A Gênese Do PET
A Gênese Do PET
A Gênese Do PET
Alline Fernandes Corrêa – PET Arquitetura, UFMG, Bolsista (DEPEMSESuMEC)
Celina Borges Lemos (orientadora) – PET Arquitetura, UFMG, Tutora (DEPEMSESuMEC)
RESUMO
1
Este trabalho, parte integrante da pesquisa “PET UFMG 19852005: seu legado e sua história” ,
concentrase em historiar a concepção do Programa de Educação Tutorial, com o intuito de
Treinamento, o PET foi diretamente inspirado em um experimento acadêmico da Faculdade de
Ciências Econômicas da UFMG, o Sistema de Bolsas, criado em 1954. Neste artigo traçamos
um paralelo entre os princípios do Sistema de Bolsas da FACE e a proposta original do PET,
conforme instituído em 1979 pela CAPES.
INTRODUÇÃO
como um programa de investimento acadêmico destinado a formar lideranças intelectuais, uma
"elite" dentro da universidade brasileira que, segundo a perspectiva de seu criador, carecia de
enclaves de qualidade em tempos de massificação. Cláudio de Moura Castro, diretor geral da
CAPES entre 19791982, participou de um experimento acadêmico denominado “Sistema de
Bolsas” na transição dos anos 50 e 60, durante a sua permanência na FACE – Faculdade de
Ciências Econômicas da UFMG. Pelos seus resultados em termos de qualidade acadêmica, e
1
Pesquisa realizada em cumprimento das atividades do PET Arquitetura da UFMG no período 2005/2006. Cf.
CORRÊA, Alline Fernandes. PET UFMG 19852005: seu legado e sua história. Monografia. Belo Horizonte: Escola
de Arquitetura da UFMG, 2006.
expressivo sucesso nos exames de pósgraduação a que seus egressos se submeteram, o
modelo do Sistema de Bolsas tornouse para Castro uma referência original para programas de
excelência no ensino superior brasileiro. Após ter contato com outras experiências de
brasileiras a adotarem programas parecidos ao Sistema de Bolsas, porém sem êxito: “todos
achavam a idéia ótima mas diziam que sem recursos públicos, nada feito” (CASTRO, 200,
p.6). Ao tornarse dirigente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
– CAPES, Castro dispunha de meios suficientes para criar, no ano do início de sua gestão, o
pregação não levaram a nada. Como diretor da CAPES, com um canetaço, crio um programa”
(p.7).
INSPIRAÇÃO: O Sistema de Bolsas da FACEUFMG (1954)
Faculdade de Ciências Econômicas – FACE, ocupou a diretoria desta instituição entre 1946 e
1960 em sucessivas reeleições. Nesses primeiros anos, quando "tudo estava por fazer", prof.
Yvon fazia planos para que a Faculdade se tornasse um verdadeiro instituto de educação e de
pesquisa – quando a Faculdade era ainda conduzida por um corpo docente pouco
especializado nas disciplinas que lecionava, assim como se dava nas tradicionais escolas de
comércio. Diante dessa realidade, Pinto elaborou um programa para a FACE que contemplava,
dentre outros, os seguintes alvos: elevação do nível de ensino, renovação do corpo docente,
pesquisas. Até o ano de 1950, o professor se dedicou fielmente a tais objetivos de modo a ter
alcançado, já em 1948, a incorporação da Faculdade na então Universidade de Minas Gerais,
logo federalizada em 1949.
O programa que o diretor projetou para a FACE já continha em si os gérmens do
que seria, segundo Dias (2002), a "primeira experiência de tempo integral para docentes e
alunos, no âmbito de um programa interdisciplinar" no ensino superior brasileiro. Já no projeto
de lei da federalização da Faculdade, incluíase a implantação da Assistência de Ensino, no
intuito de possibilitar a renovação do corpo docente "por elementos inteligentes, com base
cuidado de evitar que a iniciativa caísse num sistema de favores ou protecionismos (PINTO,
1963, p.33). Para receber esses novos elementos que a Faculdade preparava para seu corpo
integral desses professores às atividades "de ensino, de pesquisas e de altos estudos" (p.36).
