O Frevo Rumo A Modernidade - Final
O Frevo Rumo A Modernidade - Final
O Frevo Rumo A Modernidade - Final
rumo à modernidade
Copyright2008 José Teles
Prefeito do Recife
João Paulo Lima e Silva
Vice-prefeito do Recife
Luciano Siqueira
Secretário de Cultura
João Roberto Costa do Nascimento
Diretor Presidente da Fundação de Cultura Cidade do Recife
Fernando Duarte
Diretora Administrativo-Financeiro
Sandra Simone dos Santos Bruno
Diretor de Desenvolvimento e Descentralização Cultural
Beto Rezende
Gerente Operacional de Literatura e Editoração
Heloísa Arcoverde de Morais
Revisão
Norma Baracho Araújo | Yugo Taroo
Preparação de texto
Norma Baracho Araújo
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
José Teles
O Frevo
rumo à modernidade
O
frevo é um dos mais curiosos objetos das
contradições pernambucanas. Nunca foi
muito difícil percorrê-lo nem, ao sabor das
compilações, recolher o disperso das opiniões num
todo mais ou menos uniforme. Difícil é encontrar e
desfazer os seus intrincados nós górdios. José Teles
faz isto.
Como agregar num pequeno ensaio tudo o que
há de essencial a respeito do frevo e, pouco a
pouco, ir mostrando novos aspectos, além de
lograr interpretações originais e firmes? José Teles
consegue isto de maneira tão natural que torna o
assunto familiar até aos menos empáticos. Didática,
pedagogicamente toma cada leitor pela mão e o
leva ao conhecimento seguro do seu tema. Com um
adicional: a qualidade do texto.
| JOSÉ TELES
Está aí a história do frevo para confirmar ou desmentir
os chavões. Desde o seu nascimento, os cronistas
locais trataram de carregá-lo de historicidade. Em
menos de meio século já havia os que, junto com
o selo denominação de origem, quisessem pôr o
de autenticidade pautada num controle rígido
de qualidade. Mais uma vez, o estático do eterno
querendo vencer a dinâmica heraclitiana do infinito
enquanto dure, do amar o transitório.
O frevo assim vai além do signo, deseja o ícone,
o símbolo. E sendo parte de um país mestiço que
chegou a evocar ou invocar a pureza de raças, nada
mais natural que se sonhar o frevo em purismo; o
mesmo frevo que nasceu como um moleque vadio,
produto inacabado de mesclas e misturas.
O frevo não é, desse jeito, só imanência de música
e dança. Logo se verte em transcendência, para
representar todo um povo. Coerente com o que
observa Gilberto Freyre nesta passagem de Ordem
e progresso:
“A música vem sendo a arte por excelência brasileira
no sentido de ser, desde os começos nacionais e até
coloniais do Brasil aquele – dentre as belas-artes em
que de preferência se tem manifestado o espírito
pré-nacional e nacional da gente luso-americana:
da aristocrática e burguesa tanto quanto da plebéia
ou rústica. Já notara De Freycinet, com relação aos
brasileiros dos começos do século: ‘De tous les arts
d’agrément cultivés par les Brésiliens’ era a música
aquela na qual ‘ils réussissent le mieux’.”
O curioso é que no seu difícil caminho para se
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reiteradas. Porém, mais do que isto, dizer que algo
é tradicional responde a um ato de interpretação,
de seleção e denominação, de impor ordem em um
modo de fazer social disperso”.
Por fim, vale dizer que dos tantos estudos já
aparecidos sobre o assunto poucos são os que
valem realmente a pena. Este de José Teles é não
somente um dos mais bem conseguidos (não foi à
toa, portanto, o seu prêmio quando ainda inédito).
É um dos mais originais e precisos na abordagem.
Não contente em só recuperar a história e explicá-
la, interpretando-a, ele contextualiza o frevo, passo
a passo, no seu tempo, ou, como parecem preferir os
pós-modernos, nos seus tempos e espaços.
