Política Ambiental Transversal: Experiências Na Amazônia Brasileira
Política Ambiental Transversal: Experiências Na Amazônia Brasileira
Política Ambiental Transversal: Experiências Na Amazônia Brasileira
ROBERTA GRAF
Graf, Roberta
G757p Política ambiental transversal: Experiências na Amazônia brasileira
/ Roberta Graf.-- Campinas,SP.: [s.n.], 2005.
1
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
PÓS-GRADUAÇÃO EM POLITICA
CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
EXAMINADORES:
2
DEDICATÓRIA
♥ ♥ ♥
Ao sucesso da Área de Proteção Ambiental - APA Raimundo Irineu Serra (Rio Branco,
Acre), com paz e união internas, incluindo o conjunto dos seus moradores e freqüentadores.
Ao sucesso dos projetos ecológicos e sociais de minha família e amigos, no Ramal do Novo
Amparo, Vale do Rio Purus, próximo à Sena Madureira, Acre.
Aos amigos Flávia Sousa de Brito e Moyses Rodrigues Vieira Neto para que se abram seus
caminhos profissionais nas áreas de Gestão Ambiental e Biologia.
Aos meus alunos, atuais e futuros, bem como aos leitores dessa Tese, no que ela puder
contribuir para sua consciência ecológica.
3
Apresentação e Agradecimentos
☼ eÎ
4
As primeiras disciplinas foram cursadas com sacrifício: eu amamentava Sami
sempre com um livro ou texto no outro braço, ou escrevendo no computador. Espero que isso
sirva para estimular nele o gosto pelos estudos!
Em 2005, não contente com o tamanho do trabalho que eu tinha, lancei na vila
onde moro a proposta de criação de uma Área de Proteção Ambiental, que tomou corpo e está
sendo criada no mesmo mês em que defendo essa Tese, a APA Raimundo Irineu Serra.Foi uma
feliz coincidência entre um projeto da nossa comunidade e o interesse de lideranças da área, e a
APA está aí, nascendo e ganhando vida própria! Agradeço à companheira Lilian Amim e
diversos outros que ajudam a realizar este sonho. Outros agradecimentos essenciais são:
Graças a DEUS,
Por essa Tese, pelas realizações e presentes obtidos durante o Doutorado!
6
Epígrafes Musicais
Matança
Música Popular Brasileira de Jatobá
Que triste sina teve cedro, nosso primo Passarinho está cantando
desde menino que eu nem gosto de falar discorrendo o A. B. C.
depois de tanto sofrimento, seu destino e eu discorro a tua vida
virou tamborete, mesa, cadeira, balcão de bar. para todo mundo ver.
***
7
SUMÁRIO
Item Página
Introdução 17
Apresentando o Tema 17
Apresentando a Pesquisa 21
Premissa 21
Objetivos 22
Justificativas 22
Metodologia 24
Organização da Tese 27
6. Conclusões 212
Mapa 3.1. – Mapa das principais Bacias Hidrográficas do Estado do Acre 103a
Mapa 3.2. – Mapa das Unidades de Conservação do Estado do Acre 103b
Figura 3.1. – Organograma do Sistema SEPLANDS (Governo do Acre, 2004) 134
Figura 4.1. – Novo Arranjo Institucional do Governo do Amapá 182
(Lei n. 811 / 2004)
LISTA de TABELAS
10
(de 1999 a 2004)
Tabela 4.1. – Investimentos Governamentais Estaduais com C&T em 1999 179
LISTA de SIGLAS
14
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
Pós-Graduação em Política Científica e Tecnológica
RESUMO
Tese de Doutorado
Roberta Graf
15
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
Pós-Graduação em Política Científica e Tecnológica
ABSTRACT
Doctoral Thesis
Roberta Graf
In this Thesis it was developed the concept of Transverse Environmental Policy, which represent the
internalization of socio-environmental sustainability through a set of public policies of a locality. The
premiss was that the transverse environmental policy is more successful that exclusive sectorial
environmental policy to reach environmental more sustainable development models, as preconized
by Agenda 21. The objectives of the research went to characterize the transverse environmental policy
in its theoretical and methodological aspects and to analyze two case studies: recent environmental
policies of the amazonian states of Acre (principal study) and Amapa (complemental study). By the
approach of “sustainable development”, governs of these states adopted environmental priorities in
their programs, whose can represent transverse initiatives. In the investigation it was used a
conceptual frame composed by socio-environmental sustainability, historic notions of
environmentalism (with distinction to Ecodevelopment and Deep Ecology schools), Ecology,
systemic paradigm (complexity theories), Public Policy Analysis, socio-environmental priorities for
the amazonian biome, as with the interfaces of the environmental question with Science and
Technology and the Economy. The analysis of Acre and Amapa cases revealed that environmental
variable have been incorporated in diverse public policies, and this was confirmed by the positive
evolution of sustainable indicators in these states. It can be affirmed, therefore, that in both states
occur experiences of transverse environmental policy, in despite of some limitations, and this fact
demonstrates that the new conception of environmental policy have been a significative tendency.
The theoretic-methodological characterization of transverse environmental policy, made by literature
resources, was then improved with the case studies results.
16
INTRODUÇÃO
Apresentando o Tema
O mundo passa por uma crise sócio-ambiental global, reconhecida
por inúmeros pensadores e pelas sociedades em geral, e que atualmente atinge
situações de impasse e grande preocupação. Características deste cenário de
crise são as imprevisíveis mudanças climáticas resultantes do efeito estufa, o
desflorestamento, a escassez de água e recursos naturais, a contaminação do
ar, do solo, dos alimentos e das águas superficiais e subterrâneas, o acúmulo
de resíduos, inclusive os de alta toxicidade e os nucleares, a desertificação e
queda da fertilidade do solo, a extinção das espécies animais e vegetais, o
surgimento de “super” vírus e bactérias, entre outras. Como resposta, setores
governamentais, dos movimentos sociais e da comunidade científica têm
mobilizado esforços de reversão deste cenário, através do desenvolvimento das
ciências e das políticas ambientais. Este processo é ainda recente, datadas as
primeiras políticas ambientais nacionais, bem como as convenções e acordos
internacionais nessa temática, na década de 70.
De modo geral, a chamada "questão ambiental", ou sócio-ambiental, se
consolida a partir da evidência de que as relações do ser humano com a natureza têm
sido desarmônicas a ponto de causar problemas graves, complexos e de conseqüências
assaz imprevisíveis, que afetam desde a saúde pública, a estabilidade dos ecossistemas
até a vida de muitas espécies. Ou seja, a natureza impõe ao homem limites nas suas
intervenções, para que possa manter-se e, com ela, a vida como um todo. Pode-se definir
a questão ambiental como o conjunto dos problemas ambientais visualizados por
determinado sujeito e a busca de soluções para os mesmos, juntamente à busca de
estados ecologicamente mais sustentáveis. Trata-se da problematização das relações
homem-natureza. O enfoque nos problemas pode ser chamado de descritivo-explicativo e
o enfoque na geração de cenários mais sustentáveis pode ser chamado de normativo-
prescritivo; ambos lados de uma mesma moeda.
17
É importante frisar que a questão ambiental resulta da interpretação
humana da crise ecológica, ou seja, é uma construção cognitiva e social. Esta construção
passa pela concepção de natureza, um assunto complexo, historicamente formatado em
cada contexto cultural, as formas de ocupação do espaço, a organização social e,
principalmente, produtiva da sociedade. Todo modo de produção parte da
transformação da natureza, a qual pode ser branda ou intensa, a ponto de gerar
problemas ambientais.
Diversos atores sociais formulam construções diferentes para a questão
ambiental, compondo um mosaico denominado ambientalismo. Devido ao próprio
caráter multidisciplinar da questão, além da multiplicidade de opções éticas possíveis
nas relações homem-natureza, existem diversas visões científicas, dos movimentos
sociais, econômicas, empresariais, filosóficas e religiosas no ambientalismo, com
acentuadas diferenças entre si. Admitindo-se também que a questão ambiental seja
essencialmente política, ou seja, da esfera das decisões da vida em sociedade, almeja-se a
materialização da questão ambiental em políticas públicas, como resultado de uma
complexa arena de negociação entre as correntes do ambientalismo, expressas dentro
das instituições de decisão política.
Existem, nessas arenas, correntes que procuram esvaziar o debate político
da questão ambiental, remetendo os problemas ambientais a um terreno exclusivamente
técnico, como se tecnologias isoladas pudessem solucionar, por si só, os problemas
ambientais. Trata-se de uma vertente chamada de “tecnocêntrica” (tecnicista ou
tecnocrática, quando se refere às ações de governo). Mas a questão ambiental é um
conjunto integrado de temas, envolvendo, antes de mais nada, uma complexa densidade
de conflitos e valores éticos e sócio-culturais. A ciência e a tecnologia (C&T) fazem parte
deste conjunto. Dessa forma, comitês tecno-científicos podem colaborar com o
equacionamento dos problemas ambientais, mas não seria adequado legitimá-los a
resolver a totalidade dos mesmos: a questão ambiental não é técnica (O’RIORDAN,
1995). Ademais, as ciências ambientais são ainda embrionárias, e geram fartas
18
controvérsias na comunidade científica, até porque devem lidar com metodologias
complexas, sistêmicas, ainda pouco conhecidas e controláveis pela ciência estabelecida.
Por outro lado, as vastas incertezas inerentes ao modus operandi da C&T, cujos modelos
evoluem ou são substituídos no tempo, não permitem que assertivas tecno-científicas
bastem para decisões cabais em temas ambientais – a conseqüência pode ser uma
situação de risco, daí um dos apelos ao uso do Princípio da Precaução.
A questão ambiental é também essencialmente pública, sendo esta talvez a
menos “privatizável” das questões humanas, posto que trata dos limites que a natureza
impõe à nossa liberdade. A este respeito, emergem particularmente os conflitos entre o
bem comum e a apropriação privada de recursos e territórios. Daí a assertiva de que
toda questão ambiental é também social, ou sócio-ambiental. Outros elementos
intrínsecos ao tema são a sua abrangência global e de longo prazo. Por fim, o tema
ambiental é holístico, ou seja, de alta complexidade, estando presente em qualquer
atividade humana, mas, no contexto da modernidade industrial, talvez se relacione mais
fortemente com as atividades produtivas da sociedade, ou seja, com a Economia, ou com
os modelos de desenvolvimento. Tudo isso faz com que as políticas ambientais
adquiram especificidade e complexidade inéditas para os políticos (PAEHLKE, 1989).
As políticas ambientais, em conformação, têm um longo caminho a
percorrer, dada a complexidade dos problemas acentuada com a modernidade
industrial e com a globalização econômica e cultural. Os modelos de desenvolvimento
predominantes são ecologicamente insustentáveis (NORGAARD, 1994; STAHEL, 1995),
posto que se caracterizam pela industrialização excessiva, materialismo, consumismo,
imediatismo econômico, individualismo e exclusão social. Na verdade, trata-se de um
quadro de crise sistêmica de todo um estilo civilizatório, retratada por problemas
inéditos e bastante desafiadores para a humanidade.
Assim, as políticas ambientais exigem vastos esforços em todos os campos,
desde a teoria e prática da própria política ambiental até as mais detalhadas pesquisas
científicas sobre a dinâmica dos poluentes e dos ecossistemas. Papel essencial exerce,
19
sob qualquer prisma, a Educação Ambiental, como forma de conscientização acerca
desta problemática e construção coletiva de novos conhecimentos, valores, hábitos, e as
próprias políticas ambientais públicas.
Além dos desafios apresentados para as políticas ambientais,
apresentam-se cinco aspectos que impõem desafios a pesquisas sobre políticas
públicas de qualquer natureza:
1) Em política, a teoria costuma ser muito diferente da prática1, devido às
dificuldades abundantes na implementação de políticas, e devido às limitações do ser
humano em captar a realidade, planejar intervenções e prever seus resultados. O
planejador não lida com a realidade de fato, mas sim com sua interpretação da
realidade, ou seja, com sua construção de modelos, os quais são sempre imperfeitos e
condicionados aos sujeitos da ação (DAGNINO et al, 2001; MATURANA, 2001). Além
disso, parte do discurso empregado pelos políticos reflete exclusivamente a propaganda,
não correspondendo à prática real do governo.
2) Na arena de negociação de políticas, nem sempre os vencedores
representam a maioria da população, o que ocasiona não-adesão e ineficiência da
política. Em termos de políticas ambientais, costuma ocorrer este complicador. Os
órgãos ambientais são freqüentemente mal-vistos, tidos como “repressores”. Afinal, a
busca da sustentabilidade impõe mudanças drásticas nos estilos de vida, o que pode ser
bastante impopular.
3) Em política pública tem-se o clássico problema da descontinuidade
administrativa, em que grupos de poder opostos entre si, quando em sucessão
alternada, orientam suas políticas de forma contrária às da gestão anterior pelo simples
fato de caracterizar a oposição. Na área ambiental, esforços para implementar políticas
contínuas são particularmente relevantes, porque as escalas de longo-prazo são
essenciais.
1Herrera diria que existem dois tipos de política pública: a explícita, publicada nos discursos e documentos oficiais (e
portanto, teórica), e a implícita, que acaba sendo implementada na prática (HERRERA, 1981).
20
4) As políticas públicas são fragilizadas diante de algumas condutas de
ética questionável dos atores sociais envolvidos. Em princípio, a política pública destina-
se ao cuidado da sociedade (BOFF, 1999b), visando a maximização do bem comum, mas
é sabido o caráter utópico desta premissa – diários são os escândalos de corrupção,
clientelismo e outras práticas desonestas na política pública.
5) É difícil, em trabalhos de pesquisa como esta Tese, isentar a análise
descritiva de elementos normativos. Isto é, os valores do analista estão sempre inclusos,
mediante seus conhecimentos prévios, experiências concretas e tendências éticas
(HOGWOOD & GUNN, 1984). Tais questões são complexas e perpassam a atividade
acadêmica como um todo (MORIN, 2001), na forma da famosa assertiva: a ciência não é
neutra, posto que não há como separar completamente o sujeito do seu objeto de análise,
e isso vale até mesmo para as ciências chamadas exatas. É importante que se reconheça,
desde já, este fato, e que se adote a maneira “cientificamente correta” de lidar com ele:
procurar explicitar as teorias e escolhas éticas envolvidas em cada passo da pesquisa.
Apresentando a Pesquisa
Premissa
A premissa desta Tese é a de que a política ambiental transversal é mais
promissora à busca da sustentabilidade ambiental quando comparada à política
ambiental setorial (tradicional).
A política ambiental transversal representa o conjunto de políticas
resultante da internalização da temática ambiental em outras políticas públicas setoriais,
como as econômicas, de planejamento, energética e industrial. A política ambiental
deixa de ser apenas setorial para ser um conjunto integrado de políticas que perpassa
vários campos da ação pública. Isso ocorre quando um determinado governo coloca a
questão ambiental num patamar prioritário, e, já na formulação da agenda, reconhece o
necessário caráter multidisciplinar dessa questão, inserindo-a nas políticas públicas
como um todo, em particular naquelas que definem o modelo de desenvolvimento. A
21
política ambiental tradicional, por ser exclusivamente setorial, isolada e sem força diante
das outras políticas, não é capaz de promover as necessárias mudanças nos modelos de
desenvolvimento, sem as quais é impossível reverter a crise sócio-ambiental.
O conceito da política ambiental transversal e esta premissa serão
trabalhados com o aporte de vários trabalhos da literatura e dos estudos de caso.
Objetivos
1) Analisar as políticas ambientais transversais recentes dos Estados do Acre e
do Amapá como um exercício de análise de políticas públicas.2
2) A partir dos estudos de caso e da literatura, espera-se contribuir para a
fundamentação e caracterização, nos âmbitos teórico e metodológico, da
política ambiental transversal.
Justificativas
Ao fim do Programa de Mestrado que antecedeu esta pesquisa, que
consistiu num estudo da Política Ambiental Brasileira à luz da Ética Ambiental, a autora
se perguntava: - De que adianta uma política ambiental com bons fundamentos teóricos se ela
não funciona na prática?
Diversos autores compartilham desta conclusão: a Política
Ambiental Brasileira é densa (em teoria – política explícita) mas pouco
expressiva (na prática – política implícita) (FERREIRA, 1998; VIOLA, 1999). É
este o caso brasileiro e de outros países cujas políticas ambientais não gozam
de priorização suficiente na agenda política, sendo consideradas quase
supérfluas, ou periféricas, formuladas para atender às minorias (os
ambientalistas).3
Por outro lado, a prioridade absoluta das nações é a Economia, que
se orienta pela corrente predominante neoclássica ou, em sua expressão mais
2 É preciso observar que se trata de um exercício parcial de análise de políticas, pois uma análise densa necessitaria de
uma equipe de analistas e mais tempo de trabalho.
3 Cf COMMONER, 1971.
22
recente, neoliberal. Interessam os ganhos de curto prazo, a desregulamentação
do mercado e a intensificação da competitividade, o que vem causando,
visivelmente, o crescimento da degradação ecológica. As políticas econômicas,
além de seguirem um padrão ditado pelos países “desenvolvidos” ou “ricos”
(EUA, Japão e alguns países europeus), determinam os rumos das demais
políticas públicas, como as de macro-planejamento e de infra-estrutura, e
praticamente não tratam dos aspectos ambientais (ARROW et al, 1995; SACHS,
2000). A política ambiental, por sua vez, não conta com força suficiente para se
destacar nesse contexto.
Ora, a questão ambiental exige a epistemologia interdisciplinar e
sistêmica (VIEIRA, 1995). As convenções ambientais mundiais, notadamente
as de Estocolmo em 1972 e do Rio de Janeiro em 1992, bem como um dos
documentos internacionais mais importantes sobre a questão (a Agenda 21),
são explícitos em clamar pela necessária associação entre desenvolvimento e
meio ambiente, ou seja, a questão ambiental deveria ser considerada a priori
frente aos rumos de desenvolvimento sócio-econômico. E, diante do exposto,
esta é uma tarefa sequer começada. Como diz o Prof. Newton Pereira,
orientador desta Tese: “a questão ambiental está em vias de consolidar, na
humanidade, uma revolução de dimensões copernicianas”. Certamente, um dos
entraves para esta “revolução” é o caráter excessivamente setorial das políticas
públicas, de forma que as políticas de desenvolvimento não dialogam com as
políticas ambientais.
Pensando neste entrave, desenvolveu-se a idéia da internalização da
temática ambiental nas políticas públicas como um todo, com enfoque nas políticas de
produção e de macro-planejamento. A inspiração desta idéia, para a autora, veio da
Política Educacional Brasileira, em que temas transversais foram internalizados em todas
as disciplinas curriculares. Alguns desses temas são “meio ambiente”, “ética” e
“cidadania”.4 Daí o termo: política ambiental transversal. Esta denominação conceitual
4 Os temas transversais foram introduzidos na política educacional em 1997, com os novos PCNs – Parâmetros
Curriculares Nacionais.
23
parece adequada para traduzir a busca da sustentabilidade sócio-ambiental através da
matriz de políticas públicas de um local. Segundo essa conceituação, a transversalização
reflete um processo sistêmico, planejado e conduzido num sistema único, coerente e
coeso, segundo princípios e objetivos comuns, embora considerando os diversos
métodos e linguagens, próprios de cada política.
Até o segundo ano desta pesquisa (2002), o conceito da “política
ambiental transversal” era inédito nos meios acadêmico e político. Contudo, em
janeiro de 2003, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) brasileiro, segundo o
discurso de posse da ministra Marina Silva (SILVA, 2003a), defende
precisamente a política ambiental transversal.5 A ministra solicita agendas
comuns entre o MMA e outros ministérios, e vem enfatizando a
transversalidade da questão ambiental com veemência.
Governos de algumas localidades têm implementado, em caráter inicial,
alguma transversalização da política ambiental, sob o discurso da “implementação do
desenvolvimento sustentável”. No Brasil, ressaltam-se as experiências recentes dos
Estados do Acre e do Amapá, os quais possuem a vantagem de sua localização num dos
biomas de maior destaque global: a Amazônia. As políticas ambientais recentes do
Estado do Acre foram escolhidas como estudo de caso central desta pesquisa, e as do
Amapá também foram investigadas para ampliar o espectro da análise.
Metodologia
5 A partir de então, o conceito tornou-se bastante popular, embora boa parte dos que o usam ainda cometa
impropriedades acerca do seu significado.
24
termos de melhores resultados na sustentabilidade sócio-ambiental do território em
questão. Para essas duas avaliações, construiu-se indicadores de sustentabilidade
adequados. Mas a construção dos indicadores deve ser posterior a um bom
conhecimento do cenário ou contexto envolvido: os Estados (do Acre e do Amapá) com
seus problemas e potenciais sócio-ambientais, políticas ambientais e todos os atores
sociais envolvidos com elas (da formulação à avaliação). Sendo assim, lançou-se mão de
uma pesquisa de campo à base de entrevistas.
Resumidamente, a metodologia consistiu-se de:
A) Realização de estudos teóricos, cujas fontes foram bibliográficas e
documentais (leis, resoluções e programas governamentais, inter-governamentais, e de
grupos da sociedade civil), nos seguintes campos:
6 Ao final das entrevistas, a autora ingressou no IBAMA / Acre que se constitui numa das instituições do processo, mas
este fato permaneceu oculto aos entrevistados, para evitar o possível enviesamento das respostas.
26
É preciso destacar o papel que os estudos de caso exercem nesta pesquisa.7
Além dos estudos constituírem-se em resultados da Tese, eles servem para comprovar a
premissa, mediante a confrontação entre as políticas exclusivamente setoriais passadas e
as atuais políticas transversais. Também colaboram para a caracterização teórico-
metodológica da política ambiental transversal, na medida em que os dados são
analisados à luz da literatura. Esclarece-se, porém, que esta Tese não tem por objetivo
desenvolver uma teoria de política ambiental transversal, tarefa bem mais ampla, que
exigiria mais estudos de caso e maior tempo e densidade de análise.
Organização da Tese
O capítulo 1 trata da sustentabilidade sócio-ambiental, nos níveis teórico
(da Ecologia e das Ciências Ambientais) e político (das diretrizes das convenções
internacionais e correntes do ambientalismo). É neste capítulo que a questão ambiental é
desenvolvida, com enfoque nos critérios de sustentabilidade, que por fim são
detalhados para a Amazônia.
O capítulo 2 trata de política. Ele se inicia com o aporte teórico do campo da
Análise de Políticas Públicas. Em seguida desenvolve-se brevemente a temática da
Política Ambiental Pública, com o referencial da Política Ambiental Brasileira. Por fim,
conceitua-se a Política Ambiental Transversal, apresentando construtos teóricos desta
nova concepção, com base na literatura.
O capítulo 3 apresenta o estudo de caso da Tese: as políticas ambientais
recentes do Estado do Acre. Ele se inicia com um breve histórico da ocupação do Estado
culminando nas características sócio-ambientais atuais. O texto traz em seguida um
resumo das políticas ambientais em curso, e as avalia segundo a evolução dos
indicadores de sustentabilidade local em comparação com políticas anteriores. A análise
7 O estudo de caso é uma estratégia de pesquisa que se aplica com êxito nas políticas públicas, em particular quando o
enfoque é contemporâneo (YIN, 1989). Richard Elmore (1978) acrescenta: “a evidência disponível sobre a implementação dos
programas sociais [políticas públicas] é muito reduzida. (...) Existe uma extrema necessidade de realizar estudos descritivos em torno da
implementação [das políticas públicas]” (tradução própria de p. 247).
27
das políticas ambientais em curso é feita com o referencial da Política Ambiental
Transversal.
O capítulo 4 apresenta, de forma resumida, o estudo de caso das políticas
ambientais recentes no Estado do Amapá, referenciando-o em comparação com o caso
do Acre.
O capítulo 5 traz a avaliação final do estudo de caso do Acre e uma
caracterização conclusiva da Política Ambiental Transversal. O capítulo 6 é de
conclusões. Seguem as referências bibliográficas e os anexos.
28
1. SUSTENTABILIDADE SÓCIO-AMBIENTAL
8 Essa distinção conceitual entre o ambiental e o ecológico foi marcante principalmente a partir da Conferência das Nações
Unidas para o Ambiente Humano, de Estocolmo, em 1972.
9 “Antropocentrismo” é um conceito que representa a elevação do homem à soberania sobre toda a natureza, numa
posição em que ele se julga livre para dominar as demais espécies. A visão antropocêntrica nega a autonomia e a
importância das espécies e da natureza (BOFF, 1999b).
29
Considera-se importante a análise que se segue porque os conceitos são
sempre sujeito-dependentes. Os autores, ao escreverem suas obras, criam e re-criam
conceitos, ainda que às vezes de forma inconsciente, ou de conseqüências pouco
calculadas no ponto de vista dos leitores. É fundamental que se esclareçam estes
processos, e, principalmente, os conceitos.
Para alguns autores, o termo Ecologia designa mais do que um ramo da
Biologia. Pode-se dizer que a Ecologia “se emancipou”, e tornou-se uma ciência mais
ampla, da qual os aspectos biológicos (o estudo detalhado da biosfera, enquanto
relações entre os seres vivos, seus habitats e ciclos de vida) fazem parte. Jaime Hurtubia
desenvolve o tema em um artigo de 1980, em que caracteriza a Ecologia como ciência
transdisciplinar por excelência. Se ela surge em 1866, batizada por Ernst Haeckel,
tratando basicamente de Biologia, ela evolui com a integração de conhecimentos das
ciências naturais e humanas.10 Assim, a Ecologia torna-se um campo de problematização
(científica) das relações homem-natureza, o que inclui elementos da Biologia e das
demais ciências naturais, como a Química, a Física, a Geologia, bem como da Geografia,
Sociologia e Antropologia (BERKES & FOLKE, 1998). É importante destacar, porém, que
este processo é novo e em construção, ou seja, de um campo de fronteira, sobre o qual
autores perspicazes têm discorrido.
O ecólogo Eugene Odum11 e o filósofo Edgar Morin (2001) são alguns dos
que partilham desta concepção de Ecologia. Morin nos diz:
“A Ecologia está mutilada se for apenas ciência natural. (...) Ela deve,
portanto, ser uma Ecologia que integre a esfera antropo-social na ecosfera e, ao mesmo
tempo, a retroação formidável dos desenvolvimentos antropo-sociais sobre os
ecossistemas e a biosfera” (p. 88).
“A Ecologia faz comunicar necessariamente natureza e cultura. (...) A
Ecologia é a primeira ciência que, enquanto ciência, apela quase diretamente para uma
tomada de consciência. É a primeira vez que uma ciência, e não uma filosofia, põe-nos
10 Há alguns autores que, para essa interface, trabalham com o conceito da “Ecologia Humana”, como E. Morán (1990)
e Alpina Begossi (cf BERKES & FOLKE, 1998). Há também o campo da “Ecologia Social”, como uma vertente da
Ética Ambiental (VANDEVEER & PIERCE, 1993).
11 O título de um dos livros de Odum (1997) deixa clara sua concepção de Ecologia: “Ecologia: A ponte entre a ciência e a
sociedade”.
30
o problema da relação entre a humanidade e a natureza viva” (p. 110).
31
dinâmicas naturais e seu comportamento diante das interferências humanas.
Por tudo isso, o enfoque ambiental talvez seja mais adequado para
descrever e tratar do posicionamento de diferentes atores sociais quanto à interface
homem-natureza, e, portanto, para falar de política pública. Mas, ainda, insiste-se que
há controvérsias. O campo da Ecologia Profunda, por exemplo, busca na ciência os
princípios, mas não esconde seu caráter ativista e ideológico. Talvez o grande problema
seja o de que o enfoque ambiental distanciou-se demais dos estudos científicos
ecológicos, permitiu-se excessiva superficialidade, provavelmente em conseqüência de
pressões sócio-econômicas diversas para diluir a importância da questão. Ora, o
ambientalismo não pode prescindir de Ecologia, sua fonte de estudos, seu núcleo vivo,
senão ele corre o risco de distanciar-se do seu foco; a natureza. Enquanto isso, nas arenas
políticas em que os atores se confrontam, a ideologia pode fechar-se em si mesma, e as
questões ecológicas, de fato, não serem abordadas, numa queda de nível do debate.
Concluindo: estes campos novos ainda estão em conformação, fato que,
por vezes, incomoda ao autor ao usar os termos ambiental, sócio-ambiental e ecológico: qual
é o melhor em cada situação? Do que, afinal, estamos falando? Ainda precisamos de
tempo para amadurecer estes frutos da ciência e do pensamento humano; frutos
ambientais e ecológicos!
32
1975; GAARDER, 1995). Após esta mudança, Platão, discípulo de Sócrates, pôde falar
dos elementos naturais com a distinção fundamental entre espírito, do mundo das idéias,
e matéria, do mundo concreto. É interessante notar, paradoxalmente, o quanto esta
distinção é antiga do ponto de vista da modernidade, mas ao mesmo tempo recente, do
ponto de vista da história da humanidade.12 Essa distinção foi retomada no Iluminismo,
marcadamente na filosofia de René Descartes.
Até o século XVI, no entanto, apesar de não ser predominante e ter
perdido muito da sua força da Antigüidade, pode-se dizer que uma visão “mágica”, ou
reverencial à natureza, persistiu com razoável consistência nas sociedades. Misturavam-
se, em campos de conhecimento “pré-científicos”, as interpretações racionais com outras
de encantamento, temor, significação estética e divina dos elementos da natureza. Mas
esta visão não evitou fortes intervenções humanas; na Grécia Antiga houve o
desflorestamento até quase a totalidade, e o mesmo ocorreu na Europa no final da Idade
Média – a utilização de lenha como combustível e a ocupação agro-pecuária devastaram
cedo suas florestas.
No século XVI começa a Era Moderna, marcada pelo Renascimento
Cultural, pela formação do Capitalismo e pela Revolução Científica.13 Vários elementos,
tais como:
O sistema econômico liberal baseado no lucro e na competição da iniciativa
privada, cujos expoentes foram John Locke, com a obra Dois Tratados sobre o Governo,
de 1690, e Adam Smith, com a Riqueza das Nações, de 1776;
A conformação do sistema político estatal como alicerce para a economia;14 O
sistema político, por sua vez, fundamentava-se num sistema moral racional laico, em
contraponto ao sistema anterior, em que o poder político era ligado aos dirigentes
religiosos, na crença de que os reis seriam representantes das autoridades divinas na
15 O padrão de exploração da natureza foi mais grave nos países subdesenvolvidos de tradição colonial como o Brasil,
em que “seus ciclos econômicos foram uma sucessão de desastres ecológicos” (PÁDUA, 1987, p. 19).
16 É preciso esclarecer ao leitor que têm ocorrido mudanças recentes no sistema industrial e nos fundamentos da
modernidade capitalista. Alguns autores falam em “era pós-moderna”, e em “pós-materialismo”. Uma das características
deste momento é o surgimento de indústrias menos intensivas em matéria, energia e resíduos, o que é positivo. Mas, além
de esta “era” ainda ser embrionária e não substituir os processos produtivos em vigor, ela não é suficiente para
34
Quem compraria comida se tivesse condições de produzi-la? Quem
compraria plantas ornamentais se houvessem muitos bosques? “Separar os homens da
natureza é, portanto, uma forma de subordiná-los ao capital”. “(...) [E] quando o objetivo é
acumular dinheiro, não há mais limite para a exploração do trabalhador e da natureza. Afinal,
qual é o limite do dinheiro? É o limite dos números, e estes, sabemos, não têm limites”
(GONÇALVES, 1989, p. 116, p. 128).
Os problemas ambientais atuais são, portanto, intrínsecos às próprias
bases capitalistas modernas.17 Na verdade, como ressaltam alguns autores, a questão
ambiental é uma das faces da crise civilizatória, talvez a face mais evidente e
preocupante no momento. Para esta mega-crise da humanidade, Herrera (1982)
visualiza dois caminhos – o do risco (com provável intensificação dos problemas) e o da
oportunidade (mudanças radicais que deverão resultar em civilizações ecologicamente
sustentáveis, socialmente justas e que confiram importância às iniciativas locais) (BOFF,
1996). A transição exigida assemelha-se a poucas na história da humanidade, como as
passagens da Era Paleolítica para a Neolítica e do Antigo Regime para a Modernidade
(CAPRA, 1982; LASZLO, 1989).
compensar outros elementos pós-modernos preocupantes como a engenharia genética, a grande intensidade de radiação
eletromagnética liberada e algumas novas substâncias tóxicas. Nesse item, contudo, enfoca-se a modernidade industrial
que vigorou no século XX, pois suas conseqüências ambientais são presentes e de longo prazo.
17 Não são poucos os autores que vêem a questão ambiental como revolucionária, a ponto de implicar o rompimento
com o próprio capitalismo (ALTVATER, 1995; DUPUY, 1985; PAEHLKE, 1989; ILLICH, 1973; SHIVA, 1991).