Esse “grupo de elite”, em curto prazo, permitiu à Faculdade alcançar rapidamente um elevado
nível de ensino, e o renome de que desfrutou durante as décadas seguintes.
"Dentro da velha Faculdade, e sem interromperlhe o funcionamento, teria de ser
estruturada uma nova Faculdade" (p.31). Neste processo de transformação da FACE, o diretor
sabia ser necessário investir também nos graduandos, para além da capacitação em
andamento do corpo docente.
Cumpria que a Faculdade passasse a diplomar elementos mais capacitados,
para serem utilizados pela própria escola, nas atividades técnicocientíficas, e
ainda para atender às necessidades do mercado profissional. Daí a idéia do
regime de tempo integral de estudo para alunos, mediante o sistema de bolsas
de estudo. (p.38)
inteligência, cultura e dedicação, selecionados por uma comissão de docentes. A princípio,
esses alunos receberiam um pequeno auxílio mensal apenas para manutenção, e eram
proibidos de exercer outras atividades “estranhas ao ensino”. Os bolsistas deveriam dedicarse
bibliográfico e sob a orientação dos técnicos de pesquisa (p.38).
Os professores da Faculdade reagiram à proposta; alguns aprovaram integralmente
a idéia, outros questionaram pela primeira vez o fato de se pagar para determinados alunos
estudarem quando o ensino superior federal já era gratuito. Surgiu também a dúvida sobre o
pagamento do auxílio aos bolsistas. De modo original, Pinto buscou uma saída na iniciativa
privada: graças à influência do Dr. Cristiano França Teixeira Guimarães, o diretor conseguiu o
apoio dos Bancos Comércio e Indústria, Minas Gerais e Crédito Real, e da Companhia
bolsistas, o regulamento do Sistema de Bolsas foi aprovado e instituído em junho de 1954.
O idealizador do Sistema de Bolsas assim descreve o seu funcionamento original:
Verificase o caráter interdisciplinar já nos princípios do Sistema, ao contar com
estudantes dos vários cursos congregados na FACE – Economia, Administração de Empresas,
encontravam os politicamente atuantes estudantes do curso de sociologia e política, Herbert de
Souza, Ivan Ribeiro, Juarez Teotônio dos Santos, Simon Schwartzman, Bolívar Lamounier,
Amaury de Souza, entre outros. Havia também os ‘reacionários’ do curso de administração de
empresas.” (BACHA, 1998, p. 3) E em razão dessa diversidade – e conseqüentemente da
efervescência intelectual e política, o Sistema também exerceu importante papel na formação
de seus alunos durante os governos militares:
A esse respeito, o exbolsista José Murilo de Carvalho nos relata sua experiência
na militância política, durante a permanência no Sistema de Bolsas, essencialmente atrelada à
vida acadêmica:
originalmente, os fundamentos de uma formação integral de seus participantes, consolidando
se como ocasião em que o elitismo intelectual concorre para, e antes mesmo fundamenta, a
responsabilidade social, política e cidadã de seus integrantes.
CRIAÇÃO: A proposta original de Cláudio de Moura Castro (1979)
Cláudio de Moura Castro participou do Sistema de Bolsas durante sua formação na
Faculdade de Ciências Econômicas, integrandoo como bolsista a partir do ano de 1959. Desde
1954, ou seja, em apenas cinco anos de existência, o Sistema havia instalado “um ethos
organizacional onde os valores da pesquisa, da discussão inteligente, da análise, da busca de
conhecimento, eram reforçados mutuamente” (CASTRO, 2001). Esse clima intelectual era tão
expressivo que chegava a "recrutar bolsistas" fora da Faculdade; Castro o confirma: "alguns
profissão como pela perspectiva do tempo integral" (200, p. 4). Em sua permanência no
Sistema, o futuro criador do PET testemunhou a eficiência daquele experimento no sucesso de
seus integrantes, nos concursos de trabalhos monográficos em Economia (em que a qualidade
técnica e crítica dos trabalhos dos bolsistas foi premiada e reconhecida, em detrimento “das
vacas sagradas da USP e da UFRJ” – p. 5), e posteriormente no desempenho dos egressos
Aperfeiçoamento de Economistas da Fundação Getúlio Vargas / Rio de Janeiro. Mais tarde,
Castro obteve essas evidências também a partir do desempenho dos exbolsistas no exame
unificado da Associação Nacional dos Centros de PósGraduação em Economia – ANPEC, em
que durante mais de dez anos a FACE aprovou entre 90 e 100% de seus candidatos
(CASTRO, 2001). De semelhante modo foi o êxito dos exbolsistas nos exames de pós
graduação no exterior, a partir da década de 70 (SPAGNOLO; CASTRO; PAULO FILHO, 1996,
p. 7). Dentre os egressos do Sistema, vários nomes figuram hoje destacadamente em suas
áreas, em termos de trajetória acadêmica, profissional e política2; e diante desses resultados
"só havia uma conclusão, o Sistema de Bolsas era bom" (CASTRO, 200, p.6).
