Adeus Professor, Adeus Professora PDF
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PROFESSORA?
Novas exigências educacionais e
profissão docente
Cortez Editora
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INTRODUÇÃO
A escola com que sonhamos é aquela que assegura a todos a formação cultural e
científica para a vida pessoal, profissional e cidadã, possibilitando uma relação
autônoma, crítica e construtiva com a cultura em suas várias manifestações: a cultura
provida pela ciência, pela técnica, pela estética, pela ética, bem como pela cultura
paralela (meios de comunicação de massa) e pela cultura cotidiana. E para quê? Para
formar cidadãos participantes em todas as instâncias da vida social contemporânea, o
que implica articular os objetivos convencionais da escola - transmissão-assimilação
ativa dos conteúdos escolares, desenvolvimento do pensamento autônomo, crítico e
criativo, formação de qualidades morais, atitudes, convicções - às exigências postas pela
sociedade comunicacional, informática e globalizada: maior competência reflexiva,
interação crítica com as mídias e multimídias, conjunção da escola com outros
universos culturais, conhecimento e uso da informática, formação continuada (aprender
a aprender), capacidade de diálogo e comunicação com os outros, reconhecimento das
diferenças, solidariedade, qualidade de vida, preservação ambiental. Trata-se de
conceber a escola de hoje como espaço de integração e síntese, como se proporá ao
longo deste livro.
Não dizemos mais que a escola é a mola das transformações sociais. Não é,
sozinha. As tarefas de construção de uma democracia econômica e política pertencem a
várias esferas de atuação da sociedade, e a escola é apenas uma delas. Mas a escola tem
um papel insubstituível quando se trata de preparação das novas gerações para
enfrentamento das exigências postas pela sociedade moderna ou pós-industrial, como
dizem outros. Por sua vez, o fortalecimento das lutas sociais, a conquista da cidadania,
dependem de ampliar, cada vez mais, o número de pessoas que possam participar das
decisões primordiais que dizem respeito aos seus interesses. A escola tem, pois, o
compromisso de reduzir a distância entre a ciência cada vez mais complexa e a cultura
de base produzida no cotidiano, e a provida pela escolarização. Junto a isso tem,
também, o compromisso de ajudar os alunos a tomarem-se sujeitos pensantes, capazes
de construir elementos categoriais de compreensão e apropriação crítica da realidade.
Na vida cotidiana, cada vez maior número de pessoas são atingidas pelas novas
tecnologias, pelos novos hábitos de consumo e indução de novas necessidades. Pouco a
pouco, a população vai precisando se habituar a digitar teclas, ler mensagens no
monitor, atender instruções eletrônicas. Cresce o poder dos meios de comunicação,
especialmente a televisão, que passa a exercer um domínio cada vez mais forte sobre
crianças e jovens, interferindo nos valores e atitudes, no desenvolvimento de
habilidades sensoriais e cognitivas, no provimento de informação mais rápida e
eficiente.
O quadro não é alentador, mas resignar-se a ele impede a luta por projetos
alternativos de gestão política. É preciso investir na formulação de propostas assertivas,
compreendendo que tendência não é destino e que a população brasileira pode
organizar-se, pensar seu futuro, traçar formas de ação (Fávero et alii, 1992). Nesse caso,
a escola ganha importância ao invés de perder. Para serem enfrentados os desafios do
avanço acelerado da ciência e da tecnologia, da mundialização da economia, da
transformação dos processos de produção, do consumismo, do relativismo moral, é
preciso um maciço investimento na educação escolar. É preciso reconhecer a urgência
da elevação do nível científico, cultural e técnico da população, para o que se torna
inadiável à universalização da escolarização básica de qualidade.
Certas demandas do processo produtivo não podem ser ignoradas, tais como as
seguintes: desenvolvimento de capacidades cognitivas e operativas encaminhadas para
um pensamento autônomo, crítico, criativo; formação geral e capacitação tecnológica
para que os trabalhadores possam exercer mais controle sobre suas condições de
2
É difícil acreditar numa política educacional modernizante, tal como a que tem sido incentivada pelo
governo federal, quando se observa nos Estados a manutenção do sistema de ensino duplo: o das escolas
públicas sem remuneração decente para os professores, sem condições físicas e materiais, sem supervisão
pedagógico-didática com qualidade, sem programas de formação continuada, e o das escolas privadas
cada vez mais seletivas.
