Artigo Reflexoes
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ISSN 2238-6408
Resumo: Dado a enorme importância dos escritos sobre a biologia filosófica para a
compreensão da obra de Hans Jonas, este artigo tem como objetivo abordar as principais
reflexões do autor sobre o fenômeno da vida.
Abstract: Due the enormous importance of the writings on philosophical biology for the
understanding of the work of Hans Jonas, this article aims to address the main author‟s
reflections on the phenomenon of life.
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PUC - Rio, Mestre em Filosofia pela - PUC - Rio, Doutoranda em Filosofia pela PUC – Rio
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Introdução
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“espiritual” inerente a tudo que vive. Na visão do autor, uma ontologia que pretende dar conta
da manifestação do ser vivo não pode negligenciar o dado imediato do corpo. Tampouco não
considerar a dimensão interior que nos concerne como compartilhada pelos demais seres
vivos.
Uma filosofia da vida compreende a filosofia do organismo e a filosofia do
„espírito‟, Esta é em si a primeira proposição da filosofia da vida, de fato sua
hipótese, (...). A afirmação do escopo expressa não menos a argumentação
que o orgânico mesmo na sua forma mais ínfima prefigura „espírito‟, e o
„espírito‟ mesmo em sua capacidade mais elevada permanece parte do
orgânico. (JONAS, 2001, p. 1).
Desta maneira, Jonas desenvolve uma nova ontologia que tem por objeto a reflexão
sobre os fenômenos inerentes a todos os seres vivos, desde sua forma mais simples, a qual
possui a esfera de percepção e de ação limitada ao processo metabólico, até a complexidade
da relação do ser humano com o mundo. A tese central de sua ontologia é que a liberdade se
manifesta em níveis crescentes na esfera da vida. E cabe ao filósofo da vida pensar a liberdade
inerente ao ser orgânico, já que “é a tarefa de uma biologia filosófica acompanhar o
desenrolar dessa liberdade germinal nos níveis ascendentes da evolução orgânica” (JONAS,
2001, p. 83).
Metabolismo e liberdade
Jonas introduz uma nova perspectiva sobre o conceito de liberdade ao considerá-lo
como princípio da existência do ser orgânico. O autor não se detém na questão sobre o que
ocasionou o surgimento da vida. Para a sua análise fenomenológica, basta o aparecimento da
vida, pois isto, na sua visão, assinala um salto de liberdade em relação à matéria inanimada.
Do ponto de vista fenomenológico, segundo o autor, a “liberdade tem que designar um
modo de ser capaz de ser percebido objetivamente, uma maneira de existir atribuída ao
orgânico em si” (JONAS, 2004, p.13). Este modo de ser próprio do orgânico se manifesta,
primordialmente, na sua intencionalidade e percepção do meio para a realização da ação
primordial do metabolismo.
Hans Jonas considera a liberdade como um princípio inerente a todos os seres vivos na
medida em que mesmo os organismos mais simples possuem algum tipo de percepção do
meio, ao menos uma mera irritabilidade. Da mesma maneira, todos os seres orgânicos
possuem a capacidade de poder executar uma ação, já que o metabolismo é considerado pelo
autor como a ação primordial pela manutenção da existência.
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identidade do ser vivo como sendo de uma natureza interna ou intensa. Os conteúdos
materiais, que sofrem constantes mudanças no organismo, são, conforme Jonas, estados da
identidade na duração. A identidade orgânica, assim, está implícita na forma orgânica, que por
sua vez, mantém o indivíduo na existência por ser o elemento de liberdade manifestado pela
capacidade de efetuar a troca material com o ambiente.
Jonas claramente retoma os conceitos aristotélicos de matéria e forma 2para a
interpretação fenomenológica da vida. Porém, o autorse utiliza destes conceitos sob a ótica da
evolução das espécies em contraste com a concepção de mundo antiga, onde as formas ou
essências eram tidas como fixas.
Alguns autores sustentam que na perspectiva aristotélica, o princípio de individuação é
a matéria dado a permanência desta na mudança (conceito ligado à noção de movimento), ou
seja, a matéria não se transforma em outra coisa, ela permanece enquanto a forma se altera.
Para Jonas, o princípio de individuação é creditado à forma pois, no caso dos seres vivos, a
forma é o que permanece enquanto a matéria é transitória. “Somente com a vida que a
diferença entre matéria e forma, que em relação às coisas inanimadas é uma distinção
abstrata, emerge como uma realidade concreta (JONAS, 2001, p. 80).