35
(ALBAGLI, 1998, p. 32). A ciência constituiu-se como um dos maiores instrumentos de
poder, tanto político quanto econômico (HERRERA, 1981). Além disso, a ciência é o
meio pelo qual a humanidade interpreta e estuda a natureza, praticamente o único meio
legítimo na Era Moderna (COMMONER, 1971).
A Revolução Científica e o Iluminismo foram marcados pela ascensão da
racionalidade mecanicista, racionalidade esta constituída no paradigma dominante até
hoje. Esta ascensão se deu com diversos pensadores como Copérnico, na Astronomia,
Isaac Newton na Física, Galileu Galilei e Francis Bacon no método empírico e René
Descartes na filosofia. Foi um contexto de emancipação e gradual empoderamento da
ciência, enquanto instituição, em contraponto à religião. O racionalismo em ascensão
desqualificava sumariamente qualquer prática subjetiva que pudesse “corromper” os
ideais da ciência, de busca da verdade; tornavam-se pouco a pouco subversivas a
Alquimia, a Astrologia e outras formas de conhecimento que não fossem coerentes com
a racionalidade mecanicista.
A racionalidade científica conformada nessa época desenvolveu-se sob as
pretensões da objetividade e da neutralidade – ou seja, um ente fixo, que desvenda a
verdade na sua explicação da realidade, fruto do avanço do conhecimento,
independente de influências éticas, políticas ou sociais do cientista. No entanto, apesar
dos notáveis esforços em contrário, a ciência não é neutra (CHALMERS, 1994; LOPES,
1998). Com a institucionalização da ciência, ela se faz crescentemente vinculada aos
interesses de seus patrocinadores ou instituições, bem como às premissas éticas e
condições sócio-políticas dos cientistas. “A aceitabilidade dos resultados experimentais é
teórico-dependente, e os julgamentos sobre ela estão sujeitos à mudança durante o
desenvolvimento de nossa compreensão científica” (CHALMERS, 1994, p. 88). Além disso, a
Física Quântica demonstrou que, mesmo nas “ciências exatas”, em que se controlam os
experimentos e as variáveis com máquinas, os objetos de estudo são definitivamente
alteráveis conforme o sujeito. O Princípio da Incerteza de Heisemberg demonstrou como
não se pode, ao mesmo tempo, controlar duas variáveis do movimento do elétron; ou se
36
observa sua velocidade ou seu deslocamento espacial. Descobriu-se também que o
elétron é, ao mesmo tempo, partícula e onda, dependendo de como se olha para ele. Ou
seja, o resultado científico é dependente do sujeito e da trajetória metodológica de
pesquisa.
Portanto, a ciência é também subjetiva, e a não-neutralidade da ciência
talvez seja mais regra do que exceção. Este tema é hoje fértil nos Estudos Sociais da
Ciência. Boa parte do poder da ciência nas sociedades atuais decorre desta crença na
neutralidade, acrescida do fato de que a avaliação do conhecimento científico é feita
pelos próprios cientistas, segundo o método mertoniano da “avaliação por pares”.
Edgar Morin (1996) comenta: “Os epistemólogos, mesmo no termo de um esforço prodigioso,
foram incapazes de estabelecer um critério rigoroso e inatacável de cientificidade. Resulta daqui
que é científico aquilo que alcança o consenso das ‘batas brancas’, ou seja, dos próprios cientistas”
(p. 44). Além disso, como a ciência pode pretender-se porta-voz da verdade se ela
mesma é mutável, sempre sujeita ao aperfeiçoamento ou completa substituição dos
modelos de explicação da realidade?
As teorias do paradigma mecanicista são construídas pelo método
empírico, que envolve o teste experimental das hipóteses por meio do controle das
variáveis.18 Outra marca deste paradigma é o recorte analítico, ou reducionista. Daí o
termo mecânico; estudam-se os objetos enquanto máquinas compostas de peças. O
estudo de um objeto requer sua decomposição nos fragmentos (peças) menores
possíveis. Por exemplo, na fisiologia humana, investiga-se detalhadamente cada órgão
em separado – o estudo das partes é tido como suficiente para entender o conjunto. Um
dos reflexos deste método foi a fragmentação do próprio conhecimento científico nas
disciplinas isoladas. Nas formações escolares passaram a existir a física, a química, as
humanidades, todas em separado, enquanto, até o início do século XIX, subsistiu uma
formação universitária chamada de enciclopédica (BEN-DAVID, 1974), em que se
18 O controle, agora legitimado pela ciência, é um atributo essencial da postura impositiva do homem sobre a natureza.
Edgar Morin (2001) ironiza: “Não nos tornamos capazes de controlar genes e cérebros antes de nos controlarmos e de controlar nossos
controladores descontrolados?” (p. 29).
37
estudavam muitos assuntos integrados, se bem que ainda pouco desenvolvidos.
Com o mecanicismo, a natureza passou a ser um objeto (máquina)
manipulável, de onde se extrairia todas as leis de funcionamento, ou a “verdade”. É
famoso o dizer de Bacon a respeito: “Poder sobre a natureza é amarrá-la ao serviço humano e
fazê-la nossa escrava, (...) torturá-la até que ela nos entregue todos os segredos” (Francis
BACON, apud BOFF, 1999a, p. 133). Ou seja, tornou-se perigosamente legítimo, e até
aconselhável, que a natureza fosse passiva à intervenção humana. No capitalismo
emergente, valorizavam-se somente as terras exploradas pelo trabalho humano (terras
aradas, cultivadas, ou seja, quase sempre desmatadas) – as terras “deixadas de lado”,
que se mantinham preservadas, eram chamadas de “incultas” e não tinham valor. Isso
ocorre até hoje na Amazônia – as terras cobertas por florestas são mais baratas do que as
desmatadas, e boa parte do desmatamento é feito basicamente para valorizar a terra.
Segundo Hargrove (1996), nesse contexto, uma ética antropocêntrica e utilitária pôde
estabelecer-se, o que dificulta até hoje a construção de uma ética ambiental.
Paradoxalmente, o estudo detalhista da natureza implicou a perda de
alguns laços da humanidade para com ela. Dizem alguns que as leis (ou “mistérios”) da
natureza são melhor desvendados por meio de observações não-intervencionistas: “O
saber científico descobre-se hoje ‘escuta poética’ da natureza” (PRIGOGINE & STENGERS,
1991, p. 4). Outros autores como Rousseau, John Locke e Claude Lévi-Strauss
enxergaram a passagem do homem de um “estado de natureza” para um “estado
social”.19 O ambientalismo é inovador justamente porque busca certa reversão deste
fato, mediante a inserção da natureza no contrato social (ALEXANDRE, 2001).
As origens do ambientalismo são inexatas, mas movimentos de
“defensores da natureza” podem ser observados ao longo do século XIX, principalmente
na Inglaterra (McCORMICK, 1992). É notório que, desde as primeiras leis de proteção às
florestas até a política ambiental atual, é a pressão do movimento ambientalista que dá
19 “Começou-se por separar o homem da natureza, e por fazer com que ele constituísse um reino soberano; acreditou-se, assim, encobrir seu
caráter mais irrecusável, a saber, que ele é, primeiro, um ser vivo. (...) Ao arrogar-se o direito de separar radicalmente a humanidade da
animalidade, e ao conferir a uma tudo o que retirava da outra, abria um ciclo maldito, cuja própria fronteira serviria para desviar os homens
de outros homens” (LÉVI-STRAUSS, 1973, p. 49, apud ARNT & SCHWARTZMAN, 1992, p. 31).
38
origem às políticas (FERREIRA, 1998; JACOBI, 1989). Ou seja, a opinião pública é
fundamental, principalmente quando é politicamente organizada, e é fruto desta
organização que, apenas recentemente, os governos nacionais têm incluído a questão
ambiental em suas agendas.
No começo do século XX, delineiam-se duas posturas opostas no
ambientalismo: o preservacionismo e o conservacionismo. Ambas consolidaram-se
preliminarmente nos EUA.
John Muir foi o primeiro grande ativista do preservacionismo. Na época,
este significava a preservação de reservas naturais com as finalidades de recreação,
educação, pesquisa e desenvolvimento espiritual. Posteriormente, o preservacionismo
foi incrementado com o pensamento de autores como Aldo Leopold. Baseia-se na
adoção de princípios da Ecologia que comprovam a necessidade de preservação para a
estabilidade e riqueza dos ecossistemas, e para a qualidade de vida do próprio homem.
O preservacionismo atualmente inclui o planejamento de assentamentos humanos
ecológicos. Uma das correntes que o representa é a Ecologia Profunda.20
Gifford Pinchot, engenheiro florestal, instaurou as bases teóricas do
conservacionismo, de objetivos econômicos. Segundo esta linha, os recursos naturais
devem ser administrados por um poder público centralizador e tecnocrático, de forma a
serem aproveitados economicamente mediante o uso sustentável. Este movimento teve
alta penetração no governo dos EUA, sendo Pinchot um dos assessores diretos do
Presidente Roosevelt, em 1901.
Desde as suas primeiras expressões até hoje, alguns seguidores destas
20 A Ecologia Profunda é um vertente da Ética Ambiental (VANDEVEER & PIERCE, 1993), e é também a corrente
do movimento ambientalista que mais cresce atualmente no mundo (BORGES & HOEFEL, 1999; PAEHLKE, 1997).
Tem como expoente o filósofo norueguês Arne Naess, que cunhou o termo “ecologia profunda” em 1972. Seu
arcabouço teórico inclui conceitos do paradigma sistêmico, e procura-se aplica-los à ação política com vistas a
sustentabilidade. Seus conceitos principais são o valor intrínseco (direito intrínseco à vida, ou existência, dos seres vivos e
não-vivos da natureza) e a auto-realização (necessidade de cada ser de se expressar em plenitude). A Ecologia Profunda
busca uma ética ecocêntrica (ou biocêntrica), oposta à antropocêntrica. Brian Norton (1992) destaca que a ética do valor
intrínseco é condição para a estabilidade (ou resiliência) dos ecossistemas, que por sua vez é necessária e se encontra fora
do controle humano.
39
correntes degladiam-se nas arenas políticas.21 Cabe destacar que ambas possuem pontos
positivos e negativos, estes últimos evidentes nas atitudes extremistas. Por exemplo,
preservacionistas radicais tendem a expulsar o homem de algumas reservas naturais por
não acreditar que o homem possa viver sustentavelmente. Conservacionistas radicais
tendem a sobre-explorar os recursos naturais acreditando que seus métodos
conseguiram equacionar todas as condições de sustentabilidade. Diante desta polêmica,
boa parte dos ambientalistas, sejam eles políticos, técnicos ou cientistas, concluem que
ambas as correntes são limitadas, se complementam, e devem compor as políticas, o que
é um fértil desafio. O preservacionismo e o conservacionismo têm, respectivamente, um
paralelo com as tendências ecocêntrica e tecnocêntrica, segundo a classificação de
O’Riordan (1995). Estas linhas serão melhor debatidas adiante.
Apesar de sua longa história, é no pós-2a. Guerra que a questão ambiental
é (re)conformada. Compõe-se de construções cognitivas e sociais acerca das relações
homem-natureza, o que não é novo. Novas são a importância e a dimensão desta
questão numa era marcada por problemas sócio-ambientais graves.
Na década de 60, preocupações com os impactos ambientais,
principalmente oriundos da tecnologia nuclear e da “revolução verde”22 (COMMONER,
1971), se condensaram em novas modalidades de movimentos sociais - os ecológicos, ou
ambientais. Um dos marcos desta época foi o influente livro de Rachel Carson de 1962,
Primavera Silenciosa, que denunciou uma série destes impactos.
Respostas governamentais a estes movimentos tomam corpo na década de
70, na forma das políticas ambientais nacionais e convenções mundiais sobre o assunto.
A questão ambiental também começa a penetrar significativamente na C&T nesta época,
com o surgimento de pesquisas específicas de abate à poluição, de biologia da
conservação e de reciclagem de materiais, entre outras. Hoje, no início do terceiro
milênio, assiste-se a um fenômeno que será certamente marcante para historiadores
41
a adesão da Rússia.23 Os EUA sofrem pressão diplomática por não terem aderido, o que
pode ocasionar, por exemplo, o boicote aos produtos norte-americanos.
2) Um aspecto negativo é o poder que alguns países podem adquirir sobre
outros, de modo a afetar as soberanias das nações. Há, por exemplo, um movimento
relativamente velado de “internacionalização da Amazônia”. Nos dias de hoje já pode
ser observada considerável presença científica, madeireira e militar estrangeira na
Amazônia, principalmente na Colômbia, Peru e Bolívia, em que se ocupam territórios
em nome do combate à produção e tráfico de drogas.24 Quanto aos acordos resultantes
de convenções econômicas, têm acontecido decisões questionáveis, como o
patenteamento de seres vivos e produtos da biodiversidade, nocivo para os países de
origem e confrontante aos princípios da CDB (Convenção sobre a Diversidade Biológica).
Dentre as diversas convenções ambientais, destacam-se a de Estocolmo,
em 1972 (Conferência das Nações Unidas para o Ambiente Humano), e a Eco-92, ou Rio-92, em
que se produziram os seguintes documentos: Agenda 21 Convenção sobre a Diversidade
Biológica (CDB), Declaração do Rio para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, Declaração de
Princípios sobre o Uso das Florestas, Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas e a Carta
da Terra (documento extra-oficial feito pelas ONGs).
A Convenção de Estocolmo-72 ocorreu num clima fervilhante de tomada de
consciência ambiental, sob influência de obras como Limites do Crescimento, do Clube de
Roma (1972). Esta convenção marcou o início da integração entre desenvolvimento e
meio ambiente, foi o grande marco da institucionalização da questão ambiental, deu
impulso à confecção das primeiras políticas ambientais e resultou na criação do
PNUMA.
A Eco-92 contou com milhares de pessoas reunidas em ONGs – estas, no
entanto, sem direito a voto. Existem dois produtos a serem analisados: os oficiais e os
23 Enquanto o Protocolo de Kyoto estabeleceu a meta de redução de 5,2% das emissões de carbono até 2000, as emissões
cresceram em 11% neste período (PALACIOS, 1998).
24 Parte deste movimento, que agrega inclusive ambientalistas, alega que as florestas tropicais devem ser bens comuns
da humanidade (“global commons”). Os países-sede destas florestas são contra esta visão, alegando que outros recursos
naturais, como o petróleo, não são comuns, mas sim nacionais e fortemente privatizados (CARVALHO & BROWN,
1996).
42
extra-oficiais. Os resultados extra-oficiais foram significativos – a partir daí, além de se
consolidar a integração desenvolvimento /meio ambiente, a questão ambiental passou a
ser reconhecida como interdisciplinar e complexa em essência. A Carta da Terra é uma
importante referência deste processo. Como herança, o ambientalismo passou a buscar a
integração da ciência com a sabedoria tradicional, da ecologia com a ética e das
abordagens analíticas com as holísticas (LEIS, 1998). Os documentos oficiais gerados
nessa reunião, principalmente a Agenda 21, trazem avanços também importantes, e são
referências centrais em política ambiental até hoje. Partes das afirmações publicadas
chegam a ser revolucionárias: “Entendemos que a salvação do planeta e de seus povos, de hoje
e de amanhã, requer a elaboração de um novo projeto civilizatório” (Declaração do Rio, 1992).
Fruto da diversidade de atores sociais presentes, outro resultado da Eco-92
foi a consolidação de uma vertente mais conservadora, em consonância com a Comissão
Brundtland (CMMAD), que recriou o conceito de desenvolvimento sustentável, ratificado
no Princípio n. 3 da Declaração do Rio. Usado com freqüência por governos, movimentos
ambientais, empresários, na “propaganda verde” e pela população em geral, há pouca
reflexão conceitual, e, na verdade, cada qual está falando de coisas muito diferentes sob
um mesmo “conceito guarda-chuva”, criticado por muitos como um conceito vazio, de
pouca ou nenhuma utilidade para o ambientalismo.
43
Se antes o conceito do desenvolvimento sustentável era vago, a partir
desse trabalho o conceito tornou-se ainda mais vago, e suas fragilidades residem no fato
de não definir ou problematizar dois outros termos: o desenvolvimento e as necessidades.
Pelas tônicas do Relatório Brundtland, o desenvolvimento é aquele “de
sempre”, que envolve consumismo, alta intensidade tecno-científica e impactos
ambientais (MARTINS, 1997). O livro Dicionário do Desenvolvimento, organizado por
Wolfgang Sachs (2000), contém artigos que problematizam o desenvolvimento, e
explicam como este conceito foi estabelecido no pós – 2ª. Guerra pelo país vencedor, os
EUA. Este conceito de desenvolvimento é marcante em cenários predatórios, social e
ecologicamente, tornando-se um dos construtos ideológicos mais poderosos de
dominação de países e povos inteiros por certos conglomerados empresariais e políticos.
As necessidades também permeiam esse contexto. Se elas não forem
problematizadas, mantém-se o conceito vigente do capitalismo globalizado, em que
crescentes e questionáveis necessidades são criadas pelo consumismo, com forte apelo
na propaganda e em novos padrões culturais também fabricados. Ora, freqüentemente
se encontra na literatura ambientalista a colocação de que as necessidades capitalistas
devem ser reduzidas na busca de modos de vida menos intervencionistas na natureza.
O Relatório Brundtland é classificado como superficial e tecnocêntrico,
pois não problematiza as questões sócio-ambientais propriamente ditas, tampouco o
crescimento econômico ou a importante questão da autonomia local (BORGES &
HOEFEL, 1999; HERCULANO, 1992; PAEHLKE, 1996): “A avaliação global desta Comissão
é que a economia internacional deve acelerar o crescimento mundial, respeitando porém as
limitações ecológicas” (CMMAD, 1991, p. 97). Ora, o crescimento econômico é questionado
pelo ambientalismo, de modo que a citação acima contém uma contradição interna.
Diante deste quadro, pode-se dizer que o conceito atual do
desenvolvimento sustentável apresenta antagonismos intrínsecos (ALTVATER, 1995;
MAY, 1995; SHIVA, 2000). O DS revela, na prática, a apropriação do discurso ambiental
44
pelas bases do capitalismo, boa parte na forma da “propaganda verde” - uma “tentativa
agonizante de legitimar o sistema” (SACHS, 2000; STAHEL, 1995).
Pouco a pouco, o conceito do desenvolvimento sustentável foi evoluindo
para um tripé que iguala, com mesmo peso, as sustentabilidades ambiental, social e
econômica. Ou seja, embora a origem do DS tenha sido ambiental, o conceito foi
aprimorado diante do reconhecimento de que a sustentabilidade ambiental, ao longo do
tempo, também depende das dimensões social e econômica. No entanto, é fato que a
maioria dos atores, ao utilizar o DS, pendem este tripé para o lado da sustentabilidade
econômica, de modo que a prioridade ambiental, novamente, é colocada no fim da fila.
Um conceito alternativo, criado por Maurice Strong, quando secretário
da Convenção de Estocolmo-72, é o do Ecodesenvolvimento. Este conceito significa a
busca de mudanças nos modelos de desenvolvimento com vistas à auto-
sustentabilidade endógena das populações (self-reliance) e à satisfação das necessidades
básicas por meio da internalização de critérios ambientais em todas as atividades
humanas (SACHS, 1986a). Trata-se de um conceito anterior e mais denso que o
desenvolvimento sustentável (HARBORTH, 1991; VIEIRA, 1995). Na década de 70 o
Ecodesenvolvimento tornou-se uma corrente do ambientalismo cujo expoente foi o
economista Ignacy Sachs. A referência central é a autonomia das comunidades e países
em formularem modelos de desenvolvimento adaptados. São cinco os enfoques do
Ecodesenvolvimento (adaptado de SACHS, 1986a): 1) A auto-sustentabilidade endógena
(self-reliance), a qual necessita de um estudo aprofundado do ecossistema e da cultura
local; 2) O planejamento participativo das políticas e a auto-gestão dos recursos; 3) A
lógica das necessidades básicas e da minimização de impactos ambientais; 4) A
dimensão de longo prazo; 5) Reformas institucionais, com a quebra da hegemonia do
mercado e a necessária presença do Estado por meio de políticas públicas.
Outro conceito alternativo, usado por autores da corrente da Ecologia
Social, seria o de sociedade sustentável, que desloca o enfoque da economia para o ser
humano (BOFF, 1996; HERCULANO, 1992; IUCN et al, 1999). “Sociedade sustentável é
45
aquela que pode sobreviver durante gerações e gerações e que seja prudente, flexível e sábia o
bastante para não comprometer seus sistemas físico e social de suporte” (MEADOWS et al,
1993, p. 209).
O desenvolvimento em si, se não for enviesado pela ideologia do progresso
capitalista, significa um processo denso de evolução de uma dada sociedade para
melhores condições de vida em geral: de educação, saúde, cultura, igualdade social,
cidadania, participação política, valores solidários ou comunitários, acesso a trabalho
digno e criativo, consciência ecológica, qualidade ambiental em geral (o que inclui a re-
orientação do setor produtivo para materiais renováveis, recicláveis, menos intensivos
em matéria, energia e resíduos), inclusão social de raças, gêneros e faixas etárias, entre
outras. Os autores que advogam o “crescimento econômico zero”, por exemplo,
defendem que os países “ricos” já atingiram um nível econômico bom, e que as
sociedades podem, então, cuidar de objetivos humanos mais nobres do que gerar e
acumular riqueza material, ficando a economia a serviço, apenas, da manutenção das
necessidades básicas, não necessitando, portanto, crescer (DALY, 1984).
O recorte é múltiplo, mas, quando se fala em modelos de
desenvolvimento alternativos, como nesta Tese, almejam-se focos no ser humano e na
natureza, e não na economia por si só. O desafio é, evidentemente, imenso, porque
envolve rupturas com os modelos vigentes.
* Do Dicionário Aurélio:
Sustentar é “conservar, manter” / “impedir a ruína ou queda de” /
“proteger” / “defender”.
1) As condições de vida de futuros atores sociais, as gerações futuras, que não estão
presentes para reclamar seus direitos (justiça inter-geracional);
2) Escalas de tempo de longo prazo, e esse aspecto encontra barreiras nas bases
49
imediatistas da economia predominante;
4) Se a população do mundo adotasse o meio de vida dos países ricos, isso significaria “o
fim imediato e irreversível da espécie humana” (HARBORTH, 1991, p. 10), de forma que a
sustentabilidade põe em xeque os padrões de produção e consumo, e problematiza a
própria noção de riqueza. Enquanto o capitalismo busca a produtividade, a
sustentabilidade busca a re-produtividade, ou a permanência.
Envolve também aspectos normativos nada novos em teoria, mas ainda raros na prática:
50
garantam que eles não farão mal à saúde. E este querer é legítimo, pois a população não
é obrigada a confiar na suposta certeza científica, ademais se souber do seu possível
patrocínio pelo agro-negócio.
Nossas sociedades “impregnadas de C&T” são “sociedades de risco”, nos
termos de Ulrich Beck (1999). Os avanços tecno-científicos são lançados sem que se
estudem suas possíveis conseqüências tóxicas e maléficas (COMMONER, 1971), como
foi o caso das mortes e doenças resultantes do uso generalizado do raio-X em hospitais,
do uso da talidomida como remédio, do uso do DDT como pesticida, do uso dos PCBs, e
da má disposição dos resíduos industriais. Além do desconhecimento, fruto da própria
impossibilidade de pesquisar certos aspectos na época em que as tecnologias são
produzidas (BARBOUR, 1980), há também numerosos casos de omissão – algumas
indústrias seguem com seus processos e produtos nocivos por décadas, a despeito das
doenças e mortes de causa comprovada dos seus trabalhadores. “Os problemas de saúde
ocupacional de hoje serão os problemas ambientais globais de amanhã” (tradução própria de
PAEHLKE, 1989, p. 37).
Por outro lado, há sempre cientistas de um lado e de outro que polemizam
entre si. Enquanto alguns apostam na inofensibilidade dos alimentos transgênicos,
outros são contrários, prevendo impactos sem solução para a saúde pública e os
ecossistemas (HO, 1997; RIFKIN, 1998). Diante destes questionamentos, as posturas
tecnocêntricas podem ser perigosas. A Ecologia Profunda diz que o tecnocentrismo é o
principal sintoma da “alienação ecológica”25 das sociedades, o que pode ser ilustrado na
citação a seguir:
25 A alienação é um dos pontos centrais de análise da Ecologia Profunda, que busca explicações psicológicas para os
comportamentos anti-ecológicos dos homens: “eles simplesmente não sabem o que estão fazendo”, nem qual é a dimensão dos
problemas gerados. Outros autores fazem esta reflexão, utilizando conceitos semelhantes como “crise de percepção”
(CAPRA, 1982), “ilusão” e “patologia cultural” (de Thomas Berry) (HOEFEL, 1999).
51
alimentos nutritivos de seus mágicos tubos de ensaio” (ROSZAK, 1972, p. 13, apud
HOEFEL, 1999, p. 145).
“Em nossa cultura ocidental, estamos imersos na idéia de que temos que
controlar a natureza, porque cremos que o conhecimento permite o controle. Mas isto,
de fato, não ocorre. Se o conhecimento leva a alguma parte, é ao entendimento, à
compreensão, e isto leva a uma ação harmônica e ajustada com os outros e com o
meio” (p. 55).
53
of-pipe (“fim da chaminé”). Este caminho é paliativo e não de soluções. Através dele, os
problemas ambientais apenas mudam de lugar ou de estado físico. E mantém-se o
círculo vicioso de dependência de tecnologias intensivas em matéria, energia e resíduos
em seu ciclo-de-vida.
A instalação de um paradigma sócio-técnico verde esbarra na inércia típica
das trajetórias tecnológicas estabelecidas. Esta inércia é tecnológica e institucional, pois o
desenvolvimento tecnológico está condicionado a diversos fatores, tais como
padronização e lock-in. Como conseqüência, a reorientação das trajetórias demanda
políticas que promovam inovações induzidas e radicais (FORAY & GRÜBLER, 1996;
KEMP & SOETE, 1992).26 As novas tecnologias encontram-se, por definição, em posição
desfavorável, pois são mais caras, pouco conhecidas e, em geral, insuficientes em
qualidade. M. Castells (1999) demonstra que as revoluções tecnológicas são induzidas
pelas políticas públicas, elas não surgem espontaneamente, ainda que sua lucratividade
seja provável. Outra dificuldade é que as inovações “verdes” possuem relativamente
pouca demanda de mercado. Estabelecer mercados verdes necessita de fortes incentivos
governamentais, pois a população, especialmente a menos favorecida, não está disposta
a pagar mais caro por produtos ecológicos.
26 Existem dois tipos básicos de inovação: as que ocorrem “naturalmente” dentro da trajetória tecnológica estabelecida,
chamadas de caminho-dependentes (path-dependent), e as inovações induzidas por políticas. As inovações também podem ser
classificadas entre radicais e incrementais (estas últimas não promovem mudanças significativas no setor produtivo ou nos
padrões de consumo) (FORAY & GRÜBLER, 1996).
54
Ecodesenvolvimento parecem absorver o conceito de tecnologia apropriada e ampliá-lo
com a inserção dos critérios ecológicos. Também no Ecodesenvolvimento a referência é a
comunidade local (que pode ser de pequena escala até de um país), buscando-se a auto-
sustentabilidade endógena (self-reliance). Resulta um arcabouço conceitual que pretende-
se ecologicamente adequado, socialmente justo e participativo. As eco-técnicas possuem
as seguintes características (adaptado de LOPES, 1999 e SACHS, 1986a):
28 Embora abordem-se os paradigmas do ponto de vista científico, a ciência é apenas um dos seus aspectos. A ciência é
indissociável da cultura e dos valores humanos. Os paradigmas envolvem todo um arcabouço cultural e filosófico que
reflete os pensamentos dominantes na sociedade.
29 Destaca-se, porém, que não se trata de interromper completamente o uso dos métodos mecanicistas – eles continuam
úteis e considerados. O enfoque sistêmico promove uma ampliação do conhecimento, com métodos diferentes, e
provavelmente mais úteis aos desafios atuais.
56
dos sistemas como um todo. Trata-se de uma abordagem oposta a do método analítico,
do estudo dos elementos fragmentados. Há toda uma teoria da complexidade sendo
gerada neste âmbito, que conta com sofisticados cálculos matemáticos.30 Novos
conceitos e novos ramos do conhecimento têm sido gerados, como as teorias
organizacionais e informacionais – que tratam, essencialmente, das relações entre
elementos de um sistema (MATURANA, 2001).
Para abordar a política ambiental, especialmente se está se buscando sua
transversalidade através de outras políticas, é preciso lançar mão deste novo arcabouço
conceitual, pois o desafio é a integração de teorias e formas de agir classicamente
dissociadas. Para integrar não basta colocar os elementos lado a lado – é preciso
desenvolver técnicas de interação positiva entre eles. A esse respeito, pode-se trazer a
seguinte conceituação, oriunda da Educação Ambiental:
58
extenso, mas far-se-á um passeio pelos principais conceitos deste paradigma, relevantes
para a sustentabilidade ambiental.
A impossibilidade de separar sujeito e objeto é uma premissa do
paradigma sistêmico. É cada vez mais nítido, da Física às Ciências Sociais, que,
conforme o pesquisador e as condições de pesquisa, os resultados científicos são
diferentes. Isto demonstra que não é possível obter verdades últimas, e que a incerteza é
mais regra do que exceção (BARBOUR, 1980). Os sujeitos perturbam o objeto estudado,
a partir de suas concepções éticas, experiências prévias, expectativas e limitações. Isso é
um grande balanço epistemológico que atinge o próprio núcleo cognitivo das ciências
(segundo o trabalho de alguns autores dos Estudos Sociais da Ciência, como Mulkay e
Bruno Latour) – a partir dessa compreensão, as ciências são pressionadas a recuar de
suas pretensões de verdade e controle.
A implicação deste fato para a questão ambiental também é grande – ele
corrobora com o importante Princípio da Precaução, ratificado no Princípio n. 15 da
Declaração do Rio, conforme se lê:
59
e novos produtos totalmente desconhecidos da natureza (boa parte deles tóxicos, e cuja
degradação é muito lenta e/ou gera produtos tóxicos) são gerados continuamente, sem
que se estude seu impacto ecológico. O “capital de risco” e o risco em geral são
econômicos: o produto vai ou não obter mercado? O risco ecológico não é aventado pelo
sistema industrial.
Semelhante ao Princípio da Precaução, Barry Commoner (1971) enunciou:
“a natureza sabe melhor” (nature knows best). Por exemplo, é preciso aprender a reflorestar
observando-se a dinâmica de regeneração natural das florestas. É preciso aprender a
fazer agricultura em diversidade e pequenas escalas, como ocorrem os vegetais na
natureza. “Uma coisa é correta quando ela tende a preservar a integridade, a estabilidade e a
beleza de uma comunidade biótica. Ela é incorreta quando tende ao contrário” (LEOPOLD,
1949). Este princípio também leva à necessidade da mínima interferência humana na
natureza, advogado pelos teóricos da Ecologia Profunda.
O estudo dos sistemas complexos revela que tudo o que existe no Universo
se relaciona entre si. Desde radiações sutis até relações mais concretas no nível material,
a realidade é composta de um eterno fluxo de matéria, energia e informação, e de
relação e interferência. No Planeta Terra isso é visível, por exemplo, nas relações dos
seres em cadeias alimentares. Mas há muito mais complexidade e interação envolvendo
os seres vivos e não-vivos, ou seja, todos os elementos presentes, como o solo, o subsolo,
as águas, as montanhas, a atmosfera, a luz e a força gravitacional do Sol, da Lua e das
estrelas.
Assim a Ecologia, que trata das relações dos seres vivos entre si e com o
meio, está intrinsecamente relacionada com o pensamento complexo ou sistêmico. “O
pensamento ecológico é uma via de acesso muito importante para o pensamento complexo. Mas o
contrário é igualmente verdadeiro: como o pensamento ecológico leva necessariamente ao
pensamento complexo, este integra também necessariamente em si a dimensão ecológica”
(MORIN, 1997, p. 66). Edgar Morin e Fritjof Capra chegam a falar em “paradigma
ecológico” como sinônimo de “paradigma sistêmico”.
A Teoria da Evolução das Espécies demonstra como as espécies co-
60
evoluem num “balé” sincronizado, cheio de relações e transmissão de informações. O
fato de que o bico de um beija-flor é especialmente adaptado a uma flor, que por sua vez
é bem adaptada a determinado solo, clima e uma espécie de capivara que promove sua
adubação, revela como o beija-flor, a flor, a capivara e muitos outros seres e elementos
estão ligados em finas calibragens de relações. É a Teia da Vida, como enunciou Capra.