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Cf., por exemplo, Gentili & Silva (1994), Frigotto (1995), Silva & Gentili (1996).
10
trabalho, de modo a não buscar competência apenas em tarefas fixas e previsíveis, mas
compreender a totalidade do processo de produção; qualificação mais elevada e de
melhor qualidade, de caráter geral do trabalhador, inclusive como condição para quebrar
a rigidez da tecnologia; desenvolvimento de novas atitudes e disposições
sociomotivacionais relacionadas com o trabalho: responsabilidade, iniciativa,
flexibilidade de mudança de papéis e rápida adaptação a máquinas e ferramentas e
formas de trabalho que envolvem equipes interdisciplinares e heterogêneas (cf., por
exemplo, Paiva, 1993; Machado,1994).4
Uma teoria crítica não pode, pois, ignorar as conexões entre educação e
economia. Os intelectuais, militantes e profissionais que desejam discutir a linguagem
da possibilidade para além da linguagem da crítica, realmente enfrentam dilemas. Por
exemplo, é possível compatibilizar eqüidade e competitividade, cidadania e democracia
com produtividade e eficiência? Pode-se confiar num modelo econômico que descreve o
conceito de eqüidade como distribuição de riqueza e direitos ao mesmo tempo que
supõe uma excludência social? (Costa, 1994). Mas, por outro lado, como melhorar a
qualidade da oferta dos serviços educacionais, com critérios externos e internos de
qualidade, como uma das estratégias de superação das desigualdades sociais e para
atender efetivamente a todos e não apenas a uma minoria privilegiada? Para compor
esse esforço, propõe-se a discussão de um conjunto de objetivos para uma educação
básica de qualidade (Libâneo, 1996a):
O que deve ser a escola em face dessas novas realidades? A escola precisa
deixar de ser meramente uma agência transmissora de informação e transformar-se num
lugar de análises críticas e produção da informação, onde o conhecimento possibilita a
5
Touraine fala da necessidade de se elaborar, entre as políticas sociais, uma política de renovação da
cidade para "construir uma segurança social coletiva que cuide da vida coletiva" (1996, p. 70). Ele
argumenta que a separação entre os centros urbanos e bairros periféricos e a segregação social destroem a
cidade como lugar de comunicação social e política. Não é, pois, sem razão que a cidade se torna um
locus de práticas educativas integradas.
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Nessa escola haverá lugar para o professor? Sem dúvida. Não só o professor tem
o seu lugar, como sua presença torna-se indispensável para a criação das condições
cognitivas e afetivas que ajudarão o aluno a atribuir significados às mensagens e
informações recebidas das mídias, das multimídias e formas variadas de intervenção
educativa urbana a valor da aprendizagem escolar está justamente na sua capacidade de
introduzir os alunos nos significados da cultura e da ciência por meio de mediações
cognitivas e interacionais providas pelo professor. Essa escola, concebida como espaço
de síntese, estaria buscando atingir aqueles objetivos mencionados anteriormente para
uma educação básica de qualidade: formação geral e preparação para o uso da
tecnologia, desenvolvimento de capacidades cognitivas e operativas, formação para o
exercício da cidadania crítica, formação ética.
presentes na sala de aula. Ou seja, critica-se a organização disciplinar porque ela lida
com o conhecimento de forma estanque, fechada, fragmentada e, por isso, põe
dificuldades ao conhecimento interdisciplinar.
professores das várias disciplinas e especialistas num sistema de atitudes e valores que
garantam a unidade do trabalho educativo e se viabiliza por um sistema de organização
e gestão negociado. É uma prática organizacional nova que possibilitará a
intercomunicação de saberes, atitudes, valores, fulcro da interdisciplinaridade.
