Fisica e Arte No Renascimento PDF
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INSTITUTO DE FÍSICA
INSTITUTO DE QUÍMICA
INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
SÃO PAULO
2015
KLEBER ROBERTO SCHÜTT
SÃO PAULO
2015
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
FICHA CATALOGRÁFICA
Preparada pelo Serviço de Biblioteca e Informação do Instituto de
Física da Universidade de São Paulo
USP/IF/SBI-091/2015
Kleber Roberto Schütt
Aprovado por:
__________________________________________
Prof. Dr. João Zanetic
__________________________________________
Prof. Dr. José Cláudio Reis
__________________________________________
Prof. Dr. Ivã Gurgel
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Wilson e Dulcineia, por sempre me apoiarem e oferecerem condições
nos meus estudos. Por mostrarem que por meio do esforço, honestidade e estudo consegue-se
alcançar os sonhos mais utópicos.
À minha querida amiga Lucimara que sempre me apoiou nos momentos mais difíceis
dessa caminhada. Pelos diversos diálogos sobre política que contribuíram imensamente para
minha visão de mundo.
Ao meu colega e orientador informal, Leonardo Crochik, sem o qual não teria
conhecido o fascinante mundo da arte. Por fazer parte da minha formação como educador,
mostrando uma visão de educação na qual me espelho em minhas aulas. Pelas diversas
conversas, livros e artigos que foram fundamentais para essa dissertação.
À minha amiga de turma Kellen por lutar ao meu lado por uma educação melhor e por
ouvir minhas frustrações nessa jornada acadêmica.
Ao meu querido orientador João Zanetic que sempre me apoiou e acreditou em meu
trabalho. Pelas inúmeras conversas e orientação que fizeram com que essa dissertação fosse
concluída. Por compartilhar seu conhecimento e vivência que propiciaram a mim uma
reflexão sobre minha vida como pessoa e educador.
Aos meus estudantes da E.E. Prof. Claudinei Garcia que são uma parte importante
nesse trabalho, pois sem eles nada disso teria sentido. Por compartilharmos experiências,
sejam boas ou ruins, não somente no projeto, mas por todo o ano letivo.
Neste trabalho utilizamos o tema gerador relacionado à pontes para construirmos, com
o apoio dos professores de arte e de história, discussões históricas sobre a física e a arte do
período renascentista por meio de uma sequência didática. Além das discussões históricas, nas
atividades também trabalhamos questões referentes à matematização da natureza e à estática
dos corpos rígidos. Buscamos na educação humanizadora de Paulo Freire nossa base
pedagógica para a construção de nossa sequência valorizando atributos como a criatividade, a
imaginação e a experiência em oposição à um ensino que preze a memorização e as repetições
excessivas. A segunda parte deste trabalho apresentamos a aplicação da sequência no ensino
médio de uma escola pública e a análise qualitativa das aulas, das atividades e de um
questionário.
ABSTRACT
In this work we utilized the themes-generators related to bridges to build, with the
support of art and history professors, historical discussions about physics and the art during
the renaissance period through a didactic sequence. Besides the historical discussions, in the
activities we also worked with questions related to the mathematization of nature and to the
static of rigid bodies. We sought in the humanizing education of Paulo Freire our pedagogical
basis for the construction of our sequence, valuing attributes like creativity, imagination and
the experience as opposed to an education that values memorizing and excessive repetitions.
In the second part of this paper we present the application of the sequence in a public high
school and the qualitative analysis of the classes, activities and a questionnaire.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO p. 10
1.1 MINHA JORNADA................................................................................................... p. 16
2 PRESSUPOSTOS EDUCACIONAIS p. 19
2.1 O PAPEL DA ESCOLA NA ATUALIDADE............................................................ p. 19
2.2 EM BUSCA DE UM ENSINO HUMANIZADOR.................................................... p. 22
2.2.1 A experiência no ensino de física............................................................................... p. 27
2.3 FÍSICA E CULTURA................................................................................................. p. 32
4 CIÊNCIA E ARTE p. 48
4.1 IMAGINAÇÃO E CRIATIVIDADE.............................................................................p. 56
5 O RENASCIMENTO p. 60
5.1 O CONTEXTO RENASCENTISTA..........................................................................p. 61
5.2 AS DUAS VISÕES DA NATUREZA: O ARISTOTELISMO E O NEOPLATONISMO
.............................................................................................................................................p. 65
5.3 EM BUSCA DE HARMONIAS MATEMÁTICAS NA NATUREZA..................... p. 67
5.3.1 A Unificação do Mundo Supralunar com o Sublunar..............................................p. 70
9 ANÁLISE p. 122
BIBLIOGRAFIA p. 150
1 Introdução
Este trabalho tem o objetivo de discutir algumas relações entre a física e a arte no
Renascimento, mais especificamente na busca de ambas por uma harmonia e ordem
matemática, por meio de uma situação problema. Essa reflexão pode auxiliar o estudante a
compreender que a física está inserida num contexto sociocultural e, por isso, pode influenciar
e também ser influenciada por outras áreas do conhecimento.
Segundo Queiroz (1995), tanto a arte medieval quanto a arte renascentista procuram
imitar a ordem cósmica na qual são produzidas. Todavia, qual a distinção entre essas
imitações da ordem cósmica? Por que o pensamento de um universo qualitativamente
elaborado foi desenvolvendo-se para um universo homogêneo e estruturado a partir de leis
matemáticas? Qual a influência que essa nova visão trouxe tanto à arte quanto à física?
Nicolau de Cusa (1401-1464), por exemplo, foi uma figura de transição entre o
pensamento medieval e renascentista. Em suas obras filosóficas, como Docta Ignorantia,
Cusa referia-se a um método de conhecimento pautado mais na matemática e razão
(GUENDELMAN, 2009), sendo que todo pensamento consistia de uma comparação entre o
desconhecido e o conhecido por meio de uma relação que melhor se expressa em números.
Cusa argumenta que toda investigação é comparativa, já que é necessário comparar o
incerto a um pressuposto certo por um sistema de proporções. Assim, o conhecimento, pode-
se dizer, é comparação, é colocar todas as partes em proporção para que, do conhecido,
revele-se o desconhecido.
Leon Battista Alberti (1404-1472) foi um arquiteto, matemático, pintor e escultor que
descreveu, sistematicamente, a construção da perspectiva em seu tratado Della Pictura. Foi o
primeiro autor a trazer uma análise científica da perspectiva preocupando-se, assim como seu
amigo Brunelleschi (1377-1446), com o estudo das proporções dos edifícios, da
geometrização do espaço e da perspectiva.
Pode-se fazer uma analogia do pensamento de Cusa com a concepção de beleza
albertiana:
A beleza é uma certa harmonia regular entre todas as partes de uma
coisa, harmonia tal que nada lhe pode ser subtraído ou adicionado ou
mudado, sem que se lhe diminua o encanto. (...) Todas as partes que formam
um todo construído o são segundo um número fixo, uma certa relação, uma
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certa ordem, como exigido pelo princípio de simetria, que é a lei mais
elevada e mais perfeita da natureza (apud BRANDÃO, 1958, p. 52).
Desse modo, a beleza é caracterizada pela harmonia das partes e engloba a procura de
proporções que sejam harmônicas, ou seja, é pelos números e pela proporção que a arte se
torna bela. O conhecimento, a constituição do universo, também desfruta dessa ideia já que
se faz por meio da proporcionalidade, conferindo-lhe beleza.
Assim, o ato de “medir” torna-se uma das primeiras coisas que o arquiteto, o pintor e o
cientista têm que fazer, já que apenas por meio dos números é possível estabelecer as
proporções. Alberti e Cusa compartilham, desse modo, da mesma ideia na incorruptível
certeza da matemática que, assim, adquire uma importância especial.
Outro exemplo dessa busca pela harmonia por meio dos números é o homem
vitruviano (figura 1). Esse conceito traz um modelo das proporções do corpo humano por
meio de um raciocínio matemático que tem como base, em parte, a divina proporção1. Apesar
dessa ideia não ser originária do Renascimento, sendo apresentada na obra Os dez livros da
Arquitetura do arquiteto e engenheiro Marcus Vitruvius que viveu no séc. I a.C, foi apenas
nas mãos de Leonardo da Vinci (1452-1519) que ela ganhou forma.
1
É uma constante que vale, aproximadamente, 1,618. É um número que há muito tempo é empregado na arte
como, por exemplo, por Leonardo da Vinci e Michelangelo. Essa razão também aparece em diversas formas na
natureza.
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A maior dificuldade resolvida por Leonardo não foi as proporções do homem, mas
harmonizá-las com as figuras geométricas colocando o corpo humano estendido, adaptado no
círculo e no quadrado, consideradas formas perfeitas. Nas tentativas anteriores à de Leonardo,
colocava-se o círculo e o quadrado centralizados no mesmo ponto, o que não produzia a
harmonia pretendida.
Já Leonardo decidiu utilizar duas formas da figura humana sobre uma mesma base e
adaptar, para cada uma delas, o quadrado e o círculo. Desse modo, o desenho do homem
seguiu as seguintes proporções:
- A altura do corpo, que, segundo Vitrúvio, é igual à largura dos braços,
encaixa-se perfeitamente em um quadrado;
- Os braços levantados à altura da cabeça tocam o círculo; o mesmo acontece
com as pernas abertas (OLIVEIRA; FERREIRA, 2010, p. 71).
Em relação à ciência, podemos citar Kepler que já demostra esse pensamento no título
do seu livro Mistério Cosmográfico, no qual tem como tema principal a harmonia das formas
geométricas e dos fenômenos físicos e expõe explicações sobre a ordem do universo por meio
da geometria.
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Figura 2: O modelo dos sólidos perfeitos de Kepler. As órbitas dos seis planetas estão
inscritas e circunscritas nos cinco sólidos perfeitos.
Fonte: Mourão, 2003.
Kepler teve uma ideia quando, em uma aula, desenhava um triângulo equilátero com
um círculo inscrito no seu interior e outro circunscrito à sua volta e percebeu que a relação
dos raios desses círculos era igual à relação entre os raios das órbitas de Saturno e Júpiter.
Kepler tentou
(...) inscrever no intervalo seguinte, entre Júpiter e Marte, um
quadrado, entre Marte e a Terra, um pentágono, entre a Terra e Vênus, um
hexágono (...). Não deu certo (...). Foi preciso procurar formas
tridimensionais (KOESTLER, nota 12, p. 169 Apud ZANETIC, 2007, p. 94)
Desse modo, Kepler acreditou estar perto de alguma relação especial, divina, mas
abandonou a ideia de utilizar figuras geométricas planas porque elas não estavam dando certo.
No entanto, sua atenção foi atraída pelos sólidos regulares perfeitos quando percebeu que as
cinco figuras coincidiam com as seis órbitas. Assim, Kepler buscou uma harmonia cósmica
relacionando os sólidos perfeitos (cubo, tetraedro, dodecaedro, octaedro e icosaedro) com as
órbitas dos seis planetas conhecidos até então (Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter e
Saturno) (figura 2), tentando criar um modelo cósmico baseado nos sólidos perfeitos numa
sequência de esferas orbitando em volta do Sol.
Aprofundo essa discussão histórica no capítulo 5, apresentando o contexto
renascentista, em especial com relação ao humanismo, que ajudará o leitor a se localizar e
perceber as ideias que permeavam essa época e que permitiram algumas mudanças de
pensamento, principalmente pela busca por uma ordem matemática na natureza. Todavia, não
14
analiso todas as correntes de pensamentos ou fatos que permeavam aquela época, assim como
não me preocupei em fazer uma descrição linear dos fatos. Acredito que o trabalho seria
demasiado longo e complexo, e não temos como objetivo fazer um total e complexo resgate
histórico ou filosófico desse período.
Assim, discuto, nesse capítulo, as visões de mundo aristotélica e neoplatônica,
analisando de que maneira elas influenciaram o pensamento da ciência naquela época. Inicio a
discussão retratando o modo como o pensamento aristotélico foi um passo significativo para
um entendimento mais lógico da natureza, mas, ao mesmo tempo, transformou-se em um
dogma, dificultando a aceitação de conceitos e pensamento que viriam posteriormente. Em
seguida, resgato o contexto da Revolução Copernicana com o intuito de refletir sobre como a
compreensão de Deus como um ordenador da natureza, que utiliza a matemática como
instrumento para essa ordem, estava presente na física.
No capítulo 6, trago algumas influências da ideia da matemática como linguagem da
natureza que influenciou as artes, em especial a pintura e a arquitetura. Assim, discuto,
brevemente, a perspectiva renascentista como uma maneira de geometrizar o espaço e sua
utilização tanto na pintura quanto na arquitetura. Além disso, abordo a busca por esse ideal de
beleza que se relacionava com a simetria e a matemática.
A discussão pedagógica será tratada no capítulo 2, na qual utilizo como base
pedagógica para construção e discussão das atividades propostas o pensamento de Paulo
Freire por considerá-lo um educador que busca a educação como processo de liberdade, de
reflexão e humanização em detrimento de uma perspectiva educacional que objetiva apenas a
transferência de saber, minimizando a reflexão. Essa escolha vem tanto de uma influência por
parte do meu orientador, João Zanetic, quanto de minha própria vivência como aluno e agora
como professor da rede pública de ensino, regada, também, por um amadurecimento
intelectual.
Início o capítulo com uma reflexão sobre o papel da escola, em especial da
aprendizagem, na sociedade contemporânea. Tal discussão ressalta a atual facilidade de se
obter informação por meio da internet e dos aparelhos eletrônicos e, por isso, acredito que o
papel da escola como apenas uma transferidora de informações deve ser questionado.
Assim, busco na educação humanizadora de Paulo Freire um ensino como prática
libertadora, que estimule a reflexão e ação do sujeito sobre sua realidade, na busca de um “ser
mais”. Trago, também, um diálogo entre a educação humanizadora de Freire e o conceito de
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Tocava o sinal das 07h00min. Era hora de iniciarmos mais um dia de aula na escola.
Eu, como sempre, sentava na carteira à frente dos professores e lá ficava até o fim da aula,
apenas escrevendo, ouvindo e fazendo exercícios. E como era, e ainda sou, muito tímido, não
mantinha um diálogo seja com os colegas de classe seja com os professores. Eu entrava e saia
calado.
Os professores, no olhar daquela época, eram fascinantes e misteriosos! Acreditava
que eles eram figuras de outro mundo com grande conhecimento, mas ao mesmo tempo o
receio e o medo eram constantes. Medo de perguntar bobeira, de levar bronca, de falar
bobagens, medo da imagem do professor.
E assim meu ensino médio numa escola pública perdurou até o terceiro ano sem
novidade, quando reconheci que queria fazer física. Já tinha contato com a física desde a
oitava série, nas aulas de ciências, mas ela nunca tinha despertado um “algo a mais” em mim.
Apesar da facilidade de resolver e compreender os termos de física na aula, eu não tinha a
ideia de torná-la minha vida profissional.
No entanto, no terceiro ano do ensino médio, comecei a pesquisar assuntos
relacionados à astronomia porque queria compreender o Universo, entender seu
funcionamento. Aquilo me fascinava. A internet foi de grande ajuda nessa busca, já que via
vídeos, lia artigos e observava fotos com o maior entusiasmo, curiosidade e admiração. Era
deslumbrante entender que cada ponto brilhante no céu era uma estrela semelhante ao nosso
Sol.
Mais um dia de aula iniciava-se. Nas aulas de física, meu interesse confrontava-se com
uma física-matemática, em que apenas memorizávamos uma fórmula e depois tínhamos que
resolver exercícios. Eu decorava bem e resolvia todas as questões sem erro, era um típico
aluno “nota dez” em todas as matérias.
Perguntava-me como algo que proporcionava horas de prazer podia ser tão maçante e
desnecessário na escola. O que eram aquelas fórmulas? O que era um elétron, próton ou
nêutron? Para que eu precisaria entender a lei de Ohm ou o Eletromagnetismo?
Por fim, tinha decidido que iria entender o que é física realmente e, por isso, fui
procurar um curso dessa área. A vontade de ser professor não é algo que veio desde criança,
na verdade até o terceiro ano nunca havia passado pela minha cabeça ser professor, mas com
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o decorrer do ano fui criando a ideia de poder fazer diferente e mostrar para outras pessoas
uma física, que na minha visão, era apaixonante e bela.
Assim, inscrevi-me na licenciatura em Física. Consegui uma vaga no Instituto Federal
de Educação Ciência e Tecnologia de São Paulo e lá foi minha casa por quatro anos. Confesso
que tinha em mente que se eu não gostasse do curso, ou de ser professor, eu iria sair e fazer
outra coisa, possivelmente relacionado à informática. No entanto, com o passar dos semestres,
o amor e a dedicação pela educação, por saber que existem diferentes pontos de reflexão
sobre o processo de ensino-aprendizagem de física, foi crescendo.
No terceiro semestre, tive meu primeiro contato com o mundo artístico. Estavam
abertas inscrições para uma turma de teatro e eu comecei a participar do grupo. A experiência
em minha vida foi realmente incrível porque, além de abordarmos alguns temas relacionados
à física, entrei em contato com uma experiência corporal, pessoal e também coletiva,
enriquecedora para minha formação como pessoa e como professor.
Entre as tardes das sextas-feiras, um ano e meio se passaram até que o grupo de teatro
terminou. O professor2 responsável pelo grupo convidou-nos para participar de um programa
que estava começando, o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID). O
tema que iríamos trabalhar era relacionado às artes e à física. Assim, abordávamos a literatura,
a música, a pintura e, logicamente, o teatro.
Foi nesse grupo de pesquisa que tive contato com o trabalho da Viola Spolin. Autora e
diretora de teatro, ela trouxe uma inovação no mundo teatral com relação à improvisação.
Muito mais que isso, era a partir da Spolin que o professor de teatro buscava as atividades.
Desse modo, passei a compreender o que se passava naquelas aulas, o que fazíamos e com
qual objetivo. Minha relação com o teatro tinha mudado.
Devido a essa experiência marcante, permito-me utilizar essa autora em alguns pontos
deste trabalho. Talvez a transposição de áreas seja demasiadamente perigosa e incerta porque
seu livro “Jogos Teatrais” é feito para a educação teatral e não para o ensino de física. Apesar
disso, acredito que trazer o diálogo entre esses dois domínios pode enriquecer e abrir novos
horizontes tanto para críticas quanto para novas ideias.
Meu segundo contato com as artes deu-se no quarto semestre quando decidi fazer
aulas de dança. O gosto e o prazer que a dança me proporcionava era enorme. Tanto que após
três anos de aulas, tornei-me professor de dança.
2
Professor Leonardo Crochik, co-orientador não oficial deste trabalho.
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Apesar de não ser um pintor, ou crítico de arte, ou mesmo arquiteto; aprecio essas
áreas e vejo grande potencial no diálogo entre a física e a arte para a educação e na
compreensão sociocultural da física. Talvez esse trabalho seja uma extensão do meu projeto
do PIBID, que tinha como enfoque mais a parte prática, ou seja, a confecção, a aplicação e a
reflexão sobre atividades em sala de aula, do que a parte teórica. Resgato algumas atividades
propostas anteriormente, com algumas mudanças, e complemento-as com um enfoque teórico.
Quando comecei o mestrado, já trazia essa ideia de trabalhar o diálogo entre a física e
a arte. Em uma primeira versão de projeto, eu tinha o objetivo de trazer um ensino que
propiciasse aos estudantes, e aos educadores, uma experiência pessoal, uma relação mais
subjetiva com o objeto cognoscível. Esse ato de experienciar iria ser obtido por meio da
relação entre essas duas disciplinas.
Todavia, essa ideia foi abandonada tanto por ser uma pesquisa extremamente subjetiva
o que, de certa forma, dificultaria a reflexão após a aplicação da atividade quanto por ter
poucos referenciais teóricos que dessem suporte às minhas intenções. Apesar de não ser o
objetivo principal deste trabalho, ainda utilizo a ideia de experiência do sujeito; discuto-a no
capítulo 2, por acreditar no seu potencial para a educação.