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Só não vai quem já morreu
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uma manifestação isolada. Assim como foram Frevo,
de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, composto para
a trilha do filme “Orfeu do carnaval”, ou mesmo
No cordão da saideira, frevo-de-bloco de Edu Lobo,
se bem que este tinha temática tão pernambucana
quanto os frevos, impregnados de saudades da terra
natal, que compunha o recifense Antonio Maria, no
Rio de Janeiro.
Em fevereiro de 1971, o compositor Nelson Ferreira,
em entrevista ao jornalista Paulo Fernando Craveiro,
em sua coluna do Jornal do Commercio, comentou
a discussão que surgia sobre a defasagem do frevo
em relação a outros estilos musicais que passaram
a ser tocados nos clubes durante o carnaval (iê-iê-iê,
sambas, músicas de meio de ano – Jesus Cristo, de
Roberto Carlos foi um das mais executadas em 1972
– e o tal frevo “baiano”):
O bloco Bobos
em Folia, numa
ilustração do
lendário Gato Félix
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3 violinos, 2 pandeiros, 2 reco-recos, 2 tambores.
Estes sob a regência de Felinto Moraes (faziam parte
da orquestra do “Apois Fum”, os irmãos Luperce e
Romualdo Miranda). O maestro Zuzinha dirigia os
sopros e palhetas: 1 bombardino, 2 trombones de
vara, 1 clarinete, 1 flauta, 1 saxofone. Tamanho aparato
instrumental é prova de que os blocos desfilavam
arrastando um grande número de foliões.
Ressalte-se nesta aceitação do frevo, fora da classe
social onde surgiu, a importância da imprensa em
valorizar e popularizar a música carnavalesca das
ruas. Todos os grandes matutinos da capital (Jornal
do Commercio, Diario de Pernambuco, Jornal Pequeno, A
Província, entre outros) a partir de dezembro abriam
amplos espaços para as notícias carnavalescas. O
JC dedicava um caderno especial de cinco páginas,
duas vezes por semana ao carnaval. Os jornais
divulgavam os ensaios dos clubes, os desfiles, as
letras das músicas (e não raro, as partituras), que
prometiam ser sucesso no reinado de Momo. Na
década de 1930, além dos cronistas carnavalescos,
intelectuais passaram a escrever sobre a marcha
pernambucana nos jornais do Recife, com ênfase
para o teatrólogo, e também compositor, entre
outros talentos, Valdemar de Oliveira, e o poeta,
bastante popular na capital, Austro Costa, o prolífico
jornalista Mário Melo (os dois últimos ferrenhos
defensores das tradições do frevo). Fundou-se até
um bloco de Intelectuais que abrigava em suas
hostes nomes como o romancista e cronista Mário
Sette (que documentou como poucos, em crônicas
ou ficção, o carnaval recifense), o professor Eládio
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melhor ao nosso temperamento...
Quem seria capaz de fazer o passo
ouvindo uma dessas marchinhas do
Sul, açucaradas, xaroposas?”
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O Padroeiro Fiché
A
Federação Carnavalesca de Pernambuco foi
criada, em 1935, sob os auspícios da Tramways,
a companhia inglesa de eletricidade e
transportes, idealizada pelo norte-americano Joseph
Prior Fisch (que dirigia a companhia no Estado). Mr.
Fisch é o “padroeiro Fiché”, do clássico frevo-canção
Banho de conde, de Clídio Nigro (Vem, padroeiro Fiché/
vem acendê o painé). Durante pelo menos cinco anos
ele pairou onipotente sobre a cultura pernambucana.
São inúmeras as citações a esse cidadão nascido nos
EUA, em jornais da década de 1930, em letras de frevos,
em versinhos humorísticos, como este, publicado
em 27 de fevereiro de 1938, de autor desconhecido,
provavelmente de Austro Costa, que colaborava com o
suplemento carnavalesco do Jornal do Commercio, e que
vale a pena ser transcrito por ser uma das melhores
descrições que se tem do todo-poderoso da Tramways:
Mr.Fisch
Natural da cidade de Chicago
Na América do Norte.