A Teoria de Gaia, enunciada por James Lovelock e Lynn Margulis em 1972,
é especialmente relevante na atualidade, pois enfoca a inter-relação dos seres (MORIN,
1997). Ela postula que o Planeta Terra se comporta como um ser vivo, um super-
organismo. A este organismo chamou-se de Gaia, referindo-se a uma denominação
antiga, metafísica, da “Grande Mãe Terra”. Os elementos que a constituem co-evoluem:
os seres vivos e não-vivos. A composição química de nossa atmosfera, por exemplo
(aproximadamente 20% de oxigênio e 78% de nitrogênio), só pôde estabelecer-se
mediante as trocas gasosas promovidas pelos seres vivos em evolução – antes disso, a
atmosfera era rica em carbono, imprópria à nossa vida. Seres vivos e ar se
complementam, co-existem em inter-dependência (LOVELOCK, 1972). A Teoria de Gaia
demonstra a dependência que nós, humanos, temos da natureza e, portanto, nossa
possível fragilidade diante de fatos como a perda de biodiversidade (MARGULIS, 1989).
Outro conceito central é o da auto-organização. Embora não sejamos
capazes de captar a complexidade dos sistemas reais, ela é uma complexidade
organizada. Os sistemas, em sua busca de estabilidade, movimentam-se em direção a
estados crescentemente organizados, por meio da auto-organização. Daí outro ramo
frutífero de estudos; as Teorias Organizacionais, úteis tanto para os sistemas naturais
quanto os sociais e políticos.
Os sistemas naturais inserem-se um dentro do outro em infinitas redes de
sistemas; redes de vida. Partículas sub-atômicas se inserem em átomos, que se
organizam em moléculas, que podem formar células, que compõem tecidos, que
formam órgãos que se juntam num corpo humano. Estas redes são importantes pontos
de referência na busca da sustentabilidade.
61
A Ética também compõe o espectro de questionamentos ao paradigma
racionalista. A questão ambiental é totalmente permeada pela ética, uma ética
ambiental: quais posturas devem-se adotar perante os demais seres vivos? Daí a
importância da Educação Ambiental (formal – escolar – e não-formal – para a população
em geral), meio privilegiado para estimular este debate, na construção de uma nova
ética. Este debate é amplo e conta com uma nova área do conhecimento: a Ética
Ambiental.
Hargrove (1996) analisa porque uma ética para com a natureza foi tão
inexpressiva durante séculos – as éticas em geral são antropocêntricas, só entrando em
jogo as relações humanas. Uma das explicações prováveis talvez seja o excesso de
racionalismo, pois “a ética não tem um fundamento racional, mas sim emocional”
(MATURANA, 2001, p. 73). A razão não é independente dos nossos estados emocionais.
O autor ironiza: “A razão se altera se damos uma paulada na cabeça daquele que raciocina. Se a
biologia se altera, altera-se o raciocinar” (p. 51). “Não é possível separar racionalidade humana
das emoções, nem da intuição” (HOEFEL, 1999, p. 143).
Dessa forma, o paradigma mecanicista não só não foi adequado para
estimular debates éticos, bem como os obstruiu. Analogamente, é ilusão pensar que os
métodos científicos são puramente racionais, o que equivale a pensar que a ciência é
independente da ética. Estas questões são relevantes para a inserção da questão
ambiental na ciência, na política ou na economia.
Os primeiros passos do paradigma sistêmico podem levar às seguintes
conclusões:
1) O caráter “alarmista” do ambientalismo, segundo o qual a espécie
humana pode vir a perecer com a intensificação dos problemas ambientais, tem
procedência (MORIN, 1997). A Ecologia comprova que qualquer mal-trato ou
desequilíbrio provocado na natureza gera efeitos negativos à nossa sobrevivência, direta
ou indiretamente, lenta ou rapidamente, ou pior, quase sempre imprevisível ou
incontrolavelmente. A extinção de uma espécie, por exemplo, promove a extinção de
62
centenas de outras (HOEFEL, 1999). Devido à teia de relações em que a humanidade se
insere, clama-se por mais responsabilidade nas ações, evitando-se intervenções fortes na
natureza. “O tempo se constrói e isso implica responsabilidades éticas” (Ilya PRIGOGINE,
apud LASZLO, 1989, p. 24). “O planeta é mais do que nós, mais fundamental e básico do que
nossa própria espécie isolada” (Arne NAESS, apud HOEFEL, 1999, p. 109).
2) Existe um pensamento marcante de que a natureza é, acima de tudo,
uma grande arena de competição entre as espécies, segundo a “seleção natural” (da
Teoria da Evolução das Espécies, de Charles Darwin, constituída em meados do século
XIX). Por outro lado, é bem verdade que a competição é central para o capitalismo
liberal, tida como saudável e até geradora de justiça através da “mão invisível”, de
Adam Smith. Para consubstanciar esta ideologia, é fato que alguns pensadores se
utilizam indevidamente do conceito da competição entre as espécies (FERRÉ &
HARTEL, 1994). Faz-se uma falsa analogia com o ser humano, consolidando-se o
pensamento de que é natural que seres humanos compitam entre si, continuamente, por
recursos (sejam eles naturais, financeiros ou mercadorias): e que vença o melhor! A esta
corrente chama-se de darwinismo social.
No darwinismo social surgem teorias eticamente questionáveis, como a
ética do bote salva-vidas, do biólogo Garret Hardin, de inspiração malthusiana. Segundo
ela, o mundo é um grande mar em que a humanidade nada em busca de terra firme
(recursos à vida), onde existem poucos botes seguros: os países ricos. Fatalmente, boa
parte da população humana tende a morrer afogada... Trata-se a exclusão social como se
fosse um fenômeno natural.32
32 Há considerável reflexão quanto aos problemas dessa teoria na literatura, por exemplo, não se leva em conta o fato de
que os países ricos não o são “por definição”, mas sim por concentrarem recursos naturais e financeiros dos países
pobres. O Princípio da População de Thomas Malthus, de 1798, segundo a qual o crescimento populacional deve ser
contido para evitar a escassez de recursos, gerou reflexos hediondos na Inglaterra: através da Lei dos Pobres, 500 mil
ingleses foram expulsos do país no início do século XIX, o que perfazia quase 10% da população. Embora alguns autores
argumentem que isto foi um mal-uso político da teoria, outros acusam Malthus de se basear numa postura elitista na
própria construção da sua teoria. Samuel M. Branco traz relatos de Malthus que evidenciam suas posições: “As leis de
assistência aos pobres, na Inglaterra, foram, sem dúvida, instituídas com o mais magnânimo propósito, porém, há muitas razões para se pensar
que elas não foram bem sucedidas. (...) O benefício trazido aos pobres está muito longe de livrá-los da miséria. (...) Todos os sistemas de
assistência desse tipo que tendem a permitir um aumento da população (...) criam, como conseqüência, um maior número de pobres”
(BRANCO, 1999, p. 72).
63
Enquanto isso, alguns ecólogos e filósofos demonstram o contrário - a
competição é presente sim, mas ela ocorre junto à cooperação, como complementos
contínuos na natureza. Mas é visível que a cooperação predomina (BOFF, 1996;
PELIZZOLI, 2002; MORIN, 2001). Afinal, a tendência predominante na natureza é
integrar novos elementos que surjam, se enriquecendo em variedade e quantidade de
vida, e não empobrecer ou diminuir. Os ecossistemas tendem a crescentes níveis de
complexidade e diferenciação entre espécies e seres. A biodiversidade tende a aumentar
(na ausência de impactos ambientais), já que isso é importante para a própria
estabilidade ou resiliência do ecossistema (conforme comentado anteriormente).
Às sociedades também se aplica a Teoria de Sistemas. A complexidade
antropo-social é fruto da complexidade biológica anterior, que nos envolve por
completo. A dimensão ecológica perpassa todos os problemas humanos (MORIN, 2001).
Aqui também se conclui que, quando a cooperação predomina, são maiores as chances
de prosperidade e estabilidade nas sociedades. É o que se pode observar na tendência de
cooperação inter-institucional nas políticas públicas, e de cooperação de países em
gestão de problemas globais. A crise sócio-ambiental extravasa seus danos a pobres e
ricos, a negros e brancos, a perdedores e vencedores do capitalismo. Segundo Ervin
Laszlo (1989), a sociedade e suas instituições são sistemas autônomos e complexos que,
como qualquer sistema, precisam ser capazes de regenerar-se e reproduzir-se. Ora, “as
nossas instituições estão se degenerando” (p. 76). Talvez os tais “botes salva-vidas” estejam
todos afundando, e somente a cooperação entre ricos e pobres poderá salvá-los.
Pode-se enfim concluir que o homem deve cooperar mais com as
dinâmicas naturais, e essa não é só uma conclusão ética, mas também ecológica.
Ecossistemas e sistemas sociais co-evoluem (NORGAARD, 1994). Deste modo, é
importante que as intervenções sociais nos ecossistemas sejam positivas para que as
respostas sejam também positivas.
64
Um dos problemas mais evidentes do capitalismo moderno é a antítese
entre Economia e Ecologia. Mas ambas são vinculadas ao mesmo objeto, o sistema-Terra
(eco vem de oikos = casa). A Economia (nomia vem de nomos = administração) lida com a
administração da produção e do consumo material na Terra, enquanto a Ecologia (logia
vem de logos = saber) trata do funcionamento natural do planeta, o que inclui a
formação dos recursos materiais necessários ao homem. Portanto, a Economia poderia
ser vista como um sub-sistema da Ecologia, e como tal não poderia se furtar a considerar
a sustentabilidade ecológica, sob risco de inviabilizar-se a si mesma (ARROW et al,
1995).
A economia capitalista desconsidera as leis naturais. Ela não adota limites
e têm exagerado no consumo de recursos e geração de resíduos. A Economia Ecológica
procura inverter essa lógica, buscando estabelecer limites mediante a aplicação de leis
naturais à economia, começando pela 2ª Lei da Termodinâmica, ou a Lei da Entropia
Crescente. Os trabalhos seminais neste assunto foram os de Nicholas Georgescu-Roegen,
de 1971. Para esse desafio de compatibilizar as dinâmicas econômicas às ecológicas,
propõem-se complicados métodos de valoração de recursos e produtos em unidades de
medida que possam ser aplicadas também aos ciclos naturais, como a energia e a emergia
(unidade que se refere ao teor de energia solar incorporada num material, por
fenômenos naturais ou por processos industriais).
A 2ª. Lei da Termodinâmica demonstra como a entropia tende a aumentar
no Universo, acompanhada da perda de energia útil e da homogeneização térmica do
ambiente. Ela explica, em boa parte, a irreversibilidade dos fenômenos (mais favoráveis
do que os reversíveis) e as perdas materiais e energéticas dos processos industriais. Por
outro lado, os organismos vivos necessitam de um ambiente de baixa entropia para
subsistirem; os recursos naturais costumam apresentar baixa entropia, e por isso podem
ser utilizados. Por outro lado, geram-se resíduos de alta entropia. Somos, portanto,
estruturas dissipativas, como definiu Ilya Prigogine (1991). A economia industrial é
65
também uma estrutura dissipativa, porém em escalas muito maiores, velozes e
perigosas à vida.
Para que as estruturas dissipativas se mantenham, é necessário que seu
aumento de entropia seja compensado com ações conservativas. A natureza permanece
equilibrada quando os resíduos são reciclados na cadeia natural, e para isso é preciso
que os recursos naturais sejam consumidos respeitando-se suas taxas temporais de
reposição. Em outras palavras, a ecosfera funciona em ciclos, em que a geração de
entropia é minimizada na permanente busca de homeostase (auto-regulação entrópica).
A própria definição de sustentabilidade pode ser “o esforço de manter a entropia total em
níveis mínimos” (BINSWANGER, 1993 apud CAVALCANTI, 1996a). A economia vigente
opera em outra direção:
67
Nos trabalhos que buscam a sustentabilidade sócio-ambiental, criam-se
princípios teóricos e prioridades de ação, as quais, posteriormente, servirão de base para
os critérios e indicadores de sustentabilidade, que por sua vez serão necessários às
políticas ambientais. Há prioridades amplas, como as do Ecodesenvolvimento, mas é
necessário desenvolve-las de forma adaptada a cada região ou bioma. A seguir, serão
trazidos os debates que consolidam algumas prioridades sócio-ambientais para o bioma
amazônico.
Alguns dados a respeito das florestas tropicais: 55% delas foram
devastadas (KRAFT, 1996), a taxa de desmatamento mundial está em 12,6 milhões de
hectares por ano (WORLD BANK, 2002) e o ritmo de extinção de espécies é alarmante;
estima-se que, em 2015, 25% das espécies existentes terão sido perdidas (WILSON,
2000).
Na Amazônia brasileira, já foi desmatado 15,6% de seu território, ou seja,
62,5 milhões de hectares (INPE, 2004), e estima-se que 25% destas áreas desmatadas
estão abandonadas (OESP, 2004). A taxa de desmatamento anual está em cerca de 2,4
milhões de hectares por ano (nos dados de 2003; em 2002 a taxa foi de 2,55 milhões
(INPE, 2004)), o que equivale à metade do território da Suíça. A Amazônia brasileira
contribui com 5,48% das emissões mundiais de carbono através das abundantes
queimadas anuais (FEARNSIDE, 2001).
A Amazônia contém a floresta mais preservada e biodiversa. Fornece
serviços ambientais mundiais como regulação dos ciclos climáticos, hidrológicos e
atmosféricos, estoque de água doce (14% da mundial) e estoque de biodiversidade. A
importância da preservação da biodiversidade é grande, pois, além dos potenciais usos
futuros dos seus produtos, ela contém a herança genética de milhões de anos de
evolução, provê a resiliência e a re-produtividade dos ecossistemas e relaciona-se com a
ciclagem de nutrientes em nível global (BARBIER et al, 1994; WILSON, 1988). Além do
valor ecológico e econômico que a Floresta Amazônica representa, há os não menos
68
importantes valores intrínsecos33 paisagísticos e sócio-culturais, de bem-estar e
desenvolvimento espiritual.
A Amazônia é um bioma ecologicamente frágil. A regeneração da floresta
é difícil, a começar pela fragilidade de suas sementes (WILSON, 1988).
33 O valor intrínseco, um conceito ainda pouco conhecido, definido pela Ecologia Profunda, é ratificado na forma do
primeiro princípio da Política Nacional da Biodiversidade brasileira (Dec. 4.339 de 22/08/2002).
69
Áreas protegidas pequenas e fragmentadas não permitem que a floresta exerça as
funções ecológicas mais amplas,34 e muitas espécies perecem.35 De suma importância são
os mosaicos e corredores ecológicos (VALLADARES-PÁDUA, 2002), ou seja, a
conectividade entre áreas protegidas para preservar porções de floresta contínua,
permitindo a reprodução e o fluxo gênico das espécies.
Com a lenta conscientização ambiental mundial, o significado da
Amazônia passou por uma grande mudança; de possível “celeiro do mundo” ela se
tornou um “patrimônio ecológico” a ser preservado. Na década de 70 a ordem do
Governo Brasileiro era ocupar a Amazônia com agro-pecuária (BECKER, 1990). Os
desmatamentos não eram constrangedores, até pelo passado colonial e exploratório do
Brasil, em que a filosofia era mesmo a de queimar e limpar a terra, a floresta sendo um
“embaraço” ao desenvolvimento. E, afinal, parecia tão abundante que jamais acabaria
(MORAES, 1997; PÁDUA, 2002, 2003). Boa parte da evolução da Política Ambiental
Brasileira se deu em função desta revolução do significado da Amazônia, já que o
Governo Brasileiro é permanentemente cobrado, pelos demais países, pela diminuição
dos desmatamentos e queimadas neste bioma.
No entanto, na Amazônia, há conflitos entre visões, e boa parte dos
pequenos e grandes proprietários continua desmatando, principalmente para a
instalação da pecuária.36 A pecuária é o maior vilão do desmatamento, respondendo
por 80% da área desmatada (OESP, 2004) e por outros problemas ambientais na
Amazônia, como o assoreamento dos rios e as enormes queimadas anuais para
renovação da pastagem. Pequenos produtores iludem-se com a rentabilidade do gado,
ainda que com poucas cabeças. O gado funciona como “poupança” para a maioria deles,
mesmo os extrativistas. Um dos atrativos é que o gado é um “produto que anda”,
34 No entanto, Valladares-Pádua et al. (2002) comentam acerca da importância de conservar também pequenas áreas,
pois elas servem como proteção de corpos d’água, nascentes e do solo local, como bancos de sementes para
reflorestamento e refúgio para aves migratórias, além de também contribuir com parte da conservação da biodiversidade.
35 As onças, por exemplo, necessitam de um mínimo de 20 mil hectares contínuos de floresta para se reproduzirem.
36 Existem diversos trabalhos que comprovam a não adequação da pecuária para a Amazônia, e a comparam com outras
alternativas. C. Uhl (1989) demonstrou que o extrativismo de um castanhal natural produz mais alimentos por hectare do
que sua conversão em pastagem. Seriam 1.040 kg de castanhas versus 100 kg de carne bovina anual, em que a castanha
também excede em valor econômico e nutritivo (apud ARNT & SCHWARTZMAN, 1992, p. 191).
70
diminuindo as clássicas dificuldades de escoamento da produção (LEITE, 2004). Mas a
motivação norteadora da abertura de pastagens é a valorização da terra – isso é prática
muito comum no Acre. Formam-se pastagens sem que se disponha de uma só cabeça de
gado.
A agricultura, de pequena ou grande escala, tem sido praticada também de
forma inadequada na Amazônia, à base de sucessivas derrubadas e queimas de floresta.
As áreas cultivadas perdem sua fertilidade em dois ou três anos, e alegam-se grandes
dificuldades para executar o “manejo de capoeiras”,37 que consiste no reaproveitamento
de áreas cultivadas em ciclos rotativos. Na verdade, alguns seringueiros testemunham
de que estas dificuldades são uma “desculpa” atual para o produtor formar pastagem
nas áreas de roçado, já que a rotatividade dos cultivos era praticada sem maiores
problemas durante décadas. Segundo José Augusto Pádua (2003), essas práticas
predatórias também são reminiscências da tradição colonial, em que se queimavam
progressivamente novas áreas, abandonando as antigas, numa espécie de nomadismo
predatório. No Acre, técnicos da área ambiental ressentem-se da força da cultura do uso
do fogo.
Na Amazônia, somam-se outras pressões de degradação, como a
mineração e a construção do Gasoduto de Urucu-Coari. De certo modo, apesar dos
esforços contrários de setores federais como o Ministério do Meio Ambiente, mantém-se
parte significativa das políticas federais desenvolvimentistas na Amazônia, que pouco
ou nada incluem critérios ambientais. Fazem-se presentes projetos de grande porte
ambientalmente impactantes, como rodovias, hidrelétricas, gasodutos, termelétricas e, o
que é talvez a pior iniciativa, a penetração expressiva de monoculturas de soja no norte
do Mato Grosso, no Pará, no Tocantins e em Rondônia. Novamente, depara-se com a
necessidade de políticas ambientais transversais: “A Amazônia de hoje continua sendo
exposta a contraditórias políticas públicas. As políticas ambientais (...) continuam fechadas em si,
e as políticas econômicas repetem ainda antigos modelos” (MELLO, 2002, p. 286).
37 Capoeira é o nome que se dá à floresta em regeneração numa área que foi desmatada.
71
É preciso ressaltar que hoje, diferente do que ocorria na década de 70, boa
parte dos projetos conta com avaliações e contrapartidas sócio-ambientais importantes,
conquistadas às vezes em longas batalhas políticas e judiciais.
Na arena política amazônica persistem duas correntes opostas, às quais
Bertha Becker (2001) denomina de exógena e endógena. Outros autores que, de forma
semelhante, identificam duas correntes em conflito na Amazônia são Arnt &
Schwartzman (1992), Leonardo Boff (1996) e Neli Mello (2002).
A corrente exógena seria a “desenvolvimentista” e ambientalmente
inadequada, trazida historicamente por grandes interesses político-econômicos que
concebem a Amazônia como fonte de recursos naturais (o “celeiro do mundo”). Esta
corrente envolve atores da esfera privada, nacional e estrangeira, que buscam a
apropriação maior e mais rápida possível dos recursos. Ela é também representada por
parte dos governos estrangeiros e do Governo Federal que, a exemplo do governo
militar das décadas de 60 e 70, procura ocupar a Amazônia com grandes programas de
desenvolvimento, que incluem os programas comentados acima e a exploração
madeireira em grande escala.
A corrente endógena seria a representada por diversas instituições locais,
buscando o desenvolvimento local, auto-sustentável e ambientalmente adequado, a
partir das potencialidades culturais históricas e atuais da vida na floresta, que envolvem
o extrativismo não-madeireiro, a agregação de valor a estes produtos com tecnologias
apropriadas e a bio-prospecção eticamente regulada e que inclua a repartição de
benefícios. Esta corrente busca garantir a conservação ambiental, podendo inseri-la no
desenvolvimento enquanto fornecedora de serviços ambientais globais e de eco-turismo.
Esta corrente, semelhante ao Ecodesenvolvimento, encontra aliados em instituições
ambientalistas, nacionais e estrangeiras, e em instituições governamentais (em parte do
Governo Federal e de governos externos).38
38 “Enquanto o G-7 e a União Européia fazem doações para proteger a floresta através do PPG-7 e outras iniciativas, por outro lado, na
Organização Mundial do Comércio, estimulam a expansão da soja no Brasil para alimentar seus rebanhos suíno e bovino. (...) O Japão,
participando do PPG-7, para ele pouco contribui, embora seja um dos principais suportes financeiros para a expansão da soja nos cerrados
brasileiros” (BECKER, 2001, p. 152).
72
Na verdade, não se visualiza um cenário de “vitória” de uma dessas
correntes, mas sim um permanente conflito entre as duas. Faz-se necessária a negociação
aberta e participativa entre elas, que permita a co-existência da conservação ambiental,
da vida digna às populações amazônicas (especialmente às tradicionais) e da inevitável
inserção da Floresta Amazônia no desenvolvimento econômico brasileiro, dos demais
países amazônicos e do mundo (ALBAGLI, 2001). Mas enquanto este conflito ocorre, a
degradação ambiental continua, tanto porque a corrente exógena (ambientalmente
inadequada) é mais poderosa e organizada quanto por haver contradições internas na
corrente endógena (ambientalmente mais sustentável).
As atividades produtivas da Amazônia devem ser re-orientadas segundo
uma economia de base florestal, principalmente do extrativismo (LEITE, 2004). “O
extrativismo deve ser entendido como paradigmático do desenvolvimento sustentável, na medida
em que concebe os recursos naturais e ambientais como recursos produtivos cuja conservação está
intrinsecamente relacionada com o bem-estar social e econômico das comunidades extrativistas”
(ALLEGRETTI, 1994, p. 16). O extrativismo é a prática milenar de exploração dos mais
diversos recursos naturais mantendo-se sua base produtiva natural (sua
renovabilidade), contemplando várias técnicas de exploração, sistemas produtivos e
populações praticantes (calculam-se em 200 milhões de pessoas no mundo) (MOREIRA,
2000; PINTON & AUBERTIN, 1997). O extrativismo florestal tem sido chamado, na
atualidade, de “manejo não-madeireiro”. Embora o extrativismo seja, teoricamente,
ecologicamente sustentável, nas condições reais isso nem sempre é verdade. Depende-se
da observância da capacidade de suporte do recurso em questão. É preciso incorporar,
nas práticas extrativistas, permanente pesquisa e registro de conhecimento, tanto do
saber tradicional local quanto do científico formal.
A Amazônia pode fornecer uma imensa variedade de produtos e sub-
produtos tais como frutas (açaí, cupuaçu, bacaba, pupunha, bacuri, cocos diversos),
sementes comestíveis, que fornecem óleos, úteis para reflorestamento ou para artesanato
(castanha-do-brasil, jarina, tucumã), óleos medicinais, cosméticos ou combustíveis
(copaíba, andiroba, dendê, outras palmeiras), resinas (seringueira, janaguba, breu),
73
ampla variedade de plantas medicinais (unha-de-gato, quina-quina, sangue de dragão),
ceras (carnaúba), cosméticos (pau-rosa, pimenta-longa, jaborandi), cipós, fibras e plantas
ornamentais (bromélias).
Para incrementar o extrativismo propõem-se inovações tecnológicas como
a diversificação de produtos por unidade produtiva, o adensamento de espécies
incluindo melhoria genética,39 o beneficiamento local para vencer a perecibilidade dos
produtos e agregar valor aos mesmos, e o consórcio com atividades agro-florestais e de
criação de animais de pequeno porte para a segurança alimentar local. Estes
incrementos são agrupados no conceito do neo-extrativismo, cunhado por José Fernandes
do Rêgo (1999; 2001) (LEITE, 2004).
Existe polêmica acerca da viabilidade econômica do extrativismo. No
sistema de mercado estabelecido, as dificuldades são muitas, como a grande
diversificação da produção, a pequena escala, a alta variabilidade temporal e espacial e a
não-garantia de produção (ARNT & SCHWARTZMAN, 1992; PINTON & AUBERTIN,
1997). Estas dificuldades geram o risco da sobre-exploração dos recursos. Embora elas
sejam amenizadas com o neo-extrativismo, faz-se necessário o apoio estatal, mediante
políticas públicas que contemplem instrumentos econômicos de incentivo aos produtos
florestais, bem como instrumentos de mercado como a certificação ambiental.
A despeito dos desafios atuais, os produtos florestais, também chamados
de “ecológicos”, despontam com grande expectativa para mercados futuros, de locais a
internacionais (ALBAGLI, 1998). Um caminho importante para estes produtos é o das
exportações, numa perspectiva de valorização das vantagens comparativas da
Amazônia, num contexto de economia cada vez mais internacionalizada e diversificada
(CABRAL, 1998). A demanda pela pesquisa científica é imensa, e desponta,
particularmente, na biotecnologia, através da demanda industrial de fármacos,
cosméticos e de material sintético em geral.
39 Um exemplo de projeto de adensamento é o das ilhas de alta produtividade (IAPs), de autoria de Paulo Kageyama
(2002). Trata-se de adensar as espécies mediante práticas agro-florestais e estudos prévios em laboratório, pois
adensamentos intensos podem sofrer ataques de pragas fatais. No Acre, existem algumas IAPs funcionando para a
seringueira, e pretende-se estender o projeto para o cupuaçu e o café.
74
Na temática do extrativismo, desponta a política das reservas extrativistas
(RESEX). As RESEX são unidades de conservação de uso sustentável criadas em 1990
pela política ambiental brasileira, com inspiração direta nas sugestões do movimento de
seringueiros.
76
conhecimento e interesse florestal. A destruição das florestas destrói também as culturas
e saberes de seus povos (SHIVA, 1991). No entanto, o processo ainda é reversível, se for
concedida prioridade à Educação Ambiental e à valorização cultural dos chamados
“povos da floresta”.
Compilando-se as recomendações trazidas nesse item, apresentam-se as
seguintes prioridades para políticas sustentáveis na Amazônia, as quais serão úteis para
os estudos de caso desta Tese:
7) Promover o eco-turismo;
10) Trabalhar, junto aos fóruns internacionais, pela introdução do MDL (Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo) acerca das emissões e seqüestro de carbono, pela certificação e
77
rotulagem dos produtos ecológicos e pela valorização dos serviços ambientais
fornecidos pela floresta. O lançamento de produtos ecológicos deve vir acompanhado
de campanhas de informação e educação ambiental para gerar padrões de consumo
mais sustentáveis.
40 Contraditoriamente, o manejo madeireiro vem sendo estimulado por algumas políticas públicas como o PNF
(Programa Nacional de Florestas) e o Promanejo do IBAMA.
41 Estima-se que 80% da madeira oriunda da Amazônia seja ilegal, e que somente 3% seja extraída mediante planos de
manejo aprovados pelo IBAMA (ALBAGLI, 1998).
79
Embora o conceito do manejo florestal envolva a totalidade e imensa
variedade dos produtos florestais, hoje divididos em “madeireiros” e “não-madeireiros”
(PFNMs), como frutas, sementes, óleos, resinas, cascas, cipós, palhas, plantas medicinais,
aromáticas ou alimentícias, ele tem sido aplicado largamente para a madeira, quase
como um sinônimo de manejo madeireiro (SOUZA, 2002, p. 74). O próprio termo não-
madeireiros demonstra um preconceito intrínseco, da centralidade da madeira e
respectivo menosprezo dos demais produtos, e reforça a idéia de que a floresta é um
“estoque de madeira explorável”. Não há, na legislação brasileira a respeito (IN n. 04 de
04/03/2002 do MMA), quaisquer destaques aos PFNMs, pelo contrário: a classificação
dos produtos é “madeira, palmito e outros”. Porém, ecólogos atestam que a exploração de
PFNMs é certamente menos impactante do que a de madeira. Outro problema é que a
madeira acaba sendo, na prática, um produto concorrente dos PFNMs (LEITE, 2004), o
que fica evidente na exploração de árvores como a copaíba, o ipê roxo e o jatobá. Shiva
(2000) assim define o manejo madeireiro: “Um eufemismo para oficializar a destruição
gradual das florestas e do direito das populações locais aos seus produtos” (p. 307).
Para cada árvore derrubada, outras 30 são danificadas, e o rastro da
exploração costuma abrir brecha para a ocupação das terras com a pecuária, a grilagem
e o acesso a áreas protegidas (ALBAGLI, 1998). Além disso, como investigou André Luiz
L. de Souza (2002), o manejo madeireiro não tem obedecido às exigências legais, pois as
madeireiras se valem da ausência de fiscalização ambiental. Os inventários de flora e
fauna e o levantamento de impactos ambientais (com respectivo plano de minimização),
costumam ser mal feitos ou falsos, e mais de 70% dos planos de manejo vistoriados pelo
IBAMA em 1997 estavam ilegais. O autor conclui:
42 O conceito de renovabilidade dos recursos naturais é relativo (SOUZA, 2002), ao contrário do que normalmente se
classifica. Por exemplo, a exploração do mogno pode causar sua extinção, já que sua regeneração em condições normais é
extremamente improvável.
81
na pós-exploração (reflorestamento) – este plantio, na legislação atual, só é exigido para
o mogno. Autores sugerem que algumas espécies correm o risco de extinção comercial
no curto prazo assim como o mogno, devido à inadequação das normas conforme a
ecologia das espécies. Normas mais restritivas como as do mogno seriam necessárias
para diversas outras espécies de árvores (SCHULZE et al, 2005). Ora, se as normas já são
inadequadas (frouxas), e elas sequer têm sido obedecidas (SOUZA, 2002), pode-se aferir
acerca do enorme impacto ecológico que a adoção maciça do manejo madeireiro pode
causar na Amazônia.
O “manejo florestal de uso múltiplo”, este sim, é adequado enquanto
política ambiental, pois trata do uso dos recursos florestais como um todo. Sua definição
é a seguinte: “administração da floresta para a obtenção de benefícios econômicos, sociais e
ambientais, respeitando-se os mecanismos de sustentação do ecossistema (...)” (IN n. 04/2002 do
MMA), ou, de forma mais elaborada:
82
dos empates, que consistiam no agrupamento de diversos seringueiros e suas famílias
formando uma barreira humana junto às árvores, evitando a entrada das moto-serras e
tratores para a sua derrubada. Na época, a borracha e outros produtos florestais ainda
obtinham boa renda. Ao mesmo tempo ocorria o movimento Chipko, na Índia, bastante
semelhante, segundo o qual as mulheres abraçavam as árvores e de lá não saiam
(SHIVA, 1991).
Trinta anos depois, já é significativo o número de seringueiros interessados
em explorar madeira.43 Os indianos foram os primeiros a serem visitados pelos
engenheiros florestais, ainda no século XIX – hoje são os seringueiros do Acre e as
comunidades de toda a Amazônia, numa era em que todos, inclusive os infratores
ambientais, se dizem “ambientalistas”.
Além dos problemas ecológicos, há problemas sócio-culturais no manejo.
No Acre têm-se observado conflitos, desagregação social e piora da qualidade de vida
quando se aplica do manejo madeireiro em assentamentos. Poucas famílias são incluídas
nestes projetos, o que causa, de antemão, a desunião, pois, no curto prazo, as famílias
beneficiadas ganham mais dinheiro. Mas o principal problema é que se abrem caminhos
de comércio de madeira antes inexistentes no local (novas estradas na floresta, vinda de
compradores, presença de lobistas e técnicos da área madeireira), estimulando a
clandestinidade. Além disso, a renda não é tão boa quanto se propaga – a renda ainda se
concentra nos outros elos da cadeia produtiva. Projetos de manejo não-madeireiros,
como de óleo de copaíba, atendem muito mais famílias e rendem até três vezes mais do
43 Aqui transcreve-se um trecho da entrevista de Osmarino Amâncio, um morador da RESEX Chico Mendes contrário
ao manejo madeireiro: “A política que o Ministério do Meio Ambiente está desenvolvendo, é uma política perigosa e que ta legalizando a
depredação, o Projeto de Florestas Públicas é isso, sabe? O Projeto abre espaço para biopirataria muito pior do que a gente viveu antes. Eles
fizeram várias conferências no Acre e na Amazônia para convencer a população a implementar o manejo de madeira dentro das Reservas,
encontraram resistência até o último. Mas aí foi o tempo que a Marina vai pra lá e os credores, os Bancos Mundiais da vida, Comunidade
Européia e várias agências financiadoras já eram simpáticos a essa idéia. (...) A Amazônia era tida como um vazio demográfico a ser ocupado
pelo progresso e desenvolvimento de que eles falavam: pecuária, as BRs, as grandes hidrelétricas e os garimpos. O pessoal aceitou tudo isso e
nunca saíram da pobreza, esse filme eu já vi. A madeira é a mesma coisa, é a única coisa que falta pra eles, pro capitalismo realmente chegar e
causar o pior desastre. (...) [Para as Reservas Extrativistas] a conseqüência é drástica. Você causa o desastre ecológico e ambiental, você
desvaloriza a colocação com a retirada das madeiras nobres e a proposta das Reservas Extrativistas ‘vai pros paus’, porque já acabou a
floresta. Então vamos colonizar mesmo, porque já acabou o extrativismo, acabou tudo. O que vai acontecer com os engenheiros florestais que
tão fazendo estas propostas? Daqui a 30 anos eles estão muito bem aposentados. E nós? E as nossas gerações futuras? Nós temos que
primeiro conhecer o potencial da Amazônia. Ora! Nós nem conhecemos o potencial” (AMÂNCIO, 2005)!