Programs, sistema aplicado nos ensinos médio e superior americanos onde alunos
2
Sobre os egressos do sistema, Castro nos relata: "começavam a despontar nomes que até hoje estão na primeira
linha em suas áreas: Edmar Bacha, Simon Schwartzman, Bolivar Lamounier, Vilmar Faria, Paulo Haddad, Vando
Borges, Amaury de Souza, Fabio Wanderley (...), Ricardo Santiago, Roberto Martins, Daniel Ribeiro de Oliveira,
Rogério Werneck, José Marcio Camargo, Eustáquio Reis. Há uma geração de diretores do BNDES e do BDMG da
mesma origem. Há Secretários de Estado em Minas Gerais e em Brasília. Dali provêm as lideranças de esquerda,
como Vinícius Caldeira Brant, e de direita também. Isso tudo vindo de um número total que mal ultrapassa duzentos
bolsistas." (200, p. 6).
selecionados recebem um tratamento diferenciado, cursando disciplinas em forma de
atividades extracurriculares que, no caso do ensino superior, propiciam aos alunos maior
sobre temas transdisciplinares, dos quais os alunos participam em turmas reduzidas. Nesses
cursos, que envolvem maior carga de leitura e produção escrita, os universitários são levados
ao desenvolvimento e enriquecimento de pensamento crítico e argumentativo; no último ano do
pesquisa, sendo o trabalho final em formato adequado à área de estudos do aluno – científica,
artística, etc. Os Honors Programs buscam instalar, em meio à universidade média e em geral
intelectual de excelência (NATIONAL, 2005. Mission Statment.)
Ao assumir a diretoria da CAPES em 1979, Cláudio de Moura Castro dispunha de
meios suficientes para colocar em prática, em escala nacional, o experimento de que participou
enquanto estudante. Castro compartilhava a idéia de que é necessário oferecer para os líderes
em potencial uma formação diferenciada, elitizada academicamente; porém enfatiza que dos
Castro (2001), essa elite era tradicionalmente forjada no Brasil em pequenas instituições de
ensino superior cuja formação se oferecia em níveis mais exigentes, tais como Escola de Minas
de Ouro Preto, Universidade de São Paulo – USP e Instituto Tecnológico de Aeronáutica – ITA.
A partir das décadas de 60 e 70, com a Reforma Universitária, aumento da demanda por vagas
“enorme e heterogênea” que não acompanhou o crescimento do número de matrículas com a
necessária melhoria na qualidade do ensino. Semelhantemente, os recémcriados cursos de
pósgraduação, embora bons programas, tiveram como fator limitativo à melhoria de sua
qualidade o potencial insuficiente dos alunos que ingressaram nos cursos de mestrado,
acarretando prejuízos em relação ao tempo médio de titulação (DESSEN, 1995, p. 2). Diante
dessa realidade, a solução para a criação de ambientes necessários à formação de novas
lideranças seria “esconder um enclave de qualidade dentro de uma universidade de massa”
(CASTRO, 2001):
Partindose do ponto de vista de que as necessidades do país, nas diversas
áreas do conhecimento científico e tecnológico, são atendidas por egressos de
indiscutível qualidade; que os atributos de tais profissionais são desenvolvidos
em um processo de aperfeiçoamento contínuo de alto nível; e que quando este
é aplicado a um grupo reduzido de alunos possibilita um maior controle de sua
qualidade, pensouse em uma solução a curto prazo, passível de adoção
imediata, que seria, então, criar programas de excelência. (DESSEN, 1995, p. 2)
Desse modo, o Programa Especial de Treinamento foi implantado: nos cursos mais
dedicação exclusiva aos estudos, dispondo de espaço físico adequado e uma boa biblioteca, e
sem um direcionamento a priori do caráter do estudo – partindo de um princípio de autonomia,
quase de autodidatismo, como nos primeiros anos do Sistema de Bolsas. "Se a hipótese de
que esse povo foi bem recrutado, de que são brilhantes, de que são dedicados e são
motivados for correta, não pode deixar de dar certo" (CASTRO, 2001). A idéia original apostava
desenvolvimento dos trabalhos por parte dos alunos, liberando as iniciativas de modo flexível e
adequado a cada curso e instituição em que fosse implantado o programa. “O resto”, segundo
Castro, “aconteceria sozinho”.
