quando estava escrevendo sua tese de doutorado em 1917, o astrônomo
ziam respeito à forma e tamanho da nossa Galáxia. A razão disso era o fato norte-americano Edwin Hubble notou que os catálogos já incluíam cerca de
de que eles ainda não dispunham de conhecimento para resolver um dos pro- 17000 objetos nebulosos, fracos e pequenos, que poderiam, no fim das contas,
O grande blemas fundamentais da astronomia: a determinação precisa das distâncias a serem resolvidos em agrupamentos de estrelas. Talvez 150000 destes objetos Hubble e a
corpos celestes. estivessem dentro do alcance dos telescópios então existentes.
debate: Shapley classificação
Esse desconhecimento levou a intensas discussões e desacordos sobre dois Hubble escreveu:
e Curtis pontos extremamente importantes para o conhecimento do Universo: das galáxias
Pouquíssimo é conhecido sobre a natureza das nebulosas
• Qual era a estrutura da nossa Galáxia? Quais eram seus limites? e nenhuma classificação importante foi sugerida até
• Qual era a verdadeira natureza das chamadas “nebulosas espirais”? agora; nem mesmo uma definição precisa foi formulada.”
Dois eminentes astrônomos norte-americanos, Harlow Shapley, traba-
A CLASSIFICAÇÃO DE HUBBLE
lhando então no Mount Wilson Observatory, e H. D. Curtis, do Lick Observa-
tory, tornaram-se os mais ardentes defensores de ideias bastante antagônicas
Os trabalhos desenvolvidos por Edwin Hubble foram muito significativos.
quanto às questões acima.
Prosseguindo no seu estudo das galáxias, Hubble desenvolveu um esquema de
Shapley acreditava que as “nebulosas espirais” eram partes distantes da
classificação para elas o qual, com pequenas revisões, permanece em uso hoje.
nossa Galáxia enquanto que Curtis dizia que elas eram galáxias inteiramente
Hubble dividiu as galáxias em duas categorias principais, galáxias elípticas
independentes da nossa.
e galáxias espirais com uma terceira categoria, as galáxias irregulares, utili-
Tal fato culminou com um debate entre eles, no dia 26 de abril de 1920,
zada para agrupar todas aquelas galáxias que, de algum modo, desafiavam a
patrocinado pela National Academy of Sciences dos Estados Unidos e que en-
classificação regular, não mostrando as características morfológicas marcan-
traria para a história da astronomia como o “Debate Shapley-Curtis” ou “O
tes das galáxias elípticas ou espirais.
Grande Debate”.
Eles iniciaram uma intensa discussão sobre este assunto: as “nebulosas es-
Galáxias Elípticas
pirais” pertenciam ou não à nossa Galáxia?
As galáxias elípticas, como o próprio nome indica, são galáxias que pos-
suem a forma de um elipsoide de revolução, uma figura que se obtém fazendo
O GRANDE DEBATE: A ESCALA DO UNIVERSO uma elipse girar em torno do seu eixo maior.
shapley curtis As galáxias elípticas não possuem características externas marcantes sen-
do, essencialmente, formadas por uma região central onde há uma enorme
O diâmetro de nossa Galáxia é de cerca de
O diâmetro de nossa Galáxia é de cerca de 10 kpc. densidade de estrelas. A esta região damos o nome de bojo nuclear. Para
100 kpc.
melhor estudar as galáxias elípticas, os astrônomos as subdividiram em sete
As “nebulosas espirais” não são comparáveis classes de elipticidades. Estas classes variam de E0 (circular) a E7 (forma de
As “nebulosas espirais” são galáxias semelhantes à nossa.
em tamanho à nossa Galáxia. um charuto).
As “nebulosas espirais” estão localizadas a distâncias que variam Numericamente calculamos a elipticidade de uma galáxia deste tipo usan-
As “nebulosas espirais estão localizadas do uma equação bastante simples, veja ao lado.
de 150 kpc para a “nebulosa” Andrômeda até mais de 3000 kpc
relativamente próximas à nossa Galáxia.
para aquelas mais distantes.
elipticidade = 10(a-b)/a

Curiosamente, o debate não fez terminar a controvérsia. Tanto Shapley


Onde: a é o comprimento do eixo maior e b é o comprimento do eixo
como Curtis mantiveram-se fiéis às suas ideias originais e a comunidade cien-
menor.
tífica permaneceu dividida. Na verdade, os resultados posteriores mostraram
Precisamos ter um pouco de cuidado com este tipo de classificação. Vemos
que cada um dos debatedores tinha razão em alguns pontos e não em outros.
claramente que a classificação proposta por Hubble não nos diz a forma verda-
Faltava algo muito especial para que os astrônomos pudessem conhecer as
deira da galáxia elíptica. Por exemplo, uma galáxia elíptica classificada como
dimensões corretas da nossa Galáxia. Havia mais do que estrelas e “nebulosas
E0 poderia ser uma galáxia elíptica do tipo E7 (um “charuto”) vista ao longo
espirais” no céu que nos envolve.
do seu comprimento.
Existia também gás e poeira espalhados entre as estrelas e esse material era
Estudos estatísticos têm mostrado que a distribuição das galáxias entre as
capaz de diminuir bastante, em algumas situações, o brilho de objetos situa-
diversas elipticidades é aproximadamente uniforme. Isto quer dizer que, pra-
dos atrás dele. Deste modo, qualquer cálculo de distância envolvendo o conhe-
ticamente, vemos o mesmo número de galáxias de todos os tipos entre E0 e E7.
cimento de magnitudes tinha que levar em conta o obscurecimento provocado
As imagena ao lado, a primeira obtida por David Malin do Anglo-Austra-
pela poeira e gás interestelares. E isso, até agora, não tinha praticamente sido
lian Observatory, nos mostra a galáxia M87 classificada como E0 e abaixo um
considerado. Somente em 1930 é que, com os trabalhos do astrônomo suíço
exemplo de uma galáxia elíptica do tipo E5, a galáxia M 110.
Robert Julius Trumpler, os pesquisadores ficaram convencidos de que existia
um meio interestelar capaz de absorver a radiação emitida pelas estrelas.

130  Módulo 2 · Conhecendo o Universo em que vivemos Cosmologia - Da origem ao fim do universo  131
As galáxias elípticas possuem as seguintes características físicas: sequência paralela às galáxias espirais e, devido à presença desta “barra” são
chamadas de galáxias espirais barradas. As galáxias espirais barradas são
• estrutura central: as galáxias elípticas são formadas apenas por bojo.
classificadas como:
Elas não possuem qualquer forma de disco.
• SBa
• braços espirais: não possuem qualquer vestígio de braço espiral.
• SBb
• presença de gás: quase nenhum gás é observado nas galáxias elípticas. • SBc
• presença de estrelas jovens e regiões HII (regiões onde o hidrogênio
está ionizado): praticamente não possuem. EXEMPLOS DE GALÁXIAS ESPIRAIS BARRADAS
• estrelas: as galáxias elípticas são formadas por estrelas quase todas
A galáxia M 95 é classificada como A galáxia M 91 é classificada como A galáxia M 61 é classificada como
velhas, com idade aproximada de 1010 anos. Estas estrelas são do tipo
uma galáxia espiral barrada do uma galáxia espiral barrada do uma galáxia espiral barrada
espectral G-K e muito vermelhas.
tipo SBa. tipo SBb. tipo SBc.
• massa: as galáxias elípticas se distribuem em um intervalo de massa
que vai de 108 a 1013 massas solares
• luminosidade: a luminosidade das galáxias elípticas varia entre 106 a
1011 luminosidades solares.

Galáxias Espirais
As galáxias espirais, como o próprio nome diz, são galáxias que apresen-
tam uma estrutura externa espiral. Estas galáxias mostram braços espirais
que se enrolam em torno de uma região central que é o seu núcleo. Em torno
desta grande estrutura de braços e núcleo temos toda uma região aproxima-
damente esférica, que envolve totalmente a galáxia, e que chamamos de halo.
No entanto, as galáxias espirais não são todas iguais. Algumas apresentam
braços espirais muito abertos enquanto que em outras os braços são muito
apertados em torno do núcleo. Algumas delas têm núcleos muito grandes en-
quanto que em outras a região central é bastante pequena.
Muitas vezes é difícil perceber a presença da barra em uma galáxia espiral,
Para ajudar no estudo das propriedades físicas das galáxias espirais, Hubb-
só conseguindo detectá-la após um estudo detalhado. Abaixo mostramos a
le as dividiu em três classes com a seguinte denominação:
galáxia NGC 6782 que é uma espiral barrada embora isso não seja tão claro no
exame da imagem. No entanto podemos ver com clareza a espetacular e com-
• Sa
plexa estrutura de um anel que esta galáxia possui em torno da sua barra e,
• Sb
obviamente, do seu núcleo. A presença deste anel é bastante marcante em al-
• Sc
gumas galáxias barradas embora não seja exclusividade delas. A galáxia NGC
EXEMPLOS DE GALÁXIAS ESPIRAIS 6782, com 80000 anos-luz de diâmetro, está localizada na constelação Pavo, a
180 milhões de anos-luz de distância. Copyright: Rogier Windhorst (ASU) e
colaboradores, Hubble Heritage Team, NASA
A galáxia M 94 é uma galáxia espiral A galáxia M 81 é uma galáxia espiral A galáxia M 101 é uma galáxia espiral
classificada como sendo do tipo Sa. classificada como sendo do tipo Sb. classificada como sendo do tipo Sc.

Algumas galáxias espirais mostram, além das estruturas citadas acima,


uma “barra” que parece cruzar sua região central. Estas galáxias formam uma

132  Módulo 2 · Conhecendo o Universo em que vivemos Cosmologia - Da origem ao fim do universo  133
Para classificar as galáxias espirais, barradas ou não, em cada uma destas • estrelas: as estrelas das galáxias lenticulares são estrelas velhas de tipo
classes, Sa, Sb, Sc, SBa, SBb, SBc, usamos vários critérios. Aqui estão alguns espectral G-K, vermelhas.
deles:

• tamanho do bojo nuclear: as galáxias Sa ou SBa possuem um bojo Galáxias Irregulares


grande. O tamanho do bojo vai diminuindo ao longo da classificação As observações logo mostraram que várias galáxias não podiam ser classi-
até as galáxias Sc ou SBc que têm o bojo muito pequeno. ficadas como espirais ou elípticas. Elas não mostravam as principais caracte-
rísticas destas categorias tais como braços espirais, bojo, etc. Muitas delas não
• abertura dos braços espirais: as galáxias Sa ou SBa apresentam bra-
possuíam qualquer forma de simetria que permitisse sua classificação a não
ços espirais fortemente enrolados. Os braços vão se tornando cada vez
ser com a criação de uma nova classe. Estas galáxias são classificadas como
mais abertos até que nas galáxias Sc ou SBc eles são muito abertos.
galáxias irregulares.
• presença de gás: as galáxias Sa ou SBa têm pouca quantidade de gás, Atualmente consideramos que as galáxias irregulares podem ser agrupa-
aproximadamente 1%. Esta quantidade de gás é de cerca de 2 a 5% nas das em duas classes principais:
galáxias Sb ou SBb e fica entre 5 e 10% nas galáxias Sc ou SBc. EXEMPLOS DE GALÁXIAS
• Irregulares I IRREGULARES
EXEMPLOS DE GALÁXIAS • resolução dos braços em estrelas jovens e regiões HII: as galáxias Sa
LENTICULARES ou SBa possuem uma estrutura suave, apresentando apenas vestígios • Irregulares II Galáxia Grande Nuvem de
de regiões H II e estrelas jovens. As regiões H II são pequenas e em Magalhães é uma típica galáxia
As galáxias irregulares I, também chamadas de Irr I, podem ser considera-
Galáxia M 86, classificada como pouca quantidade. Estas quantidades vão aumentando ao longo da irregular I (Irr I).
das como uma extensão lógica do diagrama de Hubble. Vemos nelas algumas
uma galáxia lenticular tipo SO. classificação até as galáxias Sc ou SBc cujos braços apresentam uma
características que parecem situá-las como sendo a continuação das galáxias
estrutura não suave, mostrado regiões onde a matéria se amontoa,
espirais classificadas como classe Sc. Estas características são um alto conteú-
muitas regiões HII e estrelas jovens brilhantes.
do de gás e a presença dominante de uma população de estrelas jovens.
• estrelas: As galáxias Sa e SBa mostram algumas estrelas jovens, de Algumas galáxias Irregulares I mostram estruturas que se assemelham um
classe espectral G (amarela) e K (laranja-vermelha). O número de es- pouco a uma “barra” e também podem mostrar uma pequena estrutura espi-
trelas jovens cresce continuamente ao longo da classificação. As ga- ral. Um exemplo clássico disso é a Grande Nuvem de Magalhães, uma galáxia
láxias Sb e SBb mostram uma quantidade maior de estrelas jovens, irregular que apresenta algo parecido com uma “barra” no seu centro. Por este
de classe espectral entre F e K e com cor tendendo a ser menos aver- motivo, estas galáxias são, algumas vezes, chamadas de galáxias “Irregulares
melhada. As galáxias Sc e SBc apresentam muitas estrelas jovens, de Magelânicas”.
classe espectral A (branca) e F (amarelo-branca) sendo, portanto, bem As galáxias irregulares II, ou Irr II, são aquelas cuja estrutura desafia qual- A galáxia M 82 é classificada como
menos vermelhas do que as da classe Sb ou SBb. quer tentativa de classificação. Elas não possuem qualquer simetria e sua for- irregular II (Irr II).
ma alterada mostra que elas passaram por algum tipo de perturbação que as
Galáxia lenticular barrada NGC • massa: as galáxias espirais se distribuem no intervalo de massa que vai
2787. Com cerca de 4500 anos-luz deixou sem qualquer forma regular.
de 1012 a 109 no sentido das Sa/SBa para as Sc/SBc
de diâmetro, esta galáxia, de tipo
• luminosidade: as galáxias espirais se distribuem no intervalo de lu- As galáxias irregulares possuem as seguintes características físicas:
SB0, está situada a 24 milhões
minosidade que vai de 1011 a 108 no sentido das Sa/SBa para as Sc/SBc
de anos-luz de distância, na
constelação Ursa Major. • estrutura central: as galáxias irregulares não apresentam estrutura
Galáxias Lenticulares central
Após ter completado seu esquema de classificação, Hubble notou que era • braços espirais: algumas galáxias irregulares mostram vestígios de
necessária uma outra classe, intermediária entre as galáxias elípticas e as galá- braços espirais
xias espirais, barradas ou não.
• gás: as galáxias irregulares apresentam muito gás, entre 10% e 50%
Estas novas galáxias são classificadas como galáxias lenticulares e rece-
bem a sigla S0 e SB0 dependendo de ter (SB0) ou não (SO) uma barra. • estrelas jovens e regiões HII: é importante a presença de estrelas jo-
Do mesmo modo que as galáxias espirais, as galáxias lenticulares contém vens e regiões H II nas galáxias irregulares. Estas características do-
um disco mas, como as galáxias elípticas, elas praticamente não têm poeira, minam a sua aparência.
gás e braços espirais.
• estrelas: as estrelas das galáxias irregulares são na maioria jovens em-
As galáxias lenticulares possuem as seguintes características físicas:
bora também apresentem algumas estrelas muito velhas. Estas estrelas
têm os tipos espectrais entre A e F e são bem mais azuis.
• estrutura central: as galáxias lenticulares apresentam bojo e disco
• massa: as galáxias irregulares apresentam massa no intervalo entre 108
• braços espirais: não têm qualquer vestígio de braço espiral
a 1011 massas solares.
• presença de gás: elas quase não contém gás
• luminosidade: as galáxias irregulares apresentam luminosidade no
• estrelas jovens e regiões H II: as galáxias lenticulares não mostram a intervalo entre 108 a 1011 massas solares.
presença de estrelas jovens e regiões H II

134  Módulo 2 · Conhecendo o Universo em que vivemos Cosmologia - Da origem ao fim do universo  135
A CLASSIFICAÇÃO GERAL DE HUBBLE: O Ficamos então com uma nova classificação de Hubble com a seguinte forma:
“DIAGRAMA DIAPASÃO”   Sa Sb Sc Sd
  Sab Sbc Scd
  S0  
E0 E1 E2 E3 E4 E5 E6 E7  
  SB0  
  SBa SBb SBc SBd
  SBab SBbc SBcd

A nova classificação mantém também as duas classes irregulares ou seja,


irregulares I e irregulares II.

ALGUMAS GALÁXIAS INTERESSANTES

NGC4013 M51

Esta é a galáxia Whirlpool, uma galáxia espiral clássica,


do tipo Sc, situada a 15 milhões de anos-luz de nós
O Hubble Space Telescope obteve esta imagem da
na constelação Canes Venatici. Esta galáxia, também
galáxia NGC 4013, um objeto que está perfeitamente
conhecida como M 51 ou NGC 5194, tem 65000 anos-
de perfil em relação a nós.
luz de diâmetro. Ela é uma das mais brilhantes galáxias
A galáxia NGC 4013 é uma galáxia espiral, muito
em todo o céu.
parecida com a nossa Galáxia, que está situada a 55
A imagem abaixo mostra o campo onde se encontra
milhões de anos-luz de nós na constelação Ursa major.
a galáxia M 51. A galáxia menor que aparece
A imagem nos revela que enormes nuvens de gás e
abaixo e a esquerda de M 51 está bem atrás dela.
poeira se estendem ao longo, e também bem acima,
Pode-se concluir que, a partir da observação, a
do disco principal da galáxia.
O CONTEÚDO FÍSICO DE UMA GALÁXIA E SUA poeira pertencente ao braço espiral de M 51 está
Se esta galáxia fosse vista de frente ela pareceria um
obscurecendo a luz desta pequena galáxia.
CLASSIFICAÇÃO DE HUBBLE cata-vento circular, com seus braços espirais bem
Os astrônomos acreditam que a estrutura espiral de M
estendidos.
51 foi produzida pela sua interação gravitacional com
O que forma uma galáxia? Estrelas, gás e poeira interestelares, nebulosas
esta galáxia menor vista na imagem.
de emissão, nebulosas de reflexão, estes são os componentes básicos de uma
galáxia. No entanto, quando estudamos as galáxias procuramos conhecer não
as propriedades de seus elementos individuais mas sim suas propriedades
globais.
Um fato interessante é que praticamente todas as características observá-
veis das galáxias estão diretamente relacionadas com a sua classificação de
Hubble.

A CLASSIFICAÇÃO DE HUBBLE ATUAL

Com o desenvolvimento das técnicas observacionais verificou-se a necessi-


dade de melhorar a classificação geral de Hubble. Para isso, embora mantendo
o tradicional esquema de classificação com a forma de um “diagrama diapa-
são”, algumas modificações foram incluídas.
A classificação de Hubble mais moderna adiciona algumas classes, tais
como Sd e SBd além de criar uma sub-classificação entre as classes conhecidas
como mostramos abaixo:

• Sab: entre as classes Sa e Sb


• Sbc: entre as classes Sb e Sc
• Scd: entre as classes Sc e Sd

O mesmo tipo de subdivisão ocorre na categoria das galáxias barradas.

136  Módulo 2 · Conhecendo o Universo em que vivemos Cosmologia - Da origem ao fim do universo  137
ALGUMAS GALÁXIAS INTERESSANTES ALGUMAS GALÁXIAS INTERESSANTES

“OBJETO DE HOAG” NGC 253 NGC 1705 NGC 4622

Descoberta por Caroline Herschel em 1783. Ela é a


Quando, em 1950, o astrônomo Art Hoag descobriu Esta galáxia irregular anã, está localizada a 17 milhões
galáxia mais brilhante do grupo de galáxias Sculptor e é Está localizada na constelação Centaurus a cerca de
este objeto extragaláctico não usual, os astrônomos de anos-luz da Terra. Ela é classificada como galáxia 100 milhões de anos-luz de nós. Seus braços espirais
a galáxia “starburst” mais próxima de nós (o significado
logo começaram a questionar se isto se tratava de uma “anã” por possuir um diâmetro pequeno, apenas mais externos mostram aglomerados estelares
do termo “starburst” será discutido mais tarde quando
ou duas galáxias. 2000 anos-luz. Seu aspecto é bastante semelhante azulados muito brilhantes e faixas de poeira escura.
tratarmos das chamadas “galáxias ativas”).
Este objeto, hoje conhecido como “Objeto de Hoag” àquele apresentado pelas duas galáxias satélites da Embora inicialmente os astrônomos pensassem que
O grupo de galáxias Sculptor fica localizado em
possui características muito interessantes. No seu nossa Galáxia, a Grande Nuvem e a Pequena esta galáxia estivesse girando no sentido levogiro
torno do pólo sul galáctico sendo, por este motivo,
lado externo vemos um anel dominado por estrelas Nuvem de Magalhães. (ou seja, no sentido contrário àquele dos ponteiros
conhecido também como “Grupo Polar do Sul”.
azuis brilhantes enquanto que próximo ao seu Esta imagem, obtida pelo Hubble Space Telescope, de um relógio), estudos mais recentes mostram que
Acredita-se que o grupo de galáxias Sculptor seja o
centro vemos uma bola de estrelas muito vermelhas mostra que a maioria das estrelas azuis, quentes e ela está rodando no sentido dextrogiro (no mesmo
grupo mais próximo do Grupo Local, o aglomerado de
que, provavelmente, são muito velhas. Entre estas jovens desta galáxia estão concentradas em um grande sentido que os ponteiros de um relógio). Tudo indica
galáxias ao qual a nossa galáxia pertence. que uma colisão no passado com uma pequena galáxia
duas regiões há um espaço que parece ser quase aglomerado central. As estrelas vermelhas, mais frias e
É também uma das galáxias mais brilhantes situadas companheira fez com que ela tivesse este estranho
completamente escuro. mais velhas, estão mais uniformemente distribuídas.
fora do Grupo Local de galáxias. Ela está situada a 10 arranjo de braços espirais, único entre as grandes
O “Objeto de Hoag” tem 100000 anos-luz de diâmetro Esta galáxia provavelmente se formou há cerca de
milhões de anos-luz de nós. galáxias espirais.
e está situado a 600 milhões de anos-luz de nós na 13 bilhões de anos.
A imagem abaixo, obtida pelo Hubble Space Telescope,
constelação Serpens.
mostra a região central da galáxia NGC 253. Esta é uma
Até hoje os astrônomos não sabem como o “Objeto de
região de intensa, e violenta, formação de estrelas
Hoag” se formou. Alguns outros objetos semelhantes
(uma característica das galáxias “starburst”).
a este foram encontrados e são conhecidos como
A imagem detalhada obtida pelo Hubble Space
“galáxias com anel”. Nesta mesma imagem, obtida pelo
Telescope permite identificar estruturas complexas
Hubble Space Telescope, vemos visível no espaço entre
na região central de NGC 253 como, por exemplo,
as duas estruturas do “Objeto de Hoag” (na posição
aglomerados estelares, faixas de poeira, filamentos
que o ponteiro de um relógio apontaria a 1 hora) uma
de gás brilhante e regiões de gás denso. Também foi
outra “galáxia com anel”, muito mais distante do que o
identificado nesta região um aglomerado estelar super
“Objeto de Hoag”.
compacto e muito denso.

138  Módulo 2 · Conhecendo o Universo em que vivemos Cosmologia - Da origem ao fim do universo  139
ALGUMAS GALÁXIAS INTERESSANTES ALGUMAS GALÁXIAS INTERESSANTES

NGC 4650A NGC 4414 ESO 510-G13

Um objeto estranhamente distorcido que foi Fotografada pelo Hubble Space Telescope, ela está localizada a cerca de 150 milhões de anos-luz de nós, na
observado pelo Hubble Space Telescope. Esta galáxia constelação Hydra do hemisfério sul. Tem esse nome por ter sido observada pela primeira vez pelos telescópios
está localizada a 165 milhões de anos-luz de nós, na Localizada em Coma Berenices a 60 milhões de anos- do European Southern Observatory (ESO), um conglomerado de observatórios europeus localizados no Chile.
constelação Centaurus, no hemisfério sul. luz, esta é a galáxia espiral NGC 4414. As galáxias espirais normais, tais como a nossa Galáxia, quando são observadas de perfil mostram seus braços
Este sistema complexo parece ser composto por Esta galáxia mostra vários aspectos clássicos de uma espirais e sua poeira com uma forma bem achatada, uma faixa estreita que se distribui ao longo da galáxia. A
pelo menos duas partes. Existe um disco achatado galáxia espiral, incluindo faixas espessas de poeira, forma da galáxia ESO 510-G13 é bastante estranha. Ela também está de perfil, mas mostra que o seu disco de
de estrelas com uma região central brilhante e uma região central rica em estrelas vermelhas velhas poeira está retorcido.
densa. Existe também um anel, fortemente inclinado, e braços espirais desenrolados brilhando com suas Este disco retorcido nos indica que a galáxia ESO 510-G13 colidiu com uma galáxia vizinha no passado. Neste
formado por gás, poeira e estrelas distribuídas estrelas azuis jovens. momento ela está “engolindo” a galáxia menor. Daqui a milhões de anos a galáxia ESO 510-G13 estabilizará
de modo esparso. Apesar de possuir muitas estrelas variáveis Cefeidas, assumindo a forma de uma galáxia espiral de aparência normal.
As observações mostram que as estrelas que estão os astrônomos ainda têm dúvidas sobre a verdadeira Nas regiões mais externas da galáxia ESO 510-G13, especialmente no lado direito da imagem, vemos que o disco
no disco e as estrelas e gás que estão no anel distância em que ela se encontra. retorcido contém não somente poeira escura mas também nuvens brilhantes de estrelas azuis. Isto mostra que
realmente se movem em dois planos diferentes, A estrela brilhante que aparece no lado direito da estrelas jovens e quentes estão sendo formadas no seu disco.
aproximadamente perpendiculares. imagem detalhada pertence à nossa Galáxia.
Acredita-se que esta distribuição seja resultante de
uma colisão de galáxias ocorrida no passado.

GALÁXIAS “STARBURSTS”

Desde meados da década de 1970 os astrônomos sabem que existe um pe-


queno número de galáxias cujos núcleos contém uma grande quantidade de
estrelas do tipo espectral O e B, assim como muito gás ionizado. Estas galáxias
IRAS, lançado em 1983.
mostram que suas regiões centrais estão passando, ou passaram, por intensos
processos de formação estelar, que chamamos de “bursts”, e que produzem
enormes quantidades de estrelas jovens muito luminosas.
Consequentemente, estas galáxias também possuem muitas supernovas,
tendo em vista o processo de rápida evolução das estrelas de grande massa. Os
astrônomos chamam estas galáxias de galáxias starburts e o processo de inten-
sa formação de estrelas que ocorre nestas galáxias recebe o nome de starbursts.
O satélite artificial Infrared Astronomical Satellite (IRAS), um projeto
bem sucedido realizado pelos Estados Unidos, Holanda e Inglaterra e lançado
em 1983, mostrou que os “starbursts” podem ser processos comuns que ocor-
rem naturalmente durante a evolução das galáxias. Além disso, o IRAS mos-
trou que os “starburts” são processos intensamente luminosos, quase sempre
ocorrendo a emissão de uma quantidade de energia semelhante àquela dos
quasares, em comprimentos de onda na região espectral do infravermelho.

140  Módulo 2 · Conhecendo o Universo em que vivemos Cosmologia - Da origem ao fim do universo  141
ALGUMAS GALÁXIAS “STARBURSTS” ALGUMAS GALÁXIAS “STARBURSTS”

M 94 NGC 3310 NGC 4214

Esta é a galáxia starburst NGC 3310, localizada a cerca Esta galáxia, NGC 4214, está localizada a cerca de 13 milhões de anos-luz de nós. Esta nossa vizinha está, neste
de 50 milhões de anos-luz de nós na constelação momento, formando aglomerados de novas estrelas a partir do seu gás e poeira interestelares.
Ursa Major e tem 20000 anos-luz de diâmetro. Nesta Nesta imagem, obtida pelo Hubble Space Telescope, podemos ver as regiões em que as estrelas estão sendo
galáxia espiral está sendo produzida uma enorme formadas. A imagem é dominada por nuvens de gás brilhante que circunda aglomerados estelares muito
quantidade de estrelas. luminosos. Os aglomerados mais jovens estão localizados no lado direito, em baixo, da imagem. Eles aparecem
As novas estrelas desta galáxia são muito luminosas como cerca de meia dúzia de amontoados de gás muito brilhante. Estas nuvens gasosas brilham intensamente
Galáxia espiral que está situada na constelação Canes e tão quentes que fazem a galáxia inteira brilhar não devido à forte radiação ultravioleta emitida pelas estrelas que recentemente se formaram dentro deles. Estas
Venatici, a cerca de 15 milhões de anos-luz de nós, e apenas na luz azul mas também na região ultravioleta estrelas jovens, com temperaturas que vão de 10000 a cerca de 50000 Kelvins, aparecem com uma cor entre o
tem cerca de 30000 anos-luz de diâmetro. Nota-se que do espectro eletromagnético, que os nossos olhos não esbranquiçado e o azulado.
o centro desta galáxia é muito brilhante. Circundando são capazes de detectar. Vemos também a impressionante região central de NGC 4214, um aglomerado de centenas de estrelas azuis de
o seu núcleo vemos destacar-se um anel de estrelas Esta imagem no ultravioleta foi obtida pelo Hubble grande massa, cada uma delas mais de 10000 vezes mais brilhante que o Sol.
recentemente formadas, as responsáveis pelo forte Space Telescope. Alguns astrônomos acreditam que a
brilho que tem o seu interior. galáxia colidiu, há cerca de 50 milhões de anos, com
uma galáxia anã sua companheira. Como consequência
desta fusão ondas de densidade varreram o seu
disco espiral, fazendo com que várias nuvens
moleculares gigantes iniciassem o processo de colapso
gravitacional. Estas regiões se transformaram em
locais de intensa formação de estrelas.

GALÁXIAS EM COLISÃO

Embora o Universo pareça ser muito vazio e as galáxias estejam a distân-


cias imensas uma das outras, processos de colisão entre galáxias ocorrem tan-
to nas nossas vizinhanças como em partes bastante distantes do Universo.
As galáxias grandes, tais como a nossa própria galáxia, frequentemente
colidem com alguma galáxia vizinha pertencente ao mesmo aglomerado de
galáxias. Na maior parte dos casos a colisão se dá entre uma galáxia de grande
tamanho e uma galáxia “anã”. O resultado disso é que a galáxia grande “engo-
le” a outra, incorporando-a à sua estrutura.
Algumas vezes pode ocorrer a colisão entre duas galáxias grandes. Neste
caso elas se fundem e formam uma única galáxia elíptica.
É claro que a colisão entre duas galáxias, grandes ou pequenas, provoca
uma intensa formação de estrelas, devido às ondas de densidade que percor-
rem o sistema durante e após a fusão delas. Apesar de ser uma “colisão”, é pro-
vável que nenhuma estrela nas duas galáxias colida diretamente. No entanto, o
gás, a poeira e seus campos magnéticos interagem bem diretamente.
No entanto, o processo de colisão “frequente” ent re duas galáxias é muitís-
simo mais lento do que as colisões a que estamos acostumados. Por exemplo, o
processo de colisão entre duas galáxias grandes leva cerca de 1 bilhão de anos!
Se o processo é tão lento, como podemos estudar as colisões entre galáxias?
Já que não podemos sentar e assistir uma colisão entre galáxias o que temos

142  Módulo 2 · Conhecendo o Universo em que vivemos Cosmologia - Da origem ao fim do universo  143
que fazer é estudar as colisões que estão acontecendo. Os astrofísicos estudam
com atenção as regiões onde esta interação parece estar provocando fenôme- GALÁXIAS EM COLISÃO
nos que podem ser detectados pelos seus equipamentos, na Terra ou em saté-
NCG 4038
lites. Uma grande possibilidade é estudar estas colisões na região espectral do
ultravioleta, uma vez que as estrelas que se formam durante a colisão são gi- Esta imagem foi obtida em 20 de janeiro de 1996 por Brad Whitmore, do Space Telescope Science Institute
gantescas, muito quentes, e emitem muita radiação ultravioleta. Outro proces- (Estados Unidos), usando a Wide Field Planetary Camera 2 do Hubble Space Telescope, um projeto
so para estudar a colisão entre galáxias é por meio de simulações destas conjunto NASA/ ESA. Ela nos mostra o processo de colisão que está ocorrendo entre as galáxias Antennae,
colisões feitas em computadores. formalmente conhecidas como NGC 4038 e NGC 4039. Estas galáxias foram chamadas de “antena” por causa
das longas caudas de matéria luminosa que as acompanham, parecendo as antenas de um inseto. Estas
GALÁXIAS EM COLISÃO caudas foram formadas pelas intensas forças gravitacionais que atuam entre as galáxias.
Estas duas galáxias estão localizadas a 63 milhões de anos-luz de nós, na constelação Corvus do
NGC 2207 e IC 2163 hemisfério sul.
No lado esquerdo da imagem vemos as galáxias Antennae fotografadas por um telescópio situado na Terra.
A imagem obtida pela Wide Field Planetary Camera 2 do Hubble Space Telescope, mostra o processo de No lado direito está a imagem obtida pelo Hubble Space Telescope. Ela fornece detalhes do brilhante show
colisão entre duas galáxias espirais situadas na constel ação Canis Major. de “fogos de artifício” que está ocorrendo no centro da colisão destas galáxias. Estes “fogos” revelam a
A galáxia maior, com mais massa, mostrada à esquerda desta imagem, é a NGC 2207 e a menor delas, situada formação de mais de 1000 aglomerados estelares nesta região devido ao processo de colisão.
à direita da imagem, é IC 2163. As regiões centrais destas galáxias são as “bolhas” de cor laranja situadas a direita e a esquerda do centro
O processo de interação entre elas é tão forte que intensas forças de maré produzidas por NGC 2207 da imagem. Estas regiões estão riscadas por filamentos de matéria escura. Uma larga banda de poeira,
modificaram a forma de IC 2163, produzindo os rastros de estrelas e gás que vemos se espalhando por distribuída de maneira caótica, se espalha entre as regiões centrais das duas galáxias. Os braços espirais são
centenas de milhares de anos-luz na direção da borda direita da imagem. marcados pelos brilhantes aglomerados de estrelas azuis que resultam do intenso processo de formação
Os estudos feitos sobre esta colisão mostram que a galáxia IC 2163 está passando atrás da galáxia NGC 2207 estelar desencadeado por esta colisão.
movendo-se em uma direção contrária à dos ponteiros do relógio. A maior aproximação entre elas ocorreu
há 40 milhões de anos. Entretanto, devido à sua pequena massa, a galáxia IC 2163 não conseguirá escapar do
puxão gravitacional exercido pela galáxia NGC 2207. O destino de IC 2163 é, no futuro, ser puxada de volta
na direção de NGC 2207 e, de novo, passar por ela em outro processo de colisão. Este processo de interação
entre elas, mantendo-as aprisionadas nesta estranha órbita mútua, em que uma gira em torno da outra,
resultará na contínua distorção de ambas. Daqui há bilhões de anos elas se fundirão em uma única galáxia
com muita massa.

144  Módulo 2 · Conhecendo o Universo em que vivemos Cosmologia - Da origem ao fim do universo  145
Quando queremos localizar galáxias no universo utilizamos um outro
GALÁXIAS EM COLISÃO sistema de coordenadas chamado sistema de coordenadas galácticas. Este
sistema de coordenadas nos permite ver de que modo os objetos celestes estão
NGC 6745
distribuídos em relação ao plano da nossa Galáxia.
Este é o estado em que ficou a galáxia espiral NGC 6745 após colidir com outra galáxia durante centenas No sistema de coordenadas galácticas o grande círculo fundamental é o
de milhões de anos. A galáxia NGC 6745 tem 80000 anos-luz de diâmetro e está localizada a cerca de 200 equador galáctico. O equador galáctico é definido como a interseção do plano
milhões de anos-luz de nós. galáctico com a esfera celeste. Em relação a este equador galáctico podemos
A galáxia que causou esta deformação na NGC 6745 quase não aparece na imagem. Ela é uma galáxia definir pólos galácticos, exatamente do mesmo modo como definimos os pó-
pequena, que mostra uma pequena parte no lado direito, em baixo, da imagem e que está se afastando. los celestes em relação ao equador celeste.
A interação gravitacional entre as duas galáxias distorceu suas formas. Na parte de baixo, na direita, vemos Definimos o pólo norte galáctico como o pólo que está no mesmo hemis-
uma região gasosa que foi arrancada da galáxia maior e está formando estrelas. fério que o pólo celeste norte. As posições dos pólos galácticos foram determi-
nadas pela União Astronômica Internacional (IAU) em 1959.
Para definir a posição de um objeto por meio de coordenadas galácticas
usamos:

• latitude galáctica (b) (as linhas “horizontais” na figura abaixo)


• longitude galáctica (l) (as linhas “verticais” na figura abaixo)

E como estabelecemos as coordenadas galácticas de um objeto celeste?


Para isso desenhamos um grande círculo que passa pelos dois pólos galácticos
e pelo objeto.
A latitude galáctica deste objeto é a distância angular, medida sobre o
grande círculo que passa por ele, que vai do equador galáctico até a posição do
objeto. A latitude galáctica varia de -90o no pólo sul galáctico ate +90o no pólo
galáctico norte. Isso nos mostra que os objetos que apresentam uma latitude
galáctica zero (ou próxima a zero) estão situados no plano formado pelo disco
da nossa Galáxia.
A longitude galáctica de um objeto é a distância angular, medida ao longo
do equador galáctico, que vai do centro da nossa Galáxia até o grande círculo
que passa pelo objeto. Esta medida é feita sempre na direção leste indo de 0o
a 360o. A União Astronômica Internacional (IAU) fixou que o ponto zero de
longitude galáctica é o centro da nossa Galáxia.
Observações feitas com o satélite artificial Hipparcos permitiram que os
pólos galácticos fossem determinados com grande precisão. Suas coordenadas
são:
lg = 0,004o ± 0,039o
bg = 89,427o ± 0,035o

O nosso Sol está localizado a cerca de 34,56 ± 0,56 parsecs acima do plano
da nossa Galáxia, o que equivale a cerca de 112,7 ± 1,8 anos-luz.

COORDENADAS ASCENSÃO
DECLINAÇÃO OBSERVAÇÕES
GALÁCTICAS RETA
COMO LOCALIZAMOS UMA GALÁXIA NO CÉU O pólo norte galáctico está localizado na constelação
Coma Berenices, próximo à estrela Arcturus.
pólo norte
Existe uma quantidade formidável de estrelas na nossa Galáxia. Para 12h 51m 26,282s 27o 07’ 42,01”
galáctico
localizá-las no céu precisamos utilizar um sistema de coordenadas. Para as O pólo sul galáctico está localizado na constelação
estrelas, usamos o chamado sistema de coordenadas equatorial, mostrado Sculptor.
a seguir, que nos fornece a ascensão reta e a declinação da estrela. Isso é sufi- ponto de longitude
ciente para que qualquer astrônomo, amador ou profissional, possa localizar o zero o ângulo de posição do ponto de longitude zero,
17h 45m 37,224s -28o 56’ 10,23”
objeto a ser observado no céu. (sobre o equador medido a partir do pólo norte galáctico, é de 122,932o
galáctico)

146  Módulo 2 · Conhecendo o Universo em que vivemos Cosmologia - Da origem ao fim do universo  147
19
A NATUREZA EXTRAGALÁCTICA DAS “NEBULOSAS
ESPIRAIS”

Antes do século XX, a maioria dos observatórios astronômicos estavam


localizados próximos a Universidades e, portanto, seus telescópios ficavam
Hubble e o situados em altitudes bem baixas. Somente a partir de 1900 é que foi forta-
lecida a ideia de que esses equipamentos deveriam ficar situados no alto de
universo em
montanhas.
expansão: Um dos pioneiros nisso foi o astrônomo norte-americano George Ellery
redshift Hale que reconheceu as vantagens dos sítios astronômicos em altas altitudes
e já no ano 1903 decidiu construir um novo observatório de pesquisa no topo
do monte Wilson, Estados Unidos.
Com o auxílio financeiro do magnata norte-americano Andrew Carnegie, Galáxias NGC 6822, M31 e M33.
Hubble percebeu que muitas das estrelas visíveis nessas galáxias mostra-
em 1909 entrou em funcionamento no Mount Wilson Observatory, um teles-
vam curvas de luz características de variáveis Cefeidas: 22 delas na “nebulo-
cópio refletor cujo espelho tinha 60 polegadas de diâmetro. Esse telescópio se
sa” M33 e 12 na “nebulosa espiral” M31, também conhecida como “nebulosa
destacou na pesquisa astronômica da época mas Hale queria mais. Ao mesmo
Andrômeda”.
tempo em que o telescópio refletor de 60 polegadas estava sendo construído,
A imagem ao lado mostra as páginas 156 e 157 do livro de anotações de
Hale já tinha obtido financiamento para a construção de um muito maior.
observações de Edwin Hubble. Nele está documentada a descoberta da pri-
Com os recursos oferecidos pelo magnata norte-americano John D. Hooker,
meira estrela variável Cefeida na “nebulosa” espiral M31. Inicialmente Hubble
Hale encomendou na França a fabricação do vidro que, ao ser polido, seria o
suspeitou que havia encontrado uma “Nova”, uma estrela que rapidamente au-
espelho de 100 polegadas de um novo, e bem maior, telescópio refletor. No dia
menta sua luminosidade que, em seguida, vai lentamente declinando. Ao lado
7 de dezembro de 1908, o mesmo dia em que o espelho de 60 polegadas foi
das anotações referentes à placa fotográfica de número 331, Hubble anotou
colocado em segurança no telescópio menor, o vidro fundido para o espelho
“Nova suspeita”. Ao lado das anotações da placa 335 Hubble escreveu “confir-
do telescópio de 100 polegadas chegou em Pasadena, Estados Unidos. Vários
mo “nova” suspeita”. Logo Hubble percebeu que ele havia encontrado não uma
anos de muito trabalho ainda passariam antes que o telescópio de 100 polega-
“nova” mas sim uma estrela variável tipo Cefeida.
das estivesse pronto para operação. Isso só aconteceu em novembro de 1917,
A imagem abaixo mostra a marcação feita por Hubble de “Novas” que ele
quando o telescópio foi testado e mostrou ter excelente qualidade.
encontrou em uma placa fotográfica da “nebulosa” Andrômeda. Essa placa foi
Mas, esse assunto interessa a quem quer estudar cosmologia? Ocorre que
obtida em uma exposição de 9 horas ao longo de duas noites em setembro de
o telescópio refletor de 100 polegadas, batizado com o nome de “telescópio
1920 usando o telescópio refletor de 100 polegadas do Mount Wilson Observa-
Hooker” em homenagem ao seu financiador, mostrou ser fundamental para
tory. A mancha escura ao centro é a região central da “nebulosa” espiral M31.
o conhecimento do Universo. Seu espelho podia coletar 2,5 vezes mais luz
Na parte superior da imagem vemos que, em uma delas, o “N” está riscado e
do que era coletada pelo telescópio de 60 polegadas do mesmo Observatório.
em seu lugar está escrito “VAR”, assinalando que esta é uma estrela variável,
Além disso, o telescópio Hooker podia ver um volume de espaço quatro vezes
mais tarde reconhecida como uma estrela variável Cefeida.
maior do que o seu parceiro menor. A descoberta de que o universo estava em
Cauteloso com o resultado encontrado, somente no início de 1924 é que
expansão ocorreria a partir de observações feitas nesse instrumento. Imagens do livro de anotações de Hubble.
Hubble o revelou em uma carta escrita a Harlow Shapley, onde anunciava a
Após servir como combatente das tropas norte-americanas na Primeira
descoberta de duas primeiras estrelas variáveis encontradas na “nebulosa”
Guerra Mundial, o astrônomo norte-americano Edwin Powell Hubble retor-
M31. Abaixo vemos a curva de luminosidade da primeira estrela variável Ce-
nou aos Estados Unidos e foi trabalhar no Mount Wilson Observatory que
feida descoberta por Edwin Hubble na “nebulosa” espiral M31 (hoje conhe-
dispunha de um novíssimo telescópio refletor de 100 polegadas, o mais po-
cida como galáxia Andrômeda). Usando essa curva Hubble pode determinar
deroso telescópio existente no mundo naquela época. Com esse equipamento
que essa “nebulosa” estava (segundo seus cálculos) a uma distância superior a
Hubble começou a obter imagens fotográficas de “nebulosas” e a estudar as
300000 parsecs da Terra. Hubble incluiu esse gráfico na carta que ele enviou a
estrelas nessas imagens.
Harlow Shapley no dia 19 de fevereiro de 1924.
Em 1923 Hubble, usando tanto o telescópio de 60 como o de 100 polegadas
Hubble tornou público oficialmente suas descobertas no “dia de Ano Novo”
do Mount Wilson Observatory, detectou a existência de estrelas variáveis em
de 1925 em um encontro científico da American Astronomical Society. Ali ele
uma “nebulosa” irregular (a galáxia NGC 6822). Isso fez com que ele inicias-
anunciou a descoberta de estrelas variáveis Cefeidas nas “nebulosas” espirais e
se uma caçada por mais estrelas variáveis em “nebulosas” e investigasse seus
mostrou que as determinações das distâncias desses objetos confirmavam que
Mount Wilson Observatory. períodos. Afinal, estrelas variáveis eram usadas como indicadores de distân-
essas “nebulosas” espirais eram objetos celestes completamente independentes
cias. A seguir vemos a “nebulosa espiral” (atualmente “galáxia” NGC 6822) o
da nossa Galáxia. Embora os dados apresentados por Hubble fossem suficien-
primeiro desses objetos a revelar a presença de estrelas variáveis. Essa é uma
tes para encerrar a controvérsia sobre a localização das “nebulosas espirais” (se
galáxia anã vizinha à nossa e dista 1,5 milhões de anos-luz da Terra.
elas eram ou não parte da nossa própria Galáxia) isso não aconteceu.
Ainda em 1923, Hubble foi capaz de “entender” as regiões mais externas de
Hubble conseguiu estabelecer, sem qualquer dúvida, que algumas das
duas “nebulosas espirais vizinhas à nossa, que hoje conhecemos como as galá-
“manchas nebulosas”, em particular as “nebulosas espirais” que observávamos
xias espirais M31 e M33. A seguir mostramos a galáxia M31 (Andrômeda) e a
no céu não faziam parte da nossa Galáxia, como se supunha até então. Estes
galáxia M33.
objetos também eram galáxias, conjuntos de bilhões de estrelas em mútua in-
148  Módulo 2 · Conhecendo o Universo em que vivemos Cosmologia - Da origem ao fim do universo  149
teração gravitacional. Estas galáxias estavam bem afastadas da nossa, sendo de 1912. A análise dos resultados o levou a estimar que a “nebulosa espiral”
portanto, objetos totalmente independentes da nossa Galáxia. Começava-se, Andrômeda estava se movendo na nossa direção a uma velocidade média de
então, a compreender que o Universo era formado por milhões e milhões de 300 quilômetros por segundo, a maior velocidade registrada em astronomia
galáxias, de diferentes formas e tamanhos, cada uma delas com bilhões de até aquela data. Este valor era tão grande que muitos astrônomos não acredi-
estrelas. O Universo havia sido “descoberto”. É interessante notar que a teoria tavam que ele fosse possível.
dos “Universos-ilha” proposta pelo filósofo Immanuel Kant ou seja, de que as Nos dois anos seguintes Slipher mediu velocidades para outras “nebulosas
“nebulosas espirais” são outras galáxias bastante afastadas da nossa, levou 180 espirais”. As primeiras poucas medições revelaram “nebulosas” se aproximan-
anos para ser aceita! do do lado Sul da nossa Galáxia e nebulosas se afastando no lado oposto.
Mas, quem disse que todos os problemas haviam sido resolvidos? A partir Em 1914 Slipher publicou um artigo no qual mostrava deslocamentos Do-
do momento em que os astrônomos passaram a compreender que o Universo ppler de 14 “nebulosas espirais”. Ele formulou então uma “hipótese de arras-
era formado por muitas outras galáxias, algumas semelhantes em forma à nos- to” para explicar o que estava acontecendo. Slipher imaginou que era a nossa
sa e outras completamente diferentes, muitas novas perguntas substituíram Galáxia que estava se movendo em relação às nebulosas, na direção do Sul
as poucas já respondidas. Uma das perguntas mais imediatas dizia respeito a (por isso víamos as “nebulosas” se aproximando) e se afastando do Norte (o
qual era a estrutura desses objetos e se havia algum processo de evolução entre que explicava o afastamento das “nebulosas medidas ao norte). Entretanto,
elas, tendo em vista se apresentarem com formas tão diferentes. observações feitas com mais espirais contradiziam isso. Foram encontradas
“nebulosas espirais” se afastando tanto no lado sul como no lado norte da
A VERIFICAÇÃO EXPERIMENTAL DA EXPANSÃO DO nossa Galáxia.
UNIVERSO: A RELAÇÃO DISTÂNCIA-VELOCIDADE Apesar das observações, Slipher permaneceu fiel à sua “hipótese de arras-
DE HUBBLE E HUMASON to”. Ele argumentava que, talvez, um número maior de observações mostra-
riam pelo menos uma preponderância de “nebulosas” se aproximando pelo
A descoberta da expansão do Universo não foi, ao contrário do que é dito, lado Sul da nossa Galáxia, em cuja direção ele imaginava que nossa Galáxia
algo feito exclusivamente por Edwin Hubble. Lembre-se que soluções teóricas estava se movendo.
já existiam desde 1922 (Friedmann) e 1927 (Lemaître) mostrando a possível Este resultado modificava muita coisa. Uma vez que as chamadas “nebu-
expansão do universo mas eram conhecidas por muito poucos físicos e menos losas espirais” tinham velocidades radiais tão extraordinariamente grandes,
Edwin Powell Hubble (1889 - 1953).
ainda astrônomos. muitos astrônomos se convenceram que elas não podiam estar dentro da nos-
Mesmo observacionalmente, Hubble não foi o primeiro a perceber o fe- sa Galáxia.
nômeno do deslocamento para o vermelho das linhas espectrais de uma ga- Apesar disso, a descoberta de Slipher não provava que a “teoria dos Uni-
láxia. Slipher já havia percebido e fenômenos mas foi incapaz de associá-lo à versos-Ilha” era correta, uma vez que ela não permitia a determinação de
expansão do universo. Curiosamente Hubble também não fez essa associação, distâncias.
o que foi deixado para teóricos como de Sitter e o próprio Einstein. Em 1912 Em 1922 o astrônomo alemão Carl Wirtz, baseando-se nas medições de
uma importante descoberta foi feita pelo astrônomo norte-americano Vesto “redshift” feitas por Slipher e no chamado “efeito de Sitter” propôs uma rela-
Melvin Slipher. ção distância-velocidade. Wirtz notou que os diâmetros aparentes das galáxias
Em 1909 o astrônomo Percival Lowell pediu que seu assistente Vesto Sli- podiam ser usados como indicadores de distância, uma vez que quanto maior
pher obtivesse espectros de “nebulosas espirais”. Lowell havia fundado no es- fossem suas distâncias até nós, menores eram seus diâmetros aparentes. Com
tado norte-americano do Arizona um observatório, o Lowell Observatory. Ele base nisso ele encontrou que a velocidade de recessão das galáxias aumenta-
suspeitava que as linhas espectrais vistas na luz proveniente de um determina- va com a distância a nós. Assim, Wirtz foi o primeiro a propor uma relação
do tipo de nebulosa, as chamadas “nebulosas planetárias”, também poderiam distância - velocidade. Estranhamente, seu trabalho não é reconhecido pelos
ser encontradas nos espectros das “nebulosas espirais”. livros de cosmologia que insistem em atribuir essa descoberta ao astrônomo
Inicialmente Slipher duvidou que isto poderia ser feito. Logo ele notou que norte-americano Edwin Hubble, como veremos abaixo.
para as nebulosas, que têm uma superfície extensa, ao contrário das imagens Em 1928 Edwin Hubble compareceu a um simpósio da União Astro-
puntiformes obtidas das estrelas, o fator instrumental crítico não era o ta- nômica Internacional, que naquele ano ocorreu na Holanda e teve a opor-
manho do telescópio (estas observações seriam feitas no próprio Lowell Ob- tunidade de discutir teorias cosmológicas com o astrofísico de Sitter. Ao
servatory, cujo telescópio era muito menor do que aquele possuído pelo Lick retornar ao Mount Wilson Observatory, Hubble estava determinado a testar
Observatory, seu rival situado na Califórnia, Estados Unidos) mas sim a “ve- a teoria de de Sitter de que o Universo era estático. Para isso Hubble instruiu
Milton Humason (1891 - 1972).
locidade” da câmera ou seja, o tempo de exposição necessário para fotografar seu assistente Milton Humason, um talentoso e meticuloso observador, a es-
os espectros das nebulosas. tudar “nebulosas” fracas, que, presumivelmente, estariam particularmente
Slipher conseguiu uma nova câmera cuja velocidade havia sido aumentada distantes de nós.
por um fator 30. Na noite de 17 de setembro de 1912 Slipher obteve um espec- A pergunta que eles queriam responder era: a frequência da luz provenien-
trograma da “nebulosa espiral” Andrômeda. Ficou evidente os deslocamentos te dessas “nebulosas” distantes é diferente da luz proveniente das “nebulosas”
Doppler de suas linhas espectrais. O espectrograma indicava que um resulta- mais próximas? Uma frequência mais baixa (mais lenta) corresponde a um
Vesto Melvin Slipher (1875 - 1969).
do assombroso: a “nebulosa” Andrômeda estava se aproximando do Sistema maior comprimento de onda da luz ou seja, a luz estaria mais próxima à extre-
Solar a uma velocidade surpreendentemente alta. midade vermelha do espectro. Deste modo, o que Hubble e Humason estavam
Slipher fez mais observações do mesmo objeto, expondo a mesma placa fo- procurando era um deslocamento de linhas existente no espectro na direção
tográfica ao longo de várias noites como, por exemplo, 29, 30 e 31 de dezembro do “vermelho”. Isso mais tarde veio a ser chamado de “red shift” (deslocamen-

150  Módulo 2 · Conhecendo o Universo em que vivemos Cosmologia - Da origem ao fim do universo  151
to para o vermelho). Humason mais tarde explicou que tal deslocamento era o
que “deveria ser esperado na teoria de espaço-tempo curvo de de Sitter”.
Humason obteve as velocidades e Hubble obteve as distâncias. Eles encon-
traram uma relação linear que nos dizia, aproximadamente, que quanto maior
fosse a velocidade de recessão de uma “nebulosa” maior seria a distância até ela.
A figura abaixo mostra os dados relacionando distância e velocidade obtidos
por Hubble e Humason para 46 “nebulosas”. Os pontos pretos e a linha contí-

Ensino a Distância
nua representam a solução obtida para as 24 nebulosas para as quais distâncias
individuais haviam sido obtidas separadamente. Os pontos claros e a linha pon-
tilhada mostram a solução obtida quando as “nebulosas” foram combinadas em
grupos. A cruz mostra a velocidade média calculada para um conjunto de 22

cosmologia
“nebulosas” cujas distâncias não puderam ser estimadas individualmente.
Os dados obtidos por Hubble e Humason eram insuficientes e a interpreta-
ção era duvidosa nos detalhes. De fato, mais tarde foi descoberto que os valores
das distâncias às nebulosas apresentadas por Hubble eram somente metade dos
valores das distâncias reais. Os números apresentados por Hubble discordavam

2015
com o que os cientistas já sabiam sobre a idade do universo. Não obstante, a
relação velocidade-distância foi uma extrapolação corajosa e brilhante.
Entre 1925 e 1929 Hubble publicou três longos artigos nos quais tratava as
antigas “nebulosas espirais” como “Universos ilha” e demonstrava que elas es-
Da origem ao fim do universo
tavam a enormes distâncias de nós, que variavam de 240000 a 275000 parsecs.
No entanto, somente no parágrafo final do seu artigo publicado em 1929
é que Hubble menciona de Sitter! Hubble simplesmente diz que a relação-
distância velocidade poderia representar o “efeito de Sitter” e poderia ser de
interesse na discussão cosmológica. Hubble enfatizou o aspecto observacio-
nal, empírico de seu trabalho. Seu principal objetivo era convencer os leitores
céticos que a “relação velocidade-distância” realmente existia.
Somente em 1935, quando Hubble provou que os cálculos feitos por outros
astrônomos estavam errados, é que seus resultados foram amplamente aceitos.
Agora os astrônomos acreditavam que o universo estava se expandindo, um
resultado que já havia sido demonstrado por Carl Wirtz em 1922. Com muita
certeza podemos dizer que Hubble, em 1929, consolidou com bases observacio-
nais firmes, a lei de expansão do Universo, mas de modo algum pode ser atri-
buído a ele a descoberta da expansão do universo como é costume aparecer em
Dados obtidos por Hubble e Humason muitos livros, em particular livros de divulgação de autores norte-americanos.

Módulo 3
A Teoria da Gravitação e a nova
visão do conteúdo do universo

152  Módulo 2 · Conhecendo o Universo em que vivemos


Ensino a Distância
cosmologia

2015
Da origem ao fim do universo

Módulo 3
A Teoria da Gravitação e a nova
visão do conteúdo do universo

Divisão de Atividades
Educacionais - ON/MCTI
20
O “DESLOCAMENTO PARA O VERMELHO” (REDSHIFT) ou então

Apresentaremos alguns detalhes de um dos conceitos mais importantes no


estudo da astronomia extragaláctica e da cosmologia: o “deslocamento para
o vermelho” ou “redshift”. Este conceito será mais detalhado à medida que
formos progredindo no conhecimento da teoria do Big Bang.
O “Deslocamento A DESCOBERTA DO REDSHIFT
para o Vermelho” O Espectro Eletromagnético
(Redshift) A física nos diz que a luz que nossos olhos consegue perceber é somente Em maio de 1842 o físico austríaco Christian Johann Doppler apresentou
uma pequena parte de um conjunto muito maior de formas de radiação que em um congresso de ciências naturais que ocorreu na cidade de Praga um
chamamos de radiação eletromagnética. artigo onde descrevia uma descoberta que o tornaria imortal na ciência. Ele
Foi o físico escocês James Clerk Maxwell quem primeiro mostrou que essa verificou que a altura do som emitido por uma fonte sonora mudava quando
radiação eletromagnética tinha as propriedades de uma onda. Ela então pas- havia um movimento relativo entre o corpo emissor e um observador. A co-
sou a ser chamada de ondas eletromagnéticas. municação apresentada por Doppler tinha o título “Über das farbige Licht der
Sendo uma onda, a radiação eletromagnética possui todas as propriedades Doppelsterne und einiger anderer Gestirne des Himmels”, e foi apresentada
que caracterizam as ondas, ou seja, comprimento de onda e frequência. por escrito em 1843 na revista Abh. königl. böhm. Ges. Wiss. 2, 465-482, 1843.
Vamos então definir algumas grandezas básicas do movimento ondulatório. Em junho de 1845 o meteorologista Christoph H.D.Ballot, de Utrecht, Ho-
Caracterizamos uma onda pelo seu: landa, confirmou a descoberta de Doppler durante uma viagem de trem que
• comprimento de onda: que é a distância entre os máximos da onda. realizou entre Utrecht e Amsterdam.
Pouco tempo depois o próprio Doppler realizaria uma experiência para
• frequência: que é o número de máximos da onda que passam por se-
provar sua teoria. Sua ideia foi brilhante. Ele colocou em um vagão de um
gundo por um determinado ponto.
trem um grupo de músicos que deveriam tocar a mesma nota musical durante
toda a viagem. Ao mesmo tempo, um outro grupo de músicos foi colocado
PROPRIEDADE SÍMBOLO UNIDADE DE MEDIDA em uma estação de trem e tinha a missão de registrar qual a nota musical que
eles estavam ouvindo tanto quando o trem se aproximasse da estação como
frequência ν Hertz (Hz) = ciclos/segundo quando ele se afastasse.
centímetro (cm) Anos mais tarde o físico francês Armand Hippolyte Louis Fizeau verifi-
comprimento de ou Ångstroms (Å) = 10-8 cm cou que as conclusões de Doppler se aplicavam não só ao som mas também
λ
onda ou nanômetros (nm) = 10-9 m = 10-7 à radiação eletromagnética. Em 1848 ele observou que os corpos celestes que
cm = 10Å se aproximam da Terra eram vistos com uma cor mais azulada enquanto que
aqueles que se afastam de nós tinham uma cor mais avermelhada. Isso quer
A velocidade de propagação de uma onda eletromagnética é representada dizer que o espectro eletromagnético é deslocado para maiores ou menores
pela letra c e corresponde a comprimentos de onda dependendo do movimento relativo entre o observa-
dor (no caso o nosso planeta) e a fonte que emite a radiação.
c = 2,99792458 x 108 m/s  ~  3,00 x 108 m/s no vácuo No caso da radiação que compõe a parte visível do espectro eletromagnéti-
co, quando a fonte emissora se aproxima do observador seus comprimentos de
Após Maxwell ter provado que a onda eletromagnética se propaga no vá- onda são deslocados na direção do ultravioleta extremo do espectro. Quando
cuo com uma velocidade constante de aproximadamente 300000 quilômetros esta radiação se afasta do observador seus comprimentos de onda são deslo-
por segundo, foi fácil verificar que havia uma relação entre a velocidade c de cados para o infravermelho extremo do espectro eletromagnético. Isso quer
propagação da onda eletromagnética, sua frequência ν e seu comprimento de dizer que, do mesmo modo que as ondas sonoras, as ondas eletromagnéticas
onda λ. Esta relação é possuem frequências mais altas quando se aproximam de nós e mais baixas
quando se afastam.
O efeito descoberto por Doppler se aplica a qualquer tipo de onda e ficou
que pode ser escrita como sendo conhecido como efeito Doppler.

O EFEITO DOPPLER CLÁSSICO

Certamente todos já sentimos o efeito sonoro que ocorre quando um carro


de polícia se aproxima de nós. A intensidade do som emitido por sua sirene vai
aumentando à medida que o carro se aproxima e quando ele se afasta sentimos
que essa intensidade diminui.

156  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  157


POR QUE ISSO ACONTECE? afastando.
Chama-se a atenção para o fato de que todas as equações acima se referem
Para entender melhor esse fenômeno vamos considerar uma fonte sonora à situação particular em que fonte e observador se deslocam ao longo de uma
e um observador que se locomovem ao longo da reta que os une. Suponha que reta que os liga.
a fonte sonora está em repouso em relação ao meio e o observador está em Embora o efeito Doppler seja comum a qualquer tipo de onda, existem
movimento em relação à fonte (se afastando ou se aproximando) com uma diferenças entre as equações do efeito Doppler para o som, mostradas acima,
velocidade vo. A frequência emitida pela fonte sonora é representada por ν. A e aquelas para o caso da radiação eletromagnética. Isso ocorre porque a radia-
física diz que a frequência ν’ ouvida pelo observador é dada por ção eletromagnética não precisa de um meio material para se propagar e sua
velocidade tem sempre o mesmo valor constante, c, tanto em relação à fonte
como ao observador, como foi provado pela Teoria da Relatividade Especial
criada por Henri Poincaré e Albert Einstein. Deste modo só deve existir uma
única equação (e não duas) para o deslocamento Doppler da radiação eletro-
• A letra v representa a velocidade do som no meio considerado. magnética e esta equação é relativística.
Para a radiação eletromagnética o efeito Doppler é descrito pela equação
Nesta expressão o sinal positivo se refere à situação na qual o observa-
dor se aproxima da fonte. Quando isso acontece o observador intercep-
ta um número maior de ondas à medida que se aproxima da fonte. Veja
que, neste caso, a frequência recebida pelo observador é maior do que
a frequência que ele ouviria se estivesse em repouso.
O sinal negativo nesta equação corresponde ao caso em que o obser-
vador se afasta da fonte, quando então ele recebe um número menor onde
de ondas à medida que se afasta. Veja, também, que neste caso a fre-
quência recebida pelo observador é menor do que a frequência que ele
ouviria se estivesse em repouso.
O mais importante é notar que em ambos os casos considerados acima a
causa da variação da frequência é devida ao fato do observador interceptar
um número maior ou menor de ondas, por intervalo de tempo, devido ao seu Os sinais negativos do numerador e positivo do denominador se referem
movimento através do meio. à situação em que a fonte e o detector estão se afastando. O sinal positivo no
É importante notar que estas equações mudam se considerarmos agora numerador e negativo no denominador se referem à situação em que a fonte e
que a fonte é que se desloca e o observador permanece estacionário. Suponha o detector estão se aproximando.
agora que a frequência da fonte é dada por ν e sua velocidade de deslocamento
é v f. A variação da frequência do som recebido pelo observador será dada pela O QUE É O “REDSHIFT”?
expressão
A maior fonte de informação sobre os corpos celestes que a astronomia
possui é a radiação eletromagnética. É natural então que nos concentremos
sobre o “redshift” da radiação eletromagnética.
“Redshift” é uma palavra da língua inglesa que significa “deslocamento
Agora o sinal negativo se refere ao caso em que a fonte se aproxima do para o vermelho”. O “redshift” é um deslocamento produzido na frequência de
observador e o sinal positivo à fonte se afastando do observador. A causa da um fóton (partícula elementar) na direção de energias mais baixas ou, equiva-
variação da frequência é devida ao fato de que o movimento da fonte, através lentemente, comprimentos de onda maiores.
de um meio, faz diminuir ou aumentar o comprimento de onda transmitido O “redshift” é definido como a variação no comprimento de onda da luz
através dele. dividida pelo comprimento de onda desta mesma luz medido em repouso.
E se a fonte e o observador estiverem em movimento? Neste caso a equação A expressão do “redshift” é:
é z= (comprimento de onda observado - comprimento de onda emitido) /
(comprimento de onda emitido)
ou seja,

onde os sinais superiores, positivo no numerador e negativo no deno-


minador, correspondem à situação em que a fonte e o observador estão se
aproximando. Os sinais inferiores, negativo no numerador e positivo no
denominador, se referem à situação em que a fonte e o observador estão se

158  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  159


Como o comprimento de onda é dado por Em geral esta equação é colocada na forma:
1 + z= (comprimento de onda observado) / (comprimento de onda emitido)
= (frequência emitida) / (frequência observada)
ou seja,

podemos escrever o “redshift” como:


z= (frequência emitida - frequência observada) / (frequência observada)
ou seja,

OS VÁRIOS TIPOS DE REDSHIFT

• efeito Doppler
Se uma fonte luminosa está se afastando de um observador dize-
Também podemos escrever estas equações como:
mos que está ocorrendo um “redshift” (z > 0).
z= (comprimento de onda observado) / (comprimento de onda emitido)
Se uma fonte luminosa está se deslocando na direção do observa-
- (comprimento de onda emitido) / (comprimento de onda emitido) = (com-
dor dizemos então que está ocorrendo um “blueshift” (z < 0).
primento de onda observado) / (comprimento de onda emitido) - 1
Isto é verdade para todos os tipos de ondas eletromagnéticas e é
ou seja,
explicado pelo efeito Doppler. Consequentemente este tipo de redshift
também é chamado de “redshift Doppler”.
Se a fonte está se afastando do observador com uma velocidade v,
então, ignorando os efeitos relativísticos, o redshift é dado por

Do mesmo modo, temos que onde c é a velocidade da luz.


z= (frequência emitida) / (frequência observada) - (frequência observada)
Note, entretanto, que está expressão é apenas aproximada e precisa
/ (frequência observada)= (frequência emitida) / (frequência observada) - 1
ser modificada quando estamos tratando com velocidades próximas à
ou seja,
velocidade da luz.
• expansão do espaço-tempo
Um efeito muito semelhante ao efeito Doppler é causado pela ex-
pansão do espaço-tempo prevista pelos modelos atuais da cosmologia
física. Mais uma vez as propriedades da fonte não são modificadas,
mas os comprimentos de onda dos fótons serão “esticados” à medida
que o espaço-tempo através do qual ele está se deslocando se expande.
Isso aumenta o comprimento de onda dos fótons.
Juntando tudo isso temos Este tipo de redshift também é chamado de redshift cosmológico
z = (comprimento de onda observado) / (comprimento de onda emitido) - ou redshift de Hubble.
1= (frequência emitida) / (frequência observada) - 1 Podemos usar as seguintes equações neste caso:
ou seja,

160  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  161


onde havia obtido com as medições de redshifts associados com as galáxias que
tinham sido obtidos por Vesto Slipher, ele verificou que havia uma aproxima-
da relação de proporcionalidade entre as distâncias medidas e os correspon-
dentes redshifts. Com apenas 46 galáxias estudadas, Hubble descobriu que a
relação linear entre a velocidade de afastamento e a distância às galáxias podia
ser escrita como

• gravitacional
onde v é a velocidade de afastamento da galáxia medida a partir do seu
A teoria da Relatividade Geral mostra que quando a radiação ele- redshift e tipicamente expressa em km/s. A letra D é a distância que a radiação
tromagnética se desloca através de fortes campos gravitacionais o seu eletromagnética gerada pela galáxia viajou até chegar ao referencial inercial do
comprimento de onda sofre ou um deslocamento para o vermelho observador. A distância D é medida em megaparsecs (Mpc).
(redshit) ou um deslocamento para o azul (blueshift). Isto é conhecido
como redshift gravitacional. Referencial inercial de um observador é aquele no qual o observador está
Este efeito é muito pequeno, mas mensurável, na Terra usando o em repouso.
chamado efeito Mössbauer. Entretanto ele é bastante significativo pró- O observador em repouso é aquele que não tem forças atuando sobre ele:
ximo a um buraco negro e à medida que um objeto se aproxima do ele está ou parado ou em movimento retilíneo uniforme. O observador em
horizonte de eventos o redshift se torna infinito. Ele também é a causa repouso não está sofrendo qualquer forma de aceleração
principal das flutuações de temperatura em grande escala angular que Hoje escrevemos a expressão acima como
observamos na radiação de fundo de microonda cósmica.