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Sobre uma metodologia interdisciplinar partindo de temas geradores, consultar Lufti (1993). Os
defensores dessa linha de trabalho assinalam algumas vantagens: as fronteiras entre as matérias ficam
diluídas, em torno de. um tema comum; há uma negociação entre os professores para definir conteúdos
mais ligados a determinada matéria, provocando uma complementaridade de abordagens;os alunos vão
desenvolvendo habilidades comuns a várias matérias, à medida que os professores não trabalham mais
isoladamente;assegura-se a interdisciplinaridade, porque o aluno vai percebendo a inter-relação dos vários
ramos que compõem o conhecimento, ou seja, reconhecendo os nexos existentes entre as diversas
matérias; assegura-se o equilíbrio entre o geral e o específico sem perder de vista a especificidade de cada
área.
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A concepção de processo de ensino e aprendizagem denominada de mudança conceitual parece ser
compatível com o "ensinar a aprender a aprender". O ensino seria um processo de promover a mudança
conceitual, o que obviamente requer competências do pensar. Mudança conceitual é "a transformação ou
a substituição de crenças e idéias ingênuas (concepções prévias ou alternativas) de alunos sobre
fenômenos sociais e naturais por outras idéias (mais sofisticadas e mais cientificamente aceitas), no curso
do processo de ensino-aprendizagem" (Schnetzler, 1994).
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É nessa orientação que se incluem os estudos sobre o ensino como atividade reflexiva em que o
professor submete sua prática à crítica reflexiva (cf., por exemplo, Zeichner, 1993; Pérez Gómez, 1992;
Perrenoud, 1993).
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a lidar com eles. Kenski (1996, p. 133) apresenta esse assunto de uma forma muito
pertinente:
Estes alunos estão acostumados a aprender através dos sons, das cores, das
imagens fixas das fotografias ou, em movimento, nos filmes e programas
televisivos. (...) O mundo desses alunos é polifônico e policrômico. É cheio
de cores, imagens e sons, muito distante do espaço quase que exclusivamente
monótono, monofônico e monocromático que a escola costuma lhes oferecer.
Essa atitude diz respeito à preocupação em vincular o trabalho que se faz na sala
de aula com a vida que os alunos levam fora da escola e com as diferentes capacidades,
motivações, formas de aprendizagem de cada um. A diversidade cultural diz respeito,
basicamente, à realidade concreta da diferença entre as pessoas. É levar em conta as
experiências do cotidiano que os alunos têm na condição de brancos, negros, homens,
mulheres, homossexuais, trabalhadores, pobres, remediados, e que não é possível atuar
com todos os alunos da mesma maneira. Trata-se de reconhecer que os resultados
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Dizer que a escola educa é tão banal como dizer que o aluno vai à escola para
aprender. Entretanto, pairam sobre os educadores as ameaças de um relativismo ético
que pode comprometer o papel educativo do ensino que, no final das contas, consiste
em aliar conhecimentos a convicções, considerando estas como princípios norteadores
da personalidade diante de problemas e dilemas da vida prática. A formação de atitudes
e valores, perpassando as atividades de ensino, adquire, portanto, um peso substantivo
na educação escolar, porque se a escola silencia sobre valores, abre espaço para os
valores dominantes no âmbito social. As escolas devem, então, assumir que precisam
ensinar valores. Certamente, a todo momento a escola, os professores, o
ambiente,passam valores como parte do chamado currículo oculto. Mas é justamente
por isso que o grupo de professores e especialistas de uma escola precisa explicitar
princípios norteadores para a vida prática decorrentes de um consenso mínimo, a partir
da busca de sentidos de sua própria experiência. Não se trata, obviamente, de inculcar
valores, de doutrinação política ou religiosa, mas de propiciar aos alunos
conhecimentos, estratégias e procedimentos de pensar sobre valores e critérios de
modos de decidir e agir. Mas como escreve Santos (1996, p. 104), "importa que o
desenvolvimento dessas competências radique num currículo que antecipe situações de
aprendizagem intencionalmente dirigidas para essa finalidade".
***
9
"É necessário reencontrar o universal em todos, homens e mulheres, gente com línguas, memórias e
crenças diferentes, indivíduos com atividades, interesses e gostos diversos ou opostos. Criar a
diversidade. Este é o principal objetivo da ação política, pois uma sociedade é moderna na medida em que
é diversa e já não porque coloca todos os indivíduos, arrancados à sombra de sua memória, à luz crua da
Razão" (Ibidem, p. 69).