Como filósofo do seu tempo, Hans Jonas mantinha um diálogo com as ciências e, ao
que tudo indica, acompanhava as descobertas científicas pertinentes ao seu trabalho.
Naturalmente, sua biologia filosófica está dialogando com os pressupostos biológicos da
ciência.
Isto nos leva a crer na possibilidade de Jonas ter vislumbrado a forma orgânica como
princípio de individuação dos seres vivos a partir da leitura da teoria da evolução das espécies
e, também, da constatação científica sobre a transitoriedade dos elementos materiais que
“passam” pelo metabolismo.
Outra constatação interessante feita pela ciência, que parece ter sido incorporada ao
pensamento do autor, se refere ao fato de que ao longo da vidade muitas espécies há uma
quase completa renovação celular. Porém, o autor alerta que a forma orgânica não pode ser
considerada simplesmente como uma identidade na qual o conteúdo material é trocado
constantemente sem finalidade alguma. Pois, para Jonas, o ser vivo possui uma identidade
dinâmica onde a mudança material é necessária como parte de sua identidade. “De fato, ao
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Para Aristóteles a realidade é composta fundamentalmente de matéria e forma. A matéria é o princípio
de individuação na medida em que dois indivíduos de uma mesma espécie possuem a mesma forma, porém, se
diferenciam em relação à matéria. Matéria e forma não podem ser dissociadas, a matéria é sempre matéria de
alguma coisa.
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invés de dizer que a forma viva é a região de trânsito da matéria, seria genuíno dizer que os
conteúdos materiais na sua sucessão são fases de trânsito para a auto continuação da forma.”
(JONAS, 2001, p. 80).Este aspecto essencial da teoria jonasiana da forma orgânica está em
total conformidade com a teoria evolucionista das espécies. Apesar de, no entanto, o autor
criticar a concepção de uma evolução desorientada das formas vivas.
Jonas considera que o esforço para se manter na existência deve ser compreendido
como indício de uma identidade interna a cada ser vivo, dado o que ele chama de “auto
isolamento” da forma viva do resto da realidade.
Profunda unicidade e heterogeneidade dentro de um universo de existência
homogeneamente interligada marca a individualidade do organismo. Uma
identidade a qual de momento a momento reafirma a si mesma, realiza-se a
si mesma e desafia as forças „igualizantes‟ da uniformidade física do todo é
realmente confrontada com o resto das coisas. (JONAS, 2001, p. 83).
Isto quer dizer que para haver a relação de “liberdade na necessidade” do organismo
com o mundo é necessário existir alteridade, é necessário haver diferença para que a relação
se estabeleça.
O desafio da individualidade qualifica tudo isto para além do organismo
como externo e de alguma maneira oposto: como „mundo‟, no qual, pelo
qual e contra o qual ele é comprometido a manter-se a si mesmo. Sem essa
contrapartida universal da alteridade não haveria „eu‟. E nessa polaridade do
eu e do mundo, de interno e externo, complementando a de forma e matéria,
a situação básica de liberdade com toda sua ousadia e angústia é
pontecialmente completa. (JONAS, 2001, p. 83).
Evolução
Hans Jonas aponta três principais observações sobre atributos essenciais que já
estariam presentes nos níveis elementares de vida e que podem servir de base para uma
reflexão apurada sobre a evolução:
Primeiramente, a natureza dialética da liberdade orgânica, que mesmo com sua
necessidade correlativa, a nutrição em nível elementar, possui a potência de transformar sua
matéria. “(...) esse aspecto duplo se mostra nos termos do metabolismo: denotando, do lado da
liberdade, a capacidade da forma orgânica nomeadamente mudar sua matéria, metabolismo
denota igualmente a irremissível necessidade para fazê-lo” (JONAS, 2001, p 83).
Em segundo, a necessária relação da forma viva com o mundo, a dependência material
de algo que se encontra externo ao organismo, retratada pelo autor como “abertura para o
encontro do ser exterior”6 (JONAS, 2001, p.84).
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Essa “abertura ao encontro”, de acordo com Jonas, é a uma das bases da existência
orgânica, ou seja, ela possibilita a constante troca material com o ambiente feita através da
atividade metabólica.