Em uma segunda versão do projeto, já pretendia utilizar o contexto renascentista como
palco para a ponte entre a física e a arte. Essa pretensão advém, de certa forma, do PIBID,
uma vez que utilizei o contexto renascentista para discutir a relação entre a física e a pintura.
No decorrer da pesquisa, no entanto, percebi que havia uma obra em uma ponte
próxima à escola onde dou aula, e isso estava gerando discussões e dúvidas. Com a demolição
da ponte, foi necessário efetuar um desvio, tanto de carro quanto a pé, para ter acesso à
avenida que leva até o centro de Osasco. Não apenas isso, a reclamação da sujeira e do
transtorno da obra era frequente por parte dos estudantes- pois alguns utilizavam a ponte
como caminho para a escola, bem como por parte dos moradores.
Como Osasco convive há tempos com o problema de enchente, essa obra veio com o
objetivo de melhorar esse problema. Dessa forma, foi feito o alargamento do rio, sendo
necessário aumentar a vasão de água que passa por debaixo da ponte e, por isso, ela foi
demolida e uma nova está sendo construída.
Devido a esses fatos, decidi problematizar essa situação e trazê-la para este projeto por
acreditar ser uma excelente oportunidade de realizar um trabalho que dialogue com o
cotidiano do estudante, sendo eventualmente uma espécie de tema gerador no sentido
freireano.
19
2 Pressupostos educacionais
Como professor de física do ensino público, mesmo que com uma trajetória ainda
curta, busco refletir sobre o ensino de física no âmbito público. Essa reflexão não será sobre,
estando fora dele, mas sim a partir do e com o ensino médio público. Se discursarmos apenas
estando fora desse espaço escolar poderemos cair num blábláblá teórico com pouca, ou
nenhuma, ligação com a realidade e se nos mantivermos apenas nesse espaço poderemos
perder a riqueza das situações, caindo num simples fazer. Assim, não abordarei um discurso
de extremos, mas um com base na dialética presença-ausência, teoria-prática, pois assim,
acredito poder fazer uma reflexão mais rica e completa. É nessa confluência de reflexão e
ação que este trabalho encontra identidade com a análise e proposta pedagógica de Paulo
Freire.
Na verdade, o que ele disse tinha acabado de ser pesquisado na internet pelo celular 4.
Fui conferir com ele o caminho para se chegar a essa informação. Foi simplesmente digitar na
página de pesquisa: diferença entre calor e temperatura, entrou no primeiro sítio que apareceu,
que nesse caso foi um blog adolescente, e leu o que estava lá.
3
Informação dita por um estudante do segundo ano do ensino médio da escola E.E. Prof. Claudinei Garcia.
4
O site pesquisado pelo estudante foi: http://keylamoreira.blogspot.com.br/2011/03/qual-diferenca-entre-
calor-e.html
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interativa, não é algo estático, separado do mundo, mas faz-se no mundo, com o mundo e com
os sujeitos, baseando-se em uma permanente relação entre os intervenientes.
O ato de conhecer, portanto, não está ligado apenas à ação de adquirir informação,
num simples “quanto mais melhor”, mas na articulação dialética da experiência da vida
prática com a sistematização rigorosa e crítica. Sua construção não se dá por meio da
transferência passiva desse saber, por um sujeito detentor do conhecimento, para um sujeito
“vazio”, que espera, ansiosamente, para ser preenchido com conhecimento.
A visão do professor como aquele que transfere valores e conhecimento, que informa e
narra para estudantes que nada sabem e que esperam ansiosamente o pacote de conhecimento,
é problematizada por Paulo Freire:
Para a concepção “bancária”, a consciência é, em sua relação com o mundo,
esta “peça” passivamente escancarada a ele, a espera de que entre nela,
coerentemente concluirá que ao educador não cabe nenhum outro papel que
não o de disciplinar a entrada do mundo nos educandos. Seu trabalho será,
também, o de imitar o mundo. O de ordenar o que já se faz espontaneamente.
O de “encher” os educandos de conteúdos. É o de fazer depósitos de
“comunicados” – falso saber – que ele considera como verdadeiro saber
(1987, p. 36).
Explorarei as ideias de educação problematizadora de Paulo Freire, uma vez que este
trabalho filia-se a uma prática libertadora, que tem como base a criatividade estimuladora da
reflexão e da ação dos sujeitos sobre o mundo, na sua realidade. Uma prática que, como
23
salienta Freire (1987), não seja um mero diálogo vertical, partindo de cima para baixo, mas
horizontal, entre estudantes e educadores.
E que é o diálogo? É uma relação horizontal de A com B. Nasce de
uma matriz crítica e gera criticidade (Jaspers). Nutre-se do amor, da
humildade, da esperança, da fé, da confiança. Por isso, só o diálogo
comunica. E quando os dois pólos do diálogo se ligam assim, com amor,
com esperança, com fé um no outro, se fazem críticos na busca de algo.
Instala-se então, uma relação de simpatia entre ambos. Só aí há comunicação
(FREIRE, 1994, p. 115).
Na relação vertical, temos a figura que possui uma sabedoria inquestionável e abaixo
dela a figura que espera, ansiosamente, ser iluminada por essa inteligência superior. Nessa
relação, preza-se a transferência e o acúmulo de “conhecimentos” e valores, o que dificulta o
diálogo entre ambas as partes. Numa relação horizontal, o diálogo floresce possibilitando uma
educação problematizadora.
A educação libertadora, problematizadora, já não pode ser o ato de
depositar, ou de narrar, ou de transferir, ou de transmitir “conhecimentos” e
valores aos educandos, meros pacientes, à maneira da educação “bancária”,
mas um ato cognoscente. Como situação gnosiológica, em que o objeto
cognoscível, em lugar de ser o término do ato cognoscente de um sujeito, é o
mediatizador de sujeitos cognoscentes, educador, de um lado, educandos, de
outro, a educação problematizadora coloca, desde logo, a exigência da
superação da contradição educador-educandos. Sem esta, não é possível a
relação dialógica, indispensável à cognoscibilidade dos sujeitos
cognoscentes, em torno do mesmo objeto cognoscível (FREIRE, 1987, p.
39).
Freire (1992) apresenta mais dois tipos de aulas expositivas. A primeira em que o
educador aparentemente não faz a transferência de conteúdo, mas, da mesma forma, também
limita a capacidade de refletir do sujeito. Uma exposição que não traz desafios, que se utiliza
de estratégias para “domesticar”.
A segunda, que não pode ser considerada uma prática bancária, seria uma exposição
pela qual o educador faz uma pequena explanação introdutória sobre o tema e,
posteriormente, abre o diálogo com os estudantes, para que possam participar criticamente
dessa etapa. Assim, o educador desafia os alunos a refletirem e a aprofundarem-se no tema
inicialmente proposto, fazendo-os questionar o professor e também a si próprios.
Acredito que seja possível tanto ao educador quanto ao estudante refletir a respeito do
conhecimento e ter condições para poder imaginar, criar, pensar e falar, transformando uma
situação de poder e domínio para uma situação de diálogo. Compreendo que o estudante e o
educador têm papéis diferentes no processo de ensino-aprendizagem, mas isso não impede
uma situação dialógica e de respeito mútuo.
Uma educação problematizadora fundamenta-se no diálogo e não na situação de poder
e domínio entre educadores e estudantes. Assim:
O diálogo autêntico – reconhecimento do outro e reconhecimento de
si, no outro – é decisão e compromisso de colaborar na construção do mundo
comum. Não há consciências vazias; por isto os homens não se humanizam,
senão humanizando o mundo. Em linguagem direta: os homens humanizam-
se, trabalhando juntos para fazer do mundo, sempre mais, a mediação de
consciências que se coexistenciam em liberdade (FREIRE, 1987, p. 11).
O diálogo é compreendido não como uma ferramenta para tornar os educandos amigos
do educador ou aquele que se fundamenta na pergunta-resposta, em que o educador faz a
pergunta ao estudante e este verbaliza a resposta que o educador já estava esperando.
Educador e estudante, nesse caso, encenam um diálogo, em que ambos já estão cientes, a
priori, das respostas e do caminhar da discussão.
Lembro-me da época em que cursava o ensino fundamental e quando íamos fazer uma
atividade sempre perguntávamos ao educador se ele gostaria que nós a fizéssemos com
“nossas palavras” ou com “as palavras que ele explicou e que estavam nos livros”. Refletindo
sobre o passado, percebo que, na maioria das aulas, tínhamos que memorizar textos dos livros
ou o que o educador estava explicando para, só assim, podermos responder as perguntas que
os educadores faziam na sala. As respostas que fugiam do script eram ignoradas ou tidas
como erradas.
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Assim, o diálogo, para Paulo Freire, supõe comunicabilidade com alguém e sobre um
objeto cognoscível, a fim de construírem e reconstruírem conhecimento, transformando não o
outro, mas, junto com ele, o mundo. O diálogo não ocorre quando há o desejo de conquista
sobre os homens, o desejo de conquistar o mundo pelo domínio do homem, mas quando há
um encontro de homens, direcionados ao mundo, buscando uma reflexão crítica e superação
do real.
O diálogo é condição fundamental para a humanização dos sujeitos e sua negação leva
à desumanização. Humanização que não é uma doação, mas faz-se na solidariedade dos
homens para se humanizarem e se libertarem da situação opressiva. Então, o ato de humanizar
não pode ser algo dado por aqueles que possuem a “verdade” para aqueles que supostamente
“nada sabem”, pois, isto reforçaria a ideia do homem como objeto inconsciente de si e a
mercê da ação exterior. Esse ato, por ter origem histórica, só pode ser feito em comunhão,
dando voz não apenas ao opressor, mas também ao oprimido.
Humanizar-se, segundo Paulo Freire, é uma vocação histórica dos homens, enquanto a
desumanização não o é. Desumanização que mistifica o real, que o estratifica, fazendo-o
parecer a-histórico, negando aos homens que sejam sujeitos de sua história para submeter-se
ao sistema como objetos. Nega o direito de busca dos sujeitos ao ser mais, alienando-os. O
homem como ser mais é um ser capaz de refletir sobre si mesmo e sobre sua ação no mundo,
de buscar a superação dos limites e de transformar o mundo a sua volta. É o reconhecimento
da necessidade de tempo livre para essa reflexão consigo mesmo, que inclui a leitura
sofisticada de textos que possibilitam a leitura do mundo e a ação do sujeito sobre ele. É o
reconhecimento da importância do ato de ler como estimulador do diálogo solitário ou com os
outros na compreensão do mundo e sobre o mundo.
É possível reconhecer, porém, a atual realidade desumanizante, opressora, em que a
escola está imersa. Uma situação em que ao negar o direito da palavra ao estudante, tendo
esse apenas que repetir a palavra do educador, rouba-se sua criatividade. Uma posição que vai
contra a vocação histórica do homem de ser mais, de humanizar-se, de ser capaz de ser sujeito
de sua própria mudança.
Trago essa reflexão para tentar construir condições que potencializem as
possibilidades dos estudantes de ser mais, de admirarem o mundo e suas relações,
problematizando-o, mas não como um conhecimento e uma reflexão dados pelo educador, e
sim pela construção de ambos, educador e estudante por meio de novas formas de leituras do
mundo, pelas quais ambos têm direito a pensar, a imaginar e ao diálogo.
26
Concordo com Crochik (2013) quando ele descreve que o conhecimento é visto como
um trampolim para ascensão social individual, um “ter mais” ao invés de “ser mais”. Numa
sociedade da informação, competitiva, por excelência, em que o “ter mais” é o importante, o
conhecimento passa a ser uma medida de valor social daqueles que o possuem e daqueles que
não o possuem e a escola torna-se um local para essa reprodução.
Nesse pensamento, um estudante pode compreender a escola como um local para obter
apenas conhecimento com o objetivo de utilizá-lo para se prestar um vestibular e, assim, ter
uma ascensão social, saindo, talvez, de uma situação menos favorecida para uma mais
favorecida. Outro exemplo é que a partir do momento em que os educadores da rede estadual
de ensino adquirem uma formação melhor, seja em cursos de especialização ou de pós-
graduação, abrem-se oportunidades profissionais com melhores condições e remunerações no
ensino médio, nas escolas particulares ou no ensino superior. Assim:
O conhecimento e a formação adquirida representam, ao invés de novas e
mais potentes formas de compreensão e transformação da realidade social e
profissional em que o indivíduo se encontra, novas e mais potentes formas
de ascensão social e abandono da antiga profissão (CROCHIK, 2013, p.
82).
Não se trata de condenar o estudante que presta vestibular ou o professor que aceita
novos trabalhos e, com isso, talvez consiga uma situação mais favorável, pois essas situações
estão ligadas a questões sociais, econômicas e políticas. No entanto, isso não impede de
problematizar essas questões em que “adquire-se” conhecimento objetivando apenas uma
elevação social, numa cultura onde o “ter mais” é visto como sinônimo de “ser mais”.
Essa reflexão me sensibiliza porque estou imerso nela. Sei que ao término da minha
pós-graduação terei um leque de opções de trabalho que antes não tinha. Opções mais
chamativas, economicamente e estruturalmente, do que o ensino público. Desse modo, minha
reflexão aqui presente para e com o ensino público poderá ser apenas um trampolim
individual para algo melhor, talvez lecione no ensino superior formando professores que
atuarão no ensino público, lugar que, talvez, não me atraia mais. Como salientou Crochik
(2013), em uma reflexão pessoal como essa, seria uma “fuga para o alto”. Fuga que poderia
ser minimizada com uma carreira do educador que valorize seu eventual curso de pós-
graduação, incentivando-o a permanecer na escola em que leciona.
Como já discutimos, esse problema envolve questões econômicas, culturais, sociais e
políticas, mas tentarei, nesse pequeno espaço, construir juntamente com os estudantes
27
Tomemos um exemplo de um sujeito que participa de uma aula sobre Leis de Newton.
Se pensarmos a experiência como uma relação, talvez a explanação sobre as Leis de
Newton não seja o mais importante, mas a interação que o sujeito tem com elas. Ele consegue
decifrar os signos matemáticos, as letras, entender os exercícios e mais que isso, consegue
responder a diversas perguntas sobre o tema e a resolver os mais variados exercícios. Todavia,
esse sujeito pode não ter uma relação de ida e volta com o acontecimento exterior, nesse caso
as Leis de Newton, limitando-se apenas à ida, caminho sem reflexão, que não o transforma. É
um sujeito que não se expõe, não está aberto ao desconhecido. Não há subjetividade, nem
reflexividade, nem transformação.
A experiência deve conduzir os sujeitos a voltarem para si mesmos, permanecendo em
questionamento com o mundo, sempre abertos e inacabados. Pode-se pensá-la como uma
experiência formativa em que o sujeito relaciona-se interiormente com o material de estudo,
modificando sua maneira de perceber e se relacionar com o mundo a sua volta.
A ideia de experiência formativa implica um voltar-se para si
mesmo, uma relação interior com a matéria de estudo, contém em alemão a
ideia de viagem. Experiência (Erfaharung) é, justamente, o que se passa
numa viagem (fahren) o que acontece numa viagem. E a experiência
formativa seria, então, o que acontece numa viagem e que tem a suficiente
força para que alguém se volte para si mesmo. (LARROSA, 2003 p. 52)
relação entre o conhecimento e a vida humana, permitindo apropriar-nos de nossa vida. Essa
relação do sujeito com a vida humana pressupõe o diálogo com outros sujeitos e com o
mundo, remetendo à ideia de educação humanizadora, já que essa relação permite a
transformação do próprio sujeito e do seu mundo. Assim, o movimento de volta se realiza
quando o estudante, transformado pela experiência, tem um diálogo inteligente com o mundo,
possibilitando uma nova visão das situações em seu entorno.
Um exemplo pessoal são minhas experiências com as leis de Newton como estudante.
Essa relação me fez não apenas memorizar fórmulas e conceitos, mas compreender
fenômenos do cotidiano como, por exemplo, a utilização de polias numa construção ou a
diferença do atrito estático e cinético quando estamos empurrando algo. Assim, nessa relação
reflito sobre quantas polias preciso utilizar para levantar um objeto, qual a dificuldade de
empurrar determinado objeto numa determinada superfície por causa do atrito entre outros.
Não apenas uma relação utilitarista, em que tudo que experienciei nas Leis de Newton terá
que servir para algo no cotidiano, mas também uma compreensão e reflexão sobre o mundo
que me cerca. Pode-se pensar que um sujeito que tenha apenas memorizado fórmulas e
conceitos também consegue resolver os problemas apresentados acima, mas essa relação não
pode ser considerando um diálogo inteligente com o mundo, dado que esse sujeito é incapaz
de refletir e criticar sobre suas experiências como, por exemplo, refletir sobre a relação do
atrito entre superfícies com a massa dos corpos, com a inércia, com os planetas e etc.
Assim, um acontecimento passa, mas não lhe passa, não o transforma. Esse sujeito,
apesar de eventualmente compreender as Leis de Newton, é um sujeito que não teve uma
experiência.
O importante, do ponto de vista da experiência, não é apenas transmitir e memorizar
um assunto, uma leitura, um tema, mas o modo como esses se relacionam para formar ou
transformar as próprias palavras ou o pensamento do sujeito. Não impor a palavra ao sujeito,
como a educação bancária, mas ajudar o sujeito a dizer o que ainda não podia dizer, ajudar a
falar por si mesmo, ou a pensar por si mesmo. Todavia, o ato de experienciar não torna o
conteúdo a ser trabalhado algo dispensável, mas, pelo contrário, é por meio do conteúdo a ser
discutido que o estudante poderá ter uma experiência.
Esse ato de experienciar, de exposição ao perigo e ao desconhecido, não deve ser
exclusividade dos estudantes. Se, enquanto os estudantes se expõem o educador não o faz,
perde-se a possibilidade do diálogo. O educador quando não experiencia, não se relaciona
30
com o conteúdo, com o ambiente e com os outros sujeitos, ou seja, nenhum acontecimento lhe
passa, lhe toca. Situação em que o expor-se torna-se impor-se ou opor-se.
Larrosa argumenta que o educador que está procurando transmitir verdades, saberes
imutáveis, prontos (portanto, uma educação opressora), acaba por negar o caráter de
desenvolvimento e crescimento desses saberes, pois “fixam os limites da experiência possível
(e que limitam portanto as possibilidades de experiência)” (LARROSA, 1997, p.46).
Ele crítica a incapacidade do sujeito de experienciar na nossa atual sociedade da
informação ou do conhecimento devido a uma vida “acelerada”, hiperativa, na qual o excesso
de informação, de opinião e de trabalho, juntamente com a falta de tempo, memória e silêncio,
são obstáculos para se ter uma experiência.
Como já discutimos no início do capítulo, nos tempos atuais, estamos imersos num
mar de informações, rodeados pelos mais diversos aparelhos e com um simples “click” temos
acesso às mais variadas informações. No entanto, o excesso de aquisição de informação sobre
tudo a todo momento impede o sujeito de ter uma experiência. “Uma sociedade constituída
sob o signo da informação é uma sociedade na qual a experiência é impossível” (LARROSA,
2004, p.156). A obtenção da informação pela informação, sem que haja uma relação entre ela
e o sujeito, sem que ela lhe toque, dificulta as possibilidades de experiência.
A informação não exige do sujeito a complexidade de significações que a experiência
exige; logo, nada lhe passa. O sujeito que se informa também opina, sobre tudo e todos.
Encontra-se sempre com uma opinião formada. Pauta-se na informação pela necessidade de
opinião, moldando-se uma personalidade de “um sujeito fabricado e manipulado pelos
aparatos da informação e da opinião, um sujeito incapaz de experiência” (2004, p. 156). O
excesso de opinião faz com que o sujeito moderno opine quase que como reflexo das
informações que recebe constantemente, dificultando-o de abrir-se ao mundo, ao
desconhecido, ao incerto.