83
que a madeira para cada produtor (LEITE, 2004). Um seringueiro do Acre, entrevistado,
assim descreveu os problemas do manejo madeireiro:
44 Os indicadores traduzem os critérios de sustentabilidade; estes termos são quase sinônimos, mas os indicadores revelam
elementos mensuráveis na prática, enquanto os critérios são os princípios teóricos que os norteiam (MENDOZA &
PRABHU, 2000).
45 O IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) foi desenvolvido em 1990, pela ONU, para ser usado ao lado do PNB
como mensuração do desenvolvimento. O IDH é composto por 4 variáveis: analfabetismo, expectativa de vida, taxa
média de escolaridade (em anos) e PNB per capita.
84
Os indicadores comumente utilizados, como o PNB (...), não dão indicações
adequadas de sustentabilidade. (...) É preciso desenvolver indicadores de
desenvolvimento sustentável que sirvam de base sólida para a tomada de decisões em
todos os níveis e que contribuam para uma sustentabilidade auto-regulada dos
sistemas integrados de meio ambiente e de desenvolvimento.
Sob o impulso desta recomendação, um departamento do PNUMA criou
uma lista de 142 diferentes indicadores (POLIDORO, 2000). Existem, porém, outros
sistemas, de alçada internacional à municipal, como o IQV (Índice de Qualidade de
Vida), desenvolvido pela Fundação João Pinheiro (Governo de Minas Gerais),
recomendado pela ONU para outros municípios (PBH, 2002).
É importante destacar que os indicadores de sustentabilidade não são
somente quantitativos, pelo contrário: em questões sócio-ambientais, a importância de
indicadores qualitativos é grande (LOPES, 1999). Os indicadores quantitativos são muito
úteis, pois permitem uma comparação mais direta de cenários. No entanto, é preciso
reconhecer que estes também contêm certa subjetividade, posto que os indicadores são
modelagens humanas aproximadas das variáveis reais. Devido à subjetividade
intrínseca dos indicadores, os sujeitos que os utilizarem devem ter acesso à metodologia
e ao contexto em que os indicadores foram criados, com seu poder de alcance, seus
limites, incertezas e pressupostos (POLIDORO, 2000).
As características recomendáveis para a operacionalidade dos indicadores
são (adaptado de POLIDORO, 2000):
86
Políticas públicas são conjuntos de decisões e ações, aplicadas nas
sociedades, que alocam os valores dos sujeitos, no caso, dos políticos ou policy makers
(David EASTON, 1965, apud PAEHLKE, 1997). Estes valores podem representar um ou
mais grupos de interesse da sociedade. Em tese, as políticas públicas devem responder
aos anseios, ou demandas, da totalidade dos públicos que representam. É importante
destacar que as políticas públicas são processuais, e que a “não-política” também
representa uma política (BACHRACH & BARATZ, 1970). Um detalhe lingüístico; em
inglês, há uma distinção entre a política pública, enquanto objeto de planejamento e
execução (policy) e a política em geral, com seus cargos, partidos e eleições (politics =
sujeito / political = adjetivo). Em português não há essa distinção, e por isso, ao longo
dos trabalhos nessa temática, é comum que se lance mão dos termos em inglês.
A Análise de Políticas Públicas é um campo acadêmico interdisciplinar
mais aprimorado que a tradicional Administração Pública, e suas origens remetem a
grupos ingleses e norte-americanos da década de 70. Resulta de um movimento de mão-
dupla; políticos buscando ajuda para a solução dos problemas de governo e acadêmicos
(principalmente da Ciência Política e da Sociologia) preocupados em melhorar a
qualidade das políticas públicas.
Embora a tarefa da análise não possa ser isenta de valores, é preciso buscar
um olhar o mais imparcial possível: “O pesquisador do processo de políticas deveria manter-
se afastado do mundo da política cotidiana a fim de levantar algumas das maiores questões”
(HAM & HILL, 1995, p. 19). Há dois momentos distintos da análise, e compreendê-los
pode ajudar na busca da imparcialidade, ou de um posicionamento explícito e
justificado; são os momentos descritivo-explicativo e normativo-prescritivo. O primeiro
contempla a análise das políticas correntes, que passa pela descrição crua e pela busca
de explicação para os aspectos observados. O segundo contempla a prescrição de
alternativas, de melhoria ou reposição da política analisada, e, para isso, necessita dos
julgamentos valorativos, ou normativos, do analista.
87
Neste capítulo serão apresentados alguns conceitos da Análise de Políticas
Públicas, úteis para análises de política ambiental em geral, como os estudos de caso
desta Tese.
Embora o objeto do analista de políticas seja a política pública (policy), não
é possível separá-la completamente da dimensão política (political), pois se deve levar
em conta um quadro em que muitas demandas e policies diferentes disputam relevância
entre si (FREY, 2000; KRAFT, 1996). Nessa disputa de espaço (e principalmente de
recursos financeiros) entre as policies, é de acordo com a conformação política (political)
do governo que se dará o desfecho.
Os aspectos políticos (political) são especialmente relevantes na América
Latina, onde os países vivenciam democracias ainda frágeis, mediante coexistência de
comportamentos político-administrativos modernos com antigos problemas como
populismo, clientelismo, patrimonialismo e corrupção. Pode-se dizer que ocorre
instabilidade e baixo grau de institucionalização do processo de elaboração de políticas
públicas e, portanto, o enfoque political, mais subjetivo e complicado, adquire elevada
importância nas análises (FREY, 2000). As categorias de investigação da Análise de
Políticas Públicas são pensadas para democracias consolidadas (EUA, Inglaterra), em
que alguns problemas da política foram ultrapassados, diferentemente do cenário
brasileiro. Desse modo, há dificuldades de adoção destas categorias, e os analistas
devem fazer um esforço adicional para criar metodologias adaptadas.
Os estudos de caso de políticas públicas são complexos e dinâmicos, de
modo que as categorias de análise e o desenho da pesquisa vão sendo construídos no
decorrer da pesquisa, numa espécie de construtivismo. A princípio, esses estudos têm
valor situacional, mas, com o adensamento de estudos na área, têm-se viabilizado
comparações e generalizações que levam ao aprofundamento teórico da relação entre as
estruturas político-administrativas e o conteúdo das políticas públicas (FREY, 2000).
88
O surgimento do Estado moderno, após o rompimento com as estruturas
de poder feudais e de justificação religiosa, esteve vinculado à ascensão do capitalismo,
sendo a manutenção deste sistema econômico, na prática, a principal função do Estado
(HARGROVE, 1996), mediante ações essenciais como a regulação da propriedade
privada e da economia. “Desde os teóricos modernos absolutistas é atribuída ao Estado a defesa
incondicional da propriedade privada” (CHELALA, 2003, p. 27).
Ainda hoje é assim, e com a ascensão do neoliberalismo, em que tanto se
fala na diminuição do papel do Estado (vertente do “Estado mínimo”), este, na verdade,
desloca boa parte de sua função social para re-incentivar a economia em nova fase. É
como se ocorresse uma hipocrisia do neoliberalismo. O discurso do Estado mínimo afirma
que o capitalismo prescinde do Estado enquanto, na prática, depende sobremaneira
desta consagrada estrutura de poder. Afinal, o capitalismo, fundado em desigualdades e
injustiças intrínsecas, e, portanto, em condições extremamente desfavoráveis, necessita
de poderes políticos fortes que o mantenham. Abaixo, segue uma citação que reforça
estas afirmações:
90
1) Estabelecimento da AGENDA;
2) FORMULAÇÃO (objetivos, meios);
3) LEGITIMAÇÃO (legislação, decisões judiciais, alianças políticas);
4) IMPLEMENTAÇÃO;
5) AVALIAÇÃO;
6) RE-FORMULAÇÃO;
92
A implementação é também estudada pelos autores da área, principalmente
quanto aos freqüentes déficits de implementação, a saber, quando os objetivos das
políticas não são atingidos a contento. Os déficits decorrem da grande complexidade
real da implementação das políticas, a qual não pode ser apreendida pelos planejadores,
possuindo diversas variáveis fora do controle (BOBROW & DRYZEK, 1987; ELMORE,
1978).
93
enfatiza essa importância para as políticas ambientais. Trabalha-se com a hipótese de
que certos modelos organizacionais podem favorecer ou prejudicar certas políticas
públicas. Elmore descreve quatro modelos mais comuns, e esclarece que todos eles, cada
um à sua medida, podem ser complementares numa mesma análise. A seguir, resumem-
se estes modelos.
46 Outros autores trazem denominações diferentes para o mesmo objeto. Nomes alternativos às “redes de governança”
definidas nesta Tese seriam os “espaços públicos” (DAGNINO, 2002) e os “colegiados inter-institucionais” (AGRA Fo,
95
em que este busca a cooperação (ou “parceria”) de outras instituições para executar as
políticas públicas. As redes de governança têm por objetivo
2002). A governança é também chamada de “gestão cooperativa” (LAFFERTY & MEADOWCROFT, 1996b) ou de
“planejamento colaborativo” (VIG & KRAFT, 1997).
96
do Estado (TATAGIBA, 2002). É comum, por exemplo, que os conselhos se tornem mais
um espaço aproveitado pelo Estado enquanto referendo público às suas ações do que
um espaço de real elaboração participativa de políticas públicas. Ainda assim, os
conselhos gestores têm sido considerados importantes conquistas no sentido da
democratização e do controle social. Outros exemplos de redes de governança são os
fóruns, conferências, câmaras setoriais e orçamentos participativos.
A governança é um conceito útil para trabalhar conflitos. Muitos entraves
das políticas ambientais decorrem da alta densidade de conflitos sócio-ambientais não-
negociados, e daí decorre a necessidade de democratização dessas políticas (LAFFERTY
& MEADOWCROFT et al, 1996). Daí surge o conceito da governança ambiental, tal qual
definido abaixo:
47 OSCIP significa “Organização da Sociedade Civil de Interesse Público”, e trata-se de uma regulamentação
juridicamente mais rígida do que ONG, permitindo a captação de recursos de orçamentos públicos. OSC significa
“Organização da Sociedade Civil”, quase um sinônimo de ONG.
97
conveniências de poder político (BICHSEL, 1996). No entanto, essa tendência é
relativizada por alguns autores. Diz-se que a profissionalização técnica das instituições,
exigida para que elas cooperem com o Estado nas redes de governança, pode culminar
no afastamento das mesmas de suas bases (dos públicos que elas supostamente
representam) (TEIXEIRA, 2002). Dessa forma, algumas ONGs passam a atuar quase
como micro-empresas. Por outro lado, a profissionalização gera efeitos positivos de
fortalecimento das instituições do terceiro setor, bem como da articulação entre elas
(DAGNINO, 2002).
O processo relatado acima retrata o fenômeno do empoderamento
(empowerment) dos atores e suas organizações. O empoderamento tem sido cada vez
mais mencionado nas políticas públicas, representando um esforço de capacitação e
estabelecimento de condições de participação política dos atores. Não basta existir
canais democráticos de participação se os atores convidados não estão sensibilizados
para a importância de sua atuação, não estão capacitados ou não dispõem de condições
para isso. O empoderamento pode ser favorecido com ações educacionais e de incentivo
à participação dos atores sociais, notadamente as minorias. Dessa forma, buscam-se
mecanismos que diminuam a assimetria de poder (DAGNINO, 2002) entre os atores
sociais nas redes de governança.
Um ator social traz seus anseios e visões às redes de governança, ou seja,
traz suas concepções éticas para que sejam materializadas nas políticas públicas.
Semelhante à definição de política de Easton, Aristóteles dizia que a função da política é
expressar os códigos de ética de uma sociedade (GAARDER, 1995) – éticas diferentes
geram políticas diferentes, e este é um processo complexo, diretamente proporcional ao
tamanho do território ou da questão. Mao Yu-Shi (1994) analisa que, numa família ou
comunidade pequena, os sinais éticos são transmitidos com facilidade, e o código de
ética pode ser estabelecido informalmente. Mas em grandes escalas, é necessária a
institucionalização política dos princípios éticos, acompanhada de sistemas de
comunicação, educação e cultura para difundi-los. O autor ressalta, no entanto, que o
98
ideal seria um amadurecimento ético da sociedade de modo a prescindir de tantas leis,
regulamentações e obrigações. Por exemplo, se a proteção ambiental for inclinação
natural de um povo, não há necessidade de vigiar e punir crimes ambientais. Com esta
reflexão pode-se, em parte, explicar o caráter coercitivo das políticas públicas; como não
há um código de ética consensual, mas sim uma coexistência entre vários códigos, é
preciso uma padronização ética mínima, acompanhada de sistemas de controle dessa
padronização.
Um conflito ético de natureza ambiental foi descrito por Arne Naess,
representando a ação de diferentes atores sociais:
99
campo jurídico ao introduzir sujeitos como os “interesses difusos” ou “coletivos” para
representar a coletividade (FUKS, 1992; MACHADO, 2000).
A sustentabilidade ambiental não está contemplada no mercado:
“Entregues a si mesmas, as empresas sempre se esforçarão por externalizar seus custos ecológicos
e sociais” (I. SACHS, 1986b, p. 78). Ainda que instrumentos da Economia Ambiental
fossem implementados, isso não bastaria, pois “valorar problemas ambientais retira atenção
das políticas, valores e sistemas de conhecimento que levaram à crise, e os grupos de interesse que
as promoveram” (tradução própria de REDCLIFT & SAGE, 1994, p. 7). Em virtude dessa
ausência da esfera privada, autores da área advogam a forte presença do Estado na
questão ambiental (ARROW et al, 1995; FERREIRA, 1998; PAEHLKE, 1989).
Define-se a política ambiental pública como o conjunto de regulamentações e
ações governamentais que visam a sustentabilidade ambiental das atividades humanas,
a conservação dos recursos naturais, a recuperação de ecossistemas degradados, a
manutenção dos ciclos ecológicos e a garantia da qualidade ambiental para as gerações
presentes e futuras.
A gestão ambiental concretiza a política ambiental. A gestão
ambiental pública define-se como forma de condução de processos dinâmicos e
interativos na interface do sistema natural com o social, a partir de padrões de
modelos de desenvolvimento e conservação almejados. Ela envolve ações,
recursos e mecanismos jurídicos e institucionais. A gestão ambiental deve ser
compartilhada, mediante a participação política efetiva de todos os atores
sociais envolvidos em cada questão (adaptado de IBAMA, 2001). A gestão
ambiental trata da adequação das atividades produtivas e dos meios de vida
humanos aos limites e condições ecológicas presentes, buscando-se a
qualidade de vida atual e futura para o maior número possível de seres vivos.
Portanto, materializa-se em planejamentos contínuos de evolução dos cenários
atuais para cenários desejados de crescente sustentabilidade ambiental, ou
ecológica, das sociedades.
100
De modo geral, as políticas ambientais dos países são muito novas,
datadas da década de 70 ou 80 (caso brasileiro). Dessa forma, apresentam
deficiências características dos processos iniciais, e são marcadas por
descontinuidades e respostas reflexas (KRAFT & VIG, 1997).
102
Numerosos autores, porém, se contrapõem a essa teoria e à
privatização de recursos enquanto política ambiental. Se o meio ambiente é
definido constitucionalmente como patrimônio público, a privatização do
mesmo é uma incoerência teórica e jurídica (MOREIRA, 2000).
Os mesmos autores demonstram, nos seus estudos de caso, como
a gestão comunitária ou pública de territórios ou recursos tem gerado melhores
experiências de gestão ambiental; é o caso das Reservas Extrativistas, de
comunidades ribeirinhas, caiçaras e quilombolas. Nos estudos históricos isso é
ainda mais evidente – populações comunitárias atravessaram séculos de
sustentabilidade ecológica e igualdade social, o que pode ser encontrado ainda
hoje em comunidades ancestrais de todos os continentes (BERKES & FOLKE,
1998; WORLD BANK, 2002, p. 168).48 A competição pelos recursos só aparece
na história quando há absorção das populações tradicionais e de seus modos
de vida pelo capitalismo de mercado (DIEGUES, 1994; GONÇALVES, 1989).
A experiência demonstra que, quando grupos de interesse se
tornam sujeitos da gestão ambiental em seu próprio espaço, estes são mais
capacitados para gerar soluções criativas e eficazes (SACHS, 1986a), as quais
os planejadores externos não seriam capazes de formular. Hoje, percebe-se
considerável tendência ao cuidado coletivo dos espaços (BOFF, 1999b), e isso é
um ponto a ser potencializado pelas políticas ambientais. Mas essa tendência é
reconhecidamente incipiente, embora antiga historicamente em sociedades pré-
capitalistas, e, nas condições atuais, depende muito da Educação Ambiental
para ser desenvolvida – ou resgatada.
Paralelamente, demonstra-se que proprietários privados têm
provocado maior degradação ambiental, e que as áreas mais degradadas
normalmente não resultam das ações de seus moradores, mas sim de terceiros
ou de proprietários ausentes. Isso é nítido na exploração madeireira de florestas
nativas. A terra é facilmente re-vendida após a exploração.
48 Berkes & Folke (1998, p. 8) apresentam cinco características dos casos exitosos de gestão ambiental comunitária: 1)
População relativamente pequena e 2) Estável e 3) Homogênea em posses, em uso de tecnologias e em valores; 4)
Ocorrência de reciprocidade e confiança mútua; 5) Baixo custo para o exercício da gestão ambiental.
103
“Interesses privados e coletivos parecem irremediavelmente
antagônicos. A propriedade privada dos recursos naturais não resolve o
“dilema de Hardin”, ao contrário, a lógica econômica privada é, por
excelência, imediatista. Exige o máximo uso atual do “capital natural”
em detrimento do uso futuro” (SOUZA, 2002, p. 73).
49 Cf PETRELLA, 2002.
104
órgãos internacionais como o PNUMA, o PNUD e a UNESCO (LAFFERTY &
MEADOWCROFT et al, 1996).
Um momento especialmente importante de democratização no
processo das políticas públicas é o da elaboração da agenda de decisões
(FIORINO, 1996) – seria bom que existissem fóruns abertos de consulta pública
já neste momento, como ocorreu, recentemente, na I Conferência Nacional do
Meio Ambiente, em 2003. Organizada em blocos, ela se deu desde a esfera
municipal até a federal.
Nessa temática ressalta-se a importância da descentralização das
políticas ambientais. O nível local, que pode ser ainda menor do que o
municipal, é espaço relevante e privilegiado, onde podem ocorrer verdadeiros
“laboratórios de democracia [ou governança] ambiental” (KRAFT, 1996). A
descentralização, no Brasil, foi consolidada com a CF/88 nos artigos 23, 29 e
30. Porém, é necessária uma solução de compromisso inteligente entre a
descentralização e a existência de um poder central, pois a descentralização
excessiva pode levar a um conjunto de políticas fracas, desconexas ou até
conflitantes (KRAFT & VIG, 1997).
50 Neste ponto, Roberto Guimarães (1991), Redclift & Sage (1994) e Edgar Morin (2001) concordam com ele. Leonardo
Boff (2002) conclui: “Na medida em que cresce a consciência planetária, cresce também a convicção de que a questão do meio ambiente, da
ecologia, é o contexto de tudo, das políticas públicas, da indústria, da educação e das relações internacionais” (p. 115).
106
“A problemática ambiental, a partir da década de 70, vem
marcada por diferentes e sucessivas tentativas de
institucionalização, cujo elemento central passa a ser então o projeto
de elevar a questão ambiental ao primeiro plano da agenda política
internacional e fazer com que as preocupações ambientais penetrem e
conformem as decisões sobre políticas públicas em todos os
níveis” [grifos da autora] (p. 25).
110
programas de governo, os quais pautam-se na “institucionalização do
desenvolvimento sustentável”.
Alain Ruellan (2002) afirma que estas são as únicas iniciativas
governamentais concretas de desenvolvimento sustentável no Brasil, que elas
são inovadoras em nível mundial e que se valem de um conjunto de políticas
públicas coerentes entre si. O Presidente Lula, quando era candidato, afirmou
que as experiências do Acre e do Amapá deveriam ser expandidas para os
outros estados.52 Órgãos financiadores da Amazônia também se voltam a esses
estados: “Dois governos estaduais da Amazônia, o Amapá e o Acre, elegeram a
proteção ambiental ativa e o desenvolvimento sustentável como princípio básico
de seu programa de governo” (GTZ, 2000, p. 3).
A política ambiental transversal surge como oportunidade de busca
de novos modelos de desenvolvimento em que a sustentabilidade sócio-
ambiental seja priorizada. Trata-se de um processo novo, experimental e
variável conforme as particularidades locais. Espera-se que a análise dos
estudos de caso do Acre e do Amapá possa fornecer subsídios metodológicos
para esta nova concepção de política ambiental.
Cabe aqui, porém, uma reflexão de contraponto; com a
transversalização da questão ambiental ao longo das políticas públicas, não há
o risco de pulverizar demais a questão, resultando num paradoxal
enfraquecimento da política ambiental, ou numa não-política?
As questões teóricas se tornam transdisciplinares quando surgem
demandas públicas fortes e necessárias a respeito (HÄBERLI, 2000). Este é o
movimento que se assistiu na transversalização da Educação Ambiental e de
outros temas pelas disciplinas curriculares. Porém houve pontos negativos no
processo. Hoje, diversos educadores se queixam de que não há uma disciplina
própria (setorial) de Educação Ambiental, não havendo espaço para debates das
questões ambientais como um todo. Em algumas escolas, elas são
112
3. O ESTUDO DE CASO PRINCIPAL:
POLÍTICAS AMBIENTAIS TRANSVERSAIS
DO ESTADO DO ACRE ENTRE 1999 e 2004
53 Nesse capítulo, em alguns momentos, a transversalidade da política ambiental será referida apenas por
“transversalidade”.
114
1942 a 1945. A terceira fase se deu a partir da década de 60, com a ocupação
por fazendeiros, principalmente do Sul e Sudeste do país. A quarta fase, a
atual, pode ser descrita pela crescente participação política de atores sociais
como seringueiros, trabalhadores rurais, índios e técnicos das áreas florestal e
ambiental. Algumas dessas participações resultam em atividades sociais
ambientalmente mais sustentáveis. De modo geral, estas fases (exceto, talvez, a
primeira) se deram com numerosos conflitos pela apropriação da terra e dos
recursos naturais.
A chegada dos nordestinos para a extração da borracha no final
século XIX, em cerca de 160 mil pessoas (ALMEIDA, 1993), foi marcada pelas
violentas “correrias”, constituindo-se da expulsão ou escravidão dos nativos,
patrocinadas pelos seringalistas - os novos proprietários de terra, em glebas
denominadas de seringais. No segundo ciclo da borracha, em meados do século
XX, uma nova leva de nordestinos foi trazida e a ocupação foi também violenta;
de 1936 a 1954 houve significativo extermínio de índios (ARAÚJO, 2000).
O primeiro ciclo da borracha ocorreu quando ela despontava com
importância crescente na indústria européia e norte-americana, principalmente
com a difusão dos automóveis no começo do século XX. Mas desde 1860 os
seringais do Acre54 foram descobertos pelas expedições estrangeiras. A
borracha amazônica tornava-se o produto mais importante das exportações
brasileiras,55 e um Estado quase vazio de ocupação “civilizada” passava a ser
alvo de políticas federais de ocupação e desenvolvimento.
54 Nessa época, o Acre passou por diversos ciclos políticos entremeadas pela guerra com a Bolívia. Pertenceu à Bolívia
de 1867 a 1903 e tornou-se até mesmo um país independente (por Dom Luiz Galvez), de julho de 1899 a março de 1900.
Os EUA foram patrocinadores de soldados bolivianos, através do Bolivian Sindicate, interessados na riqueza dos seringais.
Em 1902, a Revolução Acreana, em que patrões e seringueiros se uniram sob o comando de Plácido de Castro, resulotu
na vitória da guerra e pressionou o Governo Brasileiro a defender o Acre. Em 1903, pelo Tratado de Petrópolis, o Acre foi
comprado da Bolívia (por 2 milhões de libras), tornando-se parte do Estado do Amazonas. Em 1904 o Acre é decretado
Território Federal e, apenas em 1962, um Estado do Brasil (CAVALCANTI, 1983; WOLFF, 1999).
55 Em 1910, a borracha representava 91% do valor da produção do setor primário e 40% das exportações brasileiras.
Hoje, todos os produtos extrativistas juntos não ultrapassam 2% deste setor (ARNT & SCHWARTZMAN, 1992;
EMPERAIRE, 1997), e o Brasil importa 73% da borracha que consome (ALLEGRETTI, 1994). Nos tempos áureos, a
borracha rendeu muito. Gonçalves (1990) ironiza: “... [os patrões] faziam charuto com dinheiro e mandaram construir o Teatro de
Manaus, altamente sofisticado” (p. 44). Diz-se que os seringueiros também gozavam de boas condições aquisitivas nessa
época – era comum a compra de artigos supérfluos, como uísque escocês.
115
Pela via fluvial, os Governos Federal e estaduais do Pará e
Amazonas passaram a enviar os milhares de nordestinos ao Acre. Muitos deles
eram trabalhadores rurais empobrecidos pela seca e pela exploração
latifundiária e, incentivados pela propaganda governamental e das empresas
seringalistas emergentes, viam no “eldorado” amazônico sua chance de fazer
fortuna. A perspectiva de um trabalho autônomo na Amazônia era atraente.
A imagem construída era diferente da realidade. Eram intensas as
dificuldades de viver na floresta tropical, completamente diferente de seu bioma
de origem. O “eldorado” parecia mais um “inferno verde” (nas palavras de
Alberto Rangel), e os seringueiros tiveram de aprender, a duras penas, a abrir
trilhas e se orientar na mata, a extrair e beneficiar a seringa, a enfrentar novas
doenças como a malária, a lidar com animais silvestres e a conviver com terras
alagadas. Após alguns anos de relações nada pacíficas, os seringueiros se
integraram com os índios, diante da necessidade de aprender a viver na floresta
(MENDES, 1990).
A perspectiva de fazer fortuna foi, em certa medida, frustrada. O
trabalho na seringa era pesado e de poucos rendimentos, porque o seringalista,
ou patrão, controlava o preço da borracha e de todos os produtos que o
seringueiro consumia, trazidos de fora: da alimentação ao vestuário, remédios e
tudo o mais, no sistema chamado de aviamento. Os seringueiros eram
expressamente proibidos de praticar qualquer agricultura. A troca, sempre
desigual, tornava os seringueiros cada vez mais endividados, numa espécie de
“escravidão econômica” (SOUZA, 1978).
A unidade geo-econômica básica, referencial vivo ainda hoje, era o
seringal. O seringal é uma área florestal biodiversa, porém rica em seringueiras.
Ele é composto de diversas colocações, áreas que abrigam, cada qual, uma
família. Cada colocação se define por conter três “estradas de seringa”;
sinuosas trilhas ricas em seringueiras. Tipicamente, cada colocação abrange
300 hectares, e os seringais, 18 mil hectares. As relações sociais no seringal
são bastante específicas e comunitárias – a caça, quando farta, é sempre
116
compartilhada entre as colocações mais próximas, independente do grau de
amizade.
O primeiro ciclo da borracha declinava a partir de 1913, quando o
Brasil vivenciou a crise da exportação gumífera em razão da alta produtividade
das monoculturas de seringueiras na Ásia, formadas com sementes acreanas.56
A maioria das casas aviadoras faliu, a pobreza assolava o Acre e a agricultura
de subsistência tornava-se a única saída para os seringueiros, que com isso
enfrentavam novas dificuldades de adaptação. Uma conseqüência positiva foi a
diversificação do extrativismo na busca de outras fontes de renda, como a
castanha-do-brasil, o açaí e o cupuaçú (MENDES, 1990). Dois impactos sócio-
ambientais começaram a tomar corpo nesta época; o desmatamento e o êxodo
rural para núcleos urbanos despreparados.
O segundo ciclo da borracha se deu em 1942, pois os seringais
asiáticos haviam sido tomados pelos japoneses, rivais dos EUA e dos países
aliados na 2a. Guerra Mundial. Iniciou-se uma nova corrente migratória do
Nordeste brasileiro para o Acre, em que os dados da literatura oscilam de 50
(ARAÚJO, 2000) a 100 mil pessoas (ARNT & SCHWARTZMAN, 1992). Grande
parte do financiamento a esta empreita veio dos EUA em aliança com o Governo
Brasileiro, que recrutou migrantes com o slogan do “soldado da borracha”. Os
que não se alistavam nas Forças Armadas deveriam trabalhar na produção de
borracha, para alimentar os pneus dos tanques e aviões.
Do ponto de vista dos seringueiros, as difíceis condições de vida
foram semelhantes às do primeiro ciclo. Praticamente não havia apoio à
produção, à saúde ou à educação. Com vida ainda mais curta, este ciclo se
encerrava junto com a guerra, em 1945.
A partir da ditadura militar iniciada em 1964, a Amazônia passou a
ser ocupada com robustos projetos federais. A ideologia difundida era a de
ocupar a Amazônia para garantir a soberania brasileira nesse território;
56 As sementes foram levadas pelo inglês Henry Wickham, do Kew Botanic Garden, em 1876 (WOLFF, 1999). Alguns
analistas classificam esta remessa de sementes como um emblemático caso de biopirataria, em que o país e a população
tradicional de origem não são consultados ou recompensados pelo seu uso e benefícios derivados (SILVA, 1991).
117
“integrar para não entregar”. A visão acerca da Amazônia, na época, era a de
um vazio demográfico a ser ocupado e de “celeiro do mundo”, apostando na sua
viabilidade agro-pecuária. Praticamente não havia uma opinião pública de
conservação florestal no Brasil. A conservação era tratada em alguns meios
acadêmicos e pelos emergentes movimentos ambientalistas, mas permanecia
abafada pela ditadura (AB’SABER, 1996).
Nesse contexto, políticas de desenvolvimento da Amazônia
trouxeram empreendimentos agro-pecuários, madeireiros, de mineração e de
infra-estrutura (hidrelétricas, termelétricas e rodovias). Procurava-se
modernizar a Amazônia, e o extrativismo foi sendo tratado como um atraso
(ACRE, 2000a; BAKX, 1990).
Embora o Governo Federal concedesse bem mais incentivos para
latifundiários e empresários estrangeiros, ao invés de pequenos proprietários, o
discurso era populista. Falava-se em reforma agrária. Para este fim, criaram-se
órgãos como a SUDAM, a SUFRAMA e o INCRA, os quais só muito
recentemente começaram a incorporar critérios ambientais em suas ações.
Como resultado, tomou forma a crescente imposição de impactos sócio-
ambientais na Amazônia, composta por desmatamentos, queimadas, poluição das
águas, degradação de imensas porções de terra, inchaço da periferia das cidades,
concentração de renda, destruição de etnias indígenas, pauperização de colonos sem
condições de trabalho e conflitos sociais generalizados.
Com essa ocupação, nos anos 70 as terras do Acre foram vendidas
rapidamente. Muitos seringais foram devastados e transformados em pastagens, na
“corrida às terras baratas”. Entre 1970 e 1975, 80% das terras do Estado foram vendidas.
(ARNT & SCHWARTZMAN, 1992, p. 161; CAVALCANTI, 1983; IMAC, 1989). Tratou-se
de um processo violento; índios e seringueiros eram controlados, expulsos ou
assassinados. Em dado momento, 60% dos seringueiros acreanos fugiram para os
seringais da Bolívia (MENDES, 1990). Houve novo êxodo rural, com a população de Rio
Branco quase triplicando em 10 anos (BAKX, 1990).
118
Os seringueiros organizaram sua resistência na forma dos “empates”, dos
quais o primeiro ocorreu em 1976, no município de Brasiléia (ARNT &
SCHWARTZMAN, 1992). O empate foi uma resistência pacífica ao desmatamento, em
que famílias inteiras se posicionavam entre os tratores e as árvores. Nas palavras de
Chico Mendes (1990):
119
3.1.2. O Acre Hoje: Uma Descrição Sócio-Ambiental e Econômica
Pode-se dizer que o Acre constitui-se, dialeticamente, num
território de acentuadas potencialidades sócio-ambientais entremeadas pelos
problemas persistentes.