Isto seria também um fator importante no processo evolutivo na medida em que a
relação do organismo com o „mundo‟ possui, além da dependência, um elemento de
possibilidade. Pois, sendo o „mundo‟ o lugar da experiência imediata do organismo, ele é “um
horizonte de co-realidade escancarada pela mera transcendência da falta que amplia o
isolamento da identidade interna em uma circunferência correlativa de relacionamento vital”
(JONAS, 2001, p. 84).
E por fim, há a subjetividade do organismo envolvida na sua relação com o mundo, no
sentido de o organismo ser uma entidade que possui intencionalidade.
Se chamamos isto de sentimento de interioridade, sensibilidade e resposta a
estímulos, apetite ou nisus3 - em algum (mesmo infinitesimal) grau de
„consciência‟ abriga apreocupação suprema do organismo com seu próprio
ser e continuação em ser (...)” (JONAS, 2001, p. 84).
Os três pontos colocados por Jonas claramente atribuem à forma orgânica o papel
preponderante na evolução das espécies, ao contrário da concepção moderna que, segundo o
autor, traça a imagem de um processo “quase mecânico” e cego na natureza.
A forma orgânica, assim, possuiria desde o princípio a potência para evoluir e a
intencionalidade de se manter na existência, em sua aventura em um mundo de dependência e
possibilidades.
Nos seres vivos, a natureza faz saltar uma surpresa ontológica na qual o
mundo acidental das condições terrestres traz à luz uma inteira nova
possibilidade de ser: sistemas de matéria que são unidades da multiplicidade,
não em virtude de uma percepção sintetizante cujo objeto sejam eles, nem
pela mera concorrência de forças que os vinculam às suas partes, mas em
virtude deles mesmos, em consideração a eles mesmos e continuamente
sustentado por eles. Aqui a unidade é auto integração em performance ativa,
e a forma, de uma vez, é a causa em vez do resultado da compilação material
na qual ela sucessivamente subsiste. Unidade aqui é auto-unificante por meio
da mudança na multiplicidade. Uniformidade, enquanto ela dura, é a
perpétua auto-renovação pelo processo suportado pela mudança da
alteridade. (JONAS, 2001, p. 79)
Assim, a emancipação da matéria „pura‟ para matéria viva marca uma revolução
ontológica onde se manifesta a liberdade primordial da forma. O surgimento da vida, seu
desenvolvimento e aprimoramento demonstram, segundo Jonas, que está na liberdade da
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Palavra latina que significa esforço mental ou físico para atingir um fim: um desejo de
aperfeiçoamento ou esforço.
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Transcendência e Teleologia
Jonas considera que o entendimento sobre teleologia pode se dar de duas formas: a
teleologia como sendo um “modo causal da natureza mesma” (JONAS, 2001, p. 34), isto é, a
teleologia como imanente ao ser vivo. Ou a teleologia transcendente, que exige
necessariamente um agente exterior a si mesmo com um propósito definido a ser executado.
O autor observa que o banimento do telos na natureza foi muito mais uma questão de
método do que propriamente a descoberta da não validade deste princípio. “A exclusão da
teleologia não foi um resultado indutivo, mas uma proibição a priori da ciência moderna”
(JONAS, 2001, p. 32).
Essa proibição, conforme o autor, foi motivada pela rejeição do aristotelismo ocorrida
no século XVII, momento no qual as causas finais passaram a não ter mais espaço como
modus operandi na natureza, pois “a teleologia contradiz o tipo de ser pressuposto nos
possíveis objetos da ciência natural e, também, o conceito de causa próprio destes objetos”
(JONAS, 2001, p. 34).Jonas, então, contradizendo a explicação moderna estritamente física
das causas, propõe que consideremos a teleologia como imanente ao ser vivo, já que
permanecer na existência seria seu fim último.
No entanto, o ser vivo que luta para continuar existindo é também dotado de um
elemento de auto transcendência, que em um nível primário diz respeito à falta orgânica, a
necessidade de nutrição. É de extrema importância ter em mente o significado de
transcendência para Jonas: “por transcendência da vida queremos significar o seu desfrutar de
um horizonte, ou horizontes, além de seu ponto de identidade” (JONAS 2001, p. 85).
De acordo com os atributos apontados por Jonas como pontos relevantes à reflexão
sobre a evolução das espécies, esta auto transcendência da forma viva se dá na “abertura
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Em: Groves, C. (2010) "The Futures of Causality: Hans Jonas and Gilles Deleuze", in Causality and
Motivation, PhilosophischeAnalyse, vol. 35. Ed. Ontos Verlag, pp. 151-170.