Juntamente a isso, o excesso de trabalho e a falta de tempo são outros empecilhos à
experiência. Esse sujeito moderno tem vivências instantâneas, pontuais e fragmentadas, em
que um “estímulo fugaz e instantâneo é imediatamente substituído por outro estímulo ou por
outra excitação igualmente fugaz e efêmera” (LARROSA, 2004, p. 157). Assim, a velocidade
com que os acontecimentos vêm e logo são substituídos por outros acontecimentos impede o
sujeito de ter uma experiência.
O sujeito moderno é um consumidor voraz e insaciável de notícias, de
novidades, um curioso impenitente, eternamente insatisfeito. Quer estar
permanentemente excitado e já se tornou incapaz do silêncio. E a agitação
31
que lhe caracteriza também consegue que nada lhe passe. Ao sujeito do
estímulo, da vivência pontual, tudo o atravessa, tudo o excita, tudo o agita,
tudo o choca, mas nada lhe acontece. Por isso, a velocidade e o que ela
acarreta, a falta de silêncio e de memória, são também inimigas mortais da
experiência (LARROSA, 2004, p. 158).
Ao se discutir apenas alguns elementos da teoria de Newton sem trazer seu contexto
histórico e social, pode-se criar a ideia de que Newton era um gênio que construiu todos os
seus conceitos num simples insight (queda da maçã), descartando as contribuições de
pensadores que viveram anteriormente.
Também, quando discutimos a mudança da concepção geocêntrica para a heliocêntrica
como apenas uma “troca” de posição da Terra com o Sol, enfatizando apenas Ptolomeu e
Copérnico como seus defensores, podemos criar a ideia de que essa mudança ocorreu
34
naturalmente, numa mutação súbita, e não influenciou e nem foi influenciada pela vida social
e cultural da época.
Retratar situações como essas no ensino de física, e na ciência de maneira geral, pode
trazer, ou reforçar, a ideia de um cientista gênio e de uma ciência neutra. Ideias que, por um
lado, distanciam os estudantes da física, pois esses podem acreditar que a ciência é algo
apenas para os escolhidos dotados de uma mente brilhante e, por outro, afastar a física das
discussões sociais e políticas da história e da atualidade.
Albert Einstein é um grande exemplo de físico que é visto por muitos como sendo
dotado de um intelecto superior por ter criado a teoria da relatividade. O conceito de
relatividade, no entanto, já estava presente desde a época de Galileu e foi utilizado por
Einstein partindo dos dois pressupostos que deram origem à teoria da relatividade restrita.
Além disso, Einstein utilizou-se das transformações de Lorentz em sua teoria e necessitou de
ajuda de matemáticos para a formulação teórica da sua teoria da relatividade geral.
Quando trazemos essas discussões para a sala de aula não queremos diminuir a
importância de Einstein ou de outros cientistas, mas sim resgatar o processo histórico e social
de construção de conceitos ou pensamentos. Desse modo, poderemos apresentar tanto o
cientista como uma pessoa comum, e não um gênio, quanto as influências da ciência na
sociedade e vice-versa.
Uma boa figura que retrata a cultura da física e suas relações com o mundo é Galileu
Galilei. Este distancia-se dos cientistas da época ao abandonar a escrita em latim, passando a
escrever em italiano e, dessa maneira, aproximando a ciência, antes restrita apenas aos
intelectuais, de um público mais amplo.
Galileu utilizou seus conhecimentos de desenho e do claro-escuro, adquiridos em
Florença, para desenhar a Lua como havia observado com sua luneta, em 1610. Por meio da
perspectiva, Galileu, como consequência de suas observações com a luneta, foi capaz de
medir a altura das montanhas lunares e “a geometrização da projeção das sombras pode ter lhe
permitido perceber as irregularidades da superfície lunar” (REIS; GUERRA; BRAGA, 2005,
p.72). Dessa maneira, a Lua deixou de ser a imagem da perfeição e da imutabilidade,
associada à perfeição aristotélica, e passou a ser mais um corpo celeste com características
comuns, como a Terra.
Contudo, se compararmos os desenhos de Galileu (fig. 3) com os feitos pelo
astrônomo inglês Thomas Harriot (1560-1621) (fig. 4), que também fez observações da Lua
com uma luneta no ano de 1609, portanto antes de Galileu, percebemos que eles não “viram”
35
a mesma coisa. Harriot representou a Lua de maneira diferente daquela feita por Galileu. Sua
representação continha manchas, ao invés das crateras e montanhas lunares que não têm
nenhuma relação com a superfície lunar. Essa diferença não pode ser interpretada pela pouca
habilidade para o desenho, mas, na realidade, “demonstra que Harriot não dispunha de
condições para interpretar a geografia da Lua sem o treinamento artístico que teve Galileu”
(REIS; GUERRA; BRAGA; 2005, p.72). Após ver os desenhos feitos por Galileu, Harriot
refez seu desenho da lua (fig. 5) de uma maneira muito similar à de Galileu, ou seja, tentando
representar as irregularidades da lua.
Assim, os conhecimentos adquiridos por Galileu sobre o desenho, em especial a
perspectiva e a técnica de claro-escuro, ajudaram-no a ver uma Lua que Harriot não
conseguia. Harriot não tinha formação artística nem os conhecimentos artísticos que Galileu
possuía, sendo-lhe difícil interpretar o que via na Lua. “O contexto cultural fez a diferença
entre os dois filósofos naturais” (REIS, 2002, p. 6).
Outro ponto de destaque foi a defesa de Galileu com relação ao sistema heliocêntrico,
iniciativa que causou problemas com a instituição social dominante da época, a Igreja.
Galileu, ao observar as irregularidades da Lua, assim como as manchas solares, coloca em
cheque o pensamento aristotélico da época que considerava o mundo sublunar como o da
corrupção e da imperfeição e o mundo supralunar como perfeito e incorruptível. Desse modo,
37
Galileu começa a misturar o supralunar com o sublunar, pois se a Lua e o Sol têm
irregularidades o pensamento aristotélico não se sustenta.
A física enquanto cultura não pode ignorar aspectos “externalistas”, como a influência
sociocultural e abordagens ideológicas, bem como aspectos “internalistas” como a história da
física, a experimentação, as teorias científicas e suas aplicações. Ao ignorarmos esses
aspectos, podemos privilegiar apenas a parte instrumental e esquecer que a física deve ser
entendida como um elemento cultural necessário para a formação de qualquer cidadão
contemporâneo.
38
Uma proposta pedagógica que busca um ensino humanizado, que preze a imaginação,
a criatividade e a experiência dos sujeitos, deve ser construída a partir da realidade dos
sujeitos. Seria uma contradição se propuséssemos um ensino libertador, pautado no diálogo,
mas arquitetássemos todo o plano de trabalho sem que houvesse um diálogo com a realidade
do estudante.
Isso, no entanto, não isenta a função do educador. Este, como participante do diálogo,
tem o papel de, a partir das situações concretas dos estudantes, problematizar e elaborar
atividades e reflexões para a formação de um cidadão que possa conhecer-se, interagir com os
outros e com o mundo e refletir sobre si mesmo e sobre o seu entorno.
Nessa visão, introduzo uma situação real e especifica do entorno da E.E. Prof.
Claudinei Garcia, localizada na periferia de Osasco, para construirmos as reflexões e as
atividades que são apresentadas no decorrer desta dissertação.
Parti de uma obra de infraestrutura que está sendo realizada no entorno da E.E. Prof.
Claudinei Garcia. A obra teve início no começo de 2013 e previa a destruição da antiga ponte
para a construção de uma nova, visando melhorias no escoamento da água que passa por
debaixo dela.
A ideia de utilizar essa situação para problematizá-la no ensino de física deu-se
tardiamente. Tinha, a priori, a intenção de refletir sobre o diálogo entre a física e as artes no
período renascentista com o intuito de apresentarmos uma física com elementos históricos,
sociais e culturais para que o aluno percebesse que a física faz parte de um contexto
sociocultural. No entanto, após conversas informais com estudantes e com vizinhos, percebi
que as obras que estavam ocorrendo era uma realidade passível de ser problematizada nas
aulas.
39
Assim, optei por trazer essa situação para nossas reflexões nesse trabalho porque
acredito que a associação com elementos que fazem parte do cotidiano do estudante poderá
auxiliar na busca de um ensino humanizado. Como salienta Feitosa (1999):
Cada pessoa, cada grupo envolvido na ação pedagógica dispõe em si
próprio, ainda que de forma rudimentar, dos conteúdos necessários dos quais
se parte. O importante não é transmitir conteúdos específicos, mas despertar
uma nova forma de relação com a experiência vivida. [...] Conhecer [o
estudante] enquanto indivíduo inserido num contexto social de onde deverá
sair o "conteúdo" a ser trabalhado (p. 50).
Com essa ideia firmada, encontrei-me com o responsável pela obra para solicitar a
aprovação dos registros fotográficos da construção e do projeto da obra. Explicado o porquê
desses registros, foi-me liberado a efetuá-los. As figuras 6, 7 e 8 apresentam as fotos do
projeto e da obra da ponte.
De posse dos registros fotográficos, tinha o desafio de decidir o que abordaria de física
partindo dessa situação. Conteúdos como Leis de Newton, estática dos corpos rígidos e
41
resistência dos materiais foram pensados como passíveis de serem aproveitados. Todavia, não
pretendia apenas me apropriar da parte meramente instrumental, mas também resgatar o
contexto sociocultural da física, pois “sendo a ciência um conhecimento historicamente
construído é muito difícil compreendê-la sem conhecer o seu processo de construção” (REIS,
2002, p. 17).
Como já havia pensado em discutir a relação entre a física e a arte no Renascimento,
optei por articular essa situação com discussões referentes à matematização da natureza em
ambas as áreas de conhecimento e à importância que o projeto ganhou com o desenho em
perspectiva.
É importante ressaltar que, apesar de ser um trabalho que dialoga com as artes, não
podemos nos esquecer de abordar a física nas atividades e discussões. Além disso, não sou
formado em arte e nem a leciono. Minha formação e área de atuação é em física, o que
dificulta, mas não impede, essa viagem pelas artes em toda sua complexidade.
Por conta disso, nas propostas de discussões apresentadas acima, passarei por questões
referentes à estática dos corpos rígidos, momento no qual serão estudados os conceitos de
força, equilíbrio estático e decomposição de forças. No entanto, não tenho a pretensão de
transformar essas discussões em aulas com o intuito de decorar fórmulas e fazer inúmeros
exercícios, mas sim de entender os conceitos gerais de estática, visando à compreensão da
situação problema.
3.2 Metodologia
Uma das dificuldades que este trabalho apresentava era relacionada à metodologia de
pesquisa a ser utilizada. Não faz parte dos objetivos desta dissertação averiguar o nível de
entendimento de alguns conceitos de física nos estudantes antes da intervenção e depois fazer
uma comparação do entendimento desses conceitos após a intervenção. Também não foi
utilizada nenhuma forma quantitativa para medição do entendimento de conceitos que os
estudantes adquiriram ao final do trabalho.
42
Com uma proposta de trabalho que seja construída a partir de e com o ensino público,
tenho como preocupação a intervenção no âmbito escolar para que os estudantes passem a
perceber a ciência a partir de um viés sociocultural e o resgate de um ensino humanizado,
auxiliando-os a compreender o mundo que os cerca e suas vidas para terem a oportunidade de
poder transformá-lo.
Este trabalho apresenta um levantamento teórico, uma proposta e uma reflexão antes
do agir, ou seja, ele não se propõe a utilizar uma situação escolar e, a partir dela, oferecer
reflexões sobre a mesma, mas, a partir de reflexões anteriores, criar a cena em que a situação
escolar ocorreria. Isso não significa que concebo um planejamento rígido, sem a possibilidade
de diálogo e alterações, mas que valho-me de uma reflexão anterior para construir uma
proposta de aula.
Proposta que dialogou constantemente com os estudantes e com o educador na sala de
aula e nas reflexões pós-aula. Assim, não pretendia chegar à sala sem um planejamento e nem
criar uma proposta rígida. Descrevo a ideia inicial de planejamento e de proposta de aula
antes de iniciá-la e, em seguida, as mudanças que foram sendo feitas nela no decorrer das
aulas.
Devido a isso, a atenção do trabalho ficou mais reservada a antes da intervenção e a
aplicação. Contudo, isso não significa não contemplar uma reflexão pós-aula. Utilizei os
registros das atividades que propus e as notas de campo do educador para elaborá-las.
Reflexões que se pautaram não apenas em “aprendeu um conceito ou deixou de aprender”,
mas, na dinâmica das aulas com toda sua complexidade e a percepção dos estudantes com
relação à física e seu contexto sociocultural.
As notas de campo foram efetuadas no término de todas as aulas utilizando um
caderno com as anotações diárias, as dificuldades encontradas, o desenvolvimento dos
estudantes na compreensão do contexto sociocultural da física e no entendimento dos
conteúdos propostos, e as possíveis melhorias nas aulas e/ou atividades. As anotações
referentes ao desenvolvimento da compreensão do contexto sociocultural da física e dos
conteúdos propostos foram feitas por meio da percepção que o educador tinha do
envolvimento dos alunos, das ideias e questionamentos que eles traziam.
Além desse material, tinha à disposição as atividades que os estudantes fizeram. No
entanto, não contava apenas com atividades escritas, mas também desenhos e trabalhos
manuais.
43
Compreendo que um ensino humanizado não pode trazer a visão do estudante como
“objeto” de pesquisa, na qual o pesquisador, com uma ideia de neutralidade, vai até esse
objeto para coletar os dados de maneira pontual, científica e profissional, e em seguida retorna
ao seu local de trabalho para produzir o conhecimento advindo dessa coleta. Brandão (2001)
enfatiza o aspecto de dominação das pesquisas que desconsideram os sujeitos sociais como
tais.
Na verdade, até aqui tem sido o trabalho cientifico que divide o mundo
sobre o qual realiza a prática de “conhecer para agir” em dois lados opostos: o lado
“popular” dos que são pesquisados para serem conhecidos e dirigidos, versus o
lado “cientifico”, “técnico” ou “profissional” de quem produz o conhecimento,
determina os seus usos e dirige “o povo”, em seu próprio nome ou, com mais
frequência, no nome de para quem trabalha. A expressão aparentemente neutra que
existe na ideia de “objeto de pesquisa”, muitas vezes subordina a ideia e a intenção
de que aqueles cujas “vida” e “realidade” afinal se “conhece”, sejam reconhecidos
para serem objetos também da história (p. 10).
observando não apenas as experiências e percepções dos diferentes sujeitos envolvidos, como
também o sentido político e social que emana da própria investigação-ação. Essa metodologia
converge com nossa proposta de educação já que se esforça em incorporar o olhar do outro na
construção de um trabalho mais democrático e dialógico.
Nessa proposta, a obra da ponte foi apresentada como problematização inicial. Apesar
da maioria dos estudantes residirem nas proximidades da obra, trouxe os registros fotográficos
tanto da construção quanto do projeto e, em seguida, dei início ao diálogo com a turma.
Em seguida, na segunda etapa, o educador desenvolveu os saberes fundamentais para
que o estudante compreenda, amplamente, a situação inicialmente apresentada. Nessa etapa,
resgatamos o contexto renascentista por meio da leitura de um texto, A Monalisa das Pontes
(Anexo A), que trata do projeto de uma ponte feito por Leonardo da Vinci que não foi
construído na época do Renascimento devido à dificuldade de sua construção. No entanto, em
2001, um grupo de arquitetos resolveu resgatar esse projeto e, após algumas modificações,
construíram a ponte como uma passarela para pedestres sobre a autoestrada que liga Oslo, na
Noruega, e Estocolmo, na Suécia.
Dessa forma, o educador apresenta a temática das pontes num contexto renascentista,
perpassando pelos valores (como a racionalidade, a observação e a modelagem da natureza)
que estavam presentes na física e na arte desse período, juntamente com um o processo de
ensino-aprendizagem de estática.
Por fim, na última etapa, retornamos ao problema inicial, utilizando os conhecimentos
adquiridos para os estudantes compreenderem a ponte e compreenderem a física como parte
da cultura. Tínhamos a proposta de ampliar a discussão para outras pontes como a ponte da
Água Espraiada, localizada em São Paulo, e a ponte Metálica, localizada em Osasco.
In
4 Ciência e Arte
efeitos da luz e da percepção da luz e mudança em suas obras para buscar o “visual
verdadeiro”, principalmente na pintura do céu, sua grande paixão. Observamos isso em seu
quadro Wivenhoe Park (figura 9) de 1816.
5
Tradução livre do trecho: “Painting is a Science and should be pursued as an inquiry into the laws of
nature. Why, then, may not landscape painting be considered as a branch of natural philosophy, of
which pictures are but the experiments?”
50
Einstein tinha preocupações estéticas com relação à assimetria que ocorre na descrição
do movimento relativo entre magnetos e condutores. Havia duas interpretações para explicar o
problema de uma corrente elétrica induzida em um condutor por um magneto:
6
Tradução livre do texto: “Einstein´s approach to space and time was not primarily mathematical.
Notion of aesthetics were essential to his discovery in 1905 of relativity and a new representation for
light, and the in 1907 of means to widen relativity theory to include gravity. Nor were Picasso's
studies of space totally artistic in the narrow sense of this term, as his interest in scientific
developments reveals. Picasso´s new aesthetic for the Demoiselles was the reduction of forms to
geometry.”
51
Apesar das equações utilizadas para resolver o problema serem diferentes, o resultado
é o mesmo. Tal assimetria era inaceitável para Einstein. Para resolver o problema,
Einstein propôs dois postulados, enunciados na seguinte forma:
Esses dois postulados, mais a hipótese de isotropia do espaço, deram origem à teoria
da relatividade especial. Uma das consequências desses postulados é colocar em discussão o
absolutismo dos conceitos newtonianos de espaço, tempo, massa e simultaneidade. Quando
Einstein considerou a velocidade da luz como um novo absoluto, esses conceitos passaram a
ser relativos, ou seja, dependem da velocidade do referencial. Além disso, as aparentes
assimetrias, discutidas acima, desaparecem sob a luz da relatividade einsteiniana.
Para Einstein, os conceitos de espaço e de tempo não são mais independentes como na
teoria Newtoniana, mas sim dependentes, formando o continuum espaço-tempo que é
constituído por três dimensões (largura, espessura e profundidade) e uma dimensão temporal.
Assim como Miller, José C. Reis apresenta algumas relações entre a física e em sua
tese de doutorado e em diversos artigos escritos juntamente com o grupo Teknê7. Um
exemplo dado por Reis (2002) nessa época foi em como pintores, como Monet, tentaram
mostrar a temporalidade do espaço em suas obras. Monet em seu conjunto de obras “Monte
de Feno” (figura 10) pinta monte de fenos em diferentes épocas.
7
Grupo formado por Andrea Guerra e Marco Braga, além do próprio José Claudio Reis.
52
A figura agachada está representada, segundo Silva e Benutti (2007), em três pontos
de vista diferentes, a parte esquerda do seu corpo é mostrada como se fosse visto em 3/4, o
rosto que, ao contrário do esperado, está virado para o observador e a parte direita do corpo
que está paralelo à superfície da tela, de costas para o observador. É como se Picasso estivesse
andando em torno da modelo e a partir de suas impressões tivesse representado esses
diferentes momentos de percepção no retrato da mesma.
53
“Os relógios fluem sobre um espaço que é representado pelas pedras, pela árvore, por
uma figura animalesca (estes em primeiro plano), por uma grande planície, pelo mar, pelas
54
montanhas e pelo céu limpo, ao fundo” (ANDRADE et al, 2007, pg. 409). O próprio Salvador
Dali expõe essa relação entre seus relógios e o espaço.
O tempo é impensável sem o espaço, dizem cada um dos meus
quadros. Meus relógios moles não são apenas uma imagem fantasista e
poética do real, mas esta visão (...) é, com efeito, uma definição mais perfeita
de tempo-espaço, que as mais altas especulações matemáticas possam dar”
(DALÍ, 1976).
