Teoria Da Dependência - Theotônio Dos Santos

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Teoria da Dependência – Theotônio Dos Santos

I – Teoria da Dependência: um balanço


• Nestes anos de crise, a economia americana incorporou o fordismo como regime
de produção e circulação ao mesmo tempo em que a revolução científico-
tecnológica se iniciava nos anos de 1940. A oportunidade de um novo ciclo
expansivo da economia mundial exigia a extensão destas características
econômicas ao nível planetário. Era esta a tarefa que o capital internacional
assumia tendo como base de operação a enorme economia norte-americana e seu
poderoso Estado Nacional, além de um sistema de instituições internacionais e
multilaterais estabelecido em Bretton Woods.

• Implantada elementarmente nos anos 30 e 40, a indústria nos principais países


dependentes e coloniais serviu de base para o novo desenvolvimento industrial
do pós-guerra e terminou se articulando com o movimento de expansão do
capital internacional, cujo núcleo eram as empresas multinacionais criadas nas
décadas de 40 a 60. Esta nova realidade contestava a noção de que o
subdesenvolvimento significava a falta de desenvolvimento. Abria-se o
caminho para compreender o desenvolvimento e o subdesenvolvimento
como o resultado histórico do desenvolvimento do capitalismo, como um
sistema mundial que produzia ao mesmo tempo desenvolvimento e
subdesenvolvimento.

• Se a teoria do desenvolvimento e do subdesenvolvimento eram o resultado da


superação do domínio colonial e do aparecimento de burguesias locais desejosas
de encontrar o seu caminho de participação na expansão do capitalismo mundial;
a teoria da dependência, surgida na segunda metade da década de 1960,
representou um esforço crítico para compreender a limitações de um
desenvolvimento iniciado num período histórico em que a economia mundial
estava já constituída sob a hegemonia de enormes grupos econômicos e
poderosas forças imperialistas, mesmo quando uma parte delas entrava em crise
e abria oportunidade para o processo de descolonização.

• Paradigma modernizante vs. Enfoque da dependência – desenvolvimentismo


x teoria da dependência → Paradigma dominante

• Ideias centrais da escola da dependência: I) O subdesenvolvimento está


conectado de maneira estreita com a expansão dos países industrializados; II) O
desenvolvimento e o subdesenvolvimento são aspectos diferentes do mesmo
processo universal; III) O subdesenvolvimento não pode ser considerado como
a condição primeira para um processo evolucionista; IV) A dependência, não é
só um fenômeno externo mas ela se manifesta também sob diferentes formas
na estrutura interna (social, ideológica e política).

• A escola da dependência pode ser dividida, para fins teóricos, em quatro


vertentes: I) A crítica ou autocrítica estruturalista dos cientistas sociais ligados à
CEPAL que descobrem os limites de um projeto de desenvolvimento nacional
autônomo; II) A corrente neo-marxista que se baseia fundamentalmente nos
trabalhos de Theotônio dos Santos, Rui Mauro Marini e Vânia Bambirra; III) A
corrente neo-marxista que se baseia fundamentalmente nos trabalhos de
Theotônio dos Santos, Rui Mauro Marini e Vânia Bambirra; IV) André Gunder
Frank representaria a cristalização da teoria de dependência fora das tradições
marxista ortodoxa ou neo-marxista.

• O autor cita vários pensadores latino-americanos cuja importância pode ser


sintetizada por: A acumulação destas e outras propostas metodológicas na
região refletiam a crescente densidade de seu pensamento social que
superava a simples aplicação de reflexões, metodologias ou propostas
científicas importadas dos países centrais para abrir um campo teórico
próprio, com sua metodologia própria, sua identidade temática e seu
caminho para uma práxis mais realista. Onde, a teoria da dependência
tentou ser uma síntese deste movimento intelectual e histórico.

• A crítica de Caio Prado Jr. ao conceito de feudalismo, por exemplo, foi um dos
pontos iniciais das batalhas conceituais que indicavam as profundas implicações
teóricas do debate que se avizinhava. Ao negar tal conceito, nega-se também a
necessidade de uma revolução burguesa. Pois, a definição do caráter das
economias coloniais como feudais serviam de base às propostas políticas que
apontavam para a necessidade de uma revolução burguesa na América Latina.