OS MAIORES “REDSHIFTS” ATÉ AGORA onde Ho é a chamada constante de Hubble. Na verdade a expressão mais
DETECTADOS geral deve ser escrita como

O telescópio óptico-infravermelho japonês Subaru, com 8,2 metros de di-


âmetro do espelho principal, detectou a presença de uma galáxia afastada de
nós 12,8 bilhões de anos. Esta é a galáxia mais distante até agora detectada. onde H é o parâmetro de Hubble que é um valor que varia com o tempo.
Observando uma área do céu equivalente ao tamanho da Lua, este grupo de Consideramos que Ho é o valor de H no momento da observação.
pesquisadores japoneses detectou mais de 50000 objetos, entre os quais esta- Atenção: a “constante” de Hubble na verdade não é uma constante e sim
vam incluídas muitas galáxias extremamente fracas. Eles então selecionaram um parâmetro que varia com o tempo. No entanto ela é uma constante para
as galáxias preferencialmente brilhantes no vermelho, encontrando cerca de cada instante de observação.
70 possíveis objetos que poderiam ter redshifts de 6,6, o que equivale a uma
distância de cerca de 13 bilhões de anos-luz. QUAL O VALOR DA CONSTANTE DE HUBBLE?
Observações posteriores confirmaram que duas dessas galáxias candida-
tas tinham redshifts de 6,578 e 6,56. A primeira é a galáxia SDF132418 e a O valor da constante de Hubble foi (e é) um dos grandes problemas da cos-
segunda é a galáxia HCM-6A. Estas medidas de redshift indicavam que a luz mologia. Quando Hubble estabeleceu a expressão matemática que mostramos
proveniente delas e que estava sendo registrada havia sido emitida quando o anteriormente obteve para essa constante o valor aproximado de 440 km/s/
Universo tinha somente cerca de 900 milhões de anos de idade. Mpc. Durante a maior parte da segunda metade do século XX o valor da cons-
Uma outra detecção de grande redshift ocorreu no Very Large Telescope tante de Hubble Ho foi estimado entre 50 e 90 km/s/Mpc. O valor da constante
(VLT) do European Southern Observatory (ESO). No ano de 2004 um grupo de Hubble foi o assunto de uma longa e um tanto amarga controvérsia entre
de pesquisadores suíços e franceses encontrou uma galáxia à qual eles atribu- Gérard de Vaucouleurs, que dizia que o valor de Ho era 100 km/s/Mpc, e Allan
íram o redshift 10,0. Esta galáxia estava localizada no aglomerado de galáxias Sandage, que afirmava este valor ser de 50 km/s/Mpc.
Abell 1835 IR1916 e estava a cerca de 13,23 milhões de anos-luz de nós. Sua luz Em 1996 foi feito um debate sobre esta questão, sob a presidência de John
havia sido emitida quando o Universo tinha apenas 470 milhões de anos. A Bahcall, no qual participaram os astrônomos Gustav Tammann e Sidney van
imagem abaixo mostra a detecção feita por estes astrônomos. den Bergh. Em maio de 2001 o “Hubble Key Project” divulgou que a estimati-
No entanto, levantamentos posteriores feitos por outros observatórios não va final do valor da constante de Hubble Ho era de 72 ± 8 km/s/Mpc.
conseguiram detectar este objeto. No momento não podemos afirmar se a de- Em 2003 o satélite artificial norte-americano Wilkinson Microwave Ani-
terminação feita pelos astrônomos franceses e suíços é correta. sotropy Probe (WMAP), usando um método completamente independente,
baseado na medição das anisotropias da radiação de fundo de microondas
A LEI DE HUBBLE cósmicas, obteve que o valor da constante de Hubble era de 70,1 ± 1,3 km/s/
Mpc.
Quando Hubble combinou as medições de distâncias de galáxias que ele

162  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  163


21
A importância da medição do valor correto da constante de Hubble é está gravitacionalmente associadas se reunindo em aglomerados de galáxias.
imensa. Veja a partir da equação que se conhecermos o valor atual de Ho e Os aglomerados de galáxias podem ser classificados de acordo com várias
obtendo o valor de v a partir das medições de redshift, podemos saber, com propriedades. Por exemplo:
muita facilidade, a que distâncias estão as galáxias!
• riqueza (número de membros)
Os aglomerados ALGUMAS DEFINIÇÕES IMPORTANTES PARA A • forma (regular (esférica, achatada) ou irregular)
COSMOLOGIA
de galáxias • conteúdo de galáxias: rico em espirais, pobre em espirais, rico em
A partir da constante de Hubble os cosmólogos passaram a definir algumas elípticas
unidades que se mostraram úteis na descrição do Universo. Elas são o tempo Os aglomerados podem conter um número bastante variado de galáxias.
de Hubble, o comprimento de Hubble e o volume de Hubble. Veremos agora Em função disso, os astrônomos classificam os aglomerados de galáxias em
suas definições e, mais tarde, mostraremos sua aplicação à teoria.
• aglomerados ricos
Os aglomerados ricos chegam a possuir milhares de galáxias. O aglo-
Tempo de Hubble merado de galáxias mais rico que está mais próximo de nós é o aglo-
A constante de Hubble H0 tem as unidades de inverso do tempo. A partir merado Virgo, situado a 60 milhões de anos-luz da nossa Galáxia. Ele
disso, definimos um “tempo de Hubble” como sendo o inverso da constante contém cerca de 2500 galáxias, a maior parte delas elípticas.
de Hubble.
• aglomerados pobres
Os aglomerados pobres em geral possuem apenas 20 ou 30 galáxias.
Por este motivo eles são também chamados de grupos de galáxias. Os
grupos de galáxias são muito mais numerosos do que os aglomerados
O valor do tempo de Hubble no modelo cosmológico padrão é de ricos.
O Grupo Local, o aglomerado de galáxias ao qual a nossa Galáxia per-
tH= 4,35 x 1017 s ~ 13,8 bilhões de anos tence, é formado por cerca de 30 galáxias apenas.
Por outro lado, a forma global de um aglomerado está relacionada com os
Comprimento de Hubble
tipos de galáxias dominantes que ele contém. Os aglomerados regulares, ricos,
O “comprimento de Hubble” é uma unidade de distância usada na cosmo-
são formados por uma maioria de galáxias elípticas e SO. Por exemplo, aproxi-
logia. Ela é definida como
madamente 80% das galáxias pertencentes ao aglomerado Coma são elípticas.
Já os aglomerados irregulares, tais como o aglomerado Virgo e o aglomerado
Hercules, possuem uma mistura mais equilibrada de tipos de galáxias.
Um outro ponto importante a destacar no estudo dos aglomerados de
galáxias é que alguns aglomerados são intensos emissores de radiação rádio
ou seja, a velocidade da luz c multiplicada pelo tempo de Hubble.
enquanto que outros emitem raios X.
O comprimento de Hubble equivale a 4228 milhões de parsecs ou 13,8 bi-
lhões de anos-luz. O leitor atento notou que os valores numéricos do “compri-
O GRUPO LOCAL DE GALÁXIAS
mento de Hubble”, em anos-luz, e do “tempo de Hubble”, em anos, são iguais
(valor numérico igual a 13,8). Essa coincidência é feita por definição.
A nossa Galáxia faz parte de um aglomerado pobre, um pequeno grupo de
galáxias que é chamado de Grupo Local.
OS AGLOMERADOS DE GALÁXIAS
O Grupo Local é dominado por duas galáxias espirais gigantes, a galáxia
Andrômeda e a nossa própria Galáxia. A terceira maior galáxia do Grupo Lo-
Mostramos abaixo o resultado do levantamento feito pelo Center for As-
cal é a galáxia espiral Triangulum (M33).
trophysics (CfA) com um total de 30926 galáxias. Embora esse número possa
Além da galáxia Messier 33, uma galáxia tipo Sc de massa intermediária,
parecer pequeno tendo em vista os bilhões de galáxias existentes no Universo,
existem no Grupo Local mais 15 galáxias elípticas e 13 irregulares. A maioria
ele permite ter uma visão bem interessante de como as galáxias se distribuem
das galáxias pertencentes ao Grupo Local são elípticas anãs.
ou seja, de como é o Universo em larga escala.
As galáxias irregulares, Grande Nuvem de Magalhães e Pequena Nuvem
Essa primeira imagem nos mostra a distribuição dessas 30926 galáxias,
de Magalhães, são satélites da nossa Galáxia. Do mesmo modo, as galáxias
que formam o catálogo do CfA, em um diagrama que usa as chamadas coor-
Messier 32 e NGC 205 são galáxias satélites da grande galáxia Andrômeda.
denadas galácticas.
O Grupo Local tem um diâmetro de cerca de 3 milhões de anos-luz e sua
As galáxias não estão espalhadas aleatoriamente no Universo. Em vez dis-
massa total é de 5 x 1012 Msolares.
so, estudos sobre a sua distribuição nos revelam que a maioria das galáxias
A imagem acima mostra a galáxia SagDEG abreviação de Sagittarius Dwa-
rf Elliptical Galaxy (SagDEG). A SagDEG está localizada a cerca de 80000
anos-luz da nossa Galáxia, na constelação Sagittarius, e foi descoberta somen-
te em 1994 pelos astrônomos R. Ibata, M. Irwin, e G. Gilmore. Até outubro

164  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  165


de 2005 ela era considerada a galáxia mais próxima de nós, tendo superado
LMC 05:19.7 -68:57 179
a Grande Nuvem de Magalhães que durante muitos anos foi considerada a
galáxia mais próxima da nossa. Car dw 06:14.6 -50:58 360
A galáxia SagDEG no momento está passando por um “encontro” com a Leo A
nossa Galáxia, o que, provavelmente, irá perturbá-la e modificá-la. Esta ga- 09:59.4 +30:45 2500
(pode não ser membro do Grupo Local)
láxia possui um brilho superficial muito baixo e, por esta razão, ficou tanto
tempo sem ser conhecida. No entanto, ela é muito grande, com cerca de 10000
Sex B 10:00.0 +05:20 4700
anos-luz de comprimento. A galáxia SagDEG possui 4 aglomerados globula- NGC 3109 10:03.1 -26:09 4500
res, M54 (imagem à direita), Arp 2, Terzan 7 e Terzan 8, que provavelmente
Ant dw 10:04.1 -27:20 4600
serão capturados pela nossa Galáxia, enriquecendo o “nosso” halo.
Leo I 10:08.5 +12:18 900
AS GALÁXIAS PERTENCENTES AO GRUPO LOCAL Sex A 10:11.1 -04:43 5200
Sex dw 10:13.2 -01:37 320
AS GALÁXIAS DO GRUPO LOCAL
Leo II 11:13.5 +22:10
Ascensão Distância (x 1000
Galáxia Declinação GR 8
Reta anos-luz) 12:58.7 +14:13 7900
(pode não ser membro do Grupo Local)
WLM
00:02.0 -15:28 3400 UMi dw 15:08.8 +67:12 240
(Wolf-Lundmark-Melotte)
IC 10 00:20.4 +59:18 4200 Dra dw 17:20.1 +57:55 280

Cet dw 00:26.1 -11:02 2800 Galáxia


17:45.6 -28:56 28
(nossa Galáxia)
NGC 147 00:33.2 +48:31 2400
SagDEG
And III 00:35.4 +36:31 2900 18:55 -30:30 80
(Sagittarius Dwarf Elliptical Galaxy)
NGC 185 00:39.0 +84:20 2300 SagDIG
19:30.1 -17:42 4200
M110 00:41.3 +41:41 (Sagittarius Dwarf Irregular Galaxy)
2900
And IV NGC 6822 19:44.9 -14:49 1800
(pode ser apenas um grande aglomerado globular na galáxia Aqr dw 20:46.8 -12:51 3400
00:42.5 +40:34 2900
M31 e não uma galáxia. Pode também ser uma galáxia muito
mais longínqua e não pertencente ao Grupo Local) IC 5152
22:06.1 -51:17 5800
(pode não ser membro do Grupo Local)
M 32 00:42.7 +40:52
Tuc dw 22:41.7 -64:25 3200
M 31 00:42.7 +41:16 2900
UKS2323-326 23:26.5 -32:23 4700
And I 00:45.7 +38:00 2900
And VII 23:27.8 +50:35 3000
SMC 00:51.7 -73:14 210
And VI 23:51.7 +24:36 2800
Scl dw 01:00.0 -33:42 300
LGS 3 OUTROS GRUPOS DE GALÁXIAS
01:03.8 +21:53 3000
(Local Group Suspected 3)
IC 1613 01:05.1 +02:08 O Grupo Compacto
2900 Hickson 87
O Grupo Compacto Hickson 87 (Hickson Compact Group 87 - HCG 87) é
And V 01:10.3 um conjunto de2900
quatro galáxias localizado na constelação Capricornus a uma
And II 01:16.4 +33:27 distância de cerca
2900de 400 milhões de anos-luz de nós. Este grupo de galáxias
tem um diâmetro de 52 kpc, o que corresponde a cerca de 170000 anos-luz.
M 33 01:33.9 +30:39 3000
A imagem baixo foi obtida pelos astrônomos Sally Hunsberger (Lowell
Phe dw 01:51.1 -44:27 Observatory, Flagstaff,
1600 Arizona) e Jane Charlton (Pennsylvania State Univer-
For dw 02:39.9 -34:32 sity) usando a Wide
500 Field and Planetary Camera 2 do Hubble Space Telescope.
Ela nos mostra os complexos detalhes que existem nas camadas de poeira do
UGCA 86
03:59.9 +67:08 maior objeto 6200
do grupo, a galáxia HCG 87a. Esta galáxia tem a forma de um
(pode não ser membro do Grupo Local)
disco mas está tão inclinada em relação a nós que a vemos quase de perfil.
UGCA 92 04:27.4 +63:30 4700 87a como sua vizinha de forma elíptica, a galáxia 87b, têm
Tanto a galáxia
“núcleos galácticos ativos” (AGN), onde buracos negros supermassivos engo-

166  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  167


lem o gás que está na sua vizinhança. Uma fraca “ponte” de estrelas e gás, aglomerado Virgo é muito rico, possuindo mais de 2500 galáxias.
produzida por efeito de maré, pode ser vista se estendendo da galáxia 87a, copyright: AURA/NOAO/NSF
vista de borda, às galáxias elípticas.
O terceiro membro do grupo, a galáxia espiral 87c, pode ser uma “galáxia Esta é a região das galáxias M84/M86 pertencentes ao aglomerado Virgo.
starburst”, um tipo de galáxia que estar passando por um violento processo de Esta imagem, obtida com o Mayall Telescope de 4 metros do Kitt Peak Na-
formação de estrelas. tional Observatory, nos Estados Unidos, nos mostra que entre as brilhantes
Estas três galáxias estão tão próximas umas das outras que a interação galáxias M 86 (próxima ao centro) e M 84 (na direita) existem muitas outras
gravitacional entre elas modifica suas estruturas e altera seus processos de galáxias, elípticas ou lenticulares, mais fracas.
evolução. Esta imagem da região das galáxias M84/M86 no aglomerado Virgo foi
O quarto elemento deste grupo deve ser a pequena galáxia espiral que está obtida com o UK Schmidt Telescope do Anglo-Australian Observatory. Ela
localizada próxima ao centro do grupo. No entanto, alguns astrônomos acre- nos revela que as galáxias deste enorme aglomerado de galáxias são muito
ditam que ela é um objeto situado muito mais distante que as outras e não está maiores e estão mais densamente agrupadas. Nota-se que os envoltórios mais
relacionada com este grupo. externos, e bastante fracos, das galáxias M84 e M86 se aproximam bastante.
Veja também que alguns detalhes da estrutura das galáxias mais fracas podem
O Quinteto de Stephan ser observados.
Este é o “Quinteto de Stephan”, um grupo de cinco galáxias que está lo-
calizado na constelação Pegasus. Este grupo é formado pelas galáxias NGC O aglomerado Abell 2218
7317, NGC 7318A, NGC 7318B, NGC 7319 e NGC 7329. Este grupo apresenta Esta é a imagem do aglomerado de galáxias Abell 2218, obtida por Andrew
uma característica especial, uma vez que enquanto quatro de suas galáxias Fruchter e seus colaboradores do Space Telescope Science Institute (STScI),
apresentam deslocamentos para o vermelho nas linhas espectrais grandes mas usando a Wide Field and Planetary Camera 2 do Hubble Space Telescope.
similares, a galáxia NGC 7320, que aparenta ser membro do grupo, mostra um Quase todos os objetos brilhantes que vemos nela são galáxias deste aglome-
deslocamento para o vermelho muito menor. rado. O aglomerado Abell 2218, situado a cerca de três bilhões de anos-luz de
Alguns astrônomos acreditam que a galáxia NGC 7320 não pertença ao nós na constelação Draco do hemisfério norte, é muito compacto e possui uma
“Quinteto de Stephan” e seja membro de um outro grupo, o grupo NGC 7331. massa muito grande. Como consequência, sua gravidade curva e focaliza a luz
Esta imagem mostra os deslocamentos para o vermelho das galáxias do proveniente de galáxias que estão situadas atrás dele. Estas galáxias aparecem
“Quinteto de Stephan”. Nota-se que há uma sexta galáxia na figura, NGC na imagem como arcos alongados e fracos. Este é o processo conhecido como
7320C, que embora apresente um deslocamento para o vermelho alto, seme- lente gravitacional. Um exemplo simples de um efeito análogo ao processo
lhante ao das quatro outras galáxias do quinteto, não pertence a este grupo. de lente gravitacional pode ser obtido olhando-se lâmpadas distantes na rua
através do vidro de um copo de vinho.
O Sexteto de Seyfert
A imagem abaixo mostra o “Sexteto de Seyfert”, como o nome diz, um O aglomerado Centaurus
grupo de 6 galáxias localizadas na constelação Serpens. Este grupo se caracte- Este é o aglomerado Centaurus, visível no hemisfério sul. Ele está localiza-
riza por possuir uma galáxia que apresenta um deslocamento para o vermelho do na constelação Centaurus.
completamente diferente das outras cinco. Enquanto que cinco de suas ga-
láxias apresentam deslocamentos para o vermelho bastante similares, entre O aglomerado Coma
4000 e 4500 quilômetros por segundo, a sexta galáxia tem um deslocamento Localizado na constelação Coma Berenices, este aglomerado contém mais
para o vermelho de cerca de 20000 quilômetros por segundo. Alguns astrôno- de 1000 galáxias. A maioria de suas galáxias é do tipo elíptica (E) ou então
mos acreditam que está galáxia não pertence ao grupo sendo um objeto muito lenticulares (SO).
mais distante do que as outras cinco.
Esta imagem identifica as galáxias do “Sexteto de Seyfert”. O número O aglomerado Hydra
escrito na imagem é o deslocamento para o vermelho, em quilômetros por Este é o distante aglomerado de galáxias que observamos na constelação
segundo, de cada objeto. Pode-se identificar a galáxia anômala graças ao seu Hydra.
deslocamento para o vermelho de 19813 quilômetros por segundo.
SUPERAGLOMERADOS DE GALÁXIAS
OS AGLOMERADOS DE GALÁXIAS
O processo de aglomeração de galáxias possui estruturas ainda maiores
O Aglomerado Virgo do que a dos grupos e aglomerados. Em várias regiões do Universo alguns
O Aglomerado de Virgo está afastado cerca de 60 milhões de anos-luz de aglomerados interagem formando estruturas imensas que são os superaglo-
nós e é o aglomerado rico mais próximo do Grupo Local. Isto o coloca como merados de galáxias.
sendo o aglomerado de galáxias irregular mais próximo da nossa Galáxia. O O nosso Grupo Local é um membro externo distante de um superaglome-
rado de galáxias do qual o aglomerado Virgo é o membro dominante.
A enorme massa do aglomerado Virgo age gravitacionalmente sobre as
galáxias e os grupos de galáxias que estão à sua volta. Existem evidências de
que o aglomerado Virgo está acelerando o Grupo Local na sua direção. Deste

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modo, o Grupo Local deverá, algum dia, se fundir com este enorme aglomera- da reunião de 342 exposições isoladas da região feitas com a poderosa Wide
do de galáxias formando o Superglomerado Local ou Superaglomerado Virgo. Field and Planetary Camera 2 do Hubble Space Telescope. Praticamente todos
os objetos mostrados na imagem, cerca de 3000, são galáxias muito distantes.
OLHANDO PARA TRÁS NO TEMPO A imagem do Hubble Deep Field North está mostrada abaixo e deve ser
observada com atenção. Uma região do Universo que parecia estar desprovida
Vendo o A estrutura do Universo é bastante complicada. Com a entrada em fun- de estrelas ou galáxias apresentou a riqueza incomum em termos de galáxias Superaglomerados
cionamento de poderosos telescópios, tais como o Hubble Space Telescope, o e quasares mostrada na imagem. Isso apenas nos provava que ainda conhecí-
Universo muito amos muito pouco do conteúdo de matéria do Universo.
de galáxias
W. M. Keck Telescope, o VLT, etc. tivemos, pela primeira vez, a oportunidade
distante de detectar, e observar, aglomerados de galáxias situados a distâncias inacre- Poderíamos argumentar que o HST, casualmente, teria observado uma
ditáveis de nós. Estes aglomerados foram formados no Universo primordial e região atípica do céu. Ao fazer o mesmo tipo de observação prolongada no
obter suas imagens, é o mesmo que olhar para trás no tempo. céu do hemisfério sul, também em uma região onde parecia não haver objetos
A imagem abaixo, obtida por Wesley N. Colley, J. Anthony Tyson e Edwin observáveis, o HST registrou outra vez a riqueza do universo que ainda era
L. Turner, usando o Hubble Space Telescope, nos mostra um destes aglome- desconhecida.
rados distantes. O aglomerado CL 0024+1654 é um grande aglomerado de ga- Desta vez o Hubble Space Telescope observou uma pequena região na
láxias localizado a cinco bilhões de anos-luz da Terra. Ele se destaca pela sua constelação Tucana durante 10 dias, em setembro e outubro de 1998.
riqueza, um grande número de galáxias em interação, e também por mostrar O Hubble Space Telescope não foi o único a obter imagens de campo pro-
uma magnífica lente gravitacional. As linhas azuis situadas na parte da frente fundo do Universo. Seguindo esta abordagem o National Optical Astronomy
da figura são imagens de uma galáxia espiral que está localizada atrás do aglo- Observatory (NOAO) também fez uma imagem deste tipo fotografando uma
merado CL 0024+1654. Estas imagens da galáxia espiral, as linhas azuis, estão pequenina região do céu localizada na constelação Boötes. A imagem abaixo
sendo produzidas pelo processo de lente gravitacional. mostra uma parte deste campo onde estão registradas mais de 300000 estrelas
Hoje sabemos que, há bilhões de anos, quando o Universo começou a cons- e galáxias. Este número é bem maior do que aquele registrado pelo Hubble
truir suas estruturas em larga escala, os aglomerados de galáxias continham Space Telescope por que o levantamento do NOAO foi de um campo amplo
muito mais galáxias espirais do que eles têm hoje. Isto pode ser explicado con- (wide field), bem maior do que o registrado pelo telescópio orbital. Na verdade,
siderando-se que estes aglomerados foram, ao longo deste tempo imenso, cer- o levantamento total do NOAO inclui mais de cinco milhões de galáxias!
tamente perturbados por colisões e “fusões” que, inevitavelmente, ocorreram A procura pelos limites do Universo visível ainda continuava. Acumulan-
no seu interior. do dados ao longo do período de 3 de setembro de 23003 a 16 de janeiro de
2004, o Hubble Space Telescope conseguiu a mais profunda imagem do Uni-
VENDO O UNIVERSO MUITO DISTANTE verso obtida até hoje na região do visível do espectro eletromagnético. Este é o
chamado “Hubble Ultra Deep Field” (HUDF), uma imagem de uma pequena
O conhecimento das propriedades das galáxias é parte da chamada as- região do espaço que mostra como o Universo era há cerca de 13 bilhões de
tronomia extragaláctica. Esta parte da astrofísica procura analisar tanto as anos. Esta região está localizada a sudoeste de Orion, na constelação Fornax.
propriedades locais das galáxias como também suas interações. No entanto, Ela tem apenas 3 minutos de arco quadrados, menor do que um grão de areia
o estudo da cosmologia é muito mais abrangente. A cosmologia pretende des- mantido à distância do comprimento de um braço!
crever não os fenômenos locais que ocorrem no universo mas sim o próprio Estima-se que existam cerca de 10000 galáxias nesta imagem cuja área é
universo. de apenas 1/10 do diâmetro da Lua Cheia vista da Terra. Esta impressionante
Para estudar cosmologia precisamos conhecer não apenas o tipo de maté- imagem é o resultado de uma coleção de 800 exposições feitas pelo Hubble
ria existente no Universo mas também de que modo ela se distribui. Space Telescope ao longo de 400 voltas em torno do nosso planeta.
Com o desenvolvimento das observações astronômicas passamos a co-
nhecer muito mais o universo, sempre a distâncias cada vez maiores. Hoje SUPERAGLOMERADOS DE GALÁXIAS
instrumentos como o Hubble Space Telescope e os grandes observatórios ter-
restres tais como o Keck Observatory, o European Southern Observatory (com As observações dos objetos existentes no Universo mostraram aos astrô-
o famoso Very Large Telescope) e o Gemini Observatory nos revelam galáxias nomos que existe uma estrutura hierárquica no Universo. Como já vimos, as
e quasares assombrosamente distantes do nosso planeta. estrelas estão reunidas em aglomerados estelares e em estruturas maiores que
Importantes trabalhos sobre a estrutura em larg a escala do Universo fo- chamamos de galáxias. Por sua vez as galáxias interagem gravitacionalmente
ram feitos nos últimos anos. O Hubble Space Telescope foi utilizado para obter formando grupos e aglomerados de galáxias. Estudos mais detalhados do uni-
imagens de galáxias e quasares situados a distâncias impressionantes. Esses verso mostraram que os próprios aglomerados de galáxias também interagem
dois projetos, chamados de “Hubble Deep Field North” e “Hubble Deep Field formando os chamados superaglomerados de galáxias.
South” nos revelaram um Universo até então desconhecido. Os superaglomerados de galáxias são estruturas imensas em que os ele-
Durante 10 dias consecutivos, entre 18 e 28 de dezembro de 1995 o Hubble mentos participantes são os aglomerados de galáxias. Os superaglomerados
Space Telescope foi apontado para uma região do céu que, mesmo observada de galáxias são separados no espaço por regiões “vazias”, chamadas em inglês
pelos grandes telescópios da época, parecia estar livre de qualquer objeto. Esta de “voids”.
pequena área, com apenas 144 segundos de arco de diâmetro (o que equivale Mas porque estruturas tão gigantescas como os superaglomerados de ga-
ao tamanho angular de uma bola de tênis vista a uma distância de 100 me- láxias não foram logo descobertas? Nota-se que acima demos as três dimen-
tros), estava localizada na constelação Ursa Major. A imagem final consistiu sões da Grande Parede. Para “ver” uma estrutura tridimensional no universo

170  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  171


é necessário localizar a posição das galáxias em três dimensões e isso envolve com uma massa total de cerca de 1017 massas solares.
o conhecimento não só da localização da galáxia pelas suas coordenadas mas A parte mais próxima desse superaglomerado está a uma distância de 700
a combinação dessas informações com a distância, que é obtida a partir do milhões de anos-luz da Terra e é formada pelos aglomerados vistos próximos
conhecimento do seu redshift. à parte de baixo da figura. Seu limite mais distante está a cerca de 1,2 bilhões
de anos-luz de nós e é formado pelos aglomerados localizados na parte supe-
O Superaglomerado de Virgo ou Superaglomerado rior da figura. Esse superaglomerado tem cerca de 550 milhões de anos-luz de
Local diâmetro. Entre seus aglomerados temos o Abell 3266.
Como já vimos, a nossa Galáxia faz parte de um grupo de galáxias chama- Todas as galáxias deste superaglomerado são mais brilhantes do que a
do Grupo Local. Esse Grupo Local, por sua vez, faz parte de uma estrutura magnitude 17.
ainda maior que é o superaglomerado de galáxias conhecido como Superaglo-
merado Local ou Superaglomerado de Virgo. Superaglomerado Hydra-Centaurus
O diâmetro do Superaglomerado Local é de cerca de 200 milhões de anos- Esse é um superaglomerado que se divide em duas partes, uma delas situa-
luz. Ele contém cerca de 100 grupos e aglomerados de galáxias mas é domina- da na constelação Centaurus e a outra na constelação Hydra. Por esse motivo
do pelo poderoso aglomerado de Virgo que se localiza próximo a seu centro. algumas vezes, em vez de superaglomerado Hydra-Centaurus ele é subdivi-
A partir de análises do efeito gravitacional sobre o movimento das galáxias, os dido e chamado de superaglomerado Hydra e superaglomerado Centaurus.
astrônomos estimam que a massa total do Superaglomerado Virgo é cerca de O superaglomerado Hydra-Centaurus é o mais próximo vizinho ao supe-
1015 massas solares ou seja, 2 x 1046 quilogramas. raglomerado Virgo, onde se encontra a nossa Galáxia.
O Grupo Local, do qual a nossa Galáxia faz parte, está localizado próxi- Na parte desse superaglomerado, que se encontra na constelação Cen-
mo à borda do Superaglomerado Local. No entanto, devido à intensa força taurus, existem quatro grandes aglomerados de galáxias: o aglomerado de
gravitacional exercida pelo aglomerado de Virgo, o Grupo Local está sendo galáxias Centaurus (A3526), A3565, A3574 e A3581. Também fazem parte do
lentamente arrastado na direção deste grande aglomerado de galáxias. superaglomerado Hydra-Centaurus o aglomerado de galáxias Hydra (A1060),
que se localiza próximo a nós, e o aglomerado de galáxias Norma (A3627).
Superaglomerado Coma Muitos outros aglomerados de galáxias pequenos também pertencem a esse
Localizado a cerca de 300 milhões de anos-luz da Terra, o Superaglome- superaglomerado.
rado Coma é o superaglomerado massivo de galáxias mais próximo ao Supe- Os aglomerados centrais do superaglomerado de galáxias Hydra-Cen-
raglomerado Virgo, do qual fazemos parte. Ele está situado na constelação taurus estão a distâncias entre 150 e 200 milhões de anos-luz da Terra.
Coma Berenices e foi um dos primeiros superaglomerados descoberto pelos
astrônomos. Superaglomerado Pavus-Indus
O Superaglomerado Coma possui mais de 3000 galáxias distribuídas de Vizinho ao Superaglomerado Local (que contém o Grupo Local, ao qual a
forma aproximadamente esférica em um diâmetro de cerca de 20 milhões de nossa Galáxia pertence), encontramos o Superaglomerado Pavo-Indus.
anos-luz. Esse superaglomerado contém quatro aglomerados principais de galáxias,
O Superaglomerado Coma inclui o aglomerado de galáxias Coma (Abell Abell 3656, Abell 3698, Abell 3742 e Abell 3747.
1656) e o aglomerado de galáxias Leo (Abell 1367).
Curiosamente, o Superaglomerado de galáxias Coma está localizado no “O Grande Atrator”
centro da chamada “Grande Parede”, que veremos mais tarde. Em 1973 astrônomos notaram que havia uma região no céu que mostrava
desvios de uma expansão uniforme do Universo. Isso foi confirmado em 1978
Superaglomerado Shapley e logo os astrônomos chamaram essa região de “O Grande Atrator”.
Esta é a maior concentração de galáxias na nossa vizinhança no Universo. O “Grande Atrator” hoje é entendido como sendo uma anomalia gravita-
Ela se situa na constelação Centaurus a cerca de 650 milhões de anos-luz da cional existente no espaço intergaláctico que se encontra na região do Supera-
nossa Galáxia. glomerado de galáxias Centaurus. O “Grande Atrator” revela que, nesse local
existe uma grande concentração de massa, equivalente a dezenas de milhares
Superaglomerado Perseus-Pisces de vezes a massa da nossa Galáxia! O “Grande Atrator” é observado devido ao
Essa é uma das maiores estruturas conhecidas no Universo. Situado a uma efeito que ele causa no movimento das galáxias e nos aglomerados de galáxias
distância de 250 milhões de anos-luz de nós, essa cadeia de galáxias se estende aos quais elas fazem parte. Essa interação gravitacional ocorre ao longo de
por mais de 40o no céu. uma região de centenas de milhões de anos-luz de distância!
Os principais aglomerados do Superaglomerado Perseus-Pisces são conhe- Tem sido difícil estudar detalhes do “Grande Atrator” devido à obstrução
cidos como Abell 262, Abell 347 e Abell 426. da linha de visada que temos até ela causada pela matéria escura que existe do
plano da nossa Galáxia. Mesmo assim, os astrônomos conseguiram, em 1986,
Superaglomerado Horologium determinar que o “Grande Atrator”, inicialmente considerado estar a uma dis-
Esse superaglomerado, que também é conhecido como Superaglomerado tância de cerca de 150 milhões de anos-luz da nossa Galáxia, na verdade está
Horologium-Reticulum, é formado por cerca de 5000 grupos de galáxias, das localizado a uma distância de cerca de 250 milhões de anos-luz de nós.
quais 30000 são galáxias gigantes e 300000 são galáxias anãs. Por essa razão Ele se situa na direção das constelações Hydra e Centaurus, região do es-
ele é considerado como um dos mais massivos superaglomerados conhecidos, paço que é dominada pelo aglomerado de galáxias Norma (ACO 3627). Esse
aglomerado de galáxias é bastante massivo e a maior parte de sua matéria

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visível é formada por galáxias grandes e velhas. Muitas das galáxias que per- res estruturas existentes no universo e estavam distribuídas de modo mais ou
tencem ao aglomerado Norma estão sofrendo processos de colisão entre elas e menos uniforme em todas as direções através de todo o universo. Esta visão
muitas emitem grandes quantidades de ondas radio. estava para ser mudada.
No final da década de 1980 vários grupos de astrofísicos desenvolveram
OS SUPERAGLOMERADOS NO CATÁLOGO DE um dos mais importantes trabalhos para o conhecimento da estrutura em
Mapeando o GALÁXIAS DO CFA larga escala do Universo. Estes trabalhos, chamados de “levantamentos de
redshifts” (redshift survey), procuravam obter o maior número possível de
Universo: os Mostramos abaixo, em coordenadas galácticas, a distribuição de mais de medições de redshifts de galáxias. Deste modo era possível conhecer suas dis-
“redshift 30000 galáxias, feita pelo CfA, assinalando com pontos amarelos as posições tâncias e, consequentemente, ter uma visão bastante ampla da distribuição de
surveys” de vários superaglomerados de galáxias conhecidos. Os números apresen- galáxias no universo.
tados em parênteses nos dão quantos aglomerados de galáxias fazem par- Para realizar esse tipo de mapeamento, que em inglês é chamado de “sur-
te destes superaglomerados, o que nos permite ter uma ideia da riqueza do vey”, é necessário medir o “redshift” de cada um desses objetos. A esse tipo de
superaglomerado. levantamento dos valores dos “redshifts” de vários objetos de uma determina-
É interessante notar que alguns superaglomerados não parecem estar loca- da área ou seção do Universo, damos o nome de “redshift survey”.
lizados em regiões superdensas de galáxias. Isto ocorre porque a maioria deles Os resultados que podem ser obtidos a partir de um “redshift survey”
está muito mais distante no espaço do que as galáxias mostradas neste diagra- são vários. Por exemplo, com o auxílio da lei de Hubble, o “redshift” pode
ma. Entretanto, a famosa “Concentração de Shapley” e o “Grande Atrator”, ser usado para calcular a que distância um determinado objeto (que teve seu
que se situam na mesma direção, estão localizados em regiões notadamente “redshift” medido) está da Terra. Além disso, combinando-se o “redshift” ob-
superdensas. tido de cada objeto com o correspondente dado de sua posição angular, um
Os pesquisadores do CfA também obtiveram esta distribuição de mais de “redshift survey” nos permite obter uma visão tridimensional da distribuição
30000 galáxias em 3 dimensões. Neste caso a nossa Galáxia está localizada no de galáxias pertencentes à região estudada.
centro do diagrama. Como o seu plano é horizontal são criadas “zonas vazias”,
que são os cones horizontais escuros e vazios que podemos ver para ambos os O “CfA Redshift Survey”
lados a partir do ponto central. A escala vertical desta distribuição de galáxias Esse foi o primeiro “redshift survey” realizado, a primeira tentativa de ma-
é de 160 Mpc. pear a estrutura em larga escala do Universo. O Center for Astrophysics CfA)
Podemos notar nesta distribuição numerosos “dedos de Deus” ou seja ca- da Universidade da California iniciou esse trabalho em 1977 e em 1982 com-
deias de galáxias que apontam na direção da nossa Galáxia. Como já disse- pletou a coleção inicial de dados. O segundo “CfA survey” foi feito entre 1985
mos, estes “dedos” são explicados pela dispersão de velocidade existente nos e 1995. A partir desses dados, em 1989, os astrônomos descobriram a chamada
aglomerados de galáxias. Observe também a parte superior do diagrama. Ali “Grande Parede” (“Great Wall”), um superaglomerado de galáxias circundado
podemos ver a famosa “Grande Parede” (Great Wall), uma longa e curva ca- por “vazios” (que será definido mais tarde).
deia de galáxias. Mostramos abaixo um diagrama da distribuição de galáxias no céu, obtido
Para que possamos observar melhor algumas importantes estruturas que com os dados do “CfA redshift survey”. Cada ponto representa uma galáxia no
aparecem na distribuição em larga escala das galáxias estudadas, os astrôno- hemisfério celeste norte que é mais brilhante do que a magnitude azul aparen-
mos do CfA filtraram a imagem acima. Nesta nova figura somente são mos- te de 15,5 e com um redshift medido até o valor 15000 km/s. As galáxias mais
tradas as galáxias pertencentes às regiões superdensas. Os círculos vermelhos próximas são mostradas na cor vermelha. As galáxias representadas pelas co-
assinalam aglomerados de galáxias tirados do Catálogo ACO. Note que muitas res azul, magenta, ciano e verde estão respectivamente mais afastadas de nós.
delas coincidem com os “dedos de Deus”.
A nossa Galáxia continua a ocupar o centro deste diagrama mas, neste O “2dF Galaxy Redshift Survey”
caso, a distribuição de galáxias está sendo vista por um observador localiza- O 2dF Galaxy Redshift Survey (Two-degree-Field Galaxy Redshift Survey),
do em um ponto diferente daquele mostrado no diagrama anterior. Agora o também conhecido como 2dF ou 2dFGRS, é um dos mais notáveis “redshift
observador está no local assinalado pelo cubo azul que limita a distribuição survey” feitos recentemente. Seu nome “2dF” vem do fato de que o instrumen-
estudada pelo CfA. to que realizava os levantamentos cobria uma área de aproximadamente dois
Neste diagrama podemos ver bem melhor a localização da Grande Parede. graus quadrados. O “2dF” é um levantamento de objetos de baixo redshift
Ela é o semicírculo situado na parte superior do diagrama. que foi realizado pelo Anglo-Australian Observatory (AAO) com o telescópio
de 3,9 metros dessa instituição. Esse levantamento foi feito entre 1997 e 11 de
MAPEANDO O UNIVERSO: OS “REDSHIFT SURVEYS” abril de 2002. Os dados desse levantamento foram liberados para o público no
dia 30 de junho de 2003. Esse levantamento determinou a estrutura em larga
O resultado do uso de detectores e telescópios cada vez mais poderosos foi escala em uma seção do Universo local.
a descoberta de um número cada vez maior de galáxias espalhadas em todas O levantamento “2dF” cobriu uma área de cerca de 1500 graus quadrados
as direções no Universo. Isso fez com que o interesse dos astrônomos logo se que incluía regiões em ambos os pólos galácticos.
voltasse para o mapeamento do Universo. Como as galáxias se distribuem por
toda a imensa vastidão do Universo? O “Sloan Digital Sky Survey”
Até 1989 os astrônomos acreditavam que a estrutura em larga escala do Este levantamento foi feito usando um telescópio óptico dedicado de 2,5
Universo terminava nos superaglomerados de galáxias. Estas seriam as maio- metros de diâmetro do Apache Point Observatory, New México, Estados Uni-

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dos. Os trabalhos começaram no ano 2000 e tinham como objetivo mape- Filamentos e Vazios
ar cerca de 25% do céu e observar cerca de 100 milhões de objetos, obtendo Com a ampliação dos “redshift surveys” cada vez mais os astrônomos pu-
espectros de aproximadamente um milhão deles. A cada noite o telescópio deram esboçar a distribuição tridimensional das galáxias no universo. Hoje
produz cerca de 200 GB de dados astronômicos. os astrônomos descrevem o universo como sendo uma coleção de “vazios”
As imagens abaixo mostram as posições espaciais das galáxias em torno da (“voids”) com o aspecto de bolhas, separados por distribuições de galáxias
A estrutura em nossa Galáxia. Elas foram obtidas a partir dos dados do SDSS. com a forma de “folhas” e “filamentos”. Estas “folhas” e “filamentos” formam
No ano 2006 foi iniciado o SDS-II, uma segunda fase dessas pesquisas. uma “rede” retorcida com grandes espaços vazios, que são os “vazios”. Estes
larga escala do “vazios” têm um diâmetro típico de 25 Mpc e preenchem cerca de 90% do
Universo JUNTANDO TODOS OS LEVANTAMENTOS DE espaço. O maior “vazio” até agora observado está localizado na constelação
REDSHIFT Capricornus e tem o nome de “vazio de Capricornus”. Estima-se que ele tenha
um diâmetro de 230 milhões de anos-luz.
Já que tantos levantamentos de redshift foram feitos por diversos observa- Na descrição que estamos fazendo da estrutura em larga escala do Uni-
tórios em todo o mundo, nada mais natural do que reunir esse conhecimento verso, composto por filamentos e vazios, os superaglomerados aparecem
e ver o que pode resultar. A imagem abaixo, obtida por Thomas Jarret, do como ocasionais “nós”, relativamente densos, desta “rede”. Os filamentos são
IPAC, nos dá uma visão panorâmica do Universo visto na região espectral as maiores estruturas conhecidas no Universo. São estruturas semelhantes a
do infravermelho próximo. Ela nos revela a distribuição de galáxias até agora linhas com um comprimento típico de 50 a 80 megaparsecs. Os filamentos
conhecida. delineiam os contornos existentes entre os grandes “vazios” do Universo.
Essa imagem foi feita a partir de dados do “2MASS Extended Source Ca- Os filamentos são formados por galáxias gravitacionalmente ligadas. Nas
talogue (XSC), que reúnem mais de 1,5 milhões de galáxias, e o Point Source regiões do filamento onde um grande número de galáxias estão situadas mui-
Catalogue (que registra cerca de 0,5 bilhão de estrelas pertencentes à nossa to próximas umas às outras, dizemos que aí existe um “superaglomerado de
Galáxia). Nessa projeção a nossa Galáxia está no centro da imagem. galáxias”.
Na imagem as várias cores representam os “redfshifts” das galáxias. Assim, A imagem abaixo é uma simulação feita em computador que mostra os
as galáxias na cor azul estão mais próximas de nós (z < 0,01), as galáxias mos- filamentos e “vazios” criados a partir da distribuição de matéria no Universo.
tradas na cor verde estão a uma distância moderada da Terra (0,01 < z < 0,04).
Já as galáxias mostradas na cor vermelha são as mais distantes que o 2MASS é O “vazio” em Boötes
capaz de calcular o redshift (0,04 < z < 0,1). Em 1981 os astrônomos Robert Kirshner, August Oemler,Jr., Paul Schech-
ter e Stephen Shectman, durante um levantamento de “redshifts” de galáxias,
A ESTRUTURA EM LARGA ESCALA DO UNIVERSO descobriram na região da constelação Boötes uma imensa região do espaço
vazia, quase totalmente desprovida de galáxias, que ficou sendo conhecida
O Universo possui estruturas muito maiores, mas muito mesmo, que os como “vazio de Boötes”.
superaglomerados. Essas estruturas, às quais nem mesmo o nome de “gigan- O “vazio de Boötes” tem uma forma aproximadamente esférica e é muito
tescas” conseguiria realmente expressar seu tamanho, são conhecidas como grande. O “vazio de Boötes”, com cerca de 250 milhões de anos-luz de diâme-
as “paredes cósmicas”, os “filamentos” e os “vazios”. Isso se não falarmos das tro, é um dos maiores “vazios” encontrados até agora no nosso Universo. Para
“bolhas de Lyman-alpha”! Vamos ver cada uma delas separadamente. se ter a real dimensão do “vazio de Boötes”, é bom usar a comparação feita pelo
astrônomo Greg Aldering: se a nossa Galáxia estivesse localizada no centro do
PAREDES vazio de Boötes, somente nos anos da década de 1960 é que teríamos sabido
que existiam outras galáxias no Universo.
A “Grande Parede” (“Great Wall”) Muitos astrônomos passaram a estudar esse “vazio” tentando verificar se
Em 1989, os astrofísicos Margaret Geller e John Huchra, analisando dados existiam galáxias localizadas no seu interior ou se essa imensa região era real-
obtidos em um dos “redshift surveys”, descobriram uma distribuição de galá- mente completamente vazia. Logo algumas galáxias começaram a ser desco-
xias com mais de 500 milhões de anos-luz de comprimento e 200 milhões de bertas no interior do “vazio de Boötes”.
anos-luz de largura. Esta distribuição tinha a espessura de apenas 15 milhões Em 1987 os astrônomos J. Moody, Robert Kirshner, G. MacAlpine e S.
de anos-luz. A estrutura descoberta por estes astrônomos, uma imensa “folha” Gregory descobriram oito galáxias no interior do “vazio de Boötes”. Em 1989,
de galáxias, passou a ser conhecida como a “Grande Parede” (Great Wall). os astrônomos Greg Aldering, G. Bothun, Robert P. Kirshner e Ron Marzke
descobriram mais 15 galáxias nesse imenso vazio. Algumas outras galáxias
A “Grande Parede do SLOAN” (“SLOAN Great Wall”) foram descobertas nessa região e em 1997 conhecíamos 60 galáxias no interior
Em abril de 2003 foi descoberta uma outra imensa estrutura no Universo. do “vazio de Boötes”. Curiosamente, essas galáxias se dispõem na forma apro-
Trata-se da chamada “Grande Parede do SLOAN” (SLOAN Great Wall). ximada de um tubo que cruza o meio do “vazio”. Os astrônomos acreditam
No entanto, tecnicamente, a “Grande Parede do SLOAN” não é uma “es- que o “vazio” de Boötes foi formado a partir da fusão de vários outros “va-
trutura” verdadeira, uma vez que os objetos que fazem parte dela não estão zios” menores que existiam nessa região, algo semelhante ao que se vê quando
ligados gravitacionalmente ou seja, eles não estão gravitacionalmente relacio- forma bolhas de sabão e elas começam a se juntar formando uma bolha cada
nados uns com os outros. Eles só parecem estar ligados gravitacionalmente vez maior. Nota-se que devido ao seu imenso tamanho, mesmo a descoberta
devido à medição de distância que foi usada. dessas galáxias no interior do “vazio de Boötes” não modifica sua caracterís-
tica principal que é a de ser uma região do Universo quase completamente

176  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  177


26
desprovida de matéria visível. As séries mostradas acima são fundamentais para a astrofísica. Entre ou-
A figura abaixo mostra a distribuição de alguns superaglomerados de ga- tros pontos importantes, as séries do átomo de hidrogênio, que representam
láxias e alguns “vazios” conhecidos no Universo. transições entre níveis atômicos, nos dão informações sobre a composição
química das estrelas.
A “mancha fria” do WMAP Para o caso que estamos tratando aqui, as chamadas “folhas de Lyman
Em 2004, enquanto mapeava o céu fazendo o levantamento das flutua- alpha”, nos interessa somente as transições feitas para o nível fundamental do A estrutura em
ções de temperaturas da radiação de fundo de microondas cósmica (assunto átomo de hidrogênio.
que será abordado mais tarde), o Wilkinson Microwave Anisotropy Probe A animação acima nos mostra que quando um elétron do átomo de hidro-
larga escala do
(WMAP) descobriu a existência de uma enorme região situada na constelação gênio faz uma transição de um nível excitado (seja ele qual for) para o nível Universo
Eridanus na qual a radiação de fundo era mais fria do que na área circundante fundamental, são criadas linhas que coletivamente recebem o nome de “linhas
adjacente. O círculo na imagem marca a região em questão. de Lyman”. Essas linhas aparecem no espectro.
Essa enorme região fica no hemisfério norte da esfera celeste e está centra- Ao observarem os espectros dos quasares, um tipo de galáxia ativa, os as-
da nas coordenadas galácticas lII = 207,8o e bII = -56,3o. Em coordenadas equa- trônomos verificaram que havia uma grande profusão de linhas de Lyman
toriais sua localização é ascensão reta = 03h 15m 05s e declinação = -19o 35’ alpha nos seus espectros. A isso eles deram o nome de “florestas de Lyman
02”. A ela foi dado o nome de “WMAP Cold Spot” (“mancha fria do WMAP”) alpha”.
O que seria essa “mancha fria”? A melhor explicação dada é a de que essa Ao conjunto de linhas de absorção, que aparecem no espectro da luz prove-
“mancha fria” é um enorme “vazio”, um “supervazio”, que existe entre nós niente dos quasares, os astrônomos dão o nome de “floresta de Lyman alpha”.
e a radiação cósmica de fundo primordial, uma vez que os “vazios” podem As “bolhas de Lyman alpha” (Lyman-alpha blob -LAB) são enormes con-
produzir regiões mais frias do que suas vizinhanças. Entretanto, seria necessá- centrações de gás que emite a linha Lyman alpha. Os LABs são alguns dos
rio um “vazio” impressionantemente grande para explicar essa “mancha fria”. maiores objetos individuais conhecidos em todo o Universo. Algumas dessas
Essa região vazia teria de 6 a 10 bilhões de anos-luz de extensão e aproximada- estruturas gasosas têm mais de 400000 anos-luz de diâmetro.
mente 1 bilhão de anos-luz de largura. As mais famosas “bolhas de Lyman alpha” foram descobertas no ano 2000
pelo astrônomo Steidel. Astrônomos japoneses, usando o telescópio Subaru,
Bolhas de Lyman alpha descobriram mais de 30 novas LABs no mesmo campo estudado anterior-
Um outro indicador da estrutura em larga escala do Universo é a chamada mente por Steidel, mas todas de menor tamanho do que a original. Essas LABs
“floresta de Lyman alpha” (Lyman alpha forest). Para entendermos o que isso formam uma estrutura que tem mais de 200 milhões de anos-luz de extensão.
significa precisamos falar um pouco sobre o átomo de hidrogênio. Não se sabe como essas LABs estão conectadas com as galáxias circunvi-
O hidrogênio é o elemento químico que existe em maior quantidade no zinhas a elas.
Universo. O átomo de hidrogênio é o mais simples de todos os átomos: ele tem Essas regiões são interpretadas como indicando a existência de enormes
um elétron apenas, que gira em torno de um núcleo que também só possui “folhas” finas de gás intergaláctico. O principal constituinte deste gás é o hi-
uma única partícula, um próton. drogênio. Os astrônomos acreditam que estas “folhas” (ou “bolhas”) estão
Se o elétron do átomo de hidrogênio absorve um fóton com uma deter- associadas ao processo de formação de novas galáxias.
minada energia ele saltará para uma órbita mais energética, mais afastada do
núcleo. Dizemos então que o elétron está excitado e esse processo é conhecido A ESTRUTURA ATÔMICA: O ÁTOMO “ANTIGO” E O
como excitação. ÁTOMO “MODERNO”
Todas as partículas elementares que existem no Universo não “gostam” de
permanecer em um estado excitado. Sua tendência é liberar esse excesso de A física que ocorre no interior da matéria, na região que designamos como
energia e voltar para o estado de menor energia possível. Assim, neste estado nível microscópico ou nível atômico, é muito diferente daquela que estamos
excitado o elétron em algum momento emitirá um fóton e saltará para um acostumados a ver no nosso mundo macroscópico, aquele cujas escalas vão do
nível de menor energia, um nível mais baixo, mais próximo ao núcleo. Esses milímetro aos milhares e milhares de quilômetros. Os fenômenos que ocor-
processos dão origem às chamadas séries do hidrogênio que mostram as pos- rem no interior da matéria ou seja, no interior dos átomos, têm aspectos mui-
síveis transições que o elétron do átomo de hidrogênio pode fazer. tíssimo particulares, característicos e algumas vezes surpreendentes.
Estas transições do elétron dão origem às seguintes séries: Os blocos construtores básicos da matéria “normal”, aquela que vemos
espalhada por todo o Universo, são os átomos. Ao se reunirem, os átomos
formam o que chamamos de moléculas.
OCORRE UMA TRANSIÇÃO DE QUALQUER NÍVEL EXCITADO PARA
SÉRIE Entretanto, veremos mais tarde que, embora a matéria “normal” seja com-
O NÍVEL
posta de átomos e moléculas, a maioria da matéria que existe no Universo não
Lyman 1 (estado fundamental) se apresenta desta forma. Ao invés disso, a maior parte da matéria no Universo
Balmer 2 está presente na forma de plasma.

Paschen 3
O modelo de Bohr para o átomo
Brackett 4 Em nossa discussão das propriedades mais importantes da estrutura atô-
Pfund 5 mica e molecular empregaremos um modelo muito simplificado para descre-
ver o átomo, proposto em 1915 pelo prêmio Nobel dinamarquês Niels Bohr.

178  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  179


Este modelo é chamado de “átomo planetário” ou “modelo de Bohr”. prótons, carregados positivamente.
O modelo do átomo proposto por Bohr não é inteiramente correto nem E quanto aos nêutrons? Qual é a “missão” deles em um átomo? Experi-
representa a visão atual que os físicos possuem sobre o interior da matéria. No mentalmente verifica-se que o número de nêutrons é, aproximadamente, igual
entanto, ele tem vários aspectos que são aproximadamente corretos, é mais ao número de prótons nos núcleos leves estáveis. No entanto, o número de
fácil de ser entendido e é plenamente satisfatório para uma grande parte da nêutrons cresce rapidamente e é cerca de duas vezes o número de prótons nos
nossa discussão. núcleos estáveis mais pesados. É esse maior número de nêutrons que dá esta-
No modelo atômico proposto por Bohr partículas chamadas nêutrons e bilidade ao núcleo do átomo. Veremos mais tarde que átomos pesados cujos
prótons ocupam uma região central, densa, do átomo chamada núcleo atô- núcleos são ricos em nêutrons é que serão os responsáveis pela ocorrência de
mico. Em torno deste núcleo outras partículas, os elétrons, descrevem órbitas. processos nucleares no interior das estrelas.
A atração elétrica entre os prótons e os elétrons é um dos processos que dá
estabilidade ao átomo, mantendo-o unido. Os isótopos de um elemento
Esta descrição se assemelha, em alguns aspectos, àquela que fazemos do O número de prótons que participam do núcleo de um determinado átomo
nosso Sistema Solar, onde os planetas estão em órbita em torno do Sol. No é chamado de número atômico e é representado pela letra Z. Como sabemos
entanto, fazer uma analogia sem restrições entre o Sistema Solar e o átomo de que os átomos não possuem carga elétrica resultante, o número de prótons no
Bohr não é correto, uma vez que os planetas estão em órbitas que, aproxima- núcleo tem que ser igual ao número de elétrons que estão em órbita em torno
damente, permanecem confinadas a um plano enquanto que, no caso de um deste núcleo. Daí podemos dizer que o número atômico nos dá o número de
átomo, as órbitas dos elétrons não estão confinadas a nenhum plano. prótons no núcleo de um determinado átomo ou o número de elétrons nas
Há um outro aspecto, muito mais complexo, que anula completamente a respectivas órbitas em torno desse núcleo.
analogia entre o Sistema Solar e o átomo de Bohr. Veremos mais tarde que os O número total de prótons e nêutrons que formam um determinado nú-
elétrons possuem restrições muito maiores do que aquelas aplicadas aos pla- cleo atômico é chamado de número de massa do átomo e é representado pela
netas do Sistema Solar no que diz respeito às suas possíveis órbitas em torno letra A. Representando com a letra N o número de nêutrons, temos que o
de um objeto central, o núcleo atômico no caso do átomo. Trataremos este número de massa é dado por
aspecto mais tarde, quando falarmos sobre a chamada “quantização dos níveis
de energia”. A= Z + N
O tamanho típico de um núcleo atômico é 10-13 centímetros com os elé-
trons descrevendo órbitas a uma distância (raio) de, aproximadamente, 10-8 Chamamos de isótopo de um elemento aquele cujos átomos têm o mesmo
centímetros= 1 Ångstrom (1 Å). Isto quer dizer que o raio do núcleo é cerca de número de prótons, e consequentemente o mesmo número de elétrons que o
100000 vezes menor do que o raio do átomo inteiro. Este dado é importante elemento original, mas um número diferente de nêutrons.
para que você tenha a noção correta de como a matéria é “vazia”. Assim, os isótopos de um elemento têm o mesmo número atômico mas
Outro ponto importante é que para o estudo do interior da matéria consi- diferem em seus números de massa.
deraremos que é válido o princípio de que as partículas de um determinado Um mesmo elemento químico pode ter vários isótopos, todos eles diferin-
tipo são indistinguíveis. Com isto queremos dizer que um elétron é sempre do apenas no número de nêutrons que constituem seus respectivos núcleos.
igual a outro elétron. Não existem elétrons gordos ou magros, novos ou ve- Uma notação compacta para isótopos de um elemento é ilustrada abaixo:
lhos. Até onde sabemos, podemos considerar o elétron como uma partícula
puntiforme, sem extensão espacial, e cujas propriedades intrínsecas são as
mesmas para todos eles, independentemente da situação física.

constituintes do equivalência entre massa


símbolo carga valor da carga massa
átomo massas onde “235” é o número de massa, “92” é o número atômico e “143” é o
aproximada
número de nêutrons do elemento químico.
1,6022 × 10-19 9,1093897 × O hidrogênio, o elemento químico que existe em maior quantidade no
elétron e- -1 ---- 9,11 × 10 -31
kg
Coulombs 10-31 kg Universo, possui isótopos com nomes característicos:
igual à do 1,6726230 × ~1836 vezes a
próton p+ +1 1,67 × 10-27 kg
elétron 10-27 kg massa do elétron elemento isótopos
núcleo
1,6749286 × aproximadamente
nêutron n 0 ---- 1,68 × 10-27 kg
10-27 kg igual à do próton

Vemos pela tabela acima que a maior parte da massa dos átomos reside nos O símbolo representa o hidrogênio enquanto que os outros dois sím-
prótons e nêutrons que ocupam a região central mais densa chamada núcleo bolos representam seus isótopos.
atômico ou, simplesmente, núcleo. O isótopo de massa 2 do hidrogênio, , é chamado de deutério ou hi-
Se os átomos são formados por partículas positivas (prótons) e negativas drogênio pesado enquanto que o isótopo de massa 3, , é chamado de
(elétrons) qual é a sua carga total? Os átomos têm carga positiva ou negativa? trítio ou trício.
Na verdade os átomos são eletricamente neutros por que o número de elétrons, Observa-se que o núcleo do hidrogênio é formado por um próton apenas, o
carregados negativamente, que ele possui é exatamente igual ao número de núcleo do deutério é formado por um próton e um nêutron e o do trítio inclui

180  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  181


um próton e dois nêutrons. do seu elétron com o núcleo atômico, transformando-o em elétron livre, é de
O estudo dos isótopos dos elementos químicos é importante para a astrofí- 13,6 elétrons-volt. Dizemos então que o continuum do átomo de hidrogênio
sica. Os processos nucleares que ocorrem no interior de uma estrela produzem começa em 13,6 eV acima do estado fundamental.
muitos isótopos seja por processos de enriquecimento dos núcleos dos átomos
a partir da colisão com nêutrons ou então por processos de decaimento de Excitação e desexcitação de um átomo
átomos pesados. Os elétrons pertencentes a um átomo podem fazer transições entre as ór-
bitas (níveis de energia) permitidas pela mecânica quântica absorvendo ou
A necessidade de um novo modelo para o átomo emitindo exatamente a diferença de energia que existe entre estas órbitas.
Os cientistas que estudavam a estrutura do átomo no início do século XX Vejamos melhor como isto acontece. Vamos supor que um elétron está em
descobriram algo muito interessante. As regras estabelecidas pelo físico inglês uma órbita qualquer, entre aquelas permitidas pela mecânica quântica, em
Isaac Newton, e que eram capazes de descrever o comportamento dos corpos torno de um núcleo. É claro que existem outras possíveis órbitas, ou níveis de
macroscópicos, não funcionavam na escala atômica. A mecânica Newtonia- energia, que este elétron pode ocupar se ele tiver energia suficiente para isto.
na não pode corretamente descrever o comportamento de prótons, nêutrons, A diferença de energia entre cada uma destas várias órbitas possíveis e aquela
elétrons ou átomos. onde está efetivamente o elétron pode ser facilmente calculada. Vamos su-
Niels Bohr, Max Planck, Wolfgang Pauli, Louis de Broglie, Erwin Schrö- por então que, por algum processo, por exemplo aquecimento, transmitimos
dinger, Werner Heisemberg e outros grandes cientistas daquela época co- energia para este átomo. Esta energia incidente, seja qual for a sua origem, é
meçaram a desenvolver um novo conjunto de “leis” físicas que se aplicavam, formada por fótons com vários comprimentos de onda. Eventualmente um
bastante bem, ao mundo microscópico dos átomos. Esta nova teoria foi cha- destes comprimentos de onda pode corresponder à diferença de energia que
mada de “Mecânica Quântica”. existe entre algum dos possíveis níveis atômicos deste átomo e o nível onde
Hoje, os físicos acreditam que a teoria correta que descreve o átomo se está o elétron.
baseia na mecânica quântica, uma teoria matematicamente sofisticada e que Quando esta energia externa incide sobre o elétron, ele absorverá um dos
apresenta uma descrição muito mais precisa do átomo do que o modelo pro- fótons incidentes desde que a energia desse fóton corresponda à diferença de
posto por Bohr. O modelo do átomo de Bohr é apenas uma aproximação à energia entre um dos possíveis níveis atômicos e o nível onde o elétron está. Ao
descrição feita pela mecânica quântica, mas com a virtude de ser muito mais absorver esta energia o elétron realiza um salto quântico para o nível de ener-
simples. gia mais alta que corresponde à sua nova energia total. Deste modo a diferença
em energia entre níveis corresponde a um comprimento de onda específico da
26.1  OS NÍVEIS DE ENERGIA DE UM ÁTOMO: radiação incidente.
Por exemplo, um elétron está no segundo nível quântico. Incidimos radia-
EXCITAÇÃO E DESEXCITAÇÃO
ção de vários comprimentos de onda sobre o elétron. Entre estes comprimen-
tos de onda está aquele que corresponde à diferença de energia entre o nível
Um dos aspectos básicos da mecânica quântica que está incorporado ao
quântico 5 e o nível 2 onde está o elétron. Nosso elétron absorve este fóton e
modelo de Bohr, e que o faz ser completamente diferente do modelo planetá-
passa para o nível 5, ocupando agora um estado de maior excitação do que
rio que tantas vezes é usado como analogia, é que a energia das partículas no
aquele em que ele estava anteriormente.
átomo de Bohr está restrita a certos valores discretos, muito bem definidos,
Resumindo, quando o átomo encontra um fóton com um comprimento de
e somente estes valores são permitidos. Dizemos que a energia do átomo é
onda específico, correspondente à diferença de energia entre níveis quânticos,
quantizada.
o fóton será absorvido pelo átomo, e o elétron saltará do nível de energia mais
Isto significa que somente certas órbitas, com raios bem estabelecidos,
baixa para o nível de energia mais alta.
podem ser ocupadas pelos elétrons. As órbitas que poderiam estar situadas
O elétron neste novo nível de energia está em um estado excitado. No en-
dentro destes intervalos estabelecidos pela mecânica quântica simplesmente
tanto, todos os elétrons que estão em estados excitados querem retornar a um
não existem.
nível de energia mais baixa. Para realizar isto o elétron libera um fóton, que
A figura ao lado mostra tais níveis de energia quantizados para o átomo de
transporta este excesso de energia, e retorna para um nível de energia cor-
hidrogênio.
respondente a uma excitação menor. A este processo de emissão de energia
Estes níveis são designados por um número inteiro n que é chamado de
damos o nome de desexcitação.
número quântico.
Resumindo, quando o elétron cai de um nível de maior energia para um
O estado (ou nível) de energia mais baixo é chamado de estado
de menor energia ele emite um fóton cuja energia é equivalente à diferença de
fundamental.
energia entre estes dois níveis. Se o elétron excitado volta para o seu estado ori-
Os estados que apresentam, sucessivamente, mais energia do que o estado
ginal, o átomo emite um fóton com o mesmo comprimento de onda específico
fundamental são chamados de estados excitados e são designados, segundo
daquele que o havia excitado inicialmente.
a ordem de afastamento a partir do núcleo atômico, como primeiro estado
A imagem a seguir mostra uma excitação atômica causada pela absorção
excitado, segundo estado excitado, terceiro estado excitado, etc.
de um fóton e uma desexcitação causada pela emissão de um fóton.
Além de uma certa energia, chamada potencial de ionização, os elétrons
No entanto, as regras para que a excitação ou desexcitação ocorram são
que pertencem ao átomo não conseguem mais ficar ligados ao núcleo. Eles pas-
muito rígidas. Em cada caso o comprimento de onda da radiação emitida ou
sam a ser elétrons livres. A partir deste valor de energia os níveis de energia
absorvida, ou seja o fóton absorvido ou emitido, é exatamente a diferença de
formam uma região que recebe o nome de continuum. No caso do hidrogênio
energia entre as duas órbitas atômicas envolvidas no processo. Esta energia
seu potencial de ionização ou seja, a energia necessária para destruir a ligação

182  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  183


pode ser calculada dividindo o produto da constante de Planck e velocidade “matéria normal” que encontramos em torno de nós é desta forma.
da luz hc pelo comprimento de onda da luz. Assim, um átomo somente pode Entretanto, particularmente quando existem fontes de energia disponíveis
absorver ou emitir certos comprimentos de onda discretos (ou, equivalente- atuando próximas aos átomos e moléculas, eles podem ganhar ou perder elé-
mente, frequências ou energias). Podemos dizer, de modo equivalente, que trons adquirindo, consequentemente, uma carga elétrica resultante. Este pro-
somente certos fótons podem ser absorvidos ou emitidos por um átomo. cesso é chamado de ionização e é extremamente importante para a astrofísica.
Um outro ponto importante, que constantemente leva a interpretações
erradas, é o fato de que quando dizemos que um elétron passou de um nível O que é a ionização de um átomo?
quântico para outro contíguo, somos, erroneamente, levados a supor que esta A ionização é o ganho ou a perda de elétrons por um átomo. O processo de
passagem é contínua. Por exemplo, quando dizemos que o elétron passou do ionização pode ocorrer de várias formas, algumas delas até mesmo presentes
nível 2 para o nível 3 podemos ser levados a imaginar que o elétron se deslo- na nossa vida diária. Quando se passa um pente rapidamente no cabelo cons-
cou, de modo contínuo, por todo o intervalo de energias que fica entre os dois tata-se que ele se torna capaz de atrair pequenos pedaços de papel e isto se
níveis citados. Isto não é verdade. Lembre-se que uma das regras da mecânica deve ao processo de ionização que ocorreu por meio do atrito do pente com o
quântica nós diz que não podem existir níveis intermediários entre dois níveis seu cabelo. O mesmo ocorre quando você anda sobre um carpete ou tapete e
permitidos contíguos. Assim, quando constatamos que o elétron passa do ní- em seguida recebe um pequeno choque elétrico ao tentar abrir uma porta com
vel 2 para o 3, por exemplo, estamos dizendo que ele “desapareceu” do nível 2 fechadura metálica.
e “reapareceu” no nível 3. Misterioso, não é? Mas esta é a beleza da mecânica A perda de elétrons, que é o processo mais comum nos meios ambiente as-
quântica. trofísicos, converte um átomo em um íon positivamente carregado. O ganho
de elétrons por um átomo o converte em um íon negativamente carregado.
Os níveis de energia do átomo de hidrogênio É fácil entender esta nomenclatura porque se um átomo perde elétrons,
O hidrogênio é o elemento químico que existe em maior quantidade no mas não prótons, isto faz com que o número de prótons seja maior do que o
Universo. As estrelas são formadas, em sua maior parte, por hidrogênio. O número de elétrons. Consequentemente sua carga positiva fica maior do que a
átomo de hidrogênio é, certamente, o mais simples de todos os átomos: ele carga negativa. Daí chamarmos o átomo que tem estas características de íon
tem um elétron apenas, que gira em torno de um núcleo que também só possui positivo. No outro caso, quando um átomo ganha um elétron, mas não pró-
uma única partícula, um próton. tons, o seu número de elétrons fica maior do que o número de prótons. Neste
Pelas regras que vimos acima para a excitação e desexcitação de um elé- caso o átomo fica carregado negativamente ou seja, ele é um íon negativo.
tron, ao absorver um fóton com uma determinada energia, o elétron saltará Veja que íon é o átomo que perdeu ou ganhou elétrons e que, portanto, tem
para uma órbita mais energética, mais afastada do núcleo. Neste estado excita- carga elétrica total diferente de zero.
do o elétron poderá emitir um fóton e saltar para um nível de menor energia, E para onde vão os elétrons arrancados dos átomos? Eles ficam sob a forma
um nível mais baixo, mais próximo ao núcleo. Estes processos dão origem de elétrons livres até que, ao se aproximarem suficientemente de algum átomo,
às chamadas séries do hidrogênio que revelam as possíveis transições que o sejam capturados permanecendo, então, em uma de suas órbitas permitidas.
elétron do átomo de hidrogênio pode fazer. Na discussão subsequente, usaremos os termos ionização e ionizar no
sentido de perda de elétrons com a consequente formação de íons positivos.
Estas transições do elétron dão origem às seguintes séries: Há uma notação padrão na astrofísica para os vários níveis de ionização
de um átomo. Como mostrado na tabela seguinte esta notação usa números
romanos crescentes para indicar níveis mais altos de ionização.
SÉRIE OCORRE UMA TRANSIÇÃO DE QUALQUER NÍVEL EXCITADO PARA O NÍVEL
Lyman 1 (estado fundamental)
NOTAÇÃO PARA GRAUS DE IONIZAÇÃO
Balmer 2
sufixo ionização exemplos notação da química
Paschen 3
I não ionizado (neutro) H I, He I H, He
Brackett 4
II uma vez ionizado H II, He II H+, He+
Pfund 5
III duplamente ionizado He III, O III He++, O++

As séries mostradas acima são fundamentais para a astrofísica. Na verdade ... ... ... ...
as séries do átomo de hidrogênio, que representam transições entre níveis atô- XVI 15 vezes ionizado Fe XVI  
micos, nos dão informações sobre a composição química das estrelas, como
... ... ... ...
veremos mais tar

Fica fácil entender esta notação ao percebermos que o número romano que
26.2  IONIZAÇÃO E PLASMA acompanha o símbolo do elemento químico tem uma unidade a mais do que
o seu grau de ionização. Por exemplo, Fe XIV significa que o elemento ferro
Já vimos que os átomos são eletricamente neutros uma vez que sua carga
está ionizado (14 - 1)= 13 vezes.
total negativa, fornecida pelos seus elétrons, é exatamente igual à sua carga
Um outro ponto a notar é que o maior grau de ionização possível de um de-
positiva dada pelos prótons que formam seus núcleos. Uma grande parte da
terminado átomo é dado pelo número de elétrons que ele possui. Deste modo,

184  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  185


o hidrogênio, que só tem um elétron, só pode ser ionizado uma vez, formando croscópico, algo como se, de repente, um pão se transformasse em um biscoi-
o H II. No espaço entre as estrelas existem regiões onde o hidrogênio está to, um bolo e um doce!
ionizado. Estas são as “regiões HII”, regiões do espaço interestelar onde a ra- O que acontece no nosso mundo diário, no domínio da física clássica,
diação proveniente de estrelas vizinhas ionizou completamente o hidrogênio quando dois carros colidem? Ficamos com dois carros amassados e um grande
local. O estudo das regiões H II é um importantíssimo tema na astrofísica. prejuízo. No ambiente atômico, novas partículas, inteiramente diferentes, po-
Vemos abaixo uma dessas regiões HII, a nebulosa M16, também chamada de dem ser criadas a partir da colisão de duas ou mais partículas. É algo como se
“nebulosa Águia”. dois carros colidissem e o resultado fosse um ônibus, um trem e uma bicicleta,
Os processos de ionização são muito importantes para a astrofísica por es- algo impossível de ser imaginado no nosso mundo macroscópico.
tarem associados à temperatura. À medida que fornecemos energia a um gás, Estes fenômenos atômicos, por mais incríveis que pareçam, ocorrem nos
sua temperatura aumenta. Os elétrons de cada elemento químico que o forma laboratórios e a física clássica, aquela descoberta por Isaac Newton e que já
vão absorvendo esta energia, passando para níveis cada vez mais excitados até havia demonstrado grande poder na solução dos problemas do Universo em
que se transformam em elétrons livres. O gás passa então a ser formado por grande escala, mostrou-se impotente perante eles. Para descrever, explicar e
átomos cada vez mais ionizados e por elétrons livres. Como somos capazes analisar os fenômenos que ocorriam no interior da matéria foi preciso criar
de determinar no laboratório qual a temperatura correspondente a cada nível a mecânica quântica, uma sofisticada teoria física que permite aos cientistas
de ionização, ao constatarmos a presença destes átomos ionizados no espaço estudar o interior dos átomos.
sabemos a temperatura dos fenômenos locais.
As Regras da Mecânica Quântica
O plasma Não é simples apresentar os princípios da mecânica quântica sem que surja
Se a maioria dos átomos ou moléculas em uma região estão ionizados, o uma avalanche de dúvidas. Suas regras são sofisticadas e muitas vezes surpre-
estado resultante da matéria corresponde a um gás que é eletricamente neutro endentes. No entanto, por mais estranhas que pareçam, elas funcionam muito
em uma escala global, mas composto microscopicamente de íons carregados bem e suas previsões são facilmente demonstradas nos laboratórios.
positivamente e elétrons (obviamente com carga negativa) que foram arranca- Não nos aprofundaremos nos princípios da mecânica quântica. Ao invés
dos dos átomos quando os íons foram formados. Tal estado da matéria, forma- disso somente apresentaremos algumas noções bem fundamentais que serão
do por íons e elétrons livres, é chamado de plasma. úteis mais tarde.
A maior parte da matéria nas estrelas está na forma de um estado de plasma. Estas são algumas regras da Mecânica Quântica:
Dissemos anteriormente que o Universo é formado por “matéria normal”
ou seja, aquela formada por átomos e moléculas em estado neutro, não ioni- • várias características físicas que ocorrem no nível atômico são quan-
zados. No entanto, os dados observacionais nos revelam que a forma mais tizadas. Isto significa que elas podem ter somente certos valores bem
abundante de matéria no Universo não está na forma de átomos ou moléculas determinados, que chamamos de valores discretos. Por exemplo,
neutras mas, ao contrário, no estado de plasma, ou seja, átomos e moléculas as energias disponíveis para um átomo são limitadas a valores bem
ionizados. específicos.
• Para simplificar, vamos pensar de novo no modelo de Bohr para o
26.3  UMA NOVA DESCRIÇÃO DA MATÉRIA: A átomo. As regras da mecânica quântica dizem que os elétrons só têm
MECÂNICA QUÂNTICA permissão para percorrerem certas órbitas muito bem determinadas.
Assim, em um átomo de hidrogênio, o elétron no estado de energia
A estrutura de um átomo é muito mais complicada do que mostramos até mais baixa percorre uma órbita com um raio de cerca de 0,5 Å. A pró-
agora. Como já dissemos anteriormente, o modelo atômico de Bohr é apenas xima órbita permitida, ou seja energia permitida para o elétron, tem
uma aproximação. Na verdade não temos, no interior da matéria, esse “aspec- um raio de cerca de 2 Å, e assim por diante. A mecânica quântica nos
to planetário” descrito pelo modelo de Bohr. As partículas atômicas seguem assegura que, neste caso do átomo de hidrogênio, ou o elétron está na
regras bastante particulares, muito diferentes daquelas a que estamos acostu- órbita de 0,5 Å ou está na órbita de 2 Å, etc. Ele nunca será encontrado
mados ao estudarmos o nosso Universo macroscópico. em uma órbita entre estes valores. Órbitas ou energias intermediárias,
No interior da matéria acontecem fenômenos que, vistos sob o ponto de aquelas que poderiam estar situadas entre esses valores, não são per-
vista da física clássica, poderiam sugerir “ficção científica”. Quando foi que mitidas de modo algum!
você viu um carro, um ônibus, ou mesmo uma pessoa atravessar uma pare-
• em um determinado instante, duas ou mais partículas absolutamente
de sem destruí-la? Nunca, e jamais verá um fenômeno como esse porque ele
idênticas não podem ocupar um mesmo estado particular de energia
é proibido pelas leis da física clássica. A isto damos o nome de barreira de
ou seja, o mesmo nível de energia de um átomo. Partículas que ocu-
potencial e dizemos que corpos macroscópicos não podem penetrar em uma
pam um mesmo estado de energia em um átomo têm que diferir por
barreira de potencial.
alguma propriedade intrínseca. De modo algum elas podem ser to-
No entanto o domínio da física atômica e nuclear é tão emocionante que
talmente idênticas. Isto é chamado de “Princípio de Exclusão de Pau-
fenômenos como este são permitidos. E pior, acontecem! As partículas que
li”, em homenagem ao físico alemão Wolfgang Pauli que o descobriu.
formam os átomos, chamadas de partículas elementares, podem ultrapas-
sar estas barreiras de potencial, podem “sumir” de um lugar e “aparecer” em • Por exemplo, se voltarmos a usar o modelo de Bohr para representar o
outro. Essas partículas elementares também podem, espontaneamente, se átomo, na primeira órbita atômica permitida, aquela de energia mais
transformar em outras partículas. Isto jamais acontece no nosso mundo ma- baixa, somente podemos encontrar dois elétrons. Os dois são elétrons