A viagem no tempo já era abordada em narrativas nesse período, mas essas viagens
eram justificadas através de sonhos, delírios e devaneios (ALLEN, 1974, p.45). H.G Wells
inova ao utilizar uma abordagem científica, mesmo que fictícia, utilizando-se de uma teoria
quadridimensional para explicar a possibilidade de suas viagens no tempo. Apesar disso, a
maneira como a máquina funciona não é aprofundada, restringindo-se apenas à
funcionalidade do controle da velocidade.
– Pode ter existência real um cubo que não dure por nenhum
espaço de tempo?
Filby ficou pensativo
- Não há dúvida – continuou o viajante do tempo - de que todo corpo
real deve estender-se em quatro direções: deve ter comprimento, largura,
altura e... Duração. Mas, por uma natural imperfeição da carne, que logo lhes
explicarei, somos inclinados a desprezar esse fato. Há realmente quatro
dimensões, três das quais são chamadas os três planos do espaço, e uma
quarta, o Tempo. Existe, no entanto, uma tendência a estabelecer uma
distinção irreal entre aquelas três dimensões e a última, porque acontece que
nossa consciência se move descontinuamente numa só direção, ao longo do
Tempo, do princípio ao fim de nossas vidas.(...) Não existe diferença entre o
Tempo e qualquer das três dimensões do espaço, exceto que nossa
consciência se move ao longo dele (WELLS, 2010, p.22).
Nessa conversa com Aliocha, Ivan atribui sua incapacidade de entender Deus a
limitações da sua mente, especificamente o fato de que ele tem uma “lamentável, terrena,
compreensão euclidiana”. Ivan possui uma mente “tridimensional” enquanto a harmonia
divina parece operar em alguma quarta dimensão. Desse modo, ele justifica suas limitações da
mente alegando que as preocupações místicas e sobrenaturais estão fora do seu alcance e que
a rejeição da quarta dimensão é a única resposta possível para um homem sensato.
Por fim, o romance Som e Fúria de William Faulkner, escrito em 1929, utiliza de uma
narrativa não linear em que acontecimentos do passado se entrelaçam com o presente.
Eventos que estão próximos de se concretizarem são cortados e, quando retornamos à
narrativa, já aconteceram. Assim, Faulkner funde os tempos passado e presente
simultaneamente em sua narrativa
Espero que os exemplos apresentados nesse capítulo permitam o leitor compreender a
aproximação existente entre a física e a arte. Esse diálogo entre áreas aparentemente tão
distintas é possível porque ambas são parte integrante da cultura e, por isso, artistas e
cientistas representam o mesmo mundo, mas utilizam diferentes linguagens para isso.
A ciência pode ser fonte de prazer, caso possa ser concebida como atividade
criadora. A imaginação deve ser pensada como principal fonte de
criatividade. Explorar esse potencial nas aulas de ciências deveria ser
atributo essencial e não periférico. A curiosidade é o motor da vontade de
conhecer que coloca nossa imaginação em marcha. Assim, a curiosidade, a
imaginação e a criatividade deveriam ser consideradas como base de um
ensino que possa resultar em prazer (PIETROCOLA, 2004, p. 133).
A ciência consiste em olhar o mundo real, um mundo que pode ser contrastado com
diversos mundos imaginários criados pelo cientista para explicar a natureza. Em alguns
momentos é necessário, primeiramente, imaginar como funciona nosso mundo para poder
desbravá-lo.
Nos trabalhos de Einstein, por exemplo, a imaginação e a intuição estavam presentes.
Em sua juventude Einstein utilizava-se de seus experimentos mentais para imaginar como
seria se viajássemos na velocidade da luz. Na fase adulta, continuou com seus experimentos
mentais, possibilitando-lhe fazer previsões (ou aplicações) certas de muitas de suas ideias,
incorporando a temática crítica que os físicos e filósofos da ciência desenvolveram na virada
do século XIX para o século XX.
Da mesma maneira, a criatividade não pode ser compreendida como um atributo
restrito apenas aos artistas ou vista como um dom, algo “sobrenatural” que apenas alguns
possuem. Esse pensamento cria o estereótipo que envolve a ideia da “descoberta” ser algo
exclusivamente individual e feito apenas por pessoas especiais, escolhidas.
Cria-se, assim, uma relação apenas entre o produto final e o seu criador. O filósofo
Gilbert Ryle (1900-1976), segundo Boden (1999), dizia que o conceito da criatividade está
diretamente relacionado com o produto final das ações criativas, como um insight, e menos
com as ações em si mesmo, principalmente com o processo que as levaram a acontecer.
Não buscarei apoio nesse modelo reducionista em que o processo de criação é
resumido a momentos divinos de inspiração momentânea e individual. Acredito que a
criatividade “(...) não está limitada a uns poucos escolhidos, pois (...) todos nós temos um
grau de poder criativo que está fundamentado em nossas habilidades humanas comuns”
(BODEN, 1999, p. 12).
O ato criativo estaria ligado à superação de uma situação limite. Momento em que o
sujeito é convidado e desafiado a utilizar suas capacidades cognitivas, modalidades de
percepção, sua intuição, sua imaginação etc., para, juntamente com outros sujeitos e com o
ambiente, poder superar um problema de forma inovadora. “Esta superação que não existe
59
fora das relações homens-mundo, somente pode verificar-se através da ação dos homens sobre
a realidade concreta em que se dão as „situações-limites‟” (FREIRE, 1987, pg. 106-107).
Um sujeito que tenha a liberdade e sinta-se capaz de criar/recriar para superar
dificuldades, pode sentir-se capaz de transformar, de mudar, de melhorar a si mesmo e as
situações em que vive.
60
5 O Renascimento
retratar espaços que se assemelham a um mundo infinito nas obras plásticas, diferentemente
da representação de um mundo fechado e finito da arte medieval. Esse conceito de espaço
infinito será tratado algum tempo depois por Galileu e sua lei da inércia e posteriormente por
Descartes8, pois para se pensar essa lei é necessária a aceitação da infinitude do espaço já que
tal lei refere-se à possibilidade de um corpo manter-se em movimento retilíneo uniforme ad
infinitum, se a somatória de forças que atuam sobre ele for zero.
A física irá incorporar, com Descartes, Galileu e Newton, esse novo universo que os
artistas começaram a construir com o advento da perspectiva. Essa estruturação do universo,
no entanto, não pode ser atribuída a uma explicação causal em que o universo criado pelos
artistas é a causa para a formulação da lei da inércia, mas sim que ambos, artistas e cientistas,
estavam representando as mudanças que estavam ocorrendo naquele contexto histórico, sendo
que, nesse caso, a arte antecipou-se à física na representação dessas mudanças.
O período conhecido como Renascimento inicia-se no século XV, com datas variáveis
dependendo da visão que se privilegia, e culmina no Barroco por volta do século XVI. Esse
período se refere ao resgate ideal às formas da antiguidade enquanto verdadeira fonte da
beleza e do saber, buscando-se, por meio da leitura dos clássicos gregos e latinos, uma
linguagem que fosse universal, recuperando modelos e regras da arte antiga (BYINGTON,
2009).
Contudo, esse período foi muito mais amplo e complexo do que um simples resgate
dos ideais da cultura greco-romana. A ideia de que apenas no período renascentista ocorreu
um súbito interesse pelos autores clássicos é errônea, pois mesmo na Idade Média o interesse
pelos autores greco-romanos nunca deixou de existir. Por exemplo, o poeta italiano Dante
(1265-1321) manifestou inegável entusiasmo pelos clássicos. Também, estudava-se autores
como Cícero, Virgílio, Sêneca e também filósofos gregos nas escolas das catedrais e
mosteiros.
8
A lei da inércia da maneira como conhecemos atualmente foi descrita por Descartes e não por Galileu. Galileu
foi precursor desse pensamento por meio da inércia circular, mesmo nunca tendo usado esse termo.
62
Essas mudanças, contudo, não ocorreram apenas em alguns setores como na filosofia e
nas artes e nem esses setores devem ser entendidos como separados como se fossem
pseudocategorias. Nesse período, a nova maneira de ver o mundo e o homem trouxe
elementos capazes de modificar diferentes campos do conhecimento humano, entendidos
como dinâmicos, inter-relacionados e como produtos e causas dessa nova sociedade.
Nessa época, conviviam, nem sempre harmonicamente, duas visões de natureza que
eram derivadas das escolas escolásticas: a concepção aristotélica e o neoplatonismo9.
Na visão aristotélica, o mundo era dividido em duas regiões que eram incomunicáveis,
distintas em substância e governadas por leis diferentes. O sublunar, que vai do centro da
Terra à sua atmosfera, seria das coisas corruptíveis, mutáveis, da imperfeição, e composta por
quatro elementos: fogo, terra, ar e água que estão em permanente mistura, gerando matérias
“uniformes” e “não uniformes”. Enquanto o supralunar, que compreende a Lua, o Sol, os
cinco planetas e as estrelas, seria o mundo da ordem eterna, justiça plena e do imutável,
constituído por um quinto elemento: o éter ou “quintaessência”.
No mundo sublunar, os movimentos eram considerados como um tipo particular de
mudança, a mudança de lugar. A sua análise era feita por meio de categorias amplas,
qualitativas, derivadas dos conceitos de causalidade e teleologia (DION, 2008). Assim, todo o
movimento que ocorresse nesse mundo tinha uma causa e explicar esse movimento equivalia
9
Essa visão resgata o pensamento platônico original aliado ao humanismo e ao retorno do pitagorismo, sendo,
em alguns casos, mesclado com misticismo.
66
10
A matemática seria uma ciência intermediária, ou seja, mesmo separada das coisas sensíveis podemos
conceber seus objetos como subsistentes em si mesmo, não sendo necessário um elo com a matéria sensível.
Assim, é possível definir as formas geométricas sem uma relação com a matéria dada.
67
conhecer a essência do mundo era necessário conhecer a harmonia matemática que lhe é
devida.
No final da Idade Média, a teologia agostiniana11, que norteou a Doutrina Cristã por
todo medievo seria, pela primeira vez, confrontada por uma filosofia mais racional e lógica,
que não priorizava a revelação e a fé. Esse confronto entre razão e revelação deu-se a partir da
publicação e do estudo das obras de Aristóteles, inaugurando o que ficou conhecido como
doutrina tomista.
Essa doutrina se deve ao monge dominicano São Tomás de Aquino (1225-1274) que,
influenciado por Aristóteles, criou um sistema de doutrinas teológicas e filosóficas. O valor
dessa filosofia está na conciliação do pensamento mais lógico e racional de Aristóteles com a
fé cristã.
O tomismo, adotado oficialmente pela Igreja a partir do século XIV12, busca por meio
da lógica aristotélica harmonizar a razão e a fé. Procura demonstrar que a razão poderia
provar a existência de Deus. Haveria, desse modo, duas fontes independentes de
conhecimento: A razão, que recorre à experiência dos sentidos, produziria o conhecimento
racional, e a revelação, que dá fé para auxiliar a compreender o que está além do alcance da
razão.
A lógica era de que ambas, razão e fé, não se contradiriam, já que emanavam do
mesmo lugar (KOBUSCH, 2003). Assim, a razão é o que permite o entendimento real das
coisas, já que os sentidos apenas dão um conhecimento exterior das coisas, mas a razão pode
conduzir ao erro, momento em que a fé deve ser levada em conta. O conflito entre a razão e a
fé existe quando a primeira se propõe a explicar a natureza sem o auxílio da fé.
No período inicial do Renascimento, não houve um grande desenvolvimento científico
devido ao apego dos estudiosos aos escritos clássicos de Aristóteles e Ptolomeu, por exemplo
11
Na doutrina Agostiniana a fé e a razão complementam-se na busca da felicidade e da beleza. Essas não são
alcançadas por meio do intelecto, mas por ato de crença e fé. A razão relaciona-se com a fé no sentido de
provar a sua correção, ou seja, o conhecimento dependia de uma iluminação divina e a razão estava a seu
serviço.
12
Com a aceitação crescente do tomismo pela Igreja católica, a obra de Aristóteles tornou-se virtualmente um
dogma cristão (TARNAS, 1999).
68
(DURANT, 2002). O valor desse período inicial, segundo Garin (1996) reside nas primeiras
manifestações de interesse em estudar e reexaminar doutrinas e postulados, em aprofundar e
expandir conhecimentos, em investigar e analisar teses e teorias.
O filósofo e físico francês Jean Buridan (1300-1358), por exemplo, foi um dos
primeiros a questionar os pensamentos aristotélicos no período que compreende o fim da
Idade Média e início do Renascimento.
Aristóteles acreditava que um movimento constante no sentido horizontal precisa de
uma causa constante, ou seja, enquanto um corpo está se movendo, deve haver uma força
agindo sobre ele. Desse modo, o movimento de um corpo diante de uma resistência seria
proporcional à força motora do movimento, e inversamente proporcional à resistência do
meio. Tal relação torna impossível a existência do vácuo, já que quando não há resistência, o
objeto se moveria cada vez mais rápido até atingir uma velocidade infinita.
No mundo aristotélico, cada esfera (supralunar e sublunar), é governada por um
conjunto diferente de leis. No mundo sublunar, o movimento retilíneo para cima e para baixo
seria o natural fazendo com que os corpos pesados, por sua própria natureza, procurem seu
lugar natural, ou seja, tendem para o centro do universo num movimento natural. Todavia,
não seria natural a um corpo pesado mover-se para cima, movimento violento ou não natural,
necessitando de uma causa externa constante atuando sobre ele, caso contrário, o movimento
violento cessaria. Os corpos leves, ao contrário, se moveriam naturalmente para fora do centro
do universo. Na esfera celestial, o movimento circular uniforme seria o natural, responsável,
portanto, pelo movimento dos corpos celestes.
A questão gerada dessa Mecânica era a de determinar o que mantinha o corpo em
movimento quando não havia mais contato com o que causou-lhe o movimento como, por
exemplo, o porquê de uma flecha manter seu movimento após ser impulsionada por um arco.
De acordo com a Mecânica de Aristóteles, o ar era dividido pela flecha em movimento e
fechava-se atrás dela, dando continuidade ao movimento, ou seja, a flecha era impulsionada
pelo próprio ar.
Buridan rejeitou a teoria de Aristóteles e desenvolveu uma versão modificada da física
do ímpetus, que já estava presente na época. Na visão de Buridan, o ímpetus não era algo que
se perdia, que durava um determinado tempo, mas sim algo que era permanente, ou seja, que
agiria até o instante em que aparecesse alguma resistência. Assim, o ímpetus aplicado a um
corpo geraria uma energia motora proporcional à velocidade e à massa mantendo o corpo em
movimento. Nicolau de Cusa (1401-1464) atribuiu o movimento das esferas celestes à ação
69
13
Por exemplo, Alberto Magno, Roger Bacon, Robert Grosseteste, Leonardo de Pisa, Mondinode Luzzi, Nicolau
Oresme, entre outros.
70
Terra esteja no centro da esfera das estrelas, veríamos metade da esfera das estrelas no céu
visível da noite. E esse fato realmente acontece, já que em qualquer noite, de horizonte a
horizonte, é possível observar, a cada momento, a metade do zodíaco. Se a Terra não ficasse
no centro, a observação da esfera das estrelas não seria igual, algumas vezes veríamos mais da
metade da esfera e outras vezes menos. Assim, “a evidência astronômica parece indicar que a
Terra está no centro da esfera de estrelas. E se ela está sempre nesse centro, ela não se move
em relação às estrelas (MARTINS, 1990, pg. 32)”.
As observações dos astrônomos da antiguidade pareciam indicar que todos os
movimentos celestes deveriam ser simples, já que as estrelas se movimentavam
uniformemente em círculos e o Sol tinha uma trajetória circular, em relação às estrelas,
embora seu movimento não fosse uniforme. A observação mostrava que todos os fenômenos
celestes, mesmo os planetas, pareciam ter ciclos periódicos como, por exemplo, as revoluções
dos planetas em relação às estrelas e a idas e retrocessos que ocorriam em intervalos
regulares. Segundo Martins (1990), talvez esses movimentos complexos fossem compostos
por movimentos periódicos simples, sendo o movimento circular uniforme o mais simples.
Portanto, é possível explicar todos os movimentos celestes a partir da composição de
movimentos circulares uniformes.
Destarte, os astrônomos se lançaram a procura de composições de movimentos
circulares uniformes que explicassem a movimentação dos astros observados no céu. O mais
famoso sistema antigo que usa esferas foi desenvolvido por Eudoxo de Cnidos e aperfeiçoado
por Calipo (MARTINS, 1990). A ideia consistia em pensar que cada astro está sobre a
superfície de uma esfera, concêntrica à Terra, girando com velocidade angular constante.
Cada esfera, todavia, está ligada por seus polos a outra esfera, cujo eixo está inclinado em
relação ao da primeira, girando com velocidade angular constante diferente da primeira
esfera. Essa segunda esfera estaria presa a uma terceira esfera e assim por diante.
Essa ideia pretendia explicar o movimento retrógrado dos planetas14, mas esse sistema
foi abandonado e substituído já que não era suficientemente prático e versátil como os outros
sistemas15. Assim, foi necessário introduzir artefatos matemáticos como os deferentes16, os
14
Quando observamos um planeta percebemos que em determinados pontos de sua órbita ocorre um
retrocesso, ele aparenta inverter seu movimento, e, em seguida, retorna novamente a mover-se na direção em
que estava.
15
Segundo Martins (1990), o sistema de Eudoxo conseguiu excelentes resultados para Saturno, Júpiter e
Mercúrio; bons resultados para a Lua; médios para o Sol e Vênus; e péssimos para Marte.
72
epiciclos17 para tentar salvar as aparências do sistema (KUHN, 1990) de forma a explicar, de
maneira satisfatória, o movimento dos planetas e o movimento retrógrado. Algumas vezes,
eram utilizadas esferas excêntricas para explicar os movimentos dos astros, mas a introdução
dessas esferas pode ter causado certa estranheza, pois o astro não teria como centro a Terra,
mas um ponto, denominado equante18, que não tem nada de especial. Essa ideia deve ter
parecido artificial já que: porque motivo um planeta iria girar em torno de um ponto fora da
Terra, um ponto artificial no qual não há nada de especial?
Todavia, apesar de pouco natural os excêntricos permitiam usar um número menor
para descrever o movimento dos astros. Por exemplo, no caso do movimento aparente do Sol
no céu, com apenas um excêntrico, sem utilizar epiciclos, era possível descrever seu
movimento anual com boa precisão.
É importante notar que o movimento dos astros é tão complexo que é necessário um
esquema tridimensional de círculos, ou seja, círculos em planos diferentes, para explicar
satisfatoriamente os fenômenos.
Ptolomeu trouxe uma grande síntese dessas ideias da astronomia grega em seu livro
Almagesto. Nele, dedicou-se a melhorar o sistema geocêntrico para explicar o movimento
retrógrado dos planetas, construindo figuras geométricas que reproduziam o movimento de
todos os corpos celestes conhecidos à sua época.
Ptolomeu diferenciou-se de seus predecessores em dois aspectos:
1) o uso totalmente livre de todos os tipos de recursos
matemáticos (excêntricos, epiciclos, equantes e etc.), sem
qualquer limitação de princípio em relação à simplicidade dos
movimentos básicos; 2) um maior sucesso na concordância
entre teoria e observação, graças a um maior cuidado nas
próprias observações utilizadas e a um feliz ajuste de
movimentos circulares, de vários tipos. (MARTINS, 1990, pg.
64)
Como salienta Martins (1990), a ciência de Ptolomeu é ciência do mais alto nível,
baseado em muitos dados, com excelentes descrições dos fenômenos e boas previsões. As
pessoas adotavam esse sistema por notarem seu enorme valor e por não existir uma alternativa
que o combatesse.
16
Círculo principal associado a cada astro que serve de base para o movimento de círculos menores. O centro
do deferente podia coincidir com o centro da Terra ou ele poderia ser excêntrico (não coincidem com o centro
da Terra).
17
Esferas menores que se apoiam sobre o deferente.
18
Ponto geométrico que não é o centro do círculo e nem o centro da Terra, em relação ao qual a velocidade
angular do movimento principal é uniforme.