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Referências bibliográficas
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25
26
II
O que pode ser entendido como uma leitura pedagógica dos meios de
comunicação (NTCI)1?
*
O Autor agradece a Maria Felisminda de Rezende e Fusari sua contribuição na concepção deste texto.
1
De agora em diante, utilizarei a sigla NTCI sempre que me referir às novas tecnologias da comunicação
a informação. Quanto aos meios de comunicação aplicados à educação, ver nota I, Cap. I.
27
demandas sociais postas pelo novo paradigma do processo produtivo tenderia a ser
prejudicial aos interesses dos setores sociais excluídos. A resistência a uma ampla
difusão nas escolas públicas das novas tecnologias da informação e da comunicação,
sob o argumento de estarem inseridas na lógica do mercado e da globalização cultural,
teria como efeito mais exclusão e mais seletividade social, uma vez que sua não
integração às práticas de ensino impediriam aos alunos oportunidades de recepção e
emissão da informação, deixando-os desguarnecidos diante das investidas de
manipulação cultural e política, de homogeneização de crenças, gostos e desejos, de
substituição do conhecimento pela informação.
- Capacitação tecnológica para que os trabalhadores possam exercer mais controle sobre
suas condições de trabalho, de modo que não busquem competência apenas em tarefas
fixas e previsíveis, mas compreendam a totalIdade do processo e produção.
- Capacitação para a cidadania e formação ética, para criar bases para uma sociedade
organizada capaz de fazer o enfrentamento crítico da globalização.
determinada, livre, experienciada, que também aporta toda uma série de valores muito
positivos.
É verdade que esses fatos não podem ser generalizados, dada a heterogeneidade
do país e a ausência de políticas educativas globalizadas. Nem a escola poderia
substituir essa rica prática educativa em contextos informais. Pode, todavia, conectar-se
com elas ao elaborar seus programas e planos pedagógicos.
uma questão de "saber como se faz algo". A aprendizagem não é mais do que o domínio
de comportamentos práticos que transformem o aluno num sujeito competente em
técnicas e habilidades.
Por outro lado, é certo que as práticas docentes recebem o impacto das novas
tecnologias da comunicação e da informação, provocando uma reviravolta nos modos
mais convencionais de educar e ensinar. Mas o pedagogo acredita que a formação
cultural básica é o suporte da formação tecnológica. Ou seja, a utilização pedagógica
das tecnologias da informação pode trazer efeitos cognitivos relevantes, estes porém não
podem ser atribuídos somente a essas tecnologias.
Para que se utilizam as NTCI na educação? Qual é o lugar das NTCI na escola?
Proponho os seguintes objetivos pedagógicos do uso das novas tecnologias e dos meios
de comunicação:
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Implicações pedagógico-didáticas
Sobre a necessidade de educar para a mídia, Belloni (1992) escreve que, com a
perda relativa das funções de socialização sofrida pela escola e pela família, a televisão
passa a ser um instrumento cada vez mais poderoso no processo de socialização. Um
dos aspectos negativos dessa influência é a tendência à passividade e à dependência das
crianças, prejudicando o desenvolvimento pleno de suas capacidades cognitivas e
socioafetivas. Daí a necessidade de as escolas desenvolverem uma leitura crítica e uma
postura ativa perante a mídia, ou seja, fazer uma educação para a mídia, para ensinar os
jovens a dominar a linguagem televisual, para não serem dominados por ela.
2
"... vem contribuindo também para fragilizar a produção social da comunicação escolar com meios de
comunicação, uma conceituação linear, infrutífera e ingênua sobre o que seja o processo de comunicação
humana com mídias. Em outras palavras, encontra-se bastante enraizada no ideário de muitos professores
a crença no poder de "transferências de informações" para os alunos com simples "presença", ou com o
simples "envio a distância" ou com o simples "auxílio" de visuais, sons, audiovisuais nas práticas das
aulas. Muitos educadores (.u) pensam que uma comunicação escolar por inteiro realiza-se apenas com o
envio a distância, para alunos nas aulas, de informações, por exemplo, através de vídeos, televisão,
computadores" (Rezende e Fusari, 1996, p. 6).