186  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  187


27
mas eles diferem pelo fato de que um deles estará “girando” na direção AS FORÇAS QUE ATUAM NA NATUREZA
dos ponteiros do relógio e o outro estará “girando” na direção contrá-
ria aos ponteiros de um relógio. Porém deve-se tomar cuidado com As Leis de Newton para o movimento dos corpos
esta analogia pois ela não é correta. Na verdade o elétron não é uma No nosso dia-a-dia sempre vemos, à nossa volta, corpos em movimento.
“bolinha” que gira em torno do seu eixo. A mecânica quântica nos Observando o céu notamos que os corpos celestes também se movem. Embora
mostra que o elétron possui certas propriedades que, matematicamen- as estrelas pareçam estar fixas na esfera celeste a Lua e os planetas demons- As forças
te, nos levam a pensar em rotação. No entanto, a “rotação” do elétron tram, muito evidentemente, que os objetos celestes se deslocam no espaço.
é muito mais complicada do que a rotação de uma bolinha, como o
que atuam na
Curiosamente, as mesmas leis que regem o movimento dos corpos sobre o
modelo de Bohr nos leva a imaginar. nosso planeta também conseguem descrever o movimento dos corpos celestes.
natureza
• a luz, os prótons, os elétrons e outras partículas exibem tanto com- Estas leis básicas do movimento, na verdade apenas três leis, foram desco-
portamentos de uma onda como de uma partícula. Por exemplo, em bertas pelo físico inglês Isaac Newton.
alguns fenômenos o fóton (nome dado à menor partícula de “luz”) se
comporta como uma onda e obedece às leis da óptica física, enquanto Primeira Lei de Newton
que em outras experiências o seu comportamento é o de uma partícula Esta lei, também chamada de Lei da Inércia, fala sobre a ação que deve ser
obedecendo às conhecidas regras de colisões entre partículas. Como o realizada para manter um corpo em movimento.
fóton decide se vai se comportar como uma onda ou como uma partí-
cula é um dos mistérios ainda não resolvido pela física quântica. A este “Um corpo permanece em repouso ou em movimento
comportamento irregular da matéria, sendo às vezes onda e às vezes
retilíneo uniforme a menos que haja uma influência
partícula, damos o nome de “Dualidade Onda-Partícula”.
externa, ou seja uma força, atuando sobre ele.”
• os fenômenos que ocorrem no interior da matéria são de natureza pro-
babilística ao invés de determinística. Isto significa que, mesmo saben-
Assim, se não há nenhuma força agindo:
do tudo sobre um átomo não podemos prever exatamente o que ele
vai fazer a seguir. As leis da física atômica somente podem apresentar
• um corpo em repouso permanecerá em repouso
“probabilidades” para comportamentos específicos das partículas que
formam a matéria. Este comportamento é totalmente diferente daque- • um corpo que se move continuará se movendo com a mesma velocida-
le que estamos acostumados no mundo macroscópico. de e na mesma direção
Então porque quando um carro é empurrado ele anda um pouco e para?
Isto ocorre devido à presença de forças, também externas, que atuam sobre
A TABELA PERÍODICA E A MECÂNICA QUÂNTICA
o carro no sentido contrário ao seu movimento. Estas forças, chamadas de
forças de atrito, são as responsáveis pelo fato do carro parar. Se as forças de
O que descrevemos acima como sendo as regras da mecânica quântica
atrito não existissem, ao aplicarmos uma força sobre um corpo ele iniciaria
pode parecer estranho mas é assim que a matéria se comporta.
um movimento que duraria para sempre (felizmente para nós existe a força de
A física moderna é realmente surpreendente. A mecânica quântica, com
atrito. Imagine por que?).
suas estranhas quantizações e regras de exclusão, consegue explicar bastante
bem os fenômenos que ocorrem nos átomos. Muitos resultados de observações
Observações:
e experiências envolvendo o interior da matéria, que até então eram inexplicá-
veis, foram compreendidos com o auxílio da mecânica quântica. Por exemplo,
• veja que a primeira lei de Newton fala de “movimento retilíneo unifor-
somente após a quantização dos níveis de energia atômica e o aparecimento
me”. A palavra “uniforme” chama a atenção para o fato de que a veloci-
do Princípio de Exclusão de Pauli é que conseguimos explicar o porque da
dade do corpo é constante. A palavra “retilíneo” significa obviamente
existência da chamada Tabela Periódica dos elementos químicos.
que o corpo não está realizando qualquer curva uma vez que o corpo
que segue uma trajetória curva está acelerado.
A tabela periódica dos elementos químicos é mostrada abaixo.
• não confundir velocidade com aceleração. Aceleração é uma variação
Ela resume as propriedades e a distribuição dos elementos químicos exis- da velocidade de um corpo em um intervalo de tempo. No entanto,
tentes na natureza e foi idealizada pelo químico russo Dimitri Ivanovich esta variação que dá origem à aceleração tanto pode ser no “valor” da
Mendeleev. Sem o auxílio da mecânica quântica é impossível saber porque os velocidade quanto na “direção” da velocidade.
elementos se distribuem dessa maneira.
As fotos abaixo mostram Mendeleev ainda jovem e suas primeiras anota- Segunda Lei de Newton
ções sobre a tabela periódica, feitas em 17 de fevereiro de 1869. Esta lei estabelece uma relação entre os conceitos de força, massa e
aceleração.
Estes três conceitos são fundamentais para a física:

• massa: é uma medida da inércia de um corpo. Ela está relacionada

188  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  189


com a dificuldade que temos para colocar um corpo em movimento. A mente ser levados a pensar que elas descrevem todos os fenômenos que ocor-
massa de um corpo é representada pela letra m. rem na natureza envolvendo forças.
Isto não é verdade. As leis de Newton descrevem a ação das forças sobre os
• força: é a influência externa sobre um corpo. Ela é representada pela
corpos de grande tamanho, os chamados corpos macroscópicos. No entan-
letra F.
to elas não dizem quais são as forças fundamentais, também chamadas de
• aceleração: é uma variação no movimento. Esta variação pode ser de interações fundamentais, que ocorrem em todas as escalas de tamanho do
aumento ou diminuição na velocidade de um corpo e/ou de mudança Universo, sejam elas microscópicas ou macroscópicas.
na direção de deslocamento do corpo. Ela é representada pela letra a. Quando estudamos o interior da matéria, os átomos e as moléculas, vemos
Se considerarmos corpos que se movem com velocidades muito menores fenômenos muito diferentes daqueles que acontecem no nosso mundo diário.
que a velocidade da luz, a massa do corpo é constante e a segunda lei de New- Para descrever estes fenômenos foi necessário introduzir diversos outros con-
ton pode então ser escrita como ceitos de forças na física.
Mas afinal, por que isso interessa à astronomia? Pelo simples fato de que

F=ma todos estes fenômenos aparecem em processos físicos que determinam a exis-
tência dos corpos celestes.
Sabemos que existem apenas quatro forças, ou interações, fundamentais
Observações:
na natureza. Todos os fenômenos físicos que ocorrem na natureza são produ-
zidos por estes quatro tipos de forças, ou interações, fundamentais e cada uma
• não confundir massa com peso: massa é a quantidade de matéria em delas é descrita por uma teoria física. Elas são:
um corpo. Massa é uma grandeza fundamental da física. Peso é a ação
da gravidade sobre um corpo de massa m. Deste modo, o peso de um
corpo na Terra é dado pela massa do corpo multiplicada pela acelera- interação interação interação interação
ção da gravidade na superfície do nosso planeta. gravitacional eletromagnética fraca forte
• o conceito de “força” não está associado apenas a algo externo a um
corpo. Também existem forças atuando no interior de todos os corpos. AÇÃO À DISTÂNCIA E CAMPOS

Terceira Lei de Newton Para que haja uma interação entre corpos é preciso que cada um deles saiba
Também é conhecida como Lei da Ação e Reação. o que está acontecendo, ou o que foi mudado, no outro. É preciso que haja
uma troca de informações entre eles. Por exemplo, um deles se move e, de al-
gum modo, esta informação é levada até o outro corpo que então reage a esta
Quando um corpo A exerce uma força sobre um corpo mudança de acordo com as leis físicas correspondentes.Antigamente os físicos
B, o corpo B exercerá uma força igual e em sentido pensavam que esta informação era instantânea. Isto quer dizer que a propa-
oposto sobre o corpo A. gação da informação se dava com velocidade infinita. Este era, basicamente, o
conceito de ação-à-distância.
Se chamarmos de F AB
a força que um corpo A exerce sobre um corpo B
No entanto, a partir do fato de que existe uma velocidade máxima para os
corpos materiais, que é a velocidade da luz, os cientistas concluíram que esta
então a terceira lei de Newton nos assegura que o corpo B exercerá uma força
informação não podia se propagar com velocidade infinita mas sim com esta
de mesmo valor e de sentido contrário sobre o corpo A, que representamos
por -FBA
.
velocidade máxima. Foi então introduzido o conceito de campo.
O conceito de campo é muito fácil de ser entendido. Segundo a física atual
O sinal negativo caracteriza o sentido contrário que esta força tem em re-
todo corpo cria no espaço à sua volta uma perturbação que é o campo gerado
lação à primeira força.
por alguma propriedade intrínseca que ele possui. Por exemplo, todo corpo
que tem massa gera um campo gravitacional à sua volta, todo corpo que tem
A Terceira Lei de Newton, é escrita como
carga elétrica cria um campo elétrico à sua volta, etc. É este campo que irá

FAB = - FBA
interagir com o campo criado pelo outro corpo de modo que informações
sejam trocadas entre eles.
O conceito de campo é fundamental para a física. O conceito de força, ou
Esta terceira lei, na verdade, nos revela como é conservado o momentum interação, está intimamente associado ao conceito de campo. Todas as intera-
de um corpo. Momentum (também chamado de “momentum linear”) é defi- ções fundamentais se revelam por meio da ação dos campos, por elas gerados,
nido como o produto da massa do corpo pela sua velocidade. sobre outros corpos.
É com base na Terceira Lei de Newton que explicamos porque um foguete Mas, como se dá a interação entre os campos? Para a física moderna um
consegue voar. campo interage com outro por intermédio da troca de partículas chamadas
mediadores. Assim, duas partículas que possuem cargas elétricas criam cam-
AS FORÇAS FUNDAMENTAIS DA NATUREZA pos à sua volta e estes campos interagem por meio da troca de partículas me-

A partir das definições acima das três leis de Newton poderíamos facil-

190  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  191


diadoras chamadas fótons. 27.1  A FORÇA GRAVITACIONAL
Os conceitos de campo e de mediadores são duas conquistas fundamen-
tais da física moderna. Ao observarmos o movimento dos corpos celestes vemos que eles não são
objetos errantes que seguem trajetórias quaisquer no espaço. Todos eles, sem
A tabela abaixo mostra, esquematicamente, detalhes sobre estas forças que
exceção, percorrem órbitas bem determinadas obedecendo a leis gerais que
serão logo explicados:
são válidas em todo o Universo. Isto é importante por nos indicar que os cor-
FORÇA (OU INTERAÇÃO) pos celestes estão sob a ação de forças que os mantém em suas órbitas. Melhor
INTENSIDADE TEORIA MEDIADOR
ainda, sabemos que os objetos na Terra interagem e conhecemos as leis que
FUNDAMENTAL
regem essas interações.
forte 10 cromodinâmica quântica Observamos gluon
que ao usarmos a primeira lei de Newton e aplicarmos uma
eletromagnética 10-2 eletrodinâmica força sobre umfóton
corpo qualquer, uma pedra por exemplo, atirando-a para cima
ela retorna à Terra. Por que isso acontece? Se a única força atuante sobre a
fraca 10-13 flavordinâmica W± e Z0
pedra fosse o atrito com o ar que forma a nossa atmosfera, a pedra diminuiria
gravitacional 10-42 geometrodinâmicaa sua velocidade
graviton
até parar e permaneceria flutuando no ar. No entanto, isso
não ocorre. A pedra volta para a superfície da Terra. Uma situação tão simples
É necessário explicar, um pouco, o conteúdo da tabela. quanto essa nos mostra que a Terra está exercendo algum tipo de força que
1. Intensidade: Os valores acima atribuídos para as intensidade das for- atrai a pedra de volta para ela. O mesmo tipo de interação deve ocorrer entre
ças não devem ser considerados de modo absoluto. Serão vistos valores todos os corpos celestes e a ela damos o nome de interação gravitacional.
bastante diferentes em vários livros, em particular no que diz respeito A descoberta da lei que nos mostra de que maneira os corpos celestes inte-
à força fraca. O cálculo desta intensidade depende da natureza da fon- ragem foi concebida por Isaac Newton. Aplicando uma ferramenta matemá-
te e a que distância estamos fazendo a medição. O que é importante tica que ele havia recentemente desenvolvido, chamada fluctions e que hoje
notar é a razão entre estas interações: a força gravitacional é, de longe, é conhecida como “cálculo diferencial”, à órbita da Lua em torno da Terra,
a mais fraca entre todas, porém é a de maior alcance, sendo a respon- Newton foi capaz de determinar que a força da gravidade deve depender do
sável pela estabilidade dinâmica de todo o Universo. inverso do quadrado da distância entre a Terra e a Lua.
Ao mesmo tempo, hoje sabemos que, segundo a Terceira Lei de Newton,
2. Teoria: Vemos na tabela que cada força está associada a uma teoria
uma vez que a gravidade é uma força exercida por um corpo sobre outro ela
física. Elas serão comentadas mais adiante.
deve atuar de modo recíproco entre as duas massas envolvidas.
3. Mediadores: Já comentamos rapidamente que, após a física ter aban-
donado o conceito de “ação-a-distância”, foi introduzido o conceito de A Teoria da Gravitação de Isaac Newton
“campo”. Os físicos passaram a entender que cada partícula cria à sua Newton deduziu então que:
volta uma perturbação, seu “campo”, que é sentido pelas outras partí-
culas. Foi uma parte da física chamada “Teoria Quântica de Campos
“A força de atração gravitacional entre dois corpos de
(TQC)” que introduziu o conceito de “mediadores”.
massas M e m é diretamente proporcional ao produto de
Segundo a TQC cada uma das forças que existem na natureza é mediada
pela troca de uma partícula que é chamada de “mediador”. Estes mediadores
suas massas e inversamente proporcional ao quadrado
transmitem a força entre uma partícula e outra. Assim, a força gravitacional é da distância que os separa”.
mediada por uma partícula chamada graviton. A força eletromagnética é me-
diada pelo fóton, a força forte pelos gluons e as forças fracas pelas partículas Para transformar a proporcionalidade em igualdade Newton introduziu
W± e Z0, que são chamadas de bósons vetoriais intermediários. uma “constante de proporcionalidade” na sua equação. Esta constante de
A descrição que será vista a seguir sobre as forças que regem todos os proporcionalidade é a constante de gravitação de Newton, representada pela
fenômenos que ocorrem no Universo é muito elegante mas, como você será letra G e que tem o valor
notado, ela complica ainda mais o estudo das interações entre as partículas.
Por exemplo, antes descrevíamos a interação entre dois prótons como sendo a G = 6,67 x 10-8 dinas centímetro2/grama2
interação entre duas partículas. Hoje, sabendo que os prótons são partículas
compostas por três quarks, vemos que a interação entre dois prótons, regida Na equação acima “dina” é uma unidade de medida de forças. Ela corres-
pelas interações fortes, é, na verdade, uma interação entre seis quarks que tro- ponde a gramas.centímetro/segundo2. Uma outra unidade de força também
cam gluons, os mediadores deste tipo de interação, incessantemente durante comumente usada é o “newton” que equivale a quilograma.metro/segundo2.
todo o processo. E é bom lembrar que existem oito tipos de gluons. Como você Pela lei da gravitação universal a força de atração gravitacional entre a Ter-
pode ver, não existe simplicidade na maneira como a física moderna descreve ra e a Lua é dada por
a matéria e suas interações.

192  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  193


onde G é a constante gravitacional, M é a massa da Terra, m é a massa da A Gravitação Quântica
Lua, e d é a distância entre a Terra e a Lua. Já vimos que a teoria clássica da gravitação é descrita pela lei de Newton da
Gravitação Universal. Sua generalização relativística é a teoria da Gravitação
Observações: de Einstein, também chamada de Teoria da Relatividade Geral de Einstein.
Na verdade, a interação gravitacional seria melhor chamada de Geometrodi-
• a gravidade é a mais fraca entre todas as forças fundamentais.
nâmica, termo proposto pelo físico norte-americano John Wheeler, uma vez
• a gravidade é uma força de longo alcance. Veja, na equação acima, que que a relatividade geral geometriza a gravitação. No entanto, para descrever os
não há qualquer limite para o valor de d, que é a distância entre os estágios iniciais da formação do Universo precisamos de uma teoria quântica
corpos. da gravitação.
Até agora os físicos ainda não possuem uma teoria como essa, apesar dos
• a gravidade é uma força somente atrativa. Não existe repulsão
enormes esforços desenvolvidos para isto. As dificuldades para criar uma teo-
gravitacional.
ria quantizada para a gravitação têm sido muito grandes: a matemática envol-
• a história de que Newton teria notado a existência da lei da gravitação vida é excepcionalmente sofisticada e os conceitos físicos estão na fronteira do
a partir da queda de uma maçã é, quase certamente, duvidosa. nosso conhecimento e imaginação.
É por causa dessas características que a gravidade domina várias áreas de
estudo na astronomia. É a ação da força gravitacional que determina as órbitas 27.2  A FORÇA ELETROMAGNÉTICA
dos planetas, estrelas e galáxias, assim como os ciclos de vida das estrelas e a
evolução do próprio Universo, como veremos mais tarde. A interação eletromagnética, ou força eletromagnética, é aquela que ocor-
re quando corpos possuidores de cargas elétricas e/ou corpos magnetizados
A Constante Gravitacional da equação de Newton interagem.
A gravidade é uma força tão fraca que a constante G que aparece na equa- As interações eletromagnéticas são descritas por uma parte da física cha-
ção da gravitação de Newton não podia ser medida na época em que a equação mada eletrodinâmica. Esta é a teoria física que descreve os fenômenos elétri-
foi proposta. cos e magnéticos, ou seja todos os processos de interação que ocorrem entre
O primeiro a estimar o valor de G foi o astrônomo Nevil Maskelyne. Para corpos carregados que interagem por meio de forças eletromagnéticas. A for-
fazer isto ele procurou usar duas massas bastante diferentes de tal modo que a mulação clássica da Eletrodinâmica foi feita por James Clerk Maxwell.
força gravitacional entre elas pudesse ser medida. Nada melhor do que a massa Interação entre corpos carregados: a lei de Coulomb
de uma montanha e a de um pedaço de chumbo preso a uma linha. Certamen- Sabemos que os elétrons têm carga negativa enquanto que os prótons têm
te a atração gravitacional entre estas duas massas provocaria uma deflexão na cargas positivas. Desta forma, quando dois ou mais prótons, elétrons ou uma
linha que sustentava o chumbo. mistura destas partículas são colocadas próximas, sempre ocorre um processo
Em 1774, Maskelyne aproximou o seu peso de chumbo das encostas incli- de interação eletromagnética.
nadas do Monte Schiehallion, na Escócia, e mediu a deflexão da linha ou seja, A interação elétrica não ocorre apenas entre elétrons e prótons mas sim
a ação gravitacional entre a montanha e o peso de chumbo. Como o monte entre dois ou mais corpos quaisquer que possuam carga elétrica.
Chiehallion tinha uma forma muito regular, Maskelyne foi capaz de estimar Já era conhecido que corpos possuidores do mesmo tipo de carga elétrica
sua massa e, como ele conhecia a massa do peso de chumbo, foi possível então se repeliam, enquanto que se as cargas fossem diferentes eles eram atraídos.
determinar o valor da constante gravitacional G. Foi o físico francês Charles Augustin Coulomb que conseguiu, a partir de
No entanto, o físico inglês Henry Cavendish foi o primeiro a medir G no experiências realizadas em seu laboratório, colocar estas observações sobre o
laboratório. comportamento de corpos carregadas em uma forma matemática.
Segundo Coulomb, a força elétrica entre duas partículas carregadas é dada
A ação da gravidade nas nossas vidas por
E de que modo a ação da gravidade se apresenta na nossa vida? O simples
fato de se permanecer de pé na superfície da Terra é resultado da existência
da força gravitacional. É a ação da gravidade da Terra que nos faz permanecer
sobre ela. É claro que se tem uma pequena liberdade para saltar na vertical,
mas logo é obrigado a retornar à sua superfície. onde q e q’ são as cargas elétricas dos dois corpos, d é a distância entre
E que outra ação da gravidade nos afeta diretamente? A ação gravitacio- os corpos e k é uma constante para a eletricidade (análoga à constante G que
nal entre a Terra e a Lua é uma dessas ações. É ela que produz o conhecido surge quando estudamos a gravidade). Esta é a chamada lei de Coulomb.
fenômeno das marés. Além disso, como a Lua é um satélite de grande massa, Observa-se que, uma vez que as cargas elétricas podem ter sinais diferen-
se comparado com os outros satélites do Sistema Solar, a atração gravitacio- tes, a força calculada pode ser positiva ou negativa. Se ela for positiva isso
nal entre ela e a Terra serve como elemento estabilizador da rotação do nosso significa que os corpos têm cargas elétricas com o mesmo sinal e, portanto, se
planeta em torno do seu eixo. No entanto, a Lua está se afastando da Terra e a repelem. Se o sinal da força for negativo, isso nos mostra que as cargas elétricas
mudança desta ação gravitacional, daqui a milhares de anos, provocará uma
alteração no eixo de rotação da Terra. Esta mudança se refletirá sob a forma de
fortes alterações climáticas no nosso planeta.

194  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  195


possuem sinais contrários e, portanto, os corpos carregados se atraem. eletromagnéticas.
A luz que recebemos das estrelas nada mais é do que a radiação eletro-
Olhe as duas expressões abaixo: magnética produzida por fenômenos físicos que ocorrem no seu interior e,
    posteriormente, emitida por elas. Estas ondas eletromagnéticas se propagam
no espaço interestelar e chegam até nós permitindo-nos ver os objetos celestes.
Também foi Maxwell que mostrou, a partir da obtenção da equação de
propagação ondulatória da luz, que a velocidade desta propagação, ou seja a
velocidade da luz, no vácuo é
A da esquerda representa a interação gravitacional entre dois corpos de
massa M e m. A da direita mostra a interação elétrica entre dois corpos com vluz= c = 300000 km/s
cargas q e q’. Rapidamente notamos que estas equações possuem a mesma
forma. No entanto, existem algumas diferenças muito importantes entre elas: Observação:
É um erro comum vermos escrito que a velocidade de propagação da luz é
• há somente um tipo de massa, enquanto que existem dois tipos de de 300000 quilômetros por segundo. Isto não é verdade. Esta é a velocidade de
carga elétrica - positiva e negativa - que se comportam de maneiras propagação da luz no vácuo. Em um meio material a luz tem uma velocidade
opostas. menor do que essa. Este “detalhe” é importante porque a velocidade da luz no
vácuo é a velocidade limite máxima para todos os corpos materiais, princí-
• a gravitação é puramente atrativa, mas a força elétrica pode ser ou pio esse estabelecido pela Teoria da Relatividade Restrita de Einstein. Em um
atrativa ou repulsiva - cargas elétricas com o mesmo sinal se repelem, meio material a velocidade da luz pode ser superada.
cargas elétricas com sinais opostos se atraem. Para conhecer as equações de propagação ondulatória dos fenômenos ele-
• cargas que se movem produzem e respondem à força magnética tromagnéticos, propostas por Maxwell em 1865, clique no botão abaixo.
Ocorre que as forças elétricas e magnéticas são manifestações dife-
rentes de um mesmo fenômeno físico. Por esta razão os astrônomos e
físicos falam de uma “força eletromagnética”.
Nota-se também que a lei de Coulomb nos mostra que a interação elétrica é
uma força que tem alcance infinito, uma vez que nenhum limite é estabelecido
O alcance da força eletromagnética
sobre o valor de d.
Vimos anteriormente que a força eletromagnética é cerca de 1040 vezes
maior do que a força da gravidade. Se ambas são forças de longo alcance, então
As equações de Maxwell
porque motivo a gravitação, e não o eletromagnetismo, domina as interações
As interações eletromagnéticas, ou seja o conjunto de fenômenos que ocor-
entre os corpos celestes? A gravitação domina essas interações porque a maio-
rem com corpos que possuem carga elétrica ou magnetismo, são regidas pelas
ria das regiões do espaço são eletricamente neutras e, portanto, não sentem a
chamadas equações de Maxwell.
interação eletromagnética.
James Clerk Maxwell foi um físico escocês que viveu entre 1831 e 1879 e
A diferença de intensidade entre as forças gravitacional e eletromagnética
notou que todos os fenômenos elétricos e magnéticos que ocorrem na nature-
não é aparente por causa da natureza dual (atrativa/repulsiva) dessa última.
za podem ser descritos por um conjunto de apenas quatro equações!
No entanto, no nosso dia-a-dia, as forças que nos impedem de cair no chão
As equações de Maxwell não são simples matemáticas, elas estabelecem
ou de uma cadeira, as forças que são exercidas quando se empurra um objeto
uma íntima relação entre os fenômenos elétricos e magnéticos, mostrando que
(fricção, etc.) todas são exemplos da força eletromagnética em ação.
estes não são fenômenos isolados. Os fenômenos elétricos produzem os efeitos
magnéticos e vice-versa. É por esta razão que os fenômenos elétricos e magnéti-
A Eletrodinâmica Quântica
cos passaram a ser tratados por uma única teoria chamada eletromagnetismo.
A teoria clássica da eletrodinâmica, construída por Maxwell, já era consis-
Para conhecer as equações de Maxwell, propostas por ele em 1865, clique
tente com a teoria da relatividade especial de Einstein.
no botão abaixo.
No entanto, para aplicar estas equações aos fenômenos eletromagnéticos
que ocorriam entre as várias partículas elementares, foi necessário construir
uma nova teoria envolvendo a mecânica quântica. O “casamento” do eletro-
magnetismo com a mecânica quântica, ou seja, a construção de uma “Ele-
trodinâmica Quântica”, foi realizada por grandes nomes da física tais como
A luz como uma onda
Dirac, Feynman, Tomonaga e Schwinger nos anos de 1940.
Também foi Maxwell que mostrou que a radiação eletromagnética, ou seja
A eletrodinâmica quântica é uma das teorias mais bem construídas da
a luz, se propaga como uma onda. A partir de transformações matemáticas
física. Os equipamentos eletrônicos utilizados em casa possuem circuitos
que ele realizou sobre as quatro equações do eletromagnetismo, Maxwell
integrados cuja construção se baseia na eletrodinâmica quântica. A precisão
mostrou que elas se reduziam a uma equação de propagação de um fenôme-
verificada entre os resultados previstos teoricamente e aqueles obtidos no la-
no ondulatório. Desta forma, a luz se propaga no espaço como uma onda e é
por este motivo que a eletrodinâmica é o estudo das propriedades das ondas

196  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  197


boratório é realmente surpreendente. de carga é zero, seja este meio condutor ou não condutor.
A eletrodinâmica quântica afirma que existe uma partícula que é a media- Equação de onda para o campo elétrico:
dora de todas as interações eletromagnéticas. Esta partícula é o fóton.
Sempre que ocorre um processo entre partículas carregadas há uma inces-
sante troca de fótons.
A descrição das interações eletromagnéticas sob o ponto de vista da eletro-
dinâmica quântica é uma das áreas mais importantes para os que gostam de
astrofísica. É bom lembrar que vemos as estrelas porque elas emitem radiação Equação de onda para o campo magnético:
e esta radiação nada mais é do que fótons produzidos por processos quânticos
que ocorrem no interior da estrela.

27.2.1  EQUAÇÕES DO ELETROMAGNETISMO


27.3 A FORÇA FORTE
As leis básicas da eletricidade e do magnetismo podem ser resumidas nas 4
equações seguintes, escritas na forma diferencial:
O que mantém o núcleo de um átomo unido? Lembre-se que o núcleo
atômico é formado por prótons e nêutrons. Os nêutrons não possuem carga
elétrica mas os prótons são partículas dotadas de carga positiva. Deste modo,
existe uma intensa força de repulsão eletromagnética entre os prótons. Porque
motivo, então, o núcleo de um átomo é estável?
Na verdade, os físicos notaram que a estabilidade nuclear é produzida pela
Lei de Coulomb:
presença de um novo tipo de interação entre partículas, a força nuclear forte,
também chamada de força nuclear, de interação nuclear ou de força forte. É
esta interação que mantém o núcleo atômico unido.
A força nuclear é muito importante. A estabilidade nuclear está associada
Lei de Ampère-Maxwell:
à força forte. Se ela não existisse, os núcleos atômicos não existiriam, pois é ela
que mantém o núcleo unido. Na ausência da força forte, a força dominante no
núcleo seria a interação eletromagnética. Como os prótons possuem a mesma
carga positiva, eles sofreriam uma intensa repulsão que provocaria o seu rápi-
Lei de Faraday:
do afastamento impedindo que eles se aglutinassem para, juntamente com os
nêutrons, produzirem os núcleos. E, obviamente, se os núcleos atômicos não
existissem, os átomos não existiriam, nem as moléculas (que são formadas
por átomos). Deste modo, os seres humanos, que são formados por moléculas,
Ausência de pólos magnéticos livres:
também não existiriam. Pior ainda, se a força forte não existisse a matéria que
forma o Universo, tal como o conhecemos, também não existiria, uma vez que
até mesmo os prótons e os nêutrons não conseguiriam se formar. Ressalta-
se que os prótons e nêutrons são formados por quarks e a interação entre os
Além destas equações, os fenômenos eletromagnéticos devem obedecer a
quarks se dá por meio da força forte.
mais duas equações:
Se a força forte não existisse o Universo ainda poderia existir, só que ele se-
Equação da força de Lorentz:
ria formado por um enorme conjunto de partículas que se deslocariam através
dele, eventualmente interagindo, mas não produzindo as formas de matéria
que hoje conhecemos.
Equação da continuidade:
Algumas características da força forte
A força forte possui características muito particulares. Já vimos que para
manter as partículas nucleares agregadas, a força forte deve superar a tremen-
da repulsão que surge quando os prótons positivamente carregados são “em-
27.2.2 AS EQUAÇÕES DE ONDA DO pacotados” no pequeno espaço do núcleo.
ELETROMAGNETISMO Embora a força nuclear seja a mais forte de todas as outras forças funda-
mentais, ela tem um alcance muito curto. Na verdade, a força forte só é efetiva
Um aspecto fundamental das equações de Maxwell para o campo eletro- na escala das dimensões do núcleo atômico ou seja, seu alcance é de ~10-13
magnético é a existência de soluções sob a forma de ondas que se deslocam, e
que transportam energia, de um ponto para outro. Estas equações governam o
campo eletromagnético em um meio linear, homogêneo, no qual a densidade

198  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  199


centímetros. las de altas energias. A este fenômeno damos o nome de radioatividade.
Deste modo a força forte somente pode superar a repulsão elétrica quando Um núcleo radioativo é instável por que ele contém ou prótons demais
os prótons estão suficientemente próximos para estarem quase se “tocando”. ou nêutrons demais. Como consequência disso, este núcleo ejeta esponta-
Como os nêutrons interagem com os prótons por meio da força forte, mas neamente partículas até se tornar estável. Ao fazer isto, este átomo pode se
não têm carga elétrica, mais e mais nêutrons são necessários para “diluir” as transformar em um outro elemento químico, processo esse que é chamado de
forças repulsivas e manter os núcleos pesados juntos. decaimento.
Podemos, então, dizer que as forças fortes são aquelas responsáveis pelos Alguns isótopos decaem rapidamente enquanto que outros o fazem muito
fenômenos que ocorrem a curta distância no interior do núcleo atômico. lentamente. A tabela abaixo mostra a meia-vida de alguns isótopos radioati-
Os mediadores das interações fortes são os gluons. São estas partículas sem vos. Definimos meia-vida de um isótopo como o tempo necessário para que
massa que transportam as informações entre os quarks. metade dos núcleos sofram decaimento.
Um próton, que é formado por três quarks com a configuração uud, na
verdade é um sistema físico onde ocorre uma intensa troca de gluons, o tempo
ISÓTOPO RADIOATIVO MEIA-VIDA
todo, entre esses quarks. Vemos, portanto, que a estrutura da matéria nuclear ISÓTOPO FINAL ESTÁVEL
ORIGINAL (EM BILHÕES DE ANOS)
é muito mais complicada do que pensávamos anteriormente. Ao invés de es-
tudarmos a interação entre dois prótons como sendo uma interação entre duas Potássio (40K) 1,3 Argônio (40Ar)
partículas, vemos que, com a descrição de quarks e gluons, a colisão entre dois Rubídio (87Ru) 47,0 Estrôncio (87Sr)
prótons é um processo de interação entre 6 quarks e um número desconhecido
de gluons. Urânio (235U) 0,7 Chumbo (207Pb)
Além disso, cabe notar que existem 8 tipos diferentes de gluons. A exis- Urânio (238U) 4,5 Chumbo (206Pb)
tência desses gluons é provada a partir de trabalhos teóricos envolvendo uma
parte da matemática conhecida como “teoria dos grupos”. Por ser uma ques- O estudo dos processos de decaimento radioativo são importantes para
tão bastante técnica não mostraremos como isso é provado mas, acredite! É determinarmos a idade das rochas. Foram os geólogos, ao datarem a idade de
verdade! algumas rochas existentes na Terra, que mostraram aos astrônomos que seus
O trabalho pioneiro sobre as forças fortes foi realizado pelo físico japonês cálculos sobre a idade das estrelas estavam errados. Para corrigir isto os cien-
Yukawa em 1934, mas até meados da década de 1970 não havia, realmente, tistas tiveram que procurar novas formas de energia que podiam estar sendo
uma teoria capaz de explicar os fenômenos nucleares. Foi então que surgiu a produzidas no interior delas. Foi então que eles descobriram que havia uma
cromodinâmica quântica, a teoria que explica os fenômenos que ocorrem no grande produção de energia por processos nucleares nas regiões mais centrais
interior do núcleo atômico. das estrelas.
A partir do desenvolvimento da tecnologia a radioatividade passou a fazer
27.4 A FORÇA FRACA parte da nossa vida. A radioatividade está associada à produção de energia e
até mesmo a procedimentos médicos usados hoje correntemente para o com-
A força fraca, também chamada de força nuclear fraca, é uma das forças bate a doenças como o câncer.
que atua no interior do núcleo atômico. Vemos então, surpreendentemente, As forças fracas também explicam os processos de decaimento nucleares
que duas forças atuam no interior do núcleo atômico: a força nuclear forte e a de várias partículas elementares, tais como o decaimento beta nuclear, o de-
força nuclear fraca. caimento do pion, do muon e de várias partículas “estranhas”.
Do mesmo modo que a força nuclear forte, a força fraca também é uma O que é o decaimento de uma partícula? É a sua transformação em outras
força de curto alcance. Ela atua somente em uma vizinhança de cerca de 10-16 partículas por processos espontâneos.
centímetros. Por exemplo, é a força fraca que modera certos tipos de decaimentos nucle-
A força fraca é, aproximadamente, 10-13 vezes tão forte quanto a força ares tais como o decaimento do nêutron mostrado abaixo:
eletromagnética.   _
n —> p+ + e- + νe
Para que serve então a força fraca?
Se a força nuclear forte é a responsável pela estabilidade do núcleo atômi- A partícula mais comum que interage somente por meio da força fraca é o
co, então para que serve a força nuclear fraca? neutrino, representada pelo símbolo grego ν.
Existem fenômenos que ocorrem no interior do núcleo atômico que, em- Ouviremos mais sobre o neutrino quando falarmos dos processos de rea-
bora também estejam relacionados com a estabilidade nuclear, não podem ser ções nucleares que ocorrem no interior das estrelas e determinam a evolução
explicados sem que postulemos a existência de uma outra força, com caracte- estelar.
rísticas bastante diferentes da força nuclear forte.
Entre estes fenômenos nucleares que exigem a presença de um novo tipo de A teoria atual das forças fracas: a “Teoria
interação está a radioatividade e o decaimento de partículas nucleares. Eletrofraca”
A radioatividade é parte integrante da nossa vida. Alguns elementos quí- É interessante notar que a força fraca não era conhecida pela física clássica
micos possuem a característica especial de emitir, espontaneamente, partícu- e que sua formulação como teoria é estritamente quântica. Isto quer dizer que
não existem fenômenos clássicos regidos pela força fraca. Somente fenômenos
que ocorrem no interior do núcleo atômico, ou seja no domínio da física quân-

200  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  201


tica, são descritos pela interação fraca. (eV) e a letra c representa a velocidade da luz, cerca de 300000 km/s. Deste
A primeira teoria das interações fracas foi apresentada por Fermi em 1933. modo, Mev/c2 = 1,782676 x 10-30 quilogramas.
Mais tarde ela foi aperfeiçoada por Lee, Yang, Feynman, Gell-Mann e vários
outros nos anos da década de 1950. LÉPTONS
Com o desenvolvimento das pesquisas ficamos sabendo que a força fraca é
MASSA TEMPO DE VIDA
apenas um aspecto de uma “força unificada” mais geral, chamada “força eletro- NOME DO LÉPTON CARGA
(EM MEV/C2) (EM SEGUNDOS)
fraca”, que combina as propriedades da força fraca e da força eletromagnética.
A teoria das interações eletrofracas é devida ao físico inglês Sheldon elétron -1 0,511003 infinito
primeira geração
Glashow, ao físico norte-americano Steven Weinberg e ao físico paquistanês neutrino do elétron 0 0 infinito
Abdus Salam, que a propuseram nos anos de 1960. A nova teoria das intera-
muon -1 105,659 2,197 x 10-6
ções fracas, que é chamada de flavordinâmica por causa de uma das proprie- segunda geração
dades intrínsecas das partículas elementares, é também justamente conhecida neutrino do muon 0 0 infinito
como Teoria de Glashow-Weinberg-Salam. tau -1 1784 3,3 x 10-13
Nesta teoria, as interações fraca e eletromagnética são apresentadas como terceira geração
manifestações diferentes de uma única força, a força eletrofraca. Esta unifi- neutrino do tau 0 0 infinito
cação entre a interação fraca e a interação eletromagnética reduz o número
de interações fundamentais existentes em épocas mais iniciais do Universo a
apenas três: interação gravitacional, interação forte e interação eletrofraca. QUARKS
A teoria eletrofraca introduz dois tipos de mediadores, aquelas partículas Estas são partículas fundamentais da natureza que estão no núcleo do áto-
que são responsáveis pelo transporte de informações sobre estas interações. mo. Acreditamos hoje que os quarks são a unidade estrutural mais fundamen-
Os mediadores da interação eletrofraca são partículas pesadas, obtidas nos tal a partir da qual todas as partículas nucleares se formam.
grandes aceleradores de partículas. Para interações fracas que envolvem par- Existem seis tipos de quarks: up, down, strange, charm, bottom e top. Cha-
tículas carregadas, os mediadores são as partículas W+ e W-. Por serem media- mamos de flavor (“sabor”) os diversos tipos de quarks conhecidos.
das por partículas carregadas, estas interações também são conhecidas como
correntes carregadas. Na tabela abaixo damos a carga em termos da carga do elétron. Além disso,
No caso de interações fracas que envolvem partículas sem carga, o media- aparecem vários valores de massa, que é dada em unidades MeV/c2. O termo
dor da interação é uma partícula sem carga, ou neutra, chamada Z0. Por este massa “nu” significa o valor da massa do quark isolado, sem estar combinado
motivo, estas interações são chamadas de correntes neutras. A partícula Z0 com outros quarks, enquanto que a massa efetiva é aquela que o quark possui
também é uma partícula muito pesada. quando está formando bárions ou mésons (o significado destes termos está
explicado mais abaixo).
27.4.1 LÉPTONS E QUARKS: OS CONSTITUINTES
BÁSICOS DE TODO O UNIVERSO MASSA (ESPECULATIVA)
TIPO DE
Vimos que, segundo o modelo de Bohr, os átomos são formados por elé- QUARK CARGA EFETIVO
trons que estão em órbita em torno de um núcleo que, por sua vez, é formado (FLAVOR) “NU”
por prótons e nêutrons. em bárions em mésons
No entanto a mecânica quântica nos revelou que o átomo é muito mais
complexo do que isto. Ao mesmo tempo, a física de partículas elementares, ao u +2/3 4,2
363 310
estudar o núcleo dos átomos, nos revelou um segredo muito bem guardado: os
quarks leves d -1/3 7,5
prótons e nêutrons não eram partículas verdadeiramente elementares. Tanto
os prótons como os nêutrons eram formados por partículas ainda menores, s -1/3 150 538 483
estas sim partículas fundamentais.
c +2/3 1100 1500
Classificação das Partículas Fundamentais
As partículas realmente fundamentais, ou seja, aquelas que não são for- quarks pesados b -1/3 4200 4700
madas por nenhuma outra e a partir das quais todas as outras partículas são
formadas, são separadas em três grupos chamados coletivamente de léptons, t +2/3 >23000
quarks e mediadores.
Todas estas partículas fundamentais possuem antipartículas que também
são consideradas fundamentais. A divisão delas nestes grupos é feita de acor-
do com propriedades características que elas possuem.
Nota-se nas tabelas abaixo que a carga é dada em unidades da carga do
elétron. A massa é dada em unidades de MeV/c2, unidade muito usada pelos
físicos de partículas elementares. Um MeV é equivalente a 106 elétron-volts

202  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  203


Veja que, curiosamente, os quarks possuem carga elétrica fracionária! pions, kaons, sigmas, eta, lambda, xis, deltas, etc.
Um próton é constituído por um quark down e dois quarks up. Dizemos Tendo em vista propriedades comuns entre várias dessas partículas, os fí-
então que o próton tem a estrutura uud. sicos as classificaram em duas famílias chamadas mésons e bárions. Todos
Um nêutron é formado por um quark up e dois quarks down. Daí os nêu- os mésons e bárions são formados por quarks embora de modos diferentes.
trons têm a estrutura udd. Mésons e bárions são hádrons.
Há uma grande surpresa nisto tudo. Embora estejam listados seis tipos bá-
sicos de quarks, o Universo como o conhecemos hoje, ou seja, para o estado de MÉSONS
energia atual, é formado simplesmente pelos quarks dos tipos u e d! As outras Esta é uma classe de partículas nucleares que são formadas por um par
partículas, formadas por quarks dos tipos s, c, b e t, só existiram no Universo quark-antiquark. Os mésons são importantes para a astrofísica em particular
mais primordial, quando a temperatura (e portanto a energia) era muito mais porque um deles, o méson π, é um dos constituintes dos raios cósmicos que
alta. Estas partículas hoje só surgem em experiências realizadas nos grandes incidem na atmosfera superior da Terra. Os raios cósmicos são formados por
aceleradores de partículas que existem em laboratórios tais como o CERN, na núcleos pesados, prótons, elétrons e outras partículas que são produzidas nas
Suíça, o FermiLab, nos Estados Unidos, ou o DESY, na Alemanha. estrelas, lançadas ao espaço e aceleradas a energias altíssimas pelos campos
magnéticos que permeiam o espaço interestelar.
MEDIADORES
Existem partículas que são as mediadoras dos vários processos físicos que BÁRIONS
ocorrem no interior da matéria. A elas damos o nome de mediadores. Elas É a classe de partículas subatômicas na qual os prótons e nêutrons estão
também são partículas fundamentais e assumem um importante papel no es- incluídos. Os bárions são formados por três quarks e constituem o núcleo
tudo das interações fundamentais, como veremos mais tarde. atômico, juntamente com os mésons. Nós, formados por prótons e nêutrons,
Na tabela abaixo a massa é dada em MeV/c2, a carga é dada em unidades somos feitos de matéria bariônica.
de carga do elétron e o tempo de vida em segundos. O significado das forças Os astrônomos acreditam que o Universo seja formado tanto por matéria
citadas abaixo (forte, fraca, eletromagnética) será explicado adiante. bariônica como por matéria não bariônica. Toda a matéria que existe no Uni-
verso visível é de natureza bariônica. No entanto, os astrônomos acreditam
TEMPO DE que uma grande parte da matéria que forma o Universo não seja visível. Esta
MEDIADOR SÍMBOLO CARGA MASSA FORÇA
matéria não visível é coletivamente chamada de matéria escura e possivel-
VIDA
mente é formada, em sua maior parte, por matéria não bariônica. A procura
gluon g 0 0 infinito por estaforte
matéria não bariônica, parte importante da estrutura do nosso Uni-
fóton γ 0 0 infinito verso, é uma das áreas de pesquisa da Cosmologia.
eletromagnética
fraca
bósons vetoriais W± ±1 81800 desconhecido Os neutrinos
(carregada)
eletrofraca
intermediários Vimos acima que os neutrinos são léptons e, portanto, são partículas fun-
Z0 0 92600 desconhecido fracadamentais
(neutra) da natureza.
O neutrino é uma partícula sem carga elétrica, praticamente sem massa, e
O “Bósons de Higgs” que é produzida em grande número em algumas reações nucleares que ocor-
Existe mais uma partícula fundamental, chamada bóson de Higgs, que rem no interior das estrelas. Eles são muito difíceis de detectar uma vez que
foi prevista a partir de estudos teóricos. Ela não se enquadra em nenhuma a maioria deles atravessa completamente a Terra sem sofrer qualquer tipo de
das classificações acima e é a única partícula fundamental que até hoje não foi interação. Seu símbolo é a letra grega .
obtida nos laboratórios de física de altas energias. O Sol, assim como as outras estrelas, emite uma quantidade incrível de
neutrinos e estes neutrinos incidem sobre o nosso planeta. Neste momento, e
Classificação das partículas elementares em todos os momentos das nossas vidas, os nossos corpos estão sendo atraves-
nucleares sados por milhares de neutrinos sem que sintamos qualquer efeito.
O núcleo atômico é muito mais complexo do que um simples aglomerado Um outro fato importante é que o neutrino é capaz de dar aos astrofísicos
de prótons e nêutrons. Aliás, damos o nome genérico de nucleons aos prótons informações muito mais atuais sobre o interior profundo das estrelas do que
e nêutrons. os fótons produzidos na mesma região. Por exemplo, um fóton produzido no
Experiências realizadas com raios cósmicos e em laboratórios de altas interior do Sol leva cerca de 107 anos para conseguir chegar à sua superfície e
energias mostraram a existência de muitas outras partículas, algumas muito ser captado por um observador na Terra. Enquanto isso, um neutrino produ-
pesadas, no interior do núcleo atômico. A descoberta destas partículas é que zido no interior do Sol leva apenas 2 segundos para escapar dele e atingir os
conduziu os físicos a acreditarem na existência dos quarks como os consti- detectores colocados na Terra.
tuintes básicos das partículas nucleares. A estas partículas que estão no inte- Se alguma coisa desse errado com a fornalha nuclear que existe no interior
rior do núcleo atômico damos o nome genérico de hádrons. do Sol e ele, por exemplo, não produzisse mais fótons levaríamos (grosseira-
Logo os físicos viram que o número de hádrons aumentava cada vez mais. mente) 107 anos para perceber mudanças sensíveis na sua luminosidade. No
Uma quantidade enorme de partículas nucleares passou a ser conhecida: entanto, estudando a emissão de neutrinos solares, veríamos quase imedia-
tamente que algo anormal deveria estar acontecendo no interior do Sol se, de

204  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  205


repente, não captássemos mais seus neutrinos.
elétron e-
Quando uma estrela explode, fenômeno que é a criação de uma superno-
va, uma quantidade imensa de neutrinos é lançada ao espaço. A imagem ao anti-elétron e+
lado mostra a formação de uma supernova que hoje é a nebulosa M1 também
muon µ-
conhecida como “nebulosa do Caranguejo”. Além disso, muitas outras fontes
de altas energias que existem no Universo emitem grandes quantidades de anti-muon µ+
neutrinos. tau τ-
O neutrino é tão importante que existe uma área da astrofísica, chamada
anti-tau τ+
“astrofísica de neutrinos”, cujo objetivo é estudar a sua participação nos fenô-
menos que ocorrem nos corpos celestes. léptons neutrino do elétron νe
Em resumo, quantas são e quais são as partículas elementares funda- (TOTAL = 12 leptons) _  
mentais que formam toda a matéria do Universo? anti-neutrino do elétron
νe
Abaixo listamos todas as partículas fundamentais conhecidas pela teoria
da física de partículas elementares como os elementos fundamentais da maté- neutrino do muon νµ
ria em todas as suas formas. À teoria atual mais geral que descreve a matéria _  
antineutrino do muon
como sendo formada por estas partículas damos o nome de “Modelo Padrão νµ
da Física de Partículas Elementares”.
neutrino do tau ντ
_  
anti-neutrino do tau
ντ
up u
_
anti-up
u
down d
_
anti-down
d
strange s

quarks _
anti-strange
(cada quark existem em três s
“cores” diferentes) charm c
(TOTAL = 36 quarks)
_
anti-charm
c
bottom b
_
anti-bottom
b
top t
_
anti-top
t
fóton
γ
(mediador das interações eletromagnéticas)
W+
mediadores
(mediadores das interações eletrofracas) W-
(TOTAL = 12 mediadores)
Zo
gluons (8 tipos diferentes de
(mediadores das interações fortes) gluons)
bóson de Higgs

206  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  207


28
Temos então um total de 12 leptons, 36 quarks, 12 mediadores e uma par- eletromagnético. Ou seja, ela não sofre interações eletromagnéticas.
tícula de Higgs, fazendo um total de 61 partículas elementares fundamentais. A maior parte da evidência de que existe uma “matéria escura” vem do
estudo dos movimentos das galáxias em aglomerados.
UM ENIGMA NO UNIVERSO: ONDE ESTÁ, E O QUE A necessidade da existência de alguma forma de matéria que não é visível
É, A MATÉRIA ESCURA? (matéria escura) também é encontrada ao se estudar o movimento das estrelas
presentes em uma galáxia. Se supormos que a massa gravitacional de uma
Um enigma no galáxia é devida somente à matéria visível nela, será observado algo bastante
Como veremos mais tarde, a teoria relativística da gravitação proposta por
Universo Hilbert e Einstein baseia-se em equações que levam em conta não somente intrigante: existem estrelas bem afastadas do centro da galáxia que apresen-
a geometria do Universo mas também o seu conteúdo material. No entanto, tam velocidades muito mais altas do que as permitidas pela massa total da
para a cosmologia, os objetos celestes que constituem o Universo não são es- matéria visível nelas, e isso precisa ser explicado.
tudados individualmente mas sim como um conjunto único de matéria. Ao Em 1975 a astrônoma norte-americana Vera Rubin mostrou que a maioria
estudioso de cosmologia não interessa uma galáxia, ou um aglomerado de ga- das estrelas nas galáxias espirais tinha praticamente a mesma velocidade orbi-
láxias particular mas sim o conjunto de todos os aglomerados de galáxias que tal. Isso implicava que as densidades de massa dessas galáxias eram uniformes
existem no Universo. até regiões situadas muito além das localizações da maioria de suas estrelas
A cosmologia moderna também precisa dizer algo sobre como essa matéria (que estão no bojo das galáxias, sua região mais central). Após muita discussão
surgiu e por que ela se distribui da forma como a vemos. Até algum tempo os cientistas interpretaram esse fato como significando que ou a gravitação
atrás o estudo da cosmologia permanecia bastante afastado da astrofísica. Pelo Newtoniana não se aplicava universalmente ou então, no mínimo, mais de
desafio exposto em suas equações, a cosmologia se preocupava bem mais com 50% das massas das galáxias estava contida em um halo galáctico de matéria
a geometria do universo e descrevia o seu conteúdo de matéria por meio de escura.
uma equação em que os aglomerados de galáxias eram considerados partículas Esse fato era observado de modo muito claro quando os astrônomos obti-
de um fluido. Desse modo a parte das equações relativísticas que descreviam nham a chamada “curva de rotação galáctica”, que nos mostra a velocidade de
o conteúdo do universo envolvia apenas a pressão e a densidade desse fluido. rotação da galáxia versus a distância ao seu centro. A imagem abaixo mostra
Com o desenvolvimento da astrofísica observacional ficamos conhecen- o que seria uma curva de rotação de uma galáxia espiral típica, a teórica e a
do muitíssimo mais o conteúdo de matéria existente no Universo. Ao mesmo observada. Enquanto a curva teórica atinge um máximo e decresce, a curva
tempo em que isso aconteceu, revelando-nos uma rica estrutura e nunca ima- observada atinge o máximo e mantém um valor praticamente constante. Essa
ginada que envolve superaglomerados de galáxias, filamentos e vazios, surpre- diferença só pode ser explicada se houver mais matéria na galáxia do que so-
sas também apareceram. Evidências observacionais mostravam que não era mos capazes de observar visualmente.
possível explicar o conteúdo de matéria do Universo pensando-se somente na A melhor maneira de explicar essas discrepâncias, seja em uma galáxia ou
matéria visível ou seja, nas estrelas, galáxias e suas aglomerações. em um aglomerado de galáxias, é supor que o material visível é apenas uma
pequena parte dela(e). Não é possível explicar o formato dessa curva basean-
do-nos exclusivamente na matéria visível que a galáxia apresenta.
AS CURVAS DE ROTAÇÃO DAS GALÁXIAS
As medições de curvas de velocidade nas galáxias espirais foram logo se-
guidas pelas medidas de velocidade de dispersão das galáxias elípticas. Ve-
Em 1933 o astrônomo suíço Fritz Zwick calculou a massa total do aglome-
rificou-se que até mesmo as galáxias elípticas apresentam um conteúdo de
rado de galáxias Coma baseado no movimento das galáxias que se situavam
matéria escura relativamente alto.
próximas à sua borda. Ao comparar essa estimativa de massa com aquela cujo
Medições do gás interestelar difuso encontrado na borda das galáxias indi-
cálculo se baseava no número de galáxias e no brilho total do aglomerado,
cam que as distribuições de matéria escura se estendem muito além do limite
Zwicky verificou que havia encontrado 400 vezes mais massa do que o espe-
visível das galáxias. Isso fez com que a matéria escura passasse a ser conside-
rado! A gravidade produzida pelas galáxias visíveis do aglomerado seria, de
rada como 95% (e não 50% como havia sido determinado por Vera Rubin) da
longe, pequena demais para permitir que algumas delas se deslocassem de
massa total de matéria encontrada em uma galáxia ou aglomerado de galáxias.
modo tão rápido em suas órbitas. Era necessário que mais matéria existisse no
aglomerado. Isso ficou sendo conhecido como o “problema da falta de massa”.
Baseado nesses fatos, Zwicky inferiu que deveria existir no aglomerado algu- Matéria escura é uma forma (até o momento teórica)
ma forma de matéria não visível que, junto com a matéria visível, forneceria de matéria que não emite nem reflete radiação
massa e gravidade suficiente para mantê-lo unido gravitacionalmente.
eletromagnética não podendo, por esse motivo, ser
Mais tarde verificou-se que essa matéria não visível permeia não só o aglo-
merado de galáxias Coma mas todos os aglomerados de galáxias. Ela ficou observada diretamente. Sua presença é inferida a partir
sendo conhecida como “matéria escura”. Esse nome é bem mais adequado do dos efeitos gravitacionais que ela causa sobre a matéria
que o de “massa faltante” uma vez que não há falta de massa nas galáxias e em visível.
seus aglomerados. A matéria está presente mas, por motivo ainda não deter-
minado, ela não é visível. Como a visibilidade da matéria se dá a partir de suas ALGUMAS CURIOSIDADES ASTROFÍSICAS SOBRE A
interações eletromagnéticas (luz), podemos concluir que essa matéria escura, DISTRIBUIÇÃO DE MATÉRIA ESCURA
seja lá o que ela for, não emite radiação na região espectral visível do espectro
• os aglomerados globulares não mostram evidências de que contém

208  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  209


matéria escura. nhecimento sobre o conteúdo do universo.
• a nossa Galáxia parece ter cerca de 10 vezes mais matéria escura do
que matéria visível.
A COMPOSIÇÃO DA MATÉRIA ESCURA

• em agosto de 2006 foi publicado que, pela primeira vez, astrônomos Que tipo de matéria seria o componente principal da matéria escura? Sa-
haviam conseguido observar matéria escura separada da matéria or- bemos que uma pequena porção da matéria escura é formada por matéria ba-
dinária. Isso foi conseguido estudando o Bullet Cluster, na verdade riônica, difícil de detectar mas, falando de uma maneira mais ampla, a ciência
dois aglomerados de galáxias vizinhos que colidiram há cerca de 150 desconhece o que é a matéria escura. Muitas propostas surgiram, incluindo
milhões de anos. Durante a colisão os gases quentes interagiram e per- neutrinos ordinários e pesados, novos tipos de partículas elementares tais
maneceram próximos ao centro do aglomerado. como WIMPS e Axions, uma grande quantidade de pequenos corpos astro-
As galáxias individuais e a matéria escura não interagiram e fica- nômicos bariônicos tais como anãs marrons e planetas (que são coletivamente
ram distribuídas longe do centro. A imagem abaixo mostra a distribui- chamados de MACHOs), buracos negros primordiais e até mesmo nuvens de
ção de matéria ordinária (determinada a partir das emissões de raios gás não luminoso.
X dos gases quentes que formam o aglomerado) na cor vermelha e a Algumas soluções ainda mais radicais foram propostas para esse proble-
massa total do aglomerado em azul. ma. Por exemplo, os defensores de algumas teorias de cosmologia de “branes”
• em 2005 astrônomos da Cardiff University descobriram uma galá- propuseram que a matéria existente em outro universo poderia afetar o nosso
xia feita quase inteiramente de matéria escura. Ela está a 50 milhões universo por meio da interação gravitacional.
de anos-luz da Terra, no Aglomerado Virgo, e foi chamada de VIR- As evidências obtidas pela astronomia favorecem atualmente modelos
GOHI21. De modo bastante estranho essa galáxia não parece conter cosmológicos no qual a principal componente da matéria escura são novas
quaisquer estrelas visíveis (ela foi descoberta a partir de observações partículas elementares conhecidas coletivamente como “matéria escura não
em radio frequência do hidrogênio), contém aproximadamente 1000 bariônica”. Isso quer dizer que a matéria escura não seria formada por bárions
vezes mais matéria escura do que hidrogênio e sua massa é cerca de (prótons, nêutrons, etc) mas sim por um outro tipo de matéria que ainda não
1/10 daquela apresentada pela nossa Galáxia. foi detectado em laboratório.

• existe um pequeno número de galáxias cujas velocidades orbitais me-


A MATÉRIA ESCURA “FRIA”
didas de suas nuvens de gás mostram que elas quase não contêm ma-
téria escura. Uma dessas é a galáxia NGC 3379.
A situação é mais complicada, entretanto, porque os físicos de partículas,
• o aglomerado de galáxia Abell 2029, formado por milhares de galáxias na sua procura para encontrar uma teoria unificada para a física, sugeriram
envolvidas por uma nuvem de gás quente, possui uma quantidade de que pode haver uma ou mais variedades de partículas presentes no Universo
matéria escura equivalente a mais de 1014 massas solares. que nunca foram detectadas em laboratório.
É curioso notar que a sugestão de que poderia haver mais material no Uni-
verso do que jamais vimos, foi feita independentemente da descoberta dos as-
A MATÉRIA DO UNIVERSO
trônomos de que há mais coisas no Universo do que podemos ver. Deste modo,
cientistas operando tanto nas maiores como nas menores escalas (Universo ou
Vimos que a análise de dados observacionais mostra que existe muito mais
átomo) prevêem a necessidade de existirem “novas” formas de matéria.
matéria no Universo sob a forma de matéria escura do que como componente
Variações diferentes sobre o tema física de partículas sugerem candidatos
“visível” ou seja, planetas, estrelas, galáxias e todos os outros corpos celestes.
diferentes para a(s) partícula(s) extra(s). Algumas teriam massas comparáveis
No momento a densidade de bárions ordinários e radiação no Universo são
à do próton, mas seriam muito relutantes de interagir com a matéria usual que
estimadas ser equivalente a cerca de um átomo de hidrogênio por metro cú-
encontramos no universo (exceto por meio da gravidade) e, por esse motivo,
bico de espaço.
ainda não foram detectadas. Essas partículas hipotéticas são coletivamente
A partir dos efeitos gravitacionais sabemos que somente cerca de 4% da
chamadas de WIMPs, as iniciais do termo inglês “Weakly Interacting Massive
densidade de energia total no Universo pode ser vista diretamente. Imagina-se
Particles” (Partículas Massivas que Interagem Fracamente).
que cerca de 22% dessa densidade seja composta de matéria escura. Sobram
Experiências feitas com o acelerador de partículas Large Hadron Collider,
então 74% que acreditamos consistir de “energia escura”, uma componente
situado próximo a Genebra, Suíça, sugerem que os WIMPs são pelo menos
ainda mais estranha do Universo que se distribui de modo difuso pelo espaço
100 vezes mais massivos que o próton. Os modelos cosmológicos prevêem que
(veremos o que é a “energia escura” mais tarde).
se os WIMPs são as partículas formadoras da matéria escura, trilhões deles
Essas porcentagens variam muito na literatura. Por exemplo, se conside-
devem passar através da Terra a cada segundo. A despeito de numerosas ten-
rarmos uma distribuição mais detalhada do conteúdo de matéria do Universo
tativas de detectar esses WIMPs nenhum até hoje foi encontrado.
obteremos o diagrama mostrado na figura abaixo.
Parte da matéria escura fria necessária para explicar a dinâmica das ga-
O importante aqui é verificar não o percentual exato de cada componente
láxias espirais pode estar na forma de “Massive Astronomical Compact Halo
do Universo mas sim a proporção entre eles.
Objects” (MACHOs). Esses poderiam ser anãs marrons, objetos formados a
Determinar a natureza da matéria escura é um dos mais importantes pro-
partir do colapso gravitacional de parte de uma nuvem molecular gigante que
blemas da cosmologia moderna e da física de partículas. Os nomes “matéria
contraiu mas não alcançou massa suficiente para dar início a reações nucle-
escura” e “energia escura” servem principalmente para resumir o nosso desco-
ares e se transformar em uma estrela. As anãs marrons ocupam o intervalo

210  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  211


de massa que existe entre os grandes planetas gigantes gasosos e as estrelas Nas últimas décadas um dos maiores desafios para os astrônomos tem sido
de menor massa do diagrama H-R. Consideramos que um objeto é uma anã determinar se a distribuição de galáxias no céu lembra mais fortemente uma
marrom se sua massa é superior a 13 massas de Júpiter e menor do que 75-80 distribuição associada com a CDM ou com a HDM.
massas de Júpiter. A diferença chave é a influência dos dois tipos de matéria escura no uni-
Outra possibilidade de MACHOs seriam buracos negros, cada um com verso primordial, logo depois do Big Bang, quando as estrelas e as galáxias
uma massa de até um milhão de vezes a do Sol. começaram a se formar.
Mas embora os MACHOs possam justificar os halos invisíveis necessários Tanto os cálculos teóricos como as simulações em computadores ajudam
para explicar como galáxias como a nossa rodam, eles mesmos são feitos de a indicar que tipo de agrupamento seria visto em um universo dominado por
bárions que foram produzidos no Big Bang e, desse modo, não podem for- matéria escura quente, e que tipo de aglomerações esperaríamos em um Uni-
necer a enorme quantidade de matéria escura necessária para explicar a es- verso dominado por matéria escura fria.
trutura global do Universo. Embora os MACHOs sejam escuros, no contexto O que aconteceria se o Universo fosse dominado por “matéria escura quen-
da discussão cosmológica, eles são apenas parte do 1% do Universo feito de te”? Hoje acreditamos que a matéria escura quente não pode explicar como as
matéria atômica ordinária. galáxias individuais se formaram a partir do Big Bang. Os satélites COBE e
Várias propostas têm sido feitas de objetos ou grupos de objetos que po- WMAP mediram a radiação de fundo de microondas e nos mostraram que
deriam formar a matéria escura fria. Uma dessas propostas é a existência de sua distribuição é impressionantemente suave. Apesar dessa suavidade, os da-
RAMBOs (Robust Associations of Massive Barionic Objects). dos obtidos por esses satélites também nos mostraram que a matéria existente
A existência de RAMBOs foi apresentada em 1995 pelos astrofísicos B. no Universo se aglomerou inicialmente em escalas bem pequenas.
Moore e J. Silk. Eles seriam aglomerados escuros compostos ou por anãs mar- Entretanto, partículas que se movem rapidamente (como os neutrinos) não
rons ou por estrelas anãs brancas. Segundo os autores da proposta, os RAM- conseguem se aglomerar nessa escala pequena a partir de uma aglomeração
BOs teriam raios efetivos entre 1 e 15 parsecs (1 parsec= 3,26 anos-luz) e suas inicial tão suave. As partículas da matéria escura quente varreriam tudo dian-
massas estariam no intervalo de 10 a 100000 massas solares. te delas, suprimindo a aglomeração de outras formas de matéria e mantendo o
Com esse intervalo tão restrito de massa (todos os objetos seriam anãs Universo suave e homogêneo até diminuírem suas velocidades e começarem a
marrons ou estrelas anãs brancas) a taxa de evaporação desses RAMBOs deve- permitir o crescimento das irregularidades então existentes.
ria ser muito lenta. Teoricamente esses objetos, que existiriam por um tempo Como a distribuição de matéria sobre escalas menores já teria sido sua-
muito longo, poderiam ser encontrados em grande número no Universo. vizada por elas, as primeiras estruturas a se formarem seriam na escala de
Até hoje RAMBOs não foram detectados. superaglomerados de galáxias, com a forma semelhante a enormes folhas e
O nome genérico de todos esses objetos é “matéria escura fria”, tradução do filamentos, os quais se romperiam para formar galáxias e estrelas - um cenário
inglês “cold dark matter” (CDM). O nome “fria” se refere ao fato de que esses “de cima para baixo”.
objetos teriam massas relativamente grandes e, por conseguinte, velocidades Um universo dominado por neutrinos “quentes” (matéria escura quente) é
muito menores que a da luz. previsto ter uma estrutura um tanto simples, como as células de uma colméia
(embora não tão regular), na qual as galáxias brilhantes se formam somente
A MATÉRIA ESCURA “QUENTE” em folhas bem definidas e de modo algum nos vazios.
E se a matéria dominante fosse “matéria escura fria”? Em um universo do-
Uma outra possibilidade de composição da matéria escura seria a chamada minado por matéria escura fria, entretanto, a estrutura começaria a se formar
“matéria escura quente”. Ela consistiria de partículas que se deslocam no es- em escalas menores, muito cedo, logo após o Big Bang. Grupamentos de ma-
paço com velocidades ultra-relativísticas. téria escura atraem a matéria bariônica e as estruturas se formam “de baixo
Logo os cientistas perceberam que um dos candidatos a “matéria escura para cima”, com as estrelas e galáxias se aglomerando para formar superaglo-
quente” seria o neutrino. Ao contrário dos WIMPs, os neutrinos têm massa merados e filamentos.
muito pequena (entre 7 e 8 eV) e emergem do Big Bang com velocidades muito O universo CDM é mais desordenado e complicado, com uma estrutura
altas, próximas à velocidade da luz. Além disso, os neutrinos não participam mais rica que parece mais com o Universo real. Folhas e filamentos também
de duas das quatro interações fundamentais conhecidas que ocorrem no Uni- se formam, mas eles se entrelaçam de um modo complicado, e os “vazios” não
verso. Eles não sentem a interação eletromagnética (interação produzida pela estão completamente vazios.
presença de um campo eletromagnético) e também não sentem a interação Para explicar a estrutura em pequena escala do Universo é necessário in-
forte (aquela que mantém unido o núcleo dos átomos). vocar a “matéria escura fria”. A “matéria escura quente” hoje é quase sempre
O neutrino só realiza as interações fraca e gravitacional. Como esses tipos discutida como parte das teorias que postulam a existência de uma “matéria
de interações são caracteristicamente muito fracas, os neutrinos se tornam escura mista”.
difíceis de serem detectados.
A quaisquer partículas que satisfazem às condições explicitadas acima da-
mos o nome coletivo de “matéria escura quente”, tradução do inglês “hot dark
matter” (HDM).