As pressões pró-desmatamento continuam crescentes, parte delas
oriundas de políticas públicas estaduais e federais (MELLO, 2002). E, embora a
cultura do extrativismo e da vida na floresta se mantenha, o povo do Acre
parece possuir laços mais fortes com sua cultura original nordestina, mais
voltada à agro-pecuária.
As potencialidades sócio-ambientais do Acre se devem à sua
tradição extrativista e às organizações sociais presentes que possuem certo
enfoque ambiental, além de significativa preservação da biodiversidade e da
cultura indígena (IMAC, 2001). Cerca de 11,43% do território acreano foi
desmatado até 2003 (INPE, 2004), valor considerado baixo diante de outros
estados amazônicos.57 O Estado é de grande importância ecológica, pois contém
um hot spot de biodiversidade58 no Parque Nacional da Serra do Divisor, o qual
tem sido sugerido como campeão da biodiversidade amazônica por alguns
pesquisadores (RYDLE, 2001).
O Acre situa-se no extremo da Amazônia Ocidental, fazendo
fronteira com Amazonas, Rondônia, Bolívia e Peru. Sua área é de cerca de
15,31 milhões de hectares distribuídos em duas bacias hidrográficas, a do Alto
[Rio] Juruá e a do Alto [Rio] Purus. Sua população é de 600 mil pessoas, da qual
quase metade reside na capital, Rio Branco; 68% da população do Acre é
urbana (IBGE, 2004).
O Acre é dividido em 22 municípios. Cruzeiro do Sul, maior centro
do Vale do Juruá, é o segundo maior município, e quase todo seu consumo de
57 Existem muitas incertezas nos dados do desmatamento. Eles são obtidos da interpretação de imagens de satélite,
porém estas não captam o desmatamento total de floresta primária, mas sim as maiores áreas abertas. O INPE, Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais, é a fonte oficial dos dados de desmatamento. No entanto, nas entrevistas da pesquisa de
campo e em algumas literaturas encontram-se valores maiores, de até 14,58% do Estado desmatado (FUNTAC, 1996,
apud Acre em Números, 2001, p. 21).
58 O hot spot é um conceito criado pela Conservation International para representar os locais mais biodiversos do mundo.
120
produtos industrializados vem de Manaus pelo Rio Juruá; a outra parte vem de
Porto Velho e de Rio Branco por via aérea.59 Como os demais estados
amazônicos, o Acre, composto de floresta tropical úmida, apresenta enormes
dificuldades de acesso. Graças à colonização da borracha, quase toda a área
rural do Acre é ocupada, particularmente ao longo dos rios. Porém, boa parte
dos rios não é navegável em boa parte do ano.
Os mapas 3.1. e 3.2. a seguir trazem, respectivamente, as
principais bacias hidrográficas e as unidades de conservação do Estado do
Acre.
59 A população de Cruzeiro do Sul muito se ressente do seu isolamento rodoviário. Alega-se que o custo de vida é alto
por motivo deste isolamento, já que os produtos industrializados chegam de Manaus, em navios, ou de outros locais, em
aviões. A BR-364, que liga Cruzeiro do Sul a Rio Branco, apresenta apenas alguns trechos asfaltados, e só se percorre o
trecho todo, no máximo, durante os 3 meses mais secos do ano (de julho a setembro). Outros municípios do Acre
sofrem ainda mais com o isolamento e dependem do tráfego aéreo até mesmo para tratamentos de saúde minimamente
sofisticados.
121
das terras ainda não foi cadastrada pelo INCRA. Diversos documentos
governamentais recomendam ações urgentes para atacar os problemas
fundiários do Estado (ACRE, 2000). A estrutura fundiária oficial,
reconhecidamente imprecisa, é a seguinte:
TABELA 3.1.
Estrutura Fundiária do Acre
Ite Tipo de Ocupação da Terra % da Área do
m Estado
1 UCs de proteção integral 9,80
2 UCs de uso sustentável 24,90
3 TIs 13,10
4 PAEs (projetos de assentamento agro- 1,27
extrativista)
5 Terras do INCRA sem destinação 7,37
6 PADs e pequenos colonos
60 9,00
7 Áreas particulares documentadas 25,99
8 Áreas particulares sem titulação 5,73
9 Urbanas + militares 2,84
FONTES: Adaptação de ACRE, 2000, vol. II, p. 35. (Dados de INCRA, FUNAI, IBAMA e IMAC
[estes atualizados segundo Tabela de Áreas Naturais Protegidas de agosto de 2004])
60 Os PADs, Projetos de Assentamento Dirigidos, são áreas de colonização comum destinadas pelo INCRA, com
propriedades típicas de 50 a 150 hectares por família. Seus moradores entram na categoria de pequenos produtores, ou
colonos. Boa parte dessas áreas foi completamente desmatada, e a pecuária está se tornando sua principal atividade
produtiva.
61 O índice, na verdade, passará de 44% a 47,8% quando for decretada a Floresta Estadual do Jurupari.
122
termos de comércio exterior, o primeiro item na exportação do Acre é madeira
em pranchas e derivados, seguido da castanha-do-brasil.
O extrativismo não-madeireiro, que respondia por 31% do PIB
acreano em 1974, hoje não passa de 5%. De 1979 a 1996, houve quedas de
produção em -4% da castanha, -38% da borracha, -84% de açaí e -84% de óleo
de copaíba.
No mesmo período, a produção da madeira subiu em 40%. Os
dados para a madeira são imprecisos, e oscilam entre 210 mil a 450 mil m3 por
ano. Estima-se que se recolha impostos apenas sobre 10% da madeira
explorada (ACRE, 2000, vol. II, p. 193; SEFE, 2000).
A produção pecuária, por sua vez, cresceu em mais de 1.000% de
1970 a 1996. Neste mesmo período, o aumento de área de pastagens foi 3,2
vezes maior do que o respectivo faturamento, o que revela o crescimento de
uma pecuária de baixa produtividade e ambientalmente predatória (ACRE,
2000, vol. II, p. 197). O rebanho atual é de quase 2,0 milhões de cabeças. A
composição do ICMS do setor primário em 1997 é descrita na tabela abaixo:
TABELA 3.2.
Proporção da Arrecadação de ICMS do Acre (Setor Primário) em 1997
ITEM PROPORÇÃO
(%)
Pecuária 51,4
Madeira 17,3
Castanha 11,8
Borracha 10,8
Agricultura 8,7
FONTE: ACRE, 1998, p. 268.
123
recursos públicos) quanto internacionais. O Governo também é tido como
“pobre” pois, embora tenha aumentado sua arrecadação nos últimos anos,62
ainda apresenta baixa capacidade de investimento. Estes aspectos foram
ressaltados pelos entrevistados, e um deles nos disse “é impossível o Acre fazer
desenvolvimento sustentável enquanto depender tanto de outros países”, ou seja,
o Acre ainda é carente de desenvolvimento econômico endógeno.
O PIB do Acre em 2001 foi de R$ 1,813 bilhão. As tabelas abaixo
demonstram a comparação percentual entre a geração do PIB de cada setor e
atividade:
TABELA 3.3.
A Composição do PIB do Acre em 2001
SETOR Percentual do
PIB (%)
Público 41,9
Produtivo 28,4
Comércio e Serviços 23,2
Infra-Estrutura 6,50
FONTE: IBGE (2001). Contas regionais do Brasil.
TABELA 3.4.
A Composição do PIB do Setor Produtivo do Acre em 2001
Atividade Percentual do PIB do
Setor Produtivo (%)
Indústria de transformação 45,40
Construção civil 34,80
Agro-pecuário 19,80
FONTE: IBGE (2001). Contas regionais do Brasil.
62 A arrecadação de ICMS aumentou de cerca de 140%, entre 1998 e 2001 (Acre em Números, 2001, p. 94). O PIB do
Acre aumentou de 32,12%, no mesmo período (Acre em Números, 2003, p. 85).
124
pecuária) não têm expressividade. A indústria de transformação engloba o
beneficiamento da madeira.
126
destacar o desenvolvimento sustentável nos discursos oficiais, embora o mesmo
não se verifique nas ações práticas com igual intensidade.
Quanto à continuidade administrativa, os atores entrevistados
consideram a segunda gestão coerente com a primeira e observam que a
transversalidade vem sendo crescentemente fortalecida. Enquanto a primeira
gestão contemplou a re-estruturação governamental e a formulação de
políticas, a segunda direciona-se mais à implementação das mesmas. Em
contraponto, cerca de um quarto dos entrevistados pontuam que o extrativismo
e as questões ambientais propriamente ditas foram enfraquecidas na segunda
gestão, particularmente com a saída de líderes mais comprometidos com a
causa ambiental.
Este Governo lançou dois conceitos: a florestania e o neo-
extrativismo.
A florestania é um contraponto ao conceito de cidadania (de
referência urbana), sendo seu equivalente para o morador da floresta, em
termos de inserção e participação política. Trata-se do “nosso conceito de
sustentabilidade”, nas palavras do Governo, a qual inclui seis dimensões:
política, cultural, social, econômica, ambiental e ética (redigidas em detalhes no
Anexo 3) (SEATER, 2004). A florestania procura “resgatar nosso conhecimento e
tradição para construirmos a sociedade sustentável que queremos” (SEPLANDS, 2004).
O neo-extrativismo, criado pelo Prof. José F. do Rêgo, refere-se à
diversificação da produção florestal acompanhada do esforço de agregação de
valor com o beneficiamento local, por meio de inovações tecnológicas
apropriadas. O neo-extrativismo inclui a consorciação das atividades florestais
com a pequena agricultura e criação de animais (RÊGO, 2001), sendo,
portanto, mais realista quanto à vida dos seringueiros desde o fim do primeiro
ciclo da borracha.
O Governo alega buscar um modelo de desenvolvimento florestal,
incluindo o fortalecimento das modalidades familiares e comunitárias de gestão
produtiva.
127
Para reverter o baixo desenvolvimento econômico, um membro do
alto escalão do Governo disse que o Acre só pode ser competitivo com a madeira
(de manejo sustentável). A madeira é, portanto, a grande prioridade produtiva
do Governo, na sua visão de economia florestal. Por outro lado, o Governo
continua investindo significativamente na pecuária, a exemplo de governos
anteriores, por exemplo com a campanha “Acre livre da febre aftosa”.
O programa central de desenvolvimento sustentável do Governo,
que contempla parte das políticas ambientais do Estado, é o Projeto BID-BR
0313, ou “Programa de Desenvolvimento Sustentável do Acre”. Esse é um
Projeto de grande porte, orçado em US$ 240 milhões, com ênfase em infra-
estrutura (60% dos recursos) e gestão ambiental. Os principais eixos do Projeto
BID são:
Regularização fundiária;
Infra-Estrutura: Pavimentação da Rodovia BR-364 (item que absorve boa parte
dos recursos), abertura de estradas de terra, melhoramento de hidrovias
incluindo instalação de portos e sinalização;
Produção madeireira;
Dinamização de produtos florestais diversos, incluindo a busca de mercado e a
transferência de tecnologias apropriadas;
Criação de unidades de conservação estaduais e fortalecimento do entorno de
algumas existentes. (Com ênfase nas florestas públicas de produção);
Eletrificação rural com placas solares;
Criação de Centros de Florestania e implementação de projetos produtivos na
zona rural;
Aparelhamento geral do IMAC (Instituto de Meio Ambiente do Acre), e
capacitação de servidores;
Implementação e divulgação do ZEE (Zoneamento Ecológico-Econômico);
Criação dos Comitês de Bacia Hidrográfica e dos Planos de Gestão de Recursos
Hídricos (inexistentes no Acre);
Gestão de resíduos sólidos, com implantação de aterros sanitários e programas
de reciclagem;
Educação ambiental;
O órgão gestor central do Projeto é a SEPLANDS, na forma de uma
equipe mista de funcionários públicos e de uma agência administradora
privada (exigência do Banco). Diversos órgãos do Governo participam da gestão
do Projeto BID através de gerentes específicos; um para cada órgão, o qual
128
responde pelos componentes do Projeto que lhe cabem. Está previsto um
Conselho de Avaliação e Acompanhamento formado por diversas instituições.
Trata-se de um empréstimo vultuoso do Banco Interamericano de
Desenvolvimento, da ordem de 60% do orçamento total. O contrato do Projeto
deu ao Banco, como garantia de pagamento, os recursos das florestas públicas
de produção a serem implementadas. Na época da sua aprovação pelo Senado
Federal, foram intensas as críticas da oposição política quanto a essa garantia,
discursando sobre os possíveis problemas da influência externa sobre a
Amazônia (Nabor Júnior, 2002). Este é um assunto polêmico, pois, além da
possível interferência política, criam-se vínculos econômicos que podem
retardar o desenvolvimento econômico endógeno.
Não é possível, até o momento, avaliar o Projeto BID, por ele ser
embrionário e pelos sigilos de Governo. Quanto à sua formulação, diversos
atores testemunharam um processo aberto e participativo, ou seja, trabalhado
numa rede de governança de cunho ambiental e de desenvolvimento. Até o
momento pode-se dizer que o Projeto revela uma iniciativa ousada em sua
complexidade institucional e temática, que envolve, em tese, a transversalidade.
Outro Projeto central do Governo, responsável pela estruturação da
política ambiental do Acre, é o PGAI, Projeto de Gestão Ambiental Integrada.
O PGAI é um mega-Projeto do PPG-763 na Amazônia, e, no Acre, conta com
recursos a fundo perdido da Cooperação Alemã (GTZ). Ele visa a
instrumentalização dos governos estaduais e municipais para a política e
gestão ambiental, com ênfase na descentralização de atribuições às instituições
locais, notadamente as secretarias municipais de meio ambiente. Neste ponto,
ele se assemelha ao PNMA-II - Programa Nacional do Meio Ambiente – Fase
II, do Ministério do Meio Ambiente, também relevante no Acre, com recursos de
empréstimo do Banco Mundial.
63 PPG-7 = atual “Programa Brasileiro de Proteção e Uso Sustentável das Florestas Tropicais”, ex-“Programa-Piloto de
Proteção às Florestas Tropicais”. O PPG-7 é um Programa de doações dos 7 países mais ricos do mundo, implementado
desde 1994. O PPG-7 tem grande influência na Amazônia. Ele gerou o lançamento de algumas políticas ambientais
estaduais, e estruturou os governos que já as dispunham (GTZ, 2000). Em junho de 2002 este Programa foi absorvido
como política pública brasileira, para a qual aportariam recursos dos Planos Pluri-Anuais (FSP, 2002).
129
O executor principal do PGAI é o Instituto do Meio Ambiente do
Acre (IMAC), com a cooperação de outras secretarias. Os objetivos gerais são a
redução do desmate e queima e a conciliação entre desenvolvimento e meio
ambiente, com apoio aos produtos florestais e agro-florestais. Suas linhas de
ação são:
130
de implementação de fonte política, com a baixa capacidade de negociar nas
arenas e de cooperar nas redes, demonstrando também a relutância do
Governo em descentralizar poder para os municípios.
Devido à coincidência de temas, há visível sobreposição de ações
entre o Projeto BID, o PGAI e o PNMA-II. Trata-se de uma complexa rede de
ações integradas, o que representa um desafio metodológico, pois a tendência é
a duplicação de esforços. Conscientes do fato, técnicos do IMAC elaboraram um
Quadro de Compatibilidade entre os três projetos. Não se sabe se o mesmo vem
sendo utilizado.
Persistem as preocupações com a dependência externa. A
vinculação destes programas com os países estrangeiros não é só de recursos
financeiros, mas também da concepção dos projetos. Entretanto, problemas
decorrentes dessa vinculação só chegam a ser evidentes no caso do PGAI.
Além destes três programas, outros dois compõem o conjunto dos
programas estruturantes do desenvolvimento sustentável e das políticas
ambientais do Acre; o ZEE e as Florestas Públicas de Produção, os quais serão
apresentados mais adiante.
131
(ou instituições) de governo (secretarias, institutos e departamentos), e
elementos organizacionais intra- e inter-institucionais podem ser mais decisivos
do que a vontade política de dirigentes ou servidores. Alguns arranjos podem
favorecer o processo, superando barreiras naturais como a rigidez burocrática e
a escassez de recursos. No caso da política ambiental transversal, em especial,
é vital um arranjo institucional que favoreça a integração. O presente item trata
deste assunto com referência ao estudo de caso.
a) A Reforma Administrativa e a Transversalidade
Na transição da primeira para a segunda gestão do Governo,
efetuou-se a Reforma Administrativa, que alterou completamente o arranjo
institucional governamental. Foram criadas cinco áreas administrativas
temáticas, que consistem em conjuntos de órgãos. O propósito dessa mudança
foi aumentar a integração entre os órgãos segundo temas afins. Iniciativas
muito semelhantes ocorreram no Estado do Amapá e do Pará. As áreas
temáticas do Governo do Acre são:
FIGURA 3.1.
Organograma do Sistema SEPLANDS (Governo do Acre, 2004)
administração
administração indireta
direta
SEPLANDS
Sec. de Planejamento e Desenv.
Econômico-Sustentável
SEF ANAC
Sec. de Floresta Agência de
Negócios do Acre
135
não. Incluiria o estudo do comportamento dos sistemas, que buscam estados
de equilíbrio e permanecem neles por algum tempo, quando fatores de
perturbação exigem nova auto-organização, resultando num novo estado.
Enfim, permitiria um conhecimento mais profundo das instituições
governamentais e seus projetos, e das relações destes com a sociedade.
Um esforço hercúleo, sem dúvida. Metodologias sistêmicas ou
complexas são embrionárias na própria ciência. Na verdade, a humanidade
inteira está aprendendo a exercitar a visão holística, o que não exime os
governos de buscá-la. Além disso, é fato que no Brasil nenhuma esfera
governamental possui quadros políticos e técnicos suficientemente capacitados
nos processos de elaboração de políticas públicas. Dado este cenário, pôde-se
concluir em nossa análise que há, sim, esforço do Governo na direção sistêmica.
Porém, não de forma explícita, mas sim informal, ou quase inconsciente.
Entrevistados de dez instituições afirmam que o Governo é sólido
em seus princípios, mas “há um abismo entre a teoria do discurso e as ações
práticas”. O Governo do Acre vem sendo conhecido, nacionalmente e no
exterior, por um discurso contundente, propagandístico, no sentido da
florestania e do desenvolvimento sustentável. O slogan “Governo da Floresta” é
usado à exaustão. Análises positivas da ênfase discursiva podem ser feitas no
sentido da valorização da cultura florestal, numa população acreana em pleno
processo de urbanização. De modo geral, os entrevistados elogiam a
instauração do ideário ambiental no Governo, mas há críticas ao caráter
extremamente “vaidoso” deste Governo, em que o discurso, ou a “chuva de
idéias”, não corresponde às ações.
Nesse contexto, outro fator é sempre citado; a baixa capacitação
dos servidores em conhecimentos ambientais65 e de políticas públicas.
Entrevistados de dez instituições externas ao Governo, as mais
críticas, relataram que os servidores agem tecnocraticamente, não sendo
65 Desde 1999 previa-se um Programa de Capacitação Ambiental para os servidores, um sub-programa do PPG-7. Está
previsto para iniciar em 2005. A Gerência de Educação Ambiental do IMAC, no entanto, realiza ações educativas
esparsas com os servidores.
136
disponíveis para ir a campo e conhecer a realidade rural. Os que vão a campo
costumam ser de menor escalão (contrato provisório), e terminam sendo
“engulidos pelos entraves burocráticos e pelo poder político”. Com opinião
contrária, entrevistados das instituições de trabalhadores rurais e seringueiros
da Região do Alto Acre consideram os técnicos do Governo presentes e afirmam:
“os produtores rurais estão mais alegres”.
137
entrevistados consideram a SEPROF “sem rumo” devido à junção de temas diferentes,
como se fosse uma secretaria para “agrupar as minorias”.
A assistência técnica, organizacional e de capacitação das comunidades
rurais é atribuição da SEATER, órgão estadual com maior penetração no Estado (são 29
escritórios) e capilaridade em campo. Esta Secretaria é uma iniciativa diferenciada dos
demais estados brasileiros, posto que elevou o status da “assistência técnica e extensão
rural” de empresa pública (a EMATER) a uma secretaria de Governo. No caso do Acre,
o órgão foi adquirindo atribuições agro-florestais, indígenas e de gestão e educação
ambiental, somando-se às agro-pecuárias já instaladas. Representa o único órgão
estadual de assistência agro-florestal da Amazônia.
A missão da SEATER é a de fixar o homem no campo, diversificando sua
produção no espaço e no tempo (colhendo produtos ao ano inteiro). Suas linhas de ação
são: manejo florestal de uso múltiplo, agro-ecologia, sistemas agro-florestais, agro-
indústria de base familiar e recuperação de áreas degradadas. Seus princípios são a
segurança alimentar e nutricional (praticada nos Projetos Pólos Agro-Florestais e Quintais
Agro-Florestais),66 a economia solidária (promovida nas capacitações em associativismo e
cooperativismo) e a inclusão eqüitativa das etnias, gêneros e gerações (SEATER, 2004).
O princípio da segurança alimentar e nutricional é avançado, e vai no
sentido da auto-sustentabilidade endógena das comunidades rurais, em que se promove
menor dependência monetária. Este princípio, segundo a SEATER, vai além da
alimentação, envolvendo um resgate cultural do uso dos produtos florestais e agrícolas
na construção civil, em utensílios, em artesanatos e na medicina natural.
A SEATER tem sido o órgão mais qualificado e atuante na
transversalização da política ambiental, segundo atores internos e externos ao Governo.
Outro diferencial observado foi um esforço próprio desta Secretaria na capacitação dos
seus servidores.
66 Os Pólos Agro-Florestais se destinam ao re-assentamento de famílias que fizeram parte do êxodo rural, e pretendem
a formação de um cinturão verde produtivo nas cidades. Hoje são 14 pólos no Acre, com cerca de 500 famílias. O
Governo constrói as casas, fornece infra-estrutura, e ajuda com sementes, mudas, assistência técnica e organização de
feiras para comércio da produção.
138
A ANAC é uma agência executiva criada para o fomento industrial
e a promoção de negócios, com ênfase no comércio exterior. Ela investe na
propaganda dos produtos “ecológicos” do Acre, por meio de embalagens
pequenas e sofisticadas (ANAC, 2002). Promove produtos de 3 cooperativas, 8
micro-empresas e 3 empresas (Acre em Números, 2003, p. 88). Os produtos
trabalhados são a castanha, o guaraná, o palmito (de pupunha) e a farinha de
mandioca. Há críticas de trabalhadores rurais à ANAC por trabalhar com
poucos produtos e pequenos mercados.
140
o A partir de 2005: o IMAC assumirá todo o licenciamento do manejo, que
será feito em conjunto com a SEF (exceto no caso do mogno, que ainda
serão atribuição do IBAMA)
Averbação de Reserva Legal de propriedades rurais:
o Até 2004: O IMAC faz a aprovação locacional da reserva, e o IBAMA efetua
a averbação
o Em 2005: O IMAC fará todo o processo
Autorização de Transporte de Produtos Florestais (ATPF):
o Até 2004: Atribuição do IBAMA
o Em 2005: Será atribuição do IMAC
Recolhimento de taxa de Reposição Florestal (referente a desmate e
exploração de madeira):
o Até 2004: Atribuição do IBAMA, recursos destinados à Conta Única da
União
o Em 2005: Atribuição da SEF, recursos destinados ao Fundo Estadual de
Fomento Florestal
Licenciamento ambiental de empreendimentos rurais, industriais,
comerciais e de serviços:
o Atribuição do IMAC e das Secretarias Municipais de Meio Ambiente
(futuramente)
141
licenciamento (legalização) do desmate e queima no Estado, que hoje atinge
50% do total (sendo que no Pará, Mato Grosso e Rondônia este índice gira entre
10 e 20%).
Observou-se certa ausência do IMAC nos municípios, o que é
agravado no Vale do Juruá e no alto do Vale do Purus, compreendendo mais da
metade do Estado. Lá o licenciamento ambiental é praticamente inexistente ou
enviesado pela influência das oligarquias locais, de modo que quase todos os
desmates e queimadas encontram-se ilegais e, portanto, fora do controle
público.
O Governo editou portarias estaduais normatizando o desmate e
queima. Enquanto o IMAC afirma que esta normatização é “rígida”, setores
ambientalistas afirmam o contrário, já que os desmates até 3 hectares não
necessitam de vistoria. Afirmam que há clientelismo do Governo junto aos
pequenos proprietários, o que é preocupante, já que o maior desmatamento no
Acre, em números totais, tem sido promovido pelos pequenos proprietários
(segundo análises da EMBRAPA).
A questão mais problemática talvez seja a ausência de mecanismos
de avaliação institucional e de controle social nesta passagem de atribuições
para o IMAC. Por exemplo, o IBAMA possui uma Câmara Técnica de avaliação,
cuja composição é paritária com sociedade civil e outras esferas
governamentais. Teoricamente, uma ONG poderia impedir um licenciamento
por meio desta Câmara. Nenhum instrumento semelhante está previsto no
IMAC, bem como não está sendo implantada uma avaliação das novas
atribuições.67 Ora, uma boa avaliação de políticas e procedimentos públicos
exigiria a internalização de critérios de avaliação a priori, durante a etapa de
formulação (GARCIA, 2001).
A preocupação se justifica pelo fato de que a esfera estadual é
muito mais suscetível às influências dos grupos de poder do que a esfera
federal. O mesmo é válido, em maior intensidade, para a esfera municipal. Ou
143
ser percebido pelos entrevistados, exceto os da própria FUNTAC e da
SEPLANDS.
A FUNTAC se destaca no beneficiamento da madeira, sendo ela
própria derivada do Laboratório de Tecnologia de Madeiras (na época, uma
instituição privada). Seu Projeto mais importante é o “Manejo Florestal de Uso
Múltiplo da Floresta Estadual do Antimary” (área de 77 mil hectares no
município de Bujari), em cooperação com a ITTO. Este Projeto conta com
grande ênfase do Governo e é bem avaliado por algumas instituições,68 mas
sofre críticas por deficiências no monitoramento ambiental e por priorizar
excessivamente a madeira.
A FUNTAC atua também no desenvolvimento e controle de
qualidade da castanha, da borracha, de fito-terápicos, de sementes e mudas, do
óleo de copaíba, da farinha de mandioca e da construção civil.
De modo geral, é visível a carência científica e tecnológica no Acre.
É baixíssima a agregação de C&T (ou a realização de P&D – pesquisa e
desenvolvimento) aos produtos florestais, bem como a outros objetos como
resíduos de madeira, tanto no setor público quanto no setor privado. O Estado
do Amapá, por exemplo, encontra-se bem mais avançado nesse aspecto. No
Acre não se encontram alguns produtos beneficiados comuns no Amapá e no
Pará, tais como: derivados da castanha (óleo, farinha e biscoito), doces de
frutas florestais (como bacuri, abiu e açaí) e fito-terápicos (como pílulas de
unha-de-gato e pata-de-vaca).
68 O Projeto foi premiado em setembro de 2004, pela Fundação Getúlio Vargas, no item de desenvolvimento social.
144
governo, na medida em que, nestas redes, o governo se coloca à disposição, ao
menos em tese, para sofrer críticas, negociar e, por fim, exercer a governança.
Governança é mais do que ouvir críticas – é fazer junto, cooperar, ou, como se
usa mais hoje em dia, “fazer parcerias”.
O Governo do Acre considera-se popular e participativo. Afirma
pautar sua sustentabilidade política junto às populações rurais (chamados de
“povos da floresta”). Durante as entrevistas pôde-se observar a aprovação deste
caráter participativo por parte da população rural. Porém, há dois filtros a
serem relatados. Em primeiro lugar, a população rural entrevistada concentra-
se no Vale do Acre, região bem mais atendida pelo Governo. Em segundo lugar,
o Governo atual, de grande influência política nessa região, vem apoiando
diretamente algumas instituições rurais, por exemplo com a construção da
nova sede do STR de Xapuri, das sedes de outras associações e cooperativas e o
financiamento direto a algumas dessas instituições. O Governo demonstra
postura assistencialista, prática histórica no Estado do Acre. Dessa postura
decorre a contrapartida; boa parte das instituições se torna aliada política do
Governo. Há seringueiros que dizem que o movimento social está
completamente inerte e cooptado pelo Governo (AMÂNCIO, 2005).
No geral, observa-se grande habilidade política do Governador em
estabelecer e aumentar sua governabilidade frente a outras vertentes, de forma
que o Governo goza de situação estável. Uma parte dessa sustentabilidade
política decorre do exercício da governança ambiental. Mas as redes de
governança ambiental se encontram enfraquecidas. Cinco entrevistados
disseram que elas são convocadas “de última hora”, para cumprir exigências
dos financiadores. Servidores do Governo também manifestam essas críticas,
apontando o autoritarismo do Governador.
Na primeira gestão, época da formulação das grandes políticas, o
Governo era mais democrático. Isso é esperado, pois é no início do governo que
se dão as alianças para a legitimação das políticas públicas (KRAFT, 1996). O
Governo fez então diversas reuniões com sindicatos e associações rurais. Em
145
Rio Branco formaram-se grandes redes de governança ambiental, que
envolveram as instituições e a população em geral por meio de plenárias, como
ocorreu com o ZEE.
Já na segunda gestão a democratização diminuiu, e algumas redes
de governança foram desmanteladas. Alguns conselhos estão parados, outros
atuam em passos lentos. Com relação à rede que gerencia o PGAI, se ouviu:
“nas reuniões as instituições não escutam umas às outras, é uma torre de babel,
todos falam ao mesmo tempo e, no final, prevalecem mesmo as decisões do
Governo”. Segundo três entrevistados, os conselhos do Acre têm sido
aproveitados como espaços de cobrança da sociedade civil organizada, mas não
como espaços deliberativos.
Além dos conselhos, ocorrem outras redes de governança
ambiental formais menos amplas, na forma de equipes de trabalho em projetos.
Estas servem mais para implementação das políticas. As instituições que mais
têm atuado (sem desmerecer a atuação das demais) nas redes de governança
ambiental do Acre, junto aos órgãos do Governo, são:
Governamentais Federais:
o Ministério do Meio Ambiente
o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
o Ministério da Integração Nacional
o IBAMA
o INCRA
o FUNAI
o SEBRAE
Governamentais do Poder Judiciário:
o Ministério Público Estadual
o Ministério Público Federal
Governamentais Municipais:
o Prefeituras
o Secretarias Municipais do Meio Ambiente
o COMDEMAs (Conselhos Municipais de Meio Ambiente)
de Ensino, Pesquisa e Extensão (Federais):
o UFAC
o EMBRAPA
146
de Trabalhadores Rurais e Seringueiros:
o STRs municipais (Sindicatos de Trabalhadores Rurais)
o cooperativas e associações rurais diversas
o FETACRE (Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Acre)
o CNS (Conselho Nacional dos Seringueiros)
o CONTAG (Confederação de Trabalhadores na Agricultura)
de ONGs Ambientalistas, Indigenistas e Semelhantes - Nacionais:
o SOS Amazônia (conservação e educação ambiental),
o PESACRE (agro-floresta e agro-ecologia)
o CTA (Centro de Trabalhadores da Amazônia – manejo florestal, com
ênfase ao madeireiro)
o CPI (Comissão Pró-Índio)
o CPT (Comissão Pastoral da Terra – ligada a Igreja Católica)
o Amazonlink
o Imazon
o Eco-Amazon
de ONGs Ambientalistas, Indigenistas e Semelhantes - Internacionais:
o WWF (conservação ambiental e políticas públicas)
o ITTO (manejo madeireiro)
do Setor Privado:
o BASA (Banco da Amazônia)
o Banco do Brasil
o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social)
o Empresas madeireiras
o Empresas de beneficiamento de produtos florestais
Governamentais Internacionais:
o PNUD
o GTZ (Cooperação Alemã)
o Cooperação Italiana
Privadas Internacionais:
o BID
o Banco Mundial (BIRD).
147
constituem-se do alto índice de “terras devolutas” sem titulação, dos conflitos
de terra e da grilagem. Esses problemas coadunam com a degradação
ambiental, porque uma porção de terra pode ser desmembrada várias vezes, e
cada novo proprietário a desmata o máximo que pode, de modo que a exigência
de conservação de 80% da área original (do Código Florestal Brasileiro) é
frontalmente desobedecida. Além disso, as enormes extensões de terra sem
titulação ficam ambientalmente prejudicadas por não se poder aprovar planos
de manejo nem outros benefícios como criação de Reservas Particulares do
Patrimônio Natural.
148
O ZEE é um instrumento intrinsecamente transversal, pois busca
integrar os aspectos ecológicos e econômicos. Pesquisadores consideram-no
uma possibilidade de promover modelos de desenvolvimento ambientalmente
sustentáveis, e por isso tem sido referenciado em políticas variadas. Sua
metodologia de formulação é complexa e sua implementação é difícil, porque as
formas de ocupação do território são muito dinâmicas, e porque ao tentar
implantar padrões produtivos sob critérios ambientais encontram-se muitas
resistências. Pode-se dizer que o ZEE é um instrumento novo e em
conformação.