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Minha intenção foi apresentar alguns pontos que a nós, pedagogos, nos parecem
cruciais. A didática contemporânea não pode mais ignorar esse importante conteúdo que
são as tecnologias da comunicação e da informação, tanto como conteúdo escolar
quanto como meios educativos. É na escola que se pode fazer, professores e alunos
juntos, a leitura crítica das informações e familiarizá-los no uso das mídias e
multimídias.
Referências bibliográficas
III
Notas preliminares
1
A expressão "educação emancipatória" está sendo empregada aqui provisoriamente para indicar o
conteúdo que, até há alguns anos, cobria o termo "educação crítica" ou educação progressista,
democrática etc. Para identificar uma visão crítica oposta à "qualidade total", alguns autores utilizam o
termo "qualidade social da educação". A questão que importa acentuar é a necessidade de se ir mais
adiante do que as análises generalistas de setores da esquerda e de seguidores do chamado pensamento
crítico pós-moderno, no que se refere à qualidade da escola e do ensino. Assmann é bastante incisivo
sobre isso: "As posições extremas costumam ter fãs assegurados, porque estranhamente muita gente se
sente cômoda usando viseiras que as dispensam do esforço de olhar em volta. De modo que não é fácil
navegar serenamente por entre os dois escolhos, o do deslumbramento ingênuo e acrítico diante da
retórica sobre a qualidade, por uma parte, e o da execração ideológica e do rechaço paralisador, pela
outra. (...) Se queremos, de fato, questionar determinados aspectos da onda qualidade (...) é preciso
deslocar o debate prioritariamente para a reflexão sobre as relações comunicativas e as formas bio-
organizativas mediante as quais surge e se estrutura o conhecimento nas corporeidades vivas de docentes
e alunos. (...) Se todas as demais condições necessárias melhorarem, mas os alunos não aprenderam mais
e melhor, não há melhoria na qualidade da educação" (1995). Esse autor recusa a idéia de qualidade da
educação baseada na lógica do mercado e recoloca a questão propondo que se dê mais atenção às
experiências de aprendizagem"que façam com que os seres humanos possam andar de cabeça erguida
lutando por sua dignidade numa sociedade onde caibam todos".
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Uma questão crucial que decorre dessa perspectiva é saber que experiências de
aprendizagem possibilitam mais qualidade cognitiva no processo de construção e
reconstrução de conceitos, procedimentos e valores. Em outros termos: que recursos
intelectuais, que estratégias de aprendizagem podem ajudar os alunos a tirar proveito do
seu potencial de pensamento e tomarem consciência de seus próprios processos mentais.
40
2
Ver, por exemplo, Fusari, 1988, Guimarães, 1992. Por outro lado, há relatos de experiências bem-
sucedidas (cf., por exemplo, Cadernos Cedes, n. 36, 1995).
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Uma posição mais ampliada sobre o assunto seria a de que, junto à idéia de os
sujeitos da formação inicial e continuada submeterem os problemas da prática docente a
uma crítica reflexiva, desenvolvam simultaneamente uma apropriação teórica da
realidade em questão. Quero destacar a necessidade da reflexão sobre a prática para a
apropriação e produção de teorias, como marco para as melhorias das práticas de
ensino. Trata-se da formação do profissional crítico-reflexivo, na qual o professor é
ajudado a compreender o seu próprio pensamento e a refletir de modo crítico sobre sua
prática. A idéia é assim definida por Contreras:
• busca de respostas aos desafios decorrentes das novas relações entre sociedade e
educação, a partir de um referencial crítico de qualidade de ensino. Isto supõe levar
em conta os novos paradigmas da produção e do conhecimento, subordinando-os a
uma concepção emancipadora de qualidade de ensino . uma concepção de formação
do professor crítico-reflexivo, dentro do entendimento de que a prática é a referência
da teoria, a teoria o nutriente de uma prática de melhor qualidade.