COMO SE FORMARAM AS GALÁXIAS: MATÉRIA


ESCURA “QUENTE” VERSUS MATÉRIA ESCURA
“FRIA”

212  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  213


Ensino a Distância
cosmologia

2015
Da origem ao fim do universo

Módulo 4
A Teoria da Gravitação e a nova
visão do conteúdo do universo
Ensino a Distância
cosmologia

2015
Da origem ao fim do universo

Módulo 4
A Teoria da Gravitação e a nova
visão do conteúdo do universo

Divisão de Atividades
Educacionais - ON/MCTI
29
AS CONSEQUÊNCIAS DE UM “UNIVERSO EM
EXPANSÃO”

Entender o que significava a expressão “universo em expansão” foi a am-


bição dos cientistas do século XX. Esta é uma questão tão sutil que ainda hoje
aflige também muitas pessoas interessadas em cosmologia e sua explicação, As consequências
muitas vezes, serve para afastá-las de uma das partes mais elegantes da ci-
de um “universo
ência moderna. Vamos tentar simplificar o assunto baseando-nos no que já
foi apresentado até agora, em particular o conceito de “deslocamento para o
em expansão”
vermelho” das galáxias.
A frase “universo em expansão” é, por si mesma, muito estranha. Já dis-
semos que a palavra “universo” engloba tudo: toda a energia, toda a matéria,
enfim tudo, absolutamente tudo que existe. Ao mesmo tempo, qualquer um de
nós sabe bem o que significa expandir: crescer, aumentar, ocupar mais espaço.
Existe então algo confuso na expressão “universo em expansão”. Se o uni-
verso se expande, isso quer dizer que ele cresce, aumenta, ocupa mais espaço.
Mas como isso é possível? Se o universo representa tudo, como ele pode cres-
cer? Como ele pode ocupar mais espaço?
Existem, duas maneiras de explicar o significado de “universo em expan-
são”. A primeira delas é astrofísica e será a única abordada no momento.
Já vimos que a luz proveniente das galáxias distantes está sofrendo um
“deslocamento para o vermelho” ou “redshift”. Muitas tentativas foram fei-
tas para mostrar que esse “deslocamento” era apenas algum efeito especial tal
como o “efeito de Sitter” comentado anteriormente. Todas falharam. A única
explicação viável é que esse “deslocamento das linhas espectrais para o ver-
melho” está revelando que todas as galáxias estão se afastando de nós. Além
disso, a relação distância-velocidade descoberta por Hubble e Humason nos
diz que quanto mais afastadas estão duas galáxias mais rápidas elas continu-
am a se afastar.
Esse afastamento não está ocorrendo por existir alguma coisa especial com
a nossa Galáxia. O que a astrofísica mostrou é que, ao mesmo tempo em que
todas as galáxias estão se afastando de nós, elas também estão se afastando
umas em relação às outras. Todas as galáxias se afastam de todas as outras
ao mesmo tempo. Na verdade não existe qualquer região especial, em algum
lugar entre as galáxias onde essa expansão começou. Os cosmólogos dizem
que não são as galáxias que estão se afastando como resultado de algum pro-
cesso dinâmico existente no universo, algum processo de interação que ocorre
simultaneamente sobre todas elas. Para eles o que está se expandindo é o es-
paço-tempo que existe entre as galáxias.
É importante que fique bem claro que as galáxias não estão se expandindo
dentro do Universo. Não se trata de ocupar um espaço que já existe. O Uni-
verso não é um grande “balão” onde, no seu interior, as galáxias se afastam
umas das outras. Quando falamos de “Universo em expansão” dizemos que é
o próprio Universo, o espaço-tempo, o substrato dentro do qual estão as galá-
xias e todas suas estruturas menores tais como as estrelas, o gás interestelar, os
planetas e até mesmo nós, seres humanos, que estão se expandindo.
Imediatamente os cosmólogos verificaram que o conceito de “universo em
expansão” possuía outras importantes consequências. Se ele está se expandin-
do agora isso significa que, em um futuro longínquo, as galáxias poderão estar
incrivelmente afastadas uma das outras. Nosso universo terá um fim? Mais
ainda, se o universo está se expandindo continuamente isso quer dizer que,
olhando para trás no tempo, já houve uma época em que as galáxias estavam
muito mais próximas umas das outras. Ao longo de todas as fases de maior
aproximação entre as galáxias o universo era muito mais denso do que vemos

218  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  219


30
hoje. Poderíamos até mesmo pensar que, em algum momento toda a matéria Bang” da origem do Universo, embora sem usar esse título para a sua teoria.
do universo estava agrupada em uma estrutura superdensa. Teria havido um
início para o universo? Teria havido um início para o tempo? GEORGE GAMOW

LEMAÎTRE E SEU “ÁTOMO PRIMORDIAL” George Gamow nasceu no dia 4 de março de 1904 na cidade de Odessa,
Lemaître e na época pertencente ao Império Russo e hoje parte da Ucrânia. Seu nome
Já vimos que em 1922 o matemático russo Alexander Alexandrovich Fried- original era Georgiy Antonovich Gamov.
seu “Átomo mann abriu caminho para a noção de que o Universo teria tido um início ao Gamow iniciou sua formação científica na Universidade de Leningrado
Primordial” propor uma solução cosmológica das equações da teoria relativística da gravi- sob a supervisão do famoso cosmólogo Alexander Friedmann. Ele também es-
tação (ou teoria da relatividade geral) na qual o raio do Universo variava com tudou na Universidade de Göttingen, Alemanha, na época um dos principais
o tempo, ou seja, havia a possibilidade do Universo sofrer uma expansão ou centros científicos do mundo. Mais tarde Gamow trabalhou no Instituto de Fí-
contração. O termo “contração” aponta para um modelo de Universo com um sica Teórica da Universidade de Copenhagen, Dinamarca, e por um pequeno
início. O trabalho de Friedmann, entretanto, teve pouco impacto e suas ideias tempo com o físico neozelandês Ernest Rutherford no Cavendish Laboratory,
seriam novamente apresentadas por outros autores alguns anos mais tarde. em Cambridge, Inglaterra.
Em 1927 o padre católico belga Georges Lemaître publicou na revista cien- Até 1933 Gamow trabalhou na Rússia, quando então fugiu para o ocidente
tífica “Annales de la Société Scientifique de Bruxelles” um artigo com o títu- pedindo asilo político nos Estados Unidos em 1934, naturalizando-se norte
lo “Un Univers homogène de masse constante et de rayon croissant rendant -americano em 1940, passando a usar o nome pelo qual é mais conhecido,
compte de la vitesse radiale des nébuleuses extragalactiques” (Um Universo George Gamow.
homogêneo de massa constante e raio crescente explicando a velocidade radial Durante sua permanência nos Estados Unidos, na George Washington
das nebulosas extragalácticas), no qual apresentava novamente a ideia já pro- University, Gamow produziu importantes artigos científicos em parceria com
posta anteriormente por Friedmann de que o raio do Universo variava com o renomados físicos da época tais como Edward Teller, o pai das bombas de
tempo. Ambos os trabalhos foram muito pouco divulgados e, embora Einstein fissão e fusão dos Estados Unidos, o brasileiro Mario Schönberg e o norte-a-
tivesse conhecimento de ambos, manteve-se fiel à ideia de que o Universo era mericano Ralph Alpher.
estático ou melhor, tinha um raio constante no tempo. Gamow realizou importantes descobertas e trabalhos fundamentais que se
Em 1930 o astrofísico inglês Arthur Eddington publicou na revista cien- espalham por vários campos da física e astrofísica. Deve-se a ele a descoberta
tífica inglesa “Monthly Notices of the Royal Astronomical Society” um longo do decaimento alfa via tunelamento quântico, além de trabalhos fundamen-
comentário sobre o artigo escrito por Lemaître em 1927. Em 1931 o artigo ori- tais sobre o decaimento radioativo dos núcleos atômicos, formação estelar,
ginal de Lemaître foi publicado, de forma resumida, na Inglaterra juntamente nucleossíntese estelar, nucleossíntese no Big Bang, e cosmologia.
com a resposta de Lemaître aos comentários feitos por Eddington. George Gamow morreu no dia 19 de agosto de 1968 em Boulder, Colorado,
Lemaître foi então convidado a participar, em Londres, de um encontro Estados Unidos
que debateria a possível relação existente entre o Universo físico e a espiritu-
alidade (Lemaître era padre). Foi nesse encontro que Lemaître, ao apresentar A COSMOLOGIA DE GEORGE GAMOW
a ideia de que o Universo se expandia, propôs que ele teria começado a partir
de um “átomo primordial”, que teria dado origem a tudo que existe hoje no Um dos mais importantes trabalhos apresentados por George Gamow foi
Universo. desenvolvido em colaboração com seu estudante Ralph Alpher. Esse trabalho,
Logo em seguida a esse encontro, Lemaître publicou na conceituada revista “The Origin of Chemical Elements” foi publicado na revista científica Physical
científica inglesa Nature um artigo (Lemaître, G. “The beginning of the world Review (Phys. Rev., april 1, 1948) e é considerado fundamental no estudo de
from the point of view of quantum theory.”, Nature (9 maio 1931) vol. 127, como podemos explicar os atuais níveis dos elementos químicos hidrogênio e
pág. 706) no qual desenvolvia sua “teoria do átomo primordial”. Nesse artigo hélio no Universo.
Lemaître propunha que um evento de criação do Universo deveria ter ocorri- Poucos físicos tinham interesse nas observações astronômicas durante os
do em um determinado momento. Segundo Lemaître o Universo primordial anos das décadas de 1930 e 1940. A expansão observada do Universo levava
seria muitíssimo denso, algo semelhante a um “grande núcleo atômico radioa- alguns cientistas, tal como Lemaître, a acreditar que o universo poderia ter
tivo”. Esse núcleo cósmico, ou átomo primordial, teria explodido e lançado os tido um começo de existência a partir de uma “sopa” densa e quente de par-
fragmentos que mais tarde se tornaram as galáxias. Em suas próprias palavras tículas onde estavam misturados prótons, nêutrons e elétrons. Mas isso era
“o Ovo Cósmico explodindo no momento da criação”. considerado “esotérico” demais por muitos cientistas da época.
Por esse motivo, a origem cósmica, que havia sido chamada inicialmente Havia, entretanto, um outro problema. As estrelas são constituídas essen-
por Lemaître de “átomo primordial” logo passou a ser conhecida por vários cialmente de hidrogênio (~75%) e de hélio (~25%). Como o material que for-
outros nomes, entre eles “ovo cósmico” e “big squeeze” (“squeeze” significa ma as estrelas (e, obviamente, as galáxias) poderia ter sido criado a partir de
aperto, esmagamento, compressão). reações nucleares que ocorreram nessa “sopa” primordial de partículas? Era
Vemos então que foi o padre católico belga George Lemaître o primeiro necessário ou encontrar o processo físico que deu origem a esses elementos
cientista a propor o que mais tarde viria a ser chamado de “Teoria do Big ou descartar a teoria de uma “sopa” primordial de partículas na origem do
Universo.
Na década de 1940, Gamow se interessou pelo problema. Entender a exis-
tência do hidrogênio a partir da “sopa” primordial de partículas era fácil: os

220  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  221


31
elétrons e prótons teriam se combinado formando os átomos de hidrogênio. para que esse percentual fosse obtido.
Mas, como o hélio, que existe em grande quantidade no Universo, teria sido George Gamow fez, então, a previsão de que existiria em todas as partes
formado? do Universo uma radiação cósmica de fundo, resultado do próprio processo
Gamow, na época trabalhando na George Washington University, nos Es- violento de criação do Universo. Em 1948, Gamow e Robert Herman, tam-
tados Unidos, deu a seu aluno Ralph Alpher a tarefa de elaborar os detalhes de bém seu aluno, publicaram um artigo no qual calculavam a temperatura desta
como o hélio poderia ter sido formado a partir de prótons e nêutrons existen- radiação, que havia sido deixada como resíduo após a formação do Universo
tes nessa “sopa” primordial densa e quente. e que deveria permeá-lo completamente. Eles calcularam que, hoje, essa ra-
Mas, afinal,
Gamow e Alpher chegaram à conclusão de que era, de fato, possível produ- diação deveria ter uma temperatura de cerca de 5 graus na escala absoluta de o que é o
zir uma mistura de 75% de hidrogênio e 25% de hélio a partir da “sopa” pri- temperaturas, ou escala Kelvin (5 graus acima do zero absoluto). Isso corres- “Big Bang”?
mordial. No entanto, eles perceberam que à medida que o Universo expandia e ponde ao valor de -268o C.
ficava rarefeito, sua energia diminuía o que fazia com que as reações nucleares Gamow também dizia que, devido à expansão do Universo, essa radiação
fossem se tornando cada vez mais raras. Rapidamente a taxa de reações nu- primordial teve seu comprimento de onda modificado. Como consequência
cleares chegaria a zero, implicando que elementos químicos, com estruturas disso, a frequência dessa radiação primordial estaria agora na região de mi-
mais complicadas, não pudessem ser fabricados a partir dessa “sopa” inicial. croondas do espectro eletromagnético. Por esse motivo ela é chamada de “ra-
Gamow não se preocupou com essa aparente falha na capacidade de pro- diação de fundo de microondas”.
duzir todos os elementos químicos conhecidos durante o processo de criação Por estar atualmente na região de microondas (parte da região radio do
do Universo, justificando que estava bastante satisfeito em saber que mais de espectro eletromagnético), a radiação de fundo poderia ser detectada pelos
99% da matéria visível do Universo, que percebemos na forma de estrelas e radiotelescópios. Mas, na época em que Gamow propôs sua teoria, a radioas-
galáxias, foi criada nos momentos iniciais do Universo. tronomia ainda estava dando seus primeiros passos e Gamow não notou que,
Os detalhes do trabalho de Gamow e Alpher foram publicados em um ar- na verdade, era possível medir esse fundo de microondas. A detecção dessa
tigo na revista científica norte-americana Physical Review. Mantendo sua ca- radiação primordial seria uma forte evidência a favor da teoria do “Big Bang”.
racterística brincalhona, Gamow acrescentou como autor do trabalho o físico Somente em 1964 é que os físicos norte-americanos Arno Penzias e Robert
Hans Bethe, a revelia desse último. Esse artigo fundamental sobre a formação Wilson mediram, acidentalmente, o valor da temperatura da radiação cósmi-
dos elementos leves no início do Universo ficou sendo conhecido como o “arti- ca de fundo chegando ao resultado de 2,7 Kelvin.
go alpha, beta, gama” devido às iniciais dos nomes de Alpher, Bethe e Gamow. A descoberta da radiação de fundo de microondas, postulada pela teoria
Este artigo forneceu o suporte teórico à ideia de que o Universo havia sido do Big Bang, mudou a visão dos físicos em relação a essa teoria. Aliás, mudou
formado a partir de uma “sopa” densa e quente formada por partículas, teoria a visão que os físicos tinham do estudo da Cosmologia.
essa que mais tarde seria chamada de “teoria do Big Bang”. Entretanto, Ga- Vemos, portanto, que Gamow e seu grupo de pesquisa, fez a previsão de
mow só conseguia explicar a abundância dos elementos mais leves existentes que o Universo deveria estar preenchido com radiação que foi deixada como
no Universo, mas que constituem cerca de 99% de toda a matéria existente resíduo de seu processo de formação e que teria esfriado até um valor que hoje
nele. A abundância dos elementos químicos mais pesados do que o hélio que sabemos ser próximo a cerca de 2,7 K como consequência da expansão do
encontramos no Universo somente foi explicada na década de 1950 pelo astro- Universo.
físico inglês Fred Hoyle.
Gamow e seus colaboradores se referiam ao estado denso e quente do Uni- MAS, AFINAL, O QUE É O “BIG BANG”?
verso primordial como sendo o “grande esmagamento”(big squeeze). Ele tam-
bém se referia à substância densa que formava o Universo primordial como Essa é, talvez, a primeira pergunta feita por aqueles que se interessam pelo
“ylem”, significando o material original a partir do qual os elementos quími- estudo do Universo. Causa um grande efeito começar um discurso sobre cos-
cos foram feitos. Esse termo não foi amplamente adotado e, como veremos mologia dizendo que o Universo foi formado a partir de uma grande explosão,
mais tarde, o termo “big squeeze” acabou sendo substituído por “Big Bang”, um “Big Bang”, que o Big Bang criou as galáxias, que no Big Bang tivemos a
criado pelo astrofísico inglês Fred Hoyle. origem do tempo, etc. Ocorre que o termo “Big Bang” é usado de forma abusi-
va, e na maioria das vezes errada.
PREVENDO A RADIAÇÃO DE FUNDO E qual é a dificuldade com esse termo? Porque ele dá margem a tantas in-
terpretações erradas?
O processo físico que deu origem ao Universo necessariamente ocorreu
a uma temperatura extremamente alta. Os cálculos realizados por Gamow O TIRO QUE SAIU PELA CULATRA
e Alpher mostravam que a proporção de hélio produzido a partir da “sopa”
cósmica inicial dependia da temperatura da “bola de fogo primitiva”, como O físico inglês Fred Hoyle era um forte critico da teoria que defendia um
era então chamada, a partir da qual o Universo se formou. No entanto, as processo de criação para o Universo. Ele havia proposto uma teoria alternativa
equações da teoria relativística da gravitação mostram que a temperatura da na qual o Universo permanecia estático. Essa era a “teoria do Estado Estacio-
radiação inicial diminui à medida que o Universo se expande. Era preciso, nário”, uma teoria concorrente àquela que dizia que o Universo tivera uma
portanto, calcular qual seria a temperatura que o Universo deveria ter nos seus origem.
momentos iniciais de forma a se ajustar às observações de que as estrelas con- No dia 28 de março de 1949, Hoyle, ministrando uma palestra no BBC
têm 25% de hélio. O grupo de pesquisadores de Gamow tinha, portanto, que Third Programme da rede de rádio e televisão inglesa BBC, e usando sua ma-
determinar de modo bem preciso qual seria a temperatura inicial do Universo neira sarcástica de criticar, ironizou a teoria da criação do Universo referindo-

222  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  223


se a ela como “esta ideia de Grande Explosão” (“this ‘big bang’ idea”). não existia dentro do Universo. A singularidade era o Universo.
O termo foi usado novamente por Hoyle em outras entrevistas radiofô- O problema é que a Física odeia singularidades! Isso se deve ao fato que as
nicas no início dos anos da década de 1950, quando ele participou de uma leis usuais da física não são válidas em situações onde os parâmetros físicos
série de cinco palestras com o título “The Nature of Things” (“A Natureza das tendem para o infinito. Assim, não sabemos determinar as propriedades dos
Coisas”). O texto correspondente a cada uma dessas palestras foi publicado na parâmetros físicos na singularidade que formou o Universo.
revista “The Listener” uma semana após o programa ter ido ao ar. Essa foi a
primeira vez que o termo “big bang” apareceu impresso. ASSISTINDO O “COMEÇO” DO UNIVERSO
Ao contrário do que Hoyle pretendia, o nome “Big Bang” passou a ser as-
sociado à teoria criada por Georges Lemaître que postulava um momento de Comumente vemos filmes onde o “Big Bang” é representado por um ponto
criação para o Universo. que explode sobre um fundo escuro. Essa representação é absolutamente er-
rada! Como já foi dito acima, a singularidade é o Universo mais primordial e
UM NOME ERRADO (?) é a expansão dessa singularidade que dá origem ao Universo atual. Os filmes
mostram a singularidade explodindo dentro de algo que já existe, no caso um
O termo “Big Bang”, ou “Grande Explosão”, traz ao público uma ideia mui- fundo escuro, que podemos ser levados a interpretar como sendo o espaço
tas vezes errada sobre o que essa teoria propõe. Se, por um lado, o termo “Big infinito. Isso seria correto se o Universo já existisse e uma singularidade ao
Bang” parece sintetizar o conceito de Universo em expansão, por outro lado explodir origina-se seu conteúdo material.
seu uso, sem o devido cuidado, leva a erros abomináveis. Não é o caso. É a singularidade que, ao “explodir” (se quiser usar esse ter-
Não houve uma “explosão” (no sentido usual da palavra) que deu origem mo) dá início ao processo de criação e a expansão contínua que observamos
ao Universo. Entendemos bem o conceito do que é uma explosão por vê-la hoje.
ocorrer no espaço tridimensional onde existimos. Uma explosão é a liberação Mas, como representar o “nada”? Se o Universo é o “todo” e esse “todo”
violenta de energia por um processo súbito. Como a formação do Universo te- era uma singularidade, como representá-lo? Como representar algo “singular”
ria ocorrido com a violenta liberação de uma quantidade anormalmente gran- com “nada” à sua volta?
de de energia de modo súbito, o nome “grande explosão” pode ser associado, É importante sublinhar que toda a descrição acima diz respeito à chamada
de certo modo, a esse processo. No entanto, é preciso que fique claro que o “Teoria do Big Bang”. Até o momento essa tem sido a teoria aceita pela maio-
nome “grande explosão” (“Big Bang”) não tem absolutamente nenhuma outra ria dos astrônomos, mas ela é uma teoria. As observações astronômicas têm
relação com o processo comum de explosão que conhecemos no dia-a-dia. No mostrado, até agora, que a descrição do Universo feita pela teoria do Big Bang
caso comum uma explosão é um processo químico que ocorre no interior de é a mais correta. Os dados observacionais se ajustam bem ao que é previsto
um espaço tridimensional. No caso do Big Bang essa “explosão” é extrema- pela teoria. Existem muitas teorias, baseadas na ideia de um “Big Bang”, que
mente especial, um processo de súbita liberação de energia que dá origem ao tentam descrever esses instantes iniciais, mas nenhuma delas pode ser consi-
espaço e ao tempo. O Big Bang não ocorre dentro de um espaço tridimensio- derada como a teoria correta.
nal. Ele cria o espaço-tempo.
UMA EXISTÊNCIA FINITA
UM COMEÇO PARA O UNIVERSO
Outra conclusão que decorre da aceitação da “Teoria do Big Bang” é o fato
Considerando que a observação das galáxias tem sido interpretada pelos de que o Universo passa a ter uma idade finita. Se considerarmos que o Big
astrônomos como a indicação de que o Universo se expande, podemos pensar Bang é o início de tudo, o começo do espaço e do tempo, podemos concluir
que essa expansão teve início em algum momento no passado. Isso pode nos que o Universo teve uma “data de nascimento”. Ele pode, então, ser infinito no
levar a pensar que o Universo começou a se expandir a partir de um determi- espaço, mas sempre será finito no tempo.
nado volume inicial. Isso não é correto, pois não existe nada que nos induza a A teoria do Big Bang aceita implicitamente que o Universo teve um início,
pensar que a matéria existente no Universo já ocupava um determinado volu- mas em momento algum ela “prova” que o tempo foi criado no mesmo mo-
me, embora permanecendo com um comportamento estático, e que a partir mento da criação do espaço. Esse é um problema extremamente complexo que
de algum momento esse espaço-tempo que formava o volume inicial começou tem sido rapidamente abordado por alguns físicos, mas que ainda está além da
a se expandir. fronteira do nosso conhecimento. Para decidirmos se o tempo foi criado junto
Somos então levados a pensar que, voltando no tempo, em um determina- com o espaço ou se o tempo sempre existiu, seria preciso primeiro entender
do momento toda a matéria existente no Universo (qualquer que seja o estado muito bem o que é o tempo. O tempo é e continuará a ser, por muito tempo
em que ela se encontrava) estava concentrada não em um volume inicial, mas ainda, uma imensa “pedra” no sapato dos cosmólogos.
em um único ponto. Isso quer dizer que teríamos um local onde o raio do Uni-
verso seria nulo, fazendo com que o seu volume também fosse nulo. Ao mes- Críticas à Teoria do Big Bang
mo tempo, a densidade da matéria localizada nesse ponto (densidade é igual
a massa dividida pelo volume) tenderia ao infinito! Esta seria uma situação Muitas vozes da ciência se levantaram contra a teoria do Big Bang, quase
completamente não usual. Dizemos então que esse ponto onde toda a matéria sempre em função de sua proposta de começo para o Universo. Um dos im-
do Universo estaria concentrada é uma singularidade do espaço-tempo. portantes críticos dessa teoria foi o físico sueco Hannes Alfven, prêmio Nobel
Vemos então que a expansão observada do Universo implica que ele se ori- de física em 1970, que considerava o Big Bang um “mito científico inventado
ginou de uma singularidade, um ponto de densidade infinita. A singularidade para explicar a criação religiosa”. Alfven dizia que “Não há razão racional para

224  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  225


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duvidar que o Universo tenha existido indefinidamente, ao longo de um tempo POR QUE O CÉU É ESCURO À NOITE?
infinito. É apenas um mito as tentativas de dizer como o Universo passou a
existir, ou a 4 mil ou a 20 bilhões de anos”. A imagem abaixo mostra o aglomerado de galáxias de Virgo. O que mais
nos chama a atenção nesta imagem? Veja que os pontos luminosos, que são
IMPLICAÇÕES FILOSÓFICAS E TEOLÓGICAS DE UM imagens de galáxias e estrelas existentes no campo fotografado, estão bastante
COMEÇO PARA O UNIVERSO espaçadas. Vemos nela o domínio do espaço vazio.
Mas, afinal,
Esta imagem é bastante semelhante ao céu noturno que observamos a
A ideia de que o Universo teve um momento de criação está na base de olho nu no nosso dia a dia. O céu é escuro, salpicado por inúmeros pontos
o que é o
muitos escritos antigos, em particular na chamada Bíblia Sagrada. Ao mesmo luminosos. “Big Bang”?
tempo, a ideia de que o Universo é eterno, ou seja, sempre existiu e não passou
por qualquer ato de criação também está presente em religiões e filosofias que MAS, POR QUE O CÉU É ESCURO?
têm suas origens em épocas bastante remotas (algumas filosofias são recentes).
Durante os anos entre 1920 e 1930, quando ainda não se tinha observado Esta pergunta foi feita há muitos anos por vários pensadores. Ela foi pro-
que o Universo expandia, quase todos os físicos interessados em cosmologia posta por Johannes Kepler em 1610, por Edmond Halley e Jean de Chéseaux
apoiavam a ideia de um Universo Eterno, ou seja, um Universo sem início. no século XVIII, e finalmente por Heinrich Olbers em 1826.
Até mesmo Albert Einstein aceitava esse pensamento como fundamental. No Embora perguntar por que o céu é escuro à noite possa parecer uma ques-
entanto, em 1922 o russo Alexandre Friedmann obteve a primeira solução tão simples ela não o é e sua resposta nos leva a concluir coisas bastantes pro-
matemática cosmológica das equações da teoria relativística da gravitação que fundas sobre o Universo.
mostravam a possibilidade do Universo estar em expansão.
A discussão se o Universo teve ou não um início, questão extremamente O PARADOXO DE OLBERS
polêmica, só tomou bases científicas a partir da verificação observacional de
que o Universo se expandia, feita por Willem de Sitter, ratificada por Edwin Uma das primeiras pessoas que questionou formalmente a escuridão do
Powell Hubble e finalmente pelo físico belga Georges Lemaître, ao que cha- céu noturno foi o astrônomo e matemático suíço Jean Philippe Leys de Chése-
mou de “átomo primordial”. Mais tarde essa ideia foi alimentada e defendida aux. Isso ocorreu em Lausanne, Suíça, em 1744.
pelo físico ucraniano (naturalizado norte-americano) George Gamow. Chéseaux formulou a seguinte questão:

MAS, PORQUE A POLÊMICA EM TORNO DA “Por que o céu é escuro? Se o número de estrelas é
“TEORIA DO BIG BANG”?
infinito, um disco estelar deveria cobrir todos os trechos
Embora sendo uma teoria estritamente científica, e, portanto, continua- do céu”
mente submetida a testes observacionais que visam ou confirmá-la ou mostrar
que ela é errada, essa teoria mexe com algo que sempre esteve ligado ao meio Chéseaux tentou resolver o problema argumentando que uma pequena di-
religioso ou filosófico: a criação do Universo. minuição na luz emitida pelos corpos celestes seria suficiente para resolver o
Muitos cientistas viram a ideia de um começo para o Universo com grande problema.
desconfiança. Para eles aceitar um começo do espaço e do tempo significa- Ocorre que esta explicação não é correta. Vamos supor que a luz emiti-
va trazer para a física conceitos religiosos que deveriam permanecer fora da da pelas estrelas fosse suficientemente absorvida por algum tipo de matéria
ciência. Mais ainda, a ideia original de uma teoria física que justificava um existente entre elas e nós. Isto necessariamente faria com que essa matéria
começo para o Universo foi apresentada por um padre da Igreja Católica Ro- fosse aquecida e, consequentemente, emitisse luz na mesma taxa na qual ela
mana, Monsenhor Georges Lemaître. Isso levantou suspeitas em vários meios foi absorvida. Isto é garantido pelo princípio de conservação de energia e é
filosóficos, notadamente grupos ateus ou marxistas, que viam com suspeita este processo que faz com que o céu fique brilhante durante o dia pois a luz
esse “casamento” entre um padre e a apresentação de ideias sobre a criação do solar incidente sobre a nossa atmosfera é espalhada pelas moléculas de ar ou
Universo. Como alguns livros religiosos, em particular a Bíblia, apresentava gotas de água ai existentes. O processo descrito por Chéseaux faria o céu ser
ideias sobre a criação do mundo, esses críticos viram a sugestão de Lemaître brilhante o tempo todo.
com suspeita, achando que ela era, meramente, uma tentativa de dar caráter Muitos anos mais tarde o assunto chamou a atenção de Heinrich Wilhelm
científico a postulados religiosos. Matthäus Olbers (1758 - 1840), um astrônomo alemão que, após praticar a
Quando surgiu a chamada “Teoria do Estado Estacionário”, criada pelos medicina durante o dia, dedicava o seu tempo noturno à astronomia. Esse
físicos Herman Bondi e Thomas Gold e mais tarde defendida e ampliada pelo trabalho observacional fez com que ele descobrisse o asteroide Pallas no dia 28
físico inglês Fred Hoyle, e que concorria com a Teoria do Big Bang quanto à de março de 1802 e o asteroide Vesta no dia 29 de março de 1807.
melhor descrição do Universo, críticas desse tipo (mistura da religião com a Olbers colocou o problema da seguinte forma:
física) ficaram ainda mais evidentes. Os defensores da Teoria do Estado Esta-
cionário acusavam abertamente os defensores da Teoria do Big Bang de pro- Por que o céu é escuro à noite? A intensidade da luz
porem uma teoria com o escancarado propósito de se adaptarem a preceitos
religiosos.
diminui com o quadrado da distância ao observador. Se
a distribuição das estrelas é uniforme no espaço, então o

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número de estrelas situadas a uma distância particular brilho. Outra vez o paradoxo está resolvido.
Note que ambos os efeitos citados acima podem, isoladamente, contribuir
ao observador deveria ser proporcional à área superficial
para a resolução do paradoxo. No entanto, de acordo com a teoria do Big Bang,
de uma esfera cujo raio é aquela distância. Para cada ambos contribuem para a solução sendo que a duração finita da história do
raio, por conseguinte, a quantidade de luz deve ser Universo é usualmente julgada como o efeito mais importante dos dois.
tanto proporcional ao quadrado do raio e inversamente Em muitos textos de cosmologia é dito que a escuridão do céu noturno
fornece uma confirmação da teoria do Big Bang. No entanto, isso não deve ser
A radiação de
proporcional ao quadrado do raio. Estes dois efeitos se aceito, pois parece a cobra mordendo o próprio rabo: a teoria do Big Bang é fundo: uma
cancelarão e deste modo toda concha deve adicionar a usada para explicar porque o céu noturno é escuro e em seguida diz-se que o descoberta
mesma quantidade de luz. Em um universo infinito o céu céu escuro confirma o Big Bang! acidental...e
seria infinitamente brilhante. muito importante
A RADIAÇÃO DE FUNDO: UMA DESCOBERTA
Podemos colocar os argumentos acima de forma mais clara:
ACIDENTAL...E MUITO IMPORTANTE

Em 1964 dois radioastrônomos norte-americanos Arno A. Penzias e Ro-


Se o Universo fosse estático e preenchido com uma bert W. Wilson fizeram uma descoberta acidental que revelou ser da maior
distribuição uniforme de estrelas, então cada linha importância para a confirmação de que o Universo teve uma origem. Os dois
de visada no céu terminaria em uma estrela e, cientistas estavam estudando uma antena usada em satélites de comunica-
ções da companhia norte-americana AT & T Bell Laboratories, localizada na
consequentemente, o céu seria uniformemente brilhante. pequena cidade de Holmdel em New Jersey, Estados Unidos. O objetivo de
Penzias e Wilson era estudar o ruído rádio que chegava do espaço neste lugar
ou então
rural tão quieto. A imagem acima mostra os cientistas Penzias (à direita), Wil-
son e a antena utilizada.
Se o Universo fosse infinitamente grande o céu inteiro Para melhorar a qualidade das comunicações os cientistas têm que pro-
seria tão brilhante quanto a superfície de uma estrela. curar meios de suprimir ruídos espúrios (falsos) que chegam às antenas. Às
vezes suprimir os ruídos não é possível e então só cabe aos cientistas reduzir o
Vemos que os raciocínios desenvolvidos por Jean de Chéseaux e Heinrich máximo possível o seu nível. O ruído rádio é usualmente expresso em termos
Olbers nos faz imaginar um céu tão brilhante, ou mais brilhante, que o Sol! de uma temperatura, pois ele é causado pelo movimento irregular de elétrons.
Ocorre que qualquer um que olhe para o céu noturno vê que isso não acon- Quanto mais alta é a temperatura, mais violento é o movimento desses elé-
tece. O céu noturno é absolutamente negro, pontilhado por muitas estrelas, trons e maior é o ruído. Deste modo há uma relação bem definida entre nível
mas de modo algum exageradamente brilhante. de ruído e temperatura. Por exemplo, a temperatura na superfície da Terra é
cerca de 300 Kelvin e, portanto, o nível de ruído é também de cerca de 300 K.
O QUE HAVIA DE ERRADO? A antena usada por Penzias e Wilson era um instrumento de grande sen-
sibilidade. Ela tinha a forma de um chifre deitado com a sua parte mais larga
Resolvendo o paradoxo servindo de abertura principal. As duas imagens abaixo mostram detalhes
Desde os anos de 1600 astrônomos e filósofos propuseram muitas ma- dessa antena (Penzias à direita e Wilson à esquerda).
neiras possíveis de resolver este paradoxo. Como era de se esperar, todas as Quando a antena apontava para o céu os 300 K de ruído de fundo somente
análises feitas no passado só podiam se basear nos conceitos cosmológicos produziam um nível de 0,3 K na antena, o que é muito baixo se compararmos
predominantes. Por exemplo, em 1848 o poeta Edgar Allan Poe, um dos gran- com o nível de 20-30 K que obtemos em radiotelescópios.
des nomes da literatura norte-americana, sugeriu uma saída para o impasse. Em maio de 1964, Penzias e Wilson começaram a usar essa antena para
Ele propôs que o universo poderia ser infinitamente grande mas com uma ida- medir o ruído que vinha do zênite. O resultado foi o valor de 6,7 K. Após
de finita. Se fosse assim, uma vez que nós ainda não recebemos luz das estrelas retirar a absorção feita pela atmosfera e o efeito da própria antena, eles ainda
mais distantes haveria intervalos entre as estrelas visíveis e, deste modo, o céu obtiveram o valor de 3,5 K vindo do zênite, o que era elevado demais. Penzias e
poderia aparecer escuro. Wilson tentaram de todos os modos reduzir esse valor, mas não conseguiram.
A solução padrão atualmente aceita depende de concordarmos com a te- Mais tarde eles verificaram que esse valor elevado de ruído vinha não apenas
oria do Big Bang, que indica que o universo tem uma idade finita e está se quando a antena estava apontada para o zênite mas também quando ela estava
expandindo. apontada em outras direções no céu. Isso acontecia até mesmo em diferentes
se o universo existe por somente uma quantidade finita de tempo, como estações do ano.
a teoria do Big Bang postula, então somente a luz proveniente de um número Penzias e Wilson não perceberam o significado da descoberta que haviam
bastante grande mas finito de estrelas teria tido a chance de nos alcançar até o feito. Somente mais tarde, quando o físico Dicke e seus colaboradores da Prin-
momento. Deste modo, o paradoxo é destruído. ceton University disseram a eles que essa era uma das principais pesquisas que
se o universo está se expandindo e as estrelas distantes estão se afastando o grupo de Princeton estava realizando nessa universidade, é que ficou claro
de nós, o que é uma previsão fundamental da teoria do Big Bang, então a luz para Penzias e Wilson que os 3,5 K não estavam sendo produzidos na superfí-
proveniente delas é deslocada para o vermelho (redshift) o que diminui o seu cie da Terra, nem no Sistema Solar e nem por qualquer radio fonte particular.

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Ele devia ser, portanto, uma radiação difusa que permeava todo o espaço, todo matéria e da radiação.
o universo, uma radiação de fundo. Desde então os fótons continuaram a esfriar. Eles agora têm a temperatu-
Imediatamente Penzias e Wilson publicaram um artigo apresentando suas ra de 2,725 K. Sua temperatura continuará a diminuir enquanto o universo
medições ao lado de um artigo de Dicke e colaboradores que interpretavam estiver expandindo. Do mesmo modo, a radiação proveniente do céu que nós
essas medidas como sendo uma radiação de fundo que permeava todo o Uni- medimos hoje vem de uma superfície esférica, chamada superfície de último
verso, resquício do Big Bang. Curiosamente, o nome de George Gamow, que espalhamento. Esta esfera representa a reunião de pontos no espaço (atual-
havia sido o primeiro a postular a existência dessa radiação de fundo como mente a cerca de 46 bilhões de anos-luz da Terra) na qual o evento de desaco-
resultado de um começo quente para o Universo, não foi citado em nenhum plamento ocorreu há muito tempo (há menos de 400000 anos após o Big Bang
dos dois artigos. ou melhor, há 13,7 bilhões de anos) e que a luz daquela parte do espaço está
A descoberta da radiação de fundo só é comparável em importância à alcançando os observadores exatamente agora.
descoberta da recessão das galáxias, que foi descoberta pelo astrônomo norte A teoria do Big Bang sugere que o fundo de microondas cósmico preenche
-americano Vesto Melvin Slipher em 1912, e acabou sendo atribuída somente todo o espaço observável e que a maior parte da energia radiante no universo
a Edwin Hubble. está nesse fundo de microondas cósmico. Esse fundo constitui uma fração de
As primeiras medições de Penzias e Wilson foram feitas em 4080 MHz aproximadamente 5 x 10-5 da densidade total do Universo.
ou 7,35 centímetros. Subsequentemente foi realizada uma série de medições Dois dos maiores sucessos da teoria do Big Bang são a previsão do seu
no intervalo de comprimento de onda entre 0,3 e 75 centímetros. Para com- espectro de corpo negro quase perfeito e sua detalhada previsão das anisotro-
primentos de onda maiores do que 100 centímetros a radiação de frequência pias no fundo de microondas cósmico. Como veremos abaixo isso foi detec-
ultra-alta e forte proveniente da nossa Galáxia encobre qualquer emissão ex- tado com enorme sucesso pelos satélites norte-americanos COBE e WMAP.
tragaláctica e não podem ser feitas medições. A radiação de fundo de microondas cósmico e o “redshift” cosmológico
Para comprimentos de onda mais curtos do que 3 centímetros a radiação são, juntos, considerados como as melhores evidências que dispomos a favor
proveniente da atmosfera da Terra provoca problemas e as observações só po- da teoria do Big Bang.
dem ser feitas no topo de montanhas. Além disso, a radiação proveniente de
fora da Terra só pode ser recebida por meio de certas “janelas” atmosféricas AS MEDIÇÕES MODERNAS DA RADIAÇÃO DE
estreitas em 0,9 centímetros, 0,3 centímetros etc. Para intervalos mais curtos FUNDO DE MICROONDAS
do que 0,3 centímetros tais “janelas” estão ausentes e as medições somente
podem ser obtidas por equipamentos a bordo de balões de alta altitude ou Logo após a descoberta da radiação de fundo de microondas cósmica, os
então a bordo de foguetes e satélites. cientistas começaram a realizar experiências cujo objetivo era medir com a
O valor obtido primeiramente por Penzias e Wilson foi de 3,5 K com um maior precisão possível a temperatura dessa radiação e verificar se ela era re-
erro considerável. Medições posteriores se aproximaram de 2,7 K. Hoje a tem- almente isotrópica.
peratura de radiação de fundo comumente aceita é de 2,725 K. Ela está na Como vimos, essa radiação só consegue ser medida com precisão por de-
região de microondas e, por esse motivo, também é chamada frequentemente tectores colocados fora da atmosfera da Terra, seja em balões ou a bordo de
de radiação de fundo de microondas. satélites. Isso foi feito, com excelentes resultados.

A RADIAÇÃO DE FUNDO DE MICROONDAS COBE


CÓSMICA No dia 18 de novembro de 1989 foi lançado pela NASA ao espaço o satélite
Cosmic Background Explorer ou, simplesmente, COBE. Sua missão era estu-
Já vimos que o fundo de microondas cósmico é uma previsão da teoria do dar a radiação de fundo de microondas. Esse satélite permaneceu em órbita
Big Bang. Sua existência havia sido prevista em 1948 por George Gamow e até 1996 e foi bem sucedido na sua missão.
Ralph Alpher e por Alpher e Robert Herman. Alpher e Herman foram capazes Os resultados obtidos pelo COBE mostravam que essa radiação de fun-
de estimar que a temperatura desse fundo de microondas cósmico deveria do de microondas era extremamente isotrópica e homogênea. Mesmo assim,
ser de 5 K. Dois anos mais tarde eles recalcularam o valor dessa temperatura dentro dos limites de sua capacidade de detecção, os equipamentos a bordo do
como sendo de 28 K. COBE conseguiram detectar e quantificar anisotropias de larga escala nessa
Segundo a teoria do Big Bang, o universo primordial era formado por um radiação de fundo. Isso estimulou os cientistas a realizarem diversas experiên-
plasma quente de fótons, elétrons e bárions. Os fótons estavam constantemen- cias, tanto baseadas em terra como com equipamentos a bordo de balões, cujo
te interagindo com o plasma. À medida que o Universo se expandia o esfria- objetivo era quantificar de modo mais preciso essas anisotropias.
mento adiabático fez o plasma esfriar até que ficou favorável para os elétrons No dia 23 de abril de 1992, um grupo de cientistas norte-americanos que
se combinarem com os prótons e formarem os átomos de hidrogênio. Isso trabalhavam no projeto COBE anunciou que havia encontrado as “sementes”
aconteceu por volta de 3000 K ou quando o Universo tinha aproximadamente primordiais nos dados coletados pelo COBE. Esses eram os primeiros traços
379000 anos de idade. de anisotropia encontrados na radiação de fundo de microondas cósmico, que
Neste momento, os fótons começaram a viajar livres pelo espaço. Este pro- os cientistas acreditavam serem as possíveis “sementes” que deram origem às
cesso é chamado de recombinação ou desacoplamento. Esses nomes se refe- estruturas maiores do nosso Universo tais como os aglomerados de galáxias e
rem, respectivamente, a dois fatos que aconteceram nessa época no universo:
os elétrons se recombinaram com os núcleos e houve o desacoplamento da

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as vastas regiões desprovidas de galáxias que chamamos de “vazios”. de grande valia para testar teorias sobre a natureza do Universo.
A imagem abaixo mostra o mapa da anisotropia da radiação de fundo de O nome “Wilkinson” é uma homenagem ao cientista David Wilkinson,
microondas cósmica feito com os dados obtidos pelo COBE. membro do grupo de cientistas que projetou o satélite e um dos pioneiros no
Uma importante experiência feita pelo COBE foi a medição do espectro estudo da radiação de fundo cósmica.
da radiação de fundo e sua comparação com a de um “corpo negro”. Na física Com base nos dados obtidos no primeiro ano de funcionamento do
“corpo negro” é um corpo capaz de receber e reemitir a mesma quantidade WMAP, a NASA liberou no dia 11 de fevereiro de 2003 as primeiras conclu-
de energia. Se o Universo tivesse sido gerado a partir de um Big Bang então sões dos cientistas envolvidos no projeto. Nessa liberação a NASA incluiu a
a radiação de fundo de microondas cósmica (que seria um resíduo desse Big “melhor imagem do universo recém nascido”.
Bang) necessariamente deveria ter um espectro de corpo negro. Após três anos de intenso levantamento do céu, mais dados do WMAP
Usando o detector FIRAS (Far-Infrared Absolute Spectrophotometer) que foram liberados no dia 17 de março de 2006. Esses dados incluíam medições
estava a bordo do COBE, os astrônomos obtiveram um espectro que se ajusta- de temperatura e de polarização que reforçavam a ideia de que a geometria do
va perfeitamente com a curva teórica de um corpo negro para a temperatura universo é plana. Além disso, baseados nesses dados, os cientistas puderam
de 2,7 K. O ajuste quase perfeito entre os dados obtidos pelo COBE e a curva restringir fortemente o intervalo de variação de diversos parâmetros cosmo-
teórica do corpo negro para essa temperatura tornou o espectro da radiação lógicos. Esses parâmetros, muito difíceis de serem medidos, são fundamentais
de fundo de microondas cósmica o espectro de corpo negro medido com a para a descrição do Universo. Por essa razão os cientistas possuem apenas
maior precisão em toda a natureza. intervalos de valores possíveis nos quais o valor verdadeiro do parâmetro cer-
Com um outro equipamento a bordo do COBE, o Differential Microwave tamente deverá estar incluído.
Radiometer (DMR), os cientistas mapearam durante quatro anos a anisotro- No dia 28 de fevereiro de 2008 foram liberados os dados obtidos pelo
pia da radiação de fundo cósmica. Desse modo eles foram capazes de criar WMAP durante cinco anos. Esses dados incluíam novas evidências de que
mapas inteiros do fundo de microondas cósmico após terem subtraído dos também existe um fundo de neutrinos cósmicos permeando todo o Universo.
dados registrados pelo COBE as emissões feitas pela nossa própria Galáxia. A imagem abaixo reúne os dados obtidos durante cinco anos pelo WMAP,
O resultado é mostrado na imagem abaixo nas três frequências usadas pelo um verdadeiro retrato da radiação de fundo cósmica.
DMR, ou seja, 31,5, 53 e 90 GHz (gigahertz). Nessa imagem vemos as flutuações da temperatura da radiação de mi-
Uma outra grande contribuição do COBE, usando um outro equipamento, croondas cósmica ao longo de todo o céu. As cores diferenciam regiões com
o Diffuse InfraRed Background Experiment (DIRBE), está mais relacionada pequeníssimas variações em temperatura. As regiões em vermelho são mais
com a astrofísica do que com a cosmologia, mas é importante demais e, por quentes e as regiões na cor azul têm temperaturas 0,0002 graus, mais baixas
esse motivo, a citamos aqui. que as outras. A temperatura média é de 2,725 K, equivalente a -270o C.
Dados obtidos pelo DIRBE permitiram que os cientistas estabelecessem Embora o WMAP tenha fornecido medições muito precisas das flutuações
um modelo bem mais preciso do disco da nossa Galáxia. A imagem abaixo de grande escala angular da radiação cósmica de fundo, tendo medido estru-
mostra esse modelo do disco da Galáxia vista de perfil. turas aproximadamente tão grandes no céu quanto a área ocupada pela Lua,
De acordo com esse modelo se o Sol está a 8,6 kpc (quiloparsecs) do centro ele não tinha resolução angular para medir flutuações em escalas menores.
da Galáxia, então ele está 15,6 pc (parsecs) acima do plano médio desse disco. Algumas importantes conclusões que puderam ser obtidas a partir dos da-
Esse disco tem um comprimento radial de 2,64 kpc (quiloparsec) e vertical de dos do WMAP são resumidas:
0,333 kpc.
• a idade do universo é de 13,73 ± 0,12 bilhões de anos.
BOOMERanG • a constante de Hubble tem o valor 70,1 ± 1,3 km/s/Mpc
A experiência BOOMERanG (Balloon Observations Of Millimetric Ex-
tragalactic Radiation and Geophysics) foi realizada no ano 2000 usando três • os dados obtidos pelo WMAP são consistentes com uma geometria
balões de alta altitude em vôos sub-orbitais. Seus resultados mostraram que plana para o Universo
as maiores flutuações ocorriam em escalas de aproximadamente um grau. Ao • a composição do universo é:
associarem esses resultados com outros dados cosmológicos já conhecidos, os
▶▶ 4,6% - matéria bariônica ordinária
cientistas puderam concluir que a geometria do Universo é muito aproxima-
damente plana. ▶▶ 23% - um tipo desconhecido de matéria escura que não emite nem
absorve luz
WMAP ▶▶ 72% - um tipo misterioso de energia escura que acelera a expan-
No dia 30 de junho de 2001 a NASA lançou ao espaço a Wilkinson Mi-
são do universo
crowave Anisotropy Probe, ou WMAP, uma segunda missão espacial cujo
objetivo exclusivo era estudar a radiação de fundo de microondas. Seus detec- ▶▶ < 1% - neutrinos
tores deveriam procurar e fazer medições, muito mais precisas do que aquelas
feitas pelo COBE, das anisotropias de larga escala que existem por todo o céu. Planck Surveyor
Esperava-se que o WMAP mapeasse pequeníssimas diferenças de temperatu- Essa foi a terceira missão espacial destinada a estudar a radiação cósmica
ra existentes na radiação que forma o fundo de microondas cósmico. Isso seria de fundo. Ela foi lançada em 2008 e, ao contrário das duas missões anteriores,
o Planck Surveyor é uma colaboração entre a NASA e a ESA (European Space
Agency). A missão do Planck Surveyor é medir a radiação cósmica de fundo

232  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  233


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em escalas muito menores do que o WMAP fez.
se as propriedades em todos os lugares são as mesmas o Universo é homogêneo
Os detectores que estão a bordo do Planck Surveyor foram testados em
observações da radiação cósmica de fundo feitas em Terra. Essa foi a experi- se as propriedades em todos as direções são as mesmas o Universo é isotrópico
ência ACBAR (Arcminut Cosmology Bolometer Array Receiver) feita com o
telescópio Antarctic Viper, que, como o nome sugere, está localizado no gela-
Dizemos que um sistema (no nosso caso o Universo) é homogêneo se ele é invariante por translações no espaço.
do território da Antártica. Os resultados ali conseguidos foram considerados
O Universo pelos cientistas como as mais precisas medições em pequenas escalas angula- Dizemos que um sistema (no nosso caso o Universo) é isotrópico se ele é invariante por rotações no espaço.
homogêneo e res feitas até a data de hoje.
isotrópico Os instrumentos do Planck Surveyor também foram testados a bordo de Um dado importante é que a condição de homogeneidade implica na exis-
um balão, o “Archeops balloon telescope”. tência de isotropia mas não o contrário. Vamos supor que o nosso astronauta
sabe que o Universo é homogêneo mas não se ele é isotrópico. Ele viaja até
O UNIVERSO HOMOGÊNEO E ISOTRÓPICO uma região do espaço e lá verifica que o Universo parece ser o mesmo em
todas as direções em torno do ponto onde ele se encontra. O Universo é, por
Duas das principais características físicas sobre as quais se apóia a descri- conseguinte, isotrópico em torno daquele ponto. No entanto, se ele já sabe
ção atual do Universo são os conceitos de isotropia e homogeneidade. Vamos que o Universo é homogêneo ou seja, que todo os lugares nele são semelhan-
considerar que o Universo é homogêneo e isotrópico e, como veremos, esses tes, obrigatoriamente todos esses lugares terão que ser isotrópicos. Assim, um
conceitos não são deduzidos a partir de observações mas sim impostos sobre a Universo que é homogêneo e isotrópico em um lugar será homogêneo e iso-
teoria sob a forma de um Princípio Cosmológico. trópico em todos os outros.
Primeiramente veremos como a cosmologia entende isotropia e homo- Um Universo homogêneo pode ser anisotrópico ou seja, nem todas as dire-
geneidade. ções são semelhantes. Um Universo não homogêneo, melhor dizendo, aquele
no qual nem todos os locais são semelhantes, poderia ser isotrópico em um
Isotropia lugar mas não pode ser isotrópico em todos os lugares. Em resumo, um estado
Dizemos que um sistema físico qualquer é isotrópico se suas propriedades de isotropia em um lugar não prova a homogeneidade e um estado de aniso-
são as mesmas independentemente da direção que estivermos considerando. tropia não refuta a homogeneidade.
Ao dizermos que o Universo é isotrópico estamos afirmando que suas proprie-
dades físicas independem da direção considerada ou seja suas propriedades O “PRINCÍPIO COSMOLÓGICO”
são as mesmas em qualquer direção.
Um dos princípios básicos da cosmologia moderna é o “Princípio Cosmo-
Homogeneidade lógico”, assim chamado pela primeira vez pelo astrônomo Edward Milne, em
As propriedades da homogeneidade de um sistema físico são as mesmas em 1933.
todos os lugares. Para entender melhor esse conceito vamos supor um astro- O Princípio Cosmológico fala que, não considerando as irregularidades de
nauta que tem a capacidade de viajar por todo o Universo. Se, após percorrer natureza local, o Universo é o mesmo em todos os pontos do espaço. Vamos
locais bem distantes uns dos outros e situados em regiões opostas do Univer- discuti-lo por partes.
so, o astronauta chegar à conclusão de que todos os lugares são semelhantes, O que são as “irregularidades de natureza local” citadas acima? Sabemos
ele poderá então concluir que o Universo é o mesmo em todos os lugares e, que o Universo é povoado por estrelas, que se reúnem em galáxias, que por sua
portanto, o Universo é homogêneo. vez se reúnem em aglomerados de galáxias.
Mas o Universo evolui. Como entender então a homogeneidade? Suponha À primeira vista, o Princípio Cosmológico é bastante atraente, pois facilita
que o nosso astronauta visite uma certa região do Universo onde ele encontra enormemente o estudo do Universo: se o Universo é semelhante em todas as
estrelas, galáxias, aglomerados, etc. Depois ele visita outras regiões do Univer- suas partes (ou seja, possui as mesmas propriedades em todos os seus “re-
so, bem afastadas da primeira e nelas encontra o mesmo tipo de matéria. O cantos”) logicamente torna-se muito mais fácil estudá-lo. Com esse princípio
astronauta volta para a Terra e após um milhão de anos de espera ele retorna instituímos que as propriedades físicas que ocorrem em uma parte do Uni-
aos mesmos locais visitados anteriormente e verifica que os corpos celestes verso são as mesmas que ocorrem em qualquer outra região dele, seja ela bem
envelheceram (mais tecnicamente, evoluíram) mas, curiosamente, em todos próxima a nós ou inacreditavelmente afastada da nossa Galáxia.
os lugares o envelhecimento foi idêntico. Isso quer dizer que as propriedades No entanto, nota-se que isso não é demonstrado nem concluído a partir
existentes em todos esses lugares são as mesmas. O astronauta então deduz de qualquer tipo de observação. O Princípio Cosmológico, com sua supera-
que o Universo é homogêneo: ele evolui mas sempre de acordo com as mesmas brangente generalização, é, como diz o próprio nome, um “princípio”: ele é
leis da física que, como consequência disso, são as mesmas em todos os pontos estabelecido como base da teoria e aceito como verdade. Sobre esse princípio é
do Universo. que os astrônomos construíram a cosmologia moderna.
Para o nosso astronauta o Universo é invariante por translações no espaço.
Onde quer que ele esteja, as propriedades são as mesmas.

Homogeneidade e Isotropia
Temos agora duas maneiras de identificar propriedades iguais no Universo:

234  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  235


Ensino a Distância
cosmologia

2015
Da origem ao fim do universo

Módulo 5
Os modelos cosmológicos

Cosmologia - Da origem ao fim do universo  237


Ensino a Distância
cosmologia

2015
Da origem ao fim do universo

Módulo 5
Os modelos cosmológicos

Divisão de Atividades
Educacionais - ON/MCTI
35
O QUE É GEOMETRIA?

Geometria é a parte da matemática que trata de curvas, superfícies e vo-


lumes. A geometria tem uma longa história remontando a épocas até mesmo
muito anteriores aos gregos. No entanto, foram os filósofos gregos os primei-
ros a sistematizarem, e ampliarem, o conhecimento da geometria.
O que é
Temos uma necessidade diária de usar a geometria. Quando afirmamos
que alguma coisa está distante estamos falando de comprimento e isso é ge-
geometria?
ometria. Se falamos sobre a área de um campo de futebol estamos usando
geometria. Se dizemos que o vestido da modelo está largo estamos falando de
volumes e portanto de geometria. Ela nos acompanha todo o tempo.
A geometria é um dos ramos mais antigos da matemática e, como já dis-
semos, trata das regras de medição de distâncias e ângulos, regras estas que
foram compiladas pelo filósofo e matemático grego Euclides por volta do ano
300 antes de Cristo.
A geometria que usamos no nosso dia-a-dia é aquela desenvolvida pelos
gregos. Esta é a chamada geometria Euclidiana. É a geometria de Euclides,
ou geometria euclidiana, que estudamos nas escolas e aprendemos a aplicar
na prática. A geometria euclidiana realiza suas medidas sobre uma superfície
plana.

A GEOMETRIA EUCLIDIANA

Euclides foi um dos maiores matemáticos gregos da antiguidade. Não se


sabe com certeza a data do seu nascimento, talvez tenha sido por volta do ano
325 antes de Cristo. Sabe-se que ele viveu na cidade de Alexandria, no atual
Egito, quase certamente durante o reinado de Ptolomeu I (323 BC–283 BC) e
morreu, de causas desconhecidas, no ano 265 antes de Cristo. Por essa razão
ele é citado como Euclides de Alexandria.
Euclides nos deixou um conjunto de livros de matemática, os Elementos,
que pode ser considerado um dos mais importantes textos na história da ma-
temática. Nesse monumental conjunto de 13 volumes Euclides reuniu toda a
geometria conhecida em sua época ou seja, os vários resultados originalmente
obtidos por outros matemáticos anteriores a ele e seus trabalhos originais. O
fato importante é que Euclides apresentou esses resultados dentro de uma es-
trutura logicamente coerente e simples. Ele até mesmo apresentou provas de
teoremas matemáticos que haviam sido perdidos.
Euclides deduzia, entre vários outros resultados, as propriedades dos ob-
jetos geométricos a partir de um pequeno conjunto de axiomas. Axiomas são
afirmações que não possuem prova mas são aceitas como auto-evidentes. Por
esses motivos Euclides é considerado o “pai da geometria” e o fundador do
chamado “método axiomático da matemática”.
O sistema geométrico apresentado por Euclides nos livros que formam os
Elementos durante muito tempo foi considerado “a” geometria. Era a única
disponível e podia ser usada na vida diária sem contradições aparentes. Os
“Elementos” de Euclides foram os fundamentos do ensino de geometria prati-
camente até o início do século XX.
Hoje a geometria apresentada por Euclides é chamada de “geometria Eucli-
diana” para distingui-la das outras formas de geometria, chamadas “geome-
trias não-Euclidianas”, que foram descobertas ao longo do século XIX.
As geometrias não-Euclidianas cresceram a partir de mais de 2000 anos
de investigação sobre o quinto postulado de Euclides, um dos axiomas mais
estudados em toda a história da matemática. A maior parte dessas investiga-
ções envolveram tentativas de provar o quinto postulado, relativamente com-

240  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  241


36
plexo e presumivelmente não intuitivo, usando os outros quatro postulados. ds= dx 2 - dx1
Se eles tivessem sido bem sucedidos teriam mostrado que esse postulado seria
na verdade um teorema. Na verdade os “Elementos” consistem de duas partes: • duas dimensões:
a primeira é formada por teoremas que são provados sem o auxílio do quinto
essa distância será obtida por intermédio do chamado “teorema
postulado e formam o que chamamos de “geometria absoluta” e a parte for-
de Pitágoras” (o quadrado da hipotenusa de um triângulo retângulo e
mada por teoremas que estão baseados no quinto postulado e que formam a
“geometria Euclidiana” propriamente dita.
igual à soma dos quadrados dos catetos) O conceito
As imagens abaixo mostram páginas de um manuscrito grego do século XI de espaço
ds2 = dx 2 + dy2
com os “Elementos”. e tempo de
Os axiomas de Euclides são os seguintes:
• três dimensões: Isaac Newton
1. dados dois pontos há um intervalo que os une. a distância entre os dois pontos será obtida a partir da relação:

2. um intervalo pode ser prolongado indefinidamente.


ds2 = dx 2 + dy2 + dz2
3. um círculo pode ser construído quando seu centro e um ponto sobre
ele são dados. Essas são as expressões que nos dão a distância entre dois pontos em uma
geometria Euclidiana, não importando se eles estão muito afastados ou muito
4. todos os ângulos retos são iguais.
próximos.
5. se uma linha reta inclinada sobre duas linhas retas faz os ângulos in- No entanto, embora o nosso mundo diário seja descrito por três dimensões
teriores do mesmo lado menores do que dois ângulos retos, as duas espaciais, a matemática está ligando muito pouco para isso! Para ela um espaço
linhas retas, se prolongadas indefinidamente, se encontram naquele pode ter um número qualquer de dimensões, até mesmo infinitas dimensões.
lado no qual os ângulos são menores do que dois ângulos retos.
O CONCEITO DE ESPAÇO E TEMPO DE ISAAC
Vemos que o quinto postulado de Euclides tem um enunciado bem mais NEWTON
complicado que os outros. Na verdade ele pode ser colocado de uma maneira
bem mais simples: Ao observarmos o movimento dos corpos celestes vemos que eles não são
objetos errantes, que percorrem trajetórias quaisquer no espaço. Todos eles,
sem exceção, descrevem órbitas bem determinadas, obedecendo a leis gerais
“Através de um ponto C, não localizado sobre uma válidas em todo o Universo. Isto é importante por nos indicar que os corpos
dada linha reta AB, somente uma linha reta paralela celestes estão sob a ação de forças que os mantém em suas órbitas.
a AB pode ser traçada, ou seja, uma linha situada no Também observamos que os objetos na Terra interagem e conhecemos as
leis que regem essas interações. Vemos que ao usarmos a primeira lei de New-
mesmo plano onde está a linha reta dada e que não a ton e aplicarmos uma força sobre um corpo qualquer, uma pedra por exemplo,
intercepta.” atirando-o para cima ela certamente retorna à Terra. Por que isso acontece?
Se a única força atuante sobre a pedra fosse o atrito com o ar que forma a
ou então nossa atmosfera, a pedra diminuiria sua velocidade até parar e permaneceria
flutuando no ar. No entanto, isso não ocorre. A pedra volta para a superfície
“Duas linhas paralelas são equidistantes” da Terra. Uma situação tão simples quanto essa nos mostra que a Terra está
exercendo algum tipo de força que atrai a pedra de volta para ela. O mesmo
Por mais de 2000 anos os matemáticos têm tentado demonstrar esse pos- tipo de interação deve ocorrer entre todos os corpos celestes e a ela damos o
tulado sem sucesso. nome de interação gravitacional.
A geometria Euclidiana é aquela que as pessoas comuns usam na sua vida Já vimos que a descoberta da lei que nos mostra de que maneira os corpos
diária. Nessa geometria a soma dos ângulos internos de um triângulo é igual celestes interagem foi feita por Isaac Newton. Ele foi capaz de determinar que
a 180o, como vemos na figura acima. a força da gravidade depende diretamente do produto das massas dos corpos
Em uma geometria plana, ou geometria euclidiana, a distância entre dois em interação e do inverso do quadrado da distância entre eles.
pontos pode ser facilmente calculada. Se considerarmos somente

• uma dimensão:
a distância entre dois pontos será dada por ds
onde G é a constante gravitacional, M é a massa de um corpo, m é a massa
do outro corpo, e d é a distância entre esses dois corpos.
Chama-se a atenção para o fato de que constante universal da gravitação,
G, não é o mesmo que aceleração da gravidade, g. Esta última varia, por exem-

242  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  243


plo, de acordo com o corpo celeste considerado e, portanto, não é uma cons- ria um movimento harmônico (se desprezarmos as forças de atrito,
tante universal! considerarmos a Terra com simetria esférica e com densidade unifor-
A partir da equação da gravitação mostrada acima vemos que, uma vez me). A partícula teria um movimento que se repetiria em intervalos
que a força gravitacional é diretamente proporcional ao produto das massas de tempos iguais ou seja, descreveria um movimento periódico. Esse
dos corpos que estão interagindo, variações nas massas dos corpos provocarão movimento periódico poderia ser descrito matematicamente usando-
variações no efeito gravitacional. É claro que se as massas de ambos os obje- se senos e cossenos, daí o chamarmos de movimento harmônico.
tos aumenta (e a distância entre eles permanece inalterada) a força de atração
gravitacional entre eles também irá aumentar. Se a massa de um dos objetos é
O QUE É UM SISTEMA DE REFERÊNCIA?
dobrada, e eles permanecem à mesma distância um do outro, a interação gra-
vitacional entre eles também é dobrada. Se a massa de cada um dos objetos é
As leis de Newton são válidas em um “sistema de referência inercial”. Um
dobrada então a interação gravitacional entre eles será quadruplicada, e assim
sistema de referência é um sistema de coordenadas capaz de nos dar informa-
por diante.
ções sobre a ocorrência de um evento ou fenômeno.
O contrário acontece quando variamos a distância entre os corpos. A
Veja que, não necessariamente os eixos que nos informam os valores das
equação nos mostra que a interação gravitacional é inversamente proporcio-
coordenadas precisam ser retilíneos. O sistema de coordenadas que usamos
nal ao quadrado da distância entre os corpos que estão interagindo. Isso nos
mais comumente no nosso dia-a-dia é o chamado sistema de coordenadas
diz que, mantidas constantes as massas dos corpos, quanto mais afastados eles
cartesiano. Nesse sistema os eixos coordenados são linhas retas ortogonais (ou
estiverem mais fraca será a interação gravitacional entre eles. Assim, à medida
seja, perpendiculares) e as coordenadas em geral (mas não obrigatoriamente)
que dois objetos são afastados um do outro a interação gravitacional entre eles
são chamadas de (x, y, z).
também diminui. Por exemplo, se a separação entre dois corpos é dobrada
No entanto existem outros sistemas de coordenadas, tais como o sistema
(aumentada por um fator 2) a força de atração gravitacional será diminuída
de coordenadas esféricas, o sistema de coordenadas cilíndricas, etc, que não
por um fator quatro, uma vez que a interação gravitacional é proporcional ao
usam eixos ortogonais. As imagens abaixo mostram os sistemas de coordena-
inverso do quadrado da distância. Se a distância entre os corpos é triplicada
das cilíndricas e esféricas, respectivamente. Em ambas as figuras as coordena-
ou seja, aumentada por um fator 3, a interação gravitacional irá diminuir por
das cilíndricas e esféricas estão colocadas sobre um sistema de coordenadas
um fator 9 (três elevado ao quadrado).
cartesianas e relacionadas matematicamente a elas. Veja que o sistema de co-
As proporcionalidades expressas pela lei da gravitação universal de New-
ordenadas cilíndricas é dado pelas variáveis (r, θ, z). As coordenadas r e θ são
ton são mostradas graficamente abaixo. Observe como a interação gravitacio-
coordenadas polares para a projeção vertical do ponto P sobre o plano carte-
nal é diretamente proporcional ao produto das duas massas e inversamente
siano xy. Já a coordenada z é a coordenada vertical cartesiana.
proporcional ao quadrado da distância entre elas.
No caso do sistema de coordenadas esféricas as variáveis são (ρ, φ, θ) onde
ρ é a distância do ponto P até a origem do sistema de coordenadas, φ é o ân-
Observações:
gulo que a semi-reta OP forma com o eixo cartesiano z positivo e θ é o mesmo
• note que as forças gravitacionais entre duas partículas formam um
ângulo usado na determinação das coordenadas cilíndricas.
par ação-reação, como exigido pela terceira lei de Newton. A primeira
Existem até mesmo sistemas de coordenadas cujos eixos são curvilíneos.
partícula exerce uma força de atração sobre a segunda partícula e esta
Qualquer um desses sistemas de referência pode ser usado para a determina-
também exerce uma força sobre a primeira. Essas forças estão dirigi-
ção, por exemplo, da posição de um objeto. É claro que ao analisarmos um
das ao longo da linha imaginária que une os centros dessas partículas.
problema, procuramos utilizar o sistema de referência mais adequado a ele.
As forças gravitacionais que as partículas exercem uma sobre a outra
Por exemplo, se queremos descrever um objeto esférico usaremos o sistema de
têm o mesmo valor numérico mas sentidos opostos.
coordenadas esféricas, etc.
• é interessante sublinhar que um corpo colocado em qualquer região
no interior da Terra somente sentirá a ação gravitacional gerada pela SISTEMAS DE REFERÊNCIA INERCIAIS
massa que está entre o centro do nosso planeta e a posição do corpo.
Isso quer dizer que para cálculos de ação gravitacional somente a mas- Um sistema de referência inercial, ou simplesmente referencial inercial, é
sa interior ao raio do corpo é que importa. Por exemplo, se você está a um sistema de coordenadas no qual o princípio de inércia se aplica: se nenhu-
meio caminho do centro da Terra somente a metade da massa da Terra ma força está atuando sobre uma partícula, ela ou permanece estacionária ou
que está “abaixo” de você é que irá gerar ação gravitacional sobre o se desloca em linha reta com velocidade constante.
seu corpo. A parte que está entre a sua posição e a superfície da Terra Portanto sistema de referência inercial é aquele que não está acelerado. Veja
não participa desse cálculo. Assim, se você chegasse ao centro da Terra que um sistema de referência inercial não necessariamente precisa estar em
(considerando que a forma da Terra é uma esfera, o que não é verdade) repouso. Ele pode estar se movendo em linha reta e com velocidade constante.
a força gravitacional que atuaria sobre seu corpo seria igual a zero uma Qualquer sistema de coordenadas que está em movimento uniforme em
vez que não haveria massa (matéria) entre você e o próprio centro do relação a um referencial inercial também é um referencial inercial.
planeta, que é onde você está. No entanto, tudo isso só aconteceria se o Mas, por que as leis da física deveriam ser as mesmas somente em referen-
nosso planeta tivesse densidade constante! ciais inerciais? O que acontece quando um referencial está sujeito a aceleração,
• se fosse cavado um túnel atravessando a Terra de um lado ao outro, isto é, quando o princípio de inércia não ocorre nele?
e passando pelo seu centro, uma partícula que caísse nele descreve- Quando o movimento de uma partícula não é uniforme dizemos que algu-
mas forças estão agindo sobre ela. Nesse caso a primeira lei de Newton, F= ma,

244  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  245


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terá termos adicionais que chamamos de forças fictícias ou forças inerciais. número equivalente à dimensão do espaço que queremos estudar. Em geral se
Por exemplo, a tão conhecida “força centrífuga” é uma força fictícia. queremos dizer que o espaço tem um número qualquer de dimensões escreve-
Entretanto, é possível que, na verdade, nenhuma força esteja agindo sobre mos xn onde n assume os valores 1, ou 2, ou 3 ou qualquer outro valor inteiro
a partícula, mas o sistema de coordenadas a partir do qual nós a observamos positivo. Isso pode ser resumido escrevendo-se n = 1, 2, 3,..
seja não inercial. Por exemplo, o movimento ao longo de uma linha reta pode Podemos então generalizar a expressão que nos dá a distância entre dois
parecer curvo para um observador em rotação. Neste caso não podemos dizer pontos em um espaço euclidiano de dimensão qualquer n escrevendo
Generalizando com certeza se o sistema é inercial ou não. Como veremos mais tarde, essa
a geometria dificuldade não é encontrada somente na mecânica clássica mas também na ds2 = dx12 + dx 22 + dx32 + ..... + dxn2
Euclidiana teoria da relatividade especial. Usualmente evitamos o problema definindo
um referencial aproximadamente inercial que está centrado no Sol e tem seus onde
três eixos dirigidos na direção de três galáxias distantes.
n = 1, 2, 3, 4, ....
O ESPAÇO E TEMPO DE NEWTON
A expressão ds2, que é chamada de elemento de linha ou métrica, é de im-
O conceito de espaço absoluto defendido por Isaac Newton foi a culmi- portância vital nos cálculos da teoria da relatividade. A partir desse momento
nação de um longo processo histórico. A afirmação de Aristóteles de que “a sempre que nos referirmos à distância entre dois pontos em um espaço de
natureza tem horror ao vácuo” dominou o pensamento dos filósofos e cien- qualquer dimensão a representaremos por ds2.
tistas por vários séculos. Após um prolongado debate os conceitos defendidos
pelos atomistas da antiguidade ganharam novamente seu lugar na ciência, REFERENCIAIS EM MOVIMENTO
principalmente após a descoberta do vácuo no século XVII, quando então eles
passaram a ter cada vez mais defensores. Suponha agora que você quer descrever a posição de um corpo no espa-
Newton considerou o espaço como sendo uma arena desprovida de coi- ço. A primeira coisa a fazer é determinar um sistema de referência no qual
sas e fenômenos. Para ele o espaço era tridimensional, contínuo, estático (não o corpo (para simplificar o problema) esteja em repouso. Você poderá obter
variava com o tempo), infinito, uniforme e isotrópico (possuía as mesmas as coordenadas de posição desse corpo ou seja, se estiver considerando um
propriedades independentemente da direção considerada). Ele acreditava que sistema de coordenadas cartesianas, os pontos (x, y, z). A isso você adiciona a
o espaço absoluto, por sua própria natureza e em relação a qualquer coisa ex- medida do tempo, t. Pronto. Você agora está descrevendo a posição e a dinâ-
terna, sempre permanecia similar e imóvel. mica (mudanças no tempo) do corpo em estudo por meio de um conjunto de
O tempo para Newton era também absoluto e independente. Ele o con- quatro variáveis, (x, y, z, t).
siderava como sendo o “receptáculo de eventos” e supunha que o passar dos Suponha agora que, ainda estudando o mesmo corpo, você decide descrevê
eventos não afetava o fluxo do tempo. O tempo era assim unidimensional, -lo em um outro sistema de coordenadas (no qual ele ainda está em repouso).
contínuo, homogêneo (possuía as mesmas propriedades em todos os locais do Será obtido um segundo grupo de coordenadas que descreve a posição e a
universo) e infinito. dinâmica desse corpo, as quais chamaremos de (x’, y’, z’, t’).
A visão de Newton sobre o movimento era semelhante. Em um sistema de E se um dos sistemas de coordenadas estiver em movimento, deslocan-
referência estacionário em relação ao espaço absoluto, as três leis de Newton, do-se em relação ao outro com velocidade constante e em linha reta? Pelas
lei da inércia, lei do movimento e lei da ação e da reação, deveriam ocorrer. propriedades descritas acima esses referenciais ainda são inerciais e, portanto,
Um sistema de referência absoluto, fixo em relação ao espaço absoluto é um as leis de Newton valem. Mas, como ficarão relacionadas as coordenadas do
referencial inercial. Para Newton, a transição de um referencial inercial para corpo em estudo nesses dois sistemas de referência?
outro seria realizada por intermédio de uma transformação de Galileu: Foi o físico holandês Hendrik Lorentz quem demonstrou (embora não te-
nha sido o primeiro a fazer isso!) como os dois conjuntos de coordenadas do
t’= t x’= x + vt mesmo corpo, aquelas obtidas no sistema de referência em repouso e aquelas
obtidas no sistema de referência que se desloca com velocidade constante e em
Pode ser mostrado que se você aplica as transformações de Galileu à se- linha reta, estão relacionadas. Essas transformações passaram a ser conheci-
gunda Lei de Newton, F= ma, ela permanece com a mesma forma. Dizemos das como transformações de Lorentz e são fundamentais para a física.
então que a segunda lei de Newton é invariante pelas transformações de Gali- As transformações de Lorentz são mostradas na figura ao lado. Atenção:
leu. Assim, todos os sistemas de referência inerciais são equivalentes e não há as transformações de Lorentz nos mostram como estão relacionadas as coor-
uma maneira de detectar o espaço absoluto. denadas de um corpo medidas em dois referenciais diferentes: um referencial
está em repouso e o outro referencial se desloca em linha reta e com velocidade
GENERALIZANDO A GEOMETRIA EUCLIDIANA constante v. Note que as transformações de Lorentz, por serem definidas para
um espaço-tempo de 4 dimensões, misturam as coordenadas do espaço (x,y,z)
Vamos então generalizar as expressões que nos ensinam como medir a dis- com a de tempo (t).
tância entre dois pontos, para um número qualquer de dimensões espaciais. Entretanto, do mesmo modo como foi feito anteriormente postulando-se
Para isso é melhor substituir as coordenadas x, y, z por x n onde n é um índice que as Leis de Newton não deveriam mudar quando submetidas a uma trans-
que pode ser igual a qualquer número inteiro positivo. Assim x será substituí- formação de Galileu, agora postulou-se que as leis físicas não deveriam mudar
do por x1, y será escrito como x 2, z será x3, e assim por diante até atingirmos o quando são observadas em referencias inerciais ou seja, aqueles que estão ou

246  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  247


em repouso ou em movimento retilíneo com velocidade constante. Isso quer teoria da relatividade restrita.
dizer que as leis físicas têm que ser invariantes por uma transformação de Como vimos anteriormente, podemos usar vários sistemas de coordenadas
Lorentz. para descrever um espaço. Podemos usar as coordenadas cartesianas como
Consequentemente, um “elemento de linha” de uma geometria (ou melhor, feito acima, mas também podemos usar coordenadas cilíndricas e esféricas,
a distância entre dois pontos em uma dada geometria) tem que ser invariante por exemplo. Mostramos em um dos itens anteriores que as coordenadas es-
por uma transformação de Lorentz. féricas são representadas por (ρ, θ, φ). As relações entre as coordenadas carte-
Vimos acima o elemento de linha que descreve um espaço de três dimen- sianas (x, y, z) ou (x1, x 2, x3) e as coordenadas esféricas (ρ, θ, φ) são dadas por:
sões e como essa expressão pode ser generalizada para um número qualquer
de dimensões. Então, resta-nos perguntar qual seria a forma do elemento de x = x1 = ρ sen θ cos φ
linha que descreve a geometria do espaço-tempo de Lorentz, o espaço-tempo y = x 2 = ρ sen θ sen φ
da teoria da relatividade restrita. z = x3 = ρ cos θ
Nossa primeira ideia é acrescentar o termo temporal ao elemento de linha
que descreve a distância entre dois pontos no caso tridimensional visto acima. Se substituirmos isso na expressão da métrica de Minkowski, dada acima,
Ficaríamos com teremos a expressão dessa métrica em coordenadas esféricas:

ds2 = dt2 + dx12 + dx 22 + dx32 ds2 = c2dt2 - dr2 - r2 (dθ2 + sen2 θ dφ2)

Mas isso está errado! Lembre-se que dx1, dx 2 e dx3 são coordenadas de Como dissemos antes, essa é a expressão da distância entre dois pontos em
espaço, respectivamente dx, dy e dz, e, portanto, só podem somadas a outras um espaço-tempo quadri-dimensional em coordenadas esféricas. Ela é inva-
coordenadas com dimensões de espaço. Como dt tem dimensão temporal, nós riante por uma transformação de Lorentz e, portanto, satisfaz às exigências
o multiplicamos pela velocidade da luz para que o primeiro termo do elemen- da teoria da relatividade especial. Essa expressão é o elemento de linha de
to de linha acima também fique com as dimensões de espaço (lembre-se que Minkowski ou métrica de Minkowski em coordenadas esféricas.
espaço = velocidade x tempo). Um outro ponto a considerar é que se você compara a assinatura da métri-
Se chamarmos o termo cdt de dx0, para mantermos a mesma forma das ca Euclidiana em um espaço-tempo quadri-dimensional qualquer com a mé-
expressões usadas para as coordenadas do espaço, ficamos então com trica de Minkowski, nota imediatamente a diferença de sinal que existe entre
elas. A métrica Euclidiana tem assinatura (+ + + +) enquanto que a métrica de
ds2 = dx02 + dx12 + dx 22 + dx32 Minkowski, por satisfazer às transformações de Lorentz, tem assinatura (+ - -
-) ou (- + + +). A uma métrica que possui assinatura semelhante à métrica de
Essa seria a generalização quadri-dimensional da expressão que nos dá a Minkowski ou seja, com sinais diferentes em seus termos não importando se é
distância entre dois pontos muito próximos no espaço Euclidiano. (+ - - -) ou (- + + +), damos o nome de métrica pseudo-euclidiana.
Esse elemento de linha de um espaço-tempo com quatro dimensões está
correto sob o ponto de vista de dimensões físicas (todos os termos tem dimen- O FATOR “GAMA”
sões de comprimento). No entanto, ele não é adequado para descrever o espa-
ço-tempo quadri-dimensional, pois não é invariante por uma transformação Em quase todas as relações matemáticas obtidas por Einstein na sua teoria
de Lorentz! da relatividade restrita surge um termo bastante característico. Ele é:
Foi Minkowski quem mostrou que o “elemento de linha” invariante por
uma transformação de Lorentz para um espaço-tempo com 4 dimensões de-
veria ser escrito como

ds2 = dx02 - dx12 - dx 22 - dx32

ou, equivalentemente,
onde c é a velocidade da luz e v é a velocidade de um objeto.
ds2 = - dx02 + dx12 + dx 22 + dx32 Quando a velocidade de um objeto é muito menor do que a velocidade da
luz teremos que a divisão v/c dá um resultado pequeno demais para ser consi-
Com esse elemento de linha podemos falar de uma “geometria do espa- derado. Neste caso, o termo GAMA é aproximadamente igual a 1 e dizemos,
ço-tempo” do mesmo modo como falamos da geometria do espaço somente. então, que estamos em uma situação não relativística ou seja, Newtoniana.
Essa expressão é o elemento de linha ou métrica de um espaço-tempo plano
4-dimensional, também conhecido como espaço-tempo de Minkowski. O conceito de energia relativística
O conjunto de sinais (+ - - -) ou (- + + +) que antecedem os termos que Einstein mostrou que a expressão relativística correta para a energia total
formam as expressões acima é chamado de assinatura da métrica. Ambos os de uma partícula de massa de repouso m0 e momentum p é:
conjuntos de sinais são corretos. Os dois elementos de linha descritos acima,
com as duas assinaturas de métrica diferentes, são válidos para descrever o E2= p2c2 + m02c4
espaço-tempo de Minkowski e esse espaço-tempo plano é onde definimos a

248  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  249


38
‘Essa é uma das mais importantes e interessantes equações da física relati- ‘OS EFEITOS PECULIARES DAS VELOCIDADES
vística. Vamos ver isso com detalhes. RELATIVÍSTICAS

• suponha que estamos estudando uma partícula que se desloca com A contração do espaço
velocidade v diferente de zero. Nesse caso, a equação acima se aplica Considere dois observadores cada um deles em um laboratório de uma es-
sem qualquer problema pois o momentum p é dado pelo produto da paçonave distinta. Nesses laboratórios eles possuem barras de medição. Uma
massa do corpo pela sua velocidade ou seja, p = mv.
As
das espaçonaves está se movendo em relação à outra a uma velocidade bem
próxima à velocidade da luz. A teoria da relatividade especial nos diz que:
Transformações
• e se a partícula estiver em repouso ou seja, tiver velocidade nula? Nesse
caso v = 0 e consequentemente p= mv= 0. Nesse caso o primeiro termo
de Lorentz
da equação é nulo e ela se reduz à relação cada observador verá a barra de medição do outro
observador mais curta do que a sua por um fator gama.
E0= m0c2
A isso se dá o nome de “contração do espaço”.
onde E0 é a energia de repouso da partícula e m0 a massa que a partí-
A dilatação do tempo
cula possui quando está em repouso (v= 0). Note que essa equação nos
Considere dois observadores cada um deles em um laboratório de uma
diz que, mesmo em repouso, todo objeto possui uma energia residual
espaçonave distinta. Em cada laboratório existe relógios para a medição de
não nula.
tempo. Uma das espaçonaves está se movendo em relação à outra a uma velo-
• e se a partícula não tiver massa? No caso em que m= 0 a equação acima
cidade bem próxima à velocidade da luz. A teoria da relatividade especial nos
também se aplica. Só que agora o segundo termo da equação, m02c4,
diz que:
fica igual a zero. Temos então, como expressão final, que

cada observador (que se considera em repouso enquanto


E= pc
vê o outro se movendo) verá o relógio situado no
O leitor atento imediatamente pode reclamar: mas p= mv e se m= 0 laboratório da outra espaçonave (a que está se movendo)
então o primeiro termo da equação também é nulo! Não é bem assim. contando o tempo de modo mais lento do que o seu
No caso de partículas de massa zero o momento p não é mais dado pela
expressão mv, mas sim por hν onde h é a constante de Planck e ν é a
próprio relógio por um fator gama. A isso se dá o nome
frequência de propagação da partícula sob a forma de onda. de “dilatação do tempo”.