Americano, nasceu num bangalô ao pé
do lago
Que banha esta cidade, salvo engano.
Por ser tratado aqui com muito afago
Diz-se de coração pernambucano.
Para gerir a Tramways é bem pago
Ganha um montão de cobre por ano.
Entre as figuras de maior relevo
Do nosso carnaval nenhum cai
Com mais gosto e prazer dentro do frevo.
E quando o alegre deus pagão se vai
Fisch diz num sentir que não descrevo
Ô, meu querido Momo, good bye.
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A Tramways incentivava esta, digamos, pernambu
canidade apaixonada, patrocinando programas de
rádio com frevos e maracatus, no Recife, no Rio e
até no exterior. Em 1936, pela Rádio Clube, única
emissora pernambucana na época, às sextas-feiras,
ia ao ar um programa mantido pela federação:
“Nos quais são irradiadas exclusivamente músicas
carnavalescas de Pernambuco”. Esse programa
tinha duração de 60 minutos, e seu nome já dizia
tudo: “Hora de Pernambuco”.
A federação, criada em pleno regime de exceção do
Estado Novo, tinha claras influências do fascismo
(cujos malefícios ainda eram desconhecidos, e
arrebanhava para suas “cores” nomes como o dos
futuros inimigos da ditadura militar, D. Hélder
Câmara). Incentivava-se não apenas uma reserva de
mercado para os gêneros musicais pernambucanos,
como também uma superioridade destes em relação
aos gêneros do Sul. Ia-se, na verdade, até mais além
nessa busca pela pureza das tradições.
No auge do controle do carnaval pernambucano
pela Federação Carnavalesca, o maracatu-canção,
para intelectuais como Mário Melo (que fazia parte
da direção da entidade), seria a mais autêntica
manifestação da nacionalidade: “Pela primeira
vez o maracatu está entre nós sendo olhado com
certo carinho pelas possibilidades de, por meio
de estilização musical, criar-se uma nova música
brasileira”, escreveu Melo, em sua coluna diária
no JC (escrevia diariamente também no Jornal
Pequeno. Estima-se que tenha escrito mais de 100
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Notável canta uma versão em inglês de Baião (Luiz
Gonzaga/Humberto Teixeira), e súbito irrompe
uma coreografia de frevo, a introdução de Evoé,
enquanto bailarinos fazem o passo com sombrinhas
estilizadas, anos antes de elas se tornarem um
símbolo do carnaval pernambucano.
Na tentativa de levar o maracatu a se tornar a
preferência musical estadual, além de grandiosos
programas patrocinados na
PRA-8, Radio Clube de Pernambuco, resolveu dis
tribuir os maracatus-canção ganhadores dos
concursos musicais que promovia entre os principais
grupos de maracatus de baque solto do Estado.
Contra essa estratégia, insurgiu-se Valdemar de
Oliveira, também um dos fundadores da federação,
em sua coluna no Jornal do Commercio, em dezembro
de 1936:
Valdemar de Oliveira,
batalhou durante
décadas pelo frevo
Cartaz de O Samba
da Vida, em cuja
trilha tem música
de Capiba
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que a Pernambuco Tramways quer, toda gente sabe,
é reclame, é propaganda”.
Costa, em artigos nos jornais locais, também
criticou a citada estilização das fantasias no carnaval
pernambucano pela federação. Mário Melo defendeu
a entidade, também em artigo assinado no JC. Já
Gilberto Freyre posicionou-se contrário ao controle
do roteiro dos préstitos dos clubes de pedestres, que
evitava que agremiações rivais se cruzassem pela
ruas do Recife, o que inevitavelmente acabava em
briga campal, com muitos feridos, e até mortos, mas
que era uma tradição do carnaval pernambucano.