• Nega-se o conceito de feudalismo porque, produto da expansão do capitalismo


comercial europeu no século XVI, a América Latina surgiu para atender as
demandas da Europa e se insere no mundo do mercado mundial capitalista. A
América Latina é, portanto, uma extensão capitalista onde se realiza a
acumulação primitiva para se exportar aos países centrais. Nas palavras de
Frank, é um sistema de expropriação de excedentes econômicos gerados nos
mais recônditos recantos deste mundo

• A América Latina surge como economia mercantil, voltada para o comércio


mundial e não pode ser, de nenhuma forma, identificada com modo de produção
feudal. As relações servis e escravistas desenvolvidas na região foram parte pois
de um projeto colonial e da ação das forças sociais e econômicas comandadas
pelo capital mercantil financeiro em pleno processo de acumulação - que Marx
considera primária ou primitiva essencial para explicar a origem do moderno
modo de produção capitalista. Estas formações sociais de transição são de difícil
caracterização.

• O debate sobre o feudalismo se desdobrou imediatamente no debate sobre a


burguesia nacional. Tratava-se de saber até que ponto o capitalismo da região
havia criado uma burguesia nacional capaz de propor uma revolução nacional
democrática. Outra vez Frank polarizou a discussão com sua negação rotunda do
caráter nacional das burguesias latino-americanas. Formadas nos interesses do
comércio internacional, elas se identificavam com os interesses do capital
imperialista e abdicavam completamente de qualquer aspiração nacional e
democrática. Vários estudos mostravam os limites do empresariado da região:
pouco conhecimento da realidade política do país, pouca presença junto ao
sistema de poder, pouco conhecimento técnico e econômico, falta de uma
postura inovadora e de uma vontade de opor-se aos interesses do capital
internacional que pudessem prejudicar o empresariado nacional.

• O enorme crescimento industrial logrado de 1955 a 1960 aumentou as


contradições socioeconômicas e ideológicas no país. O caso brasileiro era o
mais avançado no continente e não assegurou um caminho pacífico. A
burguesia brasileira descobriu que o caminho do aprofundamento da
industrialização exigia a reforma agrária e outras mudanças em direção à
criação de um amplo mercado interno e à geração de uma capacidade
intelectual, científica e técnica capaz de sustentar um projeto alternativo.
Tais mudanças implicavam no preço de aceitar uma ampla agitação política
e ideológica no país que ameaçava o seu poder.

• O golpe de Estado de 1964 cerrou a porta ao avanço nacional-democrático e


colocou o país no caminho do desenvolvimento dependente, apoiado no
capital internacional e num ajuste estratégico com o sistema de poder
mundial. “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. A
fórmula do General Juracy Magalhães, ministro de relações exteriores do
regime militar consolidava esta direção. Por mais que os anos posteriores
tenham demonstrado o conflito existente entre os interesses norte-
americanos e os interesses do desenvolvimento nacional brasileiro, não foi
mais possível romper esta parceria selada com ferro e fogo no assalto ao
poder de 1964.

• Luta de classes: Não era possível, portanto, desprezar a luta interna gerada pelo
avanço da industrialização nos anos 30. E a constatação da capitulação final da
burguesia nacional não anulava totalmente seu esforço anterior. Camadas da
tecnocracia civil e militar, setores de trabalhadores e da própria burguesia nunca
abandonaram totalmente o projeto nacional democrático. Mas ele perdeu seu
caráter hegemônico apesar de ter alguns momentos de irrupção no poder central
durante a ditadura. Nos anos de transição à democracia, na década de 80, este
projeto reapareceu no Movimento pelas “Diretas Já”, voltou a influenciar as
eleições locais e marcou político e ideológico com a formação do chamado 28
“centrão” durante a fase final da Constituinte e, sobretudo a constituinte de
1988. Contudo, a reorganização dos setores hegemônicos da classe dominante
permitiu-lhes à retomada do controle em 1989, com a vitória eleitoral de
Fernando Collor, e encontrou um caminho ainda mais sólido com a aliança de
centro-direita que venceu as eleições de 1994, com Fernando Henrique Cardoso
na presidência.

• Fernando Henrique Cardoso fora um dos que demonstraram em 1960 a


debilidade da burguesia nacional e sua disposição em converter-se em uma
associada menor do capital internacional. Ele foi também um dos que
observou o limite histórico do projeto nacional-democrático e do populismo
que o conduzia.