73
Figura 13: (a) O sistema básico deferente-epiciclo. (b) O movimento aparente por ele
gerado no plano da eclíptica. (c) Uma porção (1 – 2 – 3 – 4) do movimento como visto por
um observador situado na terra central.
Fonte: KUHN, 1990.
19
Nesse sistema o Sol não está totalmente no centro de todas as órbitas, mas sim um pouco deslocado do
centro. Dessa maneira, esse sistema não seria totalmente heliocêntrico (como também os sistemas de Kepler e
de Newton), mas são, na realidade, um modelo heliostático. (HALL, 2007; MARTINS, 1990)
74
filósofos, mas não para os astrônomos já que do ponto de vista astronômico, era possível tanto
utilizar uma teoria geocêntrica quanto heliocêntrica. Como já enunciado, a teoria geocêntrica
tinha bons, e fortes, argumentos, cabendo à visão heliocêntrica de Copérnico não apenas
mostrar que ela é útil e adequada, mas também que a física seja compatível com essa teoria.
Copérnico não conseguiu fazer isso, já que fazê-lo exigiria substituir toda a física aristotélica
por outra.
Apesar de objetivar a simplicidade e a harmonia em seu sistema, Copérnico também se
utilizou de alguns artifícios matemáticos utilizados por Ptolomeu, ou seja, os epiciclos, para
estar em conformidade com os dados astronômicos da época. Assim, no sistema copernicano,
encontravam-se 34 círculos para explicar a estrutura do Universo, enquanto o modelo
ptolomaico requereria 80 círculos. Segundo Kuhn (1990), Copérnico seria considerado o
último ptolomaico, já que sua estrutura e pensamento ainda estavam entrelaçadas com as
Orbes e os epiciclos do modelo ptolomaico.
Copérnico tinha a ideia que seu sistema era perfeitamente coerente, uma vez que
envolvia todos os corpos celestes, coerência que ele não encontrava no sistema
ptolomaico.
O paradigma heliocêntrico não foi aceito de imediato e também teve que enfrentar
problemas e críticas. Problemas como:
1. A explicação das estações, que era mais simples no sistema ptolomaico, apenas
considerando o plano da órbita do Sol inclinado de um ângulo de 23,5°, enquanto que no
sistema heliocêntrico era necessário ter três movimentos da Terra para explicar esse
fenômeno;
2. No modelo de Copérnico Vênus deveria apresentar fases de variação em tamanho e
brilho. Isso não era observado a olho nu;
3. Outro problema era a ausência de paralaxe, ou seja, como a Terra girava em torno do Sol
deveria ocorrer certo deslocamento na determinação das estrelas quando observadas em
épocas diferentes;
4. O sistema ptolomaico, devido a séculos de aprimoramento, tinha melhores previsões e
descrições dos movimentos celestes, pelo menos logo após a publicação do De
revolutionibus;
5. Se a Terra se move por que o ar não se move produzindo um forte vento permanente para
leste?
76
O Universo de Copérnico ainda era um mundo fechado com a esfera das estrelas fixas,
sua concepção de espaço era finita e seu céu continuava sendo a morada de Deus. Seus
argumentos eram impregnados de elementos teológicos como, por exemplo, o Sol ser o centro
porque era um Astro dotado de perfeição, já que era fonte de luz. Enfim, reforçando o
argumento de Kuhn, Koyré (1973) diz que Copérnico não proporcionou uma revolução
completa, mas uma “meia-revolução”, cabendo a seus sucessores fazerem as mudanças mais
radicais.
A obra de Copérnico, no entanto, não iria atingir apenas a física, mas toda a
Weltanschauung (visão de mundo) renascentista. O sistema de Ptolomeu se apoiava
harmonicamente na física aristotélica, mas a cosmologia copernicana era incompatível com
essa física, requerendo, dessa maneira, uma nova física. A cosmologia copernicana não
mudou apenas a posição central da Terra com o Sol, mas abriu um caminho para críticas ao
tomismo por pensadores como Kepler, Descartes, Galileu e Newton.
Esses pensadores, assim como Thomas Digges, Giordano Bruno e, ironicamente,
Tycho Brahe20, articularam o paradigma copernicano para que se saísse vitorioso em relação
ao sistema ptolomaico.
O sistema de Ptolomeu continuou vigorando com força até meados de 1580, pois,
apesar do sistema de Copérnico ser mais bem definido esteticamente, “quase ninguém
acreditava que o sistema de Copérnico representava a estrutura real do cosmos” (ROQUE,
2012, pg. 294). Tanto que Copérnico era lembrado devido às suas compilações de tabelas
astronômicas do que ao seu sistema.
Uma passagem interessante do De Revolutionibus Orbium Coelestium que expressa o
que poderia ser considerado um momento importante em que o espírito científico caminha
para a matematização, antecipando, de certo modo, o mecanicismo, ao conceber o universo
como a máquina-mundo.
Portanto, após considerar longamente esta incerteza da matemática
tradicional, passou a intrigar-me o fato de que não existisse entre os filósofos
... uma explicação definida do movimento da máquina-mundo estabelecida
em nosso favor pelo melhor e mais sistemático dos criadores. (Apud
BURTT, 1983, p. 39).
20
Tycho Brahe não era a favor do Heliocentrismo, mas suas observações ajudaram Kepler na defesa desse
sistema.
77
Essa ideia também pode ser encontrada em Rheticus (1514-1574). Rheticus foi aluno
de Copérnico e publicou, no ano da morte de Copérnico, a obra de seu mestre, juntamente
com uma introdução sua, com o título Narratio Prima.
Na sua introdução, Rheticus esforça-se para provar que a teoria de Copérnico estava
de acordo com os princípios teológicos vigentes na época ao afirmar, por exemplo, a
circularidade uniforme das órbitas, da mesma maneira que Platão e os pitagóricos. Além
disso, ele ressalta a imagem de Deus como um relojoeiro, ideia que seria retomada por Kepler
que identificava o mecanismo da Machina Mundi àquele relógio (WOORTMANN, 1996).
A obra de Copérnico abriu um confronto de ideias, do qual pensadores fizeram parte
para a concretização da chamada revolução copernicana. Não irei, no entanto, discutir
exaustivamente cada pensador, mas focar nos pensadores que, de certo modo, são mais
importantes nessa época.
Johannes Kepler (1571-1630) foi um astrônomo, matemático e astrólogo que contribui
significativamente para essa revolução ao lançar leis para descrever os movimentos dos
corpos celestes. Em posse dos dados de observação de Tycho Brahe (1546-1601)21, foi
possível a Kepler quebrar mais significativamente os padrões epistemológicos e
metodológicos da Idade Média, substituindo-as por um modo diferente de conceber o cosmo.
Ou seja, busca-se expressões e leis matemáticas que visam explicar os fenômenos celestes
(MOURÃO, 2003).
Kepler estava comprometido em estabelecer uma relação entre a geometria e as
observações, em busca de harmonia cósmica matemática mais sofisticada que aquela buscada
e construída por Copérnico. Dessa forma, Kepler pode ser considerado, segundo Zanetic
21
Brahe foi um astrônomo e era um excelente observador, o que proporcionou ricos dados de observações que
ajudaram Kepler nas suas pesquisas. Brahe também criou um modelo hibrido do sistema copernicano e
ptolomaico, no qual o Sol e a Lua estavam em órbita em torno da terra, mas os planetas restantes estavam em
órbita em torno do Sol.
78
(2007), como um dos precursores da física teórica e experimental já que, embora tivesse
liberdade total para produzir teorias, estas precisavam estar de acordo com as observações.
Foi com Kepler que as influências ptolomaicas-aristotélicas, das quais Copérnico não
conseguiu libertar-se, foram, de certa forma, cortadas. Com os dados de Brahe, Kepler
conseguiu resolver o problema das discrepâncias entre a teoria e a observação dos planetas,
mudando o incômodo e criticado sistema copernicano para um sistema mais simples e exato
que conseguia calcular com maior precisão a posição dos planetas.
No entanto, Kepler ainda estava preso à hegemonia do círculo e da esfera o que o
levou a tentar acomodar seus dados e os de Tycho a órbitas circulares (ZANETIC, 2007).
Depois de várias tentativas, que duraram anos, parecia-lhe que tinha alcançado um ajuste
quase perfeito entre os dados e a órbita circular, um ajuste com uma diferença máxima de
menos de 8 minutos de arco.
Sua alegria durou pouco já que os dados de Tycho tinham uma precisão melhor do que
o desvio de 8 minutos, possuindo um desvio da ordem de décimo de grau. Kepler percebeu
que a órbita de Marte, o planeta no qual ele dispunha de mais dados e sobre o qual estava
trabalhando, não poderia ser circular.
Assim,
Tendo abandonado a ideia da órbita circular, Kepler começou a
trabalhar com uma forma bastante inusitada para quem era movido pela
busca da harmonia matemática: a oval. Após muitas tentativas de ensaio e
erro, Kepler finalmente abandonou a oval e passou a trabalhar com elipses
tendo o Sol localizado num dos focos (ZANETIC, 2007, p. 100).
Para explicar o movimento dos planetas Kepler criou duas leis22. A primeira diz que a
órbita dos planetas em torno do Sol não são esféricas, mas sim elípticas e o Sol está em um
dos focos. A segunda lei consiste no fato de que a velocidade orbital de cada planeta varia de
tal maneira que a reta que une o centro do Sol ao centro do planeta varre áreas iguais em
tempos iguais.
De certa maneira, essas leis colocavam em cheque alguns dogmas. Ao dizer que as
órbitas dos planetas são elípticas, Kepler derrubava a ideia de que os planetas se movimentam
em órbitas circulares, ideia que tinha explicação metafísica, ou seja, essa órbita era circular
porque o círculo era uma forma perfeita e os planetas estão no plano da imutabilidade e da
22
Kepler criou mais uma Lei conhecida como lei dos períodos. Essa lei diz que o quadrado do período de
revolução de um planeta é proporcional ao cubo da distância média dele ao Sol
79
perfeição. Da mesma forma, a segunda lei contesta a ideia de imutabilidade dos planetas ao
dizer que a velocidade desses astros não é constante.
Kepler era um homem religioso e não aceitou totalmente algumas de suas teorias,
tentando, durante algum tempo, usar a ideia da Santíssima Trindade para explicar suas
descobertas, mas decidiu abandoná-la (MOURÃO, 2003). No entanto, conseguiu descobrir
relações entre as velocidades dos planetas e as notas musicais, reavendo o pensamento grego
de Pitágoras sobre a musicalidade do cosmos.
Mesmo com o fundo religioso, segundo o qual Deus havia
racionalmente estabelecido uma escala das distâncias entre o Sol e os
planetas, a proposta de Kepler era essencialmente de natureza cosmológica.
O mundo devia apresentar uma organização racional e, para Kepler, não
bastava verificá-la empiricamente, era preciso justificá-la teórica e
teologicamente (MOURÃO, 2003, p. 46).
Mourão argumenta que a proposta de Kepler não era algo meramente astronômico,
mas essencialmente cosmológico, pois o cosmo, para Kepler, tinha uma organização racional
que garantiria a perfeita disposição das estruturas, cabendo ao intelecto explicá-las
teoricamente e teologicamente. Assim, mesmo a ciência caminhando para um entendimento
mais racional e quantitativo da natureza, a racionalidade ainda mistura-se com a religiosidade
e o misticismo.
Não estamos afirmando que os pensadores anteriores a Kepler eram totalmente
qualitativos e não utilizavam a matemática. Temos, por exemplo, na Grécia cálculos que
levaram à medida do tamanho da Terra, medidas relativas da Terra ao Sol e da Terra à Lua,
ou mesmo a fenomenal construção matemática do sistema ptolomaico. A questão é que a
matemática de Kepler não carrega somente “valores e medidas”, mas caracteriza-se por agir
racionalmente sobre a realidade e seu entendimento, prosseguindo na mudança como o
homem conceberá o mundo e a ciência.
Por sua ligação com a crença metafísica-religiosa, Kepler acreditava que o mundo não
foi criado ao acaso por Deus, mas que Ele criou o mundo, mesmo os humanos não
entendendo a razão que o levou a isso, utilizando uma estrutura objetiva que pode ser
entendida pela razão humana por meio de leis objetivas (BRANDÃO, 2003).
A utilização da matemática como forma de representar o mundo e utilização da
experimentação serão ingredientes incorporados de forma definitiva ao método científico
inaugurado por Galileu Galilei (1564-1642).
80
23
A invenção do telescópio é creditada a Hans Lippershey. Galileu apresentou um telescópio melhorado
conseguido por meio de experimentação e do polimento do vidro.
24
Kepler demostrou a inconsistência desse céu perfeito por meio da mudança do círculo para a elipse nas
órbitas dos planetas e Galileu trouxe a observação em favor do sistema copernicano.
81
Galileu, segundo Chatelet (1994), diz que, por mais complicado que seja um objeto
sensível, sempre existe a possibilidade, por meio da abstração mental, de reduzir o objeto
complicado a uma forma simples utilizando-se a força da análise. Assim, torna-se possível
modificar algo complicado em uma soma de n objetos mais simples. Desse modo, não há
pretexto algum para não geometrizar a natureza, o dado sensível. Se a realidade a ser estudada
for demasiada complicada, o esquema a ser tirado dela será complexo e, portanto, será
necessário mais objetos simples para explicá-la.
Se podemos calcular o volume das realidades simples, então também
podemos calcular o volume de qualquer objeto, por mais aparentemente
complicado que ele possa ser. Assim, Galileu propõe projetar toda a
realidade que se dá no espaço geométrico definido por Euclides e tornar
possível a sua matematização, tornando-o, desse modo, integralmente
transparente (pg.61).
Para Koyré (1992), a maneira como Galileu aborda a investigação sobre a natureza foi
fortemente influenciada por Platão e Pitágoras. Observa-se essa influência na importância que
Galileu confere à matemática como um instrumento para compreender a natureza. Nas
palavras de Galileu, encontrada em seu livro O Ensaiador:
A filosofia se encontra escrita neste grande livro, o universo, que
permanece constantemente aberto aos nossos olhos (isto é, o universo). Mas
o livro [da natureza] não pode ser entendido a menos que se aprenda
primeiro a linguagem e as letras no qual ele está escrito. Ele está escrito na
linguagem da matemática e seus caracteres são triângulos, círculos, e outras
figuras geométricas sem as quais é humanamente impossível entender uma
única palavra dele (Apud CHATELET, 1994, p. 59).
25
Foi um filósofo, poeta e teólogo que viveu na período renascentista (1568-1639).
82
compreender o mundo. Observa-se isso na passagem abaixo, presente no livro Dialogo sopra
i due massimi sistemi del mondo.
Tenho um pequeno livro que é menor que o de Aristóteles e de Ovídio, no
qual estão contidas todas as ciências, e com pouquíssimos outros estudos se
pode formar uma ideia bem feita: e isso é o alfabeto; e não há dúvida de que
aquele que souber combinar e ordenar bem esta e aquela vogal com essas e
aquelas outras consoantes obterá respostas muito verdadeiras para todas as
dúvidas e daí extrairá os ensinamentos de todas as ciências e de todas as
artes, justamente daquela maneira que o pintor partindo de simples cores
diferentes, separadamente colocadas sobre a tela, vai, com a mistura de um
pouco desta com um pouco daquela e de outras mais, figurando homens,
plantas, fábricas, pássaros, peixes e, em suma, imitando todos os objetos
visíveis sem que na tela apareçam nem olhos nem penas nem escamas nem
folhas nem seixos: antes é necessário que nenhuma das coisas a serem
imitadas ou certa parte delas estejam atualmente entre as cores,
querendo que com elas possam ser representadas todas as coisas, e que, se aí
estiverem , por exemplo, penas, estas só serviriam para pintar pássaros ou
penachos (CALVINO apud ZANETIC, 2007, p. 151).
Calvino (1993) apud Zanetic (2007)26, argumenta que o alfabeto, para Galileu, é o
mundo. Assim, quando se fala em alfabeto ele pretende um sistema combinatório em
condições de explicar toda a multiplicidade do universo. Além disso, nessa passagem vemos
Galileu fazer uma comparação com a pintura: a combinação das letras do alfabeto é análoga à
combinação das cores em uma tela. Assim, é necessário se recorrer à combinação de
elementos mínimos, como as cores simples ou as letras do alfabeto, para representar o real.
Galileu resgata a concepção de que a natureza seria concebida por meio de analogias
entre os fenômenos e leis e relações obtidas de forma idealizada. Desse modo, a linguagem da
natureza, por excelência, seria a geometria, sendo o mundo seu palco onde a inspiração e a
aplicação das leis e relações se dão. Nessa tradição, a matemática apresenta-se como o
revestimento de formas ideais, acreditando que ela estaria na própria essência da natureza.
Todavia, Galileu traz um ponto a mais quando apresenta o papel da matemática como
recurso do pensamento para sua estruturação teórica, ou seja, seria uma “tradução
matemática”, na qual o cientista seria tradutor da natureza por poder transitar entre as duas
vias: a natureza e a matemática. Assim, segundo Paty (1989)27 apud Pietrocola (2002, p. 93),
para Galileu a “Matemática era concebida como um conhecimento que permitia uma leitura
direta da natureza, da qual, precisamente, era a língua”.
26
CALVINO, Italo. Por que ler os clássicos, 1993.
27
PATY, M. 1989. Matéria Roubada, Edusp, SP, p. 234, 1995.
83
Em relação à segunda posição, há uma separação entre características que são próprias
da matéria, condições primárias, e não podem ser separadas dela, nesse caso, são os números,
as grandezas, as figuras, a posição e o movimento, e características que são secundárias,
produtos de nossos sentidos e que não são próprias do objeto como, por exemplo, sabores e
cores. Desse modo, segundo Banfi (1992), Galileu tenta isolar as características objetivas dos
objetos, que podem ser compreendidas sob a luz da razão, das percepções qualitativas e
subjetivas dos sentidos humanos.
Essas duas posições foram um importante passo para a unificação do sublunar com o
supralunar, mas ainda havia um problema que era necessário ser resolvido: como equiparar
formas geometricamente perfeitas, e abstratas, em um mundo em que os corpos terrestres
nunca assumem as formas perfeitas da geometria?
Galileu vai resolver esse problema dando ênfase na imutabilidade da matéria no
decorrer do tempo em oposição ao pensamento aristotélico que considerava a matéria
corruptível. Esse pensamento pode ter sido influenciado pela concepção atômica, segundo a
qual “tudo o que acontece deve ser entendido como efeito apenas das mudanças matemáticas
nesses corpos materiais” (BURTT, 1983, p. 78). Dessa forma, a imutabilidade e a
indestrutibilidade da matéria poderiam ter influenciado o pensamento de Galileu
Assim, partindo de uma identificação entre inalterável e eterna,
Galileu associa, na sequência, eternidade a necessidade, saltando da
necessidade física para a necessidade lógica – a partir daí, considera
satisfeitas, para a matéria, condições que são fundamentais para a
matemática, o que o leva a propor que esta possa ser tratada da mesma forma
que a razão humana opera com os objetos da geometria (DION, 2008, pg.
8).
84
Além disso, Galileu, segundo Koyré (1992), nega a abstração das noções matemáticas
e também o privilégio das figuras regulares, ou seja, no pensamento aristotélico, o mundo
terreno é irregular e mutável e, por isso, não era possível utilizar as formas abstratas e
perfeitas da geometria, mas Galileu ressalta que a matéria não é amorfa (ela tem uma forma
geométrica) e, embora as formas dos objetos não sejam perfeitas como as figuras geométricas,
Galileu acreditava que “uma esfera não é menos esfera por ser real: os seus raios não são
desiguais; senão não seria uma esfera. Um plano real – se for um plano – é tanto plano quanto
um plano geométrico: senão não seria um plano” (KOYRÉ, 1992, p. 352).