Mário Melo, que defendia a federação (de cuja
direção fazia parte) com unhas e dentes, escreveu
num artigo no Jornal Pequeno, de fevereiro de 1937:
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Para garantir a pureza das tradições do carnaval
pernambucano (que, diga-se a seu favor, era, com o
do Rio de Janeiro, o maior do país), seus defensores
não aliviavam. Sempre que podiam fustigavam as
marchinhas cariocas, cantadas em todo o Brasil,
graças ao rádio e aos muitos 78 rpm que se lançavam
para a festa. Em 1935, Valdemar de Oliveira, criticando
o repertório de algumas orquestras pernambucanas
que insistiam em incluir os sucessos do carnaval da
então capital federal, escreveria:
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“A música do carnaval pernambucano,
sem plágio nem licenciosidade, causou
tão grande sucesso na América do
Norte, que a direção da grande emissora
promoveu mais dois programas com os
mesmos discos”.
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O combate à música vinda de fora era exercido das
mais diversas formas. Música carnavalesca fescenina
sempre foi comum no carnaval. Em 1936, o bloco
recifense “Bambas do Salão Avenida” saiu pelas ruas
cantando marchas-canção com títulos nada sutis, tais
como Tira o dedo daí, ou 27 centímetros ainda é pouco.
Sua porta-bandeira tinha o nome de Olívia Engole
Cobra, outro integrante era o Boanerges Cospe no
Pau. Não se sabe de críticas ou discriminação a tais
licenciosidades. No entanto, em 1942, a marchinha
carioca A mulher do padeiro (J. Piedade, Germano
Augusto e Bruni), sucesso nacional, gravada por Joel
e Gaúcho foi proibida em vários clubes importantes
do Recife. Sobre ela, Mário Melo escreveu: “Ainda a
música repugnante. A exaltação duma infidelidade
conjugal e duma tolerância doentia por parte do
marido enganado”. Apesar da proibição, ou por isto
mesmo, A mulher do padeiro acabou sendo a música
mais cantada no carnaval pernambucano de 1942. Não
tocava nos clubes, mas podia ser escutada no rádio.
Claudionor
Germano, O
Senhor Frevo,
em pleno palco
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“O samba impera no carnaval e qualquer
outra época porque é uma melodia que
o público aceita facilmente. Por que
o frevo só existe durante o carnaval:
Porque não encontrou ainda aquele
elemento de sugestividade que o torne
preferido em qualquer época”.
Na mesma entrevista (ao Jornal do Commercio em
fevereiro de 1941), o maestro (então dirigindo a
orquestra do Internacional) já tinha a opinião,
bastante avançada para seu tempo, de que o frevo
precisava mudar:
Mathias da Rocha,
co-autor da Marcha
n°1 do Vassourinhas
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“Há a lamentar, na execução dessa
marcha, hoje em dia, o andamento
extremamente rápido e os floreios
de saxofone da segunda parte, coisa
improvisada por certo virtuose do
sax, e logo aperfeiçoado por outros.
É uma desfiguração lamentável, que
responde pelo aceleramento incômodo
do andamento”.
O
embrião das escolas de samba em Pernambuco
remonta à década de 1930. Um dos primeiros
a compor para elas foi Edgar Ferreira (autor
de alguns clássicos do repertório de Jackson do
Pandeiro, entre outros, 17 na corrente e 1x1), para
a “Turma Boa”, de Afogados. Havia também pela
mesma época a “Turma Elétrica”. As batucadas de
inspiração carioca, chamadas de “turma”, eram
esnobadas pela imprensa da época, provavelmente
porque não se sabia como classificá-las. A “Gigantes
do Samba”, da Bomba do Hemetério, uma das
escolas de samba mais importantes de Pernambuco,
começou como a “Turma Quente”, fundada em
1937, em Água Fria por um grupo de amigos, entre
os quais Waldomiro Silva, Olímpio Ferreira, José
Marques da Silva, Luís Ferreira de França.