O ZEE do Acre, enquanto documento teórico, tem sido elogiado por
ser denso em conteúdos e representar um esforço de transversalidade. Ele é
organizado em três volumes, apresentando os recursos naturais (com sua
distribuição geográfica e apropriação sócio-econômica), estudos sobre a
biodiversidade, o solo, o clima e outros elementos e uma indicação das áreas
prioritárias para conservação e produção. Ele é concluído com diretrizes para
políticas públicas como um todo. O trabalho contou com 121 autores de 35
instituições. Um aspecto inovador do ZEE foi o mapeamento de conflitos sócio-
ambientais do Estado, um avanço conceitual.
O ZEE do Acre não foi transformado em lei, como em outros
estados, o que é apresentado como uma vantagem, pois serve para orientar
caminhos e não enrijecer procedimentos (ACRE, 2000, vol. III, p. 121). Por
outro lado, cinco entrevistados questionam esse fato, dizendo que o ZEE “não
está valendo”.
Algumas deficiências foram detectadas pela autora. Como um todo,
o ZEE é pouco didático e sua organização não é clara. Ele apresenta alguns
dados conflitantes, como diferentes mapas de “áreas prioritárias para
conservação”.
149
pesquisadores de outras áreas, por exemplo, devido à fronteira com
algumas áreas indígenas, que não participaram dos levantamentos mas
sofrerão os efeitos da criação dessas unidades” (COSTA, 2003, p. 15).
150
destina-se ao “uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e à pesquisa
científica, com ênfase em métodos para exploração sustentável”.69
Está prevista a implementação de, no mínimo, 1,5 milhões de
hectares de FLOPs estaduais no Acre, correspondendo a cerca de 10% do
Estado. A única unidade em funcionamento, há 10 anos, é a Floresta Estadual
do Antimary. Três destas florestas foram recém-decretadas na área de
influência da BR-364 a ser pavimentada (componente do Projeto BID), e
compreendem 483 mil hectares. A escolha dessas áreas revelou a coerência de
recomendações de três políticas: o Projeto BID, o ZEE e a Política Florestal do
Acre.
As FLOPs priorizam, explicitamente, a exploração de madeira.
Florestas desse tipo são também prioridade do Programa Nacional de Florestas,
em vigor desde 2000. Neste sentido, foi louvável a criação de uma legislação
estadual a respeito, para permitir sua adequação às particularidades locais. As
FLOPs serão analisadas no item da gestão ambiental da produção.
c) Conservação Ambiental
A conservação ambiental não tem sido alvo de políticas específicas,
mas sim de intenções manifestas nos grandes Programas. Essa ausência tem
sido criticada por diversos atores sociais. Por outro lado, instituições rurais do
Alto Acre apontaram a constante presença do IMAC em ações educativas de
prevenção ao desmate e queima.
A reforma interna da SEMA / IMAC extinguiu a Coordenadoria de
Conservação Ambiental – segundo o Secretário essa atribuição passou para a
Gerência do ZEE. Nela, não se encontraram ações ou servidores dedicados ao
tema da conservação, por exemplo, à implementação das unidades de
conservação estaduais.
152
sementes de cedro e mogno (para reflorestamento) são priorizados, tanto para
extrativismo quanto para cultivo agro-florestal.
O setor de PFNMs encontra-se enfraquecido e desorganizado no
Estado; há poucos planos de manejo aprovados e baixíssima expressividade
econômica. Há enorme carência de políticas públicas para este setor que, como
já foi comentado, depende do Estado para se inserir nas desfavoráveis
condições de mercado. Entrevistados de dez instituições externas ao Governo
re-afirmaram esta carência, e criticam a baixa prioridade conferida aos não-
madeireiros (exceto a borracha e a castanha). Consideram que o Governo não
tem visão de longo prazo para este setor, o qual será de grande interesse no futuro
próximo.
Arthur Leite (2004) destaca a importância estratégica de se
desenvolver os produtos não-madeireiros, além de outros motivos, para
viabilizar a real conservação florestal até que se obtenha, no futuro, renda pelos
serviços ambientais da floresta. Afinal, os não-madeireiros são a modalidade
produtiva mais sustentável na floresta, e no Acre a seringueira desponta como
crucial, podendo estimular o interesse por outros produtos florestais, daí a
importância dos incentivos à borracha.
Grandes transnacionais estão se aparelhando fortemente em P&D
no setor não-madeireiro (ALBAGLI, 2001; DIAS, 2004). A pesquisa de não-
madeireiros com enfoque local é imprescindível – a variedade de produtos
florestais é imensa, mas a viabilidade técnica, social e econômica é uma
conquista lenta, caso a caso. Como foi comentado, o Governo do Acre quase
não investe em P&D.
O Governo apóia, através da ANAC, algumas micro-empresas
acreanas de cosméticos e doces à base de produtos florestais. A SEPROF tem
alguns projetos pontuais em convênios com o Ministério do Meio Ambiente para
este setor, com prioridade para a copaíba e a andiroba. Alguns avanços foram
observados para o óleo de copaíba, em que conseguiu-se o aumento do preço ao
produtor de R$ 3,50, em 1999, para R$ 12,00 / litro, em 2004.
153
A unanimidade dos entrevistados da área rural lamentam que
muitas frutas de valor econômico apodrecem na mata. Salta aos olhos a falta de
políticas para o açaí e o cupuaçú, itens de franco crescimento econômico;
quase toda a produção concentra-se no Pará. Há projetos pontuais de iniciativa
das próprias comunidades. O Governo, em 1999, falava na intenção de
construir usinas de óleo de andiroba (em Tarauacá), de polpa de açaí (em
Brasiléia) e de óleos de murmuru e buriti (em Cruzeiro do Sul).
O Governo apresenta ações de apoio ao artesanato de base
florestal, como a construção da loja “Casa do Artesão” em Rio Branco. O
artesanato tem tido grande expressividade no Acre, como o de bijuterias de
sementes, artigos de decoração, cestaria, marchetaria e tecidos de tear.
A castanha e a borracha sempre foram os principais produtos
não-madeireiros do Estado, e o Governo tem viabilizado incentivos a eles,
principalmente à castanha da Região do Alto Acre. Essa região é prioritária
para o Governo, e ao nosso ver ela o é por três motivos: 1) É a área com os
maiores índices de desmatamento, por ser área de influência da BR-317.
Contempla-la com políticas produtivas de caráter ambiental é exigência do
Projeto BID e do PGAI. Essa área também é priorizada pelos programas federais
Proambiente, Prevfogo e Proarco. 2) Esta região, que compreende Xapuri e
Brasiléia, é densa em movimentos sócio-ambientais fortes e de tradição. Boa
parte deles constitui-se de aliados políticos do Governo. 3) O Alto Acre é
altamente produtivo em borracha e castanha, e portanto é local estratégico
para alavancar modelos de desenvolvimento ambientalmente sustentáveis.
A castanha foi dinamizada na safra de 2004 por meio da captação
de um financiamento da CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento),
órgão do Ministério da Agricultura. Este recurso foi repassado pelo Governo do
Estado às cooperativas. O preço médio obtido no local da produção foi de R$
15,00 / lata.70 Nos anos anteriores, o preço era de R$ 4,00 / lata, ou seja, o
74 Os recursos são oriundos da SUFRAMA, do Ministério da Saúde e do Governo do Acre, e a execução é da SEPROF
em cooperação com a FUNTAC.
156
Nesse âmbito, pode-se promover o desenvolvimento local das comunidades
residentes.
O Estado tem maior controle sobre a qualidade dos planos de manejo, podendo,
ele próprio, elaborar os planos, às custas da empresa requerente.
Pode-se evitar a ocupação agro-pecuária após a exploração.
Freia-se a privatização das florestas. A privatização traz problemas intrínsecos,
pois a tendência do proprietário é explorar toda a madeira possível e vender a
terra. Esta é uma comprovação empírica de que é bem mais provável que ocorra a
“tragédia [ambiental] dos [recursos] privados” do que a “tragédia dos comuns”
de Garret Hardin. O outro problema é social: os proprietários costumam expulsar
os posseiros residentes.
Reduzindo as terras privadas e devolutas, reduz-se a disponibilidade de madeira
barata, valorizando-a.
Aumenta-se a arrecadação pública com as taxas sobre as concessões.
Efetua-se a tão necessária regularização fundiária.
Para as empresas, este modelo também é vantajoso, pois (SOUZA, 2002, p. 167):
Desonera-se a empresa da necessidade de adquirir terras.
Evitam-se os riscos fundiários, garantindo-se o fornecimento de madeira no longo
prazo, necessário para observar os ciclos de corte do manejo.
Se o Estado assumir a atribuição de fazer o plano de manejo, pode-se simplificar e
baratear os investimentos da empresa.
75 Destes, 2,7 milhões são previstos para o manejo florestal comunitário, 1,8 milhão para o manejo privado (áreas de
reserva legal) e 1,5 milhão para as florestas públicas de produção (SEPLANDS, 2004).
158
Quanto à produção madeireira nas reservas extrativistas, tem
havido um acirrado conflito político. Boa parte dos moradores, das instituições
ambientalistas e do IBAMA é contra, mas o Governo e outra parte dos
moradores são a favor, e exercem pressão nesse sentido. A legislação do SNUC
é clara em colocar a madeira em último plano nas reservas extrativistas,
apenas sob condições excepcionais de necessidade, já que estas reservas são
destinadas ao extrativismo (divergente da exploração madeireira). O atual Plano
de Uso da Reserva Extrativista Chico Mendes proíbe exploração comercial de
madeira, entretanto algumas famílias de três seringais (Dois Irmãos, Floresta e
Palmari) estão efetuando planos de manejo com este fim.
Quanto à certificação, existem vários produtos obtendo selos (do
Forest Stewardship Council - FSC e de outras instituições), como o óleo de
copaíba do PAE Porto Dias, a castanha da CAPEB e a madeira do Seringal
Cachoeira (PAE Chico Mendes). A certificação é incentivada pelo Governo como
forma de agregar valor e atingir nichos de mercado. Há críticas em virtude de se
buscarem apenas mercados externos ao Acre, muito específicos e elitizados. Por
outro lado, a certificação do FSC não garante sustentabilidade ambiental, pois
os critérios ambientais são superficiais e os últimos a serem requeridos,
segundo funcionários do próprio órgão certificador (DIAS, 2004).
Quanto à infra-estrutura para escoamento da produção florestal
e rural, que consiste basicamente na melhoria dos ramais,76 entrevistados de
diversos locais rurais afirmam que há bastante empenho do Governo, mas este
empenho é muito concentrado no Vale do Acre em detrimento do restante do
Estado.
Na agricultura, sobressaem os cultivos de milho, mandioca, café e
feijão, sendo que o Acre está longe de ser auto-suficiente em produtos agrícolas.
O café e a farinha de mandioca são produtos prioritários para o Governo, sendo
a farinha de Cruzeiro do Sul, de feitio artesanal e familiar, considerada a
77 A farinha tem sido exportada para o exterior em 12 mil toneladas anuais (dados da SEPRO, em fevereiro de 2002).
78 A produção de leite no Acre diminuiu de 26,7 % entre 2001 e 2003 (Acre em Números, 2003, p. 98).
160
grande porte que tem havido, pois a grande demanda de madeira poderá
representar pressão sobre outras unidades de conservação além das FLOPs.
161
Lei 1.359 de 29/12/2000 – Incentivos de infra-estrutura para a
industrialização sustentável – regulamentada pelo Dec. n. 4.197 de
01/10/2001
Lei n. 1.361 de 29/12/2000 – Criação da COPIAI (Comissão da Política
de Incentivos às Atividades Industriais) e do Fundo de Desenvolvimento
Sustentável – regulamentada pelo Dec. n. 4.198 de 01/10/2001
Res. CEMACT n. 001 de 20/07/2000 – Regulamenta licenciamento de
desmate e queima para posseiros sem titulação da terra
Lei n. 1.420 de 16/12/2001 – Projeto BID-BR 0313
Lei n. 1.426 de 27/12/2001 – Política Florestal do Acre, com a criação
do Sistema de Áreas Naturais Protegidas e o Fundo de Desenvolvimento
Florestal (ainda carece de regulamentação, com a possível geração de
uma Lei específica de Concessões Florestais (SEPLANDS, 2004))
Lei n. 1.428 / 2001 – Qualifica algumas OSCIPs (Organizações da
Sociedade Civil de Interesse Público) no Acre
Lei n. 1.459 / 2002 – Promoção de negócios sustentáveis
Lei n. 1.460 / 2002 – Cria o Fundo Pró-Florestania
Lei n. 1.462 / 2002 – Incentivos creditícios para a industrialização
sustentável
Lei Comp. n. 115 de 31/12/2002 – Reforma Administrativa do Governo
do Acre
Lei n. 1.500 de 15/07/2003 – Política de Recursos Hídricos
Port. IMAC n. 03 de 28/06/2004 – Licenciamento Ambiental Rural
Port. Inter-Institucional IMAC – IBAMA n. 01 de 12/08/2004 –
Exploração Econômicas de Produtos Florestais Não-Madeireiros
Dec. n. 10.670 de 02/09/2004 – Cria o Parque Estadual do Chandless
162
Embora houvesse pouca ação, havia considerável discurso oficial
voltado ao meio ambiente, resultante das pressões internacionais pela
conservação da Amazônia. Encontraram-se assertivas semelhantes às atuais,
inclusive conceitos inovadores para a época (IMAC, 1988; IMAC, 1989; MELO,
1989; SEPLAN, 1991; SEPLAN, 1992). Em 1989, o então Governador Flaviano
Melo discursou em Washington sobre a necessidade de “instalar o
Ecodesenvolvimento”, “integrar problemas ecológicos e sociais” e “orientar a
economia para a base florestal e agro-florestal”.
No mesmo discurso, Flaviano disse:
Hoje em dia essa afirmação pode causar espanto. Através dela, fica
evidente o modelo da Amazônia como “celeiro do mundo”. Paradoxalmente, 15
anos depois, o Acre ainda é grande produtor de carne e madeira...
Em termos gerais, pode-se concluir que o cenário teórico e
discursivo que alicerça o Governo atual já era plenamente disponível e
trabalhado por diversos atores sociais no Estado, dos quais vários deles
ocupam hoje cargos governamentais.
O presente Governo também herdou alguns trabalhos úteis para o
ZEE (iniciados com o Dec. 114 de 1989), a Lei de Acesso aos Recursos
Genéticos (Leis n. 1.235 de 1997 e n. 1.238 de 1997),79 bem como um
arcabouço institucional básico, formado por:
79 As leis de acesso aos recursos genéticos (bio-prospecção) apresentam falhas e não foram regulamentadas. O Governo
está trabalhando numa nova lei em cooperação com o Imazon, com base na experiência da Costa Rica.
163
Os indicadores de sustentabilidade (IS) são fundamentais para avaliar
políticas ambientais. A seguir, à luz das prioridades de sustentabilidade para a
Amazônia desenvolvidas no item 1.5 e das particularidades locais, formulou-se uma
lista de IS úteis para a avaliação das políticas ambientais em curso no Acre, incluindo a
análise do seu caráter transversal.80 Os indicadores avaliados são apenas aqueles para os
quais se pôde acompanhar mudanças ao longo do período pesquisado (de 1999 a 2004).
Devem ser lembradas, porém, três questões: 1) Os processos integrados de
desenvolvimento se materializam a longo prazo, e portanto não são bem equacionáveis
por indicadores (CHELALA, 2003). A análise dos indicadores poderá revelar mais as
expectativas de sua tendência evolutiva do que resultados concretos. 2) Alguns
indicadores podem apresentar resultados apenas qualitativos, que devem ser
considerados com o mesmo valor dos quantitativos (LOPES 1999). 3) Uma dificuldade
básica é a pequena disponibilidade de dados, tanto porque as próprias instituições não
dispõem destes levantamentos quanto pela falta de acesso aos mesmos.
80 Os sub-sistemas em que os indicadores foram agrupados foram extraídos de Polidoro (2000). Uma parte dos
indicadores foi adaptada da auto-avaliação do PGAI - 2a. Fase (IMAC, 2001).
164
* Extração e venda ilegal de madeira;
* Padrões de qualidade das águas;
* Padrões de qualidade do ar em virtude de queimadas rurais e incêndios
florestais;
* Presença de fontes renováveis de energia (solar, eólica, de óleos vegetais,
biomassa manejada);
b) Sub-Sistema Político-Institucional:
6) Legalização do desmate / queima (licenciamento);
7) Surgimento de UCs estaduais;
8) Surgimento e adequação de leis e regulamentos ambientais estaduais;
9) Implementação de UCs estaduais;
10) Surgimento de planos de manejo de recursos florestais;
11) Existência de regulamentação para a bio-prospecção e repartição de benefícios
pelo patrimônio genético e conhecimento associado;
12) Novas fontes de financiamento para políticas ambientais transversais;
13) Surgimento ou fortalecimento de instituições, instrumentos e projetos de gestão
ambiental estadual;
14) Surgimento ou fortalecimento de instituições, instrumentos e projetos de gestão
ambiental municipal;
15) Governança ambiental (democratização participativa da política ambiental);
16) Sustentabilidade política do Governo, interna e externa, no que se refere às
políticas ambientais transversais (com relação aos seguintes atores sociais:
trabalhadores rurais, seringueiros e moradores de RESEX, moradores de PAEs,
ambientalistas, instituições de pesquisa, pecuaristas, madeireiros, instituições
governamentais federais e municipais);
Indicadores propostos para os quais não se obteve informações:
* Ações de fiscalização e monitoramento;
* Ocorrências de fiscalização sem infração;
* Número de processos, denúncias e autuações de crimes ambientais;
d) Sub-Sistema Social:
20) Taxas de êxodo rural;
165
21) Fortalecimento de pequenos produtores;
22) IDH estadual;
23) PIB per capita;
Indicadores propostos para os quais não se obteve informações:
* Surgimento de empregos em atividades ambientalmente sustentáveis (de
conservação, recuperação e melhoria ambiental);
166
TABELA 3.5.
Indicadores de Sustentabilidade no Acre com seus Resultados (de 1999 a 2004)
81 Quanto às fontes, separou-se cada fonte na linha de cada resultado. A fonte “P” significa “pesquisa de campo”, ou seja, dado obtido de várias entrevistas e/ou constatação in loco. Quando
se apresentar apenas um órgão (como “SEF”), significa que um entrevistado deste órgão forneceu o resultado. Quando se apresentar o órgão seguido do ano (como “SEPLANDS, 2004”),
trata-se de uma referência bibliográfica.
- obtenção do financiamento da CONAB para a castanha -P
- negociação de linhas de crédito para produção florestal e agro-florestal junto ao - SEF
BASA, ao PRODEX e ao FNO
- financiamento da WWF para a implementação do ZEE - SEMA
- ampliação de recursos captados do Governo Federal para “produção e meio ambiente” - Acre em Nos, 2001, p.
de 46,4%, entre 1999 e 2001 102
13 instituições / instrumentos / - novas instituições governamentais estaduais: SEPLANDS, SEF, SEPROF, SEATER, - SEPLANDS
projetos gestão ambiental estadual ANAC, ITERACRE
> - novo arranjo institucional: Sistema SEPLANDS criado pela Reforma Administrativa - SEPLANDS
- fortalecimento de instituições governamentais estaduais (ampliação de estrutura, de -P
autonomia e poder político e do caráter ambiental) SEMA, FUNTAC, SEAP
- novas atribuições de licenciamento ambiental do IMAC, porém com fraca estruturação - IMAC, IBAMA e P
- grandes programas: Projeto BID, ZEE, PGAI - SEPLANDS e IMAC
- boa qualidade da formulação do ZEE (material teórico) -P
- problemas de atraso e ineficiência no ZEE e no PGAI - SEMA e P
- Política Florestal do Acre (implementação ainda inicial) - SEF
- Fundo de Fomento Florestal (em formulação) - SEF
- projeto de agentes agro-florestais indígenas - SEATER
- Política de Recursos Hídricos (não implementada) -P
- construção da Escola da Floresta (a inaugurar em 2005) -P
- manejo ecológico de pastagens em cerca de 10% das propriedades (projetos da -P
EMBRAPA com apoio do Governo)
- re-estruturação e programas sócio-ambientais na TV Aldeia e Rádio Aldeia FM -P
14 instituições / instrumentos / > apoio à criação e fortalecimento de diversas Sec. Mun. de Meio Ambiente e SEMA e representantes
projetos gestão ambiental municipal COMDEMAs, via PGAI (não se dispõe de dados precisos) municipais
15 governança ambiental > - novos conselhos de governo (deliberativos): Conselho de Desenvolvimento Rural - SEPLANDS, P e IMAC
Sustentável, Conselho Florestal, Conselho do ZEE, Conselho do Projeto BID (em
instalação), Conselho de Incentivos às Atividades Industriais, Comissão de Educação
Ambiental (recém-implementada, como execução da política federal)
- conselhos de governo funcionando precariamente: de Meio Ambiente, Ciência e -P
Tecnologia (CEMACT) e do ZEE (CEZEE)
- novos conselhos consultivos: da FUNTAC e do FDCT - FUNTAC
- redes de governança para formulação de políticas: ZEE, Projeto BID e projeto das -P
FLOPs (esta rede é informal)
- fóruns abertos consultivos: durante a formulação do ZEE, Conferência Estadual do -P
Meio Ambiente em 2003 (execução de política federal)
- ausência de mecanismo de controle social para as novas atribuições de licenciamento - SEMA e P
ambiental do IMAC
16 sustentabilidade política > * sustentabilidade política interna – ALTA P
168
* (a sustentabilidade política externa será descrita como alta, média ou baixa, com
relação ao grau de aprovação de cada ator social às políticas ambientais do Governo),
mas no geral houve críticas quanto à diminuição da democratização ao longo das
gestões
- trabalhadores rurais - ALTA
- seringueiros e moradores das RESEX - MÉDIA
- moradores de PAEs - ALTA
- ambientalistas - MÉDIA
- instituições de pesquisa - BAIXA
- pecuaristas - MÉDIA
- madeireiros - MÉDIA
- instituições governamentais federais - MÉDIA
- instituições governamentais municipais - ALTA
17 desempenho econômico PFNMs / - aumento do preço da lata de castanha de R$ 4,00, em 2003, para R$ 15,00, em 2004 - XANGAI, 2004 e P
agro-florestais / outros produtos (aumento de 275%)
mais ecológicos > - renda total do extrativista, com a castanha, tem chegado a R$ 5.000,00 / ano - CAPEB
- aumento da exportação da castanha acreana em 38% de 2003 a 2004 - Min. Desenv, 2004
- subsídio de R$ 0,70 / kg de borracha (Lei Chico Mendes) - SEPROF
- aumento da produção anual de borracha de 700 ton a 3.500 ton de 1999 a 2003 - LEITE, 2004, p. 20
- três usinas de borracha operando em 2003; em 1999 não havia nenhuma - LEITE, 2004, p. 20
- aumento do preço do litro do óleo de copaíba de R$ 3,50, em 1999, para R$ 12,00, em - SEPROF e CAPEB
2004 (graças aos projetos de outras instituições, apoio do Governo é pequeno)
- produção de leite diminuiu de 26,7% entre 2001 e 2003, apesar do aumento da - Acre em Nos, 2003, p. 98
pecuária de corte
18 apoio à produção e beneficiamento - construção de 2 usinas de castanha no Alto Acre, ainda não inauguradas -P
de PFNMs / agro-florestais / - financiamento da CONAB para a castanha -P
outros produtos mais ecológicos - inauguração de 4 novos armazéns no Alto Acre (há outros em construção) - CAPEB
> - aumento de produção de borracha de 1.252 para 3.226 ton / ano, de 1999 a 2004 - Acre em Nos, 2003, p. 93
(aumento de mais de 157%)
- 6.259 famílias beneficiadas com subsídio da borracha até 2002 - Acre em Nos, 2001, p. 77
- projeto de construção da fábrica de preservativos em Xapuri (a ser executado a partir - FUNTAC
de 2005)
- 14 pólos agro-florestais com 500 famílias - SEATER
- construção ou recuperação de 120 a 200 casas-de-farinha - SEPLANDS, 2004 e
SEPLANDS
- apoio da ANAC a 3 cooperativas, 8 micro-empresas e 3 empresas - Acre em Nos, 2003, p.88
- Programa Estadual do Biodiesel (por iniciativa federal) - FUNTAC, 2004
- diversos incentivos à industrialização sustentável (ver item 3.2.5) - COPIAI, 2004
- criação dos Pólos Moveleiros de Xapuri e Rio Branco -P
- novo Parque Industrial com 80% de atividades florestais - SEF
169
19 infra-estrutura rural > - construção do Porto de Cruzeiro do Sul, de R$ 5 milhões (Rio Juruá) - SEPLANDS
- Programa Luz para Todos: eletrificação rural para 2.164 famílias até 2003 e 250 - Acre em Nos, 2003, p. 64
comunidades com energia solar até 2004 e SEPLANDS, 2004
- projetos para a pavimentação da BR-364 e recuperação constante de trechos - SEPLANDS e P
destruídos -P
- recuperação de trechos da BR-317 - associações rurais
- construção e recuperação de vários ramais -P
- construção de 2 pontes internacionais (Brasil-Bolívia em Brasiléia e Brasil-Peru em
Assis Brasil)
20 êxodo rural < dados conflitivos: retorno de seringueiros das cidades para a floresta e de colonos à
atividade da seringa (em % de aumento de pessoas na atividade)
- de 10% a 15% - STR Xapuri
- de 30% - AMOPREB
- de 40% - CAEX
21 fortalecimento associações / sabe-se que há grande investimento em associativismo, cooperativismo e capacitação SEATER
cooperativas > dessas organizações em diversos temas florestais e agro-florestais, mas não se dispõe de
dados quantitativos
22 IDH estadual < o valor médio do IDH do Acre em 2000 foi de 0,625, e este valor cresceu uma média de Acre em Nos, 2003, p. 45
17,6% entre 1991 e 2000
23 PIB per capita < o PIB do Acre aumentou de 32,12% entre 1998 e 2001, e o PIB per capita aumentou de Acre em Nos, 2003, p. 85
22,75% no mesmo período. Em 2001 o PIB do Acre foi de R$ 1,921 bilhão, e o PIB per
capita foi de R$ 3.351,00.
170
3.3.1. Análise dos Indicadores
A seguir, apresenta-se uma breve análise de cada indicador, concluída com
um símbolo entre parêntesis: (--) indicador negativo, (+) indicador positivo ou (o)
indicador indiferente, para a avaliação das políticas ambientais do Acre.
172
18) Há algum investimento ao beneficiamento da produção, principalmente de
castanha e borracha. (+)
19) O investimento em infra-estrutura para produção rural e escoamento é
bastante significativo, tanto em transporte (+) quanto em energia, (+) na forma
da captação de recursos nacionais e internacionais em projetos conjuntos.
20) Houve volta de seringueiros para a área rural e/ou para a extração da
seringa. (+)
21) Não foi possível obter dados sobre o apoio governamental à formação e
fortalecimento de cooperativas e associações, mas sabe-se que este
investimento é alto, por diversas entrevistas e vivências. (+)
22) e 23) Os indicadores de aumento de PIB e IDH são relativamente positivos
mas não compõem nossa alçada de avaliação das políticas ambientais, servindo
apenas de informação para os leitores. (o)
173
4. O ESTUDO DE CASO COMPLEMENTAR:
POLÍTICAS AMBIENTAIS TRANSVERSAIS
DO ESTADO DO AMAPÁ ENTRE 1995 E 2004
82 De março a dezembro de 2002 a vice-governadora assumiu o Governo, e no entanto configurou-se como adversária
política, de forma que o PDSA foi interrompido. A partir de 2003 governa Waldez Góes.
83 A pesquisa de campo se deu por meio de entrevistas com os diversos atores sociais e vivências nos órgãos de
Governo em Macapá no mês de fevereiro de 2004, além de algumas visitas ao interior (vide Anexo 2).
84 O INPE divulga o valor de 4% de área desmatada, mas técnicos da SEMA contestam este dado, demonstrando que o
INPE considerou erroneamente os topos de morro e as áreas de campos naturais como desmatadas.
174
importantes (nas exportações e no comércio para outros estados) são o palmito
de açaí, o pescado, os derivados da castanha e os móveis.
Os problemas ambientais mais importantes do Estado são os
garimpos nos rios (de ouro e outros minerais), todos ilegais e predatórios, os
passivos ambientais da mineração de manganês esgotada (principalmente da
Empresa Icomi), a expansão do eucalipto (com seus impactos ao solo e aos
cursos d’água), a penetração da soja e a exploração madeireira.
O fato do Amapá se localizar na Foz do Rio Amazonas e possuir
grande extensão litorânea faz desse Estado uma potência pesqueira – potência
esta timidamente desenvolvida. Hoje há uma indústria pesqueira de derivados,
sendo o terceiro item na pauta de exportações, mas a política pesqueira ainda
não está consolidada.
O Amapá faz divisa com a Guiana Francesa. Há numerosos
projetos amapaenses em cooperação com a Guiana e com a França.
Atualmente, está sendo construída a esperada ponte Oiapoque – Caiena. O
Estado também é vizinho do Pará, e existe alto fluxo de pessoas entre Macapá e
Belém, pois esta metrópole oferece serviços que são aproveitados pela
população de Macapá.
Uma grande área do Amapá é protegida na forma de unidades de
conservação (UCs) e terras indígenas (TIs). Em agosto de 2002, fruto de uma
pressão ambientalista internacional na ocasião da Convenção Rio+10, o
Presidente Fernando Henrique decretou, no Amapá, a maior UC de proteção
integral do mundo; o Parque Nacional “Montanhas do Tumucumaque”, com
quase 3,88 milhões de hectares, ou 26% do território do Amapá. Com este
Parque, as áreas protegidas do Amapá totalizaram quase 58% do seu território.
175
O PDSA, Programa essencial do Governo de Capiberibe, lançado em
1995, continha seis diretrizes:
85 A este respeito, o Governo promulgou a Lei Estadual sobre Biodiversidade e acesso aos recursos genéticos, em
1997, anunciando a intenção de fazer contratos empresariais de bio-prospecção e de fazer o Mapeamento Etno-botânico
dos Conhecimentos Associados à Biodiversidade (AMAPÁ, 1999).
176
Nas palavras do Governador Capiberibe:
178
Em 1997 foi criado o Centro de Incubação de Empresas, visando
auxiliar micro-empresas e cooperativas, técnica e administrativamente, a lançar
produtos de base florestal, agro-florestal e pesqueira no mercado. Até hoje
foram incubadas 10 cooperativas e 8 micro-empresas. Os produtos apoiados
são diversos, como sorvetes e doces, fitoterápicos e artesanatos.
O Museu Sacaca do Desenvolvimento Sustentável, criado também
em 1997, é um parque de Macapá com instalações para atividades e exposições
na área ambiental, como casas de madeira típicas da floresta, trapiches86
suspensos para circulação, auditórios e praça de alimentação típica.
Ao nosso ver, a ciência e a tecnologia foram os alicerces do PDSA
do Amapá, e são até hoje o carro-chefe das políticas ambientais transversais e
do desenvolvimento econômico do Estado (CABRAL, 1998; CHELALA, 2003;
MELLO, 2002). O Amapá é bem superior aos outros Estados amazônicos nos
investimentos governamentais em C&T, como mostra a Tabela a seguir:
TABELA 4.1.
Investimentos Governamentais Estaduais com C&T em 1999
86 “Trapiche” é o nome de calçadas suspensas de madeira, necessárias devido à umidade do solo da floresta.
179
de valor à produção, ou seja, o próprio desenvolvimento ambientalmente
sustentável do Acre.
O investimento amapaense em C&T e P&D é liderado pelo IEPA,
que hoje constitui-se numa instituição de pesquisa com destaque no país,
principalmente na área de produtos naturais. Ao mesmo tempo em que coopera
com outros países nos seus projetos, o IEPA procura trabalhar junto às
demandas sociais, particularmente através do Centro de Incubação de
Empresas. O IEPA adota prioridades sócio-ambientais (em nossa palavras, a
linha das eco-técnicas) ao desenvolver a cadeia produtiva e os derivados de
produtos florestais, o controle da poluição ambiental e o ordenamento
territorial do Amapá.
Um destaque do IEPA é o Programa Farmácia Viva de produção e
comércio de fitoterápicos. Foram desenvolvidos pelo menos 65 compostos
aprovados pela ANVISA, na forma de pílulas, pomadas e outros, à base de
plantas medicinais de uso tradicional local. Este Programa inclui assessoria
técnica para organizações sociais no cultivo de plantas medicinais, bem como a
produção e difusão de material didático a respeito. Pretende-se implantar
hortas medicinais nas escolas e inserir os compostos fitoterápicos no sistema
de saúde pública do Estado (AMAPÁ, 1999).