• Desde de 1974, como o mostramos no nosso artigo sobre sua evolução


intelectual e política, (ver Dos Santos, 1996) Cardoso aceitou a
irreversibilidade do desenvolvimento dependente e a possibilidade de
compatibilizá-lo com a democracia representativa. A partir daí, segundo
Cardoso a tarefa democrática se convertia em objetivo central da luta
contra um Estado autoritário, apoiado sobretudo numa “burguesia de
Estado” que sustentava o caráter corporativo e autoritário do mesmo.
Segundo ele, os inimigos da democracia não seriam portanto o capital
internacional e sua política monopolista, captadora e expropriadora dos
recursos gerados nos nossos países. Os seus verdadeiros inimigos são o
corporativismo e uma burguesia burocrática e conservadora que, entre
outras coisas, limitou a capacidade de negociação internacional do país
dentro do novo patamar de dependência gerado pelo avanço tecnológico e
pela nova divisão internacional do trabalho que se esboçou nos anos 70,
como resultado da realocação da indústria mundial.

• Adesão ao Consenso de Washington em 1989 teve como contrapartida → A


América Latina entrou assim num novo patamar de relacionamento internacional
caracterizado por moedas fortes (princípio quebrado no México no final de
1994), pela estabilidade monetária e a estabilidade fiscal obtida com a
privatização das empresas públicas e o corte de gastos estatais. Este caminho de
submissão estratégica crescente, seguido pelas burguesias latino-americanas,
parece confirmar as previsões mais radicais sobre seu caráter “entreguista” e
“comprador”.

• A revolução científico técnica aumenta a exportação industrial dos países


periféricos, ao passo em que os países centrais começam a exportar
tecnologia de ponta. Em outras palavras, como previsto por Theotônio, a
“evolução” da pauta de exportação não fez os países periféricos mudarem
de lado. Uma das consequências disso é o brain-drain, pois não há como
absorver mão-de-obra qualificada numa economia dependente.

• Ao lado dessas tendências, prossegue a penetração do capitalismo nas zonas


rurais, expulsando mais e mais população para os centros urbanos. A
urbanização se torna cada vez mais metropolização e “favelização”, isto é,
marginalidade e exclusão social, que assume muitas vezes o caráter de um corte
étnico, o que explica a força das reivindicações étnicas nos centros urbanos da
região. De fato, o renascimento da questão indígena e dos movimentos
negros sob novas formas cada vez mais radicais, são uma expressão desta
situação.

• É assim [com as políticas econômicas de valorização de suas moedas


nacionais] que, ao escaparmos dos juros altos internacionais (hoje
extremamente baixos) caímos na trampa dos juros altos internos. O Estado
se converte em prisioneiro do capital financeiro, afogado por uma dívida
pública em crescimento exponencial, cujo serviço não deixa mais nenhum
espaço para o investimento estatal, e também, cada vez menos para as
políticas sociais e mesmo para a manutenção do modesto funcionalismo
público da região.

• O conteúdo de classe do Estado faz-se pois, mais evidente ainda. Ele se põe
completamente a serviço do grande capital financeiro subordinando cada
vez mais os outros setores da burguesia. Ele se vê obrigado a abandonar o
clientelismo e o patrimonialismo das antigas oligarquias através do qual o
Estado atendia às suas famílias e a uma vasta população de classe média.
Ele corta também as aberturas realizadas pelo populismo aos dirigentes
sindicais e outras entidades corporativas. Não há dinheiro para ninguém
mais - a fome do capital financeiro é insaciável. As políticas de bem-estar
voltadas para os setores de baixa renda e para a previdência social também
se vêem definitivamente ameaçadas.

• ASEAN – condições para o desenvolvimento

• Mas o que ressalta sobretudo é a questão metodológica. Mais do que nunca a


problemática do subdesenvolvimento e do desenvolvimento tem de ser analisada
no processo de evolução do sistema econômico mundial. Nele, persiste a divisão
entre um centro econômico, tecnológico e cultural, uma periferia subordinada e
dependente e formas de semiperiferia mais dinâmicas.

II – O debate sobre a dependência


• Para compreender a evolução da teoria da dependência é necessário tomar em
consideração sua enorme difusão e, em seguida, os mais diversos ataques que
esta teoria sofreu nas décadas de 70 e 80.