Galileu, enquanto partidário da geometria, deveria apoiar a causa da superioridade das
formas geométricas, mas enquanto observador da natureza ele recusa a ideia de uma perfeição
abstrata (CALVINO apud ZANETIC, 2007). Assim, ao invés de considerar a Lua como sendo
uma esfera perfeita, ele a “vê” como uma imagem de uma Lua montanhosa, áspera e desigual.
Galileu questionava-se por que uma esfera (ou pirâmide) deveria ser mais perfeita que
uma forma natural como, por exemplo, a de um animal ou uma planta. Acreditava que a
Terra, ou as coisas naturais, eram belas por essência, sendo a mutabilidade parte dessa beleza,
enquanto a possível imutabilidade da Terra era vista como inútil, morta, já que não permitia o
desenvolvimento das coisas, mas apenas a estagnação. Galileu discute essa questão no seu
livro Diálogo:
Não posso sem grande admiração, e direi grande repugnância para
meu intelecto, ouvir atribuições de grande nobreza e perfeição aos corpos
celestes e integrantes do universo por serem impassíveis, imutáveis,
inalteráveis, etc.: julgo a Terra nobilíssima e admirável pelas tantas e tão
diversas alterações, mutações, gerações, etc. que nela incessantemente
ocorrem; e quando, sem estar sujeita a nenhuma mutação, ela fosse toda uma
vasta solidão de areia ou massa de jaspe ou que, no tempo do díluvio,
congelando-se as águas que a cobriam se transformasse num globo de cristal,
onde não nascesse nem se alterasse ou mudasse coisa nenhuma, eu a
consideraria um corpanzil inútil no mundo, cheio de ócio e, para usar poucas
palavras, supérfluo e como se não estivesse na natureza e não faria diferença
entre estar viva ou morta; e o mesmo digo sobre a Lua, Júpiter e todos os
outros globos do mundo. (...) Esses que tanto exaltam a incorruptibilidade, a
inalterabilidade, etc. creio que se reduzem a dizer coisas pelo grande desejo
de viver muito e pelo terror que têm da morte; e não consideram que, quando
os homens fossem imortais não lhes tocaria vir ao mundo. Estes mereceriam
encontrar-se numa cabeça de Medusa, que os transformasse em estátua de
jaspe ou de diamante, para tornar-se mais perfeito do que são (CALVINO
apud ZANETIC, 2007, p. 154).
85
Galileu faz uma relação entre as figuras geométricas abstratas e a natureza de tal forma
que mesmo a natureza podendo ser irregular ela não seria imprecisa ou indeterminada, já que
o objeto mais irregular ainda possuiria uma forma geométrica que poderia ser comparada a
alguma figura geométrica (KOYRÉ, 1992). Assim, um objeto que seja irregular pode ser
considerado mais complexo que uma figura perfeita, mas podemos extrair dessa
complexidade alguma figura geométrica para compará-las rompendo, dessa maneira, a
distância entre a geometria e a mundo terreno. Galileu diz:
Assim como para querer que os cálculos correspondam aos açúcares,
às sedas e às lãs é necessário que o contador leve em conta a tara das caixas,
embrulhos e outras embalagens, assim também, quando o filósofo geômetra
quer reconhecer em concreto os efeitos demonstrados em abstrato, é
necessário que desconte os impedimentos da matéria: pois, se souber fazer
isso, asseguro-vos que as coisas corresponderão de modo não menos
ajustado que os cálculos aritméticos (GALILEU, 2004, p. 289)
Nesta parte, procurarei mostrar que a arte também foi influenciada pela busca por uma
harmonia matemática com relação à natureza, levando à criação de regras e leis próprias para
representar a natureza assim como ocorreu na física.
Podemos considerar a perspectiva28 como sendo um nome genérico de uma técnica
para representar objetos tridimensionais em planos bidimensionais, de tal forma que os
28
Segundo Fragoso (2005), o termo perspectiva já era utilizado na Idade Média, mas com um significado
diferente do atual. Esse termo designava o estudo da visão, compreendendo desde a natureza e o comportamento
da luz até a anatomia e funcionamento do olho humano. Desse modo, a perspectiva dizia respeito ao conjunto de
conhecimentos que hoje conhecemos como óptica e não à estratégia de representação do espaço em superfícies
bidimensionais, empregada no Renascimento.
87
objetos que ocupam planos mais distantes de um ponto associado ao olho de um observador
hipotético são representados menores que os objetos que estão em planos mais próximos.
Segundo Fragoso (2005, p. 17), podemos dizer que “nas imagens em perspectiva, a
profundidade do espaço tridimensional é representada a partir de um (convencional) encontro
das paralelas em um ou mais „ponto(s) de fuga‟”.
A quantidade de pontos de fuga em uma representação em perspectiva varia de acordo
com a posição do objeto que está sendo representado em relação ao plano de projeção (figura
15). É importante salientar que a perspectiva é uma ilusão para tentar conferir distância num
plano bidimensional. Na realidade, observamos esse encontro de paralelas por meio da visão,
mas não existe, realmente, esse encontro na natureza.
Figura 15- À esquerda, perspectiva com um ponto de fuga, ao centro, com dois pontos de
fuga, à direita, com três pontos de fuga.
Fonte: Fragoso, 2005.
entre o pintor e a cena representada, tem o efeito de “planificar” a visualização) (figura 17) até
os mais sofisticados (era equipado com uma porta móvel o que permitia uma melhor
comparação entre a imagem e o objeto) (figura 18).
Esses dois mundos, apesar de unidos, têm essências diferentes, enquanto o mundo
sublunar é o lugar em que os humanos, imperfeitos e mutáveis, vivem, o mundo supralunar,
constituído pelo éter, é a morada de Deus. Isso confere à esfera supralunar uma característica
divina que também é representada na pintura
Por exemplo, a obra Entrada em Jerusalém (Figura 19) de Duccio de Sienna (1255-
1319) traz algumas características da cosmologia aristotélica. A representação do céu como
sendo dourado está associada à riqueza material do ouro e, por um lado, corrobora a
ostentação da Igreja naquela época; por outro, o céu – a morada de Deus e o lugar onde as
almas boas desfrutariam da vida eterna – deve ser o que há de mais valioso a ser almejado
pelos homens de bem. Portanto, este céu estilizado, dourado, casa da vida eterna, é um céu
divino, eterno e justo.
colocação de auréolas de cores douradas ou amarelas sobre as cabeças sagradas era utilizada
para representar o divino, a conexão de Deus com a Terra.
Esse céu aristotélico perde seu caráter dourado, e, portanto, deixa de fazer conotação a
um lugar sagrado (a morada de Deus), quando Giotto di Bondone (1266-1337) o representa
como azul (figura 20). Giotto trouxe uma nova forma de representação para a arte, trazendo a
natureza e a humanidade à pintura, abrindo o caminho para o Renascimento (VENTURI,
1972). Apesar disso, o tamanho das pessoas ainda representava sua importância, assim como
a auréola sagrada era símbolo de divindade.
Segundo Caruso e Araújo (sd), uma civilização que representa o céu como sendo
dourado é incapaz de produzir uma revolução copernicana. Ou seja, o céu, quando perde sua
característica mística, deixa de ser um objeto de adoração e pode, desse modo, ser tratado
empiricamente.
No Renascimento, a pintura renascentista, influenciada pelo movimento humanista e
naturalista, tinha como característica o realismo, representação do espaço e do volume,
utilizando para esse fim a aplicação de princípios matemáticos e geométricos, como a
perspectiva científica, o estudo de proporções, o cálculo de dimensões aparentes e o claro-
escuro, aliadas a uma representação da natureza, animais e especialmente do homem. Desses
elementos técnicos nasce um espaço caracterizado por ser tridimensional, homogêneo e
infinito que, posteriormente, passou a ser explorado pela ciência.
Uma das tarefas mais importantes da filosofia e da matemática do
Renascimento foi a criação, progressivamente, das condições de um novo
93
Nota-se que o simbolismo da pintura medieval com seu céu e auréolas douradas não
estão mais presentes nessa obra, dando espaço para a representação de um céu azulado, que se
assemelha mais ao “real”. Um observador acostumado a obras medievais teria dificuldade em
decifrar a perspectiva na pintura e entender que o Cristo é menor que os demais personagens
devido a uma simples consequência do fato de o Cristo estar em um plano no fundo da cena
(CARUSO, 2010).
Segundo Queiroz (1995), os estudos sobre o espaço desenvolvidos a partir de
Brunelleschi e Alberti, e a ênfase atribuída à matemática por Leonardo, podem ser encarados
como uma transformação da matemática de simples elemento da cultura em uma nova forma
de entendimento da natureza.
O espaço representado nas pinturas renascentistas era construído com base em leis da
perspectiva geométrica. Com a perspectiva, há a possibilidade de se representar o céu como
sendo infinito, ideia, como já retratada no capítulo 2, que antecede a física, homogêneo e
isotrópico. Essa geometrização do espaço no Renascimento não trazia apenas um caráter
matemático, mas sim uma nova visão de mundo e de sua estrutura (REIS, 2002).
O que se observa nesse período é o reflexo de uma nova tendência de representar o
mundo no espaço pictórico, de tal forma que o plano deixa de ser apenas o veículo de uma
simbologia bidimensional, e começa a dar vida e significado ao espaço tridimensional. Esse
95
O arquiteto medieval devia colocar na sua obra meios pelos quais pode-se pressentir a
perfeição divina e conhecer sua verdade, mesmo que sem um rigor filosófico ou teológico.
Devido a isso, a arquitetura ocupa o lugar mais alto na hierarquia das artes já que o arquiteto
preside sua construção, tornando visível o princípio, a causa e a hierarquia da criação, assim
como Deus preside o mundo.
96
29
Palavra criada por Alberti que significa a disposição das partes de um modo subserviente ao todo.
“Mas há uma qualidade resultante da conexão e da união de todos os elementos: nela
resplende, admiravelmente, toda a forma da beleza. E nós a chamaremos de Concinnitas”
97
A beleza seria, de certa forma, uma harmonia matemática em que as partes que
formam o todo devem estar construídas segundo certa relação, uma ordem e uma simetria. E a
perspectiva auxilia para a obtenção de uma harmonia matemática e simetria na arte.
A projeção de cidades no Renascimento (figura 22), por exemplo, se concentrava na
forma geométrica devendo, na medida do possível, projetar as cidades com base em figuras
como o círculo, o quadrado, ou o polígono, sendo atravessada por uma geométrica rede de
ruas e caminhos. Segundo Brandão (1958), esse ideal de cidade renascentista não apresenta
mais o caráter estruturado e simbólico da cidade medieval e também deixa de lado a
heterogeneidade da espacialidade da arquitetura grega. Pelo contrário, pois
Em torno do ponto central [da cidade] desenvolve-se uma rede, na
qual se expressa o desejo de uma geometrização geral, cujas leis unificam e
cujas unidades espaciais básicas se repetem por todo o espaço, tornando-o
homogêneo (p. 59).
Figura 23: “Cidade Ideal”, Francesco di Giorgio, final do século XV. Staaliche
Gemaldegalerie, Berlim.
Assim:
A homogeneização espacial advinda da atuação de uma mesma lei
geométrica por todo o edifício, é uma das mais importantes características da
arquitetura renascentista, na medida que se opõe completamente à gótica e à
grega (p. 63).
30
Disponível em: http://www.milaonasmaos.it/tag/arte/. Acessado em: Janeiro de 2014.
100
Tomemos o exemplo da fachada da Santa Maria Novella (figura 25) para analisarmos.
No interior da igreja de Santo Spirito (figura 26), cujo projeto se deve a Brunelleschi,
podemos observar a perspectiva, a simetria e a dominância das linhas horizontais dos diversos
elementos. Nota-se que as linhas horizontais da igreja convergem num único ponto no fundo
do corredor, o altar, demostrando a utilização da perspectiva na elaboração do projeto. Além
disso, todo o projeto baseia-se na repetição de um simples quadrado e também conta com uma
cúpula que, como vimos, refletia a presença do divino na Terra.
Em seu ensaio, Galileu trata de problemas relacionados à tração nos quais a peça está
fixada na parte superior e esticada pela parte inferior por um peso. Sua ideia é que pode-se
adicionar peso indefinidamente até a ruptura do corpo, que ocorrerá quando sua “tenacidade”
e “coerência” são alcançados. A questão principal era saber qual a força responsável pela
resistência do material. Uma hipótese examinada por Galileu relacionava a resistência à tração
com uma “força do vazio” como se houvesse uma cola ou um material viscoso firmemente
que ligue fortemente as partes do corpo. Galileu percebeu que um fio de cobre suporta seu
próprio peso até um comprimento de 4801 codos (2400m) e tem uma resistência a tração
equivalente a 2160 kg/cm2, valores perfeitamente aceitáveis (CARNEIRO, 1964).
É importante destacar que Andrea Palladio foi o primeiro a declarar os três princípios
básicos a serem adotados no projeto de uma ponte: adequada, bela e durável (ACKERMAN,
1996). Assim, a construção de pontes começou a ganhar especial atenção, particularmente na
Itália, onde foi vista como elevada forma de arte.
104
7 Propostas de Atividades31
Problematização
Organização do conhecimento
31
Esse capítulo foi escrito no fututo já que foi um planejamento para as aulas que seriam lecionadas.
105
e matemático, seja por meio da perspectiva ou por uma harmonia cósmica matemática. Nessa
parte, discutiremos quais as regras que orientam o desenho em perspectiva.
Após isso, faremos uma atividade com um reticulado (figura 27), construído em
acrílico, no qual os alunos terão que utilizá-lo para desenhar em uma folha de sulfite um
objeto que se encontra na sala de aula. Essa atividade objetiva o contato do estudante com o
perspectógrafo, momento em que ele estará utilizando conceitos de perspectiva para a
transposição de um objeto tridimensional para um plano.
Em seguida, os estudantes criarão um projeto de uma ponte que ele imaginar (figura
28, por exemplo). Diferentemente de uma ponte de macarrão32, não proponho, a priori,
fazermos os cálculos para saber qual ponte é mais resistente, mas sim partir da criatividade do
aluno para que ele projete a ponte sem essa ser considerada certa ou errada. A construção
dessa ponte será feita utilizando palitos de churrasco e cola de contato como materiais33. Essa
proposta visa tanto a criatividade e imaginação do aluno quanto a criação de algo baseando-se
num projeto.
A discussão sobre estática dos corpos rígidos ocorre nessa etapa. Traremos os
fundamentos básicos como equilíbrio de forças, treliças e a tração e compressão de barras.
Figura 28: Exemplo de um projeto de uma ponte
Aplicação do Conhecimento
32
A ponte de macarrão é construída juntando-se macarrões para fazer as barras que serão coladas com algum
tipo de cola (Duperox, por exemplo) para juntar as barras. Sua construção só é iniciada após serem feitos os
cálculos para saber quantos macarrões em cada barra serão necessários para suportar uma força X.
33
Essa ideia não deu certo porque a ponte ficou extremamente frágil. Por isso, resolvemos utilizar macarrão e
Durepox.
107
8 Relato da experiência
Como apresentado no capítulo 2, a escola escolhida foi a E.E. prof. Claudinei Garcia,
na qual leciono. Em um primeiro momento, decidi trabalhar com o 1˚ ano A por ser a classe
mais receptiva e participativa nas aulas, além de ser aquela com menos estudantes do que as
outras turmas. Todavia, no decorrer do caminho houve situações que nos levaram a mudar a
sala do trabalho para o 1˚ ano D.
A primeira etapa do trabalho foi uma conversa com os professores de história e de
artes para saber se havia a possibilidade de fazermos um trabalho interdisciplinar. Para isso,
conversei com a professora de artes, Ana Maria, sobre o projeto, perguntando se haveria a
possibilidade de trabalharmos juntos, com ela ajudando com os temas relacionados ao período
renascentista como, por exemplo, a pintura e a arquitetura renascentista. Também expliquei
que seria necessária uma coleta de dados das aulas, podendo ser por meio de um vídeo das
aulas ou um relatório. Ela argumentou que não se sentiria bem tendo suas aulas gravadas e
preferia fazer um relatório. Por fim, ela concordou em participar do projeto pedindo apenas
uma cópia do texto do exame de qualificação para se inteirar melhor do tema. Ainda tivemos
mais um encontro na sala dos professores, no qual ela trouxe a ideia de fazer uma exposição
artística (com cartazes, músicas, poema, teatro e etc.) no pátio da escola no dia 25 de Outubro
de 2014 (Um dia letivo em que a escola providenciaria atividades com os pais) com o tema
envolvendo a física e a arte. Como tema de desenvolvimento do trabalho para a exposição, ela
propôs utilizar a figura de Leonardo da Vinci para discutirmos na sala de aula seus estudos
com os fenômenos naturais e seu trabalho com pinturas fazendo uma relação entre ambas
como, por exemplo, a importância do estudo da natureza para alcançar uma pintura mais real.
Considerei uma ideia válida para introduzirmos no projeto pelo fato de envolver um assunto
já presente nas atividades e nas discussões, além de envolver toda a escola e a comunidade
por meio da exposição.
Em seguida, foi necessário conversar com o professor de história, Steffano, sobre a
possibilidade do trabalho em equipe. A conversa deu-se da mesma forma que a anterior,
explicando o projeto, a participação dele no mesmo e também a exposição que pretendíamos
fazer. O professor ouviu atentamente e ao final disse que achava o trabalho muito interessante
e sabia a necessidade de passar por esse processo “chato e trabalhoso” para terminar o
109
mestrado. Em seguida, perguntou-me se ele não poderia apenas escrever o relatório para
ajudar no trabalho, mas sem fazer as atividades propostas, ou seja, fazer um relato fictício,
porque seria trabalhoso para ele participar da atividade.
Não concordei com sua participação nessas condições. Inicialmente considerei absurda
a posição do professor, porém descobri que ele tem um cargo na prefeitura de Barueri e outro
no estado de São Paulo, ambos concursados, e tem dias que ele trabalha manhã, tarde e noite.
Além desse excesso de trabalho, a escola pouco ajuda na questão de projetos
interdisciplinares, não proporcionando horários para os docentes se encontrarem para discutir
e elaborar projetos. Tanto que o tempo utilizado para falar do projeto era feito ou na hora do
intervalo ou nos corredores entre as aulas e somente quando tínhamos aulas no mesmo dia.
Talvez essas dificuldades desmotivem o desenvolvimento de um projeto interdisciplinar na
escola, pois aumenta a carga de trabalho de educadores que já trabalham em demasia.
Devido à situação apresentada acima, decidi mudar a classe na qual faria o trabalho, da
turma do 1˚ A para a do 1˚ D porque o professor Steffano é responsável pelo 1˚ A, enquanto
outro professor era responsável pelo 1˚ D. Assim, conversei com o docente Fábio para
explicar a proposta de trabalho. Felizmente, ele decidiu participar do projeto, pois estava em
seu planejamento começar o tema sobre a Idade Média e posteriormente o Renascimento no
primeiro ano. Foi decidido que ao final ele entregaria um relatório (Anexo C) referente às
aulas ministradas.
Por fim, conversei com o coordenador pedagógico sobre a possibilidade de o projeto
ser custeado pelo PRODESC (Projetos descentralizados). O PRODESC destina recursos
financeiros para custear e adquirir materiais para projetos que são aprovados pela seleção que
é feita todo o ano. O objetivo, segundo o site do PRODESC é que:
Os professores, a equipe escolar e a equipe do núcleo pedagógico
possam criar projetos que ampliem, enriqueçam, aprofundem temas em
estudo, e também beneficiem alunos com dificuldades de aprendizagem de
um determinado conteúdo escolar por meio do Programa denominado:
“Projetos Descentralizados nas Unidades Escolares dos Anos Iniciais,
Finais e de Ensino Médio” para dar suporte a essa metodologia de trabalho,
operacionalizada sob a forma de projetos. Nesse contexto, o papel do
educador/professor torna-se um fator determinante para o sucesso do projeto,
uma vez que ele atua como mediador entre o aluno e o conteúdo em estudo,
fazendo a gestão do espaço pedagógico (SÃO PAULO, 2015).
Para isso foi necessário escrever um projeto no formato pedido pelo PRODESC.