A expressão AS TRANSFORMAÇÕES DE LORENTZ

E2= p2c2 + m02c4 Um dos mais importantes trabalhos surgidos nessa época tratavam das
transformações existentes entre dois sistemas de coordenadas que estavam em
que relaciona a energia de repouso e a energia cinética de um corpo fre- movimento. Esse trabalho foi apresentado pelo físico Lorentz e sobre ele Eins-
quentemente é escrita na forma tein se baseou para estabelecer os princípios da relatividade restrita.

E= mc2 O ESPAÇO-TEMPO DE MINKOWSKI

relacionando a energia total e massa relativística m do corpo. Durante séculos os físicos falaram de uma geometria aplicada ao espaço
Podemos então resumir as possíveis expressões de energia da seguinte somente. Isso só veio a ser mudado com os trabalhos que levaram ao surgi-
maneira: mento da teoria da relatividade restrita em 1905.
As transformações de Lorentz nos dizem como podemos unir as medições
de espaço com medições de tempo. Foi ele que nos mostrou como podemos
MASSA VELOCIDADE EQUAÇÃO DE ENERGIA
estender as regras da geometria de Euclides, estabelecidas para medições
E2= p2c2 + m02c4 espaciais apenas, de modo a incluir também medições temporais. Em 1905
ou Minkowski mostrou que isso podia ser feito e que era possível falar de uma
v>0
E= mc2 “geometria do espaço-tempo” do mesmo modo como falamos da geometria
m>0 (E é a energia total, m0 é massa de repouso edomespaço
é massa relativística)
somente. As transformações de Lorentz relacionam, desse modo,
E0= m0c2 medições geométricas feitas por observadores inerciais diferentes.
v=0
(E0 é a energia de repouso)Mas a geometria de Minkowski não é realizável na prática porque a força
da gravidade proíbe a existência de observadores inerciais capazes de usar tal
m=0 v>0 E= pc

250  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  251


geometria. tipo de coordenadas usadas não importa, elas podem ser cartesianas, esféricas,
Einstein, por conseguinte, teve a ideia de procurar uma “nova” geometria cilíndricas, ou qualquer outra, mas o número mínimo de dimensões espaciais
que, automaticamente, permitiria a existência de observadores reais sujeitos à é sempre três. Quanto ao fato de considerarmos apenas uma dimensão tem-
força da gravidade. poral isso também se deve ao fato de que para descrevermos as equações da
Para muitos pode ser uma grande surpresa descobrir que não existe ape- dinâmica ou seja, da evolução temporal dos sistemas físicos, precisamos de
nas uma geometria. Outras geometrias, diferentes da geometria euclidiana e um único tempo. Não há qualquer processo físico que exija a definição de uma
coletivamente chamadas de “geometrias não euclidianas”, existem e são per- outra variável semelhante ao tempo para que possamos descrever a evolução
feitamente respeitáveis, sendo assuntos de estudo que apresentam estruturas de um sistema qualquer.
lógicas bastante auto-consistentes. Cabe aqui ressaltar que o problema do número verdadeiro de dimensões
Os matemáticos levaram quase dois mil anos para apreciar este fato. As no nosso Universo ainda é um assunto sob discussão. Existem teorias que nos
geometrias não-euclidianas só emergiram durante o século XVIII. Mesmo falam de cinco dimensões (teorias de Kaluza-Klein), assim como teorias que
assim estas geometrias eram consideradas apenas como elegantes exercícios nos falam de até mesmo 10 dimensões. No entanto, em todas essas teorias o
intelectuais abstratos, sem qualquer relevância para o mundo real. número de dimensões superiores a quatro estão “enroladas” de tal modo que
Foi para estas geometrias que Einstein se voltou a fim de expressar, de ma- não as percebemos. Essas dimensões extras pertencem apenas às estruturas
neira quantitativa, suas novas ideias sobre gravitação. Mas antes de descrever subatômicas existente, mas são muito importantes quando tratamos dos está-
como Einstein usou as geometrias não-euclidianas vamos ver como essas ge- gios iniciais do Universo (veremos esse assunto mais tarde).
ometrias fornecem teoremas alternativos àqueles apresentados pela geometria
de Euclides. A CONFUSÃO SOBRE A “QUARTA DIMENSÃO”

O CONCEITO DE ESPAÇO-TEMPO É claro que um conceito tão revolucionário como a introdução de quatro
dimensões para descrever os fenômenos físicos relativísticos logo despertou
Definimos espaço-tempo como uma estrutura que combina as três dimen- a curiosidade do mundo científico e dos místicos de plantão. Como sempre
sões do espaço com a dimensão única de tempo. Essa junção nos fornece uma acontece, algumas pessoas, embora sem entender possivelmente uma única li-
descrição única para o espaço e tempo que identificamos com o nome de con- nha dos trabalhos de Einstein e das propostas de Minkowski sobre um assunto
tinuum do espaço-tempo. É bastante claro que a estrutura do espaço-tempo tão técnico, imediatamente se adiantaram e passaram a “explicar” os chama-
é quadri-dimensional. dos “fenômenos sobrenaturais” usando o conceito de “quarta dimensão”. Era
O tratamento do espaço e tempo como sendo duas propriedades físicas que fácil justificar “fantasmas” ou qualquer outra coisa do gênero alegando que
podem ser unificadas foi uma criação do físico Hermann Minkowski logo de- estes pertenciam a uma quarta dimensão e que a teoria da relatividade nada
pois da teoria da relatividade restrita ter sido apresentada por Poincaré e Eins- mais era do que a comprovação matemática de que esses fenômenos realmente
tein em 1905. Minkowski apresentou esse novo e surpreendente conceito em existiam. O termo “quarta dimensão” foi introduzido pelo escritor inglês de
um trabalho publicado em 1908 no qual ele ampliava o trabalho de Einstein ficção científica H. G. Well em 1895 na sua novela “A Máquina do Tempo”.
sobre a teoria da relatividade restrita. Foi Minkowski o primeiro a mostra que Sem querer entrar no mérito da existência ou não de fantasmas, almas do
o conceito de espaço e tempo como uma entidade única ou seja, espaço-tempo, outro mundo, mula sem cabeça, ou qualquer outra coisa, é bom ficar bem
permitia um melhor entendimento dos fenômenos relativísticos. claro que a formulação da teoria da relatividade, restrita ou geral, em quatro
É importante notar que na teoria da relatividade restrita assim como na dimensões é apenas um belíssimo artifício matemático usado para melhor
teoria da relatividade geral a descrição do espaço e do tempo por meio de explicar fenômenos relativísticos. Talvez você não saiba, mas outras teorias fí-
uma única estrutura, o espaço-tempo, é absolutamente fundamental. Não é sicas descrevem seus fenômenos em espaços com mais de três dimensões. Por
possível separar espaço e tempo quando analisamos fenômenos físicos nessas exemplo, a teoria que trata do movimento de fluidos, chamada teoria cinética
teorias, como fazíamos na teoria Galileana e Newtoniana, e um descuido pode dos gases, trabalha nos chamados espaços de fase que possuem seis dimen-
nos levar a interpretações absolutamente erradas. sões. Como dito acima a teoria de Kaluza-Klein descreve o universo em cinco
Poderíamos perguntar de que modo unificar grandezas com propriedades dimensões. As novas teorias de superstrings precisam de mais de 10 dimen-
tão distintas. Sabemos que tempo é medido em segundos, horas, etc enquan- sões para descrever sua estrutura matemática. Nenhuma delas traz espíritos
to que espaço ou seja, comprimento, é medido em metros, quilômetros, etc. do outro mundo para o nosso. O que elas nos trazem é uma belíssima, mas
Como fazer essa união matematicamente? Isso é feito multiplicando-se o ter- muito difícil, matemática para a mesa de trabalho.
mo associado ao tempo pela velocidade da luz, o que dá uma medida de espaço Para aqueles que acreditam nos chamados “fenômenos paranormais”
uma vez que espaço= velocidade x tempo. certamente não será o estudo da teoria da relatividade que irá comprovar
Para a física, o espaço-tempo é a arena onde todos os eventos físicos acon- qualquer coisa nessa área. É melhor deixar a teoria relativística quieta no seu
tecem. No entanto, cabe ressaltar que existem vários tipos de espaços-tempo e canto, tratando apenas dos fenômenos ou com velocidades próximas à da luz
fenômenos diferentes que podem ocorrer em diferentes espaços-tempo. ou em espaços-tempo com curvatura.
Tanto a teoria da relatividade restrita como a teoria da relatividade geral
trabalham com um espaço-tempo que possui quatro dimensões, três espa- OS ELEMENTOS BÁSICOS DO ESPAÇO-TEMPO
ciais e uma temporal. Por que é assim e não, por exemplo, duas dimensões
espaciais e duas temporais? Ocorre que a nossa percepção exige que tenhamos Os elementos básicos do espaço-tempo são os eventos. Um evento é qual-
três dimensões espaciais para descrever a posição de um corpo no espaço. O quer fenômeno que ocorre no espaço-tempo. Uma estrela explodir em uma

252  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  253


galáxia distante é tratado como evento no espaço-tempo. Em qualquer dado resultado nos diz que a região do espaço-tempo, onde o elemento de linha é
espaço-tempo um evento ocorre em uma posição única e em um instante de tipo-espaço a velocidade da luz, c, é menor do que aquela desenvolvida por
tempo único. qualquer corpo material. Isso viola um dos princípios da teoria da relatividade
Um evento “marca” um ponto no espaço-tempo. Se o processo físico des- espacial.
crito por esse evento evolui ao longo do tempo ele será representado sob a Finalmente vamos considerar o caso em que c2dt2 = (dx 2 + dy2 + dz2). Isso
forma de uma linha no espaço-tempo onde cada um de seus pontos representa significa que ds2 vai ter um valor igual a zero ou seja ds2 = 0. Nesse caso c2dt2 =
a evolução temporal do evento ou seja, a sequência de posições e instantes dx 2 e então c= dx/dt. Como consequência c = v e isso nos diz que essa situação
de tempo que mostram como uma dada situação física evoluiu. A essa linha representa todos os corpos que se movem com a velocidade da luz. A esse tipo
damos o nome de linha do universo do processo físico. Por exemplo, você de intervalo damos o nome de tipo-luz ou nulo.
está parado no ponto do ônibus (um evento), segundos depois você faz sinal Vemos, portanto, que o espaço-tempo possui três regiões com característi-
para um ônibus (outro evento), você entra no ônibus (outro evento), etc. Todos cas bem distintas. Seria possível mostrar isso em um diagrama?
esses eventos formam uma única linha do universo que descreve a evolução O espaço-tempo possui quatro dimensões. Sabemos que é impossível tra-
temporal dessa parte do seu dia. çar uma figura com quatro dimensões. O que fazer? Se queremos representar
Embora o espaço-tempo seja independente do observador para descrever o elemento de linha de Minkowski graficamente precisamos reduzir o pr oble-
um determinado fenômeno físico que ocorre em um dado instante de tempo e ma de modo a obter uma figura em três dimensões. Para isso consideraremos
em uma dada região do espaço, cada observador precisa escolher um sistema apenas duas dimensões espaciais e a dimensão temporal, uma vez que quere-
de coordenadas conveniente. Isso é bastante lógico pois cada evento é descrito mos ver a evolução dos fenômenos físicos. A métrica de Minkowski é então
por quatro coordenadas, três espaciais e uma temporal. escrita como
Para estudar as propriedades do espaço-tempo precisamos definir outras
de suas propriedades. Para simplificar, vamos considerar em primeiro lugar ds2 = c2dt2 - dx 2 - dy2
uma geometria Euclidiana ou seja, um espaço-tempo plano.
Já vimos que um espaço-tempo plano é descrito pelo elemento de linha de Para continuarmos é preciso lembrar um pouco de geometria. Essa parte
Minkowski. Vamos analisá-lo pois a partir dele podemos obter informações da matemática nos diz que a forma geral da equação de uma hipérbole é
muito importante que podem ser generalizadas para qualquer espaço-tempo.
A métrica, ou elemento de linha, do espaço-tempo de Minkowski é escrita Ax 2 + By2 = C
como
onde A e B diferem em sinal.
ds2 = dx02 - dx12 - dx 22 - dx32 Duas hipérboles são conjugadas quando os eixos transverso e conjugado
de uma são, respectivamente, os eixos conjugado e transverso da outra. Para
Nesse elemento de linha sabemos que dx0 representa o produto cdt assim obtê-las basta trocar os sinais dos coeficientes de x 2 e y2 na equação geral da
como dx1= dx, dx 2 = dy e dx3 = dz. Daí podemos escrever o elemento de linha hipérbole mostrada acima.
de Minkowski como

ds2 = c2dt2 - dx 2 - dy2 - dz2 Sempre que, em uma das formas típicas da equação de uma hipérbole,
substituirmos o termo constante por zero a nova equação nos mostrará que a
Vamos considerar inicialmente o caso em que c2dt2 > (dx 2 + dy2 + dz2). Isso figura vai se reduzir a um par de retas. Essas retas são chamadas de assíntotas
significa que ds2 vai ter um valor positivo ou seja ds2 > 0. Como a parte que da hipérbole. Assim, as assíntotas da hipérbole
envolve tempo, que chamaremos aqui de “parte temporal”, é maior do que a
“parte espacial” dizemos que o elemento de linha é do tipo-tempo. b2x 2 - a2y2 = c2
Vimos anteriormente que, num espaço tridimensional (dx 2 + dy2 + dz2)
corresponde ao comprimento de um vetor x qualquer. Podemos então escrever são as retas b2x 2 - a2y2 = 0, ou seja
que c2dt2 > dx 2, onde dx 2 representa dx 2 + dy2 + dz2. Consequentemente c > dx/
dt. Como dx/dt nos diz de que modo a coordenada espacial varia no tempo, bx + ay = 0
isso representa velocidade (lembre que espaço = velocidade x tempo e então bx - ay = 0
espaço/tempo = velocidade). Daí, para um intervalo tipo-tempo, c > v. Esse
importante resultado nos diz que a região do espaço-tempo onde o elemento duas retas que passam pela origem e formam os ângulos - b/a e b/a com o
de linha é tipo-tempo a velocidade da luz, c, é maior do que aquela desenvol- eixo dos x.
vida por qualquer outro objeto físico. Uma das propriedades das hipérboles é que seus ramos se aproximam in-
Considere agora o caso em que c2dt2 < (dx 2 + dy2 + dz2). Isso significa que definidamente de suas assíntotas ao mesmo tempo em que o ponto que des-
ds2 vai ter um valor negativo ou seja ds2 < 0. Como a parte que envolve coorde- creve a curva se afasta para o infinito. Além disso, duas hipérboles conjugadas
nadas espaciais, a “parte espacial”, é maior do que a “parte temporal” dizemos têm as mesmas assíntotas como vemos na figura acima.
que o elemento de linha é do tipo-espaço. Uma outra propriedade é que quando os eixos de uma hipérbole são iguais
Considerando o que foi dito no caso anterior, temos que c2dt2 < dx 2. Con- ou seja, a= b, diz-se que a hipérbole é equilátera. Nesse caso suas assíntotas
sequentemente c < dx/dt. Então, para um intervalo tipo-espaço, c < v. Esse

254  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  255


são retas perpendiculares. evento teremos um único cone de luz que nos dá sua evolução temporal. Den-
tro do cone de luz está a linha do universo do evento ou seja, toda a descrição
de sua dinâmica.
Certamente você já notou que o gráfico da hipérbole discutido acima Cada evento define um cone de luz no espaço-tempo. A parte superior des-
está situado no plano ou seja, é bidimensional. Se pensarmos na métrica de se cone de luz, que representa o crescimento da coordenada temporal t, está
Minkowski dada em apenas duas dimensões ou seja representando o futuro desse evento. A parte de baixo do cone de luz, que
nos mostra os valores da coordenada t que antecederam à posição e instante
ds2 = c2dt2 - dx 2 atual do evento considerado, representam o passado. A linha de universo des-
se evento, ou seja a evolução dinâmica que ele tem, ficará sempre contida no
imediatamente identificamos essa equação com a de uma hipérbole. Fa- interior desse cone indo do passado para o futuro.
zendo c= 1 isso fica ainda mais claro Vemos também que o cone de luz divide em duas regiões a vizinhança
infinitesimal do espaço tempo em torno de um ponto O de coordenadas x = 0,
ds2 = dt2 - dx 2 y = 0, z = 0, t = 0. A parte interior do cone contém linhas que passam por O e
são chamadas de linhas tipo-tempo. A região exterior do cone contém linhas
Essa é a equação de uma hipérbole plana equilátera (uma vez que a= b). tipo-espaço. As linhas que passam pelo ponto O e estão localizadas sobre o hi-
Suas assíntotas são duas retas perpendiculares dadas por percone têm ds2 = 0 e correspondem a pontos que se movem com a velocidade
da luz tais como os fótons. Essas são as chamadas linhas nulas.
dt - dx = 0 Um ponto importante na análise dos cones de luz diz respeito à questão
dt + dx = 0 da causalidade. Sabemos que todo efeito tem uma causa e isso possui uma
estrutura temporal que exige que a causa anteceda ao efeito. O princípio da
Como representamos isso no plano? A figura abaixo mostra: causalidade exige que a causa (por exemplo, jogar na loteria) seja realizada
Esse é o diagrama do espaço-tempo da métrica de Minkowski que es- antes do efeito (ganhar na loteria). Dizemos então que os eventos causalmente
tudaremos a seguir. Note que os eixos coordenados agora representam uma relacionados estão dentro do cone de luz na região do futuro. Isso nos diz
coordenada espacial e uma temporal. que um evento para ocorrer na natureza precisa ser tipo-tempo. Dito de outra
O leitor atento está desconfiado com essa dedução: o espaço-tempo é qua- forma, pontos cuja separação é tipo-tempo estão em comunicação. Os eventos
drimensional; alegando não poder fazer uma figura em quatro dimensões as A e B que estão sobre a linha de universo azul da figura estão causalmente
reduzimos a duas coordenadas espaciais e uma temporal e agora mostramos relacionados: veja que o evento A ocorre antes do evento B.
o diagrama usando apenas duas dimensões, uma espacial e uma temporal! Isso não acontece para pontos que são tipo-espaço. Nesse caso o princí-
A justificativa é muito simples. Obtivemos o diagrama em apenas duas di- pio da causalidade é rompido: na região tipo-espaço você pode encontrar dois
mensões por que ele fica muito mais simples de ser visualizado. No entanto, fenômenos (causa e efeito) ocorrendo no mesmo instante de tempo t, como
podemos girar esta hipérbole em torno do eixo temporal e vamos obter dois mostra a figura acima.
cones com um vértice comum. A esse conjunto de cones damos o nome de Nela os pontos A e B, situados sobre o eixo X, ocorrem no mesmo instante
cone de luz. Claro que você está perguntando se tudo isso pode ser demons- de tempo pois sua coordenada t é a mesma. Isso quer dizer que as informações
trado em três dimensões. É claro que sim. Existe uma parte da geometria que emitidas por A, por exemplo, atingem B instantaneamente (velocidade infini-
estuda as chamadas superfícies quádricas que possuem três dimensões. Entre ta) violando o princípio relativístico de que a maior velocidade em que uma
elas temos as chamadas quádricas centradas cuja equação geral é do tipo: informação pode ser transportada é a velocidade da luz. Dizemos então que se
dois pontos x e y são separados por um intervalo tipo-espaço nada que acon-
±x 2/a2 ± y2/b2 ± z2/c2 = 1 tece em x pode ter qualquer influência causal direta sobre o que acontece em y.
Um outro ponto muito importante é aquele que diz respeito à classificação
onde a, b e c são constantes. Quando dois sinais dessa equação são positi- de geodésicas ou melhor, as linhas mais curtas entre dois pontos. Linhas do
vos e um deles é negativo a figura é chamada de hiperbolóide de uma folha. universo de partículas ou objetos que se deslocam em velocidade constante
Quando apenas um dos sinais é positivo a figura é um hiperbolóide de são geodésicas. Dizemos que uma geodésica é tipo-tempo, nula, ou tipo-espa-
duas folhas. ço se o vetor tangente a ela em algum ponto é classificado dessa maneira. Isso
Tudo isso poderia ser demonstrado por meio de hiperboloides mas não se- é muito importante pois as trajetórias das partículas materiais, assim como
ria tão simples. Fazer a dedução acima em duas dimensões e pensar na rotação do fóton, no espaço-tempo sempre são representadas por geodésicas. As partí-
da figura em torno de um eixo vertical é muito mais acessível. culas materiais são representadas por geodésicas tipo-tempo enquanto que os
Generalizando para 4 dimensões dizemos que ds2 = 0 gera um cone no fótons são representados por geodésicas nulas (ou tipo-luz).
hiperespaço ou seja, um hipercone. Se a dimensão z é suprimida, por exemplo, Na teoria relativística da gravitação sempre procuramos estudar o conti-
(e passamos o estudo para três dimensões) este hipercone será apenas um cone nuum do espaço-tempo que possui alguma forma de simetria. A razão para
de revolução em torno do eixo t. A esse cone damos o nome de cone de luz. isso é o fato de que a matemática envolvida nesse estudo é muito complexa e
Em geral representamos o cone de luz na forma mostrada abaixo. O plano difícil de tratar, exceto quando essas simetrias aparecem. É por essa razão que
verde representa todos os eventos que estão ocorrendo no espaço-tempo em comumente estudamos espaços-tempo ou com simetria axial (um cilindro
um determinado instante de tempo. Este é o instante presente, a reunião de por exemplo) ou com simetria esférica (uma esfera), bem mais fáceis de lidar
todos os eventos que estão ocorrendo simultaneamente. Note que para cada

256  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  257


39
do que espaços-tempo sem simetria. ordem do diâmetro de partículas subatômicas.
Outros tipos de espaços-tempo comumente considerados, pela simpli- Immanuel Kant imaginou que o espaço tinha três dimensões porque a
ficação que introduzem nos problemas, são os espaço-tempo estáticos e lei da gravitação universal entre dois objetos é proporcional ao inverso do
estacionários. quadrado da distância que os separa. O argumento de Kant é historicamente
Como veremos mais tarde, no espaço-tempo estático as componentes do importante mas põe o carro na frente dos bois. A lei da gravitação resulta
tensor métrico gμν podem ser escolhidas de modo a nenhuma delas depender da dimensionalidade do espaço. De modo mais geral, em um espaço com N
do tempo e ter iguais a zero as componentes que envolvem as coordenada tem- dimensões, a intensidade da atração gravitacional entre dois corpos separados
A Geometria do
po e espaço misturadas (goi = 0, onde “o” equivale a t e “i” equivale a x, y ou z por uma distância d é proporcional a dN-1. Espaço-Tempo
por exemplo, em coordenadas cartesianas). Em um espaço-tempo estacionário Paul Ehrenfest mostrou em 1917 (Annalen der Physik, 61, 440) que se o nú-
esses termos não são, em geral, iguais a zero. Todo espaço-tempo estático é mero de dimensões espaciais é superior a três, as órbitas de um planeta qual-
estacionário mas o inverso não é verdade. quer em torno de sua estrela não pode permanecer estável. O mesmo ocorre
para a órbita da estrela em torno do centro da galáxia à qual a estrela pertence.
POR QUE O ESPAÇO-TEMPO POSSUI ESSAS Do mesmo modo elétrons não podem ter órbitas estáveis em torno de um
CARACTERÍSTICAS? núcleo: eles ou caem na direção do núcleo ou se dispersam. Ehrenfest tam-
bém notou que se o espaço tem um número par de dimensões, então as partes
Uma questão que sempre surge é porque o espaço-tempo teria as caracterís- diferentes de um impulso de onda se deslocarão a velocidades diferentes. Se
ticas que descrevemos: três dimensões espaciais bidirecionais e uma dimensão o número de dimensões é ímpar e maior do que três, os impulsos de onda se
temporal unidirecional. Por que não poderia ser “um pouco diferente disso”? tornarão destorcidos. Somente com três dimensões ambos os problemas são
Falamos muito ligeiramente sobre isso anteriormente, mas vamos discutir evitados.
esses pontos com um pouco mais de detalhes agora. Tegmak em 1977 (Classical and Quantum Gravity, 14, L69-L75) fez o se-
A resposta mais simples a essas questões seria declarar que isso aconteceu guinte argumento antrópico. Se o número de dimensões temporais diferisse
por acaso ou que isso é uma pergunta que não tem significado nem físico nem de 1, o comportamento dos sistemas físicos não poderia ser previsto com con-
matemático. Ocorre que alguns cientistas se preocuparam em analisar com fiança a partir do conhecimento das equações diferenciais parciais relevantes.
detalhes essas questões e chegaram à conclusão de que, ao contrário do que Em tal universo vida inteligente capaz de manipular tecnologia não poderia
afirmamos acima, nenhumas das duas sugestões de respostas está correta. surgir. Se o espaço tivesse mais do que três dimensões, os átomos tais como
Eles mostraram que todos os outros possíveis números de dimensões tanto nós os conhecemos (e, provavelmente, também estruturas mais complexas)
temporais como espaciais conduzem a uma ou mais das seguintes situações não poderiam existir. Se o espaço tivesse menos do que três dimensões a gra-
problemáticas: vitação de qualquer tipo se tornaria problemática e o universo seria simples
demais para conter observadores.
• o passado não determina o futuro. Isso quer dizer que as leis da física Um outro ponto importante é o fato de que existem afirmações geométri-
são impossíveis e os fenômenos naturais imprevisíveis. Isso ocorre em cas cuja verdade ou falsidade é conhecida para qualquer número de dimensões
todos os casos onde tanto o número de dimensões espaciais como de espaciais exceto três. Curiosamente o espaço tridimensional parece ser o mais
temporais é superior a dois. rico matematicamente.
Os leitores interessados em ler mais sobre esse assunto devem procurar os
• a gravitação não produz órbitas estáveis e o eletromagnetismo não
dois livros abaixo:
produz átomos e moléculas estáveis. Os prótons e os elétrons têm
meias-vidas curtas.
• John D. Barrow e Frank J. Tipler The Anthropic Cosmological Principle
• dos nove casos possíveis com não mais do que duas dimensões espa- (1986)
ciais e duas temporais, os três casos que são estáveis e previsíveis não
• John D. Barrow The Constants of Nature (2002)
permitem a existência de matéria com qualquer complexidade tais
como seres vivos com sistema nervoso.
A GEOMETRIA DO ESPAÇO-TEMPO
• com duas exceções, todos os casos com mais de uma dimensão tem-
poral são instáveis ou imprevisíveis. Uma exceção não permite com-
Veremos em um dos próximos itens que a teoria da relatividade geral nos
plexidade. A outra exceção, o caso de três dimensões temporais e uma
conduz a uma equação onde o lado esquerdo descreve a geometria do espaço-
dimensão espacial, exige que toda a matéria tenha uma velocidade que
tempo e o lado direito o seu conteúdo de matéria.
excede a velocidade da luz no vácuo.
Parece que complexidade, vida e processamento de informação somente
geometria do espaço-tempo = conteúdo de matéria-energia do
são possíveis em um universo sujeito ao espaço-tempo que definimos ou seja,
espaço
com três dimensões espaciais e uma dimensão temporal. Esse fato é um exem-
plo de raciocínio antrópico. Teorias que propõem que o universo tem mais
de três dimensões espaciais, tais como a teoria de Kaluza-Klein ou a teoria É fácil entendermos porque a equação acima precisa de um termo para
de cordas, não aniquilam o estado privilegiado do espaço-tempo, porque as descrever o conteúdo de matéria do espaço-tempo. Afinal, vimos no módulo
dimensões espaciais acima de três somente importam para comprimentos da anterior que o Universo possui uma inacreditável fauna de objetos, galáxias,
aglomerados de galáxias, superaglomerados de galáxias, tudo isso distribuído

258  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  259


segundo uma hierarquia que precisa ser explicada. Qualquer teoria que tenha vários matemáticos de sua época, embora sem adaptar seu extenso trabalho
a intenção de descrever o universo tem que levar em conta o que existe dentro para a forma de artigo científico.
dele. Gauss também demonstrou grande interesse na chamada geometria dife-
No entanto, poderíamos imediatamente questionar porque o lado esquer- rencial. Ele publicou vários artigos sobre esse assunto e em 1828 apresentou
do da equação exige uma geometria. Por que geometria? Existe mais de uma um dos seus mais importantes artigos onde estava contido o famoso “teorema
geometria? A geometria do espaço-tempo é a mesma que usamos na nossa egregium”, além de importantes ideias geométricas tais como a “curvatura
vida diária? Se não é, por que razão ela é diferente? Gaussiana”.
Para explicar a necessidade de descrever o espaço-tempo por meio de uma
geometria devemos primeiro entender o que ela significa. Vamos, então, apre- János Bolyai
sentar a matemática que descreve o espaço-tempo. János Bolyai foi uma criança prodígio. Filho do matemático Farkas Bolyai,
ele teve toda a sua infância voltada para o aprendizado da matemática. Tendo
A GEOMETRIA DOS ESPAÇOS CURVOS OU seu pai como professor, aos treze anos János Bolyai já dominava todo o cálculo
GEOMETRIA NÃO-EUCLIDIANA e várias formas de mecânica analítica.
Em 1832, após cinco anos de estudos, Bolyai publicou os resultados de sua
Vimos que a geometria Euclidiana funcionava muito bem em superfícies pesquisa sobre geometrias não-Euclidianas como um apêndice a um trabalho
planas, o que era de se esperar. Afinal, a geometria Euclidiana é uma geome- volumoso de seu pai, o matemático Farkas Bolyai.
tria plana. Bolyai teve uma vida dura. Ele morreu em 1860 e a cerimônia de seu en-
Então, como podemos definir situações geométricas sobre uma superfí- terro parecia um ritual de esquecimento. Apenas três pessoas estiveram pre-
cie curva? Certamente a geometria Euclidiana não é satisfatória como será sente para ver seus restos mortais serem colocados em um túmulo coletivo
mostrado. sem lápide. O registro de sua morte na igreja dizia apenas: “Sua vida passou
Vimos que na geometria Euclidiana a soma dos ângulos internos de um inutilmente”.
triângulo dá sempre o valor de 180o. Quando traçamos o mesmo ângulo sobre Curiosamente, Bolyai nunca publicou seus trabalhos, exceto algumas pou-
uma superfície curva isso já não é mais verdade. Era preciso então estabelecer cas páginas no apêndice do livro de seu pai. No entanto, ele deixou mais de
uma nova geometria que pudesse resolver essas questões. 2000 páginas de manuscritos de trabalhos sobre matemática desenvolvidos
Surge então a seguinte pergunta: a Terra é uma (quase) esfera, a geometria por ele até a sua morte.
de Euclides funciona na Terra, então porque a geometria de Euclides não pode A imagem de Bolyai mostrada ao lado foi tirada de um selo postal usado na
explicar uma geometria curva? Ocorre que, localmente, podemos considerar Hungria. Alguns historiadores não acreditam que ela seja autêntica. Possivel-
que estamos trabalhando em um plano. Entretanto, quando precisamos con- mente não existem imagens do grande matemático János Bolyai.
siderar grandes distâncias sobre a superfície da Terra a geometria de Euclides
também não funciona. Isso é visto em navegação de longo curso, onde a cur- Nicolai Ivanovich Lobachevski
vatura da Terra não pode ser desprezada. Lobachevski era um dos três filhos de uma família russa muito pobre. Em
Para desenvolver uma geometria de espaço curvos foi necessária a colabo- 1800, quando Lobachevski tinha apenas sete anos de idade, seu pai faleceu e
ração de pesquisadores que marcaram a história da matemática. Entre esses sua mãe mudou-se para a cidade de Kazan, próxima à fronteira com a Sibéria.
nomes estavam Gauss, Bolyai, Lobachevski e Riemann. Só que o preço pago Lá Lobachevski começou seus estudos, sempre financiado por bolsas escolares
por alguns desses matemáticos foi absurdamente alto. A hostilidade desper- devido à pobreza de sua família.
tada a essas ideias fez com que esses matemáticos, com exceção de Gauss e Em 1804 o Czar Alexander I da Rússia reformou a Universidade de Kazan e
Riemann, fossem duramente rejeitados por seus colegas e pelo público. convidou vários professores estrangeiros, principalmente da Alemanha, para
ensinarem na Universidade. Um desse professores era Martin Bartels (1769 -
Johann Carl Friedrich Gauss 1833) que ocupou o cargo de professor de matemática da Universidade. Bartels
Este foi o maior matemático de sua época. Já aos sete anos de idade, ainda era muito amigo de Gauss e os dois se correspondiam sobre assuntos cientí-
na escola elementar, Gauss mostrou seu potencial matemático ao demonstrar, ficos com bastante frequência. Foi Bartels que fez com que Lobachevski, ini-
quase imediatamente, a seus professores a soma dos números inteiros de 1 a cialmente interessado em estudar medicina, se apaixonasse pela matemática.
100 notando que isso representava a soma de 50 pares de número e que a soma O principal trabalho de Lobachevski foi “Geometriya” terminado em 1823
dos números de cada par dava sempre o resultado 101. mas somente no dia 23 de fevereiro de 1826 é que ele fez sua famosa apresenta-
Desde o início dos anos de 1800 Gauss começou a se interessar pela ques- ção “Sobre os Fundamentos da Geometria” em uma sessão do Conselho Cien-
tão da possível existência de geometrias não-Euclidianas. Sabemos a partir tífico do Departamento de Física e Matemática da Universidade de Kazan.
dos seus livros de anotações que Gauss desenvolveu partes de uma nova ge- Esse trabalho foi publicado em 1829.
ometria, não euclidiana, já nos anos de 1820. No entanto, Gauss sabia que a O interesse de Lobachevski na geometria não-Euclidiana fez com que ele
existência de uma geometria não Euclidiana faria uma perturbação imensa fosse visto na Rússia como uma “pessoa excêntrica”, para usarmos um termo
na matemática. Mais ainda, ele notou que a reação de seus colegas a essa des- delicado. Ele foi atacado em um artigo humilhante e ignorante publicado no
coberta, e a qualquer um que a apoiasse publicamente, seria extremamente periódico “O Filho da Pátria” ao mesmo tempo em que membros distintos
dura. Desse modo Gauss preferiu manter seus status social e não divulgou da comunidade de matemáticos russos faziam zombarias e publicavam rudes
os resultados de sua pesquisa. Deve ficar claro, entretanto, que Gauss não se comentários sobre ele. Todos os estudantes de Lobatchevski o abandonaram e
acovardou cientificamente. Ele manteve correspondência sobre o assunto com no seu funeral, quando era comum serem realizados discursos enaltecendo a

260  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  261


obra do defunto, nada foi dito sobre o assunto que foi a principal investigação vivendo sobre a superfície de uma esfera). Eles também descobrem que a soma
de sua vida: a geometria não-Euclidiana. dos três ângulos internos de qualquer triângulo que eles desenham sobre a
Terra não dá mais como resultado o valor correspondente a dois ângulos retos
POR QUE PRECISAMOS DE GEOMETRIAS NÃO- como ocorre na geometria de Euclides. Em vez disso a soma desses três ân-
EUCLIDIANAS? gulos internos sempre excede dois ângulos retos. A figura abaixo mostra uma
situação onde a soma é igual a três ângulos retos.
Que tipo de argumento científico poderia ter chamado a atenção de ma- Ao contrário da geometria Euclidiana, as geometrias que estamos agora
temáticos tão ilustres como Nikolai Lobachevski, János Bolyai, Carl Gauss e apresentando são definidas sobre a superfície de uma esfera ou de um hiper-
Bernhard Riemann para que dedicassem parte de sua vida a estabelecer uma bolóide (algo parecido com a sela de um cavalo)
geometria que ia contra o senso comum, a vida diária? As imagens abaixo mostram essas duas geometrias. Dizemos que uma su-
Basicamente o que esses pesquisadores investigavam era o que ocorreria se perfície esférica tem uma curvatura positiva enquanto que a superfície de um
eles desprezassem o quinto postulado de Euclides e considerassem exatamente hiperbolóide tem curvatura negativa.
o oposto ou seja, que através de um ponto C não situado sobre uma dada linha Vemos que em uma superfície com curvatura positiva a soma dos ângulos
reta AB, pudéssemos traçar não uma mas duas, e consequentemente um nú- internos de um triângulo traçado nessa superfície é maior que 180 graus. No
mero infinito, de linhas paralelas a AB. caso de uma superfície com curvatura negativa a soma desses ângulos inter-
A tarefa agora passava a ser construir uma geometria baseada nesse novo nos será menor que 180 graus.
axioma. A ideia subjacente a isso era que se o quinto postulado era realmente Como a Teoria da Gravitação de Einstein prevê, a existência de cur-
um teorema então, mais cedo ou mais tarde, a nova geometria conteria con- vatura no espaço-tempo necessariamente terá que utilizar as geometrias
tradições lógicas, o que significaria que a suposição inicial estava errada e o não-euclidianas.
quinto postulado estaria então provado. Existe um número muito grande de espaços possíveis e cada um deles tem
Só que, após construir essa nova geometria os matemáticos não encon- sua própria geometria. Todos eles são igualmente válidos e auto-consistentes.
traram contradições. Mais ainda, eles descobriram que tinham uma nova e O espaço Euclidiano, por exemplo, é uniforme. Ele é homogêneo e isotrópico.
elegante geometria com várias características interessantes e únicas. Por homogêneo queremos dizer que suas propriedades são as mesmas em
Por exemplo, nessa nova geometria a soma dos ângulos internos de um qualquer local definido sobre ele.
triângulo era menor do que 180o e de fato dependia das dimensões lineares Ser isotrópico significa que suas propriedades não dependem da direção
do triângulo. em que são consideradas.
Essa nova geometria era bastante particular. Em uma região bastante pe- Além disso o espaço Euclidiano tem uma geometria de congruência. Isso
quena do espaço essa nova geometria era praticamente Euclidiana mas em quer dizer que nele todas as formas espaciais são invariantes sob translação e/
grandes regiões as duas eram essencialmente diferentes. ou rotação. Deste modo, se o raio da circunferência e diâmetro de um círculo
É importante notar que tanto Lobachevski como Gauss não se limitaram é π, este raio é o mesmo em todos os pontos para todos os círculos.
aos aspectos matemáticos dessa importante descoberta. Eles imediatamente De todos os possíveis espaços não Euclidianos existem somente dois que
começaram a pensar como essa nova geometria poderia estar relacionada com também são uniformes (ou seja, homogêneos e isotrópicos) do mesmo modo
o mundo físico. Eles queriam saber qual das duas geometrias, a Euclidiana ou que o espaço Euclidiano. Ambos foram descobertos no século XIX.
a não-Euclidiana recém descoberta, descrevia realmente o espaço. Tentando O primeiro tem uma geometria hiperbólica e foi descoberto a partir dos
responder a essa questão Gauss tentou medir a soma dos ângulos de um triân- trabalhos do matemático alemão Johann Carl Friedrich Gauss, do matemático
gulo formado por três montanhas. Lobachevski tentou fazer a mesma medida russo Nicolai Ivanovich Lobachevski e do matemático húngaro János Bolyai.
só que usando um triângulo bem maior formado por duas posições da Terra O segundo tem a geometria esférica e foi descoberto pelo matemático ale-
em sua órbita e uma estrela distante de paralaxe conhecida. Infelizmente ne- mão Georg Friedrich Bernhard Riemann.
nhum dos dois foi bem sucedido pois, naquela época eles não dispunham de
equipamentos capazes de fornecer a precisão necessária para essas medidas. O trabalho de Riemann
Vamos explicar melhor o que é uma geometria não-Euclidiana. O passo seguinte no desenvolvimento da geometria não-Euclidiana foi fei-
Suponha que a Terra é perfeitamente esférica e que ela é habitada por “seres to pelo matemático alemão Georg Friedrich Bernhard Riemann. Para obter
planos”, criaturas absolutamente sem graça que têm apenas duas dimensões uma posição de professor assistente na Universidade de Göttingen Riemann
e que não percebem o sentido de “altura”. Lembre-se que estas criaturas se tinha que fazer uma palestra que serviria como teste. Seguindo o procedimen-
deslocam se arrastando sobre a superfície terrestre. to existente ele apresentou ao departamento três tópicos para que fosse esco-
O método usado por estas criaturas para identificar “linhas retas” como lhido o seu assunto de palestra. Dois desses tópicos versavam sobre problemas
sendo as linhas de mais curta distância entre dois pontos consiste em esten- correntes entre os matemáticos da época enquanto que o terceiro estava vol-
der linhas através da superfície conectando dois pontos quaisquer. Para essas tado para os fundamentos da geometria. Embora esse último assunto fosse o
criaturas essa linha parece ser uma reta à medida que elas se movem ao longo menos preparado por Riemann, Gauss o escolheu querendo saber como um
delas, uma vez que as direções de chegada ou de partida dessas criaturas em jovem matemático trataria tema tão difícil.
qualquer ponto sobre a linha tem ângulo zero entre elas. Riemann deu sua palestra sobre esse tema, que mais tarde foi publicada
Com esta definição os “seres planos” encontram que todas as linhas retas com o título de “Sobre as Hipóteses subjacentes aos fundamentos da Geome-
se interceptam e que movendo-se ao longo de qualquer linha reta eles final- tria”, com sucesso absoluto. Após o término da palestra, Gauss permaneceu
mente retornam ao seu ponto de partida (lembre-se que os “seres planos” estão em silêncio e então levou Riemann aos céus, algo bastante raro de ser feito

262  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  263


por ele.
Gauss ficou impressionado pela abordagem feita por Riemann para a COMPARANDOS OS TRÊS ESPAÇOS UNIFORMES
geometria não-Euclidiana, pelo fato de que ela era bem diferente daquelas através de um ponto dado podemos traçar somente uma paralela a uma linha reta.
apresentadas por seus antecessores. Aparentemente Riemann não sabia nada espaço
a soma dos ângulos interiores de um triângulo é igual a dois ângulos retos.
sobre os trabalhos de Lobachevski e Bolyai e tinha somente uma vaga ideia do euclidiano
interesse de Gauss pelo assunto. O sucesso de Riemann se deve ao fato dele a circunferência de um círculo é igual a π vezes o seu diâmetro.
ter incorporado em seu estudo duas ideias extremamente férteis: o aparato através de um ponto dado não podemos traçar nenhuma paralela a um ponto dado.
matemático de Gauss para descrever a geometria de superfícies curvas bidi-
mensionais e seu próprio novo conceito de variedade multidimensional, ou espaço esférico a soma dos ângulos interiores de um triângulo é maior do que dois ângulos retos.
seja, objetos geométricos com múltiplas dimensões. a circunferência de um círculo é menor do que π vezes o seu diâmetro.
Uma superfície é uma variedade bidimensional, um espaço é uma varieda-
através de um ponto dado podemos traçar mais de uma paralela a uma linha reta.
de tridimensional, etc. Como essa é a única diferença entre elas, todas as ideias
espaço
e métodos usados para descrever superfícies bidimensionais podem ser agora a soma dos ângulos interiores de um triângulo é menor do que dois ângulos retos.
hiperbólico
diretamente aplicados a espaços curvos tridimensionais. Entre as noções usa- a circunferência de um círculo é maior do que π vezes o seu diâmetro.
das a mais importante é aquela de métrica, ou seja, a forma quadrática para as
diferenças entre coordenadas que descreve o comprimento do intervalo entre
dois pontos vizinhos em uma variedade curva.
GEODÉSICAS
Esta bem sucedida integração de ideias permitiu que Riemann avançasse
A teoria relativística da gravitação trata, em geral, com espaço-tempo cur-
ao construir tanto casos particulares de espaços não-Euclidianos como uma
vos. Em espaço-tempo desse tipo os movimentos das partículas assim como
teoria de espaços arbitrariamente curvos.
o da luz são curvos. Entretanto, essas curvas têm uma característica comum
Em primeiro lugar Riemann descobriu uma geometria esférica que era
com as linhas retas.
oposta à geometria hiperbólica de Lobachevski. Deste modo ele foi o primeiro
Do mesmo modo que as linhas retas são as trajetórias mais curtas conec-
a indicar a possibilidade de existir um espaço geométrico finito. A ideia logo
tando dois pontos de um espaço plano, os movimentos nos espaços-tempo
se firmou e trouxe a questão de que se o nosso espaço físico era finito. Além
curvos percorrem as linhas curvas mais curtas entre dois pontos. Tais curvas
disso Riemann teve a coragem de construir geometrias muito mais gerais do
são chamadas geodésicas. Por exemplo, sobre a superfície de uma esfera pode-
que a de Euclides e mesmo as aproximadamente não-Euclidianas conhecidas.
mos traçar somente curvas e não linhas retas. De todas as curvas que conec-
A geometria Riemanniana é uma geometria não-Euclidiana de espaços de
tam dois pontos a mais curta é o arco de um grande círculo. Por conseguinte
curvatura constante positiva. A propriedade essencial desse espaço tridimen-
as geodésicas sobre a superfície de uma esfera são os arcos de grandes círculos.
sional é que seu volume é finito de modo que se um ponto se move sobre ela na
A luz segue curvas geodésicas. Dizemos que a luz não se move uniforme-
mesma direção, ele pode certamente retornar ao ponto de partida.
mente ao longo de linhas retas, não porque ela está sujeita a alguma força mas
Como vemos ao lado, em vez das linhas retas da geometria Euclidiana na
por que o espaço-tempo é curvo. Isso é muito importante por que mostra que
geometria esférica Riemanniana, temos geodésicas ou seja, os arcos dos gran-
o conceito de força foi substituído pelo conceito geométrico de curvatura do
des círculos que podem ser traçados sobre a esfera.
espaço-tempo.
A partir de uma ilustração bidimensional da geometria sobre a esfera, mos-
A teoria da relatividade geral trata, em geral, com espaços-tempo curvos.
trada ao lado, é claro que a noção de linhas paralelas como dada pelo quinto
Nesses espaços-tempo os movimentos das partículas materiais, assim como
postulado de Euclides neste caso não tem qualquer sentido, pois qualquer arco
da luz, são descritos por linhas curvas. Entretanto essas linhas curvas têm
de um grande círculo que passa através de um ponto C, não situado sobre
uma característica comum com as linhas retas.
AB, necessariamente irá interceptar AB e até mesmo em dois pontos. A figura
também mostra que a soma dos ângulos de um triângulo formado por três
arcos que se interceptam de três grandes círculos é sempre maior do que 180o.
GEOMETRIA E COSMOLOGIA

A geometria do espaço é de grande importância para a cosmologia, uma vez


COMPARANDO AS GEOMETRIAS NÃO-EUCLIDIANAS
que a teoria relativística da gravitação se apoia inteiramente na ideia de que a
geometria do espaço em qualquer local no Universo está diretamente relacio-
Uma maneira prática pela qual podemos distinguir entre essas três geome-
nada com a intensidade do campo gravitacional naquele local. Quanto mais
trias é o seguinte: pegue uma folha de papel e coloque-a sobre uma superfície
intenso é o campo gravitacional mais forte será a curvatura correspondente.
plana. O papel irá cobrir a superfície suavemente. Tente agora com uma folha
Poderíamos dizer, de uma maneira bastante livre e baseado exclusivamente
de papel do mesmo tamanho cobrir uma superfície esférica. Você agora verá
nas questões de geometria discutidas acima, que em um contexto cosmológico
que para cobri-la terá que permitir que vincos surjam no papel. Isso indica que
os três tipos de curvaturas podem nos dar
próximo a qualquer ponto dado sobre a superfície da esfera a área do papel é
maior do que a área que você está tentando cobrir. Quando você tenta cobrir
• o universo de curvatura positiva corresponde a um universo que se
a superfície de uma sela com a mesma folha de papel, verá que o inverso acon-
expandirá até uma certa separação entre as galáxias e então contrairá
tece: a área do papel passa a ser insuficiente para cobrir a superfície próxima a
qualquer ponto sobre ele e o papel se rasga.

264  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  265


40 41
de volta até um espaço zero. Este é o chamado universo fechado. QUEM TEM MEDO DE MATEMÁTICA?
• o universo de curvatura zero corresponde a um universo que se ex-
pande para sempre, diminuindo sua velocidade à medida que faz isso. Vamos nos esforçar para provar nesse capítulo que qualquer pessoa, mes-
Este é o chamado universo espacialmente plano. mo aquelas que têm fobia de matemática, são capazes de aceitar novos con-
ceitos e se surpreender com o que esta ciência tem para oferecer. Para aqueles
• o universo de curvatura negativa corresponde a um universo que se que gostam de matemática esse capítulo irá mostrar o magnífico campo de
O que é a Teoria expandirá para sempre. Este é o chamado universo aberto. Quem tem medo
estudo que tem à sua frente. Aquele que não gosta de matemática terminará
da Relatividade esse capítulo surpreso com o que aprendeu.
de matemática?
Geral? O QUE É A TEORIA DA RELATIVIDADE GERAL?
ESTRUTURAS BÁSICAS DA MATEMÁTICA
No século passado surgiram na física várias teorias muito importantes.
A “Teoria da Relatividade Restrita”, a “Teoria Quântica” e a “Teoria da Re- Vamos apresentar algumas das estruturas matemáticas que são utilizadas
latividade Geral” transformaram radicalmente nosso entendimento sobre a no estudo das teorias da relatividade restrita e geral. Possivelmente muitos
natureza que nos cerca. leitores jamais ouviram falar delas. No entanto, essas partes da matemática
Dentre essas teorias certamente a Teoria da Relatividade Geral de Albert são comumente usadas tanto na definição de propriedades do espaço-tempo
Einstein é a que mais tem despertado a curiosidade e o interesse do público não como no cálculo feito pelos profissionais que trabalham nessa área.
profissional em ciências físicas. Talvez pelo carisma de seu descobridor, talvez Ressalta-se que aqui daremos apenas algumas definições e não aprofun-
por estar mais intimamente ligada às nossas fantasias de aventuras espaciais, daremos nenhum desses assuntos. Cada um deles é motivo de longos estudos
com seus buracos negros e viagens no tempo, a teoria da Relatividade Geral, e certamente neste contexto não é o local para desenvolvermos essas teorias.
que é uma teoria da gravitação, tem sido constantemente citada na mídia, na
maioria das vezes não de uma maneira direta mas em função de resultados Conjunto
que podemos extrair dela. Um dos conceitos mais elementares que a matemática possui é o de con-
junto. Um punhado de coisas com uma propriedade comum pode ser definido
“Uma teoria complicada demais para mim” como um conjunto. Você usa esse conceito na sua vida diária: um conjunto de
roupas, de copos, de garrafas, etc. A língua portuguesa, por exemplo, atribui
Inúmeras vezes ouvimos a frase citada acima sendo dita até mesmo por nomes diferentes aos conjuntos de certos animais ou objetos: uma alcatéia de
pessoas que mantém contato periódico com a ciência. Será que a teoria da gra- lobos, uma manada de elefantes, etc, que chamamos de “coletivos”.
vitação de Einstein é realmente tão complicada que somente alguns cérebros Na matemática, por ser uma ciência abstrata, não estamos preocupados em
bem dotados são capazes de entendê-la? Bem, seria tolice dizer que a teoria da definir conjuntos de objetos e por isso quase sempre nos referimos a conjuntos
gravitação de Einstein é simples, que qualquer um pode entendê-la. Isso não é de números: o conjunto dos números inteiros, o conjunto dos números pares,
verdade. Essa teoria é realmente complicada, está envolvida por uma matemá- o conjunto dos números fracionários, etc.
tica bastante sofisticada, introduz conceitos que não fazem parte da nossa vida Cada objeto ou número que pertence a um determinado conjunto recebe
diária e apresenta conclusões que até hoje confundem os físicos. o nome de elemento do conjunto. Assim, um camelo é um elemento do con-
Existem várias formas de apresentar a teoria da gravitação de Einstein sem junto cáfila (coletivo de camelos), o número 5 é um elemento do conjunto dos
que tenhamos que falar em geometria riemanniana, variedades diferenciais, números ímpares, etc. Um conjunto que não possui elementos é chamado de
cálculo tensorial, espaços fibrados, espaços de Hausdorff, topologia, etc. conjunto vazio e é representado pelo símbolo Ø.
Tentaremos aqui mostrar como a teoria da gravitação de Einstein é interes- Sempre que escrevemos um conjunto colocamos seus elementos entre
sante, fazer com que você entenda alguns de seus princípios. “chaves”. Assim podemos representar o conjunto dos números inteiros que
vão de 15 a 20 como:
A evolução do conhecimento sobre gravitação
Ao contrário do que muitos declaram, a teoria relativística da gravitação I = {15, 16, 17, 18, 19, 20}
não surgiu do nada. Sua elaboração é uma longa história de erros e acertos que
se alternaram até que, em um determinado momento, cientistas conseguiram Alguns importantes conjuntos da matemática são:
estabelecer a forma correta final que ela deveria ter. Como qualquer outra teo-
ria descoberta na física, a construção da teoria da relatividade geral se apoiou • o conjunto dos números naturais: N = {1,2,3,4,5,....}. Lembre-se que 0
em conhecimentos previamente estabelecidos ou, como disse muito bem Isaac não pertence aos números naturais.
Newton, ela foi criada “sobre os ombros de gigantes”. Isso de modo algum é • o conjunto dos números inteiros: Z = {..., -4, -3, -2, -1, 0, 1, 2, 3, 4, 5,
uma tentativa de tirar o mérito científico de Albert Einstein, mas é preciso ...}. Note que esse conjunto inclui todos os números inteiros sejam eles
desmistificar a história e aceitar que muitos outros grandes nomes da física positivos ou negativos. Ele também inclui o zero.
participaram do problema e contribuíram para a sua solução.
• o conjunto dos números racionais, Q, que são todos os números, po-
sitivos ou negativos, que podem ser escritos na forma m/n, onde m

266  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  267


pertence aos números inteiros e n pertence aos números naturais. • F é um grupo abeliano sob a operação (+) com fo sendo o elemento
identidade.
• o conjunto dos números reais, R. Esse conjunto pode ser representado
geometricamente por uma linha e cada ponto dela representa um ele- • f i . f j pertence a F.
mento desse conjunto.
• f i . (f j . f k) = (f i . f j) . f k
Existem algumas outras propriedades importantes dos conjuntos. Algu-
• f i . 1 = 1 . f i = f i.
mas delas são:
• f i . f i-1 = 1 = f i-1 . f i para f i diferente de fo.
• subconjunto • f i . (f j + f k) = f i . f j + f i . f k
Um conjunto A é um subconjunto de um conjunto B se e somente se
• (f i + f j) . f k = f i . f k + f j . f k
cada elemento em A também pertence a B.
Se, além dessas propriedades f i . f j = f j . f i dizemos que o campo é comutativo.
• união
A união de dois conjuntos A e B é o conjunto de todos os elementos
que pertencem ou a A ou a B
Espaço Vetorial Linear
Os espaços vetoriais lineares V consistem de
• interseção
A interseção de dois conjuntos A e B é o conjunto de elementos que • uma coleção de elementos vo, v1, v2 , v3,... pertencentes a V e chamados
pertencem tanto a A como a B de vetores.
Grupo • uma coleção f1, f2, f3,... pertencentes a F ou seja, um campo (com as
Se você define uma operação sobre um determinado conjunto, adicio- propriedades definidas no item anterior)
nando algumas outras poucas regras, obterá o que os matemáticos chamam
de grupo. Assim, grupo é definido como, dado um conjunto A de elementos junto com dois tipos de operações
quaisquer {a,b,c,d,e,f,...} e uma operação qualquer chamada multiplicação de
grupo, que designamos por um ponto (.), e que pode ser realizada sobre os • adição vetorial (+)
elementos desse conjunto teremos um grupo se:
• multiplicação escalar (.)
• a operação realizada sobre dois elementos do conjunto dá como re-
tal que as seguintes propriedades ocorrem
sultado um outro elemento do conjunto isto é, se gi pertence a G e gj
também pertence a G temos que gi . gj pertence a G.
• o conjunto V com a operação (+) é um grupo abeliano.
• existe um elemento tal que realizando a operação (.) entre ele e qual-
• se vi e vj pertencem a V então vi + vj também pertence a V.
quer elemento do conjunto teremos como resultado o mesmo elemento.
Dizemos que isso é a operação de identidade. Em termos matemáticos • vi + (vj + vk) = (vi + vj) + vk.
se g1 pertence a G e g1.gi = gi = gi.g1 para todo gi então o elemento g1 é
• vo + vi = vi = vi + vo.
o elemento identidade
• vi + (-vi) = vo = (-vi)+ vi
• cada elemento do conjunto possui um elemento que chamamos de in-
verso, de tal modo que o produto dos dois dá o elemento identidade. Se • vi + vj = vj + vi
gk.gl = gl.gk = g1 então gl = gk-1 e gk é o elemento inverso de gl • f i F, vj V f ivj V
• a sequência segundo a qual fazemos a operação definida acima entre • f i . (f j . vk) = (f i . f j) . vk
vários elementos do conjunto não é importante. Deste modo gi .(gj .gk)
• 1 . vi = vi = vi . 1
= (gi .gj) .gk
• f i . vk + vl) = f i . vk + f i . v
Se, além disso tudo, a operação (.) entre dois elementos do conjunto pode
ser invertida sem ter o resultado alterado dizemos que ela é comutativa. Neste • (f i + f j) . vk = f i . vk + f j . vk
caso o grupo é chamado de grupo comutativo ou grupo Abeliano.
Qual a importância da teoria de grupos para o estudo da gravitação? Como Álgebra
teoria matemática, a teoria de grupos está presente em toda a física moderna. Uma álgebra linear A consiste de
Por exemplo, as transformações de Lorentz formam um grupo.
O conceito de grupo é uma das estruturas algébricas mais importantes no • uma coleção vo, v1, v2 , v3,... pertencente a V, chamados de vetores.
estudo da física moderna.
• uma coleção f1, f2, f3,... pertencente a F ou seja, um campo

Campo
junto com três tipos de operações
Um campo F é um conjunto de elementos fo, f1, f2, f3,... sobre os quais defi-
nimos duas operações, uma adição (+) e uma multiplicação escalar (.), de tal
modo que
268  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  269
• adição vetorial (+) definem a semi-reta pelo símbolo R1. O número 1 está indicando que a semi
-reta possui uma única dimensão. E o plano? Se deslocarmos uma semi-reta,
• multiplicação escalar (.)
desde que não seja ao longo de sua direção, formaremos um semi-plano. Os
• multiplicação vetorial (X) pontos nesse semi-plano são identificados por conjuntos de pares de pontos,
do tipo (x,y) onde x e y são números reais. Ao semi-plano os matemáticos
tal que as seguintes propriedades ocorrem dão o nome de R 2 por ser definido em duas dimensões. Como já vimos, a
matemática não está preocupada com objetos e sim com números. Além dis-
• todas as propriedades de espaço vetorial são obedecidas e so a matemática não permanece limitada pelo número de dimensões que nós
• v1, v2 pertencem a V então v1 X v2 também pertence a V percebemos ou seja, 3 dimensões. A matemática sempre procura tornar os
seus resultados os mais gerais possíveis e, portanto, procura estudar espaços
• (v1 + v2) X v3 = v1 X v3 + v2 X v3 com dimensão qualquer. A esses espaços que se caracterizam por possuir um
• v1 X (v2 + v3) = v1 X v2 + v1 X v3 número qualquer de dimensões os matemáticos dão o nome de espaço n-di-
mensionais e os chamam de R n. Note que, num espaço n-dimensional cada
Diferentes variedades de álgebras podem ser obtidas dependendo de quais ponto será representado por conjuntos de n números reais, algo como (x1, x 2,
postulados adicionais são também satisfeitos x3, x4, ....xn).
Um outro conceito importante que precisamos conhecer é o de conjunto
• (v1 X v2) X v3 = v1 X (v2 X v3) aberto. Se considerarmos uma semi-reta podemos definir um intervalo aber-
to (a,b) como sendo o conjunto de todos os pontos x (na verdade, números
• v1 X 1 = v1
reais) tais que a < x < b. Veja que os pontos extremos não são considerados
• v1 X v2 = ± v2 X v1 e por esse motivo o intervalo é chamado de “aberto”. Um conjunto aberto é
• v1 X (v2 X v3) = (v1 X v2) X v3 + v2 X (v1 X v3) definido como sendo qualquer união de intervalos abertos. Qualquer região
de um espaço limitada por uma curva fechada, mas excluindo pontos situados
sobre essa curva, é um conjunto aberto. A união de conjuntos abertos também
Resumindo... é um conjunto aberto. O conjunto vazio, ou seja aquele que não possui elemen-
Pelas definições mostradas acima vemos que as estruturas algébricas têm tos, é definido como sendo um conjunto aberto.
sua complexidade aumentada à medida que vamos de conjuntos para álgebras. Objetos com buracos podem ser classificados topologicamente como:
A estrutura seria como abaixo:

sem buraco genus 0


conjunto → grupo → campo → espaço vetorial → álgebra
um buraco genus 1
dois buraco genus 2
TOPOLOGIA
três buraco genus 3
A topologia é o ramo da matemática que se preocupa com o estudo da
continuidade. O estudioso de topologia dá ênfase às propriedades de formas Algumas vezes certos objetos podem ter o mesmo tipo de genus, mas têm
que permanecem inalteradas não importa quanto essas formas estão sendo uma torção que os faz topologicamente diferente. Considere a forma de ros-
torcidas ou manipuladas de qualquer outra maneira. quinha mostrada acima e a faixa de Möbius, genus 1, mostrada abaixo.
Tais transformações de objetos idealmente elásticos estão sujeitas somente As propriedades da faixa de Möbius foram descobertas independentemen-
à condição de que, para superfícies, pontos vizinhos permaneçam próximos te e quase simultaneamente, em 1858, por dois matemáticos alemães, August
no processo de transformação. Essa condição efetivamente proíbe transfor- Ferdinand Möbius e Johann Benedict Listing (curiosamente, o pai de Möbius
mações que envolvam corte e colagem. Por exemplo, uma rosquinha e uma era professor de dança e sua mãe descendente de Martinho Lutero!).
xicara de café são topologicamente equivalentes. Uma delas pode ser continu- A primeira vista poderíamos ser levados a considerar que topologicamente
amente transformada na outra e vice-versa. O buraco central que caracteriza a essas duas geometrias fossem iguais: ambas são superfícies que envolvem um
rosquinha será preservado como o buraco que existe na alça da xícara de café. buraco central. No entanto, devido à torção existente na faixa de Möbius elas
Veja que para a topologia um disco com um buraco no centro é topologi- são topologicamente diferentes. Note que torção existente na faixa de Möbius
camente diferente de um círculo ou um quadrado porque não podemos criar permite que um objeto qualquer se desloque continuamente ao longo de am-
ou destruir buracos por deformações contínuas. Deste modo, usando métodos bos os lados da faixa.
topológicos não esperamos ser capazes de identificar uma figura geométrica Quando essa ideia de torção é considerada em três dimensões com a fai-
como sendo um triângulo ou um quadrado. Entretanto, esperamos ser capa- xa de Möbius se tornando um objeto, o objeto torcido é chamado de garrafa
zes de detectar a presença de aspectos “grosseiros” tais como buracos ou o fato de Klein. Essa topologia foi descoberta pelo matemático e astrônomo alemão
de que a figura é formada por dois pedaços adjacentes. Felix Christian Klein. Essa garrafa é mostrada abaixo como você tem que que
Para definirmos topologia é preciso antes conhecer alguns conceitos mate- torcer as coisas para obter o objeto.
máticos. Sabemos que a semi-reta é formada por um conjunto de pontos. Na Qual é o significado cosmológico da topologia? A parte do universo que
verdade esses pontos são os números reais e, por esse motivo, os matemáticos podemos ver não tem mais do que 14 bilhões de anos-luz de raio. Essa parte

270  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  271


observável do universo não mostra sinais de ter uma topologia estranha. En- Cálculo Tensorial
tretanto podemos não ser capazes de ver as partes cruciais do universo que Dois observadores situados em locais remotos do Sistema Solar podem ob-
poderiam conduzir a interessantes observações topológicas. servar um mesmo fenômeno que está ocorrendo. No entanto eles discordarão
O diagrama abaixo ilustra como poderia ser uma observação de topologia sobre a localização exata e o momento exato em que esse fenômeno ocorreu.
cosmológica. Ele mostra como o espaço pode ser “enrolado” em uma forma ci- Isso ocorre porque eles terão diferentes coordenadas (t,x,y,z) uma vez que eles
líndrica. Quando o espaço plano que contém as galáxias é “enrolado” em uma estão usando sistemas de coordenadas diferentes. Embora a descrição cinemá-
forma cilíndrica e então mais uma vez na forma de um toróide (rosquinha), tica do mesmo evento seja feita de modo diferente pelos dois observadores, as
as galáxias têm mais de uma maneira de “ver” uma às outras. No final a luz leis dinâmicas, tais como, por exemplo, as leis de conservação e a primeira lei
proveniente de uma galáxia alcança a outra tanto pelo caminho curto como da termodinâmica, ainda ocorrerão. Entretanto, a teoria relativística da gra-
pelo caminho longo. vitação exige mais do que isso, uma vez que ela estipula que tanto essas como
Mais de uma maneira de “ver” se traduz na situação onde observadores todas as outras leis da física devem ter a mesma forma em todos os sistemas
nas galáxias observam múltiplas cópias de cada uma das outras. Essa é uma de coordenadas. Isso obriga os físicos relativistas a introduzirem na teoria re-
previsão cosmológica baseada em considerações de topologia. lativística da gravitação uma nova forma matemática de expressar todas as
Podemos então definir topologia da seguinte forma: seja X um conjunto grandezas físicas. A ferramenta matemática usada por Einstein para o desen-
não vazio. Uma classe T de subconjuntos de X é uma topologia em X se e volvimento da sua teoria da gravitação foi o chamado “cálculo tensorial”.
somente se T satisfaz os seguintes critérios: É quase impossível nos aprofundarmos um pouco mais na teoria relati-
vística da gravitação sem que surjam tensores. Isso acaba se tornando uma
• X e o conjunto vazio Ø pertencem a T barreira para os que gostariam de saber um pouco mais sobre a teoria relati-
• a união de qualquer número de conjuntos em T pertence a T vística da gravitação e se assustam com sua aparência complicada. Entretanto,
podemos afirmar que isso é um enorme engano. Você usa tensores o dia todo,
• a interseção de dois conjuntos quaisquer em T pertence a T sem perceber! Os números que você usa no seu dia-a-dia, chamados mais tec-
Os membros de T são chamados de conjuntos abertos e X, junto com T, ou nicamente de escalares, nada mais são do que tensores de ordem zero. Em
seja, o par (X,T) é chamado de espaço topológico. várias áreas da física você já se deparou com quantidades que são definidas
por uma grandeza numérica e por uma direção, a que damos o nome de veto-
Variedade res. As forças da natureza são representadas por vetores, os campos elétrico e
Várias estruturas geométricas também estão presentes na física moderna. magnético são vetores, o campo gravitacional é um vetor, etc. Os vetores nada
Uma das mais importantes é o conceito de variedade. mais são do que tensores de primeira ordem.
Podemos definir, de modo não muito preciso matematicamente, mas con- O que acontece é que quando trabalhamos com espaços que têm dimensão
fortável, uma variedade (manifold) como um espaço matemático abstrato no maior do que 3 os objetos geométricos ali definidos não têm nomes especiais
qual cada ponto, que corresponde a uma posição única no espaço e no tempo, e são chamados genericamente de tensores. Assim, o cálculo tensorial é o es-
tem uma vizinhança que lembra o espaço Euclidiano, embora sua estrutura tudo das propriedades, operações e aplicações de tensores em espaços com
global seja bem mais complicada do que este último. qualquer dimensão.
As variedades podem ter qualquer número de dimensões. Por exemplo, A explicação acima nos indica que os tensores podem ser considerados
como 1-variedade temos uma linha, um círculo, etc. O plano, a superfície de como generalizações de vetores para espaços com dimensão superior a 3. Isso
uma esfera, a superfície de um toros são exemplos de 2-variedade. quer dizer que eles têm mais componentes do que as três que caracterizam os
Em torno de cada ponto (evento) sobre essa variedade podemos definir vetores.
cartas coordenadas para representar observadores em sistemas de referên- Uma importante característica dos tensores é que a igualdade de dois
cia. Se identificarmos um sistema de referência (observador) com uma dessas tensores não depende do sistema de coordenadas. Se dois tensores são iguais
cartas coordenadas, qualquer observador pode descrever qualquer evento p. em um sistema de coordenadas eles permanecerão iguais em qualquer outro
Um outro sistema de referência pode ser identificado com uma segunda carta sistema que se move, de qualquer maneira possível, em relação ao primeiro
coordenadas em torno de p. Os dois observadores, cada um deles em um sis- sistema.
tema de referência, podem descrever o mesmo evento p mas obtém diferentes Por conseguinte, se uma lei física é expressa como uma igualdade de dois
descrições. tensores ela é independente do sistema de coordenadas.
Em geral precisamos de muitas cartas coordenadas que se superpõem para A lei básica da relatividade geral é exatamente dessa forma. Ela é expressa
cobrir uma variedade. Dadas duas cartas coordenadas, uma contendo p (que pelas equações de campo de Einstein que relacionam a curvatura do espaço-
representa um observador) e outra contendo q (que representa um outro ob- tempo com a distribuição de matéria e energia.
servador) a interseção das duas cartas representa a região do espaço-tempo na O espaço-tempo é representado por um sistema de quatro coordenadas,
qual ambos observadores podem medir quantidades físicas e então comparar uma das quais representa o tempo e três representam o espaço. A forma do
os resultados. A relação entre os dois conjuntos de medições é dado por uma espaço-tempo é determinada pelo chamado “tensor métrico”. Se dois pontos
transformação de coordenadas não singular sobre estas interseção. vizinhos no espaço-tempo são descritos pelas coordenadas (x0, x1, x 2, x3) e (x0
A ideia de cartas coordenadas como “observadores locais que podem reali- + dx0, x1 + dx1, x 2 + dx 2, x3 + dx3) a distância entre eles é chamada ds e é dada
zar medições em sua vizinhança” também faz sentido físico, pois isso é como pela equação
realmente coletamos dados físicos localmente. ds2 = gμν dxμ dxν

272  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  273


41
A expressão para o quadrado da distância elementar ds é chamada de “ele- ferencial que se movem de qualquer maneira possível um em relação ao outro”.
mento de linha”. A teoria da gravitação proposta por Albert Einstein e David Hilbert ficou
As quantidades gμν constituem o tensor métrico. Note que o tensor métrico sendo mais conhecida como Teoria da Relatividade Geral (TRG), como Teoria
gμν definido em um espaço-tempo quadri-dimensional consiste de 16 compo- Relativística da Gravitação (TRG) ou como Teoria da Gravitação de Einstein
nentes que são funções das quatro coordenadas x0, x1, x 2, x3. (TGE). Usaremos todos esses termos de modo indiscriminado embora o nome
Em geral todo espaço quadri-dimensional é caracterizado por um tensor “teoria da gravitação” seja considerado bem mais representativo sobre o que a
Quem tem medo de quarta ordem chamado tensor de Riemann Rαβγδ onde cada uma das letras teoria descreve.
de matemática? α, β, γ e δ é apenas um índice que varia de 0 a 3. O espaço Euclidiano é aquele A Teoria da Gravitação de Einstein descreve os fenômenos de interação
em que o tensor de Riemann é igual a zero. Por esse motivo o tensor de Rie- gravitacional entre quaisquer corpos existentes no universo.
mann também é conhecido como tensor de curvatura. O tensor de Riemann Para Einstein a gravidade não é uma força, no sentido tradicional que da-
também aparece na literatura com o nome de tensor de Riemann-Christoffel. mos a este termo na física. Segundo ele
Dissemos acima que no espaço Euclidiano o tensor de Riemann é nulo.
Podemos então concluir que sempre que o tensor de Riemann é nulo, o espaço • a gravidade é uma manifestação da curvatura do espaço-tempo.
é Euclidiano? Não, isso não é correto. O espaço no qual o tensor de Riemann-
• a curvatura do espaço-tempo é produzida pela massa-energia contida
Christoffel é nulo, é um espaço localmente euclidiano. A principal diferença
nele
entre um espaço Euclidiano e um espaço localmente euclidiano está relaciona-
da com considerações topológicas e com a forma do espaço. Isso pode ser representado esquematicamente pela relação abaixo, que
Para você saber se um espaço é curvo ou não, além do fato do tensor de ocorre em ambos os sentidos
curvatura ser nulo, você terá que verificar os chamados invariantes de curva-
tura do espaço.
matéria ou energia <=> efeito gravitacional <=> espaço-tempo
curvo
COMO O TENSOR DE RIEMANN-CHRISTOFFEL NOS
MOSTRA A CURVATURA DE UMA SUPERFÍCIE
Esta relação entre energia-momentum e a curvatura do espaço-tempo é go-
Dissemos acima que o tensor de Riemann-Christoffel está associado à cur- vernada por um conjunto de equações que são as famosas “equações de campo
vatura de uma geometria. É possível entender isso graficamente. de Einstein”.
Quando Riemann deduziu a expressão matemática desse tensor ele usou o Na verdade, o estudo das interações gravitacionais deveria ser chamado
conceito de transporte paralelo de vetores. Vejamos o que isso significa. de Geometrodinâmica. Esse nome foi proposto pelo físico norte-americano
Vamos supor que você está em uma superfície plana, um espaço Eucli- John Archibald Wheeler tendo em vista que a teoria da relatividade geral ge-
diano, e traça um vetor perpendicular a essa superfície. Se você deslocar esse ometriza a gravitação.
vetor mantendo-o sempre paralelo ao vetor inicial verá que ele se mantém
perpendicular (ou seja, ortogonal) à superfície. Isso caracteriza uma superfície O ESPAÇO-TEMPO DA RELATIVIDADE GERAL
Euclidiana.
Vamos agora fazer o mesmo procedimento, mas em uma superfície cur- A Teoria da Gravitação Universal proposta por Isaac Newton utiliza os
va. Nesse caso vamos traçar dois vetores, ambos perpendiculares à superfície conceitos de espaço e tempo. Isso foi mudado com o surgimento da Teoria da
nos seus respectivos pontos de origem. Assim o vetor A é perpendicular à Relatividade Restrita, proposta por Einstein em 1905. Nessa época foi intro-
superfície e o vetor B também é perpendicular à superfície embora em pontos duzido o conceito de espaço-tempo como uma única entidade, ao contrário do
distintos. Vamos agora deslocar o vetor A mantendo-o sempre paralelo ao ve- espaço e tempo separados da física Newtoniana. Isso foi proposto pelo físico
tor original. A isso damos o nome de transporte paralelo ou deslocamento alemão Hermann Minkowski ao realizar estudos sobre a teoria da relatividade
paralelo de um vetor. Vamos levar o vetor A até o ponto onde está o vetor restrita. No entanto, o conceito de espaço-tempo definido na Teoria da Rela-
B. Ao coincidirmos as origens dos dois vetores vemos que o vetor A não é tividade Especial não pode ser simplesmente transferido para a relatividade
mais ortogonal à superfície no ponto onde está o vetor B. Isso nos diz que o geral.
deslocamento paralelo de vetores é capaz de nos informar que uma superfície Na teoria relativística da gravitação o espaço-tempo possui características
possui curvatura. não usuais. Por exemplo, ele é:
• curvo:
A TEORIA DA GRAVITAÇÃO DE EINSTEIN dizemos que o espaço-tempo da relatividade geral tem uma geometria
não-euclidiana. Na relatividade restrita o espaço-tempo é plano.
Apesar do grande sucesso da teoria da relatividade restrita apresentada por • Lorentziano:
Einstein em 1905 existiam algumas questões básica que não eram respondidas as métricas do espaço-tempo devem ter uma assinatura métrica mista.
por essa teoria. Por exemplo, a teoria da relatividade restrita nos diz que “as Isto é herdado da relatividade especial.
leis da natureza são as mesmas em todos os sistemas de referência inerciais”.
Einstein notou imediatamente a fraqueza da teoria da relatividade restrita • quadri-dimensional:
e propôs em 1916 a teoria da relatividade geral, que generaliza o princípio da isso é necessário para poder cobrir as três dimensões espaciais e o tem-
relatividade estabelecendo que “as leis da natureza são as mesmas em dois re- po. Isto também é herdado da relatividade especial.