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A partir da relação transitória da forma viva com sua matéria, Jonas traça dois
horizontes básicos aos organismos: o tempo biológico e o espaço biológico.
O tempo biológico consiste em um direcionamento interno do organismo que visa à
próxima fase do ser na medida em que sua intencionalidade o impulsiona a continuar
existindo.
Sendo, assim, o anseio em permanecer na existência é o elemento primordial que faz
do futuro a dimensão temporal biológica. “Segue-se que, no horizonte interno estendido pela
autotranscedência do „agora‟ orgânico no processo de sua continuidade, a antecipação
enquanto futuro iminente no apetite é mais fundamental que a retenção do passado na
memória” (JONAS 2001, p. 86).
Já o espaço biológico é caracterizado pelo direcionamento externo em relação ao
copresente que detém a matéria relevante à continuidade do organismo. Ou seja, o espaço
biológico se constitui na presença de algo queinteressa ao organismo como potencialmente
seu. Conforme Jonas, isto significa que o organismo se projeta para o exterior.
Para o autor, só existe o horizonte externo do espaço biológico porque primeiramente
existe o horizonte interno do tempo biológico. “Assim, a vida está direcionada para adiante e
para o exterior e se estende „além‟ da sua própria imediaticidade nas duas direções. De fato,
ela visa para o exterior somente porque, pela necessidade da sua liberdade, ela visa para
frente” (JONAS, 2001, p. 85).
Jonas discorda da concepção linear de tempo em relação ao desenvolvimento e
manutenção da vida. Segundo ele, o padrão linear de tempo no qual o futuro é uma
consequência causal do passado não se aplica ao dinamismo da esfera orgânica.
Podemos compreender esta colocação levando em consideração a sua concepção de
futuro como tempo preponderante na esfera biológica, na medida em que, no caso dos seres
vivos, a temporalidade é de ordem intensa e o espaço de ordem extensa. Assim sendo, o autor
inverte a relação temporal de causa e abre uma nova possibilidade de se pensar a teleologia.
(...) enquanto a mera externalidade é, ao menos pode ser apresentada como,
totalmente determinada pelo o que isto foi, a vida é essencialmente também
o que isto vai ser e apropriadamente devém: neste caso, a ordem extensa do
passado e do futuro é intensivamente revertida. Esta é a raiz da natureza
teleológica ou finalista da vida: finalismo é, em primeiro lugar, um caráter
dinâmico de um certo modo de existência, coincidente com a liberdade e a
identidade da forma em relação a sua matéria, e somente em segundo lugar
um fato da estrutura ou da organização física, como exemplificado na
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Considerações finais
A solução apresentada por Jonas com a sua ontologia do fenômeno da vida afirma o
valor de toda e qualquer manifestação da vida na medida em atribui uma finalidade intrínseca
a todos os seres vivos. Os organismos possuem fim em siporque se esforçam para perseverar
na existência.Neste sentido, o organismo viveuma dimensão temporal onde o tempo
prevalecente é o futuro, já que os seresvivos estão sempre antecipando tendências a fim de
continuar existindo. Assim, a temporalidade orgânica, além de servir como sustentação
paraatribuir um fim em si aos seres vivos, também serviu de base para Jonas pensar avida do
ponto de vista da evolução das espéciesJonas acredita que sua biologia filosófica é apenas o
começo de uma tarefa maior, a qual envolve a revisão do sentido de vida proposto pela
modernidade. O autor ressalta que, sem tal revisão, é muito difícil pensar em uma nova
filosofia do homem e mesmo uma nova filosofia da natureza.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GROVES, C. The Futures of Causality: Hans Jonas and Gilles Deleuze. In:Causality and
Motivation. Hessen: Roberto Poli, Ontos Verlag, 2010;
JONAS, H. Philosophical Essays: From ancient creed to technological man. New York:
Atropos, 2010;
OLIVEIRA, J. Por que uma ética do futuro precisa de uma fundamentação ontológica
segundo Hans Jonas. Revista de filosofia Aurora. Curitiba, v.24,n.35, pp 387-416, 2012.
Disponívelem:http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/maio2013/filosofia_arti
gos/jelson_eticadofuturo.pdf. Acesso em 24 de junho de 2014.
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