Depois de três retornos para eventuais correções, finalmente ele foi encaminhado para a
aprovação (Apêndice A) e liberação da verba. Após algumas semanas, a escola recebeu um e-
110
mail relatando a aprovação do projeto, mas, infelizmente, devido ao corte de orçamento, eles
estavam priorizando as escolas com baixa avaliação no IDEB e argumentaram que se sobrasse
alguma verba estariam destinando aos outros projetos. A escola ainda tentou entrar em
contato algumas vezes para saber se haveria a possibilidade da destinação da verba, mas não
obtivemos sucesso e decidimos pensar em outros meios para conseguir a verba.
Não bastasse o ocorrido, tivemos mais um contratempo. No final de 2013 o Governo
do Estado de São Paulo fez um concurso para contratação de professores, sendo a primeira
chamada feita em Fevereiro de 2014 e a segunda em Agosto. Na segunda chamada
escolheram a vaga de artes da escola, ou seja, a professora de artes Ana Maria, que era
temporária, perdeu as aulas para um efetivo. Tentamos adiantar o projeto, mas devido ao
planejamento das aulas e do calendário escolar isso não foi possível. A única alternativa era
conversar com a nova integrante da escola para saber se haveria a possibilidade de
trabalharmos juntos.
A professora Simoni assumiu as aulas e logo na primeira semana conversei com ela
sobre o projeto. Ela argumentou que poderia ajudar com algumas coisas, mas que preferia não
fazer a exposição artística, pois tinha acabado de entrar no Estado e estava em processo de
adaptação. Dessa forma, ela ficou responsável por lecionar os conteúdos referentes ao
Renascimento com foco na diferença com a arte da Idade Média. Ao final do projeto ela
entregou um relatório (Anexo B) das aulas ministradas.
1˚ Aula (02/10/2014)
“Eu acho que é igual ao que mostra na televisão. Os cientistas ficam no laboratório
descobrindo coisas novas para a gente usar.”
34
Apesar dessa parte burocrática estar presente em todas as aulas decidi omitir esse fato nos demais relatos
de aula.
111
2˚ Aula (03/10/14)
sujeira proveniente do rio, de entulhos no meio da rua e dos blocos que seriam usados na
construção e estavam na calçada atrapalhando a locomoção.
Em seguida, nos dispusemos em círculo para discutir como a física está presente no
cotidiano. Pedi que os estudantes pensassem em exemplos de situações do cotidiano que se
relacionassem com a física. As respostas foram exclusivamente baseadas em objetos como,
por exemplo, celular, computador, nave espacial, carro e etc. Continuamos com um diálogo
sobre a relação que os estudantes observavam entre a física e a ponte, do qual reproduzo
algumas respostas:
Aluno 1
“Acho que precisamos da física para construir uma ponte senão ela poderia cair.”
Aluno 2
“Quem faz a ponte não cair é o engenheiro e não a física. Os prédios também não
caem por causa da engenharia e não da física.”
Aluno 3
“Eu acho que a física está presente na ponte porque é por ela que os carros passam. E
os carros são feitos pela física.”
Aluno 4
“Acho que tem a ver com o tamanho da ponte. A gente precisa da física para fazer
pontes maiores.”
Após os comentários expliquei como a matéria sobre as Leis de Newton, vista por eles
nas semanas anteriores, tinha relação com a construção de pontes e de qualquer obra feita por
um engenheiro. Dessa forma, apesar de não ser o físico que constrói um prédio, a física está
relacionada indiretamente com a obra e com outras situações do cotidiano das quais não
percebemos.
Por fim, fizemos a leitura do texto “A Monalisa das pontes”. Para a leitura, utilizamos
um exercício teatral35, no qual os estudantes receberam uma cópia do texto e apenas um foi
convidado para começar a ler em voz alta enquanto os demais acompanhavam a leitura. Foi
35
Esse exercício pode ser encontrado na Dissertação de Mestrado “A presença do teatro no ensino de física” da
autora Oliveira, N. R. (2004).
113
estipulada duas maneiras para mudar o leitor: 1) Quando o estudante parasse a leitura outro
poderia continuar em seu lugar; 2) O leitor poderia ser interrompido por um colega que daria
continuidade à leitura. Nesse caso, o primeiro estudante tem que ficar em silêncio enquanto o
colega prossegue a leitura.
Infelizmente o exercício não saiu como o esperado. Quando iniciamos, o primeiro
estudante começou a leitura, mas ao terminar ninguém se propôs a dar continuidade e cerca de
5 minutos depois houve muitas risadas na sala. Observei o acontecimento nesse momento sem
intervir porque, naquele instante, o riso e o silêncio também foram uma forma de diálogo e da
turma absorver aquela novidade na aula de física. Passado o tempo de euforia, a calmaria foi
reinando na sala, abrindo espaço para trazer algumas instruções verbais como “Vamos
começar a focar na leitura do texto e prestar atenção na leitura do colega”, “Não precisa ter
vergonha se errar, vamos nos concentrar em fazer o melhor na leitura”, “Não fiquem com
medo de falar junto com o colega, apenas comecem” e, por fim, “Não se preocupe com o
silêncio, vamos nos concentrar na leitura”.
Essas instruções foram feitas ao longo da leitura, mas, de maneira geral, percebi que a
atividade causou certa estranheza nos estudantes, pois no início notava-se certo desconforto a
esse ato de se expor na leitura, mas, felizmente, próximo do final do texto havia mais
tranquilidade e fluidez no trabalho. Ao final da leitura, um estudante argumentou:
“Eu não entendi bem como funciona a sustentação dessa ponte. No texto diz: „A
estrutura da ponte é formada por três arcos que se apoiam mutuamente e sustentam a passarela
para pedestres. É o princípio da compressão dos arcos e estabelece que, quanto maior a
distância que separa os extremos de um arco, maior sua capacidade de suportar o peso. ‟
Como esse arco funciona?”
Nesse momento, a aula já tinha acabado e tivemos que continuar a discussão na aula
seguinte.
3 ˚ Aula (09/10/14)
A aula foi feita na sala de vídeo por causa da necessidade de utilizarmos o projetor
para a apresentação em power point. Após um tempo considerável para arrumarmos todo o
aparato tecnológico, comecei a apresentação com algumas fotos reais da ponte construída na
Noruega baseada no projeto de Leonardo da Vinci. Em seguida, partimos para a explicação
sobre os tipos de pontes e das forças de tração e compressão. Como cada tipo de ponte foi
utilizado em determinada época da humanidade, conseguimos resgatar a importância do
contexto sociocultural para a discussão explicando, por exemplo, que no Renascimento as
pontes deixaram de ser apenas uma construção e ganharam uma conotação artística, ou seja, a
estética ganhava um papel fundamental na obra.
Apesar de essa aula ser expositiva, tentamos ao máximo abrir o diálogo para os
estudantes participarem por meio de perguntas e opiniões, mas não houve um forte
envolvimento deles como nas aulas anteriores. A participação ficou restrita a perguntas sobre
pontos não compreendidos da apresentação.
4˚ Aula (10/10/14)
Argumentei que eles estavam acostumados com a divisão das matérias na escola
como, por exemplo, em português fazemos poemas e interpretamos textos, enquanto que em
física e matemática fazemos as contas. No entanto, no mundo essa divisão não ocorria, ou
seja, podemos pegar uma simples árvore que pode ser tratada em biologia, quanto em
português por meio de um poema ou um texto, assim como em física e em química,
compreendendo os processos que a envolvem e também em artes, compreendendo como a
árvore era representada na arte através do tempo. Também comentei como a física influencia
a sociedade abordando a questão da bomba atômica na segunda guerra.
Finalmente, prosseguimos a aula, ainda com algumas interrupções devido à dispersão,
mas, de maneira geral, conseguimos discutir todos os tópicos pretendidos no nosso
planejamento.
5˚ Aula (16/10/14)
6˚ Aula (17/10/14)
7˚ Aula (23/10/14)
No decorrer da aula, dois estudantes vieram mostrar o seu projeto e perguntar se ele
estava certo e se poderiam ganhar a competição com ele. Quando isso acontecia, instruía os
estudantes a não se preocuparem se o desenho estava certo ou não, mas fazerem o projeto que
o grupo decidiu por meio da discussão. Apesar de a palavra competição ter criado uma euforia
nos estudantes, ao final todos os grupos tinham feito seu projeto e entregue para iniciarmos a
construção.
Para a construção da ponte foram usadas duas aulas mais uma aula cedida pela
professora de artes. No decorrer das aulas não houve qualquer incidência de problemas, pelo
contrário, os estudantes estavam muito entusiasmados e focados no trabalho. Apenas um
grupo mudou seu projeto na aula por considerar o desenho feito por eles muito complexo e de
difícil realização.
Ponte 2
Ponte 3
Ponte 4
“Acho que o trabalho foi legal. Fizemos a ponte de macarrão e achei superdivertido.
Poderíamos ter mais atividades desse jeito.”
“Eu queria entender como a outra ponte foi melhor que a nossa. Por que ela aguentou
mais peso?”
“No começo, foi estranho porque não sabia porque estava fazendo essas coisas de
pontes e tal, mas no final, depois que construímos a ponte, percebi a ligação.”
“Também acho que a construção da ponte foi mais legal. Acho que a gente só deveria
ter feito a ponte e deixado o resto (risos).”
“Acho que algumas partes pareciam que a gente estava tendo aula com o professor
Fábio [de história] e acho que algumas coisas não são da física como você ter falado da arte
120
do Renascimento. Agora a parte da ponte e tal foi a mais legal porque parecia que a gente
estava sendo engenheiros e construindo coisas.”
“Acho que deveríamos ter mais aulas assim para construirmos coisas porque achei
divertido e o tempo passou rápido.”
“A parte da arte e obras eu achei muito “sem noção”. Poderíamos ter trabalhado a
ponte sem usar isso. Também não entendi algumas coisas porque foram passadas muito
rapidamente e não compreendi algumas ligações entre as aulas.”
“Eu gostei do projeto mais algumas partes foram realmente sem sentido como o
desenho da cadeira e mesa. E também acho que o projeto foi longo de mais para chegarmos
na construção da ponte, a melhor parte.”
“Um ponto diferente foi a leitura que fizemos do texto. Sempre tive um pouco de
vergonha de ler para classe quando o professor pede para ler algum texto, mas nessa leitura
me senti com menos vergonha. Parecia mais uma brincadeira que leitura.”
“Eu também concordo que a leitura do texto foi bem diferente do que fazemos na aula
de português.”
Devido a alguns alunos perguntarem para explicar melhor porque algumas pontes
aguentaram mais peso que outras, decidi lecionar uma aula extra sobre estática dos corpos
rígidos. Apesar de não termos um planejamento a priori, pois não pretendia colocar a
matematização nesse projeto, foi uma grande surpresa quando, no decorrer da aula, os
estudantes participaram da mesma. Comecei relembrando as leis de Newton, para depois
121
9 Análise
36
Alguns questionários respondidos pelos estudantes podem ser encontrados no anexo D.
123
“A física está presente na ponte pela sustentação dela. A sustentação funciona por
pilares e cordas que ficam embaixo ou em cima das pontes. Esses pilares e cordas seguram
todo o peso da ponte que é distribuído igualmente pela decomposição de forças para não
haver muito peso de um lado e a ponte cair.”
Dos outros cinco estudantes, um disse não saber a resposta, um não foi possível
compreender a escrita e os três restantes relacionaram a física com o momento da construção
da ponte como na resposta abaixo:
“A física está presente em toda a engenharia, principalmente na ponte já que para que
a estrutura aguente grandes massas, vários cálculos complexos devem ser feitos”.
manuais, desenhos, discussões e leituras. Relato essa possível conclusão devido à observação
da participação dos estudantes na construção da ponte e na aula, não programada na
sequência, de decomposição de forças, em que boa parte dos presentes em sala se esforçaram
para compreender o conteúdo. Além disso, em um diário de bordo encontrei uma parte de um
estudante que resume esse processo:
“Hoje, na aula do professor Kleber, aprendi a fazer decomposição de força para saber
como a ponte consegue se manter em pé mesmo com muito peso sobre ela. Apesar de achar
difícil a parte de contas eu entendi as aulas que tivemos até aqui. Entendi porque fizemos um
monte de coisa durante esse mês como a construção da ponte de macarrão.”
“Sim. Eu acredito que esse projeto contribuiu para percebemos como a física pode
estar em lugares que nem imaginávamos. Nas aulas aprendemos melhor como uma ponte
funciona através da física.”
3- Como você compreende o diálogo da física com a arte? Lembre-se de tudo que
trabalhamos nesse projeto.
125
Dois alunos não responderam essa questão, enquanto o restante afirmou haver um
diálogo entre a física e a arte.
“Eu compreendo que a física dialoga com a arte no Renascimento. Por exemplo, o
jeito de pensar da física influenciou os artistas na maneira como eles desenhavam.”
“A física está presente na arte quando precisamos projetar algo, pintar algo e criar
algo. Essas duas estavam presentes no Renascimento e o pensamento de uma modificou a
outra e o contrário também.”
“Nessa aula, aprendi que a física está presente em lugares que não imaginava. Aprendi
que ela influencia outras matérias como a arte e também que outras matérias influenciam o
modo de pensar da física. Hoje percebi que a ideia do geocentrismo influenciou a pintura e a
física e que no Renascimento o pensamento começou a mudar até o pensamento heliocêntrico.
Esse novo modo de pensar mudou a forma de se fazer física e arte.”
Após verificar as respostas dessa questão notei que a compreensão que a física está
relacionada com o contexto sociocultural no qual é produzida ficou restrito ao Renascimento,
ou seja, os estudantes podem pensar que essa relação com o contexto sociocultural só existiu
no Renascimento ou somente entre a física e a arte. Outro fato importante é destacar o grande
impacto da construção da ponte para os estudantes, pois, apesar da pergunta ser sobre o
diálogo entre a física e a arte, 9 estudantes utilizaram-se da construção da ponte nas suas
respostas.
já foi dito, a tentativa dos estudantes de formular uma resposta direcionada para o docente
com medo de uma possível avaliação. Além disso, outro ponto a ser destacado é a falta de
uma discussão mais elaborada no projeto sobre a especificidade de cada área do
conhecimento. Talvez, nas aulas, a ideia compreendida pelos estudantes foi da física e da arte
como sendo iguais e não como duas áreas que tratam da mesma realidade, inserida em um
determinado contexto sociocultural, mas cada uma com especificidade no modo como esse
conhecimento é construído.
“Nas aulas vi que a física e a arte são bem parecida porque elas conseguem tratar da
mesma coisa.”
“Sim. Acho que a física e a arte falam sobre uma mesma coisa no mundo.”
“Não podemos dizer que a física é a mesma coisa que a arte porque em uma aula
fazemos desenhos e em outra fazemos contas. A matéria que é ensinada também é diferente
em cada disciplina. Podemos dizer que há um diálogo entre essas matérias, ou seja, na ponte
de macarrão desenhamos nosso projeto e depois construímos ele e no fim aprendemos sobre
física da ponte. “
“A física não é a mesma coisa que a arte, mas essas duas matérias relacionam-se em
alguns pontos como no Renascimento, onde vemos a influência de uma na outra.”
“Esse projeto trouxe muitas coisas interessantes para mim. Sempre achei que a física
era contas e fórmulas, mas percebi nessas aulas que ela pode trazer outras coisas interessantes.
Um aspecto positivo que me chamou atenção foi a construção da ponte que fizemos no final
do projeto. Foi interessante passar pelo processo de projeto, criação e no fim testar nossa
criação. A competição foi outra atividade bem interessante e divertida porque nós pudemos
ver quanto nossas pontes aguentaram...”
“A atividade que fizemos com o texto foi um ponto positivo e os desenhos que
fizemos também foram.”
“A utilização do Renascimento nas aulas de Física foi interessante porque sempre via
essa matéria em História e Artes, mas nunca imaginei que ela também era da física. Acho que
essa utilização foi um ponto positivo pois possibilitou estudarmos mais profundamente o
assunto e com uma visão diferente da que estamos acostumados nas aulas de história e artes.”
Em relação aos pontos negativos, temos: 1) 7 disseram que algumas aulas foram
chatas por ser totalmente expositiva. 2) 2 comentaram a quantidade de tempo gasto no
projeto.
Por fim, no quesito sobre mudar ou tirar algo do projeto as respostas foram variadas,
dificultando a colocação delas em grupos, mas reproduzo aqui algumas impressões: 1) 4
comentaram que as aulas expositivas poderiam ser tiradas. 2) 3 queriam tirar a atividade com
o perspectógrafo porque eles não viram sentido nela. 3) 3 propuseram iniciar o projeto com a
construção da ponte. 4) 1 disse que seria interessante mostrar as relações da física com outras
áreas do conhecimento além da arte.
“O ponto negativo foi quando foi explicado a matéria sobre o Renascimento. Acho que
essa parte poderia ser retirada porque foi muito cansativa.”
“Para mim, a aula que fizemos o desenho em perspectiva foi desnecessário pensando
que apenas desenhamos uma cadeira nessa aula e não há utilizamos para nada na construção
da nossa ponte. Penso que se começássemos pela ponte seria mais interessante e legal porque
os alunos teriam mais interesse na física.”
128
Como a matéria sobre Leis de Newton foi trabalhada com os estudantes antes desse
projeto, algumas respostas trouxeram relações entre esse estudo anterior com o projeto,
principalmente porque na primeira abordagem não trabalhamos com decomposição de forças.
Do total, apenas 2 estudantes alegaram que o projeto não contribuiu, enquanto o restante
achou que essa abordagem ajudou no entendimento do conceito de força.
“Houve contribuição para eu entender o conceito de força porque entendi que a força
está presente em objetos do dia-a-dia.”
“Percebo que o projeto feito pelo prof. Kleber trouxe a matéria sobre força que já tinha
visto em aulas anteriores. Mas eu nunca imaginei que a gente poderia trabalhar essa mesma
aula de maneira diferente. Eu gostei e aprendi mais nesse projeto do que nas aulas que
tivemos antes dele.”
Podemos ver que as citações acima mostram que a abordagem serviu para ajudar os
estudantes a entenderem melhor e se interessarem pelo tema. Esse projeto possibilitou a eles
aprofundarem os conhecimentos sobre força, já trabalhados anteriormente, e visualizarem as
situações do cotidiano em que esse conhecimento estaria presente.
“Na época do Renascimento, houve uma grande mudança no jeito das pessoas
pensarem. Essa mudança no pensamento também trouxe mudanças na maneira como era feita
a física e a arte. A busca por uma ideia de mundo organizado atingiu as duas. Na física esse
pensamento permitiu o nascimento do Heliocentrismo e na busca por um mundo mais
matemático e na arte foi possível a utilização da perspectiva para criação de quadros e de
igrejas.”
obras que parecem mais com a realidade. Também foi utilizada na hora de construir edifícios
como a igreja.”
“Durante as aulas, discutimos sobre como uma ideia influencia diversas áreas,
mudando a maneira como o homem vê o mundo a sua volta. Isso também aconteceu na física
e na arte.”
Uma inquietação minha sobre esse projeto era como analisar, mesmo que de maneira
qualitativa, as atividades de desenho ou da construção da ponte. Será que podemos tirar
alguma informação sobre o pensamento dos estudantes por meio de um desenho ou do projeto
da ponte? A maioria da bibliografia encontrada nessa área é voltada à leitura e à interpretação
de desenhos infantis para compreender os processos de construção e significação de objetos o
que, de certa forma, não é útil para nossa análise. Todavia, após diversas tentativas trarei uma
análise dos projetos de ponte de macarrão baseados na ideia de equilibro encontrada no livro
“Arte e Percepção Visual: Uma psicologia da Visão Criadora” de Rudolf Arnheim.
9.2.1 Equilíbrio
Na figura abaixo (figura 29), temos um disco escuro sobre um quadrado. Para saber a
localização do disco, pode-se utilizar instrumentos como uma simples régua para saber a
distância existente entre o disco e as bordas do quadrado. Ao final, concluir-se-ia que o disco
se encontra fora do centro do quadrado.