274  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  275


Os princípios fundamentais da Teoria da Veja então que a equação de campo de Einstein nos diz que a curvatura do
Gravitação de Einstein espaço-tempo (lado esquerdo) é produzida pela distribuição de massa-energia
A Teoria da Gravitação de Einstein está baseada em um conjunto de prin- no espaço-tempo (lado direito).
cípios fundamentais que guiaram o seu desenvolvimento. Esses princípios
foram sendo criados ao longo do desenvolvimento da própria teoria.
curvatura do espaço- conteúdo de matéria-energia
=
tempo (Gμν) do espaço (Tμν)
• princípio geral da relatividade:
as leis da física devem ser as mesmas para todos os observadores, este-
jam eles acelerados ou não. Poderíamos escrever as equações de campo de Einstein de modo mais de-
talhado. O tensor de Einstein, Gμν, na verdade é dado por
• princípio da covariância geral:
Gμν = Rμν -1/2 gμν R
as leis da física devem ter a mesma forma em todos os sistemas de
Deste modo as equações do campo gravitacional são dadas por:
coordenadas.
Rμν -1/2 gμν R = - k Tμν
• o movimento inercial é movimento geodésico: ou então
as linhas de universo de partículas não afetadas por forças físicas são
geodésicas tipo-tempo ou nulas do espaço-tempo.
• princípio da invariância de Lorentz local:
as leis da relatividade especial se aplicam localmente para todos os ob-
servadores inerciais.
O termo R é chamado de escalar de curvatura e o termo Rμν é o tensor
• o espaço-tempo é curvo: de Ricci. Na verdade esses dois tensores são calculados a partir de um tensor
isso permite que os efeitos gravitacionais, como por exemplo a queda bem mais geral, R λανμ, chamado tensor de curvatura ou tensor de Riemann-
livre, sejam descritos como uma forma de movimento inercial. Christoffel. Sua expressão é bastante complicada e envolve os chamados sím-
• a curvatura do espaço-tempo é criada pelo momento-energia conti- bolos de Christoffel. Os matemáticos provaram que o tensor mais simples
do no espaço-tempo: que pode ser construído a partir das componentes do tensor métrico e de suas
isso é descrito na teoria relativística da gravitação pelas “equações de primeiras e segundas derivadas é um tensor de ordem 4, ou seja, com quatro
campo de Einstein”. índices. Por esta razão o tensor de curvatura da teoria da gravitação de Eins-
tein é dado por R λανμ.
Todos os termos acima citados serão explicados ao longo do texto.
Em resumo, dada uma métrica ds2 que descreve um determinado espaço-
tempo, o físico relativista calcula:
As equações de campo de Einstein: o trabalho do todos os potenciais gravitacionais gμν diferentes de zero.
físico relativista com o auxílio dos potenciais gravitacionais temos que calcular os símbolos
A Teoria da Gravitação de Einstein não somente nos diz que o espaço-
de Christoffel
tempo é curvo mas também especifica quanto é a sua curvatura. Mais especi-
ficamente, ela nos dá um conjunto de equações que relacionam a curvatura do
espaço-tempo com a distribuição de energia-matéria no espaço.
As equações propostas por Einstein são chamadas de “equações de campo”
porque elas descrevem o comportamento e as propriedades do campo gravita-
cional. Elas têm a forma:
por meio da expressão
Gμν = - k Tμν

onde k é dado por

k = 8 π G/ c4

Nesta última expressão G é a constante gravitacional.


Vamos explicar melhor o que essa equação nos diz. O lado esquerdo dela,
Gμν, é o chamado “tensor de Einstein”. Ele depende das funções gμν e de suas
primeiras e segundas derivadas. Essa parte da equação de campo de Einstein
em posse de todos os símbolos de Christoffel já podemos calcular o tensor
está associada com a estrutura geométrica do espaço-tempo.
de curvatura R λανμ. Ele é dado por
O lado direito da equação de campo de Einstein apresenta o “tensor ener-
gia-momentum” Tμν. Ele depende da distribuição de energia e matéria no
universo.

276  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  277


las distantes no Universo. Se a Terra fosse completamente coberta por nuvens

Como estamos trabalhando em um espaço-tempo quadri-dimensional, espessas ainda seríamos capazes de descobrir sua rotação usando o pêndulo
cada um dos índices desses tensores varia de 0 a 3. Isso faz com que tenha- de Foucault. Um pêndulo no pólo norte da Terra gira seu plano gradualmen-
mos um conjunto de 256 componentes do tensor de Riemann-Christoffel para te, em relação à Terra, uma vez que seu plano é mantido fixo em relação às
calcular. Felizmente este tensor possui simetrias que reduzem bastante esse estrelas distantes. Se nenhuma outra estrela existisse no Universo, além da
número. No final, após utilizarmos os recursos dessas simetrias, ficamos com Terra, de acordo com o princípio de Mach o plano do pêndulo permaneceria
apenas 20 componentes independentes para calcular. constante em relação à Terra. Por conseguinte de algum modo a matéria dis-
conhecendo as componentes do tensor de Riemann-Christoffel, é fácil cal- tante no Universo tem consequências que dizem respeito ao comportamento
cular o Tensor de Ricci, Rαμ = R λαλμ. Esse tensor é dado por da matéria em torno de nós. Einstein tentou incorporar este princípio em sua

depois disso só falta calcular o escala de curvatura R = Rαμ gαμ teoria da relatividade geral.
Agora é só substituir esses termos organizadamente montando os sistemas O princípio de Mach e sua implicação de que a inércia não é uma proprie-
de equações de campo de Einstein. Bastante difícil não acha? Brincadeira! dade intrínseca da matéria, mas é devida ao fundo de estrelas distantes, rece-
Antigamente você tinha que fazer isso na ponta do lápis e um pequeno erro beu uma recepção mista no mundo da física teórica. Alguns físicos tomaram
no início dos cálculos se propagava em cascata, uma vez que todos os termos as ideias com certas restrições argumentando que elas estão todas baseadas
seguintes, por estarem vinculados pelo cálculo, possivelmente também esta- em uma coincidência de observações. Outros físicos, incluindo Einstein, fica-
vam errados. Era apagar e começar tudo de novo. Hoje existem programas de ram impressionados pelo princípio de Mach e tentaram incorporá-lo no resto
computador que fazem todos esses cálculos em apenas alguns segundos, desde da física.
que você saiba montar os sistemas de equações. Moleza! Einstein tinha esperança que sua teoria da relatividade geral incorporasse
Tudo isso dito acima é apenas a preparação para o verdadeiro trabalho do o princípio de Mach. Estabelecendo uma íntima conexão entre a geometria do
pesquisador que começa após terem sido montadas as equações de campo. espaço-tempo e as propriedades físicas da matéria e energia, Einstein obteve
Ocorre que essas são equações diferenciais parciais de segunda ordem o que pareceu ser um passo preliminar na direção dos conceitos Machianos.
não lineares elíptica-hiperbólica acopladas e isso pode ser traduzido como Entretanto, investigações posteriores provaram o contrário.
“são muito difíceis de resolver”! Mesmo assim o trabalho tem que ser feito e o Uma explicita demonstração de que a relatividade geral não incorpora o
físico relativista se debruça sobre elas procurando alcançar o seu objetivo final princípio de Mach foi mostrada pelo físico alemão Kurt Gödel em 1949. A
que é resolver este sistema de equações diferenciais para uma métrica dada partir das equações de Einstein ele construiu um modelo do Universo no qual
que descreve um determinado espaço-tempo. o referencial inercial local não era o mesmo que o referencial da matéria dis-
tante que não está em rotação. O modelo de Gödel de um Universo em rotação
AS EQUAÇÕES DE CAMPO DE EINSTEIN E O obtido a partir das equações de Einstein mostram que o princípio de Mach
PRINCÍPIO DE MACH não está inteiramente incorporado na teoria da relatividade geral.

As equações de campo de Einstein constituem uma aplicação especial do AS SOLUÇÕES DAS EQUAÇÕES DE CAMPO DE
chamado “princípio de Mach”. De acordo com esse princípio as propriedades EINSTEIN
inerciais da matéria são produzidas pela distribuição da matéria existente no
resto do Universo. Se o tensor energia-matéria Tμν das equações de campo de Einstein é igual a
Ernst Mach (1838-1916) foi um filósofo e cientista austríaco do século XIX zero em todos os lugares ou seja, se não há matéria no universo, estas equações
que, em 1893, postulou esse princípio. são escritas como
A observação básica feita por Ernst Mach era que a velocidade e a acelera-
ção de uma partícula não teria significado se a partícula estivesse sozinha no Gμν = 0
Universo. Somente podemos falar de acelerações em relação a outros corpos
do mesmo modo que falamos de velocidades em relação a outros corpos. O Uma das possíveis soluções desta equação é o espaço-tempo “plano” de
conceito de velocidade relativa conduziu à relatividade restrita. O conceito de Minkowski. Isso não é surpresa, pois se é a matéria que provoca a curvatura do
aceleração relativa é o importante ingrediente do princípio de Mach que levou espaço-tempo e, no caso considerado não existe matéria, a curvatura só pode
Einstein a desenvolver sua teoria geral da relatividade. ser zero. Isto obriga que o tensor de Einstein Gμν que está no lado esquerdo das
Vamos tomar como exemplo a rotação da Terra em torno do seu eixo. A
Terra gira, não em relação a qualquer espaço absoluto, mas em relação às estre-

278  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  279


equações de campo seja nulo. densidade de energia na nossa expressão, uma vez que Einstein nos mostrou
Uma outra solução relativamente simples das equações de campo de Eins- que existe uma íntima relação entre massa e energia. Foi ele quem deduziu a
tein é aquela que diz respeito a um corpo esférico em um espaço vazio. Se famosa equação
considerarmos o Sol como um corpo esférico e supormos que o espaço é vazio
em torno dele, as equações de campo de Einstein nos dão a curvatura do espa- E2 = p2c2 + m02c4
ço-tempo naquele local.
O tensor métrico em volta do Sol é chamado de “métrica de Schwarzs- onde m0 representa a massa de uma partícula em repouso e p representa o
child”, resultado obtido em 1916, e corresponde a um elemento de linha que seu momentum linear. O momentum linear, ou simplesmente momentum, é
em coordenadas esféricas é dado pela expressão p = m v onde m é a massa da partícula e v sua velocidade.

Esta “métrica de Schwarzschild” ou “elemento de linha de Schwarzschild” A expressão para energia apresentada acima também pode ser escrita
é que nos trouxe o conceito de buraco negro. O termo 1 - 2GM/c2r tem um como E = mc2, onde m é a massa relativística da partícula. Ela nos mostra que
comportamento estranho quando 2GM/c2 = r pois, neste caso, ele é igual a matéria e energia são indistinguíveis no que diz respeito às suas propriedades
zero. Como este termo está no denominador de uma fração ficamos com 1 inerciais.
dividido por zero que sabemos tender para infinito. Vemos então que há um Como consequência disso tanto podemos falar de massa como de energia,
limite em 2GM/c2 = r. Esse limite é o chamado “raio de Schwzarzschild” e o que justifica parcialmente o nome do tensor energia-momentum. Por outro
marca o chamado de “horizonte de eventos” de um buraco negro. lado, os corpos no universo estão em movimento e, portanto, possuem uma
dinâmica que pode ser caracterizada pelo seu momentum, uma vez que esse
conceito está associado à velocidade dos corpos.
Além disso, devemos ter em mente que ao tratarmos com o espaço que não
está vazio temos que reunir todo o conteúdo de energia do espaço. Isso nos
obriga a considerar todas as possíveis formas de energia ou seja, matéria, ener-
gia radiante, energia elástica, etc., no tensor energia-momentum. No entanto,
Capítulo 40 – O conteúdo de matéria do Universo este tensor não inclui a energia gravitacional. Lembre-se que ela é a respon-
sável pela curvatura do espaço-tempo e, portanto, está sendo considerada no
O CONTEÚDO DE MATÉRIA DO UNIVERSO lado esquerdo da equação de Einstein.
A expressão do tensor energia-momentum é dada pela teoria da relativi-
Vimos que a equação fundamental da teoria relativística da gravitação é dade especial. Para isso imaginamos que o universo está preenchido por um
fluido de partículas. Cada uma dessa partículas é um aglomerado de galáxias.
(geometria do espaço-tempo) = (conteúdo de energia do espaço-tempo) Para tratarmos com um problema tão complicado é necessário fazer algu-
mas simplificações. No caso do tensor de energia-momentum vamos supor
Vimos que o Universo possui um complexo conjunto de objetos que vão que as partículas que compõem esse fluido não interagem. Isso quer dizer que
hierarquicamente desde estruturas bem pequenas, tais como os asteroides, até não há colisões entre elas, o que simplifica enormemente nosso trabalho. A um
estruturas gigantescas como os superaglomerados de galáxias. Como a cos- fluido com essa característica damos o nome de fluido perfeito.
mologia trata essa matéria? Cada uma dessas partículas desloca-se no espaço ao longo do tempo com
A equação da gravitação relativística vale em qualquer tipo de sistema de uma velocidade característica. Como estamos trabalhando no espaço-tempo
coordenadas sendo, portanto, uma equação escrita na forma tensorial. O lado descrito por quatro dimensões, nossa velocidade também será uma grandeza
esquerdo é o chamado tensor de Einstein, que envolve a estrutura geométrica quadri-dimensional que representaremos por uμ. É claro que o índice μ varia
do espaço-tempo, enquanto que o lado direito é dado por uma expressão geral, de 0 a 3 pois estamos tratando com um espaço quadri-dimensional. Nova-
tensorial, que chamamos de tensor energia-momentum. mente chama-se a atenção para o fato de que μ é apenas um índice e seus “va-
lores” 0,1,2,3 estão associados às correspondentes coordenadas que estamos
usando. Temos então um vetor velocidade descrito pelas coordenadas uμ = (uo,
geometria do espaço-tempo conteúdo de energia-matéria u1, u2, u3) onde uo é a componente da velocidade ao longo do eixo temporal e
=
(tensor de Einstein) (tensor energia-momentum)
u1, u2, u3 são as componentes espaciais da velocidade.
Se estamos pensando no conteúdo de matéria do universo como um fluido,
Por que tensor energia-momentum? Na teoria relativística não podemos temos que levar em conta as grandezas que os descrevem. Um fluido possui
falar simplesmente de densidade de matéria no espaço. Precisamos incluir a densidade e então definimos que o fluido que permeia o Universo tem uma

280  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  281


densidade ρ. Note que essa densidade será medida em cada ponto do espaço-
tempo. Ela é medida em um sistema de coordenadas tal que, no ponto que
está sendo considerado, a matéria está em repouso. A isso damos o nome de
densidade própria.
Além de densidade, um fluido possui pressão e essa propriedade também
deve aparecer na expressão geral do tensor energia-momentum.
Após a análise desses fatos os físicos chegaram à conclusão que se descre-

Ensino a Distância
vermos o conteúdo de matéria existente no universo por meio de um fluido
perfeito, ou seja, considerando que os aglomerados de galáxias são partículas
que não interagem, o tensor energia-momento será dado por:

cosmologia
Tμν = (ρ + p/c2) uμ uν - (p/c2) gμν

Essa é a expressão do tensor energia-momentum para um fluido perfeito,


ou melhor, um meio em que qualquer ponto é caracterizado por uma pressão
escalar p, uma densidade ρ e uma velocidade u. Esse fluido perfeito pode ser,

2015
por exemplo, uma nuvem de poeira, um gás molecular, um gás de fótons, etc.
No nosso caso, cosmologia, as partículas que formam o fluido perfeito são os
aglomerados de galáxias. Estamos considerando os aglomerados de galáxias
como sendo as moléculas de um gás que preenche o espaço. Isso não é estra-
Da origem ao fim do universo
nho! Lembramos que qualquer aglomerado de galáxias é muitíssimo menor
que o tamanho do universo! Veremos mais tarde que na época em que as galá-
xias não existiam, quando o universo era muito condensado, ele era preenchi-
do por um gás de fótons, que também se comporta como um fluido perfeito.

Módulo 6
Conceitos fundamentais sobre a
estrutura da matéria

282  Módulo 1 · A história da Cosmologia


Ensino a Distância
cosmologia

2015
Da origem ao fim do universo

Módulo 6
Conceitos fundamentais sobre a
estrutura da matéria

Divisão de Atividades
Educacionais - ON/MCTI
42
AS SOLUÇÕES COSMOLÓGICAS DAS EQUAÇÕES DE
EINSTEIN

Vimos que a matéria existente em todas as partes do universo se apresenta


sob as mais diversas formas e densidades. Ela pode nos revelar como grandes
agregados de matéria, as galáxias por exemplo, mas também como nuvens de
Quem tem medo
gás e poeira intergalácticos muitíssimo rarefeitos. Toda essa matéria está, lo-
calmente, em interação e isso quer dizer que inúmeros processos físicos acon-
de matemática?
tecem a todo momento entre os átomos que a forma.
Todos os possíveis processos físicos que aí ocorrem são regidos pelas qua-
tro interações fundamentais básicas existentes na natureza: as interações
eletromagnética, forte, fraca e gravitacional. Veremos no próximo módulo as
características apresentadas por cada uma delas, mas no momento é suficiente
saber que todos os fenômenos que ocorrem em larga escala no universo são
muito mais fortemente afetados pela interação gravitacional do que por qual-
quer uma das outras. Embora a interação gravitacional seja a mais fraca entre
as quatro fundamentais citadas acima, tendo em vista que os processos astro-
nômicos que estamos considerando são somente aqueles de “grande escala”
ou seja, aqueles que ocorrem sobre distâncias muito grandes e não aqueles que
ocorrem, por exemplo, no interior de uma estrela fazendo-a gerar energia, a
gravitação é a interação dominante.
A teoria da gravitação que analisaremos aqui, e que sobrepujou a teoria da
gravitação proposta anteriormente pelo físico inglês Isaac Newton, é aquela
apresentada por Albert Einstein e David Hilbert. Essa é a teoria relativística
da gravitação, regida por importantes equações matemáticas que descrevem
como o campo gravitacional se comporta ao longo do espaço-tempo.
Logo após essa teoria relativística ter sido apresentada, a despeito da com-
plexidade de suas equações, cientistas como o físico alemão Karl Schwarzschild
conseguiram obter soluções locais ou seja, soluções que descreviam fenôme-
nos físicos que ocorriam em uma determinada região do espaço-tempo.
A pergunta que se colocava era a seguinte: as equações da teoria relativís-
tica da gravitação podem fornecer uma solução que descreva o universo em
sua larga escala? Seria possível encontrar uma solução das equações da teoria
relativística da gravitação ou em outras palavras, um modelo do universo que,
fisicamente pudesse ser aceito como solução?
Uma solução cosmológica das equações relativísticas de campo está pre-
ocupada em explicar apenas os fenômenos de larga escala do universo. Esse
tipo de solução não leva em consideração os fenômenos locais que estão
ocorrendo no universo. Processos nucleares que ocorrem a todo instante
no interior das estrelas, processos atômicos que ocorrem nas nebulosas
gasosas e até mesmo os processos relativísticos que estão ocorrendo nas
estrelas de nêutrons e nos buracos negros não fazem parte dessa solução
em larga escala ou seja, solução cosmológica. Tudo isso deve ser separado
de qualquer solução cosmológica, cuja única preocupação é o processo de
interação gravitacional que existe entre os superaglomerados de galáxias
que permeiam o universo.
No entanto, uma solução cosmológica, estritamente falando, uma solução
matemática das equações relativísticas que descrevem o comportamento do
campo gravitacional em larga escala, não teria muita utilidade se não tivesse
algum contato com os parâmetros físicos que podemos medir no universo.
São esses parâmetros que iremos definir primeiro para depois vermos como
os modelos cosmológicos podem ser validados ou não por eles.

286  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  287


O “FATOR DE ESCALA UNIVERSAL”

Vimos que ao interpretarmos o deslocamento para o vermelho das linhas


espectrais (redshift) das galáxias distantes como sendo uma medida de sua
velocidade de recessão, estamos de certa forma dizendo que o Universo está Veja que a distância coordenada, aquela medida em um sistema de coor-
em expansão. denadas comovel, permanece constante, mas a distância verdadeira aumenta
Consideramos que todos os pontos do universo se expandem com a mes- com a mesma taxa que o fator de escala do universo R.
ma taxa. Lembre-se sempre que o nosso universo é considerado homogêneo Considere um corpo comovel situado a uma distância coordenada de nós.
e isotrópico. Assim, ao longo de um intervalo de tempo todas as distâncias Por estar em um sistema de coordenadas comovel, essa distância coordenada
entre pontos comoveis aumenta pelo mesmo fator. Isso quer dizer que se uma é fixa. A distância real entre ele e nós é dada pela expressão mostrada acima.
determinada distância aumenta 1% então todas as outras distâncias também Veja que à medida que o fator de escala R aumenta (lembre-se que esse fa-
aumentam por 1%. Lembre-se também que “pontos comoveis” são aqueles tor varia com o tempo) a distância real (que passaremos a citar simplesmente
definidos em um mesmo sistema de referencial inercial que se desloca com como distância) também aumenta, significando que o objeto está se afastando
esses pontos. Em outras palavras, um sistema de referencial que embora se de nós. Quanto maior o valor de R, ou melhor quanto mais rápido R aumenta,
desloque, o faz com velocidade constante não estando acelerado. Ele, portanto, mais rápido o objeto se afasta de nós.
não apresenta as chamadas forças fictícias que surgem em referenciais que não Se a distância entre corpos varia com o tempo, podemos definir uma ve-
pertencem a essa categoria. Ao longo do texto, só trabalharemos com sistemas locidade, uma vez que sabemos que velocidade pode ser mais simplesmente
de referência inerciais. definida como a variação da distância em um intervalo de tempo. Deste modo,
Se imaginarmos um conjunto de três galáxias situadas nos vértices de um a velocidade de recessão de um corpo comovel é exatamente a taxa na qual
triângulo qualquer em um dado referencial comovel, a afirmação acima nos sua distância está aumentando. Definimos então a velocidade de recessão de
diz que suas distâncias permanecerão as mesmas. Seus três lados serão al- um objeto como sendo o produto entre a taxa de aumento de R (que sabemos
terados pelo mesmo valor e, conseqüentemente, o triângulo aumentado pela variar no tempo devido à expansão do universo) e a distância coordenada (que
expansão do universo mantém sua forma original. Dizemos então que os três é constante).
lados do triângulo sofreram uma transformação de escala gerada pelo mesmo
“fator de escala”.
Como a expansão do Universo é, em um determinado instante, a mesma
em todos os seus pontos, dizemos que existe um “fator de escala universal”
que atua em todo o universo em um determinado instante. Esse fator de escala
é usualmente representado pela letra R. O termo “taxa de aumento” de R nos diz como o “fator de escala” varia com
É importante notar que R em qualquer instante tem o mesmo valor em o tempo. Vamos representar essa taxa de aumento pela mesma letra R com um
qualquer ponto do universo. No entanto, ele varia com o tempo, aumentando pequeno ponto em cima dela ou seja, Ṙ.
seu valor com o passar do tempo em um universo em expansão.
Deste modo vemos que, em um universo em expansão, a distância entre Temos então que
pontos comoveis aumenta de uma maneira proporcional a R. As medidas de
áreas, por serem bidimensionais, aumentam proporcionalmente a R2 enquan- Se multiplicarmos e dividirmos o lado direito dessa expressão por R não a
to que os volumes tridimensionais aumentam proporcionalmente a R3. alteraremos. Temos então que
O “fator de escala” R foi durante muito tempo (e ainda é!) chamado de
“raio do universo”. Esse nome deve ser evitado porque, como veremos mais
tarde, existem soluções cosmológicas cujas geometrias não permitem uma
aceitação natural do termo “raio” (é o caso, por exemplo, das soluções planas
do universo). e como sabemos que a distância coordenada multiplicada por R nos dá o
O fator de escala R mostra toda sua importância ao utilizarmos o conceito valor da distância real (ou simplesmente distância) temos que
de distância entre duas galáxias, por exemplo, em um universo em expansão.
Vimos anteriormente que conceitos físicos devem sempre ser definidos em
relação a um determinado sistema de referência ou sistema de coordenadas.
Vimos também que usamos os chamados “sistemas de coordenadas como-
veis” quando queremos definir grandezas físicas. Um sistema de coordenadas Chamamos o termo que é o termo de Hubble.
comoveis é aquele que se desloca com o observador. Conseqüentemente, todos
os pontos comoveis estão separados por distâncias que permanecem constan-
tes e que chamamos de “distâncias coordenadas”. Mas se o universo está em
expansão as distâncias coordenadas não são as distâncias verdadeiras entre os
pontos considerados. Dizemos que a distância verdadeira é obtida multipli-
cando-se a distância coordenada pelo fator de escala R. Assim,

288  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  289


ou seja Como já vimos

Veja que a expressão acima é uma consequência direta da expansão uni- ou então
forme do universo.

O PERÍODO DE HUBBLE E A IDADE DO UNIVERSO

Definimos “período de Hubble” como sendo a idade que o universo teria Temos que, substituindo isso na expressão da aceleração de recessão,
atingido se ele tivesse se expandido a uma taxa constante R igual à sua taxa
atual de expansão que chamaremos de Ro.
Vemos que o período de Hubble é uma medida de tempo, uma idade, e é
dada por

ou seja

Algumas vezes o período de Hubble é chamado de tempo de expansão.


Note que o período de Hubble está diretamente associado com o fator de
escala R e sua variação no tempo.
Em quase todos os modelos de universo estudados pelos cosmólogos o fa-
tor de escala R não aumenta a uma taxa constante. Em alguns casos R aumenta O termo
mais rapidamente com o passar do tempo e isso é interpretado como sendo
um universo cuja expansão está acelerada. Em outros casos R aumenta mais
lentamente à medida que o tempo passa. Nesse caso dizermos que o universo
está desacelerando.
Vemos, portanto, que a maneira como a variação do fator de escala R é chamado de “termo de aceleração” e algumas vezes é representado pela
ocorre nos mostra que os modelos de universo podem estar ou acelerando ou letra h
desacelerando. (observe com atenção a diferença entre H e h!).
Quando o universo está acelerando ou seja, quando R aumenta mais rapi- O termo de aceleração definido acima não é usado com frequência. Ao
damente com o passar do tempo, a idade real do universo é sempre maior do invés dele usamos o chamado “termo de desaceleração” ou “parâmetro de
que o período de Hubble. desaceleração”.
Quando o universo está desacelerando ou seja, quando R aumenta mais
lentamente à medida que o tempo passa, a idade do universo é sempre menor O parâmetro de desaceleração, representado pela letra q, é obtido matema-
do que o período de Hubble. ticamente como sendo

O PARÂMETRO DE DESACELERAÇÃO DO UNIVERSO

Sabemos da física clássica que a variação da velocidade de um corpo nos dá


sua aceleração. Do mesmo modo como fizemos com o conceito de variação de
distância no tempo, representando a sua variação no tempo por uma letra com
O termo “desaceleração” é usado por causa da relação linear existente entre   e
um ponto em cima (Ṙ), usaremos um ponto sobre a letra v para representar a
variação da velocidade no tempo. Isso nos leva a representar então o símbolo R
do fator de escala com dois pontos em cima nas equações da aceleração da re-
cessão, uma vez que ele irá variar a primeira vez com a mudança da distância Como
em função do tempo (um ponto em cima) e, em seguida, variará de novo com
as alterações temporais da velocidade (um outro pontinho). Temos então que

Podemos escrever que

Lembrando que a distância coordenada é constante.

290  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  291


43
e como Podemos então definir uma “esfera de Hubble” como sendo aquela que tem
um raio igual ao comprimento de Hubble. Note que cada ponto no espaço é o
centro de uma esfera de Hubble.
O universo observável é aquela parte do universo em torno de um obser-
vador que pode ser vista. Falando livremente, o universo observável tem um
tamanho comparável com aquele apresentado pela esfera de Hubble.
Temos que No entanto, em quase todos os modelos de universos em expansão, a esfera
QUE TAL UM
de Hubble se expande mais rapidamente do que o próprio universo. A borda TITULO DE
da esfera de Hubble se afasta mais rapidamente do que as galáxias e, ao longo CAPITULO
do tempo, vemos mais e mais galáxias que eram previamente não observáveis. MENOR?
PARA ENTENDER OS GRÁFICOS ABAIXO
Veja que o parâmetro de desaceleração q varia no tempo, tal como o termo
de Hubble H. No entanto, em um determinado instante do tempo, o parâme- Vamos agora estudar as diversas soluções cosmológicas obtidas pelos
tro de desaceleração q possui o mesmo valor em todos os pontos do universo. cientistas para o conjunto de equações matemáticas que descrevem a teoria
Vejamos alguns outros pontos interessantes do parâmetro de desacelera- relativística da gravitação. Como veremos, algumas são fisicamente plausíveis,
ção q. Note que há um sinal negativo no lado direito dessa definição. Isso nos outras não. Algumas foram aceitas durante muito tempo mas agora novos da-
diz que o parâmetro de desaceleração q pode assumir valores positivos ou dos físicos nos mostram que elas são inviáveis.
negativos, dependendo dos sinais dos termos que fazem parte dessa expres- Antes de estudarmos essas soluções precisamos prestar muita atenção
são. Quando o parâmetro de desaceleração q é positivo há uma desaceleração aos gráficos utilizados e, por esse motivo, discutiremos aqui um gráfico geral
no universo ou seja, uma diminuição da sua expansão. Quando q é negativo como o mostrado abaixo.
há uma aceleração no universo ou seja um aumento na taxa de expansão do Note que temos dois eixos, chamados “eixos coordenados”, que como o
universo. nome sugere nos dá quais as propriedades físicas que estão ali descritas.
Quando q é positivo ou seja, nos universos em desaceleração, a idade do No nosso caso, o eixo vertical representará sempre o fator de escala R en-
universo é menor que um período de Hubble. Quando q é negativo ou seja, quanto que o eixo horizontal será sempre o marcador de tempo. Um outro
nos universos que estão acelerados, a idade do universo é maior do que um fato importante é que o eixo vertical tem seus valores aumentando à medida
período de Hubble. que nos deslocamos para cima enquanto que o eixo do tempo tem valores
O parâmetro de desaceleração q também pode ser igual a zero. Isso ocorre aumentando continuamente para a direita. Note também que esses eixos co-
quando a taxa de expansão R nunca muda e isso faz com que Ṙ seja zero. Nesse ordenados não possuem valores numéricos associados a eles e, portanto, esses
caso o parâmetro de desaceleração q é igual a zero. valores são quaisquer. Não há qualquer marcação de valor zero neles e isso é
As imagens abaixo mostram os possíveis comportamentos do parâmetro muito importante.
de desaceleração do universo. Mais importante ainda é notar que os eixos coordenados não se cruzam.
Com isso não estamos definindo qualquer associação de par de coordenadas
ATÉ ONDE PODEMOS “VER” NO UNIVERSO? entre o fator de escala R e um determinado instante de tempo. Melhor dizen-
do, não estamos considerando que em um determinado instante de tempo o
Sabemos que o período de Hubble nos dá a idade que o Universo teria se fator de escala R tem necessariamente um determinado valor.
ele fosse representado por 1/H a uma taxa constante igual à atual de expansão. Note também que embora algumas curvas que representam soluções cos-
Isso é uma medida de tempo e, como sabemos da física clássica, a distância mológicas matemáticas, obtidas pelos cientistas, se apresentem tocando ou
percorrida por um objeto é obtida como o produto entre sua velocidade e o cortando um dos eixos coordenados, seja ele o que representa o fator de escala
intervalo de tempo em que o objeto se moveu. R ou o tempo, tanto faz. Em nenhum momento os dois eixos coincidem ou
Toda a informação que obtemos no universo nos chega sob a forma de são cortados simultaneamente. Isso nos diz que não há cálculos associando as
radiação eletromagnética. A luz que observamos proveniente das estrelas, grandezas físicas envolvidas e, portanto falar em valores numéricos (mesmo
como já sabemos, é uma parte dessa radiação eletromagnética. A teoria da que seja tempo zero!) não é correto.
relatividade restrita nos diz que a radiação eletromagnética se propaga com a
velocidade constante de aproximadamente 300.000 quilômetros por segundo. FECHADO, ABERTO, FINITO, INFINITO, LIMITADO,
Vemos, portanto, que se multiplicamos o período de Hubble pela velocida- NÃO-LIMITADO, COM CONTORNO, SEM
de da luz obtemos o chamado “comprimento de Hubble”. CONTORNO... O QUE ISSO QUER DIZER?

Certamente aqueles que têm interesse em cosmologia já se depararam com


conceitos tais como “universo fechado, aberto, finito, infinito, limitado, não
-limitado, com contorno, sem contorno, etc. Afinal, o que isso quer dizer?
O comprimento de Hubble é a distância na qual a velocidade de recessão é Essa talvez seja a parte da cosmologia que mais causa danos irreversíveis
igual à velocidade da luz. ao cérebro de quem se interessa por esse assunto. Como alguma coisa pode ser

292  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  293


infinita e ter contorno? Como alguma coisa pode ser não limitada mas finita? própria noção de Universo. Universo significa todas as coisas: tudo em con-
Tudo isso é facilmente explicável se entendermos um pouco de...geometria! junto e não pode haver alguma coisa fora dele!
Vamos então por partes. Aristóteles parece ter notado essa crítica fatal e tentou superar a dificul-
Vimos que o astrônomo norte-americano Edwin Hubble obteve dados ob- dade. Ele dizia que a esfera de estrelas fixas não era um contorno ordinário,
servacionais que indicavam que o Universo estava em expansão. Observações que embora ela tenha um lado de dentro e um lado de fora, o lado de dentro
de galáxias mostravam que suas linhas espectrais estavam deslocadas para a é o espaço físico enquanto que o lado de fora é o mundo dos deuses. Além da
região vermelha do espectro eletromagnético, o redshift, e isso era um indica- esfera das estrelas fixas existem mais três camadas celestiais: a esfera de cristal,
dor de que elas estavam se afastando de nós. a esfera mais elevada e a esfera de puro fogo. Essas são espirituais e das almas
Se a maior parte das galáxias apresenta deslocamento para o vermelho e assim não ocupam o espaço físico. Com isso ele colocava uma existência não
(redshift) em suas linhas espectrais, então nada mais normal do que enten- física além do contorno do Universo finito, removendo a contradição.
dermos que todas elas estão se afastando de nós. Como consequência dessa Certamente, do ponto de vista científico moderno, tal descrição não pode
interpretação podemos concluir que estamos no centro do Universo. Certo? servir como razão suficiente na ciência. Consequentemente, depois da evolu-
Não! Daqui a pouco veremos porque isso não está correto. ção da ciência moderna, esse ponto de vista foi rejeitado.
Uma outra conclusão que podemos tirar dos resultados obtidos por Hubble
é que se o Universo está expandindo, podemos fazer uma regressão temporal e A VISÃO DA CIÊNCIA MODERNA
concluir que ele teve um começo. Assim, a expansão detectada por Hubble nos
mostra que a idade do Universo é finita. Dizendo de outra forma, o Universo A ciência é epitomizada pela mecânica Newtoniana. O próprio Newton
não é infinito no tempo. mantinha que o Universo era infinito. Um dos pontos de partida básico da me-
Fica ainda a velha pergunta: o Universo é infinito no espaço? Esta é a inter- cânica Newtoniana é a existência do espaço absoluto, ou seja, o espaço Eucli-
rogação que incomoda os pesquisadores há milhares de anos! diano infinito. Com isso, as esferas de cristal de Aristóteles foram esmagadas.
A discussão sobre se o Universo é finito ou infinito não é nova. Ela pode ser Entretanto, o debate não parou.
encontrada nos primeiros estágios da civilização humana. De fato, em quase O contemporâneo de Newton, o grande cientista alemão Leibiniz, também
todas as civilizações que já existiram no nosso planeta, ao longo de toda a acreditava que o espaço era infinito. Entretanto ele discordava fortemente de
história do ser humano, podemos encontrar, com extensões variadas, pronun- Newton no que diz respeito à distribuição das estrelas. Newton acreditava que
ciamentos sobre a questão: o Universo é finito ou infinito? as estrelas deviam estar distribuídas no espaço finito, mas se elas estivessem
O mais interessante é que se olharmos para trás, ao longo dos vários milha- presentes no espaço infinito, deveriam ser em número infinito e um número
res de anos da história, encontraremos quase o mesmo número de pesquisa- infinito de estrelas teria uma gravitação infinita fazendo por conseguinte o
dores e filósofos que apresentam argumentos justificando um Universo finito sistema inteiro ser instável.
ou infinito! Ao longo de todo esse tempo parece ter havido uma flutuação Leibniz mantinha a posição que as estrelas deviam estar uniformemente
contínua entre essas duas visões opostas e isso dura até hoje. distribuídas em todo um espaço infinito e sua razão era que se a distribui-
Apesar das dificuldades, os cientistas têm procurado uma resposta para ção de estrelas era finita, então o sistema físico inteiro está ainda limitado
essa questão. e tem um centro. Portanto, isso era inaceitável para qualquer cosmologia
pós-copernicana.
FINITO VERSUS INFINITO Foi o filósofo alemão Kant quem encerrou este debate racionalista. Ele pen-
sou ter encontrado uma resposta que finalizaria a questão para sempre - sua
Na antiga Grécia quase todos os modelos primitivos que tentavam des- antinomia do espaço.
crever a estrutura do Universo supunham que ele era finito e não limitado. Kant diz: se nós insistirmos que o sistema de estrelas é estável, que o siste-
A cosmologia de Eudoxus e de Aristóteles é representativa dessa maneira de ma de estrelas não tem centro e que o espaço é o espaço Euclidiano infinito,
descrever o Universo. Nos seus esquemas eles apresentavam a Terra como uma então possivelmente não podemos encontrar uma resposta lógica auto-con-
bola circundada por uma série de esferas concêntricas e transparentes. A ca- sistente. Isso quer dizer que não somente é impossível construir um modelo
mada esférica mais externa tinha o nome de esfera das estrelas fixas. O cosmos de universo finito sem contradição interna, mas também é impossível para
material inteiro estava contido nessa esfera de estrelas fixas. nós construir um modelo de universo infinito. A conclusão somente pode ser
Por que praticamente não existiam modelos de Universo infinito? Em que o Universo não pode ser nem finito nem infinito. Daí a própria questão
primeiro lugar, os modelos infinitos não têm bases empíricas diretas como finito-infinito não tem significado e não devemos discuti-la de modo algum.
os modelos finitos. Depois, é mais difícil para um modelo infinito explicar o A análise de Kant era bastante perspicaz. Podemos dizer que sua teoria
fenômeno das estrelas que surgem no leste e se põem no oeste. colocou um ponto final no debate racionalista finito-infinito que tinha durado
O fato da visão infinita ter dificuldade em fazer afirmações quantitativas pelo menos dois mil anos. A conclusão dele é que a própria questão finito-in-
não quer dizer que a visão finita tivesse uma posição dominante na história. finito é impossível.
Na verdade a visão de um Universo finito era assunto de constante crítica. Entretanto, a despeito de ser famoso pelo rigor de seus fundamentos, o
Um tipo de crítica racional à visão de um Universo finito era a seguinte: ser argumento insolúvel de Kant não é de modo algum rigoroso. Um exame cui-
finito significa que há um contorno e um contorno implica em uma existência dadoso revelará que seu argumento implicitamente usou algumas teses não
além dele.
Com isso chegávamos a um dilema: o contorno tem um além? Se não tem,
então isso contradiz a noção de um contorno. Se tem então isso contradiz a

294  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  295


provadas. Elas são: então, contanto que essa curvatura tenha um valor
positivo, embora pequeno, o espaço somente pode ser
• finitude deve significar que existe um contorno
finito.”
• ter um contorno deve significar finitude
• infinitude deve significar não ter contorno Essas afirmações de Riemann são inteiramente análogas ao argumento,
mostrando que a Terra é uma superfície curvada sem contorno e finita. Reco-
• não ter contorno deve significar infinitude
nhecer a ausência de contorno da Terra não justifica a inferência de infinitude.
Ao contrário, uma vez que a Terra tem mais ou menos a mesma curvatura
Kant pensava estas serem as mais ordinárias teses de senso comum que positiva em todos os lugares, a área da Terra somente pode ser finita.
não exigiam discussão cuidadosa. A pesqusia de Riemann nos libertou do impasse da antinomia do espaço de
Entretanto, a ciência frequentemente é a demonstração de construtivida- Kant e mostrou que a questão finito-infinito não é impossível. Um significado
deno que é olhado como erro pelo senso comum. maior da teoria de Riemann é que ela terminou a era do estudo da questão de
espaço finito ou infinito pelo pensamento puro e começou a era de estudar
FINITUDE NÃO LIMITADA esta questão pelo método da verificação. De acordo com a teoria de Riemann,
o Universo ser finito ou infinito é determinado pela curvatura do espaço, e
As afirmações acima, baseadas no senso comum, não são corretas. Na ver- esta última é, em princípio, uma quantidade mensurável.
dade ter um contorno não necessariamente significa finitude. Isto é, pode- Na verdade, algum tempo antes de Riemann, Gauss já havia descoberto
mos ter uma finitude sem um contorno, assim como uma infinitude com um certas partes da geometria Riemanniana, mas ele nunca ousou publicar seus
contorno. resultados por que sentia que tal geometria do espaço curvo era demasiada-
Já no século V antes de Cristo alguns estudiosos já discutiam se a Terra mente contra o senso comum e provavelmente seria olhada como uma hete-
é infinita ou não. Aqueles que defendiam o argumento de infinito tinham a rodoxia. Entretanto, Gauss era, no fim de tudo, um cientista que sabia que ser
seguinte linha de raciocínio: se a Terra é finita, então certamente as pessoas contra o senso comum não podia ser uma razão suficiente para rejeitar uma
cairão dela depois de terem alcançado o contorno? A outra escola acreditava, teoria. Afirmação ou negação em ciência somente pode ser realizado por meio
entretanto, que a Terra era finita mas não tinha contorno. As esferas têm essa do método positivista. Daí, como a história conta, Gauss foi até as montanhas
propriedade. A superfície de uma esfera é finita mas ela não tem contorno. A harz medir se o espaço era curvo ou não. Ele selecionou três picos, Inselberg,
idéia de que a Terra é uma esfera nasceu nessa época. Brocken e Hoher Hagen, como os vértices de um triângulo, ele mediu para ver
Partindo de uma Terra sendo finita e sem contorno, para um Universo sen- se os três ângulos internos somados somavam 180o. Se isso ocorresse, então a
do finito e sem contorno, precisamos apenas de uma pequena generalização na geometria do espaço seria Euclidiana e não curva. Se isso não ocorresse, então
geometria, ou seja, uma generalização de duas para três dimensões. Em outras o espaço seria curvo. Essa história é quase certamente fictícia, contudo é alta-
palavras: de duas dimensões finitas e sem contorno para três dimensões finitas mente filosófica: ela nos diz que para clarear a questão finito-infinito devemos
e sem contorno. A humanidade levou dois mil anos para que esse pequeno recorrer a experiências.
passo fosse dado.
Em sua palestra “Sobre as Hipóteses das Bases da Geometria”, proferida A EXPANSÃO DO UNIVERSO E A QUESTÃO FINITO-
em 1854, Riemann primeiro mostrou que a não existência de contorno do INFINITO
espaço não implica em infinitude do espaço. Ele disse:
Mesmo se a experiência de Gauss tivesse sido realizada, ela não teria tido
“No nosso conhecimento do mundo externo, o espaço é um sucesso porque exigiria medições de alta precisão, que são difíceis de ob-
suposto ser uma variedade tri-dimensional. O alcance ter, mesmo com a tecnologia de hoje. É somente confiando em medições em
uma escala cósmica que uma abordagem experimental à questão finito-infi-
de nossa consciência real está sendo reabastecido nito é possível.
constantemente por esta afirmação e as possíveis posições A expansão do Universo é o primeiro fenômeno observado sobre a escala
de objetos que procuramos estão constantemente sendo cósmica. O que ele nos revela sobre a questão finito-infinito?
A primeira vista poderia parecer que se o universo está em expansão, então
determinadas por esta afirmação. Com aplicações em
o espaço cósmico deveria ser finito. A expansão de um sistema significa que o
tais assuntos, esta suposição está continuamente sendo tamanho dele está aumentando e um sistema com um tamanho deve ser fini-
confirmada. É por causa dessa circunstância que a não to. Daí, para muitas pessoas, tão logo ouvem falar de expansão do Universo,
existência de contorno do espaço tem um grau de certeza pensam que o Universo é finito como se os dois fossem sinônimos. Mas isso
é um erro.
maior do que qualquer outra experiência externa. Mas Sistemas finitos podem se expandir, sistema infinitos também podem se
nós certamente não devemos inferir a infinitude do expandir. A figura abaixo mostra um Universo finito unidimensional no qual
espaço a partir disso. Ao contrário, se supormos que a
existência da matéria é independente da posição - e dai
podemos dotar o espaço com uma curvatura constante,
296  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  297
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cada galáxia está representada por um inteiro. interação gravitacional existentes no universo.
No entanto, ao contrário do que muitos poderiam ser levados a pensar, as
(Vanessa) ONDE ESTÁ A FIGURA? equações relativísticas da gravitação não nos conduziram a uma única solução
cosmológica, a uma única descrição do Universo, e sim a várias descrições.
No instante t1 as galáxias estão distribuídas em intervalos iguais, mostran- Vejamos a seguir algumas soluções obtidas e analisaremos rapidamente
do que a matéria cósmica é homogênea. Se esse Universo está se expandindo suas realidades físicas. Os modelos apresentados abaixo foram todos obti-
Modelos de de modo que no instante t2 a galáxia original 1 está agora na posição da galáxia dos após cálculos matemáticos realizados sobre as equações relativísticas da
Universos original 2, a galáxia 2 está agora na posição da galáxia original 4 e assim por gravitação, onde simplificações foram colocadas. Nenhum desses modelos é
diante. Então é uma expansão uniforme. Antes da expansão há um espaço uma simples “opinião”, um “eu acho que é assim” de algum cientista. Todas
infinito contendo um número infinito de galáxias, depois da expansão ele as descrições foram obtidas matematicamente e estão comprometidas com as
também é o mesmo. possibilidades de resolução das equações que existiam na época em que foram
Isso pode ser chamado expansão de infinitude para infinitude. obtidas, muito diferente do que encontramos hoje com os poderosos compu-
O matemático Cantor desenvolveu uma teoria que trata de infinitos, que tadores. Naquele momento, cosmologia era feita com lápis e papel ou giz e
pode ser usada para comparar vários tipos de inifinitos. De acordo com sua quadro-negro somente.
teoria as duas sequências seguintes representam o mesmo infinito:
O UNIVERSO DE EINSTEIN
n = 1,2,3,4,5,...
m= 2,4,6,8,10,... Einstein acreditava que o universo era estático. Para satisfazer a isso ele foi
obrigado a modificar as equações de campo da gravitação que havia proposto
Seu raciocínio é o seguinte: há uma relação biunívoca entre os elementos anteriormente. Sua modificação foi a introdução de uma constante cosmoló-
dessas duas sequências infinitas, ou seja, m = 2n. Ou os elementos de m e n gica Λ em suas equações de campo.
podem ser colocados um contra um, de modo que nenhuma sequência é mais Quando esta nova constante Λ é positiva, ela age como uma força de repul-
numerosa do que a outra e as duas sequências são a mesma. Esse argumento de são que se opõe à gravitação universal. Essa constante reduz o efeito dinâmico
Cantor pode ser aplicado palavra por palavra para elucidar a propriedade da da gravidade ou seja, sua possível expansão, mas não a curvatura do espaço.
expansão universal: o Universo está sempre expandindo, enquanto o espaço É importante notar que um universo que é estático em um determinado
infinito sempre mantém o mesmo caráter finito. instante de tempo não é necessariamente estático em momentos anteriores ou
Em resumo, meramente a partir da idéia grosseira de expansão univer- posteriores a este.
sal, não podemos deduzir qualquer coisa nova no que diz respeito à questão Um outro ponto importante é que para assegurar que o universo perma-
finito-infinito. neça estático, em um estado de equilíbrio, Einstein mostrou que a curvatura
do universo deve ser positiva. O universo estático de Einstein é, portanto, um
espaço esférico. Ele é fechado e finito e contém uma misteriosa força Λ que
MODELOS DE UNIVERSOS
compensa a atração gravitacional.
Existem algumas características importantes nesse modelo:
A partir da apresentação das complicadas equações propostas por Albert
Einstein e David Hilbert para a teoria relativística da gravitação, os cientis-
• quando medimos distâncias em termos do tempo de deslocamento da
tas passaram a investigar se era possível encontrar soluções deste conjunto
luz, o raio de curvatura do espaço no universo de Einstein é o fator de
de equações, duramente matemáticas, que pudessem ser interpretadas como
escala R
representantes de situações físicas reais. Como já vimos, algumas soluções
foram encontradas quase que imediatamente. Uma delas, a solução proposta • a distância em torno desse universo ou seja, o tempo de circunavega-
pelo físico alemão Karl Schwarzschild, nos trouxe, junto a resultados simples, ção da luz, é igual a 2πR
surpresas que nos remetiam a conceitos inteiramente novos como o de “bu- • o antípoda de um observador, ou melhor dizendo, o ponto do lado
raco negro”. oposto a ele no universo, está a uma distância πR
No entanto, por ser uma teoria da gravitação universal, a teoria da relati-
vidade não deveria oferecer apenas soluções locais, como no caso dos buracos • um universo como esse, se o supomos ser idealmente suave, age como
negros, e sim globais, soluções fisicamente válidas que pudessem representar uma gigantesca lente óptica: um corpo que se afasta de um observador
todo o universo ou seja, soluções cosmológicas. parecerá a princípio ficar cada vez menor no sentido usual. Quando
Certamente essa era uma proposta ambiciosa mas perfeitamente justifi- esse corpo estiver a meio caminho do antípoda, ele cessará de ficar
cável pois se estamos tratando com uma teoria relativística da gravitação e a menor e à medida que ele se afasta parecerá ficar cada vez maior. To-
gravidade é a interação de longo alcance que domina todo o universo, nada dos os objetos colocados na região antípoda são vistos como imagens,
mais razoável do que esperar que essa nova teoria, independente de sua com- como se eles estivessem bem perto da região local. Nesse universo es-
plexidade matemática, nos trouxesse soluções válidas em todo o universo. tático de Einstein, pessoas na região antípoda nos veriam como se nós
Havia alguma novidade nesse raciocínio? Não, nenhuma! A teoria da gra- estivéssemos próximos a eles e nós os veríamos como se eles estives-
vitação clássica não relativística, proposta muitos anos antes pelo físico inglês
Isaac Newton, também se ocupava em tentar explicar todos os fenômenos de

298  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  299


sem próximos a nós. nha sido de músicos, Friedmann logo se interessou por várias ciências e mais
tarde tornou-se professor de matemática na Universidade de Leningrado.
• curiosamente, tendo em vista que a luz circunavega o globo cósmico,
Friemann foi o primeiro a perceber que havia um erro no artigo sobre cos-
também seríamos capazes de nos vermos pelas costas!
mologia publicado por Einstein em 1917. Foi esse erro que levou Einstein à
O astrofísico inglês Arthur Eddington mostrou, em 1930, que o universo conclusão de que o universo comportava-se necessariamente de modo estático
de Einstein é instável. Isso quer dizer que se existissem habitantes nele, eles quando a força Λ era introduzida nas equações relativísticas da gravitação.
deveriam fazer tudo de modo a não criar qualquer perturbação. Uma pertur- Friedmann escreveu uma carta para Einstein mostrando suas conclusões
bação feita em um sentido poderia fazer a gravidade dominar e o universo mais gerais, porém não obteve qualquer resposta. Somente após a interferência
colapsar para um futuro novo “big bang” em um intervalo de tempo igual de um amigo que estava visitando Berlin é que Friedmann obteve de Einstein
ao tempo de circunavegação. Se a perturbação fosse em outro sentido a força o que ele chamou de “uma carta irritada”. Nessa carta Einstein concordava
repulsiva Λ começaria a dominar, o universo inflaria e se transformaria em com as conclusões de Friedmann.
um universo oscilante. Veja que um universo estático não permitiria a criação Isso fez com que Friedmann publicasse em 1922, na conceituada revista
de matéria pois isso é um efeito perturbativo! científica alemã Zeitschrift für Physik, um importante artigo chamado “Sobre
a Curvatura do Espaço”. Em 1924 ele publicou, nesta mesma revista, um se-
TEM UMA ANIMAÇÃO gundo artigo chamado “Sobre a Possibilidade de um Universo com Curvatura
Negativa Constante”. Esses dois artigos foram muito importantes para o de-
Além dessas, existem algumas outras surpreendentes características, mui- senvolvimento da cosmologia.
to importantes, que podem ser percebidas no universo de Einstein. Estamos Curiosamente os artigos de Friedmann surgiram no momento certo,
tratando com um continuum 4-dimensional de espaço-tempo e vemos que no momento em que foram descobertos os deslocamentos para o vermelho
embora a distância em torno de um espaço esférico de raio R seja dada pela (redshift) das linhas espectrais dos objetos extragalácticos. Mesmo assim, em-
usual expressão 2πR, o volume desse espaço esférico é dado por 2π2R3 e não bora esses artigos tenham sido publicados em uma das mais importantes re-
pela familiar equação de um volume esférico que é 4πR3/3. vistas científica da época, eles foram praticamente ignorados pela comunidade
científica, a razão disso sendo um completo mistério para os historiadores da
O UNIVERSO DE DE SITTER ciência. Inacreditavelmente os artigos de Friedmann não tiveram qualquer
impacto sobre a cosmologia na época de sua publicação.
O universo de de Sitter, proposto em 1917, no mesmo ano que o universo Somente em 1927 é que o abade francês George Lemaître redescobriu as
estático de Einstein, era tão simples que foi inicialmente considerado como equações originalmente formuladas por Friedmann e a cosmologia entrou em
uma diminuição no status da teoria cosmológica de Einstein. uma nova era.
O universo de de Sitter consiste de um espaço plano e é ligeiramente ab- Hoje, em homenagem ao trabalho pioneiro de Friedmann chamamos os
surdo no sentido de que ele não contém matéria. Mas as galáxias nos mostram universos de constante cosmológica zero e que se expandem uniformemente
que matéria existe em todo o universo. Então, qual a utilidade de um modelo como sendo universos de Friedmann.
desse tipo? Simplesmente a maior facilidade de você estudar como se compor- Vamos descrever os universos de Friedmann.
taria o universo em situações extremas. Todos os universos de Friedmann começam com “big bangs”.
Um universo vazio de espaço euclidiano, ou seja, espaço plano, não deveria
exibir propriedades não usuais e, no entanto, o universo de de Sitter o faz TEM UMA ANIMAÇÃO
quando a intrigante força Λ não é zero.
O universo de de Sitter está em um estado estacionário e nada muda em A partir do valor do parâmetro de desaceleração q = 1/2 podemos dividir
qualquer momento. Os termos de Hubble e o parâmetro de desaceleração são os modelos possíveis de universos em:
constantes e não há matéria contida nele que seja diluída pela expansão.

CONSTANTE DE
TEM UMA ANIMAÇÃO PARÂMETRO DE DESACELERAÇÃO GEOMETRIA
CURVATURA
O universo de de Sitter tem um passado infinito e um futuro infinito e ele q > 1/2 esférico k = + 1 (fechado)
acelera a uma taxa constante de q = -1, como mostra a figura. q = 1/2 plano k = 0 (aberto)
O universo de Einstein, que contém matéria mas não tem movimento, e
o universo de de Sitter, que tem movimento mas não tem matéria, foram os q < 1/2 hiperbólico k = - 1 (aberto)
primeiros modelos cosmológicos propostos. A imagem abaixo compara o uni-
verso de Einstein com o proposto por de Sitter. Na cosmologia que surge a partir das equações relativísticas da gravitação
a curvatura do espaço é definida pela expressão
TEM UMA ANIMAÇÃO
K = k/R2
O UNIVERSO DE FRIEDMAN
Nessa equação k é a conhecida constante de curvatura e R é o fator de
Alexander Friedmann nasceu na Rússia em 1888. Embora sua família te- escala do universo.

300  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  301


A constante de curvatura k tem sempre um dos três possíveis valores ou elípticas e têm velocidades menores do que suas velocidades de escape.
seja, k = 0 ou k = + 1 ou k = - 1.
• k=-1

O significado desses três valores diferentes é mostrado na tabela abaixo. TEM UMA ANIMAÇÃO
Nesse modelo de universo de Friedmann o universo em expansão
CONSTANTE DE ÓRBITAS NO ESPAÇO é hiperbólico,
ESPAÇO RELATIVÍSTICO infinito e não limitado. Ele se expande continuamente e
CURVATURA K NEWTONIANO dura por um período infinito de tempo no futuro.
EM EXPANSÃO
+1 elípticas Esse modelo de universo foi descoberto por Friedmann em 1924 e
esférico
foi investigado em 1932 pelo cosmólogo alemão Otto Heckmann.
0 parabólicas plano
Pensando em uma descrição Newtoniana do universo, esse modelo
-1 hiperbólicas hiperbólico
de Friedmann corresponderia a uma bola que se expande continua-
mente. Nesse universo as partículas em queda livre seguem órbitas
Vejamos alguns detalhes desses modelos de Friedman. hiperbólicas e têm velocidades maiores do que suas velocidades de
escape.
• k=0
As soluções de Friedman também nos permitem concluir algo sobre a pos-
TEM UMA ANIMAÇÃO sível idade do universo. Temos que:
Neste tipo de universo o espaço-tempo que se expande é plano, in-
finito e não limitado. Esse universo se expande continuamente e é do
PARÂMETRO DE DESACELERAÇÃO IDADE
tipo “grande explosão” - oscilante.
q > 1/2 menor do que 2/3 do período de Hubble
Como podemos facilmente notar esse modelo de universo dura um
período infinito de tempo no futuro. q = 1/2 igual a 2/3 do período de Hubble

O modelo de universo que estamos descrevendo é o mais simples q < 1/2 maior do que 2/3 do período de Hubble
de todos os universos conhecidos mas não foi considerado nem por
Friedmann nem por Lemaître sendo primeiro proposto por Einstein TEM UMA ANIMAÇÃO
e de Sitter em 1932. Mesmo assim ele é conhecido ou como universo
de Friedmann de curvatura zero ou universo de Einstein - de Sitter. Note que, para as soluções obtidas por Friedman consideradas com o mes-
mo H mas q diferente, quanto mais alto é o valor de q mais curta é a idade do
Pensando em uma descrição Newtoniana do universo, esse modelo
universo.
de Friedmann corresponderia a uma bola que se expande continua-
As soluções de Friedman também nos dizem algo sobre a densidade do
mente. Nesse universo as partículas em queda livre seguem órbitas
universo. Vemos que:
parabólicas e têm velocidades iguais às suas velocidades de escape.
• k=+1
PARÂMETRO DE DESACELERAÇÃO DENSIDADE
TEM UMA ANIMAÇÃO
q > 1/2 maior que a densidade crítica
Nesse tipo de universo o espaço-tempo que se expande é esférico,
q = 1/2 igual à densidade crítica
finito e não limitado.
q < 1/2 menor que a densidade crítica
Esse universo se expande até um tamanho máximo e então colapsa.
Ele é, portanto, do tipo “grande explosão” - “grande explosão” (“big
bang” - “big bang”). Portanto esse universo existe somente por um pe- O UNIVERSO DE LEMAÎTRE
ríodo finito de tempo.
George Lemaître nasceu em 1894 e foi ordenado padre em 1922. Em 1927,
Esse modelo de universo foi descoberto por Alexander Friedmann
no mesmo ano em que obteve seu Ph.D pelo Massachusetts Institute of Tech-
em 1922 e posteriormente redescoberto pelo abade francês Georges
nology nos Estados Unidos, Lemaître publicou seu principal trabalho sobre a
Lemaître em 1927.
expansão do universo.
Pensando em uma descrição Newtoniana do universo, esse modelo Como já dissemos, Lemaître redescobriu as equações cosmológicas que
de Friedmann corresponderia a uma bola que se expande e em seguida haviam sido desenvolvidas anteriormente por Friedmann.
colapsa. Nesse universo as partículas em queda livre seguem órbitas No meio da discussão sobre o significado e o mérito dos universos de Eins-
tein e de de Sitter, o trabalho de Lemaître não foi notado até que o físico inglês
Arthur Eddington chamou a atenção para ele, três anos mais tarde, e fez com
que ele fosse traduzido para o inglês.
Lemaître foi o primeiro a advogar a existência de um estado inicial de alta
densidade, que ele chamou de “átomo primitivo”. Por esse motivo ele é consi-

302  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  303


derado por muitos como o “pai do big bang”. equilibrado por tanto tempo, que acordou somente há 15 bilhões de anos.
Lemaître destacou entre as várias possíveis soluções das equações de Fried- Eddington foi forçado a postular um passado infinito para exorcizar o es-
mann aquela que descrevia um universo fechado com uma força repulsiva Λ. pectro de um começo catastrófico. Ele foi o primeiro, mas não o último, dos
Neste caso a constante cosmológica é positiva. cosmólogos modernos a ficar terrificado pelo pesadelo de nascimento e morte
O universo estudado por Lemaître tem os mesmos ingredientes básicos cósmicos.
que o universo de Einstein com a importante diferença de que Λ tem um valor O universo de Eddington existe em um estado de inatividade. Ele começa
ligeiramente maior do que aquele escolhido anteriormente por Einstein. Por a se manifestar, envelhece graciosamente e termina em uma oscilação. Entre-
conseguinte, o universo de Lemaître não pode ser estático. tanto não se pode escapar da implacável lei da cosmogênesis: criação não pode
O universo de Lemaître começa com um big bang e tem dois estágios de ser considerada apenas como um evento que ocorreu no passado infinito pois
expansão. No primeiro estágio a expansão desacelera porque a gravidade é o universo contém tempo e o tempo, seja finito ou infinito, é criado com o uni-
mais forte do que a repulsão da força Λ. Ele então se aproxima lentamente verso, embora hoje já sejam levantadas dúvidas sobre essa última afirmação.
do raio do universo de Einstein. Aproximadamente nessa fase a repulsão se
torna maior do que a gravidade e tem início o segundo estágio de expansão. O MAS, AFINAL, O QUE É ESSA “GRANDE EXPLOSÃO”
universo agora se expande a partir do raio de Einstein, a princípio lentamente CHAMADA “BIG BANG”?
e então a uma taxa crescente.
O “big bang” frequentemente é citado como uma “grande explosão”. Esse
TEM UMA ANIMAÇÃO termo pode nos levar a grandes erros de interpretação.
Uma explosão é algo que ocorre em um ponto no espaço enquanto que o
O universo de Lemaître por conseguinte começa como um Big Bang, se “big bang” teria sido um fenômeno englobando todo o espaço-tempo existente.
desenvolve eventualmente em um estágio oscilante e, ao longo desse caminho, Em uma explosão ordinária o gás é lançado para fora de uma determinada
hesita quando passa pelo tamanho do universo de Einstein. Ele combina su- região bem localizada no espaço por um gradiente de pressão ou seja uma
avemente as propriedades dos universos de Einstein e de Sitter: ele é fechado grande diferença de pressão entre o centro da explosão e a borda do gás em
como o universo de Einstein, ele tem repulsão cósmica como ambos os uni- expansão. No universo não existe tais gradientes de pressão porque a pressão
versos e sob o estimulo dessa repulsão ele mais tarde infla como o universo de é a mesma em todos os lugares. Não existe centro e não existe borda.
de Sitter. O termo “bang”, que seria melhor traduzido como “barulho”, sugere que
ondas sonoras são emitidas e que um ruído é ouvido. No entanto, as equações
O UNIVERSO DE EDDINGTON que definem a possível ocorrência desse processo no universo mostram que
nenhuma onda sonora é produzida.
George Lemaître foi atraído pelo “big bang” possivelmente por motivos É muito comum encontrarmos, até mesmo em livros de cosmologia, ter-
religiosos. O físico inglês Arthur Eddington não gostava da ideia e a achava mos tais como “a hipótese do big bang” e “a teoria do big bang”. Se essas ex-
esteticamente desagradável. pressões possuem algum significado elas devem ser apenas alguma maneira
Em vez de adotar um começo abrupto para o universo, em 1930 Eddington disfarçada de se referir ao estado singular encontrado em vários modelos de
passou a defender um novo modelo de universo no qual permitia-se que a universo previstos pela teoria relativística da gravitação.
evolução começasse em um instante de tempo infinito, o que é necessário se o Isso nos leva a afirmar que a expressão “big bang”, ou em português “gran-
universo deve ter um começo natural. de explosão”, embora seja algo fácil de imaginar nos induz a uma ideia absolu-
O universo de Eddington existe inicialmente, durante um período infinito tamente errada sobre o que pode ter acontecido e deve ser evitada. É uma pena
de tempo, de modo semelhante a um universo estático de Einstein. Então, que o termo “big bang”, introduzido casualmente e ironicamente pelo cien-
como resultado de uma perturbação acidental, ele deixa de ser estático e co- tista inglês Fred Hoyle em uma de suas críticas aos modelos de universo em
meça a se expandir. Veja que esse universo existe inicialmente em um estado expansão feita em um programa radiofônico da companhia inglesa BBC, te-
estático de Einstein e mais tarde muda seu comportamento para o estado de nha adquirido a divulgação que ele tem hoje, nos levando a entender de modo
um universo de de Sitter no qual a repulsão domina a gravidade. Desse modo, absolutamente errôneo o que pode ter acontecido nesse momento no universo.
o universo de Eddington junta os dois modelos de universo que previamente
tinham sido discutidos por esses dois grandes cosmólogos que o antecederam. UM CATÁLOGO DE MODELOS DE UNIVERSO

TEM UMA ANIMAÇÃO Classificação cinemática


Existem várias maneiras pelas quais podemos classificar os modelos de
É curioso notar que Eddington, o cientista que descobriu que o modelo de universo obtidos a partir das equações relativísticas da gravitação. Uma dessas
universo estático proposto por Einstein era instável, tenha escolhido numa maneiras é considerando de que modo o fator de escala R varia com o tempo
solução de universo que existe, inicialmente, por um período indefinidamente
longo no estado estático instável, exatamente como aquele descrito por Eins-
tein. Já vimos que isso nos diz que nenhuma formação de galáxia poderia
ter ocorrido e nenhuma vida existido nesse universo estático, precariamente

304  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  305


nesses diferentes casos. As figuras abaixo mostram esse tipo de classificação.
Sabemos que o universo está se expandindo no momento. Então podemos
dizer que existem nove modelos possíveis aceitáveis. São eles:

TEM NOVE ANIMAÇÕES

Os outros cinco possíveis modelos são abandonados pelo fato de que eles

Ensino a Distância
não prevêm períodos de expansão. São eles:

TEM CINCO ANIMAÇÕES

cosmologia
Classificação dinâmica

Uma outra maneira de classificar os possíveis modelos cosmológicos está


fundamentado nas equações de Friedmann. Eles se baseiam nos três valores
possíveis da constante de curvatura k, levando em consideração que para cada

2015
valor dessa constante de curvatura k a constante cosmológica Λ pode ter dois
valores específicos significantes, podendo ser igual a zero ou igual ao valor
proposto por Einstein, ΛE. Além disso a constante cosmológica Λ pode ter três
intervalos significantes de valores podendo ser menor que zero, maior do que
Da origem ao fim do universo
zero, porém menor do que o valor de Einstein ΛE, e maior do que o valor de
Einstein ΛE. Temos então 15 possíveis classes de modelos cosmológicos.
Tirando o caso óbvio quando Λ = 0, nos casos quando Λ é igual ao valor de
Einstein ΛE, ou está no intervalo em que é maior do que zero e menor do que
o valor de Einstein ΛE, ou então é maior do que o valor de Einstein ΛE, a força
Λ é repulsiva e se opõe à gravidade. No caso em que Λ é menor do que zero, a
força Λ é atrativa e aumenta a gravidade.
No entanto quando Λ é igual ao valor de Einstein ΛE, ou maior do que
zero e menor do que o valor de Einstein ΛE, ou então é maior do que o valor
de Einstein ΛE, nos casos em que k = 0 ou k = -1 eles são dinamicamente
equivalentes.
Ficamos então com apenas 11 classes distintas:

TEM ONZE ANIMAÇÕES

Note que nem todas as descrições cinemáticas são possíveis de acordo com
o ESQUEMA DE CLASSIFICAÇÃO DINÂMICO MOSTRADO
ACIMA.

Módulo 7
A história térmica
do Universo

306  Módulo 1 · A história da Cosmologia


Ensino a Distância
cosmologia

2015
Da origem ao fim do universo

Módulo 7
A história térmica
do Universo

Divisão de Atividades
Educacionais - ON/MCTI
45
A HISTÓRIA TÉRMICA DO UNIVERSO

A observação sistemática das galáxias nos revelou uma surpreendente su-


cessão de fenômenos. É fato bem determinado que as galáxias possuem uma
hierarquia em sua distribuição pelo cosmos. Elas se reúnem em grupos e em
aglomerados que podem possuir de centenas a milhares de membros. Vários
A História
aglomerados se agrupam em estruturas ainda maiores, os superaglomerados
de galáxias, que lançam um poderoso desafio aos pesquisadores: as galáxias
Térmica do
sempre existiram ou foram criadas em algum momento? Se foram criadas, Universo
como isso ocorreu? Nuvens imensas de matéria se fragmentaram em galá-
xias ou as galáxias já formadas é que se reuniram em aglomerados? Outras
observações revelaram que as linhas espectrais das galáxias se apresentam
desviadas para a região vermelha do espectro eletromagnético, fenômeno
esse conhecido pelo nome inglês de “redshift”. Essa descoberta realizada por
Edwin P. Hubble em 1929 é interpretada pela grande maioria dos astrônomos
como significando que as galáxias estão se afastando umas das outras. Mas
as galáxias se afastam do que e porque? Na verdade não são as galáxias que
se afastam umas das outras por meio de algum processo dinâmico inerente
a elas mas o espaço-tempo é que está se expandindo. Se pensarmos em sen-
tido contrário, nos deslocando para trás no tempo, vamos concluir que toda
essa matéria, em algum momento, esteve concentrada em uma região de di-
mensões muito pequenas o que nos leva a concluir que a densidade existente
quando t tende para zero era surpreendentemente alta. Além disso também foi
constatada a existência de uma radiação de fundo de microondas que permeia
todo o universo e que hoje possui uma temperatura de aproximadamente 3
Kelvin. Como o universo está se expandindo e a temperatura é sensível a esse
fenômeno, diminuindo com a expansão do sistema, somos levados a acreditar
que, nos seus instantes iniciais, o universo deve ter tido uma temperatura ex-
tremamente alta. Esses são os dados observacionais que nos levam a acreditar
que o universo teve uma origem.
Qual é então a nossa descrição sobre o início do universo? Em um deter-
minado instante de tempo (oops! esta é uma afirmação perigosa pois podemos
perguntar se o tempo foi criado junto com o universo ou se ele já existia antes
da criação do universo) o universo se formou a partir de uma singularidade
do espaço-tempo onde deveria haver densidade e temperatura infinita. O que
se forma a partir desse instante é o próprio espaço-tempo (não as estruturas
de matéria que conhecemos como as estrelas e as galáxias, pois essas só irão se
formar muitíssimo mais tarde), que se expande continuamente dando origem
ao nosso universo. Essa seria a representação de como teria se originado o
universo, tudo que conhecemos e que, por ser tudo, não permite a existência
de um observador exterior a esse espetacular evento. A isso foi dado, pejora-
tivamente pelo físico inglês Fred Hoyle, o nome de Big Bang, nome que quer
dizer a “grande explosão”, algo que nunca aconteceu.
Insistimos aqui que não poderia haver um observador para esse evento,
uma vez que ele necessariamente seria parte do universo que está sendo cria-
do. Um observador somente poderia presenciar a geração do universo se ele
fosse algo externo ao universo mas isso é impossível pois não pode haver nada
fora do universo. Assim, quando um filme de TV nos mostra o Big Bang como
uma linda explosão colorida há nisso dois erros fundamentais:

• não houve explosão nenhuma, pelo menos no sentido usual que damos
a esse termo.
• ninguém poderia assistir à criação do universo por ser parte integran-
te dele, estar sendo formado ao mesmo tempo que ele. Em linguagem

310  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  311


mais clara, ninguém até hoje conseguiu assistir ao seu próprio parto
1 1010 1 MeV
em tempo real. processos nucleares
102 109 0,1 MeV
Após ser criado, o universo se expandiu e, consequentemente, começou a
esfriar. Temos então uma história térmica para o universo. Essa história pro- 1012 4 x 103 0,4 MeV processos atômicos
cura descrever os inúmeros processos físicos que ocorreram nessa odisséia e 1012-16 - -
que estão intimamente associados à temperatura do universo. Esses processos processos gravitacionais
englobam criação, destruição e transformação. Alguns são mais suaves, ou- 8 x 1017 2,7 3 x 10 -4 eV
tros são extremamente violentos com a liberação de quantidades de energia
jamais imaginadas anteriormente. A primeira coluna da tabela mostra a idade do Universo. A segunda coluna
Mostramos abaixo algumas tabelas que esquematicamente descrevem a mostra a temperatura T correspondente a essa idade ou seja a temperatura
história térmica do universo. Os nomes dados às diversas eras, com algumas da radiação Tr. A terceira coluna nos dá a energia E= kT que corresponde
poucas exceções, variam com os autores, porém a física subjacente a eles é a essa temperatura. A última coluna nos informa o principal processo físico
sempre a mesma. que ocorre em cada uma dessas épocas e é determinado pela escala de energia
Alguns tamanhos úteis em ordem de grandeza naquele instante.