87 O CEFORH executou o Programa Estadual de Capacitação Ambiental do Amapá (atual PECA, ex-PCA, o mesmo
que foi anunciado no Acre). Este Programa é componente do PGAI, e a partir de 2005 será ampliado, segundo uma
diretriz nacional do PPG-7.
180
Nos dias de hoje o CEFORH permanece fortalecido, e o Governo
pretende transforma-lo na Escola de Administração Pública do Amapá, à
semelhança da ENAP federal. Escolas desse tipo, também chamadas de
“Escolas de Governo”, são vitais para o aprimoramento do processo de
elaboração de políticas públicas, e há enorme demanda por elas no Brasil.
FIGURA 4.1.
Novo Arranjo Institucional do Governo do Amapá (Lei n. 811/2004)
2
1
3
COMITÊ
ESTRATÉGICO Sec. Especiais de Desenv.
de GOVERNO Setorial e órgãos
subordinados
4
6
5
COMITÊS de
DESENV. SETORIAL
FONTE: Governo do Amapá (www.amapa.gov.br em março de 2004)
183
4.4. Gestão Ambiental Territorial
88 O Decreto de criação do PARNA do Tumucumaque previa R$ 24 milhões do Governo Federal a serem investidos
em políticas de desenvolvimento sustentável no Amapá, através de vários ministérios.
184
instituições sendo consultadas no Projeto, e a ONG Conservation International
está bastante envolvida, inclusive com acentuado poder deliberativo. Quanto ao
aspecto institucional, pretende-se criar uma Fundação específica para gerir o
Projeto, o que vem gerando polêmica, pois servidores alegaram que esta
Fundação, mais ligada ao Governador, poderá absorver atribuições ambientais
e de C&T e altera-las segundo prioridades economicistas, bem como esvaziar a
SEMA e o IEPA.
185
grande comprador da castanha para emprego maciço nas merendas escolares
(Programa de Regionalização da Merenda) (AMAPÁ, 1999).
Atualmente, existe um Grupo de Trabalho (“GT da Castanha”)
inter-institucional para melhorar este setor, principalmente para recuperar
cooperativas inadimplentes e para reconstruir da fábrica de biscoitos da
Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Iratapuru, que foi incendiada.
Esta Reserva foi criada em 1997, e possui 806 mil hectares. Sua
comunidade possui uma boa infra-estrutura de produção, e fornece produtos
para a Empresa Natura de cosméticos (óleo de castanha, óleo de copaíba e breu
branco),89 em um contrato vantajoso que remunera o conhecimento tradicional
associado. Isso é feito porque a SEMA tem procurado implementar a CDB
(Convenção da Diversidade Biológica) e a Lei Estadual da Biodiversidade. Neste
aspecto, o Amapá está mais avançado do que o Acre.
A produção florestal, segundo servidores, encontra barreiras
institucionais pois o tema é tratado numa minguada Gerência Florestal da
Secretaria de Agricultura, Pesca, Floresta e Abastecimento. Alguns servidores
são a favor da criação de uma autarquia separada, um Instituto Florestal –
intenção está em pauta, no momento. Há a preocupação de que esta autarquia
venha a ser uma concessionária de exploração madeireira desvinculada de
prioridades ambientais, como há risco de ocorrer no Acre e na esfera federal
(com o SFB – Serviço Florestal Brasileiro, proposto num projeto de lei em pauta
no Congresso).
A Política Florestal do Amapá é praticamente idêntica à do Acre, ou
seja, baseia-se na produção madeireira em florestas públicas de produção.
Estas ainda não foram implementadas, mas divulga-se que seu potencial no
Amapá é de 1 milhão de hectares.
89 Por meio deste contrato, o preço do breu subiu de R$ 6,00 para R$ 23,00 / kg.
186
4.6. Outros Projetos Sócio-Ambientais
187
4.6.2. Da Gestão Waldez (2003-2004)
Programa Melhoria da Qualidade Ambiental Urbana do Amapá:
Com empréstimo do BID de US$ 42 milhões. Envolve saneamento básico,
limpeza pública e proteção das áreas de ressaca na Foz do Rio Amazonas (em
Macapá e Santana). O projeto está apenas começando, gerenciado pela ADAP,
sendo que o principal executor será a Companhia de Água e Esgoto do Amapá.
Projeto Comunidades Duráveis: Com empréstimo de US$ 6,8 milhões
do Banco Mundial. Trata-se de um programa de micro-crédito para ribeirinhos,
pescadores artesanais, extrativistas, comunidades indígenas e quilombolas,
mulheres e jovens. O objetivo é a redução da pobreza nas cidades, fazendo com
que este público volte para a área rural. Projeto ainda no início, gerenciado pela
SEMA e pela AFAP.
Projeto de Desenvolvimento Sustentável da Pequena Agricultura
Familiar nas Comunidades da Perimetral Norte em Pedra Branca do
Amapari: Objetivo: proteção da TI Waiãpi, com a organização da agricultura
familiar no seu entorno. Projeto da Secretaria de Agricultura com
financiamento alemão da GTZ.
Eco-Turismo: O Governo atual e o anterior enfatizam essa área,
possuindo diversos programas em todo o Estado.
188
4.8. Uma Avaliação da Política Ambiental Transversal do
Amapá: Da Gestão Capiberibe aos dias de Hoje, e em
Comparação com o Acre
189
De qualquer forma, como no Acre, enfrentam-se numerosos
problemas, como ausência de desenvolvimento econômico básico, baixa
autonomia econômica, fraco desempenho da educação e da saúde e imensos
déficits de moradia, saneamento básico e infra-estrutura. Estes problemas,
associados às más condutas de governantes anteriores que em muito
endividaram os Estados, dificultam qualquer programa pró-ativo. No Amapá e
no Acre, primeiro foi importante “colocar ordem na casa”, além de buscar
algumas fontes rápidas de desenvolvimento econômico para desafogar o Estado
da dependência pública. O PDSA do Amapá e os projetos do “Governo da
Floresta” do Acre só conseguiram resultados concretos em termos de
sustentabilidade ambiental em virtude de se manter por duas gestões de
governo – senão, dado o cenário desfavorável descrito acima, seria praticamente
inviável.
No Amapá, a unanimidade dos entrevistados atribui os déficits de
implementação do PDSA à sua baixa sustentabilidade política interna e
externa, na pessoa do Governador Capiberibe. Interna, porque ele não
conseguiu efetuar satisfatoriamente a transversalização da política ambiental
no setor produtivo – este ainda seguiu, em boa parte, “desgovernado, atirando
pra todo lado”. Houve também muitos conflitos inter-institucionais não
resolvidos. Externa, porque ele não conseguiu negociar satisfatoriamente com
os arraigados setores de elite, representantes de grandes conglomerados
econômicos. Além disso, políticas ambientais no Amapá tendem a ser mais
frágeis do que no Acre por uma relativa ausência, historicamente, de
movimentos sócio-ambientais significativos. A questão ambiental não está
internalizada na população em geral, ao contrário do que já ocorre, de certa
forma, Acre. O próprio ex-Governador admitia ser esta a maior dificuldade do
PDSA, e dizia pretender “que a sociedade tome as rédeas do PDSA garantindo
sua continuidade” (SILVEIRA, 2000, p. 17). Embora esta consciência tenha
aumentado durante o processo, talvez isso não tenha sido o suficiente.
190
Além disso, membros do Governo afirmam que faltou uma
metodologia de implementação do PDSA. Havia apenas reuniões conjuntas, o
que não é suficiente, e prevaleceu a fragmentação entre os órgãos.
Quanto ao Governo atual, os entrevistados são unânimes em dizer
que há uma política “explícita” de desmonte do PDSA do Governo anterior, pelo
fato de que o governador Waldez é adversário de Capiberibe. Diz-se que os
servidores são “proibidos” de dizer o termo “desenvolvimento sustentável”.
Trata-se do conhecido entrave da descontinuidade administrativa das políticas
públicas, fruto da alta influência política (political) em nosso país, que
transcendem o nível racional para incluir questões pessoais, vaidades e
disputas às vezes desleais pelo poder.
Neste cenário, a política ambiental e sua transversalidade vêm
sendo enfraquecidas. Os orçamentos para meio ambiente e C&T diminuíram
sensivelmente, com respectivo enfraquecimento dos seus órgãos gestores. O
Governo vem substituindo os programas ambientais vigentes por uma nova
“Agenda Ambiental do Amapá” construída em outros fóruns, como se “re-
inventasse a roda”, segundo um entrevistado da SEMA.
Por outro lado, existem iniciativas de transversalidade observadas
pela autora. Uma é a própria Reforma Administrativa, e outra é o Projeto
Corredor da Biodiversidade. Esse fato pode ser um sintoma muito interessante
de que governos em geral têm procurado pensar sistemicamente, talvez pelo
reconhecimento de que este novo paradigma seja necessário para lidar com os
desafios atuais.
Além disso, permanece certa cultura de sustentabilidade ambiental
herdada da gestão Capiberibe, uma espécie de “atmosfera” que se percebe
enraizada em muitos servidores – hoje mais comprometidos com a questão
sócio-ambiental. Na pesquisa de campo, notou-se o uso freqüente do termo
“política transversal” com relação à educação ambiental pelos diversos órgãos.
Portanto, ao que parece, a “guinada” que foi dada no “leme” das políticas
públicas amapaenses foi sólida, e a sustentabilidade ambiental permanece com
191
alguma força nas agendas políticas. Note-se que a pesquisa se deu no começo
da gestão da nova equipe de Governo, e que muitos servidores avistam o
desmonte da área ambiental pública no curto prazo.
O Estado do Amapá tem três vantagens em comparação com o Acre
para a viabilização de políticas ambientais transversais:
1) Possui uma base científica e tecnológica instalada de alta
qualidade e acessível ao desenvolvimento endógeno. Há diversos produtos
florestais e agro-florestais no mercado, beneficiados pelas próprias
comunidades. Saltam aos olhos os derivados da castanha e da fruticultura,
ambos quase irrelevantes na economia acreana.
2) Não vivencia tantas ameaças sócio-ambientais, tendo grande
parte do seu território relativamente conservada (da ordem de 98%). Sua
população rural, além de ser menor do que a do Acre, não pratica a cultura do
desmate e queima anual – ela é mais voltada ao (neo)extrativismo.
3) Possui grandes extensões de áreas protegidas, na forma de
unidades de conservação e terras indígenas (58% do território), em grau de
implementação mais avançado do que no Acre.
Essas vantagens contribuem para que o Amapá tenha tido sucesso
na integração da economia com as prioridades ambientais, o que talvez
justifique seu maior destaque em economia florestal não-madeireira, em
comparação com o Acre. Por outro lado, o Amapá carece substancialmente de
infra-estrutura (transporte e energia), e nesse ponto o Acre está mais avançado.
Nos dois estados, os próximos governos podem encontrar condições favoráveis
para um desenvolvimento ambientalmente sustentável, cada qual com suas
potencialidades. Iniciativas interessantes seriam intercâmbios entre atores
sociais dos dois estados, o que tem ocorrido, mas timidamente. Dessa forma, as
vantagens e as necessidades de cada um podem ser analisadas e
compartilhadas em projetos de cooperação.
192
5. AVALIAÇÃO FINAL do ESTUDO de CASO no ACRE e
CARACTERIZAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA da
POLÍTICA AMBIENTAL TRANSVERSAL
195
quase todos têm gado, mesmo dentro das reservas e projetos de assentamento
extrativistas, sendo o tamanho do pasto um sinal de status do produtor
(COSTA, 2003). O gado é visto como a única segurança econômica, sendo a
“poupança” dos colonos (LEITE, 2004), com os agravantes da falta de acesso a
tecnologias de manejo ecológico de pastagens. Na pecuária acreana prevalecem
os modelos predatórios, incluindo desmates rasos sem respeito às matas
ciliares de nascentes e igarapés. Entrevistados dos PAEs Chico Mendes e Santa
Quitéria afirmam que há famílias destas reservas que “teimam em desmatar
demais, sem necessidade”, e que “o Governo pensa que eles vão fazer o
combinado [não desmatar], mas eles não cumprem”. “Alguns deles estão se
tornando fazendeiros, com 100 cabeças de gado”. (Eis aqui a ocorrência, na
prática, do problema descrito por Garret Hardin em sua construção da Tragédia
dos Comuns.)
Por outro lado, há avanços quanto a expectativas de redução do
desmatamento na atual conjuntura, dados os esforços de reversão de práticas
predatórias na agricultura e na pecuária. Nas áreas rurais do Alto Acre, a
gestão ambiental do Governo tem sido presente. “Antes o Governo não vinha,
nós [trabalhadores rurais] é que fazíamos o combate ao fogo. O Governo fazia
era colocar polícia atrás da gente quando nós procurávamos empatar alguma
queimada, hoje é o contrário: é só ligar e denunciar”.
Além da presença de algumas políticas ambientalmente
questionáveis, a barreira cultural às políticas ambientais é grande: “muitos
trabalhadores rurais ainda acham que políticas ambientais são um atraso”.
Embora diversos discursos sobre o Acre enfatizem a consciência ambiental dos
“povos da floresta”, nossa análise observou que prevalece antes o contrário. As
populações rurais do Estado, no geral, não têm grandes preocupações
ambientais. Afinal a população acreana é de raiz nordestina, e se sua cultura se
mesclou com a dos índios, muito mais ela se mesclou com a dos migrantes
pecuaristas e agricultores, do sul e sudeste do país (os chamados “paulistas”).
Além disso, populações amazônicas têm o hábito de considerar a floresta tão
196
abundante que “nunca vai acabar”, e que os apelos ecológicos são futilidades
dos ambientalistas. Sendo assim, a prática do desmate e do fogo é bem mais
consolidada do que a da preservação, do uso sustentável dos recursos florestais
e da agro-floresta. A grande motivação da luta dos seringueiros foi a garantia da
posse da terra; eles encaram as reservas extrativistas como modelos de reforma
agrária.
O atual Governo do Acre vem se esforçando pela institucionalização
do “desenvolvimento sustentável”, o que, em nossas palavras, traduz-se na
elaboração de políticas ambientais transversais. Pode-se concluir, nesta Tese,
que esta experiência representa, sim, um tipo de política ambiental
transversal. Há várias iniciativas neste sentido, demonstradas ao longo do
capítulo 3, que serão ressaltadas adiante.
Para concretizar a análise, lançou-se mão dos indicadores de
sustentabilidade ambiental no Acre, desenvolvidos pela autora com referência à
política ambiental transversal. Estes têm apresentado resultados
significativamente positivos (item 3.3.1). Adiciona-se o fato de que praticamente
não havia uma política ambiental no Acre anteriormente, ou seja, partiu-se
quase do zero (em termos práticos, mas não em teoria) para construir algo que
adquiriu muito significado. A tendência positiva no sentido da sustentabilidade
sócio-ambiental e da transversalização das políticas ambientais é um fato
verificado nessa pesquisa. Há dez anos, provavelmente, a mesma pesquisa
traria resultados opostos, o que pode ser um sinal de que modelos de
desenvolvimento ambientalmente mais sustentáveis, no Acre, estejam
ganhando pauta no nível concreto, e não apenas no discurso.
No entanto, há falhas no processo, que fazem com que alguns
entrevistados mais críticos não acreditem que esteja ocorrendo a
transversalidade da política ambiental. Os pontos de maior destaque das
políticas ambientais recentes do Acre, tanto positivos quanto negativos, serão
resumidos a seguir.
197
O Acre, assim como o Amapá, é um estado pouco desenvolvido,
com alta dependência do governo – grande parte de sua economia depende da
folha de pagamento dos servidores públicos. Este é um cenário ideal para a
política ambiental transversal, porque os governos podem ter mais controle
sobre os modelos de desenvolvimento. É dessa forma que se pode exercer o
papel essencial do Estado como mediador de conflitos e construtor de
sociedades sustentáveis, e não apenas mantenedor do sistema capitalista, como
advoga a corrente neoliberal do Estado mínimo (CHELALA, 2003; PAEHLKE,
1997; SACHS, 1986b). Por outro lado, no Acre e no Amapá enfrentam-se
agudos déficits de desenvolvimento, com péssimos indicadores sociais, além de
históricas más condutas de governantes que em muito se ausentaram de suas
obrigações, endividaram os cofres públicos e permitiram a degradação da
floresta.
Os principais trunfos da política ambiental transversal do Acre são:
o arranjo institucional e o policy process do Sistema SEPLANDS, o Projeto BID,
o ZEE e a extensão agro-florestal. Especialmente o Projeto BID, desde a
formulação até o momento, tem sido um exemplo de política ambiental
transversal, envolvendo complexas redes de sub-projetos e de governança
ambiental.
No Sistema SEPLANDS (criado na Reforma Administrativa), em que
se integram as políticas produtivas às ambientais, testemunhou-se que todas
as políticas públicas envolvem diversos órgãos governamentais em cooperação
(ou “parceria”), o que retrata um forte esforço no sentido da transversalidade.
Outro exemplo deste esforço é a visível coerência do Projeto com os grandes
Programas de Governo (policy cooperation (JÄNICKE, 1996)). É visível também
a coerência dos Programas entre si, como foi observado com as diretrizes das
florestas públicas de produção e sua localização.
A despeito dos avanços observados, há, no entanto, uma grande
carência metodológica (uma “cilada operacional”) na política ambiental
transversal e no policy process do Governo do Acre em geral. Faz-se urgente um
198
esforço nesse sentido, que busque uma abordagem sistêmica, utilizando
metodologias mais complexas. Afinal, a grande quantidade de Programas,
Projetos, ações, objetivos, recursos e instituições envolvidas, em complexas
redes, não pode ser equacionada sem uma metodologia à altura. No Amapá
essa carência também foi apontada (CABRAL, 1998; CHELALA, 2003), o que é
compreensível, dado que as metodologias sistêmicas ainda são novas, bem
como é nova a cultura do planejamento e da avaliação no setor público.
É bem verdade que, na integração dos aspectos econômicos com os
ambientais, os econômicos ainda predominam largamente no Acre. Isso é
justificado pelos déficits de desenvolvimento, evidentes em indicadores de
pobreza em áreas urbanas e em algumas rurais. Porém, não se faz
desenvolvimento sustentável sem abordar, com igual prioridade, a
sustentabilidade ambiental, econômica e social. Ou seja, a política ambiental
transversal do Acre ainda se encontra incompleta ou deformada, pela
sobreposição dos aspectos econômicos aos ambientais.
A política florestal é um exemplo do predomínio da visão
economicista, pois é voltada para a madeira em demasia. A exploração
madeireira, ainda que manejada, é de grande impacto, e por isso não deve ser
enfatizada enquanto política de desenvolvimento para a Amazônia (ALBAGLI,
1998; SOUZA, 2002). A Amazônia não deve ser fonte de madeira em larga
escala, mas sim de serviços ambientais e de estoque de biodiversidade. Embora
o manejo madeireiro venha sendo propagado como uma tecnologia apropriada à
Amazônia, isso é uma distorção. Tecnologias ambientalmente adequadas à
Amazônia seriam mais “softs”, voltadas ao extrativismo não-madeireiro, ainda
pouco contempladas no atual Governo do Acre. O modelo das florestas públicas
de produção e a ênfase comunitária, constantes na política acreana, são
melhores do que a exploração privada, mas exigem difíceis competências de
gestão ainda não instaladas. Por outro lado, a Política Nacional de Florestas
(PNF) prioriza a madeira; a política acreana é apenas a sua particularização.
199
Ecólogos e biólogos argumentam, com propriedade, que árvores
milenares e centenárias não são renováveis (JESUS, 2002; SOUZA, 2002). A
complexa ecologia florestal depende delas, as quais jamais serão repostas nas
condições ecológicas atuais. Ora, se são justamente elas as exploradas,
ocorrem profundas alterações na paisagem e na biodiversidade. Após os ciclos
de corte de 30 anos não se disporá de árvores economicamente aproveitáveis
nos talhões explorados, resultando no abandono da área e exploração de novas.
Ou seja, o manejo madeireiro não é ecologicamente sustentável e, pior; ele é
concorrente do extrativismo não-madeireiro.
Quanto aos aspectos sociais, têm-se observados agudos conflitos
na adoção do manejo madeireiro. Estes conflitos ocorrem tanto no manejo
privado, em que fazendeiros expulsam ou prejudicam as condições de vida dos
colonos residentes, quanto no manejo comunitário, em que são envolvidas
poucas famílias de cada vez. É visível, também, a geração de cinturões de
ocorrência de crimes ambientais no entorno das áreas manejadas, que
posteriormente influenciam as próprias áreas manejadas. Soma-se a imensa
falta de monitoramento e fiscalização ambiental, resultando num alto índice de
clandestinidade e exploração predatória. A floresta vai sendo depredada, e com
ela, meios de vida e saberes tradicionalmente estabelecidos.
A madeira deve ser utilizada para consumo próprio pelas
populações residentes, e de forma controlada. Como sempre ocorreu na
floresta, a madeira é utilizada internamente para a construção de casas, cercas,
móveis e utensílios, o que é um direito assegurado e não tem causado
impactos. Com a adoção do manejo, ao contrário, tem-se verificado situações
incontroláveis em que falta madeira até para este consumo.
O (neo)extrativismo não-madeireiro é ecologicamente sustentável,
garante boas condições de vida, dignifica conhecimentos e culturas
tradicionais e contribui para o desenvolvimento científico e tecnológico
apropriado (ou ambientalmente sustentável). Segundo Arthur Leite (2004),
respaldado por outros autores como Almeida (1994b), Albagli (1998) e
200
Fearnside (2001), os maiores instrumentos de conservação florestal advirão, no
futuro próximo, da remuneração pelos serviços ambientais, o que envolve
tratados internacionais (como o Protocolo de Kyoto [MDL e seqüestro de
carbono] e a CDB, a serem regulamentados em leis nacionais), as contas
nacionais (futura valoração ambiental na política econômica) e instrumentos
como o ICMS ecológico, o “FPM ecológico”,91 a isenção de ITR e a criação de
unidades de conservação.
Ora, “para que estes benefícios possam vir no futuro, a floresta deve
gerar recursos imediatos para a população que nela vive não a destruir” (LEITE,
2004, p. 93). Essa urgência demanda investimentos significativos no setor não-
madeireiro. As estratégias do neoextrativismo, de incorporação tecnológica,
diversificação da produção e aumento da renda obtida pelo produtor, são
viáveis para garantir o sustento da população rural com atividades florestais
(ALMEIDA, 1993; RÊGO, 1999). Isso tem se verificado, por exemplo, em
diversos projetos exitosos nas Reservas Extrativistas Chico Mendes, Alto Juruá
e Cazumbá-Iracema, tais como: manejo comunitário de óleo de copaíba (LEITE,
2004), ilhas de alta produtividade de seringueiras (KAGEYAMA, 2002), couro
ecológico, couro vegetal, folha defumada líquida, artesanatos variados, polpas
de açaí, móveis de taboca e sabonetes à base de murmuru.
Destaca-se ainda, nessa urgência, a importância do aprimoramento
de recursos florestais e agro-florestais por meio da incorporação de ciência,
tecnologia (C&T), pesquisa e desenvolvimento (P&D), o que inclui as modernas
pesquisas em recursos genéticos e biotecnologia (ALBAGLI, 1998). Apesar dos
certos desafios que surgirão neste processo de apropriação do patrimônio
genético das florestas tropicais (como biopirataria, monopólio de benefícios,
direitos de patentes), este será um “mal necessário”, de alçada político-
institucional, legislativa e jurídica envolvido na luta pela conservação das
florestas. A realidade é essa; é preciso tornar a floresta em pé valiosa
91 Fundo de Participação de Municípios condicionado a critérios ambientais como a preservação florestal. O mesmo
pode ocorrer com o FPE (Fundo de Participação dos Estados).
201
economicamente, com toda a sua biodiversidade, equilíbrios ecológicos e
populações tradicionais residentes.
É nítida a lentidão do Governo do Acre no desenvolvimento de
produtos florestais não-madeireiros e do extrativismo em geral (exceto a
castanha e a borracha). Estes produtos são de difícil inserção no mercado, e
portanto dependem muito do incentivo governamental. Há poucas políticas
pontuais, as quais não têm conseguido abordar toda a cadeia produtiva. Se há
avanços dos produtos não-madeireiros no Acre, isso têm sido mais fruto do
trabalho de outras instituições, como a UFAC, a EMBRAPA, o PESACRE e o
SEBRAE.
Também falta atuação do Governo do Acre (ao contrário do Amapá)
na organização da bio-prospecção, na pesquisa do conhecimento tradicional, na
busca da repartição de benefícios pelo conhecimento associado ao patrimônio
genético e na fiscalização contra a biopirataria. Entrevistados e notícias
jornalísticas denunciam casos de biopirataria e de exploração predatória de
não-madeireiros (como a retirada empresarial de unha-de-gato no Vale do
Juruá). Ou seja, o Governo tem falhado nesses temas, o que revela a falta de
uma visão de longo prazo. Com isso, o Governo abre uma perigosa lacuna que
tem sido cada vez mais ocupada pelo setor empresarial. Isso é preocupante,
pois a importância da presença estatal e do controle público nestes temas é
imprescindível, e mais ainda na esfera estadual, pois a esfera federal
dificilmente dará conta das particularidades locais e da fiscalização “miúda”
exigida.
No setor produtivo como um todo, é imensa a carência científica e
tecnológica do Acre, o que dificulta sua política ambiental transversal. Salta aos
olhos o baixo investimento do Governo do Acre em C&T. Ele gasta cerca de
0,6% do seu orçamento com C&T (Acre em Números, 2001, p. 90), mas é o
Estado que menos desenvolve C&T na Amazônia (cerca de 12 vezes menos que
o Amapá, de porte semelhante, privilegiado por ter constituído e fortalecido seu
instituto estadual de C&T). Pode-se dizer que no Amapá ocorre uma política
202
científica e tecnológica racional enquanto que, no Acre, ocorre uma tímida
política incremental.
No Acre, os sistemas de C&T e P&D instalados são basicamente
federais, com expressividade da UFAC e da EMBRAPA. O órgão estadual,
FUNTAC, ainda é minguado e realiza pouca pesquisa (apesar de se observarem
sinais de mudanças positivas neste cenário). Como resultado, a agregação de
C&T aos produtos florestais e agro-florestais é baixíssima, o que reflete
diretamente no baixo desempenho econômico destes produtos e seus derivados.
Ao contrário do Amapá, não se encontram no Acre muitos produtos como a
farinha de castanha e os doces de frutas florestais.
Um aspecto detectado na pesquisa foi o caráter excessivamente
propagandístico ou “vaidoso” do Governo, especialmente na pessoa do
Governador. Nesse âmbito, o discurso do desenvolvimento sustentável e da
florestania, com o slogan “Governo da Floresta”, é contundente e propagado à
exaustão, e um tanto distante da prática. Por outro lado, há nisso um ponto
positivo, porque, afinal, a “propaganda verde” exerce, ainda que de forma
rudimentar, alguma conscientização ambiental. O Governo procura, dessa
forma, instaurar uma nova cultura, que na verdade representa um resgate da
identidade florestal acreana. Essa tarefa é lenta e difícil. Como Chelala (2003)
observou no Amapá, no Acre o conceito da sustentabilidade ambiental ainda
não está suficientemente disseminado pela população.
A pesquisa detectou que um paradigma sócio-ambiental
conceitualmente avançado encontra-se instalado na equipe do Governo do Acre.
Paradoxalmente, pode-se observar relativamente baixa capacitação ambiental
dos servidores públicos do Estado. Esse problema foi também observado no
Amapá (CABRAL, 1998; CHELALA, 2003), e corroborou decisivamente com a
descontinuidade administrativa das políticas ambientais transversais. No Acre
o caso é ainda mais grave, pois o Programa de Capacitação Ambiental sequer
começou, enquanto no Amapá milhares de servidores foram capacitados com
um programa análogo através do CEFORH.
203
Quanto aos servidores mais capacitados e engajados na política
ambiental transversal, no Acre, ocorrem dois problemas. Um é que a maior
parte deles é de contrato provisório. Outro é que sua atuação tem sido
deficiente em virtude de posturas tecnocratas e distantes da realidade concreta,
principalmente das populações florestais. Essa postura, resultante da
penetração do tecnocentrismo nas políticas públicas, é marcante em várias
partes do mundo e vem sendo questionada. Os servidores devem ser
capacitados com uma formação mais holística e realista, e munidos de
ferramentas de trabalho efetivas na prática. Isso é especialmente relevante na
política ambiental, em que se faz necessário o permanente diálogo e inclusão
dos atores sociais para a solução dos conflitos sócio-ambientais (COSTA, 2003;
LAFFERTY & MEADOWCROFT, 1996).
A assistência técnica e educacional (extensão) rural / agro-florestal
do Governo do Acre é bastante avançada e foi um dos aspectos mais bem
avaliados de sua política ambiental, através da atuação da SEATER. Ela realiza
um trabalho importante de empoderamento dos trabalhadores rurais, com
apoio às associações e cooperativas, prevenção ao desmate e queima e
promoção de alternativas produtivas.
Essa interface que o Governo tem feito com a população rural, bem
como sua inclusão na elaboração das políticas produtivas, demonstram um fato
que é uma importante conclusão da pesquisa; o Governo do Acre tem exercido
a inclusão social das populações mais desfavorecidas na construção da política
ambiental transversal. Esse fato também colabora com a busca de modelos de
auto-sustentabilidade endógena, gerados participativamente junto ao público-
alvo.
Na comparação com a extensão rural do Amapá, no entanto, nota-
se algum atraso no Acre, pois no Amapá a extensão rural contempla
capacitação em tecnologias de beneficiamento de produtos florestais e agro-
florestais, como a fruticultura e a oleiricultura. No Acre ainda não se chegou
204
nesse ponto. Vivencia-se um estágio de forte luta contra a cultura do
desmatamento, com a capacitação agro-florestal e agro-ecológica básica.
Essas diferenças entre o Acre e o Amapá podem ser explicadas por
vários fatores. Apostamos num que é a diferença das influências culturais
sofridas por estes estados. Quanto às áreas urbanas, o Amapá tem um caráter
mais cosmopolita, por se situar na Foz do Rio Amazonas, fazer fronteira com a
Guiana Francesa e com o Oceano Atlântico, ter ocupação mais antiga (da
ordem de 400 anos, com influência holandesa) e se relacionar fortemente com a
cidade de Belém. Quanto às áreas rurais, o Amapá teve menores pressões de
desmatamento, significativamente, pela sua dificuldade de acesso rodoviário ao
restante do país, e também pela presença de recursos da mineração (o que
gerou, em contrapartida, passivos ambientais destas atividades). O Amapá, com
auxílio destas características, parece vivenciar condições mais propícias ao
desenvolvimento florestal – uma população rural pequena, que mantém o
extrativismo como atividade principal, e uma metrópole em que modernos
aportes de ciência & tecnologia se fazem presentes. Como resultado, os
problemas ambientais do Amapá não se comparam à magnitude da pressão
pecuarista e madeireira sofrida pelo Acre. O Acre, sangrado pela BR-364 e pela
recente BR-317 (Estrada do Pacífico), parece vivenciar mais a influência do
modelo de desenvolvimento mato-grossense e rondoniense de expansão agro-
pecuária “floresta abaixo”, sem maiores preocupações ambientais.
Um dos maiores problemas detectados no estudo de caso foi a
ausência de uma agenda de conservação ambiental, a despeito do
fortalecimento do sistema estadual de meio ambiente. Isso explica a presença
de indicadores negativos de sustentabilidade ambiental para o Acre. Há baixo
grau de implementação das unidades de conservação e poucas iniciativas
governamentais de proteção ambiental em geral, bem como faltam iniciativas de
reflorestamento e recuperação de áreas degradadas. Não há um setor de
conservação no órgão ambiental. Outro tema relacionado, o eco-turismo, ainda
é pouco incentivado neste Governo, ao contrário do Amapá. Verificaram-se
205
importantes ações de turismo, mas elas estão concentradas nas áreas urbanas
e no turismo histórico-cultural (como em Xapuri, a “princesinha do Acre”, e no
Seringal Bom Destino, em Porto Acre, centro da Revolução Acreana, em que
encerrou-se o domínio boliviano sobre o território acreano).
Observaram-se, também, deficiências no setor de controle
ambiental estadual (licenciamento, monitoramento e fiscalização), ainda em
construção. Esse fato é agravado com o avanço do Pacto Federativo do
SISNAMA (passagem de grande quantidade de atribuições de controle
ambiental para o IMAC). Há preocupações manifestas com a concentração de
poder e responsabilidade na esfera estadual sobre essas atividades, por
exemplo, a autorização de quase todo o desmate, queima e manejo florestal no
Acre. É nítido o risco de se afrouxar o controle ambiental para favorecer
determinados grupos de interesse. Isso porque não foram contemplados
mecanismos de avaliação e controle social deste processo desde o início
(GARCIA, 2001), o que fatalmente o torna permeável a possíveis práticas
clientelistas ou fraudulentas.