No entanto, não seria preciso medir para chegarmos a essa conclusão, pois percebemos
apenas pelo ato de olhar que o disco está fora do centro. Será que ao vermos a figura
observamos primeiro o espaço entre o disco e a borda da esquerda e em seguida
transportamos essa distância apreendida para o outro lado e assim comparamos as duas
distâncias? Uma ideia no qual nos comportaríamos como instrumento de medida, segundo
Arnheim (1980), não seria o melhor procedimento.
132
Vendo a figura como um todo, pode-se notar, de certa forma, uma posição assimétrica
do disco como uma propriedade visual padrão. Assim, não se observa o disco e o quadrado
separadamente, mas sim suas relações espaciais com o todo. “Não se percebe nenhum objeto
como único ou isolado. Ver algo implica em determinar-lhe um lugar no todo: uma
localização no espaço, uma posição na escala de tamanho, claridade ou distância”
(ARNHEIM, 1980, p. 4).
No caso de dois discos num quadrado (figura 32), tem-se uma configuração mais
complexa do que a situação anterior. Nesse caso, se tomarmos isoladamente os discos da
figura 32a, eles parecerão em desequilíbrio, mas juntos formam um par simetricamente
localizado, estável. Todavia, o mesmo par pode parecer desequilibrado se deslocado para
outra posição (figura 32b). Os dois discos formam um par por causa da sua proximidade e
semelhança de tamanho e configuração e também por que são as únicas coisas presentes no
quadrado. Como os discos fazem parte de um par nossa tendência é observá-los como
simétricos, ou seja, eles têm valor e funções iguais no todo. No entanto, esse juízo perceptivo
conflita com outro, resultante da localização do par, ou seja, o disco de baixo está no centro
do quadrado, uma posição estável; enquanto o disco superior é menos estável. Dessa forma, a
localização cria uma diferença entre ambos, causando conflito com a paridade simétrica.
Apesar desse dilema não ter solução, percebe-se que
Mesmo o mais simples padrão visual é fundamentalmente afetado
pela estrutura do espaço circundante, e que o equilíbrio pode ser
perturbadoramente ambíguo quando a configuração e localização espacial
entram em contradição (ARNHEIM, 1980, p. 11).
37
Disponível em http://www.museumsinflorence.com :. Acessado em: Março de 2015
138
Por exemplo, na obra da Anunciação (figura 35), de El Greco, pintada por volta de
1600, o anjo é muito maior que a Virgem, mas esta desproporção simbólica é convincente
porque é determinada por fatores de compensação como cores e iluminação, pois, caso
contrário, o tamanho desigual das duas figuras não teria finalidade, e, consequentemente,
significado. ARNHEIM (1980) argumenta que “é apenas aparentemente paradoxal afirmar que se
pode expressar desequilíbrio somente por meio do equilíbrio, da mesma forma que se pode mostrar
desordem pela ordem ou separação pela ligação” (pg.14).
É claro que a simetria é só um fator a ser analisado na situação acima, já que se pode
aproximar os dois suportes de modo que a simetria do conjunto permaneça (figura 37), mas a
relação entre os suportes, e portanto a noção de equilíbrio, se altera. Outros fatores como a
distribuição de massa da prateleira, a resistência dos materiais e o tipo de suporte podem
alterar a localização dos suportes para obtenção do equilíbrio.
Todavia, dificilmente uma pessoa fará uma configuração em que haja quebra de
simetria como, por exemplo, na figura 38, pois assim perde-se a noção de equilíbrio das
partes. Se adicionarmos muito peso do lado direito poderá ocorrer quebra da prateleira.
A noção de simetria é tão intuitiva que desde a Antiguidade já era utilizada por vários
filósofos como, por exemplo, Anaximandro que resolveu o problema do porque a Terra não se
movia da sua posição utilizando o conceito de simetria: “A Terra está equilibrada sozinha,
sem ser sustentada por coisa alguma e permanece onde está por causa de estar equidistante de
todas as outras coisas” (Cohen & Drabkin 1958, p. 92 APUD Silva, 2006). Ou seja, supondo-
se que o universo é esférico e que a Terra está no centro do Universo, não há razão para que
ela se movesse.
Arquimedes, em seus estudos sobre estática, postulou: “Corpos de pesos iguais
localizados a distâncias iguais estão em equilíbrio e pesos iguais a distâncias diferentes não
estão em equilíbrio e se inclinam na direção do peso que está a maior distância” (Cohen &
Drabkin 1958, p. 186 APUD Silva, 2006).
Se aplicarmos essa ideia de Arquimedes para analisarmos uma balança de braços de
mesmo comprimento e pratos iguais (figura 41) parece-nos claro que a balança permanecerá
em equilíbrio se os pesos sobre os pratos forem iguais. Mas por que isso nos parece óbvio? A
resposta mais sensata seria devido a simetria do conjunto. Além disso, também nos parece
claro que ocorre movimento da balança apenas quando os pesos ou os braços das balanças são
diferentes. Novamente o motivo para acharmos isso óbvio está relacionando com simetria,
mas agora com a assimetria entre os braços ou os pesos.
10 Considerações Finais
Esta pesquisa teve como questão central trabalhar a temática sobre pontes utilizando-se do
contexto renascentista para apresentar as relações entre a física e a arte. Essa abordagem
enfatiza como a ciência e a arte estão inseridas na cultura e, por isso, representam a mesma
realidade, mas com linguagens diferentes. Quando o estudante compreende como duas áreas
do conhecimento, aparentemente distintas e incomunicáveis, se relacionam para construírem
visões de mundo bem próximas, sua compreensão da ciência muda de patamar. Assim, os
estudantes podem ter condições melhores de desenvolverem uma interpretação mais crítica e
reflexiva do mundo que os cerca.
A introdução do trabalho por meio da apresentação de um evento real, construção da
ponte, converge com nossa ideia apresentada no parágrafo anterior já que possibilita o
estudante ter um elo com o seu entorno, criando possíveis condições para desenvolver uma
reflexão crítica sobre o mundo. Além disso, a falta desse elo com a realidade pode fazer com
que o estudante compreenda a física como desnecessária na sua vida, ou seja, como se apenas
fosse uma matéria para se aprender com o intuito de passar de ano ou de conseguir a
aprovação no vestibular.
Após o desenvolvimento da nossa caminhada, compreendi a importância dessa pesquisa,
pois nas outras três turmas do primeiro ano, que não participaram do projeto, eu também
lecionei o mesmo tema, ou seja, estática dos corpos. Todavia, as aulas foram tradicionais, com
aula expositiva, exercícios e correção, possibilitando comparar, até certo ponto, alguns
aspectos dessas aulas.
Um aspecto tanto pessoal quanto por parte de cada estudante foi o envolvimento. Nas
outras turmas, que não participaram do projeto, o tema lecionado nas aulas foi apenas mais
uma matéria a ser estudada para prova e para mim apenas mais uma matéria lecionada e
anotada no diário. O envolvimento de ambos, educador e educando, foi restrita somente ao
conteúdo, ou seja, não houve nem diálogos reflexivos e críticos sobre o tema e nem troca de
experiência. Muitas vezes percebia que o estudante tinha decorado seja o método para o
cálculo seja a teoria, mas não compreendia seu real significado, aquilo não havia lhe tocado,
não tinha um significado em sua vida. E, no meu caso, percebia que estava ali apenas para
146
outro ano letivo. Talvez esse seja um daqueles momentos da escola que eles levarão para a
vida toda, guardando com muito carinho os diversos momentos.
Por meio da análise das aulas e do questionário, ficou bem claro que a parte prática da
construção da ponte foi o que marcou mais os estudantes. Tivemos a preocupação das etapas
anteriores à construção da ponte serem desconsideradas pelos estudantes, como se fosse
apenas algo supérfluo, visto a importância dada à parte prática. Felizmente, isso não
aconteceu. Analisando todo o material que obtivemos no decorrer dessa caminhada,
percebemos que os estudantes relacionavam a parte trabalhada em sala com a parte prática e o
inverso também ocorreu, a construção da ponte gerou curiosidades sobre o processo de
sustentação das pontes. Por isso, adicionamos uma aula sobre decomposição de forças no
nosso projeto já que, a priori, não pretendíamos utilizar a parte matemática nele.
A avaliação que os estudantes fizeram do trabalho permite discorrer um pouco sobre a
abordagem que escolhemos. A maioria apontou mais aspectos positivos do que negativos na
nossa abordagem, mas alguns pontos são interessantes de refletir como, por exemplo, as aulas
expositivas e algumas atividades sem significado. Também compartilho certa angustia sobre
esses pontos já que em certos momentos fiquei com a impressão que estava lecionando muitas
aulas expositivas e isso gerou certo desconforto. No entanto, compreendi que aulas
expositivas são necessárias no processo de ensino-aprendizagem, mas a maneira como ela é
direcionada pode definir uma educação que preza a transferência de conhecimento, educação
bancária, ou uma educação com diálogo horizontal entre educador e educando. Analisando
certos momentos de algumas aulas expositivas, confesso que parecia uma aula tradicional,
seja porque não havia participação dos estudantes quando se abria o diálogo, seja porque
realmente estava apenas passando conteúdo por meio de slides.
Em relação às atividades, a principal queixa foi sobre o desenho que os estudantes fizeram
utilizando o perspectógrafo. Compreendo essa atividade mais como uma vivência do processo
de utilização da perspectiva, por meio do perspectógrafo, que ocorreu no Renascimento, mas
após sua realização não houve grandes retomadas a essa atividade. Por isso, alguns estudantes
argumentaram que ela não era necessária e não houve sentido em fazê-la.
A sequência descrita neste trabalho foi construída com o intuito dos estudantes
trabalharem o tema proposto com um viés que prezasse a criatividade, a imaginação e a
experiência. Por isso, o diálogo entre nosso tema com a utilização do desenho, do jogo teatral
e da prática manual. Poderíamos ter trabalhado toda a sequência apenas de forma expositiva,
148
Acredito que, apesar de não ser o tema principal, este trabalho conseguiu apropriar-se
da interdisciplinaridade já que o tema gerador proposto foi discutido nas aulas de física, de
arte e de história, respeitado a especificidade de cada disciplina. Esse fato auxilia os
educandos a construírem, e reconstruírem, uma visão mais ampliada da realidade que os
cerca.
Por fim, compreendo esse projeto como um fomentador de reflexões para ambas as
partes, educador e educando. Como educando no sentido de propiciar um espaço rico em
possibilidades para que se discutam temas pouco trabalhados nas aulas e como educador por
permitir rever alguns conceitos, e preconceitos, sobre educação e ciência. Tenho convicção
que toda experiência aqui apresentada tocou de alguma maneira educandos e educador,
experiência que pode florescer somente no futuro como uma lembrança ou um interesse pelo
assunto.
150
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Koudela et Eduardo José de Almeida Amos, Coleção Estudos nº 62, Editora Perspectiva,
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Objetiva, 2010.
APÊNDICE A
Física sem fronteiras: O diálogo entre o imaginário, a física e as artes através da construção
de uma ponte de macarrão.
Justificativas
de exatas quanto da área de humanas, pois somente assim o aluno poderá compreender a
estrutura social e sua complexidade.
Desse modo, a elaboração de uma ponte de macarrão dialogará com o imaginário e a
criatividade do aluno, com processos históricos e sociais, mais especificamente na época do
Renascimento; e com o conteúdo do currículo do Estado de São Paulo.
Outra motivação para elaboração desse projeto se deve à dificuldade de assimilação do
conteúdo de mecânica, mais especificamente na estática, pelos alunos do ensino médio. A
priorização de resolução de dezenas de exercícios considerando-se geralmente os objetos
como sendo pontuais, de dimensões desprezíveis. Situações envolvendo aplicações práticas
da estática, em particular a estática dos corpos rígidos, de dimensões não-desprezíveis,
raramente são utilizadas. Assim:
As pontes de macarrão possibilitam a discussão sobre conceitos onde,
muitas vezes, os estudantes apresentam dificuldades para aprendizagem
como, por exemplo, as forças resultantes da interação entre dois planos e as
condições de equilíbrio. Além disso, as pontes de macarrão podem fazer com
que o estudante possa compreender as validades de alguns modelos
ensinados ao longo do Ensino Médio (MERIZIO, 2010, Pg 27.).
METAS
Quantificar o universo a ser atingido
160
O trabalho será realizado com uma turma do primeiro ano do ensino médio (1 A e 1 B)
pois será possível trabalhar os conteúdos de Mecânica (Leis de Newton e estática) que estão
relacionadas no currículo do Estado de São Paulo.
A meta que pretendemos atingir é de 70% dos alunos.
Em relação aos objetivos, são eles:
Compreender que a física faz parte de um contexto sociocultural
Compreender, em contato com situações reais, os conteúdos propostos (Leis de
Newton, Tensão e Compressão de Barras, força resultante e equilíbrio estático)
Desenvolver o imaginário e a criatividade.
PROCEDIMENTOS
Descrever como vai executar o projeto
A primeira parte terá um total de 4 aulas (Aulas de Artes e História) e será relacionada a
contextualização do projeto e a sua criação.
Na primeira aula, iremos entregar para cada aluno um artigo da Veja: “A Monalisa das
Pontes”. Esse artigo relata as diversas invenções que Leonardo da Vinci, na época do
Renascimento, projetou e que foram concretizadas séculos depois, dentre elas está a
construção da ponte que Leonardo da Vinci projetou em 1502 e que foi construída pela
Noruega em 2001 pelo artista plástico Vebjorn Sand.
Os alunos lerão o artigo e abriremos a aula para uma discussão dialógica com enfoque
nos seguintes pontos:
Qual era a área de trabalho de Leonardo da Vinci? Pintor, mecânico, biólogo,
físico, inventor e etc.?
Porque muitos projetos não foram concluídos naquela época?
A relação entre a ciência e as artes no Renascimento
Na próxima aula, iremos propor que os alunos montem grupos de 4 pessoas e projetem
em uma folha de sulfite uma ponte que eles irão, posteriormente, montar. Diferentemente de
161
outras competições de pontes de macarrão no qual são feitos os cálculos da força e depois
constroem a ponte, iremos partir do contrário, ou seja, iremos propor que os alunos projetem
sua própria ponte utilizando a imaginação e sem o auxílio de contas para que eles sintam a
dificuldade de se realizar o que está no papel.
O desenho da ponte terá que seguir as seguintes regras para que não haja desperdício
de materiais e pontes demasiadamente complexas:
1) A ponte poderá apenas ter barras retas. Não é permitido o projeto de ponte com
barras curvas.
2) Poderão ser usada no máximo 20 barras em cada lado da ponte.
A segunda parte está inteiramente mergulhada no criar. Essa parte terá de 2 a 4 a aulas
(aulas de Física, Artes e História) e será efetivada a construção das pontes de macarrão pelos
alunos. Nessa etapa, os alunos sentirão a dificuldade de transportar um projeto para a
realidade. Por fim, faremos o campeonato de pesos (com a participação da comunidade), no
qual a ponte que aguentar mais peso ganhará.
Nas duas próximas aulas, discutiremos a física (Leis de Newton, Tensão e Compressão
de Barras, força resultante e equilíbrio estático) e a matemática (trigonometria) por trás
das construções das pontes. Nessas aulas retomaremos tanto as discussões anteriores como
162
Na última aula, teremos uma atividade avaliativa que conterá exercícios sobre forças,
uma questão dissertativa sobre a ponte e o Renascimento e uma questão que trará três
figuras de pontes na qual os alunos terão que opinar qual ponte tem um melhor design e
porquê. A avaliação terá um caráter contínuo, não cabendo a essa atividade o valor de
todo o projeto.
Cronograma
Pré- Pós-
Aulas montagem Montagem Montagem
1° x
2° x
3° x
4° x
5° x
6° x
7° x
8° x
9° x
10° x
MATERIAIS
A sala tem em média 32 alunos. Serão formados grupos de 5-6 pessoas, totalizando
6/7 grupos. Para o projeto serão necessários:
Cada grupo usa aproximadamente 1 fita adesiva que servirá para juntar os 6 fios de
macarrão para formar a barra
Todos os materiais descritos, salvo as folhas sulfites, podem variar de acordo com a
sua utilização na confecção das pontes
Recursos Financeiros
7 Fitas Adesiva 12mm x 30m Flow Pack Transparente = R$ 18,34 (R$ 2,62 cada)
Bibliografia
do Mundo com Tintas, Palavras e Equações. São Paulo: Ciência e Cultura, 2005.
interdisciplinar entre as artes e a física do Século XVI ao XVII. Snef 2011, Manaus, AM.
ANEXO A
Juliana Saboia
Leonardo da Vinci realizou estudos em áreas tão diversas como anatomia, aeronáutica
e tecnologia bélica. Muitos de seus projetos acabaram catalogados como curiosidade e outros,
de tão grandiloqüentes, foram esquecidos e só agora começam a ser recuperados. Há um ano,
o inglês Adrian Nicholas construiu um pára-quedas projetado em 1485, usando o tipo de
material existente no tempo de Da Vinci. Esse ancestral do pára-quedas funcionou
perfeitamente num salto experimental na África do Sul. Há cinco anos, um empresário
americano bancou a fundição de um cavalo de bronze de 7 metros de altura, inicialmente
projetado para enfeitar um monumento à família Sforza, em Milão, que nunca foi construído.
De tão bonito, o cavalo atiçou a cobiça da prefeitura de Milão, que encomendou uma réplica
para instalar em um parque da cidade.
Fonte: http://veja.abril.com.br/141101/p_076.html
167
Anexo B
Quando falamos de história geral, um dos temas que geram mais dúvidas na cabeça do
estudante é Renascimento. Geralmente, os diversos livros sobre o tema fazem com que o
assunto fique mais complicado do que realmente é, impedindo a compreensão plena da
matéria. No conteúdo da aula foi explicado Renascimento de uma forma objetiva e direta,
com uma variedade de slides.
Assuntos abordados:
O ideal foi partir do conceito de Renascimento e do porque a Itália foi o berço deste
movimento artístico. Mas que o Renascimento foi além de artístico (pintura, escultura e
música) como também científico, literário e arquitetônico.
Fiz uma comparação entre o mundo medieval e o mundo renascentista para que o
aluno possa tirar suas próprias conclusões sobre as mudanças. Neste momento se torna
significativo analisar a questão econômica que estimulou o surgimento dos mecenas e
vincular as grandes navegações e a tecnologia para se descobrir a América, que foi
desenvolvida ou recriada neste período.
168
Abordei:
* Ideal Humanista
ANEXO C
Conteúdos previstos
Origem do Renascimento
Características e fatores
Crise política
A Guerra dos 100anos
Objetivos Específicos
Identificar relações sociais no próprio grupo de convívio, na localidade, na região e no
país bem como outras manifestações estabelecidas em diferentes tempos e espaços. Conhecer
e respeitar o modo de vida de diferentes grupos, em diversos tempos e espaços, em suas
manifestações culturais, econômicas, políticas e sociais, reconhecendo semelhanças e
diferenças entre eles.
Desenvolvimento
Os alunos tinham como objetivo estabelecer relações - não mecânicas - entre o
Renascimento cultural e as transformações socioeconômicas verificadas na Europa no início
da Idade Moderna. Dentro das limitações de um livro didático, procurou-se mostrar as
características particulares do Renascimento em outros países, além da Itália, onde o
movimento encontrou situação muito propícia para se desenvolver. Tratou-se também do
Renascimento nas ciências, não menos importante que o artístico. O conteúdo iniciou-se com
as características do Renascimento, que foram dispostas em tópicos (humanismo,
racionalismo, otimismo etc.), mas lembrou-se aos alunos que essa divisão é apenas um
recurso didático para facilitar a compreensão, e que essas características não devem ser
buscadas esquematicamente nas obras e no pensamento renascentista, uma vez que elas se
associam e se influenciam mutuamente.
170
ANEXO D
Estudante 1
171
172
Estudante 2
173
174
Estudante 3
175
176
Estudante 4
177
178
Estudante 5
179