ERA DE RADIAÇÃO E ERA DE MATÉRIA


PROPRIEDADE VALOR
comprimento de Planck 10 -35 metro Durante os primeiros estágios da expansão do universo a energia de ra-
diação era maior do que a energia da matéria. Hoje a densidade de radiação é
limite observacional atual no interior da matéria 10 -19 metro
menor do que 1/1000 da densidade de matéria do universo.
diâmetro do próton 10 -15 metro Quando, entretanto, a temperatura do universo era aproximadamente
diâmetro do núcleo atômico 10 -14 metro igual a 4000 K e a idade do universo era 500000 anos, a densidade de radiação
tornou-se igual à densidade de matéria. Antes daquela época a radiação domi-
diâmetro do átomo 10 -10 metro nava a matéria. Este estágio inicial do universo é chamado de “era de radiação”
altura do ser humano 1,0 - 2,0 x 100 metros enquanto que o estágio subsequente é a “era de matéria”.
Logo depois do começo da era de matéria, quando a idade do universo era
diâmetro da Terra 107 metros
de 700000 anos, um outro evento significante ocorreu: a criação de átomos a
diâmetro de uma estrela 109 metros partir de núcleos e elétrons. A temperatura do universo, neste estágio, era de
distância Terra-Sol (= 1 unidade astronômica) 1,5 x 1011 metros 3000 K. A temperaturas maiores os átomos estavam ionizados por causa das
contínuas colisões entre partículas e fótons. À medida que a temperatura caiu
diâmetro da nossa Galáxia (~ 1011 estrelas) ~ 1021 metros abaixo de 3000 K os fótons não tiveram mais energia suficiente para ionizar
diâmetro dos aglomerados de galáxias ~ 1023 metros a matéria inteiramente de modo que átomos neutros podiam ser formados. A
maioria dos elétrons tomaram parte na formação de átomos neutros de forma
diâmetro dos superaglomerados de galáxias ~ 1024 metros
que somente alguns poucos elétrons livres foram deixados para trás e a intera-
diâmetro da parte visível do universo (raio de Hubble ~ 1011 galáxias) ~ 5 x 1026 metros ção entre fótons e elétrons cessou.
1 megaparsec = 106 parsecs = 3,3 x 106 anos-luz 3,1 x 1022 metros Ao mesmo tempo o caminho livre médio dos fótons, devido ao espa-
lhamento por átomos neutros, se tornou tão grande quanto o tamanho do
horizonte. Por conseguinte os fótons se tornaram desacoplados da matéria e
COMO OS DIVERSOS PROCESSOS FÍSICOS
ficaram livres para se mover através de todo o espaço. Hoje esses fótons cons-
DOMINAM A HISTÓRIA DO UNIVERSO
tituem a chamada “radiação de fundo de microonda”.
Mostramos abaixo as diversas subdivisões que caracterizam tanto a era de
Na tabela abaixo mostramos os vários processos físicos que dominam
domínio de radiação como a era de domínio de matéria.
épocas determinadas da evolução térmica do universo. Esses processos físicos
estão intimamente associadas a fatores tais como a energia existente na época
considerada. DOMÍNIO DA TEMPO DENSIDADE TEMPERATU-
RADIAÇÃO (SEGUNDOS) (KG/M3) RA (KELVINS)
IDADE TEMPERATURA PRINCIPAL PROCESSO de infinito a de infinito a
ENERGIA ERA PLANCK de t = (?) a t = 10 -43 segundos
(SEGUNDOS) (KELVIN) FÍSICO 1095 1032
10 -44 1032 1019 GeV gravitação quântica ERA GUT de t = 10 -43 segundos a t = 10 -35 segundos de 1095 a 1075 de 1032 a 1027
10 -30 1028 1015 GeV ERA HÁDRON de t = 10 -35 segundos a t = 10 -4 segundos de 1075 a 1016 de 1027 a 1012
10 -12 1016 103 GeV processos de partículas ERA LÉPTON de t = 10 -4 segundos a t = 102 segundos de 1016 a 104 de 1012 a 109
10 -4 1012 102 GeV de t = 102 segundos a t = 3 x 1010 segundos
ERA NUCLEAR de 104 a 10 -13 de 109 a 6 x 104
(1000 anos)
312  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  313
DOMÍNIO DA TEMPO DENSIDADE TEMPERATURA
MATÉRIA (SEGUNDOS) (KG/M3) (KELVINS) “IDADE DO
TEMPERATURA MATÉRIA NO UNIVERSO COMENTÁRIOS
UNIVERSO”
de t = 3 x 10 segundos a t = 3
10
ERA ATÔMICA de 10 -13 a 10 -19 de 6 x 104 a 103 • 0,4 fótons por mm3
x 1013 segundos
• 0,1 - 1 nucleon por m3
de t = 3 x 1013 segundos a t
“FASE” GALÁCTICA de 10 -19
a 3 x 10 -25
de 10 a 10
3
• razão n/p ~ 1/8 (em
= 3 x 1016 segundos + matéria
média)
~ 2 x 1010 anos ( escura?
de t = 3 x 1016 segundos até • razão e/p ~ 1 (em média)
“FASE” ESTELAR hoje (> 1010 anos aproximada- de 3 x 10 -25 a 10 -26 de 10 a 3 ~ 6 x 1017 segun- 3 K (~ 2,6 x 10-4 eV)
dos) • alguns poucos neutrinos
mente 3 x 1017 segundos
por mm3
fótons desacoplam das ou-
TEMPO TEMPERATURA tras formas de matéria; os
FASES ENERGIA (EV)
(SEGUNDOS) (KELVINS) átomos existem

ERA PLANCK 109 fótons/mm


Gravitação Quântica do Big Bang até 10 -43 • fótons em equilíbrio com
10? 10? GeV
(Supergravidade? Dimensões extras? segundos plasma de núcleos e
Supersimetria? Superstrings?) ~ 6 x 105 anos ~ 3000 K elétrons

início da ERA GUT 10 -43 segundos 1032 1019 GeV • nêutrons ligados em
núcleos formação de
Transição de fase da GUT: inflação, de- energia
10 -35 segundos 1027 1014-16 GeV • prótons e nêutrons for-
feitos topológicos; Início da ERA QUARK mam gás
~ 3 minutos (=
~ 0,1 MeV
Transição Eletrofraca Início da ERA 180 segundos) • não existem pares elé-
10 -10 segundos 1015 300 GeV a matéria
HÁDRON tron-pósitron
“conhecida” é
Transição Quark-Hádron: quebra de • pares elétron-pósitron principalmente os “três
simetrial chiral e confinamento de cor 10 -5 segundos 100-300 MeV em equilíbrio com fótons leptônica mas primeiros
(formação de bárions e mésons) e prótons há evidência da minutos”
~ 15 segundos ~ 0,3 MeV
• os neutrinos desacoplam existência de
Início da ERA LÉPTON 1013 10 matéria “escura”
de outras formas de
Desacoplamento do neutrino Início da matéria
1 segundo 1010 10 -3
ERA FÓTON-PLASMA • neutrinos em equilíbrio
Aniquilação elétron-pósitron 4 segundos 5 x 10 -4 com a matéria
~ 1 segundo ~ 1 MeV • não existem hádrons ex-
NUCLEOSSÍNTESE do Big Bang: ori- ceto prótons e nêutrons
10 -2 segundos a 102
gem do He4, He3, Deutério e Lítio (física 10 a 0,1 MeV
segundos
nuclear)
~ 10-3 segundo ~ 30 MeV • hádrons instáveis
Igualdade matéria-radiação Início da
5 x 10 segundos
11
10 5
10 -9
LIMITE DA FÍSICA “CONVENCIONAL”
ERA DE MATÉRIA
Recombinação do Hidrogênio (íons e ~ 5 x 10-5 segundo ~ 150 MeV os hádrons formam gás
elétrons se combinam para formar áto- transição de fase hadrônica (grande diminuição de energia e densidade de entropia)
mos: física atômica) 1013 segundos 3000 3 x 10 -10
Desacoplamento entre matéria e radia-
ção (fóton)
Formação de estruturas não lineares 1017 segundos 3 6 x 10 -13

314  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  315


matéria hadrônica coalesceu A temperatura de 1010 K
em plasma de quark-gluon A essa temperatura corresponde uma idade do universo de t= 1,1 segundos.
As interações fracas saem do equilíbrio térmico. Consequentemente neu-
1036
trinos e antineutrinos não estão mais em equilíbrio térmico com as outras
partículas
~ 2 x 10-5 segundo ~ 250 MeV por mm3 = partículas. Ao invés disso eles se movem livremente no espaço. A energia deles
1 partícula se reduz continuamente devido à expansão cósmica.
por fm3 De acordo com as previsões teóricas se pudéssemos observar estes neutri-
proporcional nos cosmológicos, que preenchem o espaço uniformemente, eles deveriam ter
a T3 matéria
“conhecida” hoje uma temperatura de 2 K. Atualmente não existe uma maneira conhecida
as interações principalmente de observar esta radiação, porque o neutrino interage muito fracamente com
~ 10 GeV (= 104
~ 10-8 segundo eletromagnética, fraca e forte hadrônica a matéria. Para parar um neutrino precisamos, em média, de uma parede de
MeV)
são independentes; fótons chumbo com vários anos-luz de espessura.
natureza da Entretanto, como o número desses neutrinos é enorme (estima-se que a
transição de fase eletrofraca
matéria escura?
energia total deles é de pelo menos 45% da energia total dos fótons) não está
as interações
eletromagnética e fraca se fora de questão de que um dia essa radiação de neutrino será detectada. Tal
misturam descoberta será um dos mais importantes avanços da cosmologia.
A uma temperatura de 1010 K existem mais prótons do que nêutrons, cerca
~ 10-12 segundo ~ 103 GeV os fótons estão misturados
com Zo sem massa e W± sem
de 76% de prótons e 24% de nêutrons. Isso é devido ao fato de que a massa do
massa nêutron é ligeiramente maior do que a massa do próton e as duas espécies são
mantidas em equilíbrio pelas interações fracas. As reações que produzem os
??????????
prótons são assim favorecidas em relação às reações reversas que produzem
interações eletrofraca e os nêutrons.
~ 10-32 segundo ~ 1013 GeV
nuclear separadas; gluons outro tipo de Quando as interações fracas saem do equilíbrio, a razão de prótons para
expansão? nêutrons “congela” no valor alcançado naquela temperatura.
transição de fase eletronuclear
criação de
(origem da assimetria de bárions?, monopolos? strings?)
matéria e
interações eletrofraca e entropia a A temperatura de 109 K
nuclear se misturam partir de A essa temperatura corresponde uma idade do universo t= 3 minutos.
energia Esta temperatura está bem abaixo do valor mínimo exigida para a criação
~ 10-36 segundo ~ 1015 GeV gluons misturados com
de campo de pares elétron-pósitron. Os fótons, consequentemente, cessaram de formar
outras partículas
coerente? estes pares e a maior parte dos elétrons e pósitrons já formados se aniquilam
???????????????? mutuamente. Somente alguns elétrons foram deixados para trás, aproxima-
~ 10-42 segundo ~ 1018 GeV ???????????? damente igual em número de prótons, de modo que a carga total do universo
é zero ou quase zero.
GRAVITAÇÃO QUÂNTICA ???
Neste estágio os elementos leves são formados em grandes quantidades,
~ 10 GeV
19
principalmente deutério D (ou hidrogênio pesado 2H) e hélio (2He4). As coli-
~ 0 (por defini-
ção) sões entre prótons e nêutrons, que são agora na proporção 86% prótons para
(energia de Planck)
14% nêutrons, formam núcleos de deutério. Posteriormente o deutério colide
com prótons e nêutrons e forma o hélio.
OS TRÊS PRIMEIROS MINUTOS Todo o deutério e o hélio é formado em um intervalo de tempo muito cur-
to. No final desse estágio a temperatura é T= 0,9 x 109 e a idade do universo
A temperatura de 1011 K é t= 3 minutos e 45 segundos. Um pouco mais tarde, praticamente todos os
A essa temperatura corresponde uma idade do universo t= 0,01 segundo. nêutrons foram incorporados em hélio 2He4 e outros elementos, de modo que
Existe equilíbrio térmico entre fótons e partículas. Elétrons, neutrinos e não são deixados mais nêutrons para que a nucleossíntese continue. Somen-
suas antipartículas (pósitrons e antineutrinos) estão sendo criados em abun- te muito mais tarde os elementos mais pesados são formados nos interiores
dância. A criação de hádrons cessou, uma vez que estes exigem temperaturas estelares.
muito mais altas. A nucleossíntese cosmológica dura aproximadamente 4 minutos, de t= 10
Os prótons e nêutrons estão sendo continuamente convertidos uns nos segundos a t= 3 minutos e 45 segundos. Este estágio, muito importante da
outros. Deste modo eles se apresentam em proporções mais ou menor iguais, evolução cósmica, foi primeiramente descrito por George Gamow e seus cola-
50% de prótons e 50% de nêutrons. boradores no ano de 1948.
Nenhum elemento químico complexo pode ser formado, pois quaisquer Entre o final da nucleossíntese, t= 4 minutos, até a época da formação dos
concentrações de prótons e nêutrons é imediatamente dispersada. átomos, trec = 700000 anos, nada importante aconteceu. Depois da época de
recombinação, o evento mais importante no universo foi a formação de galá-
xias e estrelas como veremos mais tarde.

316  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  317


46
O intervalo de formação de energia de 10 segundos Também em um meio ambiente mais quente do que 3000 K a maioria dos
< t < 24 horas ~ 0,9 x 105 segundos átomos estaria ionizada. Deste modo o período de radiação não era feito de
• de t ~ 10 segundos em diante, prótons e nêutrons estavam em equilí- um estado de fótons mais átomos. Ela era um tipo de plasma uniformemente
brio cinético com os fótons, mas não em equilíbrio “nuclear-químico” distribuído e esse plasma era composto de uma mistura de elétrons, prótons,
porque a formação de núcleos é lenta demais. núcleos atômicos e fótons.

• se o equilíbrio completo prevalece, a maior parte de p e n estaria pri-


Alguns períodos selecionados na história térmica
O início do
meiro em 4 He (0,3 MeV > T > 0,2 MeV) e então em 56 Fe (T < 0,2 MeV).
do universo universo:
• então a energia é criada até 7,7 MeV/nucleon. • Era Planck as Eras
energia = quantidade máxima de trabalho mecânico • Era de Grande Unificação
que pode ser extraída de um sistema físico até que o • Era Inflacionária
equilíbrio é alcançado • Era Hadrônica
• isso ocorreu até t ~ 24 horas ~ 0,9 x 105 segundos, quando T ~ 3 keV • Era Leptônica
• em t ~ 2 x 10 segundos uma energia de 10 eV/nucleon foi perdida
13
• Era de Nucleossíntese
devido à formação de átomos.
• Era de Recombinação
• a energia restante é a base da produção de energia nuclear por estrelas
• A formação de estrelas e galáxias
(e também da vida?)
• outra fonte de energia: estrelas colapsantes
O INÍCIO DO UNIVERSO: AS ERAS

A RADIAÇÃO DE FUNDO ERA PLANCK

A primeira conclusão que podemos tirar da radiação de fundo cósmica é Como a física consegue explicar o começo do universo? Na verdade a física
que o universo primordial deve ter sido muito quente. O universo se expande que conhecemos hoje não consegue. Quando voltamos no tempo, na direção
e isso nos diz que a temperatura da radiação no universo está sempre caindo. daquilo que teria sido o chamado Big Bang, deparamos com uma barreira ao
Portanto, quanto mais primitivo for o instante cósmico considerado, mais alta nosso conhecimento, até agora intransponível, e que chamamos de era Plan-
deve ter sido sua temperatura. ck. O mais importante é que essa barreira não será superada apenas aprofun-
A temperatura da radiação é inversamente proporcional ao fator de escala dando o que já sabemos de física. Na verdade precisamos de uma nova teoria
do universo ou seja física para descrever o que deve ter acontecido nesses primeiros momentos do
universo.
Tr proporcional 1/R Ocorre que à medida que vamos para dimensões muito pequenas, o domí-
nio da física quântica fica estabelecido. Os conceitos de tempo e de espaço não
Veja que quando R é muito pequeno, isto é, no universo primordial, Tr têm mais os significados normais que nos são dados pela física clássica. Nessas
pode ser muito alta. condições, a Teoria Relativística da Gravitação não pode ser usada: ela perten-
Deve ser enfatizado que Tr é somente a temperatura da componente de ce ao domínio da física clássica ou seja, ela não descreve os processos quânti-
radiação. Então, um Tr alto não é equivalente à alta temperatura do universo cos. Precisamos de uma teoria que descreva os fenômenos gravitacionais que
inteiro. ocorrem dentro do domínio quântico. Precisamos de uma Teoria Quântica da
Cálculos nos mostram que quando a temperatura da radiação era mais Gravitação e esta ainda não é conhecida. Várias tentativas têm sido feitas para
alta do que 300 K, o universo estava preenchido principalmente com radiação, desenvolver uma teoria desse tipo, mas os princípios envolvidos são bastante
com partículas salpicadas aqui e ali. Este período é chamado de era radiativa complexos.
do universo. Há ainda um outro problema: para descrever esses momentos iniciais do
Durante essa fase radiativa não existiam estrelas. Essas foram formadas universo é necessário que as interações fundamentais que conhecemos este-
quando as partículas se gruparam por meio de atração gravitacional mútua. jam unificadas em uma única teoria. Por interações fundamentais queremos
A ação da radiação é “soprar” estas aglomerações de matéria, impedindo que dizer as forças que atuam na natureza, no nosso dia-a-dia, e são as responsá-
elas se formem. Durante a era de radiação o seu vento era muito mais forte do veis pelos diversos fenômenos que ocorrem ao nosso redor. Para descrever os
que a gravitação entre as partículas e, dessa maneira, ela conseguia impedir fenômenos eletromagnéticos temos a eletrodinâmica quântica. Os processos
qualquer acumulação de matéria. que ocorrem no interior da matéria, no núcleo dos átomos, são descritos pela
Desse modo, na época quando Tr > 3000 K, as várias partículas materiais cromodinâmica quântica, enquanto que os processos de emissão radioativa,
do universo estavam quase que uniformemente distribuídas no espaço, sem responsáveis pela transmutação de alguns elementos químicos, são produzidos
acumulações, ou aglomerações e sem formar de modo algum estruturas pela chamada interação fraca. A unificação das teorias eletromagnética e fraca
complicadas. deu origem à chamada teoria eletrofraca ou teoria de Glashow - Weinberg -
Salam. Procura-se hoje, e até agora não foi achada, uma teoria que englobe os

318  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  319


processos descritos pela teoria eletrofraca e pela cromodinâmica quântica, a seria a razão pela qual somente percebemos 4 dimensões em nosso universo.
chamada teoria de grande unificação ou, simplesmente GUT, abreviação do Em resumo:
termo inglês Grand Unified Theory. Essa teoria deverá ser unificada com a A era Planck cobre o intervalo de tempo que vai de 10-43 a 10-35 segundos
teoria da gravitação, dando origem a uma única teoria capaz de descrever to- depois do Big Bang.
dos os processos que ocorrem no universo. A essa teoria, que unifica todas as A temperatura durante esta época é estimada diminuir de 1032 K a 1027 K.
interações fundamentais da natureza, damos o nome de supergravidade.
A menos de alguma surpresa, e a história da física está cheia de exemplos • 10 -43 segundos
deste tipo, somente uma teoria de supergravidade é que teria condições de Neste instante a força da gravidade se separou das outras três forças,
explicar os primeiros momentos do universo. Vemos, portanto, que para des- coletivamente conhecidas como a força eletronuclear.
crevermos o que aconteceu nos instantes iniciais do nosso universo possivel- Uma teoria completa de gravitação quântica tal como a teoria dos
mente ainda precisamos “inventar” duas novas teorias! superstrings é necessária para compreendermos estes eventos muito
primordiais. Entretanto, a atual compreensão da cosmologia na teoria
Teorias da Gravitação com mais de 4 dimensões de cordas é muito limitada.
Um dos grandes nomes da física no início do século XX foi Oskar Klein, O diâmetro do universo atualmente observável é teorizado como 10-35
nascido em Mörby, Suécia. Em 1924, Klein desenvolveu um importante tra- metros, o que é conhecido como comprimento de Planck. Um inter-
balho de física teórica enquanto tentava estabelecer a unificação da teoria ele- valo de 10-43 segundos é conhecido como tempo de Planck.
tromagnética e a gravitação. Ele tentou resolver esse problema aumentando as
• 10 -36 segundos
dimensões do espaço-tempo que agora teria cinco dimensões. Ao que parece
Neste instante a força forte se separa da força eletronuclear deixando
ele não tinha conhecimento do trabalho feito em 1919 pelo físico Theodor Ka-
duas forças: forças eletromagnética e eletrofraca.
luza usando o mesmo artifício. Kaluza havia enviado esse trabalho, no qual
propunha uma unificação da gravitação com a teoria eletromagnética, para a
Os limites da Gravitação Quântica
apreciação de Albert Einstein que não se interessou por ele. Mais tarde Eins-
Em princípio à medida que R tende para zero a temperatura T tende para
tein reviu sua posição e, ao ver a originalidade das idéias ali contidas, incenti-
infinito. Chegamos então a um ponto no qual continuar raciocinando em ter-
vou Kaluza a publicá-lo. O próprio Einstein apresentou o artigo de Kaluza no
mos de física clássica se torna impossível. É incorreto estender a solução clás-
dia 8 de dezembro de 1921.
sica para R= 0 e concluir que o universo começou em uma singularidade de
Tendo agora conhecimento das ideias de Kaluza, Klein adaptou-as fazen-
densidade infinita. Uma questão comum sobre o Big Bang é “o que aconteceu
do algumas importantes modificações. Klein sugeriu que a dimensão extra, a
em t menor que 0?” Na verdade não é mesmo possível chegar ao instante zero
quinta, estava “enrolada” como uma bola que era da ordem do comprimento
sem adicionar novas leis da física. A singularidade inicial não indica algum
de Planck ou seja, 10-33. É importante notar que essa dimensão extra, embora
defeito fatal na idéia completa de Big Bang. Ao invés disso devemos nos tran-
estive “enrolada”, ainda tinha natureza euclidiana. Basicamente a quinta co-
quilizar de que o modelo do Big Bang nos dá bons resultados em todos os luga-
ordenada não era observável mas era uma quantidade física que estava con-
res exceto em um deles onde sabemos por antecedência que ele será inválido.
jugada à carga elétrica. A esse “enrolamento” de uma (ou várias) dimensões
Igualando
espaciais damos o nome de “compactificação”.
Klein supôs que a quinta dimensão era periódica com um período igual
al = h cortado c (2k)1/2 / e (tudo dividido por e) onde e era a carga do elétron
e k era a constante da gravitação de Einstein. A dimensão era da ordem do
comprimento de onda de Planck. Esse resultado de Klein despertou grande
com
interesse nos físicos. A teoria passou a ser chamada de “teoria Kaluza-Klein”.
Klein ainda faria outra grande descoberta para a física. A ele e ao físico
Walter Gordon devemos a descoberta da primeira equação de onda relativísti-
ca, a chamada “equação de Klein-Gordon”.
obtemos uma massa característica para a gravidade quântica, conhecida
Descrevendo a formação do Universo em mais de 4 como massa de Planck.
dimensões
Tentativas alternativas também têm sido feitas para descrever os instantes
iniciais do universo usando um número maior de dimensões. Embora a Teoria
Relativística da Gravitação nos forneça uma descrição do espaço-tempo em
quatro dimensões, outras teorias propõem que na era Planck o espaço poderia
possuir um número bem maior de dimensões espaciais. Por exemplo, as teo-
rias de supergravidade propõem 11 dimensões para o espaço-tempo. E onde
estariam estas dimensões suplementares? Segundo essas teorias elas teriam
sido “compactificadas”, suprimidas de tal modo que a partir da era Planck
somente quatro dimensões do nosso universo é que sofreriam expansão. Esta

320  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  321


Temos também que portanto, estável.
À medida que o universo se expande ele esfria e quando a temperatura
atinge o valor crítico de 1014 GeV o vácuo simétrico se torna instável. Para este
valor de temperatura a energia do vácuo simétrico é mais alta do que aquela
do vácuo de quebra de simetria. Isso obriga o universo a fazer uma transição
de fase indo do estado de maior energia para o estado de energia mais baixa.
Esta seria a origem da inflação que faz com que o universo se expanda de uma
e também que maneira exponencial.
A inflação também poderia ajudar as teorias de dimensões mais altas que
falamos anteriormente. Pode ser que o nosso universo seja realmente descrito
por uma teoria com um número maior de dimensões do que as quatro a que
estamos acostumados. Neste caso teríamos a ilusão de viver em um universo
com 3 dimensões simplesmente porque três das dimensões espaciais teriam
sido “inflacionadas”, enquanto que as dimensões restantes seriam, até hoje,
A massa característica para a gravitação quântica, mp, e o correspondente pequenas demais para serem observadas.
comprimento e tempo formam o chamado sistema de No final dessa era, quando o universo esfriou para 1026 K, houve uma que-
bra espontânea de simetria e as interações fundamentais, antes unificadas em
unidades de Planck que, como vimos acima pode ser construido a partir de G, uma única teoria que chamamos de GUT, foram separadas em dois tipos de
e c. interações: a interação forte e a interação eletrofraca. Iniciou-se uma nova fase
A pequenez dessas escalas faz com que as observações em laboratórios se- para o universo. Essa quebra de simetria que ocorreu durante a GUT, por não
jam impossíveis serem realizadas no momento e isso é uma das características ser a mesma em todas as regiões do universo, deu origem aos chamados de-
fundamentais de qualquer análise da gravitação quântica. feitos topológicos, entre eles os chamados monopólos magnéticos, as cordas
O tempo de Planck por conseguinte estabelece a origem do tempo para a e as paredes cósmicas.
fase clássica do chamado Big Bang.
ERA INFLACIONÁRIA
ERA DE GRANDE UNIFICAÇÃO
A Inflação do Vácuo: o conceito moderno de vácuo
No período que vai de 10-43 segundos até 10-33 segundos temos o domínio O que é o vácuo? Os cientistas em épocas diferentes têm mudado bastante
da chamada Teoria de Grande Unificação ou simplesmente GUT (do inglês a sua compreensão sobre o vácuo.
Grand Unified Theory). Nessa fase, impressionantes fenômenos irão ocorrer. Na época do predomínio da mecânica clássica o vácuo era simplesmente o
É nela que se dá a origem da assimetria entre matéria e antimatéria, ao mesmo “espaço vazio”. Com o avanço do eletromagnetismo clássico, apresentado pelo
tempo em que surgem os chamados monopólos. Também é nessa fase que físico escocês James Clerk Maxwell, o vácuo passou a ser encarado como um
ocorre o importante fenômeno da inflação cósmica, mas um processo que, “éter”, um meio rarefeito que preenchia todo o espaço.
pela sua extraordinária dinâmica fez com que o universo sofresse uma inacre- Na física moderna o vácuo é um estado fundamental, o ponto de partida de
ditável expansão em um pequeníssimo intervalo de tempo. várias excitações ou perturbações.
O modelo inflacionário foi primeiramente proposto por Guth em 1981. Se- Embora essas compreensões sobre o vácuo fossem diferentes, elas implici-
gundo ele, aproximadamente na época de quebra de simetria da grande unifi- tamente concordavam que o vácuo era único e que existia somente um bem
cação, cerca de 10-35 após o Big Bang, o universo teria passado por uma rápida determinado estado de vácuo.
e enorme expansão. Para os cientistas da época parecia que o estado de vácuo era o ponto de
Durante esse processo o raio de curvatura do universo aumentou por um partida e a base que fornecia medições para todos os movimentos. Ao mesmo
fator de 1043, o que fez com que sua geometria, inicialmente curva, se tornasse tempo ele mesmo era livre de qualquer efeito dos movimentos da matéria. A
quase que exatamente plana. Essa enorme expansão provocou um extraordi- relação entre esses dois conceitos seria unilateral ou seja
nário decréscimo na temperatura do universo, que agora se aproxima de zero.
No entanto, a energia liberada nessa transição, que chamamos de tran-
sição do vácuo, foi transformada em energia térmica. Essa energia térmica,
transferida para as partículas que estão no universo, irá reaquecê-las até que
elas estejam aproximadamente à mesma temperatura que teriam se não tivesse Essa relação unidirecional não se ajusta bem na estrutura atual da física,
acontecido a inflação. onde o efeito entre sistemas tem sempre um caráter mútuo.
O que provoca esta inflação? Novas ideias, tais como vácuo e quebra de Na teoria moderna da física de partículas estamos começando a reconhe-
simetria, serão necessárias para esclarecer o que está ocorrendo. Para a física cer que há de fato o tipo de relação mútua que esperamos entre o vácuo e o
o vácuo não é vazio. Ele está completamente preenchido de energia e, segundo movimento da matéria ou seja
a física de partículas elementares, pares partícula-antipartícula são continu-
amente criados e aniquilados nele. Nas altíssimas temperaturas que caracte-
rizam a fase GUT do universo o vácuo é o estado de energia mais baixa e,

322  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  323


• Quando T < Tc, ocorre um mínimo em σ diferente de 0
• Quando T > Tc, ocorre um mínimo em σ= 0
Neste caso Tc representa a temperatura crítica. Quando a temperatura da
matéria é mais alta do que a temperatura crítica, o vácuo está seguramente
A principal conclusão tirada disto é que, acima de tudo, o estado de vácuo localizado no estado simétrico σ= 0. Quando a temperatura cai abaixo dessa
não é certamente único e que existem muitos possíveis estados de vácuo. temperatura crítica, a simetria do vácuo é perdida.
O que queremos dizer por “vários diferentes estados de vácuo”? Vamos A história térmica do universo segue o decréscimo de temperatura. Dai,
tomar o exemplo mais simples. Suponha que existe um campo na Natureza e durante a evolução cósmica, certamente ocorreu uma série de mudanças de
sua intensidade será representada por σ. Em geral, “espaço vazio” deve corres- fase no vácuo. Mais ainda, essas mudanças sempre ocorreram de estados si-
ponder a σ= 0 pois no estado de vácuo a intensidade de campo deve ser zero. métricos para menos simétricos. Muitas assimetrias que vemos no universo
Do ponto de vista da teoria de partículas elementares, o vácuo que correspon- atual evoluíram de mudanças de fase no vácuo.
de a σ= 0 é devido apenas a σ= 0 ser o estado de energia mais baixo. Todos os A mais notável assimetria que vemos no universo de hoje é a existência
estados σ ≠ 0 têm energias mais altas. de quatro interações fundamentais de intensidades amplamente diferentes: as
A figura abaixo mostra a variação da energia do campo com a intensidade interações forte, eletromagnética, fraca e gravitacional. Isso concorda com o
do campo. Note que o ponto σ= 0 é o valor mínimo que a curva pode assumir ponto de vista de que todas as coisas foram formadas durante a evolução do
e, portanto, corresponde ao estado fundamental ou “estado de vácuo”. universo.
No entanto, um fato curioso pode acontecer. De acordo com a interpreta- Durante os estágios mais primordiais do universo, quando existia o mais
ção acima, o vácuo não necessariamente corresponde a nenhum campo-σ ou alto grau de simetria, essas quatro interações eram indistinguíveis. Só havia
ao campo em σ= 0. Se a energia do campo-σ é da forma mostrada na figura uma única “variedade” e ela podia ser descrita usando-se a chamada teoria da
abaixo, então haverá dois estados de vácuo superunificação.
À medida que o universo esfriou, ocorreram sucessivas mudanças de fase
σ= +σo no vácuo, que corresponderam à supergravidade, à Grande Unificação e à
unificação eletrofraca. Cada mudança de fase causou um abaixamento da si-
σ= -σo metria existente e a diferenciação de uma interação fundamental particular.
Veja que as quatro interações fundamentais que conhecemos hoje na natureza
Para esta curva de energia, embora σ= 0 seja um valor extremo, ele é um não existiram desse modo desde o início do universo, tendo sido geradas em
máximo de modo que o estado σ= 0 é instável. estágios de acordo com as mudanças de fase que o universo sofreu.
A chamada Teoria de Grande Unificação acredita que existe na Natureza A época na qual ocorre uma mudança de fase é determinada pela tem-
os chamados “campos de Higgs” para os quais a curva de energia tem de fato peratura crítica do universo. A teoria eletrofraca unificada é bem conhecida.
a forma mostrada na figura acima. No estado de vácuo o campo de Higgs σ Sua temperatura crítica é de kTc ~ 100 GeV. A Teoria da Grande Unificação
não é zero. também tem tido algum sucesso e sua temperatura crítica é de kTc ~ 1015 GeV.
Olhando de novo para a curva de energia da figura acima, vemos que o es- Ainda precisamos de uma teoria de superunificação que possa ser confirma-
tado σ= 0 é comparativamente simétrico, enquanto que para os estados σ= +σo da pelas observações. Um valor que podemos usar, como uma medida tem-
e σ= -σo a simetria é quebrada. Um ponto de vista básico da Teoria de Grande porária, é kTc ~ 1019 GeV. Assim, de acordo com a tabela cronológica dada
Unificação é este: o motivo pelo qual a Natureza não pode ser mantida em um anteriormente, a mudança de fase eletrofraca ocorreu na idade cósmica t ~
estado de simetria perfeita é o fato de que o estado de vácuo completamente 10-12 segundos, a mudança de fase da Grande Unificação ocorreu a t ~ 10-36
simétrico é instável segundos, e a superunificação se deu possivelmente a t ~ 10-44 segundos.

As transições de fase do vácuo ERA HADRÔNICA


O conceito de transição de fase não é estranho para nós. Por exemplo,
quando a água é resfriada a 0o ocorrerá uma mudança de fase que a fará passar O período antes de 7 x 10-5 segundos é chamado de era hadrônica.
da fase líquida para a fase sólida. Antes e depois dessa mudança de fase, a Já vimos que os hádrons são partículas pesadas e além das interações fraca
água terá a mesma composição química. O que muda nela é a simetria do seu e eletromagnética eles interagem por meio da interação forte.
estado. Fenômenos desse tipo podem ocorrer com diversos materiais, alguns Os hádrons mais familiares são os núcleons, como chamamos coletivamen-
deles tendo suas propriedades alteradas após uma transição de fase. te os prótons e nêutrons. No entanto, existe também nos núcleos dos átomos
O aspecto característico da mudança de fase que ocorre no vácuo é tam- partículas chamadas pion que são hádrons com massas 270 vezes superiores
bém uma mudança em suas propriedades de simetria. Olhemos de novo para à massa do elétron. Os pions saltam de um lado para outro entre os núcleons
o campo-σ mostrado acima. Estritamente falando a curva mostrada na figura e mantém o núcleo atômico junto apesar da repulsão elétrica existente entre
refere-se a matéria mantida a uma temperatura T= 0. Quando T é diferente de os prótons.
zero a curva passa a ser aquela mostrada na figura abaixo, que nos diz que as Na era dos hádrons o universo estava inundado deles, porque a tempera-
curvas na energia do campo σ são dependentes da temperatura. Nesse novo tura era suficientemente alta para a criação de pions, núcleons e antinucle-
caso as características das curvas são as seguintes: ons, e outros hadrons, assim como de suas antipartículas. Os léptons também
existem mas o universo é agora dominado pela presença de um mar denso de
hádrons.
324  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  325
À medida que olhamos para estágios ainda mais primordiais do univer- é um próton ele captura um elétron e se torna um nêutron. Em qualquer mo-
so, vemos que a temperatura aumenta muito. Com temperaturas tão altas no mento, aproximadamente metade dos núcleons são nêutrons e a outra metade
universo, temos um novo estado da matéria, o “plasma quark-gluon” também são prótons.
chamado de “matéria de quark”. Um nêutron é aproximadamente 1/7 de 1% mais pesado do que um próton.
A matéria hadrônica tem sua constituição determinada pela “cromodinâ- Deste modo ele é capaz, quando em estado livre, decair em um próton e um
mica quântica”, uma importante parte da teoria quântica dos campos. elétron. Por conseguinte um pouco mais de energia é necessária para criar um
Todos os sistemas hadrônicos possuem a propriedade de “confinamento”: nêutron do que é necessária para criar um próton, e por causa desta peque-
os sistemas hadrônicos no vácuo não revelam a propriedade que chamamos na diferença de energia cada núcleon na era leptônica tende a ser um próton
de “cor”. Eles se apresentam “sem cor”. Embora os três quarks que formam os ligeiramente mais duradouro do que um nêutron. Por esse motivo existem
bárions ou os pares quark-antiquark que formam os mésons não apresentem a ligeiramente mais prótons do que nêutrons.
propriedade de “cor” como um todo, seus quarks estão o tempo todo envolvi- Através da maior parte da era leptônica o número de prótons supera o de
dos por um “mar” de pares quark-antiquark e gluons. nêutrons mas apenas muito ligeiramente. No final da era leptônica, entretan-
Em baixas densidades a matéria hadrônica forma o que chamamos de “gás to, a temperatura caiu suficientemente para a diferença nas massas do nêutron
hadrônico”. Matéria hadrônica muito densa deve existir quando a matéria e do próton se tornarem importantes. Muitos elétrons agora não têm energia
nuclear é altamente comprimida, como ocorre nos objetos estelares densos, suficiente para converter prótons em nêutrons, enquanto que a conversão de
e também em altas temperaturas. Neste último caso a alta densidade dos há- nêutrons em prótons por bombardeamento de pósitrons é muito mais fácil.
drons é criada pela chamada agitação térmica e é isso que ocorre no universo Como resultado disso, no começo da era de radiação existem somente 2 nêu-
primordial. trons para cada 10 prótons.

Os hádrons devem ser agregados em um fluido contínuo e denso formado ERA DE NUCLEOSSÍNTESE
de quarks, antiquarks e gluons chamado de “plasma quark-gluon”.
A nucleossíntese primordial
Podemos obter plasma quark-gluon de duas maneiras: O problema da abundância do elemento químico hélio no universo só é
solucionado na cosmologia.
• Comprimindo a matéria nuclear por um fator 20, teremos uma densi- De acordo com a tabela cronológica da história térmica do universo que
dade de quark de ~ 20 x 3 x 0,17 fm-3 ~ 10 fm-3 vimos anteriormente, o intervalo entre as idades cósmicas de 1 segundo e 100
• Aquecendo matéria a T ~ 500 MeV ~6 x 1012 K segundos é aquele no qual a escala de energia coincide com aquela do pro-
cesso nuclear. Este é outro meio ambiente adequado para a nucleossíntese. A
Um gás de pion ideal teria ~ 6 pions/fm3 ou seja, uma densidade quark-an- nucleossíntese que ocorre durante estes dois ou três minutos é chamada de
tiquark de ~ 12 fm-3. nucleossíntese primordial.
Sob tais condições a existência do plasma quark-gluon seria inevitável. De acordo com os três critérios dados anteriormente, quando a idade cós-
mica t ~ 1 segundo, a temperatura cósmica T ~ 1010 K, a energia kT ~ 1 MeV,
ERA LEPTÔNICA o universo tem grandes quantidades de elétrons e pósitrons, porque a massa
de repouso deles é mec2 ~ 0,5 MeV. Nesse instante não pode haver muitos nêu-
Imediatamente precedendo a era de radiação, existe o que é frequentemen- trons (n) ou prótons (p) porque a massa de repouso deles é mpc2 aproximada-
te chamado de era leptônica. Este é o período situado entre 7 x 10-5 segundos, mente igual 1 GeV. Em um meio ambiente desse tipo, nenhum núcleo atômico
quando a temperatura era de cerca de 1,6 x 1012 K, e 5 segundos, quando a poderia também existir porque a temperatura é tão alta que todos os núcleos
temperatura era de 6 x 109 K. seriam separados em nêutrons e prótons, do mesmo modo como uma alta
Podemos então dizer que a era leptônica começa quando o universo tem temperatura ionizará todos os átomos em elétrons e núcleos.
1/10.000 de segundo de idade, quando a temperatura é de 1 trilhão de graus e Embora nêutrons e prótons sejam poucos em número e colisões diretas
possui uma densidade de 1.000 toneladas para um volume semelhante a um entre eles não ocorram facilmente, os seguintes processos acontecem frequen-
dedal. Este período dura até o começo da era de radiação, quando o universo temente por causa do grande número de elétrons e pósitrons. O efeito desses
tem 1 segundo de idade e uma temperatura de 10 bilhões de graus. processos faz o número de nêutrons e prótons alcançarem equilíbrio térmico.
Na era leptônica a temperatura é bastante alta para permitir a produção de Depois que o universo se expandiu ainda mais e a temperatura caiu abaixo
pares elétron - pósitron. Esses pares são continuamente criados e aniquilados de 1010 K, os elétrons e os pósitrons não existirão mais em grandes quanti-
e há uma crescente troca de energia entre fótons, pares de elétrons e neutrinos. dades. Os pósitrons serão aniquilados. Então os processos acima não mais
Tudo está em equilíbrio térmico e existem aproximadamente números iguais ocorrerão com facilidade e os nêutrons e prótons cessarão de estar em equi-
de fótons, elétrons, pósitrons e neutrinos. líbrio. A razão entre as densidades de números deles não variará mais com a
Enterrados nesse denso meio formado por fótons e léptons ferventes estão temperatura e ao invés disso se manterá congelada no valor alcançado para o
os núcleons - nome coletivo que damos aos prótons e nêutrons - e para cada estado ~ 1010 K.
núcleon existe aproximadamente um bilhão de fótons, um bilhão de elétrons Quando a temperatura cai ainda mais, de modo que T é aproximadamente
e um bilhão de neutrinos. igual a 109 K, os nêutrons e os prótons começam a se fundir em outros núcleos.
Cada núcleon colide continuamente com os léptons. Quando o núcleon é O primeiro processo de fusão é a formação de deutério (2H ou D).
um nêutron ele captura um pósitron e se torna um próton. Quando o núcleon

326  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  327


Como a energia de ligação do deutério é somente 0,26 MeV, ele somente trelas. Qualquer deutério que existisse no interior das estrelas teria sido “quei-
pode existir depois que a temperatura caiu para 109 K. Quando T > 109 K e mado”. Por conseguinte é impossível para a teoria da nucleossíntese estelar
kT > 0,26 MeV, qualquer deutério será separado em um nêutron e um próton explicar porque há algum deutério na natureza, uma vez que sua abundância
sob a ação de fótons. Esta é a razão pela qual a nucleossíntese somente pode é sempre muito pequena.
começar quando T for menor ou igual 109 K. Felizmente a nucleossíntese primordial pode explicar a existência do deu-
Uma vez que o deutério existe, nêutrons e prótons rapidamente se sinteti- tério. A figura abaixo mostra a variação da abundância do hélio e do deutério
zarão em hélio, 4He, pois os seguintes processos são muito rápidos. na nucleossíntese primordial. Ela mostra que uma pequena quantidade de
Estes processos não cessam até que todos os nêutrons tenham sido incor- deutério pode de fato ser deixada para trás nesse processo.
porados em um núcleo de hélio. Os prótons remanescentes não encontrarão A outra figura também ilustra alguns aspectos da nucleossíntese primor-
mais quaisquer nêutrons para se fundirem e desse modo se tornarão hidrogê- dial incluindo a abundância dos vários elementos assim produzidos. O eixo
nio, encontrado na natureza. vertical é abundância e o eixo horizontal é ρG, a densidade atual de massa de
Teoricamente a abundância de hélio produzida na nucleossínteses do uni- bárions. Veja que a curva do deutério depende de ρG. Então, com uma medição
verso primordial é Y ~ 0,33 (Calculada), um resultado muito próximo ao re- precisa da abundância do deutério podemos chegar a uma estimativa de ρG e
sultado Y ~ 0,25 (Observado). ver se esta estimativa concorda com os valores obtidos por outros métodos.
Isso é também uma maneira de verificar a teoria. Daí a medição da abundân-
Melhorando esse resultado cia do deutério ser extremamente valiosa.
No cálculo acima desprezamos o importante fato de que os nêutrons livres Na água do mar a razão numérica entre o hidrogênio e o deutério é de
são instáveis. O tempo de vida desse decaimento é de cerca de 10 minutos. 6600 para 1 que é muito diferente da razão na crosta da Terra. Nenhum desses
Quando nêutrons e prótons cessam de estar em equilíbrio térmico, isso é valores pode ser olhado como a abundância média do deutério.
quando T < 1010 K, os prótons não podem mais mudar para nêutrons. Assim o Para o Sistema Solar as descobertas feitas durante a série de vôos tripu-
processo acima se torna irreversível. O decaimento de nêutron em prótons se lados Apollo são importantes. O pouso lunar da Apollo trouxe uma folha de
torna cada vez menor à medida que T < 1010 K. alumínio com íons do vento solar capturados na Lua. A partir do hélio-3 (3He)
Entre o cessamento do equilíbrio térmico em T ~ 1010 e o começo da coletado, podemos estimar a abundância do deutério. De acordo com a nossa
nucleossíntese em T ~ 109 K, se passaram 100 segundos de tempo cósmico. crença, a maior parte do deutério na nebulosa solar primitiva se tornou 3He. A
Este intervalo de tempo de cerca de 2 minutos não é inteiramente desprezível razão hidrogênio/deutério da formação do Sistema Solar obtida desse modo é
comparado com o tempo de vida de 10 minutos. Isso é, uma pequena porção 40000/1. Também o resultado desta observação de Júpiter é 48000/1.
de nêutrons terá se tornado prótons fazendo com que a abundância do hélio O deutério no gás intergaláctico pode ser medido por métodos de radio-
seja dada por Y ~ 0,25, um notável acordo com o resultado de abundância astronomia pois ele tem uma linha espectral característica com um compri-
observado. mento de onda de 92 centímetros. Essa linha foi de fato observada em 1972
Note algo muito importante no resultado acima. Nesse cálculo houve uma na direção do centro da nossa galáxia e a razão estimada está entre 3000/1 e
combinação um tanto feliz de duas circunstâncias. Uma é o tempo de vida de 50000/1.
10 minutos para o nêutron e a outra é o intervalo de tempo de 2 minutos entre A medição mais precisa foi feita pelo satélite Copernicus. Este satélite pode
T = 1010 K e T = 109 K. Se esses valores fossem um pouco diferentes então o re- observar linhas espectrais na parte ultravioleta do espectro. Em particular
sultado seria irreconhecível. Os “10 minutos” é determinado pelo decaimento usando linhas ultravioleta podemos distinguir entre cianeto de hidrogênio e
nuclear. cianeto de deutério, os dois diferem somente na substituição de um átomo de
Os “2 minutos” está fortemente conectado com a temperatura da radiação hidrogênio por um átomo de deutério. A razão medida deste modo está entre
de fundo. Por exemplo, se a temperatura atual não fosse 3 K, mas ligeiramente 5000/1 e 500000/1.
maior, então T ~ 1010 K não corresponderia à idade cósmica de 1 segundo mas Fazendo uma média dos diferentes valores mostrados acima, o valor acei-
a um instante mais tarde. Uma vez que a expansão cósmica está desacelerando tável hoje para a abundância do deutério é de Xb ~ 2 x 10-5 . A densidade de
o intervalo de tempo levado por T para cair de 1010 K para 109 K seria maior do massa de bárion deduzida a partir desse valor é ρG ~ 6 x 10-31 g/cm3 , um resul-
que 2 minutos e isso faria Y cair. tado em acordo com vários outros obtidos de medições diretas.
Pode, por conseguinte, ser visto que a temperatura de radiação de fundo de Isso mostra que a teoria da nucleossíntese primordial, que nos fala sobre a
3 K e a abundância de hélio de Y ~ 0,28 são mutuamente dependentes: se uma origem dos elementos leves, é muito bem sucedida.
muda a outra também deve mudar.
George Gamow notou esta interdependência já no final dos anos de 1940, Matéria e antimatéria
bem antes da descoberta da radiação de fundo cósmica. Ele e outros cientistas Quando discutimos a nucleossíntese admitimos como certo que os fó-
usaram o valor Y ~ 0,25 para fazer a previsão de que deveria existir uma ra- tons superavam muitíssimo, em termos numéricos, os bárions existentes no
diação de fundo cósmica de cerca de 10 K. universo.
Uma vez que os bárions e antibárions se aniquilarão em baixas temperatu-
O Deutério ras, essa suposição parece razoável. Mas fica a pergunta: porque então ainda
A abundância natural do deutério na natureza é muito pequena embora ela existem tantos bárions?
tenha importante significado cosmológico. Um tema que sempre intrigou os astrofísicos diz respeito ao que aconteceu
O deutério é vigoroso por natureza. Ele participa facilmente em reações com as partículas de antimatéria que existiam no universo. Poderíamos ima-
nucleares. Como resultado nenhum deutério poderia ter permanecido nas es- ginar que muitos objetos que vemos no universo, tais como estrelas e galáxias,

328  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  329


47
fossem formados de antimatéria mas as observações mostram que isso é falso. ramos correta.
A densidade diferente de zero que medimos para o gás intergaláctico que co- Por outro lado, o colapso que levou às formas atuais das galáxias foi relati-
necta todos esses objetos nos mostra que essa ideia não é verdadeira. vamente rápido levando cerca de 3 x 108 anos. Durante este colapso as galáxias
A conclusão inevitável é que o universo começou com uma pequena as- foram fragmentadas em estrelas. De fato, as estrelas mais velhas das galáxias,
simetria entre matéria e antimatéria. Em altas temperaturas deveria haver que chamamos de estrelas de população II, foram formadas durante o colapso
um pouquinho mais de prótons para cada antipróton. Como as leis da física das galáxias. Subsequentemente quando uma densa camada de meio intereste-
A formação de exigem que o número bariônico seja conservado, esse desequilíbrio não pode lar foi acumulada no plano de simetria das galáxias espirais, e particularmen-
galáxias e dos ser alterado, uma vez que tenha sido estabelecido pelas condições iniciais do te quando os braços espirais foram formados, concentrações locais de matéria
aglomerados de universo. formaram as chamadas estrelas de população I tais como o nosso Sol. Estrelas
galáxias Vemos também que o universo é assimétrico na quantidade de léptons ob- desse último tipo estão sendo continuamente criadas nas galáxias espirais e
servada. Se não tivesse havido uma assimetria e-e+ primordial, o universo teria em muitas galáxias irregulares.
uma carga residual devido ao seu conteúdo de prótons. Os astrofísicos também acreditam que existe um outro tipo de população
de estrelas, chamada de população III, que foi formado antes das galáxias, isto
ERA DE RECOMBINAÇÃO é durante o estágio de protogaláxias. Acredita-se que esta população possa ser
a responsável pela explicação da presença de uma pequena percentagem de
À medida que o universo se expandiu, o comprimento de onda dos fótons “metais” mesmo nas estrelas mais velhas de população II.
também se expandiu à mesma taxa que a distância entre as galáxias. A frequ- Possíveis mecanismos de formação de protogaláxias e protoaglomerados
ência dos fótons, por conseguinte se reduziu, assim como a sua energia. A tem- Vários mecanismos foram sugeridos para a formação inicial de galáxias e
peratura que correspondia a esta energia do fóton também se reduziu à mesma aglomerados de galáxias. Vejamos alguns.
taxa e a temperatura hoje é aproximadamente 3Kelvin, correspondendo a um
comprimento de onda de fóton de alguns poucos centímetros ou milímetros. INSTABILIDADE GRAVITACIONAL
Podemos dizer, em razão disso, que a radiação de micro ondas se evidenciou
na época da formação dos átomos. Este tempo é chamado de “tempo de re- Considere que o universo inteiro está preenchido uniformemente com gás.
combinação”, trec = 700.000 anos. Uma pequena perturbação local, seja ela qual for, na densidade desse gás tan-
to pode ser ampliada ou amortecida. De fato um excesso de densidade local
A FORMAÇÃO DE GALÁXIAS E DOS AGLOMERADOS DE provoca um campo gravitacional mais forte, o qual tende a atrair ainda mais
GALÁXIAS matéria e, deste modo, aumentar seu tamanho.
Por outro lado a pressão do gás tenderá a dispersar qualquer aumento de
Ao olharmos para o espaço sideral vemos hoje enormes estruturas de ma- densidade e tentará restaurar a homogeneidade inicial.
téria que nos surpreendem pela variedade de tamanhos e conteúdo. Essas são Este problema foi estudado pelo astrônomo inglês James Jeans em 1902,
as galáxias que, como já vimos, participam de estruturas gravitacionalmente chegando à conclusão que perturbações de pequena escala são rapidamente
ligadas, ainda maiores, e que chamamos de grupos e aglomerados de galáxias. dispersadas, enquanto que perturbações de grande escala tendem a ser cada
Como a astrofísica entende o surgimento dessas imponentes estruturas vez maiores. Neste segundo caso a densidade na perturbação aumenta conti-
cósmicas? nuamente com o tempo e isso ficou sendo conhecido como “instabilidade de
O mais importante evento depois da formação dos átomos no universo Jeans” ou “instabilidade gravitacional”.
primordial foi o da formação das galáxias, de seus aglomerados e superaglo- Esta instabilidade finalmente cria uma concentração de matéria que pode
merados, assim como a formação das primeiras estrelas. evoluir para formar uma estrela, uma galáxia, ou até mesmo um aglomerado
Para os astrofísicos a formação das galáxias e dos aglomerados de galáxias de galáxias. A quantidade de matéria condensada deste modo vai depender da
consiste de dois estágios: densidade inicial do gás e da velocidade do som no local, que é a velocidade na
qual as perturbações de densidade se propagam.
• A partir de pequenas flutuações de densidade de matéria nos estágios A massa mínima exigida para ter início a instabilidade gravitacional é cha-
iniciais da expansão do universo houve a formação de muitas concen- mada de “massa de Jeans”, MJ, e seu raio é conhecido como “raio de Jeans”, λJ
trações iniciais de densidade de matéria, a que chamamos de protoga- (não confundir com a constante cosmológica Λ).
láxias e protoaglomerados. Em uma esfera de raio maior do que λJ, a gravidade supera a pressão do gás
• Estas protogaláxias colapsaram formando as galáxias que observamos e causa uma concentração de matéria. O contrário ocorre para uma esfera com
hoje. raio menor do que λJ. Neste último caso a pressão do gás supera a gravidade e
a perturbação é amortecida.
Os cientistas acham que a primeira fase, citada acima, começou muito an- Antes da era de recombinação, t < trec, o raio de Jeans era muito grande
tes da época na qual os átomos se formaram, trec=700.000 anos, e talvez até porque a velocidade do som naquela época se aproximava da velocidade da
mesmo durante a época Planck, tp = 10-43 segundos, luz, uma vez que naquela época matéria e radiação estavam fortemente aco-
A formação de galáxias foi essencialmente completada quando a idade do pladas. A massa de Jeans aumentou um pouco antes da recombinação, quando
universo era de t = 109 anos ou ainda mais cedo. Não há certeza sobre isso e ela era aproximadamente 1017 Msol, isto é, muito maior do que a massa de um
valores como esse dependem da teoria de formação de galáxias que conside-

330  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  331


aglomerado de galáxias.
Depois da recombinação, trec = 700.000 anos, matéria e radiação foram
desacopladas e a radiação cessou de contribuir para a pressão. Por esse mo-
tivo a velocidade do som subitamente caiu a alguns poucos quilômetros por
segundo. A correspondente massa de Jeans também caiu para 105 Msol, o que é
comparável à massa de um aglomerado globular.

Ensino a Distância
TEORIAS DE FORMAÇÃO DE GALÁXIAS A PARTIR
DO COLAPSO DE PROTOGALÁXIAS

cosmologia
A formação de protogaláxias que discutimos acima foi somente o primei-
ro estágio na formação de galáxias. Na verdade as protogaláxias eram bolhas
amorfas de matéria muito maiores do que as galáxias atuais e o problema ago-
ra é explicar como as galáxias, tais como as vemos hoje, se formaram a partir
dessas bolhas de gás e matéria. Isso é particularmente importante para expli-
car os vários tipos morfológicos de galáxias que mencionamos nos módulos

2015
Da origem ao fim do universo
anteriores, explicando porque algumas galáxias são elípticas, outras espirais,
e outras irregulares.
A explicação mais simples para a formação de galáxias a partir de protoga-
láxias está baseada no colapso das protogaláxias. Isto é, a matéria nas protoga-
láxias, seja ela estrelas ou gás, se move rapidamente na direção do centro sem
quaisquer forças de oposição. O chamado “tempo de colapso” é igual ao cha-
mado “tempo de queda livre” para a matéria nas galáxias. Estima-se que esse
tempo é de aproximadamente 300.000.000 anos para uma galáxia ordinária.
Esta escala de tempo poderia ser maior se as protogaláxias fossem significan-
temente maiores em tamanho.
Existem dois cenários que descrevem o colapso de protogaláxias para a for-
mação de galáxias. No primeiro as protogaláxias são basicamente feitas de gás
enquanto que no segundo elas consistem principalmente de estrelas. Vejamos
o primeiro caso.

COLAPSO DE PROTOGALÁXIAS GASOSAS

Nesta teoria o físico Larson considerou uma protogaláxia formada por gás
que colapsa. O gás consiste de nuvens que colidem inelasticamente ou seja,
que perdem energia durante cada colisão. Durante essas colisões de nuvens
foram formadas concentrações particularmente densas de matéria que sub-
sequentemente evoluíram para estrelas. Temos assim uma formação estelar
continua durante o colapso. A taxa de formação de estrelas depende da densi-
dade inicial e dos movimentos aleatórios que existem dentro da protogaláxia.
Quanto mais alta é a densidade e os movimentos aleatórios, mais estrelas são
formadas. As galáxias que formam estrelas rapidamente se transformam em
elípticas na classificação de Hubble. Depois do colapso destas galáxias muito
pouco gás é deixado para trás, o que é visto nas observações.
Protogaláxias que não eram muito densas colapsaram mais lentamente.
Parte do gás não teve tempo suficiente para formar estrelas durante o estágio
de colapso e se acumulou no plano perpendicular ao eixo de rotação da galá-
xia, o plano de simetria. Deste modo foi formada uma camada relativamente
Módulo 8
fina de gás, o chamado “disco” da galáxia. As estrelas no disco foram formadas Nem todos aceitam o Big Bang:
muito mais tarde e a uma taxa mais lenta. Essas seriam as estrelas de popula- as teorias alternativas
ção I que são relativamente jovens. Por outro lado as estrelas que se formaram
durante o colapso são as mais velhas da galáxia e são chamadas de estrelas de
população II. Este seria o processo de formação das galáxias espirais.

332  Módulo 1 · A história da Cosmologia


Ensino a Distância
cosmologia

2015
Da origem ao fim do universo

Módulo 8
Nem todos aceitam o Big Bang:
as teorias alternativas

Divisão de Atividades
Educacionais - ON/MCTI
48
A COSMOLOGIA DE MILNE

Edward Arthur Milne, astrofísico e matemático inglês da Oxford Universi-


ty, Inglaterra, estudou cuidadosamente a “teoria da relatividade geral” propos-
ta por Albert Einstein e duvidou das conclusões a que ela chegava. Em 1935 ele
publicou o livro “Relativity, gravitation and world-structure” no qual discutia
A cosmologia de
o problema do “universo em expansão” e propunha uma teoria alternativa à
teoria da relatividade geral de Albert Einstein. Em 1948, dois anos antes de sua
Milne
morte, Milne escreveu um livro intitulado “Kinematic relativity: a sequel to
Relativity, gravitation and world-structure” no qual apresentava uma nova te-
oria cosmológica baseada, não na teoria relativística da gravitação, mas sim na
“teoria da relatividade especial”. Nesse importante livro, Milne fazia a seguinte
crítica aos modelos cosmológicos baseados na teoria da relatividade geral:

“O movimento imposto como consequência de uma


geometria que difere da geometria comumente usada na
física é louvável. A gravitação como uma deformação do
espaço é uma noção digna de crédito, embora isso não
dê a mínima informação sobre a natureza ou origem
da gravitação. Mas porque a presença da matéria deve
afetar o “espaço”. Isso foi deixado sem resposta”.

Milne construiu sua própria teoria do universo, conhecida como relati-


vidade cinemática (kinematic relativity), na qual a gravidade não é incluída
como uma suposição inicial. Baseando-se em um pequeno número de axio-
mas, tais como o princípio cosmológico e as regras da relatividade especial,
ele apresentou uma descrição do universo que explicava a gravidade e outras
leis da natureza. Milne defendia a ideia de que o propósito da cosmologia era
explicar porque as coisas são do modo que observamos, e não apenas fornecer
elaboradas descrições alternativas de como as coisas funcionam.
Embora seus esforços não tenham sido bem sucedidos, se considerarmos o
que ele esperava obter com sua teoria, não podemos negar que, sem qualquer
dúvida, os métodos e critérios por ele utilizados tiveram grande impacto na
cosmologia, se o julgarmos pelo que ele realmente obteve.
A descrição de Milne de um universo em expansão, reduzida a seus ele-
mentos mais simples, é muito mais fácil de se entender do que a relatividade
geral. Seu universo consiste de uma nuvem esférica de partículas que se ex-
pande dentro do espaço plano. Isso quer dizer que o universo de Milne possui
um “lado de fora” ou seja, a nuvem de partículas se expande dentro de um
espaço previamente vazio.
O universo de Milne tem um centro e uma borda. Ele começa se expandin-
do a partir de um ponto no espaço, e todas as partículas pertencentes a ele são
lançadas em todas as direções, com velocidades que variam de zero até aquelas
próximas à velocidade da luz. A superfície da nuvem, ou borda cósmica, se ex-
pande dentro do espaço pré-existente com a velocidade da luz. Nas imediações
de cada partícula tanto a distribuição como a recessão de todas as outras par-
tículas é isotrópica. Devido ao efeito da relatividade a maioria das partículas
está agrupada próxima à borda da nuvem, como mostrado na figura.
O universo finito e limitado de Milne contém “uma infinidade de partí-
culas no campo de visão de qualquer observador, mas na direção do limite de
visibilidade elas desaparecem em um fundo contínuo”. Note que no universo
de Milne as galáxias preenchem uma bolha de tamanho finito, embora haja
um número infinito de galáxias no universo.
336  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  337
49
Dentro dessa estrutura descritiva de movimentos (daí o nome “relativi- TEORIA ESCALAR-TENSORIAL DE JORDAN
dade cinemática”), na qual todas as partículas se movem livremente, não afe-
tadas por forças de qualquer tipo, Milne tentou mostrar que cada partícula A teoria escalar-tensorial da gravidade foi apresentada em 1939 pelo físico
manifesta um comportamento que simula o efeito da gravidade. Em outras alemão Pascual Jordan, da Alemanha. Nessa teoria a ideia é tomar o espaço-
palavras, ele explicou a gravidade começando com uma estrutura cósmica que tempo da relatividade geral e por nele um campo escalar simples que varia de
não supõe a existência da gravidade. ponto a ponto. A gravidade mantém seu caráter de curvatura dinâmica do
Os argumentos de Milne eram elaborados, no entanto poucos cientistas os
Teoria
espaço-tempo mas é agora modificada pela introdução do campo escalar.
acharam convincentes. O significado físico de sua teoria cosmológica ainda é O campo escalar é introduzido em uma maneira notável usando o que é
Escalar-Tensorial
obscuro e embora Milne não gostasse da relatividade geral, isso não muda o conhecido como uma transformação conforme de Jordan
fato de que a equação de Einstein pelo menos é compreensível e parece refletir Essa transformação é feita multiplicando o intervalo de espaço-tempo pelo
fielmente vários aspectos do mundo físico. escalar. Os intervalos de espaço e tempo são, ao mesmo tempo, esticados ou
Milne identificou cada partícula com uma galáxia. Uma vez que existe O QUE É UM CAMPO
contraídos por uma quantidade que depende do valor do escalar. Este tipo de
ESCALAR?
uma “infinidade de partículas”, seu universo tem uma massa infinita em um transformação é chamado transformação conforme porque os ângulos não
volume cósmico finito. Um observador, sobre qualquer partícula, observa so- Todas as coisas contínuas que variam de
são alterados. Assim, essa transformação afeta intervalos de espaço e tempo da
lugar para lugar e têm somente um único
mente uma densidade finita por causa dos efeitos da relatividade especial. mesma maneira e a velocidade da luz permanece inalterada. valor em cada ponto é um campo escalar.
É interessante notar que o universo finito e limitado de Milne, de massa in- Se o escalar é em todos os pontos o mesmo, e constante no tempo, então A temperatura da nossa atmosfera e o
finita, pode ser transformado matematicamente, mudando-se os intervalos de o espaço-tempo é uniformemente mudado por uma quantidade fixa e pode- potencial gravitacional Newtoniano são
espaço e tempo, em um universo infinito e sem contorno. Esse novo universo exemplos de campos escalares. Todos os
mos olhar o processo como meramente uma mudança de nossas unidades
escalares são tensores de ordem zero.
consiste de um espaço que se expande, homogêneo, isotrópico e com curvatura convencionais de medição. Se todas as coisas no Universo dobram de ta-
negativa, e com uma população uniforme de galáxias. A reunião compacta de manho, com a exceção de uma barra de medição de metro, tudo que temos
uma infinidade de galáxias agora aparece distribuída ao longo de um espaço in- que fazer é reiniciar a barra como sendo metade de um metro, e nada mu-
finito. Essa transformação (para a qual o próprio Milne chamou a atenção, mas dou. Chamar um centímetro de um metro não muda o mundo físico. Mas
não defendeu, uma vez que ele não acreditava em espaço curvo) tem a vantagem quando o campo escalar varia de lugar para lugar no espaço e no tempo, ele
de fazer as galáxias serem estacionárias em um espaço que se expande e fazer o então controla o tamanho relativo e a duração das coisas, e o novo intervalo
big bang não ser mais um ponto no espaço. Se consideramos o espaço-tempo de espaço-tempo obtido por tal transformação é muito diferente do velho.
como sendo fisicamente real, como a teoria da relatividade geral postula, espaço e A transformação agora mudou as propriedades físicas do universo de um
tempo estão contidos dentro do universo e essa suposição é certamente bem me- modo dramático.
lhor do que a velha ideia de que o universo está contido dentro do espaço e tempo. Uma transformação conforme muda a magnitude das unidades básicas
Tendo transformado a descrição de Milne em um universo de espaço dinâ- que definem intervalos de espaço e tempo. Assim o raio clássico do elétron
mico e curvado, somos agora capazes de olhar para ele mais detalhadamente e o jiffy (uma medida de tempo) são ambos aumentados ou diminuídos pela
do ponto de vista da teoria da relatividade geral. Tomamos as equações de mesma quantidade.
Friedmann-Lemaître para pressão zero e colocamos a constante cosmológica Por essa razão uma transformação conforme é algumas vezes chamada de
Λ igual a zero. Uma vez que Milne não exigiu a presença de gravidade na esca- transformação de unidades. O principal objetivo de Jordan ao introduzir tal JIFFY
la cósmica, fazemos a constante gravitacional G ser igual a zero. transformação, por meio de um campo escalar, foi quebrar os rígidos vínculos
Um jiffy é a unidade natural de tempo que
A partir dessas equações encontramos que a curvatura K = - H2, onde K = da relatividade geral e ampliar suas possibilidades físicas. descreve o período requerido pela luz para
k/R 2 e k é a constante de curvatura. Dessa maneira k deve ser negativa, igual A teoria escalar-tensorial de Jordan modificou a relatividade geral e, como se deslocar a uma distância de 1 fermi. Ela
a -1, de modo que o espaço tem curvatura negativa e é infinito em extensão. consequência, a matéria não é mais conservada, mas pode ser criada. é equivalente a 10-23 segundos. Um fermi é
uma unidade natural de comprimento e é
Temos agora (dR/dt) = 1 e então R = t onde t é a idade do universo a partir do Jordan disse: o tamanho de uma partícula subatômica,
instante do Big Bang. Este universo se expande a uma taxa constante (H = 1/t, tal como um nucleon. Essa unidade é
q = 0), e o período de Hubble é sempre igual à idade do universo. Assim, quan- equivalente a 10-13 centímetros.
“A própria conjectura sugere que a criação cósmica de
do o universo de Milne é colocado dentro da estrutura da teoria da relativida-
de geral, ele não tem centro nem borda, ele tem espaço infinito de curvatura matéria não ocorre como uma criação difusa de prótons
negativa, e se expande a uma taxa constante com desaceleração zero. mas pelo súbito aparecimento de gotas inteiras de
O modelo cosmológico de Milne é: matéria.”
a. ou uma bolha finita que se expande a partir de um ponto, dentro de
um universo estático, plano e vazio. Segundo Jordan, essas “gotas” seriam estrelas criadas em uma densa forma
embrionária.
b. ou um universo que se expande, homogêneo, negativamente curvado
Na mesma época em que Jordan propôs sua teoria, um grupo de mate-
e infinito.
máticos japoneses em Hiroshima também desenvolveu uma teoria de criação
As duas descrições embora pareçam ser completamente diferentes estão contínua para um universo tipo de Sitter no qual as galáxias são espontanea-
separadas apenas por uma mudança de coordenadas! mente criadas.
O Universo de Milne é incompatível com várias observações cosmológicas.
Em particular ele não prevê a radiação cósmica de fundo nem a abundância de
elementos leves que são medidas no universo.

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50
TEORIA DO ESTADO ESTACIONÁRIO DE BONDI E mente por causa dos problemas que surgiam na escala de tempo de vários uni-
GOLD versos evolucionários (nessa época o período de Hubble [a idade do universo]
era encontrado ser menor que a idade do Sistema Solar, o que era um absurdo).
O universo em expansão em estado estacionário foi proposto conjunta- Bondi e Gold descreveram as propriedades principais de um universo em
mente em 1948 por Herman Bondi (imagem a esquerda) e Thomas Gold (ima- expansão em um estado estacionário. Uma vez que nada muda no cenário
gem a direita). Os aspectos em larga escala de tal universo são independentes cósmico, a curvatura K, o termo de Hubble H, e o termo de desaceleração q
Teoria do Estado devem todos permanecer constantes. A curvatura K é igual a k/R 2, e como o
da localização do observador no espaço e tempo e obedecem ao princípio cos-
Estacionário de mológico perfeito. fator de escala R aumenta com a expansão, a curvatura somente pode perma-
Bondi e Gold necer constante quando k é zero. O espaço é, dessa forma, plano e de extensão
O PRINCÍPIO COSMOLÓGICO PERFEITO infinita. Uma vez que o termo de Hubble também é constante, segue que (dR/
dt) é proporcional a R, e o fator de escala aumenta exponencialmente como
Em 1948 Hermann Bondi e Thomas Gold propuseram que o universo era ocorre no universo de de Sitter. Isso assegura que o termo de desaceleração
homogêneo tanto no espaço como no tempo. Assim a afirmação de que “todos tem o valor fixo -1.
os lugares são indistinguíveis no espaço” passou a ser citada como “todos os Pela própria definição de “estado estacionário”, um universo em expansão
lugares são indistinguíveis no espaço e no tempo”. Este postulado de homoge- em estado estacionário somente é possível se há uma criação contínua de nova
neidade ampliado foi chamado de “princípio cosmológico perfeito”. matéria, em todos os lugares, de modo a ser mantida uma densidade constan-
O principio cosmológico perfeito significa que o universo está em um esta- te. Mas porque isso não é observado? Para manter o conteúdo do universo em
do estacionário e nada nele, jamais, muda em aparência. O explorador cósmi- estado estacionário, a matéria deve ser criada a uma taxa de cerca de 1 átomo
co, percebendo que todos os locais são semelhantes em cada viagem, conclui de hidrogênio por metro cúbico a cada 5 bilhões de anos, equivalente a uma
que nada mudou entre suas sucessivas viagens. Todas as coisas são as mesmas galáxia por ano dentro do universo observável. Seria inútil tentar detectar essa
em todos os lugares no espaço e no tempo, não levando em conta irregulari- lenta taxa de criação no laboratório.
dades sem consequências. Segundo Bondi e Gold
Note que estático significa que o
O universo Newtoniano do século XVIII estava em um estado estacioná-
universo não está nem expandindo
nem contraindo, enquanto que estado rio. Ele também era um universo estático. “Deve haver criação contínua de matéria no espaço a
estacionário significa que nada muda em À medida que a ciência avançou foi notado que todas as coisas evoluem e
aparência. Um rio pode estar em um estado
uma taxa que é, entretanto, de longe, baixa demais para
nada permanece eternamente a mesma, e o Universo Newtoniano então tor-
estacionário, mas a água está fluindo e,
nou-se estático, mas em evolução (isto é, não estava em um estado estacionário). a observação direta”.
portanto, ele não é estático.
Neste século descobrimos que o universo está se expandindo e por mais ou me-
nos uma década o conceito de estado estacionário foi revivido neste contexto. A nova matéria do universo é criada não a partir da radiação, como no uni-
Em um universo que se expande em estado estacionário a taxa de expansão verso de estado estacionário proposto pelo físico norte-americano MacMillan,
é constante e nunca muda. Coisas individuais ficam velhas, mas novas coisas nem a partir de qualquer coisa pré-existente, mas a partir de “coisa alguma” e
nascem para substitui-las e as distribuições de idade nunca mudam. Por exem- de “lugar nenhum”.
plo, isso pode ser visto mais claramente em uma sociedade com crescimento O universo em estado estacionário se auto-regenera em um terço de um
de população zero: os nascimentos cancelam as mortes, mantendo assim uma período de Hubble. Como o tempo de expansão é de 15 bilhões de anos, o
distribuição de estado estacionário de idades. Em um Universo em estado es- tempo de regeneração é de 5 bilhões de anos. A idade média de todas as coisas
tacionário que se expande, a matéria deve ser criada continuamente em todos que resistem depois da criação, tais como nucleons e galáxias, é também um
os lugares para manter uma densidade constante: novas galáxias são formadas terço de um período de Hubble. Algumas galáxias são jovens e foram forma-
a partir da matéria criada e velhas galáxias se afastam e se tornam menores em das bem recentemente; outras são excessivamente velhas. A idade média de
número pela expansão. A descrição de um estado estacionário que se expande, todas as galáxias é de 5 bilhões de anos. Nossa Galáxia, que tem cerca de 10
quando olhada em detalhe, é maravilhosamente auto-consistente. bilhões de anos, é por conseguinte duas vezes mais velha que a galáxia média
O princípio da localização assegura ao observador que um universo isotró- existente em um universo em estado estacionário. Em um universo criado por
pico é também homogêneo no espaço. Mas o principio não ajuda muito quando um Big Bang, praticamente todas as galáxias têm a mesma idade, cerca de 10
queremos estabelecer homogeneidade no tempo. Isso acontece porque o tempo bilhões de anos. Esses valores preocuparam os cientistas que acreditavam na
é peculiarmente assimétrico e não podemos perceber o futuro com a mesma teoria de um universo em estado estacionário. Eles teriam que explicar porque
clareza que percebemos o passado. Se pudéssemos ver o futuro, e consequente- a nossa Galáxia tem 10 bilhões de anos, sendo duas vezes mais velha que a
mente pudéssemos ver uma simetria passado-futuro, então por meio do princí- idade média das galáxias no universo em estado estacionário. Não obstante,
pio da localização poderíamos estabelecer a homogeneidade no tempo com esse valor de idade, coincidentemente, é a idade certa para um universo criado
base no fato de que uma posição especial no tempo é improvável de ocorrer. por um Big Bang.