Era objetivo do programa propiciar aos alunos de graduação as condições que
favorecessem sua formação acadêmica tanto para a integração no mercado
profissional como para o desenvolvimento de estudos em programas de pós
graduação. As atividades extraclasses que compunham o “treinamento
especial” visavam a formação global do aluno, procurando atender mais
plenamente as necessidades do próprio curso de graduação e/ou ampliar e
aprofundar os objetivos e os conteúdos programáticos da grade curricular. Era
necessário criar mecanismos que possibilitassem o desenvolvimento das
potencialidades dos alunos preservando e incentivando focos de excelência
acadêmica, num contexto que ia se incomodando cada vez menos com a
mediocridade. Tratavase de constituir, dentro da universidade, pequenos
grupos formados por alunos que se destacassem pelo desempenho e neles
concentrar esforços de orientação acadêmica, acompanhamento e estímulos
financeiros, de modo a permitir dedicação exclusiva e integral aos estudos. O
que se visava, era formar profissionais de alto nível para todos os segmentos do
mercado de trabalho, com destaque especial para a carreira universitária, tendo
em vista o seu efeito multiplicador. (SPAGNOLO; CASTRO; PAULO FILHO,
1996, p. 8)
De acordo com o criador do PET, a idéia original do programa baseouse em um
graduação era um produto secundário, algo que viria por si só, sem uma política explícita [...].
Acreditávamos que isso seria um subproduto inevitável, quase automático” (CASTRO, 200,
p.7). Para Castro, o programa não deveria corresponder aos padrões comumente idealizados
em outros programas de ensino superior: “não é um sistema de voluntariado visando resolver
um problema social”; “não é para usar os bolsistas como substitutos dos professores”; “não é
instrumento de equidade, de benemerência ou de justiça social”. O programa tinha uma lógica
simples: “tratase de buscar os melhores candidatos e oferecerlhes as melhores condições de
crescimento intelectual”. Ambicionava assim que o PET viesse a formar as pessoas que vão
“mudar o Brasil”, lançando sobre o programa as expectativas verificadas através do Sistema de
Bolsas da FACE, em suas devidas proporções.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Universidade, que “a única coisa suficiente e imprescindível para que um ser – individual ou
coletivo – subsista plenamente [... é]: posicionálo em sua verdade, darlhe sua autenticidade, e
não nos empenharmos em que ele seja o que não é, falsificando seu destino inexorável através
de nosso arbitrário desejo.” (1999, p. 50, grifo original). Acreditamos, também acerca do
Programa de Educação Tutorial, que seremos mais capazes de intervir criticamente em seu
desenho, estrutura e funcionamento à medida que partirmos de uma revisão prévia, “feita com
enérgica clareza, com decisão e veracidade” (p. 50), de sua missão, origens e fundamentos.
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CASTRO, Celso; OLIVEIRA, Lucia L. e FERREIRA, Marieta de M. Entrevista com José Murilo
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SILVA, Núbia C. et al. Meio século do Sistema de Bolsas. Seção Opinião. Boletim Informativo
da UFMG. Nº 1462 Ano 31 11.11.2004.
Alline Fernandes Corrêa – [email protected]
Celina Borges Lemos – [email protected]