• utilização da investigação-ação como uma das abordagens metodológicas
orientadoras da pesquisa;
• adoção da perspectiva sóciointeracionista do processo de ensino e aprendizagem; .
competências e habilidades profissionais em novas condições e modalidades de
trabalho, indo além de suas responsabilidades de sala de aula, como membro de uma
4
Não me refiro à elaboração de propostas curriculares nacionais ou estaduais que, a meu ver, são
necessárias como orientação geral, sem caráter impositivo, mas que asseguram uma unidade na
formulação de conteúdos básicos comuns de formação geral. Tais propostas sempre precisam ser re-
traduzidas em nível regional e local, incorporando a cultura da comunidade e das escolas, a experiência
dos professores, a diversidade social e cultural dos alunos.
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A situação da profissão
Não são apenas os professores das redes públicas que estão perdendo o interesse
pelo magistério ou deixando a profissão. Também nas universidades os pesquisadores
que se dedicavam ao estudo de questões do ensino e da sala de aula estão preferindo
temas mais gerais, análises críticas globalizantes. Está diminuindo sensivelmente o
interesse pelas práticas de ensino, e não faltam pesquisadores superengajados na
denúncia das mazelas do ensino, da interferência dos organismos internacionais, que
lançam olhar de desdém sobre as pesquisas voltadas para a sala de aula. Ou seja, a
desvalorização econômica e social do magistério, além de comprometer o status social
da profissão, também retira o status acadêmico dos campos de conhecimentos que lhe
correspondem, tomando o ensino uma linha de pesquisa menos "nobre". Não é casual,
por exemplo, a pouca valorização dos cursos de licenciaturas nas universidades e a
insuficiência de pesquisas nesse campo.
5
É certo que as ambivalências não param aí. Nóvoa, por exemplo, faz uma sugestiva ilustração das
formas de enfraquecimento da força do professorado. Ele apresenta as várias relações possíveis entre os
elementos implicados no exercício do magistério por meio de três triângulos. No primeiro, em cada um
dos vértices estão os professores, os alunos e o saber. Hoje estaria sendo reforçado o eixo saber-alunos,
em que se valorizaria a relação individualizada do aluno com o equipamento informacional, ocorrendo o
eclipsamento do professor. Ou seja, a tecnologização exacerbada do ensino estaria desvalorizando a
mediação relacional e cognitiva dos professores. O segundo triângulo mostra nos seus vértices: os
professores, o Estado e os pais/comunidade. Em função de uma reorganização dos modos de intervenção
do Estado nas políticas de educação (em que se adotaria na escola práticas de gestão da empresa privada,
como qualidade total, educação a serviço dos clientes etc.), estaria havendo um conluio entre o Estado e a
comunidade, valorizando a relação Estado-pais, levando a uma redução do poder dos professores. O
terceiro triângulo mostra a coexistência de três tipos de saberes: o saber da experiência (dos professores),
o saber dos especialistas (sociólogos, psicólogos, pedagogos) e o saber das disciplinas específicas. A
tendência hoje seria de uma ligação entre o saber dos especialistas e o saber das disciplinas, com a
conseqüente desvalorização do saber do professor. Os programas oficiais para a qualificação do
professorado em âmbito nacional tenderiam, nesse caso, a caracterizar-se como treinamento em técnicas e
habilidades e não na preparação do professor crítico-reflexivo (Nóvoa, 1995).
45
O curso normal, como se sabe, foi mantido no sistema de ensino pela atual LDB
(Lei n. 9.394/96) até o ano 2.006. Proponho que os sistemas estaduais de ensino criem,
em sua estrutura organizacional, um órgão tipo Coordenação Geral de Centros de
Formação Inicial e Continuada de Professores (CEFIC), para formar professores em
nível médio (Curso Normal), com a finalidade de:
encetadas na escola). Para isso, cada Centro elaboraria seu projeto pedagógico, com
participação dos especialistas e professores.
Referências bibliográficas
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BOTT ANI, Norberto. Professoressa, adio. Bologna, Società Editrice li Molino, 1994.
HERNÁNDEZ, Fernando & SANCHO, Juana M. Para enseiiar no basta con saber la
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