A TEORIA DE CRIAÇÃO CONTÍNUA DE BONDI E ESTADO ESTACIONÁRIO X BIG BANG


GOLD
A controvérsia estado estacionário versus Big Bang durou até o final dos
Um universo em expansão em estado estacionário tem idade infinita (não anos de 1960. Um dos argumentos mais fortes dos cosmólogos que defendiam
tem começo). Em 1948 isso era um aspecto atraente desse modelo, principal- a teoria do estado estacionário era de que a criação contínua de matéria não é

340  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  341


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algo mais estranha ou mais difícil de “engulir” do que a suposição da criação criação e a expansão não estão exatamente sincronizadas é possível ter universos
de toda a matéria do universo em um único instante, o instante da ocorrência em expansão nos quais a densidade ou aumenta ou diminui.
de um Big Bang. Além disso, para os defensores da teoria do estado estacioná- A teoria do estado estacionário, como ela foi proposta, não explica porque
rio, sua teoria possuía muito mais apelo estético. matéria é criada a uma taxa que mantém um estado estacionário, e não há
A criação da matéria dentro do espaço e tempo não pode ser olhada como como garantir que o universo se auto-replicará fielmente a cada 5 bilhões de
equivalente à criação de um universo contendo espaço e tempo. O universo anos e se lembrará como as coisas eram há trilhões de anos.
Teoria do estado em estado estacionário é criado do mesmo modo que um universo de Big Bang
Teoria de
estacionário de e a criação “aos poucos” em um universo em estado estacionário não é o mes- TEORIA DE WILLIAM MCCREA William McCrea
Fred Hoyle mo que a criação “instantânea” de um universo de Big Bang.
Hoje existem fortes evidências que nos mostram que o universo não está O conceito de pressão negativa
em um estado estacionário. Os números de radiofontes e quasares eram maio- Todos nós temos familiaridade com o conceito de pressão positiva. Ela
res no passado do que são no presente. Mais ainda, a exigência dos cosmólo- existe tanto nas estrelas como nas máquinas a vapor. A noção de pressão nega-
gos defensores da teoria do estado estacionário para que fossem mostradas tiva é, no mínimo, surpreendente.
as “cinzas” do Big Bang foi satisfeita pela descoberta da radiação cósmica de O cosmólogo britânico William McCrea, argumentou em 1951 que a ideia
fundo de microondas com baixa temperatura. de uma pressão negativa no Universo, equivalente a um estado de tensão cós-
Não é fácil conceber uma ideia de importância cosmológica geral, parti- mica, não podia ser descartada com base na experiência ordinária.
cularmente uma que pode ser aceita dentro do tempo de vida do ser humano. Uma tensão cósmica, a mesma em todos os pontos, não participa direta-
O princípio cosmológico perfeito, embora admitido, foi um empreendimen- mente na determinação do comportamento das galáxias, estrelas e máquinas
to raro que merece nossa admiração e um lugar assegurado na história da a vapor. Somos informados da existência de pressões ordinárias quando elas
cosmologia. variam de um lugar para o outro e têm gradientes, como nas estrelas e na
atmosfera da Terra, e quando elas estão agindo sobre paredes, como nos aque-
TEORIA DO ESTADO ESTACIONÁRIO DE FRED cedores. Mas quando a pressão é a mesma em todos os pontos, não confinada
HOYLE e sem gradientes, ela não produz efeito perceptível, exceto no comportamento
dinâmico do Universo.
Uma das teorias mais polêmicas desenvolvidas pelo astrofísico inglês Fred O mesmo pode ser dito de uma pressão negativa: ela pode existir mas
Hoyle diz respeito à Cosmologia. Ele foi um dos criadores, junto com os fí- não podemos detectá-la exceto na maneira pela qual ela afeta a dinâmica do
sicos Hermann Bondi e Thomas Gold, de uma teoria cosmológica que ficou Universo.
conhecida como “Teoria do Estado Estacionário” segundo a qual o universo se Na discussão das equações da teoria da relatividade geral, dissemos que o
expandia, mas era eterno. Hoyle, um ateu convicto, ficava incomodado com a lado esquerdo da equação representa o espaço-tempo dinâmico e o lado direi-
chamada Teoria do Big Bang, criada pelo físico ucraniano (radicado nos Esta- to representa “matéria”. Enquanto que o significado do lado esquerdo dessas
dos Unidos), George Gamow que dizia que o Universo teve um começo. Aliás, equações é bastante claro, o lado direito é obscuro: ninguém sabe ao certo o
foi Hoyle quem inventou o termo “Big Bang” ao se referir de modo pejorativo que “matéria” significa nesse contexto e em várias ocasiões coisas estranhas
a essa teoria durante uma entrevista à radio inglesa BBC. têm sido colocadas no lado direito da equação de Einstein. A convenção exige
Segundo Hoyle, o Universo era infinitamente velho e nele a matéria era que mantenhamos o lado direito tão simples e limpo quanto possível e colo-
criada continuamente para preenche-lo à medida que ele se expandia. Essa era quemos lá somente coisas como densidade e pressão positiva que são familia-
sua “Teoria do Estado Estacionário”. res no mundo diário.
Seguindo uma “discussão com o senhor T. Gold” Fred Hoyle mostrou Uma tensão cósmica uniforme do tipo de uma pressão negativa, não tendo
como a teoria da relatividade geral poderia ser modificada para permitir uma efeito sobre a estrutura dos planetas e estrelas, não é familiar e é usualmente
criação contínua de matéria. excluída.
No ano em que Bondi e Gold lançaram sua teoria do estado estacionário, Mas McCrea argumentou que o Universo talvez seja governado por forças
Hoyle usou uma teoria escalar-tensor (ideia já proposta anteriormente por que não se manifestam diretamente nos laboratórios e, por isso, não podemos
Pascual Jordan) e encontrou que a densidade constante do universo e o termo confiar no senso comum para saber o que deveria estar no lado direito da equa-
de Hubble estão relacionados pela equação ção de Einstein quando usada em cosmologia. Poderia existir uma tensão cósmi-
ca negativa capaz de alterar inteiramente todos os prévios modelos do Universo.
8 π G ρ = 3 H3 Vamos considerar o efeito da pressão negativa em um universo em expan-
são. Um universo em um estado de tensão deve liberar energia à medida que
A teoria de criação contínua de matéria proposta por Hoyle não indica a for- se expande. Um pedaço de elástico quando esticado se torna mais quente e isto
ma na qual a matéria é criada. Sua teoria viola a lei de conservação da matéria, ocorre porque o trabalho feito enquanto o elástico está esticado libera energia.
que está implícita na relatividade geral, por meio de um artifício matemático. Algo similar ocorre em um Universo de pressão negativa: à medida que ele se
Muitas pessoas não se sentem a vontade quando vêm a matéria criada deste expande, energia é liberada, e esta energia poderia tomar a forma de matéria
modo e sentem que a matemática não é física até que ela seja endossada pelas ob- recentemente criada.
servações e confirmada pelas experiências. Os defensores do estado estacioná- Em um universo com uma tensão muito grande, igual à densidade de ener-
rio algumas vezes têm dito que a criação contínua significa que o universo está gia (isso é, p= - ρ c2), a energia liberada pela expansão é suficiente para manter
necessariamente em um estado estacionário, mas isso não é verdade: quando a a densidade de matéria constante.

342  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  343


53
Essa é a brilhante explicação dada por McCrea para a criação contínua De acordo com o tabalho original de Bondi e Gold, a criação é uniforme
de matéria em um universo em estado estacionário: a energia liberada pela em todos os lugares, e matéria recentemente criada eventualmente se conden-
expansão aparece como matéria recentemente criada, e a densidade média de sa e forma novas galáxias. William McCrea, em 1964, chamou a atenção para
matéria permanece constante. a possibilidade de que o processo de criação não uniforme no espaço seja mais
Em 1951, McCrea escreveu: ativo naquelas regiões onde a matéria já está concentrada.
McCrea escreveu em 1964:
Teoria de
“Essa discussão parece mostrar que a simples admissão Hoyle-Narlikar
de que o zero de tensão absoluta pode ser colocado “Toda matéria é o fomentador potencial da criação
em qualquer lugar, ao contrário do que é suposto de matéria. Toda a matéria está normalmente
atualmente com bases um tanto arbitrárias, permite nas galáxias e assim a criação de nova matéria
todos os resultados de Hoyle serem deduzidos dentro normalmente promove simplesmente o crescimento
do sistema da teoria da relatividade geral. Além disso, das galáxias. Mas ocasionalmente um fragmento de
essa dedução dá aos resultados uma coerência física matéria se separa de sua galáxia. Qualquer de tais
inteligível.” fragmentos é um potencial fomentador de uma nova
criação; se ele é bem sucedido como tal, ele é o embrião
Se estamos dispostos a sacrificar nossa crença institucional de que a pres- de uma nova galáxia.”
são deve sempre ser positiva e acolher a possibilidade de tensão cósmica, so-
mos confrontados com uma desconcertante variedade de novos universos. Essa ideia de galáxias promovendo criação se ajustava em um cenário de
Alguns exemplos. galáxias periodicamente explodindo e ejetando fragmentos.

3. quando a tensão é igual a 1/3 da densidade de energia (p= - (1/3) ρ c2), TEORIA DE HOYLE-NARLIKAR
a gravidade se torna ineficiente e o universo é controlado por outras
coisas, tais como a constante cosmológica Λ. Como vimos, Hoyle usou a teoria escalar-tensor para criar matéria em
4. quando a tensão é menor que a densidade de energia mas maior do que um universo em estado estacionário que se expandia. A taxa de criação C foi
1/3, existem universos que oscilam em tamanho sem Big Bang. Suas ajustada de modo que a densidade permanecesse constante. Entretanto, uma
oscilações são lentamente amortecidas, e eles se tornam universos es- pequeníssima modificação poderia muito facilmente fazer com que a taxa de
táticos de Einstein estáveis. criação ficasse ou rápida demais ou lenta demais. Em ambos os casos a situa-
ção de estado estacionário seria perdida.
5. quando a tensão é maior do que a densidade de energia encontramos
A teoria do estado estacionário foi superada por descobertas observacio-
aqueles incríveis universos nos quais a densidade aumenta com a ex-
nais que seus criadores não previram. Hoyle ganhou notoriedade como seu
pansão, os quais começam com nada e se expandem até se tonarem
mais ativo defensor e trabalhando com o físico indiano Jayant Narlikar pro-
big bangs, e aqueles nos quais a densidade diminui com a contração,
curou incessantemente por modificações da teoria do estado estacionário que
os quais colapsam para nada.
a poriam em conformidade com as novas descobertas.
A figura abaixo mostra exemplos de tipos diferentes de universos em ten- A última ideia de Hoyle-Narlikar foi que partículas não são criadas; em vez
são. A pressão é p= ( γ - 1) ρ c2, onde ρ é a densidade de massa. Vejamos sua disso, devido a uma interação universal, suas massas mudam com o tempo.
descrição: Como resultado, “os mistérios usuais que dizem respeito à chamada origem
do universo começam agora a dissolver”, escreveu Hoyle em 1975. O uni-
• letra A: universo oscilante fechado com γ >0 mas < 2/3 verso é suposto ser estático, e átomos, seres humanos, e estrelas, diminuem
• letra B: universo estável, estático, fechado com γ >0 mas < 2/3 lentamente em tamanho por causa do crescimento na massa das partículas
subatômicas. O universo em expansão com átomos de massa constante foi
• letra C: universo oscilante, fechado, de densidade constante com γ= 0 transformado em um universo estático de átomos que encolhem. O Big Bang,
• letra D: universo em estado estacionário, plano, com densidade cons- ou “criação do universo”, que Hoyle detestava, foi banido e se tornou um mo-
tante e γ= 0 mento quando todas as massas estavam próximas a zero. De acordo com essa
descrição a radiação cósmica de fundo de 3 graus não é um produto do Big
• letra E: universo com γ < 0 que se expande para se tornar um Big Bang
Bang mas, na verdade, luz estelar proveniente de uma fase muito primitiva do
Consideraremos a seguir o efeito da pressão negativa no universo. universo e que foi termalizada pelo espalhamento feito por átomos, de enor-
William McCrea apresentou a ideia alternativa de que a criação contínua é mes tamanhos, na época de massa zero.
o resultado de uma pressão cósmica negativa. Tal tensão cósmica, quando Essa teoria do “átomo que encolhe”, considerada e rejeitada pelo astrofísico
igual à densidade de energia, mantém um estado de densidade constante. A inglês Arthur Eddington, mantinha a idade infinita do universo do estado
teoria de McCrea não explica porque a tensão tem esse valor e, assim como estacionário mas abandonava a ideia de criação contínua.
a teoria de Hoyle, ela falha em explicar porque matéria, e não a antimatéria,
é criada.
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TEORIA DE BRANS-DICKE TEORIA DE ALFVÉN-KLEIN

Robert Dicke (imagem a esquerda) e Carl Brans (imagem a direita) usaram Em 1963 o físico sueco Oskar Klein apresentou um novo modelo cosmoló-
a teoria escalar-tensorial como base para investigar o princípio de Mach. Esse gico juntamente com seu compatriota, o físico Hannes Alfvén.
princípio é uma lei puramente conjectural e vários cientistas se esforçaram Em 1937 Hannes Olof Gösta Alfvén (imagem ao lado) declarou que se
para dar a ela um fundamento teórico mais seguro. existe plasma em todo o universo ele poderia transportar correntes elétricas
Teoria de Teoria de
O problema é encontrar uma maneira na qual o valor da constante gra- capazes de gerar um campo magnético na nossa Galáxia. Conhecido por suas
Brans-Dicke vitacional G é determinado pelo Universo. Uma vez que o universo está se opiniões ortodoxas em vários campos da física, Alfvén era um feroz crítico da
Alfvén-Klein
expandindo, essa variação contínua deve retroagir sobre o valor de G de modo “teoria do Big Bang” que, para ele, não passava de um mito científico criado
que ele também varie continuamente. O princípio de Mach, dentro da estru- para explicar a criação bíblica.
tura de um universo que expande, sugere então que G não pode ser constante O modelo cosmológico proposto por Alfvén e Klein é conhecido como
no tempo. “cosmologia de plasma” e foi por muitos considerado um modelo alternativo
Brans e Dicke usaram a teoria escalar-tensorial porque ela permite G va- tanto à teoria do Big Bang como à teoria do estado estacionário.
riar com a expansão. Segundo eles esse acoplamento da variação de G com a A cosmologia de plasma tenta explicar o desenvolvimento do universo
expansão do universo está em acordo com o princípio de Mach e é a justifica- visível por meio da interação de forças eletromagnéticas sobre o plasma que
tiva para usar a teoria escalar-tensor. permeia todo o universo.
Ninguém está muito certo do que o princípio de Mach realmente significa Para Alfvén o universo estava preenchido pelo “ambiplasma”, uma mistura
e cada cientista (ou filósofo) tem uma interpretação diferente. Qualquer va- em iguais proporções de matéria e anti-matéria ionizadas. Esses dois compo-
riação no valor de G, não importa quão pequena seja, pode ser olhada como nentes se separaram naturalmente à medida que ocorreram reações de aniqui-
evidência de um efeito machiano. lação entre a matéria e a antimatéria. Isso foi acompanhado por uma liberação
de energia incrivelmente grande.
As origens da cosmologia de plasma foram apresentadas por Alfvén em seu
PRINCÍPIO DE MACH livro Worlds-Antiworlds, publicado em 1956. Ele se baseou em algumas ideias
propostas pelo físico Oskar Klein de que os plasmas astrofísicos desempenha-
Ernst Mach acreditava que a massa inercial é resultado de uma partícula “sentir”
a presença de todas as outras partículas existentes no Universo. Partículas ram um importante papel na formação de galáxias. Em 1971, Klein ampliou as
distantes, localizadas além do comprimento de Hubble L, não são observáveis e, propostas de Alfvén desenvolvendo o que passou a ser conhecido como “mo-
por isso, não contribuem para a determinação da massa inercial local. delo cosmológico de Alfvén-Klein”.
Lembre também que:
• A massa gravitacional, mgrav, de uma partícula é determinada pela sua
resposta à gravidade.
• A massa inercial, minerc de uma partícula é determinada pela sua
resposta ao movimento acelerado.
Tanto na física Newtoniana como na Teoria da Relatividade Geral essas
duas massas são consideradas iguais e podemos escrever apenas m para
representá-las.

A teoria escalar-tensorial permite que a variação de G seja grande ou pe-


quena. Se a variação de G é suficientemente pequena para nunca estar em con-
flito com a observação, podemos dizer que o universo obedece ao princípio
de Mach.
O universo de Brans-Dicke é bem flexível e pode ter uma variação em G
tão pequena quanto se queira. Observações de movimentos orbitais dentro do
Sistema Solar mostram que a variação de G, se ela existe, é muito pequena.
Estudos teóricos do hélio produzido no universo primordial também indicam
que a variação de G deve ser extremamente pequena. A consequência disso é
que o universo de Brans-Dicke se tornou quase indistinguível de um universo
no qual G é constante. A cosmologia de Alfvén-Klein baseia-se em gigantescas explosões astrofí-
sicas que resultam de uma hipotética mistura da matéria e antimatéria cósmi-
cas que criaram o universo ou, como eles preferiam chamar a “meta-galáxia”.
De acordo com a teoria de Alfvén e Klein, o “ambiplasma” naturalmente
formaria bolsões de matéria e bolsões de antimatéria que se expandiriam e a
aniquilação de matéria e antimatéria ocorreria em seus contornos. Para eles,
vivemos, por um acaso, em um dos bolsões onde a maior parte da matéria
existente é bárions e não antibárions.

346  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  347


55
Outro ponto importante dessa teoria é o fato de que eles consideram que o tinha somente um minuto de idade. É bom ter em mente que o mecanismo de
universo sempre existiu. homogeneização não deve ter uma eficiência tão grande capaz de remover to-
A cosmologia de plasma praticamente foi abandonada a partir dos resul- das as irregularidades existentes no universo. Devemos lembrar que algumas
tados observacionais obtidos pelo satélite artificial norte-americano COBE irregularidades devem sobreviver para que mais tarde se desenvolvam criando
sobre a radiação de fundo de microondas que permeia o universo. galáxias e até mesmo aglomerados de galáxias. O mecanismo de homogenei-
zação deve também explicar porque a radiação cósmica tem atualmente uma
Teoria de OS UNIVERSOS MIXMASTER DE CHARLES MISNER temperatura de 3 graus. Além disso, seria bom se esse mecanismo pudesse
Alfvén-Klein explicar a entropia específica do universo, mas isso seria pedir demais, pois
Alguns cientistas afirmam que, inicialmente, o universo estava em um es- exige nossa compreensão de porque a matéria foi mais favorecida do que a
tado sem forma e caótico. Essa é a chamada “escola do caos”. Segundo essa antimatéria no desenvolvimento do universo.
“escola”, no começo de tudo, quando, como eles mesmos dizem, “o céu acima e Uma possibilidade atraente é que o caos inicial tenha sido dissipado de
a Terra abaixo não tinham sido formados” havia em todo o Universo um caos modo extremamente rápido pela intensa criação de partículas, como conse-
indescritível. Para eles foi a ação de causas naturais que fez emergir, a par- quência da criação de buracos negros quânticos, ocorrida quando o universo
tir desse imenso caos, um estado de uniformidade no Universo. Infelizmente tinha somente 10-43 segundos de idade. O caos é formado por perturbações
ninguém foi capaz de explicar de modo razoável como a homogeneidade po- ocorrida na estrutura semelhante a uma espuma que forma o espaço-tempo
deria surgir a partir do caos. Nesse tópico as teorias cosmológicas modernas nas suas dimensões da ordem de Planck, por intensas ondas gravitacionais e
não esclarecem muito mais do que a cosmologia dos povos antigos. por flutuações de campo, capazes de criar partículas do mesmo modo como
Um dos maiores defensores da ideia de que a uniformidade do Univer- campos elétricos muito fortes criam elétrons e pósitrons. Um espectador disso
so surgiu a partir de um estado inicial de caos é o cientista norte-americano tudo seriam as partículas virtuais, sempre prontas para deixar seu estado vir-
Charles Misner, da Maryland University, Estados Unidos. tual e se tornar reais, e que podem roubar do caos sua frenética energia. Desta
Os defensores dessas ideias acreditam poder explicar não somente a homo- maneira o universo talvez pudesse ser homogeneizado pela criação desse den-
geneidade do Universo mas também a radiação cósmica de 3 graus e até mesmo so mar de partículas reais energéticas. A densidade de energia máxima que
a origem das galáxias. Para eles o mecanismo capaz de fazer essa homogeneiza- o espaço-tempo pode conter, corresponde a 10100 gramas por metro cúbico, e
ção do Universo, seja ele qual for, libera energia que aquece o Big Bang. presumivelmente o caos máximo tem essa densidade, a qual nunca pode ser
Para os defensores dessas teorias, a radiação cósmica de fundo que medi- excedida. O caos máximo assegura densidade de energia uniforme e quando
mos atualmente ter uma temperatura de 3 Kelvin é um resíduo deste processo dissipado deixa uma densidade uniforme de partículas. Isso pode ser a res-
de aquecimento. Eles também afirmam que a não-homogeneidade inicial dei- posta para o mistério da homogeneidade: o universo estaria inicialmente, em
xa irregularidades, talvez sob a forma de pequenas flutuações de densidade, todos os pontos, em um estado de caos máximo e suas várias regiões não têm
que mais tarde servem como elementos aglutinadores de matéria dando ori- que interagir uma com a outra para atingir a homogeneidade.
gem às galáxias.
Universos homogêneos, mas anisotrópicos, têm sido estudados para ver se
a anisotropia inicial pode diminuir, resultando um estado isotrópico seme-
lhante àquele apresentado hoje pelo nosso universo. Esses “universos mixmas-
ter” (assim chamados por Charles Misner) movimentam-se para trás e para a
frente em convulsões gigantescas: eles se expandem em uma direção enquanto
oscilam rapidamente nas outras duas direções (imagine um cilindro pulsando
ao longo do raio enquanto está sendo esticado). Além disso, repetidamente,
era após era, cada uma durando mais tempo do que a anterior, as direções de
expansão e oscilação são trocadas. A questão é até que ponto essas convulsões
serão amortecidas por meio de mecanismos dissipativos pela matéria e radia-
ção existentes no universo. A princípio parecia que os neutrinos existentes no
universo primordial seriam capazes de enfraquecer essas convulsões e criar
o estado de isotropia, mas investigações posteriores, de um tipo mais geral,
mostraram que não é possível atingir um alto grau de isotropia a partir de um
estado anterior de anisotropia extrema.
Se o Universo é inicialmente caótico, o processo capaz de produzir sua ho-
mogeneização deve satisfazer a certas condições. A radiação cósmica de fundo
de 3 graus é 99,9% isotrópica e, desse modo, já há um alto grau de isotropia,
e daí homogeneidade, quando o universo tem somente um milhão de anos (a
radiação se deslocou livremente a partir daquela época primordial). A maior
parte do hélio é produzida quando o universo tem algumas poucas centenas
de segundo de idade, e sua abundância atual estabelece limites severos sobre a
anisotropia no instante de sua formação. Uma grande parte da não-homoge-
neidade existente deve, por isso, ter sido anulada na época em que o universo

348  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  349


Ensino a Distância
cosmologia

2015
Da origem ao fim do universo

Módulo 9
Gravitação quântica e os problemas
do espaço e do tempo
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cosmologia

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Da origem ao fim do universo

Módulo 9
Gravitação quântica e os problemas
do espaço e do tempo

Divisão de Atividades
Educacionais - ON/MCTI
56
A ENERGIA ESCURA

As medições da relação magnitude-redshift para supernovas Tipo Ia revelou


que a expansão do Universo tem acelerado desde que o Universo tinha cerca de
metade de sua idade atual. Para explicar essa aceleração a teoria da relatividade
geral exige que grande parte da energia no Universo consista de uma compo-
A energia
nente com grande pressão negativa, que foi chamada de “energia escura”.
A existência da energia escura é indicada por várias outras medições. Por
escura
exemplo, medições do fundo de microondas cósmico indicam que o Universo
é muito aproximadamente espacialmente plano e, por conseguinte, de acordo
com a teoria da relatividade geral o Universo deve ter quase exatamente a den-
sidade crítica de massa/energia. Mas a densidade de massa do Universo pode
ser medida a partir de sua aglomeração gravitacional e o resultado encontrado
é somente cerca de 30% da densidade crítica.
Uma vez que a energia escura não se aglomera no modo usual, ela é a me-
lhor explicação para a densidade de energia “que falta”.
A energia escura também é exigida por duas medições geométricas da cur-
vatura global do Universo, uma usando a frequência de lentes gravitacionais
e a outra usando o modelo característico da estrutura em larga-escala como
uma “régua” cósmica.

A pressão negativa é uma propriedade da energia do vácuo mas a natureza


exata da energia escura permanece como um dos grandes mistérios do Big
Bang. Os possíveis candidatos a energia escura incluem a constante cosmoló-
gica e a quintessência.
Resultados obtidos pelo grupo WMAP em 2006, que combinados com os
dados obtidos provenientes da CMB e outras fontes, indicam que o Universo
hoje é 74% energia escura, 22% matéria escura e 4% matéria regular.

354  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  355


A densidade de energia na matéria diminui com a expansão do Universo, gica na teoria da Relatividade Geral. Entretanto, o tamanho da constante que
mas a densidade de energia escura permanece (aproximadamente) constante explica adequadamente a energia escura é surpreendentemente pequeno em
à medida que o Universo se expande. Dessa forma a matéria constituía uma relação a estimativas ingênuas baseadas em ideias sobre a gravitação quântica.
fração maior da energia total do Universo no passado do que é hoje, mas sua A constante cosmológica Λ aparece na equação de campo modificada da
contribuição fracional diminuirá no futuro longínquo à medida que a energia teoria relativística da gravitação na forma
escura se torna cada vez mais dominante.
Rμν - (1/2)Rgμν + Λ gμν= (8π G/c4) Tμν
A CONSTANTE COSMOLÓGICA
As observações astronômicas mostram que a constante cosmológica Λ não
No modelo Lambda-CDM, o melhor modelo atual do Big Bang (incluin- pode ser maior que
do a constante cosmológica Λ e a CDM (cold dark matter ou matéria escura 10-46 km-2.
“fria”), a energia escura é explicada pela presença de uma constante cosmoló- A mais simples explicação para a existência da energia escura é que um
volume de espaço tem alguma energia fundamental, intrínseca. A essa energia
damos o nome de “constante cosmológica” que aparece nas equações relativís-
ticas da gravitação representada por uma letra grega maiúscula Λ.
A distinção entre a constante cosmológica e outras possíveis explicações de
energia escura é uma área ativa de pesquisas atualmente.

QUINTESSÊNCIA

Nos modelos que explicam a energia escura por meio da “quintessência”,


a aceleração observada do universo é causada pela energia potencial de um
campo chamado “campo da quintessência”.
De modo um pouco mais elaborado, a quintessência é um campo escalar
que tem uma equação de estado (equação relacionando pressão p e densidade
ρ) dada por p= wρ, onde w é menor que -(1/3).
A quintessência difere da constante cosmológica pelo fato de que ela pode
variar tanto no espaço como no tempo. A quintessência é dinâmica e tem den-
sidade e equação de estado que pode variar através do espaço e do tempo. No
entanto, a constante cosmológica é estática, com uma densidade de energia
fixada e w= -1.

A figura acima mostra o que é a quintessência. De acordo com a teoria


relativística da gravitação, o potencial gravitacional produzido por uma fon-
te isolada é proporcional a ρ + 3p, onde ρ é a densidade de energia e p é a
pressão. Para a matéria não relativística a pressão é pequena demais, pratica-
mente desprezível, enquanto que para a radiação p= (ρ/3). Por conseguinte,
para o mesmo valor de densidade de energia, a radiação produz um potencial

356  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  357


gravitacional mais profundo e mais atrativo (esquerda) do que a matéria não
relativística (centro). Entretanto, se ρ + 3p é negativo, como ocorre no caso
da quintessência, temos que p = (2/3) ρ e o sinal do campo gravitacional é
transformado de atrativo para repulsivo.
Não existe ainda evidencias da quintessência, mas também não há argu-
mento válido que nos obrigue a ignorá-la. Em geral a quintessência prevê uma
aceleração ligeiramente mais lenta da expansão do universo do que o valor

Ensino a Distância
previsto pela constante cosmológica.
O nome “quintessência” vem do “quinto elemento” puro, o éter que segun-
do os filósofos gregos permeava todo o Universo.

cosmologia
AS TEORIAS DE “ENERGIA FANTASMA” (“PHANTOM
ENERGY THEORIES”)

Existe um caso particular de quintessência que recebeu um nome carac-


terístico. Trata-se da chamada “energia fantasma”, em cuja equação de estado

2015
Da origem ao fim do universo
w < -1.

CONCLUSÕES

Alguns físicos teóricos acham que a energia escura e a aceleração cósmica


observada são apenas falhas da teoria relativística da gravitação quando tra-
tamos com escalas muitíssimo grandes do universo, muito maiores do que
aquelas que envolvem os superaglomerados de galáxias. Eles consideram que
é uma extrapolação tremenda supor que a mesma lei da gravitação que rege o
comportamento dos corpos do Sistema Solar funcionaria sem qualquer tipo
de correção em escalas tão imensas como as que tratamos ao considerarmos
o próprio universo.
Diversas ideias alternativas têm sido propostas como substitutas da ener-
gia escura. Elas vêm de outras teorias, também não provadas experimental-
mente, tais como a teoria de cordas, a cosmologia de “branas” e até mesmo
o chamado princípio holográfico. Outros têm procurado explicar a acelera-
ção do universo por meio de um refinamento da física que já conhecemos.

Módulo 10
Novas ideias sobre o Universo

358  Módulo 1 · A história da Cosmologia


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cosmologia

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Da origem ao fim do universo

Módulo 10
Novas ideias sobre o Universo

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57
NOVAS TEORIAS SOBRE O UNIVERSO

Com o desenvolvimento da teoria quântica de campos, da física das partí-


culas elementares de altas energias e o aparecimento da teoria da inflação na
cosmologia, muitos pesquisadores passaram a se interessar mais pelo universo
primordial. Essa fase da existência do universo parecia exigir dos pesquisado-
A energia
res uma compreensão bem mais detalhada da física de altíssimas densidades
e energias que existiu nela. No entanto, logo se verificou que o estudo do uni-
escura
verso primordial exigia muito mais do que isso.
Entender como o universo foi criado, como surgiram as propriedades asso-
ciadas a espaço e tempo, e até mesmo se essa criação existiu ou não, fez com que
os cientistas que se dedicam à cosmologia tivessem que ousar na imaginação
de quais poderiam ser as respostas a essas questões tão fundamentais. Muitas
ideias surgiram, grande parte delas baseadas na teoria da inflação, mas várias
outras foram absolutamente inovadoras e muitas extremamente ousadas.
Vejamos agora, de modo bem resumido, algumas dessas ideias. Queremos
lembrar ao leitor que não se trata aqui de apresentar simples opiniões de cien-
tistas sobre a possível formação do espaço e tempo. Como já dissemos ao longo
desse curso, por trás de cada uma dessas hipóteses existe uma matemática
super sofisticada e muito trabalho, estritamente científico. Ciência não se faz
com apenas uma ideia na cabeça. É necessário complementá-la colocando-a
sob a supervisão do amplo conhecimento de física e matemática que dão a ela
o envoltório necessário para que possa ser entendida como uma teoria cientí-
fica e não apenas como uma “sugestão”.

O UNIVERSO QUE SE AUTO-REPRODUZ

A teoria do universo que se auto-reproduz declara que o Big Bang começou


como uma flutuação quântica microscópica que ocorreu em algum lugar em
um universo que existia anteriormente ao nosso.
Do mesmo modo, o nosso universo pode estar “grávido” de outros univer-
sos. Isso que dizer que a qualquer momento outros eventos semelhantes ao Big
Bang poderiam ocorrer só que desta vez no nosso próprio universo. O pro-
blema é que esses nascimentos explosivos somente poderiam ser observados
com muita dificuldade e pode até mesmo ser que eles não sejam observados
de modo algum!

A INFLAÇÃO CAÓTICA

Essa teoria foi proposta por Andrei Linde, pesquisador do Instituto de


Física Lebedev de Moscou, Rússia. Para ele o universo é uma entidade auto
-reprodutora, que existe eternamente, e que está dividida em vários mini-u-
niversos alguns dos quais são muito maiores do que a porção observável do
nosso universo.
Na teoria de Linde as leis da física de baixas energias e mesmo a di-
mensionalidade do espaço-tempo podem ser diferentes em cada um desses
mini-universos.
Na inflação caótica de Linde o campo quântico que dá origem ao universo
não é suave em uma escala microscópica mas em vez disso ele lembra uma
“espuma de espaço-tempo”, caótica e não homogênea. Em algumas regiões
dessa espuma a densidade de energia poderia ser tão alta quanto 1093 gramas
por centímetro cúbico ou seja 125 ordens de magnitude maior do que aquela
do universo visível hoje.

362  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  363


Nessa teoria outros Big Bangs poderiam começar em qualquer lugar desta A teoria do multiverso é profundamente complexa. Na verdade, ela nos
“espuma” e permanecerem totalmente desconectados um do outro para sem- propõe que as leis da física provavelmente seriam diferentes em cada ramo
pre. Poderia até mesmo ocorrer que um número infinito de universos se origi- dessa imensa árvore. Isso significa que poderia nunca ser possível compreen-
nassem desse campo caótico sem interferir um com o outro. der como outras partes do multiverso funcionaram até agora. Isso faria com
Similarmente, nosso próprio espaço-tempo ordinário poderia ser caotica- que nunca fosse possível deduzir uma única e simples teoria unificada para
mente “espumante” na escala muito pequena de 10-33 centímetros. Ele também todas as leis da física, uma vez que elas poderiam, e certamente seriam, dife-
poderia dar origem a outros universos. As criações poderiam assim formar rentes em cada uma das bolhas geradas nesse multiverso.
uma cascata, uma a partir da outra, cada uma produzindo talvez muitos ou-
tros universos. Alguns desses universos recém nascidos colapsariam logo ao A HIPÓTESE SEM-CONTORNO (“NO-BOUNDARY”
nascer, mas outros se expandiriam em uma ampla inflação. HYPOTHESIS)
Teria sido o nosso universo o primeiro nessa cascata? Linde considera
muitíssimo improvável que o nosso universo esteja no topo dessa “árvore” de Em 1983 Hartle e Hawking começaram a trabalhar sobre a questão da sin-
universos. gularidade cosmológica usando uma abordagem matemática conhecida como
“integral de trajetória”. Eles procuraram calcular os problemas que surgiam se
A INFLAÇÃO ETERNA o universo tivesse começado de várias maneiras diferentes.
Desse trabalho saiu uma proposta chamada de “no-boundary hypothesis”,
Após a exposição da teoria da inflação original pelo físico norte-americano que traduzimos livremente como “hipótese sem contorno”.
Alan Guth, um grande número de variações sobre o mesmo tema básico foi Para entender a chamada “no-boundary hypothesis” vamos precisar da
proposto por diversos outros cientistas. Isso levou a outras formas de teoria de ajuda de uma figura geométrica muito simples, um cone.
inflação que receberam nomes diversos tais como “inflação híbrida”, “inflação Imagine que o cone represente a evolução do universo. O tempo cresce ao
caótica”, “inflação eterna”, “inflação hiperextendida”, etc. Vejamos algumas lado do cone, do seu vértice para cima, enquanto que o espaço se desloca em
dessas ideias, começando com a “inflação eterna” proposta por Guth e Linde. torno do cone. Note que à medida que você se desloca para cima no cone, do
Segundo os seus autores, depois de cerca de 10-30 segundos de inflação, seu vértice para sua base ou seja na direção crescente do tempo, a largura do
metade da região original que estava no estado de falso vácuo teria decaído em cone, que é o espaço, aumenta. A origem do tempo e do espaço ocorre no pon-
um estado de vácuo normal. Só que isso teria deixado metade do universo ain- to localizado na parte inferior do cone, o seu vértice. No modelo tradicional
da no estado de falso vácuo, o que significa que ele continuou a sofrer inflação. do Big Bang esta é a singularidade.
Cálculos teóricos (sobre os quais alguns renomados cientistas têm dúvidas) Mas, na física quântica não há tal coisa como um ponto preciso. Há sempre
mostram que a taxa desta inflação, na verdade, teria sido muito maior do que uma incerteza associada a ele. Para visualizar isto, imagine que o ponto é arre-
a taxa na qual o estado de falso vácuo decaiu. Um simples raciocínio diz que dondado como se ele fosse a ponta de uma caneta esferográfica, só que podero-
se algumas áreas estavam sofrendo inflação muito mais rapidamente do que samente diminuída. Isso é exatamente o que a integral de trajetória de Hartle
outras estavam sofrendo decaimento, a inflação teria superado o decaimento. e Hawking prevê como a configuração mais provável para o universo no seu
Além disso, até hoje alguma parte do universo deveria estar ainda sofrendo o nascimento. Ao invés da dimensão do tempo (que cresce ao longo do lado do
processo inflacionário. Em outras palavras, uma vez que a inflação inicia ela cone) começar em um ponto discreto, ela emerge da dimensão do espaço (em
é eterna. torno do cone). E do mesmo modo como não há ponto sobre a superfície de
Se esta teoria é correta, vivemos em uma região na qual o estado de falso uma esfera onde podemos dizer que a esfera “começa”, não há ponto distinto
vácuo decaiu, dando origem a um universo Big Bang padrão. No entanto, ou- sobre o fundo arredondado, hemisférico, do cone onde o espaço e/ou o tempo
tras áreas deste universo deveriam ainda estar passando por inflação. começam. Simplesmente não há ponto inicial e não há distinção entre espaço
e tempo, ou mesmo entre passado e futuro.
MULTIVERSOS Em resumo, Hartle e Hawking propuseram que o universo se inflacionou
a partir do vértice arredondado de um cone. Havia entretanto um problema
Se a proposta de Linde que vimos acima (teoria da “inflação caótica”), está com a teoria. Hartle e Hawking conseguiram completar seus cálculos de inte-
correta, existiriam ainda algumas áreas nas quais a inflação nunca realmente grais de trajetória usando uma classe de teorias inflacionárias que produziam
aconteceu. O resultado disso seria uma entidade multiramificada, fractal, gi- somente universos fechados. Como as observações atuais sugerem que o uni-
gantesca, chamada multiverso. verso é ou aberto ou plano, o modelo de criação de Hartle e Hawking conduzia
Nessa teoria nosso universo nasceu de uma pequena bolha de espaço-tem- a um universo de um tipo diferente daquele em que vivemos.
po que sofreu inflação a partir de uma região pré existente. Esta região, por
sua vez, se inflacionou a partir de uma região prévia e assim por diante. Pode- A INFLAÇÃO DUPLA
ríamos seguir está linha de raciocínio para trás de tal modo que o nascimento
original do espaço-tempo - a origem fundamental do universo - teria ocorrido Desde meados dos anos de 1990 Turok passou a procurar uma teoria de
há tanto tempo que poderia ser inútil perguntar como ela ocorreu. inflação para um universo aberto. Trabalhando com Martin Bucher da Cam-
Nessa teoria o nosso universo seria apenas uma componente do multiver- bridge University e Alfred Goldhaber da State University of New York at Stony
so, o qual continua crescendo por meio de uma série de big bangs por muito Brook, Turok encontrou que uma dose dupla de inflação, na qual um universo
mais tempo do que a nossa pequena região no multiverso inteiro. E ele conti- bolha se forma dentro de uma bolha maior, poderia resolver o problema. De
nuará a crescer eternamente. modo bastante estranho, os cálculos mostraram que o espaço no interior da

364  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  365


bolha que está inflacionando, a qual corresponde ao nosso universo, é geome- uma vez, emerge da geometria do espaço e não há nenhum começo discreto
tricamente aberto. para ambos.
O próprio Turok reconhece que este cenário não descreve de onde vieram Quando Turok e Hawking realizaram os cálculos sobre o incrível objeto
os primeiros campos que impelem a inflação (as condições iniciais) nem por que dá origem a este modelo cosmológico, verificaram que um universo in-
que necessariamente deveriam haver duas fases de inflação. flacionário aberto surgia, quase instantaneamente, da metade “superior” da
“ervilha”. Daí eles terem dado a essa “ervilha cósmica” o nome de instanton.
O UNIVERSO A PARTIR DE UM INSTANTON E qual a necessidade desse instanton possuir irregularidades na sua super-
fície? Na verdade essas irregularidades são uma representação física de flutu-
Turok procurou Hawking que sugeriu que poderia ser possível resolver o ações quânticas que teriam perturbado o tecido do espaço-tempo. Quando o
problema surgido na teoria de inflação dupla modificando a ideia “no-boun- instanton desenvolve rapidamente o universo, essas imperfeições existentes na
dary” que ele havia desenvolvido com Hartle. Isso poderia levar à produção de sua superfície formam um tipo de desenho cósmico sobre o qual o universo
um universo bolha aberto com somente uma época de inflação. Tal teoria sim- toma sua feição.
plificaria bastante as coisas e explicaria as condições iniciais para a inflação, Essa teoria é perfeita? Várias vozes de renome se levantaram contra ela.
o que significa nada menos do que as condições iniciais do próprio universo. Muitos críticos dizem que Turok e Hawking não eliminaram inteiramente
Inicialmente a abordagem usando integrais de trajetória descartaram solu- a singularidade pois ela sobrevive como um ponto no interior do instanton
ções de inflação aberta a partir do “cone” “no-boundary” de Hartle e Hawking. primordial. Turok rebate dizendo que essa singularidade é tão amena quan-
No entanto, quando Turok adicionou a energia gravitacional ao problema to aquela existente no campo elétrico no centro de um átomo de hidrogênio.
tudo mudou. Como sabemos, uma vez que energia é equivalente a massa, a Para ele a singularidade existente no centro de um instanton primordial é tão
energia cria um campo gravitacional. A gravidade, por sua vez, tem um aspec- aceitável quanto aquela existente no centro de um buraco negro e que, em-
to especial: sua energia é negativa. Em outras palavras a energia positiva infi- bora saibamos que existe, em nenhum momento colocamos dúvidas sobre a
nita produziria uma energia negativa infinita perfeitamente equilibrada. existência desse objeto cósmico. Para Tukok o que eles fizeram foi contornar
a singularidade em vez de evitá-la totalmente, encontrando um caminho que
permite ir até o princípio do tempo e contornar a singularidade.
Outros cientistas alegam que o instanton dá origem a um universo que é
aberto demais. Nesse caso, a densidade de matéria deveria ser tão baixa que
as galáxias seriam muito poucas e estariam muito espaçadas. Segundo eles,
mesmo usando o Hubble Space Telescope, não seríamos capazes de ver ne-
nhuma outra galáxia a partir da nossa. Para Turok o fato desse modelo aberto
nos dar um erro de um fator 30 é perfeitamente aceitável por que os cálculos
feitos por ele e Hawking foram sobre um modelo muito simples e não deram
um resultado tão errado assim!
Uma outra crítica severa ao trabalho de Turok e Hawking foi feito por
Linde que alegou que o instanton criado por eles usa a ideia de “tunela-
mento quântico” para explicar como o universo poderia ter sido criado a
partir do “nada”. Em linguagem da teoria quântica, o tunelamento nos diz
como uma partícula ou um campo poderia se mover de um lado para ou-
tro de uma barreira aparentemente insuperável sem realmente passar por
cima ou através da barreira em um sentido clássico. Explicando melhor,
Ao colocarem esses conceitos nos seus cálculos, Turok e Hawking notaram classicamente você não conseguiria superar uma enorme montanha a sua
que o novo modelo era capaz de produzir um universo inflacionário aberto e frente se não lhe fosse dada a opção de passar por cima dela, contorná-la,
sem qualquer inflação dupla. Seus cálculos mostraram também que tal tipo de ou atravessá-la por meio de um túnel. No entanto isso é possível segundo
universo era o universo mais provável. as regras da física quântica, não para corpos macroscópicos como nós, mas
Com o que esse universo primordial pareceria? Segundo uma entrevista para partículas e campos. Segundo Linde o instanton proposto por Turok
dada por Turok para um jornal inglês esse universo primordial pareceria com e Hawking descreve a origem do universo como um evento de tunelamento
uma incomensuravelmente pequena “ervilha”: pequena, não perfeitamente quântico que passa de um estado de “nada” para um estado de existência.
redonda, e com pequenas “covinhas”. Segundo Turok não se trata de tunelamento. Para ele o instanton não é, na
Só que essa seria uma “ervilha” muito especial. Seu tamanho seria de verdade, criado a partir do “nada”. O instanton, significando o universo no
apenas um milionésimo de um trilionésimo de um trilionésimo do tamanho seu nascimento, apenas “é”.
normal de uma ervilha! No entanto, ela seria um pouco mais densa do que a O instanton de Turok e Hawking deixa ainda uma questão fundamental
matéria ordinária e assim sua massa seria quase a mesma de uma ervilha. não resolvida: como ele surgiu? Para os dois cientistas a pergunta não tem
No entanto, essa “ervilha cósmica” é muito especial. Nela o espaço e o tem- significado. Não existe “fora” do instanton ou “antes” dele. O instanton é ape-
po estão misturados de tal modo que sua metade “inferior” é semelhante ao nas um objeto que se originou pelas próprias leis da física. Mas, desse modo,
vértice arredondado do cone que vimos no modelo “no-boundary” original apenas transferimos a pergunta: e o que criou essas leis?
de Hartle e Hawking. Nesse novo modelo de Turok e Hawking o tempo, mais

366  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  367


O UNIVERSO “EKPIRÓTICO” Qual é a proposta do modelo de Universo “ekpirótico”? O modelo do
Big Bang possui diversos problemas que precisam ser “ajustados” pelos
Em 2001 surgiu uma nova teoria que procurava descrever o que aconteceu cientistas, principalmente quando nos referimos à história mais primor-
antes do Big Bang, evento ocorrido há cerca de 15 bilhões de anos. Essa teoria foi dial do universo ou seja os primeiros bilionésimos do bilionésimo do bilio-
desenvolvida por Paul Steinhardt e seus colaboradores da Princeton University, nésimo de segundo ou mais cedo ainda! Uma das propostas existentes para
Estados Unidos. O modelo proposto, com o estranho nome de “modelo ekpiró- explicar o Universo nesse curtíssimo mas fundamental período de tempo
tico” tenta explicar importantes detalhes sobre a natureza do nosso universo, é a chamada “teoria inflacionária”. Ela propõe que o Universo “nasceu”
inclusive o porque dele estar se expandindo da maneira como percebemos hoje. quente e denso, mas sofreu um período de hiperinflação. O modelo ekpi-
Esse modelo é bem complicado (como se os modelos apresentados acima rótico é uma nova alternativa que em muitos aspectos se afasta radical-
não o fossem!). Ele está baseado na chamada “teoria M” (M-Theory), que pode mente das ideias até então engessadas pelo Big Bang. O modelo ekpirótico
ser entendida como uma extensão da “teoria de cordas” (string theory). Se- está baseado na ideia de que o nosso universo de Big Bang quente foi criado
gundo essa última teoria, ao contrário do que é descrito no modelo padrão a partir da colisão de dois “mundos” tridimensionais que se movem junta-
de física de partículas (apresentado anteriormente em um dos módulos do mente com uma dimensão extra escondida. Os dois “mundos” tridimen-
curso), as partículas elementares que formam a matéria existente no Universo sionais colidem e se grudam. A energia cinética na colisão é convertida em
não são (como dissemos) estruturas puntiformes. Ao contrário, os elementos quarks, elétrons, fótons, etc. que estão confinados a se moverem ao logo de
constituintes fundamentais do espaço e do tempo são pequeníssimas cordas três dimensões.Como a temperatura resultante é finita, a fase de Big Bang
vibrantes. A maneira como essas cordas vibram determinaria as propriedades quente começa sem uma singularidade.O Universo é homogêneo porque a
características de cada partícula que detectamos na natureza. colisão e a iniciação da fase do Big Bang ocorre quase simultaneamente em
A teoria M não abandona o conceito de Big Bang. Ao contrário, a teoria M todos os lugares.
procura explicar os eventos que ocorreram antes do Big Bang. O termo “ekpyrosis” é uma palavra grega que significa “conflagração”.
Para realizar o seu propósito a teoria M exige que o Universo tenha 11 di- Ela foi usada pelos cientistas como uma homenagem a uma antiga ideia que
mensões. Dessas, 6 estão “enroladas” formando estruturas tão microscópicas formava o modelo cosmológico pregado pelos estóicos segundo o qual o
que podem ser ignoradas. universo teria sido criado por uma súbita explosão de fogo, algo não muito
O leitor cuidadoso fez as contas: se a teoria M fala de um Universo de 11 diferente do que acontece quando duas membranas tridimensionais colidem
dimensões e o nosso possui 4 (3 de espaço e uma de tempo) tem alguma coisa no modelo ekpirótico.
estranha com essa conta! Na verdade, a teoria M considera que toda ação no
Universo ocorre em um espaço-tempo de 5 dimensões. TEORIA DA GEOMETRIA “TORCIDA”(WARPED)
Para a teoria M, antes que o Big Bang tivesse ocorrido, o Universo consistia 5-DIMENSIONAL
de duas superfícies 4-dimensionais, perfeitamente planas. Uma dessas “mem-
branas” (que abreviamos para “brana”) é o nosso Universo. A outra “brana” é Os físicos Lisa Randall e Raman Sundrum propuseram um modelo cos-
um Universo paralelo “escondido” de nós. mológico, baseado na teoria de “branas”, à qual eles deram o nome de “5-di-
De acordo com Paul Steinhardt e seus colaboradores, flutuações aleatórias mensional warped geometry theory”, que podemos traduzir livremente como
que ocorreram nesse Universo “escondido” fizeram com que ele sofresse dis- “teoria da geometria retorcida 5-dimensional”. Essa teoria também é chamada
torções que influenciaram o nosso Universo. de RS-1.

368  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  369


58
Este modelo envolve um conjunto 5-dimensional finito que é extremamen- A pergunta que nos guiará nessa especulação sobre o destino final do nos-
te “retorcido” e contém duas “branas”. Uma delas é chamada “Gravitobrana” so universo é a seguinte: o universo se expandirá para sempre, com as galáxias
ou “Planckbrana”, onde a gravidade é uma força relativamente forte. A outra desaparecendo gradualmente e se dispersando ou, ao contrário, ele recolapsa-
“brana” é a “Weakbrana” (brana fraca) ou “Tevbrana”, nosso lar, onde o mo- rá concentrando novamente toda a matéria em uma pequeníssima região do
delo padrão de partículas elementares é observado. espaço-tempo?
Neste modelo, as duas “branas” estão separadas por uma quinta dimensão Em geral a primeira verificação a essas duas hipóteses viria da observação
O fim do não necessariamente grande. do “redshift” das galáxias, ou seja, do deslocamento de suas linhas espectrais
Universo A Gravitobrana tem uma energia de brana positiva enquanto que a We- na direção do vermelho do espectro eletromagnético. Esse deslocamento nos
akbrana tem energia de brana negativa. São essas energias que fazem com que diria se as galáxias estão se aproximando umas das outras, e nesse caso suas
o espaço-tempo seja extremamente “retorcido”. Note, entretanto, que nesse linhas espectrais estariam sofrendo não um deslocamento para o vermelho
modelo somente a 5-dimensão é “retorcida”. mas sim um deslocamento para a região azul do espectro eletromagnético, ou
Nesse modelo todos os objetos que se movem da Gravitobrana para a We- se elas continuam se afastando umas das outras como medimos atualmente.
akbrana estarão crescendo, se tornando mais leve (lembre que a gravidade é Por esse método, em princípio, poderíamos comparar a expansão do universo
muito mais forte na Gravitobrana do que na Weakbrana) e se movendo mais atual com aquela medida e verificar o quanto ele está contraindo.
lentamente ao longo do tempo.

OS ATUAIS MODELOS CÍCLICOS

Embora modelos cíclicos do universo tenham acompanhado os cosmó-


logos desde a divulgação de suas primeiras ideias, todos esses modelos não
levaram a bons resultados. Nos anos de 1930 Einstein considerou seriamente a
possibilidade do universo obedecer a um modelo cíclico. Outro grande pensa-
dor da cosmologia, Richard Tolman também propôs modelos cíclicos que não
sobreviveram a análises mais profundas. Somente agora no século XXI, após a
descoberta da chamada “energia escura”, modelos cosmológicos cíclicos volta-
ram a trafegar com naturalidade entre os cientistas. Vamos descrever alguns:

1. O modelo de Steinhardt-Turok
No seu modelo cíclico duas branas paralelas colidem periodicamente
em um espaço de dimensão mais alta. O universo 4-dimensional visí-
vel está situado em uma dessas “branas”. As colisões correspondem a
uma reversão entre contração e expansão do próprio universo. Nesse
modelo a “energia escura” corresponde à força entre as branas. Como
consequência o universo “surge” e “desaparece” repetidas vezes. Existe, entretanto, um modo mais indireto de determinar se a expansão
do universo está destinada a parar e iniciar um caminho reverso de contra-
2. O modelo do Tempo Cíclico de Lynds
ção. Sabe-se que a interação gravitacional mantém a ligação entre os corpos
O cientista Peter Lynds propôs um modelo no qual o tempo é cíclico
celestes. Aliás, a interação gravitacional mantém todos os corpos, até mesmo
e o universo se repete exatamente do mesmo modo num número infi-
as menores partículas, em contato umas com as outras. Se dois asteroides co-
nito de vezes. Uma vez que é exatamente o mesmo ciclo que se repete,
lidem seus resíduos se espalham pelo espaço vizinho, mas o comportamento
podemos interpretá-lo como ocorrendo apenas uma vez!
desses resíduos dependerá muito da velocidade com que eles se espalham. Se
ela for muito grande, eles se perdem no espaço sideral sendo, possivelmente,
O FIM DO UNIVERSO atraídos futuramente por outros corpos maiores. Se esses resíduos possuem
baixa velocidade de escape, eles podem ser novamente atraídos por um dos
Muitos cosmólogos se preocupam hoje em apresentar o fascinante cenário corpos que o originou. Nesse caso a expansão dos resíduos seria parada, sendo
de como teria sido a possível origem do nosso universo. Ele está aí. Nós o atraídos novamente na direção do corpo original.
observamos tanto com os pequenos telescópios como com os grandes equipa- Algo semelhante a isso é projetado pela teoria relativística da gravitação.
mentos profissionais mantidos por observatórios de todo o mundo. As galáxias são os “resíduos” do nosso universo, fragmentos de um processo
Mas o que podemos dizer quanto ao seu futuro? Existirá um fim para o de expansão que começou a bilhões de anos. Sabemos qual a velocidade de ex-
universo ou ele é eterno? Como interpretar o conceito de um universo eterno pansão que elas possuem. Poderíamos então calcular facilmente se o universo
em relação à nossa própria existência? E como aceitar que em algum momento em algum momento irá recolapsar. No entanto nos falta um dado fundamen-
ele possa “desaparecer”? O que significa isso? tal. Até o momento os cientistas não sabem precisamente qual é a quantidade
Para discutirmos esses temas precisamos, mais uma vez, especular usando de matéria real que existe no universo e que poderia parar essa expansão. Eles
a física que conhecemos. E tudo depende da massa do universo, que é quem já calcularam qual a quantidade de matéria suficiente para parar a expansão:
determina se ele se expande para sempre ou sofre um colapso final. cerca de 3 átomos por metro cúbico, que seria a densidade crítica do universo.

370  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  371


Se a concentração média da matéria no universo estiver abaixo dessa densida- A pergunta que se faz é se a entropia do universo pode crescer para sempre.
de crítica, ele deverá se expandir para sempre, mas se ela for superior a esse Se todas as estrelas emitem energia térmica para o espaço frio, e como sabe-
valor o universo em algum momento irá recontrair. mos que essa energia estelar não é inesgotável, isso significa que em algum
Mas o que falta para que os cientistas saibam exatamente qual é o conteúdo momento todo o universo estará à mesma temperatura ou seja, o universo terá
de matéria do universo? Ocorre que evidências no estudo da dinâmica das alcançado aquilo que os físicos chamam de “equilíbrio termodinâmico”, uma
galáxias parecem nos indicar que existe uma grande quantidade de matéria condição de entropia máxima.
invisível no universo à qual damos o nome de matéria escura. Estudos dinâ- No caso de um universo que se expande para sempre seu destino final se-
micos de aglomerados e grupos de galáxias nos indicam que existe cerca de 10 ria ficar, para sempre, completamente cheio de radiação. Tudo existente nele
vezes mais material escuro no universo do que é realmente observado. Desse de alguma forma decairia de volta a radiação e isso poderia acontecer por
modo, mais de 90% da massa existente no universo pode estar em alguma meio de vários processos. Algumas teorias de Grande Unificação permitem o
forma ainda não detectada e não necessariamente se revelar como estrelas. chamado “decaimento do próton”, o que seria suficiente para aniquilar toda
Essa matéria escura pode estar na forma de estrelas “mortas”, buracos negros a matéria existente no universo em um longo prazo. É bom lembrar que o pró-
primordiais, partículas previstas pela chamada teoria da supersimetria e que ton não é uma partícula fundamental e sim composta por três quarks. Esses
até hoje não foram observadas, etc. Não necessariamente essa massa escura quarks estão o tempo todo interagindo no interior do próton e poderia ser que,
estaria na forma de bárions. em algum momento, eles se aproximassem o suficiente para que a interação
Não há qualquer razão para acreditar que tudo no universo brilha. O que gravitacional entre eles aumentasse a interação forte ali existente. Nesse caso
já conseguimos observar ou acreditamos existir pode ser apenas uma fração eles poderiam se unir formando um mini buraco negro. Dizemos então que
pequena, atípica, do que realmente existe. Se os detectores dos grandes teles- o próton colapsaria devido à sua própria gravidade em virtude do efeito do
cópios pudessem registrar apenas a parte óptica do espectro eletromagnético, tunelamento quântico que ocorreria dentro dele. Esse mini buraco negro é
nossa compreensão sobre a quantidade de matéria existente no universo esta- altamente instável e desaparece quase instantaneamente dando origem a um
ria muito errada. Mesmo observando em várias faixas do espectro eletromag- pósitron, que é a antipartícula do elétron, e a um píon neutro. Os possíveis
nético tudo indica que a nossa visão sobre o conteúdo de matéria do universo tempos de vida para que ocorra o decaimento de um próton, sugeridos pelas
ainda está bastante incompleto. teorias de Grande Unificação, nos indicam um intervalo muito grande de pos-
O fato de não conseguirmos observar um fenômeno, não significa que ele sibilidades, o menor deles sendo de 1045 anos.
não exista. Pode ser que realmente haja matéria suficiente no universo para Se é verdade que os prótons são instáveis e decaem, mesmo que isso ocorra
fazê-lo colapsar no futuro. após um período tão longo de tempo, as consequências são trágicas para a ma-
Vemos, portanto, que a determinação da densidade de matéria e da desace- téria existente no universo. Tudo que existe nele seria instável e acabaria por
leração do universo são testes cruciais para a cosmologia. desaparecer em algum momento, desde que o universo tenha tempo suficiente
para atingir este estado final. Todos os corpos celestes, todas as formas de
O FIM DE UM UNIVERSO QUE SE EXPANDE PARA matéria existentes, perderiam seus prótons por meio desse processo em algum
SEMPRE momento de suas vidas.
Com o decaimento dos nêutrons e prótons (os nêutrons também são for-
O que ocorreria se o nosso universo se expandisse para sempre e tivesse mados por quarks) o universo ficaria composto por esse tipo de partículas. O
tempo suficiente para atingir um estado final? píon, por ser instável, decairia em dois fótons ou em um par elétron-pósitron.
Em 1956 o físico alemão Hermann von Helmholtz fez a seguinte previsão: Veja, portanto, que o universo adquire cada vez mais pósitrons. Uma vez que
o nosso universo estava morrendo. Como sustentação à sua hipótese ele usava todos os prótons tenham decaído em pósitrons, haverá uma mistura quase
a segunda lei da termodinâmica. Segundo ela, em um sistema isolado ou seja, igual deles e elétrons no universo. Inicialmente o elétron e o pósitron irão se
que não recebe energia de outros corpos, o calor sempre flui de um corpo mais combinar em uma espécie de mini-átomo, chamado positrônio, unidos por
quente para aquele que está mais frio. Existe, portanto, um direcionamento uma atração elétrica mútua, pois eles possuem cargas elétricas diferentes. Esse
fundamental para o fluxo de calor: dizemos que o comportamento do fluxo sistema é instável e seu movimento orbital tem a forma de uma espiral. Isso faz
de calor é unidirecional. Isso é comumente representado como uma “seta do com que essas partículas terminem por se aniquilarem. O tempo necessário
tempo” que passa do passado para o presente e indica que o processo é de para que essa aniquilação ocorra depende da distância inicial entre o elétron
natureza irreversível. e o pósitron. Estimativas mostram que seriam necessários 1071 anos para que
Esses conhecimentos de termodinâmica levaram ao conceito de entropia, os positrônios fossem formados, seus constituintes tendo órbitas da ordem de
uma propriedade que caracteriza as mudanças irreversíveis que podem ocor- muitos milhões de anos-luz. Inevitavelmente todos os positrônios serão, em
rer na termodinâmica. A segunda lei da termodinâmica nos diz que a entropia algum momento, aniquilados.
de um sistema isolado nunca diminui, pois se isso acontecesse teríamos calor Um outro processo que estaria acontecendo simultaneamente seria a for-
fluindo espontaneamente de um corpo mais frio para um outro mais quente. mação e subsequente evaporação de buracos negros por meio de processos
O conceito de entropia pode ser generalizado para todos os sistemas fecha- quânticos. Estrelas, tais como anãs brancas e de nêutrons, poderiam sofrer
dos: a entropia nunca diminui. Mas o nosso universo é um sistema fechado processos que as transformariam em buracos negros com sua consequente
pois não há sentido em falar sobre o seu “lado de fora”. Com isso constatamos “evaporação”.
que a entropia do universo realmente nunca diminui. Ela cresce sempre. Por Note que os processos que estão ocorrendo num universo que se expande
exemplo, o Sol emite seu calor para o espaço frio e essa forma de energia nunca para sempre acontecem cada vez mais lentamente. Nosso universo, em eterna
retorna, um processo absolutamente irreversível. expansão, terá como matéria final o fundo cósmico que sempre esteve presen-

372  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  373


te, a radiação de fótons e neutrinos que foi criada com ele. A matéria ordinária Com o aumento das interações, as regiões centrais das galáxias, formadas
do universo já terá desaparecido e todos os buracos negros já terão evaporado. em geral por imensos buracos negros, se tornarão impacientes devoradores de
Nesse futuro longínquo o universo seria apenas uma “sopa” incrivelmente estrelas, aumentando continuamente suas massas. O espaço-tempo ficará cada
diluída de fótons, neutrinos e um número cada vez menor de elétrons e pó- vez mais “furado” à medida que, além do fato desses imensos buracos negros
sitrons que se afastam cada vez mais lentamente (lembre-se que o universo centrais de galáxias continuarem inchando, estrelas “mortas”, que já esgotaram
continua a expandir). seu combustível nuclear, também se transformarem em buracos negros.
Não conhecemos nenhum motivo pelo qual o universo poderia interrom- À medida que o universo recolapsa a temperatura da radiação de fundo
per essa sua degradação térmica e retornar a um processo de criação de ma- aumenta inevitavelmente. Todos os corpos celestes sofrerão a consequência
téria. Isso levará um tempo imenso para acontecer, mas será inexorável se o disso, inclusive a nossa Terra. Essa radiação se tornaria tão intensa que o céu
universo se expandir para sempre. A esse processo damos o nome de “morte noturno passaria a ter uma coloração vermelha e nosso planeta, assim como
térmica” do universo. todos os outros, não conseguiria resistir ao calor e seria destruído. O espaço
passaria a ser preenchido por gases cada vez mais quentes. A temperatura au-
mentaria até atingir valores superiores a bilhões de graus.
TEMPO O QUE ACONTECE
Com uma temperatura tão alta os núcleos atômicos se desintegrariam, se-
1014 a atividade estelar ordinária está completada: as estrelas esgotaram seu
riamcombustível
esmagados enuclear
só restariam no espaço buracos negros. Prótons e nêutrons
10 17
significante relaxação dinâmica nas galáxias individuais também deixariam de existir sobrando apenas uma “sopa” de
quarks, seus constituintes básicos.
1020 efeitos de radiação gravitacional em galáxias
O colapso continuaria a acelerar. Os buracos negros agora se fundem, a
10 - 10
31 36
decaimento do próton (se as previsões das Teorias de Grande Unificação estiverem
gravitação corretas)
domina tudo. Isso faz com que a curvatura do espaço se torne cada
vez mais acentuada e o comprima cada vez mais. E o fim do universo.
1064(m/msol)3 evaporação quântica de buracos negros (efeito Hawking)
O colapso, cada vez mais intenso, levará a um “grande esmagamento” que
estrelas anãs brancas se transformam em estrelas de nêutrons (isso se o decaimento
engolirá do O estágio final seria uma imensa bola de fogo, seme-
toda a matéria.
10 1600
próton não ocorrer antes) lhante àquela que iniciou a expansão do universo.
as estrelas de nêutrons sofrem tunelamento quântico transformando-sePoderíamos
em buracosentãonegrosimaginar que após esse “grande esmagamento” um
101026 - 101027
os quais então rapidamente evaporam (isso se o decaimento do próton novonão
processo físico
ocorrer de expansão teria início com a formação de um novo uni-
antes)
verso. Seria possível? Não temos como prever, uma vez que não conhecemos
O FIM DE UM UNIVERSO QUE RECOLAPSA detalhes fundamentais do processo que deu origem ao nosso universo. Além
disso, não necessariamente um novo universo criado a partir desse “grande
O que acontece se o universo inicia um recolapso? Inicialmente não serí- esmagamento” teria qualquer semelhança com o nosso. Podemos lembrar que
amos capazes de perceber o que estaria acontecendo. O universo começaria também não sabemos quais as condições iniciais que deram origem às leis fí-
a recolapsar de uma maneira muitíssimo lenta. Levaríamos algum tempo, sicas que hoje percebemos no nosso universo. Novas teorias sobre a formação
algumas dezenas de bilhões de anos, antes de observarmos que algo de novo do universo possibilitam a existência de vários universos onde as leis físicas
estaria acontecendo nele. podem ser absolutamente diferentes.
Algo sutil poderia ser o primeiro fator a provar aos astrônomos que o uni-
verso começou a recolapsar. Este seria um aumento na temperatura da radia- tempo o que acontece
ção cósmica de fundo, que hoje é de cerca de 3 Kelvin. Essa radiação é um
o universo começa lentamente a colapsar; a temperatura da radiação de fundo começa a
remanescente da grande expansão inicial do universo e ela resfria à medida -
aumentar
que o universo se expande. A detecção no aumento dessa temperatura seria
um dado impressionante de que ele começou a colapsar. 109 os aglomerados de galáxias começam a se aproximar e iniciam processos de colisão
Como já dissemos, os deslocamentos para o vermelho das linhas espectrais 108 as galáxias colidem no interior dos aglomerados
das galáxias, seus “redshifts”, começam a ser substituídos por deslocamentos
para o azul, “blueshifts”. Os aglomerados e grupos de galáxias começam a
106 as estrelas se movem relativisticamente
contrair gravitacionalmente. As galáxias, tendo em vista essa contração, co- a temperatura da radiação de fundo continua a aumentar; o “céu noturno” inteiro é mais quente
105
meçam a se juntar cada vez mais dentro desses aglomerados e grupos de ga- do que a superfície de uma estrela
láxias. Isso provocará uma interação gravitacional cada vez maior entre elas 103 estrelas são destruídas; buracos negros crescem catastroficamente
aumentando o número de colisões e disrupções dessas galáxias no interior
desses aglomerados. A energia de ligação gravitacional que está sendo liberada 1 a temperatura no universo é maior do que 108 Kelvin em todos os seus pontos
à medida que os aglomerados de galáxias, e consequentemente as galáxias e - acontece o “grande esmagamento”
suas estrelas, progressivamente se juntam, aceleram o processo de contração
do universo. No entanto, essa inexorável tendência à contração será retardada
A DESTRUIÇÃO ABRUPTA DO UNIVERSO
por outros processos físicos existentes no universo tais como a rotação, a ener-
gia nuclear e até mesmo a enorme escala dos sistemas astronômicos, o que faz
Quando falamos sobre a teoria da inflação, consideramos rapidamente o
com que os processos aconteçam lentamente, adiando um pouco a inevitável
conceito de que poderiam existir vários estados de vácuo: aquele que real-
vitória da interação gravitacional.

374  Módulo 1 · A história da Cosmologia Cosmologia - Da origem ao fim do universo  375


mente é o estado de menor energia ou “vácuo verdadeiro” e aquele que é um mente os dois cenários descritos acima para o futuro do Universo.
pseudo estado de menor energia ou “vácuo falso”. As observações modernas que mostram a expansão acelerada do Universo
Baseados nessas considerações, os cientistas Sidney Coleman e Frank de implicam que cada vez mais a parte atualmente visível do Universo cruza-
Luccia levantaram a seguinte questão muito importante sobre o destino do rá nosso horizonte de eventos e ficará fora de contato conosco. O resultado
nosso universo? O que aconteceria se o nosso universo estivesse não em um eventual disso não é conhecido. O modelo Lambda-CDM do Universo contém
estado de “vácuo verdadeiro” mas sim em um estado de “falso vácuo”? energia escura na forma de uma constante cosmológica. Essa teoria sugere que
Sabemos que um estado de vácuo excitado tende a cair para um estado somente sistemas gravitacionalmente ligados, tais como as galáxias, permane-
de vácuo verdadeiro. Os átomos existentes em um estado de falso vácuo são ceriam juntos e eles também estariam sujeitos a morte térmica à medida que o
todos instáveis e tendem a decair para estados de menor energia, a que damos Universo expande e esfria.
o nome de “estado fundamental”. Outras explicações da energia escura - as chamadas teorias de “energia
Acreditamos hoje que o nosso universo está em um estado de “vácuo ver- fantasma”, sugerem que no fim das contas os aglomerados de galáxias, estre-
dadeiro”. Mas e se isso não for verdade? las, planetas, átomos, núcleos, e a própria matéria seria separada com força
Coleman e De Luccia levantaram a possibilidade de que o nosso universo pela sempre crescente expansão em um chamado Big Rip.
possa estar não em um estado de “vácuo verdadeiro” mas sim em um estado
de “vácuo metaestável” que teria uma longa duração. Isso nos estaria dando
um falso sentido de segurança por estar durando alguns bilhões de anos, mas
precisamos lembrar que os núcleos do urânio também apresentam meias-vi-
das que podem durar bilhões de anos e nada os impede de decair para outros
estados.
O que Coleman e De Luccia propuseram é a possibilidade de que, se o nos-
so universo estiver em um estado de “vácuo metaestável” não seria impossível
que ele venha a cair para um estado de energia ainda mais baixa com terríveis
consequências para nós.
Uma transição entre estados de vácuo se dá por meio do chamado “tune-
lamento quântico” que já explicamos. Embora esse efeito não seja percebido
na nossa vida diária ele é muito comum no mundo quântico, tais como nos
semicondutores que você usa no seu dia-a-dia.
Segundo Coleman e De Luccia, o decaimento começaria em uma região
qualquer do espaço na forma de uma pequeníssima bolha de vácuo “verda-
deiro” cercado pelo vácuo “falso” que sabemos ser instável. Tão logo a bolha
de vácuo “verdadeiro” tenha se formado ela se expandirá a uma taxa que rapi-
damente alcançará a velocidade da luz. Desse modo ela englobará uma região
cada vez maior do “vácuo falso” e o converterá instantaneamente em “vácuo
verdadeiro”. Toda a energia está concentrada na parede da bolha que varre o
universo de lado a lado e destrói tudo que encontra no seu caminho.
O que aconteceria conosco? Em primeiro lugar só perceberíamos a exis-
tência dessa bolha de vácuo verdadeiro quando aparecesse sua parede. Ela
causaria uma mudança instantânea na estrutura quântica do nosso mundo.
Não teríamos qualquer aviso de que isso iria acontecer e, quase que imedia-
tamente, a natureza das partículas subatômicas e seus processos de interação
sofreriam mudanças extremamente radicais. Por exemplo, isso poderia causar
o decaimento instantâneo dos prótons com a consequente evaporação de toda
a matéria existente. Segundo os cientistas, a energia e a pressão existentes no
interior da bolha de vácuo verdadeiro criariam um campo gravitacional tão
intenso que a região englobada por ela entraria em colapso em apenas alguns
microsegundos, embora sua parede continuasse a expandir. A aniquilação do
nosso universo seria abrupta, uma implosão para o interior de uma singulari-
dade do espaço-tempo sem qualquer aviso prévio.

OUTRAS POSSIBILIDADES MODERNAS DA


“DESTRUIÇÃO” DO UNIVERSO

Antes de terem sido feitas as observações que foram interpretadas como


o Universo estando em expansão acelerada, os cosmólogos consideravam so-

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