• Anos 70, 80 e a propagação da escola da dependência: a teoria da


dependência ganhava assim uma avassaladora influência na região latino-
americano e no Caribe; nos Estados Unidos, na África e na Ásia aprofundava
seu campo de influência através da teologia da libertação. Na Europa, a mesma
teoria encontrava eco na esquerda revolucionária, na esquerda do socialismo e
da social-democracia. Ela influenciou pesquisas de grande valor como as
realizadas pelo Starnberg, Institute, em Starnberg sobre a nova divisão
internacional do Trabalho, por teóricos espanhóis, alemães, franceses e ingleses.
Entrou também nos países nórdicos ao influenciar as pesquisas para a paz.

• Mas era na América Latina que os estudos sobre a dependência avançavam por
toda parte, não estando estes isentos de críticas oposicionistas, principalmente a
partir da segunda metade da década de 70 e se aprofundando na década seguinte.

• Vânia Bambirra e a anticrítica, respondendo às críticas à escola da dependência


que incorporavam refutações a argumentos por ela nunca defendidos.

III – A globalização e o enfoque do sistema mundo

• A teoria da dependência seguia e aperfeiçoava um enfoque global que pretendia


compreender a formação e evolução do capitalismo como uma economia
mundial, incorporando elementos de análise presentes na teoria do imperialismo
desde sua formação, como com Rosa Luxemburgo, por exemplo. Raul Prebisch
já falava nos anos 50, da existência de um centro e uma periferia mundial, tese
que ele aperfeiçoará na década de 70 sob a influência do debate sobre a
dependência.

• O enfoque do Sistema-Mundo busca analisar a formação e a evolução do modo


capitalista de produção como um sistema de relações econômico-sociais,
políticas e culturais que nasce no fim da Idade Média européia e que evolui na
direção de se converter num sistema planetário e confundir-se com a economia
mundial. Este enfoque, ainda em elaboração, destaca a existência de um centro,
uma periferia e uma semi-periferia, além de distinguir, entre as economias
centrais, uma economia hegemônica que articula o conjunto do sistema.

• Desta forma, a evolução do capitalismo é vista como uma sucessão de ciclos


econômicos, articulados com processos políticos, sociais e culturais.

• Ciclos de Arrighi →genovês, holandês, britânico e ianque. Giovanni Arrighi


(1995) analisa a relação destes ciclos com os principais centros financeiros que
terminaram se transformando em centros hegemônicos aliados com centros
comerciais.
• Uma característica importante das análises do sistema mundial é a negação das
interpretações do mundo contemporâneo baseadas na bipolarização do pós-
guerra, vista como uma relação entre dois sistemas econômicos de poder
paralelo. Os vários teóricos do sistema mundial insistiram sempre na existência
de um só sistema econômico mundial, neste período, de caráter capitalista e sob
hegemonia norte-americana. A evolução da economia soviética e do bloco de
nações a ela mais ou menos ligadas não havia sido capaz de sair do contexto
determinado pelo sistema mundial capitalista.

• Proposta de Theotônio para o desenvolvimento de novas teorias sociais: A teoria


social deve se desprender de sua extrema especialização e retomar a tradição das
grandes teorias explicativas com o objetivo de reordenar o sistema de
interpretação do mundo contemporâneo. Esta reinterpretação deve superar
sobretudo a ideia de que o modo de produção capitalista, surgido na Europa no
século XVIII é a referência fundamental de uma nova sociedade mundial. Este
fenômeno deve ser visto como um episódio localizado, parte de um processo
histórico mais global que envolve a integração do conjunto das experiências
civilizatórias numa nova civilização planetária, pluralista e não exclusivista,
baseada na não subordinação do mundo a nenhuma sociedade determinada. A
formação e evolução do sistema mundial capitalista deve orientar a análise das
experiências nacionais, regionais e locais buscando resgatar as dinâmicas
históricas específicas como parte de um esforço conjunto da humanidade por
superar a forma exploradora, expropriatória, concentradora e excludente em que
este sistema evoluiu. Neste sentido, a evolução da ciência social deve ser
entendida como parte de um processo mais global da relação do homem com a
natureza: a sua própria e a do cosmos.

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