Outro problema é que as regiões do Vale do Juruá e do Vale do
Purus são pouco atendidas pelo Governo em matéria de políticas ambientais
transversais. A despeito de importantes ações de infra-estrutura (transporte e
energia), ele tem sido extremamente ausente nessas regiões, principalmente o
IMAC. “Assim, fica difícil acreditar que este governo é ‘da floresta’”, nos disse um
entrevistado da Reserva Extrativista do Alto Juruá.
No conjunto das deficiências observadas em temas sócio-
ambientais (extrativismo não-madeireiro, agregação de valor a estes produtos
com C&T e P&D, regulamentação da bio-prospecção e controle da bio-pirataria,
conservação ambiental, reflorestamento, eco-turismo e controle ambiental), a
avaliação da política ambiental acreana fica prejudicada.
Em resumo, pouco valem políticas produtivas ambientalmente
equacionadas se não se investe na conservação, no controle e na recuperação
ambiental, temas sobremaneira importantes na Amazônia. Daí decorre outra
206
conclusão desta pesquisa; a política ambiental transversal do Acre é deficiente
por priorizar mais os aspectos econômicos do que os ambientais. Esta é uma
tendência “natural” difícil de se superar no status quo, o que não exime a
responsabilidade do Governo em reverte-la. A falta de mentalidade ambiental
pode ser explicada pelo fato de que a gestão política atualmente no poder tem
tradição socialista “de esquerda”, mas não ambiental. Como já foi dito, mesmo
os movimentos seringueiros mais autênticos têm motivações mais sócio-
econômicas do que ambientais – estas últimas chegaram de fora, mais tarde.
Este fato espelha também o provável risco de que a política
ambiental fique subordinada às econômicas no novo arranjo institucional do
Sistema SEPLANDS, em que o órgão ambiental foi inserido na área de
desenvolvimento econômico-sustentável. Isso ocorre nitidamente no Amapá,
após sua reforma administrativa de 2004. Todavia, como foi analisado no
capítulo 3, é importante ressaltar que a iniciativa de integração dos órgãos
governamentais de produção, planejamento e meio ambiente num mesmo
arranjo institucional é muito favorável à política ambiental transversal.
Aí está o dilema; transversalizar a política ambiental pode gerar
uma pulverização da mesma ao ponto de enfraquece-la. Pode-se dizer que este
dilema é um fato não resolvido, e que a política ambiental ainda dependerá da
vontade dos dirigentes para se inserir de igual para igual com as demais
políticas. Mas, ao menos em alguns locais, como no Acre e no Amapá, ela foi
inserida na concepção de seus modelos de desenvolvimento, o que vem
representando fortes trunfos rumo à sustentabilidade ambiental, e valoriza a
política ambiental transversal.
O Governo procura integrar a política ambiental com as políticas
sócio-econômicas da área rural, mas o faz timidamente com as demais políticas
como de educação e saúde. As secretarias que não fazem parte do Sistema
SEPLANDS praticamente não estão internalizando as questões ambientais, ou
seja, a política ambiental transversal só está ocorrendo parcialmente. Este é um
fator importante e que serve de alerta, pois Remigio (1994) comprovou que, nas
207
Filipinas, o insucesso das políticas ambientais se deu exatamente por este
motivo.
Quanto à governança ambiental, trabalhadores rurais do Alto Acre
têm considerado o Governo democrático nas suas políticas ambientais
transversais (embora mais na primeira gestão), o que é positivo por se tratarem
das bases sociais e do público mais importante destas políticas.
De outro lado, muitos atores sociais criticam a falta de democracia,
dizendo que as redes de governança ambiental têm sido frouxas ou pouco
formais (institucionalizadas). O Governador e outros dirigentes têm atuado
autoritariamente, e por isso são apelidados de “imperadores” e “mãos-de-ferro”.
Afirma-se que eles consideram as bases “automaticamente representadas” pelo
fato de terem origem “de esquerda” e “ambientalista”. O Governador tem poder
nacional e é enfático no sentido de implementar a economia madeireira no Acre,
conseguindo facilmente a aprovação federal de seus trunfos, como o Pacto
Federativo do SISNAMA e o Projeto BID. Como diz Frey (2000), em nosso país
ainda imperam os aspectos political nas políticas públicas, por mais que se
busque o modelo racional de elaboração das mesmas
Essa crítica pode ser abrandada pelo fato de que os governos
anteriores eram nada democráticos, ou seja, houve avanços significativos.
Especialmente porque, se está ocorrendo política ambiental transversal, é
porque ocorre a governança ambiental, condição indispensável.
Neste sentido, pode-se dizer que o Governo do Acre, em seu macro-
arranjo institucional, tem funcionado mais segundo o modelo da
“administração de sistemas” de Elmore (1978), baseado em fortes hierarquias,
divisão de responsabilidades e controle das mesmas, como foi demonstrado no
Sistema SEPLANDS. Dialeticamente, porém, no interior das instituições,
vivencia-se um modelo mais participativo, em que a organização se assemelha
mais ao toyotismo, ou ao modelo do “desenvolvimento organizacional” de
Elmore. Porém, esse modelo convive com entraves burocráticos antigos,
principalmente no IMAC.
208
Cabe aqui descrever um outro resultado da pesquisa; tanto no Acre
quanto no Amapá, a política ambiental transversal gerou um aumento de
qualidade no processo das políticas públicas (policy process) como um todo, em
consonância com as considerações de Paehlke (1989) e Moraes (1997). Essa
melhoria foi constatada em diversos aspectos; no desenvolvimento e arranjo
institucional governamental, na aplicação pró-ativa do modelo racional de
políticas públicas, na capacitação dos servidores e na constituição das redes de
governança ambiental. Assim, instaurou-se nos dois estados uma cultura
governamental bem mais capacitada e preparada para demandas
crescentemente complexas.
A partir dos estudos teóricos e de caso dessa Tese, pode-se retomar
os aspectos teóricos apresentados no item 2.4 e enriquece-los, no sentido de
uma caracterização teórico-metodológica conclusiva do conceito da política
ambiental transversal. Na caracterização, a essa altura conclusiva da análise de
políticas ambientais, não se pode esconder os aspectos prescritivos, como
tendência natural de se traçar recomendações aos atores interessados na
transversalidade.
211
6. CONCLUSÕES
212
públicas (com sua complexidade de conteúdo, de forma (arranjo institucional) e
de correlação de poder político).
Para lidar com a transversalidade em sua face mais teórica, no
primeiro capítulo desenvolveram-se os temas centrais da questão ambiental,
concentrando-se na definição de sustentabilidade ambiental, a qual depende
das diferentes correntes do ambientalismo e de aportes teóricos variados. Para
considerar a complexidade da questão ambiental, abordaram-se elementos do
novo paradigma sistêmico, que irá, nos próximos anos, subsidiar cada vez mais
os autores e atores da área ambiental. Dentro dos muitos temas relevantes da
área ambiental, destacaram-se dois, quais sejam, a sua interface com a
Economia e com a Ciência e Tecnologia, com aporte de escolas do ambientalismo
tais como o Ecodesenvolvimeto, a Ecologia Profunda e a Economia Ecológica.
Enfocou-se, então, a sustentabilidade ambiental na Amazônia, para subsidiar
os estudos de caso escolhidos.
No segundo capítulo desenvolveram-se temas relevantes da política
ambiental por meio do ferramental da Análise de Políticas Públicas. Ressaltou-
se o caráter político e público da questão ambiental e a importância da ação do
Estado nesta área, hoje prejudicada pela ideologia do Estado mínimo. Enfocou-
se o permanente conflito entre diferentes visões de atores sociais na política
ambiental. Os atores sociais, representados por suas instituições, negociam e
cooperam buscando consensos, de modo a poder elaborar políticas públicas.
Essa cooperação se dá em espaços definidos pela autora como redes de
governança ambiental. Na temática dos conflitos sócio-ambientais, debateu-se a
contradição entre a propriedade privada e o bem comum, que se materializa em
desafios para a gestão e a política ambiental. Concluiu-se o capítulo com a
conceituação de política ambiental transversal com aportes da literatura,
incluindo suas implicações esperadas às políticas públicas e aos modelos de
desenvolvimento.
Nos capítulos 3 e 4 realizaram-se dois exercícios de análise de
políticas públicas, a saber, das políticas ambientais recentes do Estado do Acre
213
(1999 – 2004) e, em menor profundidade, do Amapá (1995 – 2002 / 2003 -
2004). Ambos os casos foram escolhidos por se tratarem de experiências de
transversalidade, ainda que de forma preliminar. O Amapá foi tomado como
estudo complementar, de contraponto ao Acre, como um referencial de controle
na pesquisa. Ambas as propostas têm sido citadas como semelhantes por
políticos e autores, e foram, inclusive, elaboradas em conjunto em alguns
momentos pelos seus governadores João Capiberibe, no Amapá, e Jorge Viana,
no Acre.
A avaliação dos indicadores de sustentabilidade, feita com mais
detalhes no caso do Acre, demonstrou avanços positivos. Uma vez que estes
indicadores foram propostos já com o referencial da transversalidade, pode-se
dizer que, em ambos os estados, observam-se fortes iniciativas de internalizar
as prioridades sócio-ambientais através de um conjunto amplo de políticas
públicas. Comprovou-se, portanto, que ambas as experiências representam a
política ambiental transversal, de modo que seus resultados podem fornecer
ricos subsídios para uma abordagem prescritivo-normativa dessa nova
concepção de política.
A política ambiental transversal foi conceituada, desenvolvida,
caracterizada (na teoria e na prática, com os estudos de caso) e defendida nessa
Tese enquanto um bom caminho para a construção de modelos de
desenvolvimento alternativos, que abordem efetivamente a sustentabilidade
sócio-ambiental. Muitos autores tratam deste caminho, embora não com o
termo explícito da política ambiental transversal.
Assim como alguns desses autores, a autora considera a política
ambiental transversal uma forte tendência na atualidade, no Brasil e no
mundo. Essa tendência pôde ser comprovada pela nossa pesquisa num aspecto
bastante interessante: o atual Governo do Amapá, embora se contraponha ao
anterior, vem realizando propostas inovadoras que estão dentro da concepção
da política ambiental transversal, como a integração dos órgãos na Reforma
Administrativa e o complexo Programa Corredor da Biodiversidade. Ou seja,
214
parece que, aos poucos, a política ambiental transversal vem se tornando um
assunto tratado por diferentes correntes políticas, o que é muito positivo para
permitir sua apropriação pela sociedade e continuidade administrativa,
independente de quem está no poder.
Por fim, vale relembrar que ainda há muito que avançar em
matéria de política ambiental, tanto na Amazônia quanto no Brasil e no mundo.
Os novos paradigmas sistêmico e ecológico ainda são novos para a
humanidade. Estamos engatinhando nesses temas e modos de agir, frutos do
desenvolvimento científico-cultural e do reconhecimento de que a humanidade
vem danificando a natureza em demasia. A humanidade ainda se encontra
numa “crise de percepção”, nas palavras de Fritjof Capra (1982), que aos
poucos deve gerar mudanças profundas em nossos hábitos, políticas públicas,
modos de produção, e organização social. Ainda estamos aprendendo a
cooperar mais e a competir menos, e a exercer uma ética ambiental de cuidado
para com a natureza e com o ser humano (BOFF, 1999b; HARGROVE, 1996),
que envolve o valor intrínseco dos seres vivos e não vivos (DEVALL &
SESSIONS, 1993; HOEFEL, 1999).
Se tudo isso ainda é novo, reflete diretamente em nossos padrões
de gestão e política ambiental. Nesse sentido, os resultados dessa pesquisa
animadoramente apontam a vanguarda de governos brasileiros em política
ambiental transversal. A despeito das deficiências encontradas, pode-se dizer
que instalou-se, nos dois estados, uma base para a busca de modelos de
desenvolvimento ambientalmente sustentáveis. E, tanto no Acre quanto no
Amapá, a política ambiental transversal gerou um aumento de qualidade no
processo de elaboração das políticas públicas como um todo.
O quinto capítulo trouxe uma avaliação final da política ambiental
transversal do Acre, a qual subsidiou uma caracterização teórico-metodológica
conclusiva do conceito de política ambiental transversal.
As principais conclusões extraídas da pesquisa como um todo são:
215
As experiências do Acre e do Amapá representam políticas ambientais
transversais. Porém, elas ainda são incompletas ou deficientes, devido à
supremacia que ainda ocorre de padrões econômicos insustentáveis sobre os
ambientais.
As tendências no sentido da transversalidade da política ambiental e da
adoção do paradigma sistêmico nas políticas públicas estão sendo consolidadas
nos dois estados analisados, o que possivelmente reflete experiências de outros
locais e em outras temáticas.
A governança ambiental com a inclusão social das populações mais
desfavorecidas são essenciais na busca da política ambiental transversal e da
redução dos conflitos sócio-ambientais. Especialmente na área rural / florestal
da Amazônia, a participação política destas populações favorece a busca da
auto-sustentabilidade endógena, ambientalmente mais adequada do que
modelos exógenos de desenvolvimento.
No Acre, assim como em outros estados, coexistem ações contraditórias,
como a pecuária e a exploração madeireira versus os sistemas agro-florestais e
o extrativismo não-madeireiro. Nesse sentido, pontos negativos foram
detectados, como a ausência de uma agenda de conservação ambiental, as
deficiências no controle ambiental estadual (licenciamento, monitoramento e
fiscalização), a enorme carência de C&T e P&D governamentais e a falta de
políticas voltadas aos recursos florestais não-madeireiros. A conservação e
controle ambiental, em especial, devem ser prioridade absoluta em toda a
Amazônia, devido ao cenário de crescente desmatamento.92
92 “O governo divulgou em 18 de maio de 2005 mais um índice anual de desmatamento na Amazônia produzido pelo INPE: entre agosto
de 2002 e julho de 2003, 24,6 mil km2 de florestas foram suprimidos, mais do que os 23,7 mil km2 que haviam sido estimados no ano
passado. Divulgou, ainda, a estimativa oficial de que outros 26,1 mil km2 teriam sido desmatados entre agosto de 2003 e julho de 2004. O
índice de 2003 só é inferior ao recorde histórico de 29 mil km2 ocorrido em 1995, ano de implantação do Plano Real, mas, caso se
confirmem as estimativas, o índice de 2005 ocupará o seu lugar. O patamar de 2002 [ano eleitoral] já havia sido considerado mundialmente
extravagante, colocando o Brasil como foco principal das preocupações sobre o futuro das florestas tropicais do planeta. (...) O país assumia,
então, um papel destacado entre os maiores emissores atuais de gases estufa do planeta. (...) Os dados anunciados mostram que há uma
verdadeira curva ascendente de desmatamento, numa situação fora de qualquer controle. A cada ano, o Brasil vem acrescentando umas 18
milhões de toneladas de carbono a mais à atmosfera [devido às queimadas florestais]” (SANTILLI, 2005). Notícias como essa
apareceram na imprensa como um todo. Critica-se o Governo Federal (do Presidente Lula e da Ministra do Meio
Ambiente Marina Silva) como um recordista em desmatamento, com aumento anual de 6%, equivalente a área do Estado
de Alagoas. Criticam, também, a ineficácia do Plano de Prevenção e Combate ao Desmatamento na Amazônia, programa
216
Observou-se uma grande carência metodológica nas políticas ambientais
transversais dos Governos do Acre e do Amapá. As políticas públicas têm sido
muito influenciadas por aspectos políticos (political) de ocasião. A metodologia
adotada deveria ser mais profunda nos conceitos sistêmicos, abordando a
complexidade proposta nas políticas ambientais em curso, pois é visível o risco
de não se atingirem os resultados por conta disso. Além disso, é baixa a
capacitação dos servidores e dirigentes em análise de políticas públicas, ou seja,
em conhecimentos técnicos de governo e administração pública. É necessário
aprimorar os processos de planejamento e de avaliação das políticas públicas.
Da mesma forma, é baixa a capacitação de servidores em temas sócio-
ambientais, e este é outro ponto nevrálgico a ser atacado na busca de políticas
ambientais mais efetivas.
A despeito da deficiência metodológica, têm-se adotado interessantes
arranjos institucionais inovadores que favorecem a transversalidade e a
governança ambiental. No Acre e no Amapá efetuaram-se reformas
administrativas que integraram os setores produtivos aos ambientais, com
maior atenção à cada etapa do ciclo de elaboração das políticas públicas (policy
cycle). Conclui-se que os aspectos institucionais e organizacionais são
essenciais à política ambiental transversal, assim como alguns autores o
demonstraram para políticas ambientais em geral.
No Acre, o desmate, a queima e a pecuária estão cada vez mais presentes na
vida dos colonos ou pequenos produtores. Faltam políticas educacionais e de
alternativas produtivas ambientalmente sustentáveis para este público. A
pecuária consiste em grande ameaça ambiental no Acre. O mesmo potencial
devastador que se tem verificado na expansão das monoculturas da soja pelo
de grande porte, em vigor desde 2003, que em tese integra 11 ministérios (uma política ambiental transversal). Os
ministérios não parecem adotar prioridades ambientais ao incentivarem grandes políticas agro-pecuárias na Amazônia,
com destaque para a monocultura da soja. Ressalta-se o fato de que o Brasil vem sendo grande foco nas emissões
atmosféricas de carbono e conseqüentes mudanças climáticas mundiais – o que é um fato delicado por ter entrado em
vigor, em março deste ano, o Protocolo de Kyoto. Isso sem falar na situação de violência ocorrida no Pará há poucos
meses, em que o assassinato da missionária Dorothy Stang chocou a opinião pública internacional. Essa situação
evidenciou a omissão do Governo às constantes práticas violentas de grileiros, jagunços e fazendeiros na Floresta
Amazônica, denunciadas pelo Ministério Público há anos. É inevitável concluir que a política ambiental transversal
federal, anunciada sob este conceito, tem sido (quase que) só retórica.
217
Mato Grosso e Pará, se verifica com o boi, o grande “vilão” do desmate e queima
da Floresta Amazônica no Acre. A sociedade em geral deve dar mais atenção ao
fato de que a pecuária não é uma atividade adequada para a Amazônia. Ela é
um grande motor do desenvolvimento econômico no Acre, fato que não pode,
obviamente, ser desprezado. Porém, a pecuária deve ser readequada segundo
critérios ambientais, e deveria haver um planejamento de longo prazo de
progressiva substituição dessa modalidade produtiva em favor de modalidades
florestais e agro-florestais.
O crescimento do desmate desordenado, da pecuária e da piscicultura (por
meio dos açudes artificiais) estão comprometendo nascentes e igarapés. Já se
verifica baixa disponibilidade hídrica no Vale do Acre, que possui cerca de 1,8
milhão de cabeças de boi. Ora, a água está cada vez mais escassa e sendo
motivo de conflitos pelo mundo. É urgente que governos e sociedades
amazônicas preservem seus corpos d’água. No Acre não foram encontrados, até
o momento, projetos específicos de proteção e recuperação dos cursos d’água, e
a política da pecuária pouco se envolve com a questão dos recursos hídricos.
As políticas florestais embrionárias do Acre e do Amapá (particularização da
política nacional) são exemplos do predomínio da visão economicista, pois são
voltadas para a exploração madeireira. A exploração madeireira, ainda que
manejada, é de alto impacto, e por isso não deve ser enfatizada enquanto
política de desenvolvimento para a Amazônia. O manejo madeireiro é
ecologicamente insustentável e tem gerado conflitos sociais em sua
implementação.
O (neo)extrativismo dos diversos produtos florestais não-madeireiros é
ecologicamente sustentável, garante boas condições de vida, dignifica
conhecimentos e culturas tradicionais e contribui para o desenvolvimento
científico e tecnológico apropriado (ou ambientalmente sustentável) da
Amazônia.
Provavelmente, os maiores instrumentos de conservação florestal advirão, no
futuro próximo, da valoração dos serviços ambientais. Enquanto isso não
218
ocorre, fazem-se necessários urgentes investimentos no extrativismo e na
pesquisa e regulamentação da bio-prospecção (incluindo a repartição de
benefícios pelo conhecimento associado ao patrimônio genético), para que se
proporcione uma economia florestal sustentável.
A barreira cultural da sociedade amazônica às políticas ambientais ainda é
grande. É baixo o nível de consciência ambiental da população. Fazem-se
necessários crescentes investimentos em educação ambiental formal e não-
formal em todos os níveis. Consideram-se úteis os arcabouços conceituais do
Ecodesenvolvimento e da Ecologia Profunda, por serem adequados à realidade
amazônica.
219
As dificuldades para se desenvolver a política ambiental são
muitas, dada a própria tendência de enfraquecimento do Estado. A sociedade
civil organizada, algo que tem sido chamado de “terceiro setor”, tenta preencher
este vácuo, ainda timidamente, o que traz alguma esperança, mas, também,
dúvidas acerca da sua legitimidade, institucionalização e força política. Numa
frase, precisa-se de pessoas e instituições verdadeiramente comprometidas com
a questão ambiental. Caso contrário, esforços como o desta Tese ainda serão
em vão.
Permanece a esperança num futuro melhor, e que esta Tese possa
ser mais uma semente nesse terreno fértil, contribuindo para que a preservação
da Floresta Amazônica e de outros biomas possa ser encarada mais a sério... e
com urgência.
220
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GUSMÃO, P. P. de. (1996) Sistemas municipais de governo e desenvolvimento
sustentável na região do semi-árido brasileiro. Planejamento e Políticas Públicas,
vol. 14, dezembro/1996, pp. 157-231.
LESTER, J. P. (ed) (1989) Environmental politics and policy: Theories and evidence.
Durham: Duke University Press.
LOVELOCK, J. E. (1987) Gaia: Um novo olhar sobre a vida na Terra. Rio de Janeiro: Edições Setenta.
MARTINS, P. R. (1997) Reconstrução ecológica da sociedade industrial. In: ECO-ECO
(Sociedade Brasileira de Economia Ecológica). Anais do II Encontro da Eco-eco. São Paulo: 6 a
8 / 11 / 1997. Pp. 325-364.
NAESS, Arne. (1993) Self realization: An ecological approach to being in the world. In:
VANDEVEER, D. & PIERCE, C. (eds.) The environmental ethics and policy book: Philosofy,
ecology, economics. Belmont: Wadsworth Publishing Company. Pp. 222-226.
PEPPER, D. (1993) The roots of environmentalism. Londres: Routledge.
RONZA, C. (1998) A política de meio ambiente e as construções do Estado: A Avaliação de Impacto
Ambiental em São Paulo. Campinas: Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) / IG.
(Dissertação de Mestrado)
TIEZZI, E. (1988) Tempos históricos, tempos biológicos, a Terra ou a morte: Os problemas de uma nova
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Rio de Janeiro: Revista Forense. 2ª ed.
234
ANEXO 1
236
37. Existem conflitos violentos entre grandes proprietários e seringueiros, ou entre
algum grupo social no Acre? Estes conflitos geram impactos ambientais
negativos?
38. Como está o tráfico de animais silvestres no Estado?
39. Existem plantações de monoculturas de soja no Estado?
40. Existem plantações de “organismos geneticamente modificados” (OGMs)?
41. Existe a ocorrência de “biopirataria”? Há empresas (quais) e/ou pesquisadores
(de que instituições) pesquisando os usos das plantas da floresta e coletando
amostras? Estas empresas remuneram os informantes? Houve casos de
patenteamento destas plantas em desrespeito às populações tradicionais?
42. Como anda a situação das “reservas legais” e das “áreas de preservação
permanente” segundo a Medida Provisória que aumentou o percentual destas
áreas no Código Florestal? Como têm sido implementadas? O IBAMA tem
fiscalizado?
43. Como é a atuação do IBAMA no Estado? Como o IBAMA tem se relacionado com
o Governo do Estado?
44. Quais seriam os impactos ambientais negativos que você espera da pavimentação
da BR (364 e 317 no Acre / 156 no Amapá)? Quais seriam os benefícios
econômicos resultantes?
45. Quais são os projetos federais ambientais no Estado?
46. Quais são os projetos federais que têm impactos ambientais negativos no Estado
(que resultam em desmatamento)?
47. Como a regularização fundiária do INCRA tem afetado, positiva ou
negativamente, o meio ambiente? Como os projetos do ICRA (PADs, PAEs e
PAFs) se relacionam com as políticas ambientais e de ordenamento territorial do
Estado?
48. Qual é a situação fundiária do Estado? Quais são os problemas ambientais
relacionados? Existem grupos de “sem-terra” (MST)? Estão ocorrendo invasões
de terra no estado? Descreva-as.
49. Como tem sido a adesão do público às políticas ambientais? De que forma a
população participa da formulação destas políticas? Como o governo está se
relacionando com as organizações mais populares?
50. Quais empresas privadas têm sido parceiras do governo em projetos ambientais,
e de que forma?
51. O governo tem obtido apoio / financiamentos de ONGs, de empresas e do
Governo Federal para os projetos ambientais? Cite as parcerias de destaque nesse
sentido.
52. Como o governo tem se relacionado com ONGs e/ou governos internacionais?
Quais são os projetos de destaque em andamento no Estado, com financiamento
internacional?
53. Quais são as ONGs mais atuantes no Estado em termos de projetos ambientais?
Descreva estes projetos.
237
54. As Reservas Extrativistas estão regularizadas? O manejo destas áreas tem sido
ambientalmente sustentável? Elas recebem apoio do Governo do Estado? E do
Governo Federal?
55. As Terras Indígenas estão regularizadas? Elas recebem apoio do Governo do
Estado? E do Governo Federal?
56. Quais são os projetos ambientais urbanos da capital? Eles ocorrem em outras
cidades? Como é a gestão dos resíduos sólidos (lixo) e dos recursos hídricos
(tratamento de água para abastecimento / tratamento do esgoto)? Há algum
projeto de reciclagem e/ou compostagem de lixo?
57. Como estão as perspectivas da sucessão no Governo do Estado (eleições em 2002
do Acre)? O atual governo pretende fazer sua campanha com base nas conquistas
sócio-ambientais? O slogan “Governo da Floresta” será mantido?
58. Como tem sido a geração de empregos através dos projetos ambientais?
59. Quais são os projetos ambientais na área da educação? Há incentivo específico
para a Educação Ambiental? Há projetos ambientais na forma de “educação não-
formal” (de qualquer tipo que seja fora da escola)? Você já ouviu falar das
Escolas-Bosque do Estado do Amapá? Existem Escolas-Família Agrícolas?
60. Quais são os projetos ambientais na área da saúde? Há incentivo para a utilização
das plantas medicinais e remédios fitoterápicos? Há apoio para o trabalho das
parteiras, dos “curandeiros” e xamãs tradicionais nas áreas florestais?
61. Quais são as principais reivindicações dos trabalhadores rurais?
62. Quais são as principais reivindicações dos índios?
63. Em que setores o governo tem se mostrado mais atuante (saúde, educação,
habitação, alimentação, meio ambiente – preservação florestal, infra-estrutura
urbana, geração de empregos)? Onde ele tem sido mais deficiente?
238
ANEXO 2
o Da lista acima, em cada instituição foi entrevistada 1 pessoa, exceto nos casos com
grifo entre parêntesis, com 2 ou mais pessoas entrevistadas, totalizando 67 pessoas
entrevistadas na Pesquisa de Campo no Estado do Acre.
o OBS. 1: O critério utilizado para que, em algumas instituições, se entrevistasse mais
de uma pessoa, foi o de que, nestas instituições, houvesse uma pluradidade e/ou
divergência maior de respostas e opiniões, ao contrário das demais instituições, cujas
diretorias eram mais coesas entre si, e as respostas de mais entrevistados seriam
bastante semelhantes.
o OBS. 2: Algumas instituições foram visitadas e os membros entrevistados em dois
momentos distintos da pesquisa (em 2002 e 2004). São elas: SEMA, IMAC, SEATER,
SEPROF, FUNTAC, IBAMA, UFAC, CNS, STR de Xapuri. Elas foram escolhidas por
terem passados por mudanças profundas durante o período pesquisado
(administrativas, de recursos materiais e financeiros, de pessoal ou de temática).
o Da lista acima, as 44 instituições podem ser classificadas segundo a seguinte
tipologia:
Governamentais Estaduais: 12
Governamentais Federais: 05
Governamentais Municipais: 07
Governamentais do Setor Judiciário: 01
240
De Ensino, Pesquisa e Extensão (Federais): 02
De Trabalhadores Rurais e Seringueiros: 09
Não-Governamentais Ambientalistas, Indigenistas e Semelhantes -
Nacionais: 07
Não-Governamentais Ambientalistas, Indigenistas e Semelhantes -
Internacionais: 01
241
Lista de Instituições Visitadas
cujos membros foram entrevistados
na Pesquisa de Campo no Estado do Amapá
o Da lista acima, em cada instituição foi entrevistada 1 pessoa, exceto nos casos com
grifo entre parêntesis, com 2 ou mais pessoas entrevistadas, totalizando 32 pessoas
entrevistadas na Pesquisa de Campo no Estado do Amapá.
o OBS. 1: O critério utilizado para que, em algumas instituições, se entrevistasse mais
de uma pessoa, foi o de que, nestas instituições, houvesse uma pluradidade e/ou
divergência maior de respostas e opiniões, ao contrário das demais instituições, cujas
242
diretorias eram mais coesas entre si, e as respostas de mais entrevistados seriam
bastante semelhantes.
o Da lista acima, as 24 instituições podem ser classificadas segundo a seguinte
tipologia:
Governamentais Estaduais: 13
Governamentais Federais: 01
De Ensino, Pesquisa e Extensão (Federais): 02
De Ensino, Pesquisa e Extensão (Estaduais): 01
De Trabalhadores Rurais e Extrativistas: 03
Não-Governamentais Ambientalistas, Indigenistas e Semelhantes -
Nacionais: 04
243
ANEXO 3
FLORESTANIA
nas suas 6 dimensões de sustentabilidade
FONTE: SEATER, 2004
1) SUSTENTABILIDADE POLÍTICA
“Implica a ampliação da liberdade e da democracia a partir da desconcentração do
poder e maior empoderamento dos produtores familiares. Pressupõe a participação
efetiva dos atores sociais nos processos de tomadas de decisões, gestão compartilhada,
acesso às informações e maior controle social.”
2) SUSTENTABILIDADE CULTURAL
“Respeito e valorização dos saberes, conhecimentos e manifestações coletivas das
populações tradicionais e não-tradicionais. Exige que se conheça a história, as tradições,
os hábitos, crenças, costumes e os valores materiais e espirituais destas populações.”
3) SUSTENTABILIDADE SOCIAL
“Trata-se do desenvolvimento com eqüidade social. Os bens econômicos (produção,
emprego e renda) devem ser compartilhados mais eqüitativamente diminuindo o
processo de exclusão social.”
4) SUSTENTABILIDADE ECONÔMICA
“Fortalecimento de uma economia solidária com base nas organizações cooperativas.
Pressupõe a integração entre os elos das cadeias produtivas, conhecimento dos
mercados, dos processos, de escalas, diversificação da produção, agregação de valor e
qualidade dos produtos.”
5) SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL
“Cuidado com o patrimônio natural, utilizando-o com sabedoria de forma a garantir
essa heranças às gerações futuras.”
6) SUSTENTABILIDADE ÉTICA
“A questão ética é transversal a todas as outras dimensões da sustentabilidade. Implica
o respeito e valorização da comunidade biótica em cujo vértice está o homem. A questão
ética também incorpora o respeito com o patrimônio público, os usuários do serviço e a
transparência nos procedimento técnicos / administrativos.”
244
ANEXO 4
1. PRODUÇÃO FAMILIAR
- Pólos Agroflorestais;
- Diversificação dos Sistemas de Produção;
- Programa de Quintais Florestais;
- Produção da Fécula;
- Aumentar a produção de Farinha (agroindústrias, padronização e controle de
qualidade);
- Instalação de agro-indústrias de derivados de Cana-de-açúcar;
- Beneficiamento de frutas;
- Aumentar a produção de SAFROL;
- Centros de Florestania;
- Assistência Técnica (quintais, SAF´s, agro-indústrias).
2. EXTRATIVISMO
245
4. EXPLORAÇÃO FLORESTAL
5. TURISMO
6. CAPACITAÇÃO
8. COMERCIALIZAÇÃO E LOGÍSTICA
246
9. CRÉDITO / FINANCIAMENTO
- Programa de micro-crédito;
- Programa Pró-Florestania;
- Programa Promoção de Negócios;
- Crédito rural/intermediação de crédito.
- Laboratórios de tecnologia;
- Laboratório de geoprocessamento e sensoriam. remoto;
- Laboratório de sementes;
- Assistência tecnológica em manejo florestal;
- Tecnologia de processamento de produtos madeireiros.
- Plano de mitigação em Terras Indígenas nas áreas de influência direta das BR’s 364 e
317;
- Assistência técnica e extensão agroflorestal em Terras Indígenas
247
Desafio 3) Dispor de um conjunto de políticas que assegurem o processo de
desenvolvimento sustentável
248
ANEXO 5
249
ANEXO 6
PRINCÍPIO:
CRITÉRIOS:
250
ANEXO 7
Centros de Pesquisa:
251