Em 1938, a batucada saiu com outro nome “Garotos
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do Céu”. Em 1941, adotou o nome “Gigantes
do Samba”. Os que combatiam as marchinhas e
sambas cariocas nem imaginavam a ameaça que
estas supostamente irrelevantes “turmas” seriam
para o frevo dentro de pouco mais de dez anos.
Organizadas a partir de 1940. Na década seguinte,
elas já eram em número suficiente para desfilar na
avenida, e começar a preocupar os defensores do
frevo. Aliás, eles se preocupavam até mesmo com
orquestras estrangeiras que se apresentavam no
Recife, no auditório da Rádio Jornal do Commercio
(a atual Rádio Jornal). A ponto de o JC publicar nota
defendendo a emissora por trazer a famosa orquestra
de Tommy Dorsey para uma curta temporada em
dezembro de 1951:
“O fato de o Rádio Jornal do Commercio
ir apresentar no Recife Tommy Dorsey
e sua magnífica orquestra, não signi
fica um desprestígio à música bra
sileira, conforme a má-fé, a inveja
e o despeito têm espalhado por aí, à
boca pequena e à socapa, como é de
certos estilos escusos. Evidentemente
seria absurdo pensar que o grande
músico norte-americano viesse até nós
unicamente para tocar frevos, sambas e
baiões, quando seu gênero é exatamente
outro”.
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que Mr. Fisch foi cuidar dos negócios da Tramways
na China, a democracia voltando ao país, as escolas
de samba tiveram um crescimento vertiginoso,
mesmo com os cerceamentos que lhes foram
impostos. Em 1958, por exemplo, todas as escolas
de sambas juntas receberam apenas 5% da verba
destinada às agremiações carnavalescas. Mesmo
assim continuaram crescendo. Isso certamente se
devia ao fascínio que as escolas cariocas passaram a
exercer não apenas sobre o pernambucano, como no
brasileiro em geral. Em 1960, elas já eram uma das
potências do carnaval do Recife. No ano seguinte,
aconteceria pela primeira vez um festival de samba
na cidade, conforme anúncio publicado nos jornais
em 6 de fevereiro:
E
nquanto isso o frevo continuava sofrendo
dos mesmos males reclamados desde que
começou a ser gravado, em 1922, por cantores
e orquestras cariocas, que nunca conseguiam
traduzir com perfeição o que estava nas partituras.
Em 1951, foi a vez de Teófilo de Barros Filho, diretor
artístico da Rádio Jornal do Commercio (pai de Théo
de Barros, compositor, com Geraldo Vandré, de
Disparada) voltar ao Rio para resolver o problema.
Desta vez ele não precisou levar consigo um maestro,
e sim matrizes gravadas no estúdio da rádio, pela
Orquestra Paraguary, pertencente ao seu cast.
Em 1953, o frevo ganharia seu maior aliado. O
comerciante José Rozenblit, sócio com os irmãos
Isaac e Adolfo, da Lojas do Bom Gosto, que vendia
móveis, utensílio domésticos, e discos, situada na
rua da Aurora, 1779, patrocinou a gravação de um
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A Orquestra
Guarapary,
com Sivuca,
Jackson do
Pandeiro
e Luperce
Miranda
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Claudionor e
parte de sua
coleção de
troféus
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o carnaval pernambucano, o frevo passou a ser
divulgado fora do estado, com uma competente
rede de distribuição que o fez chegar ao Sudeste,
mal a Mocambo iniciou suas atividades, ainda sem
fábrica própria, conforme atesta esta nota na coluna
“Discoteca”, da revista Carioca, de 10 de abril de 1954:
Dois LPs
antológicos do
selo Mocambo, da
Rozenblit
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do carnaval brasileiro. A título de curiosidade. Em
2007, no entanto, a forrozeira Anastácia (co-autora,
com Dominguinhos, de clássicos do gênero como
Só quero um xodó e Tenho sede), em entrevista ao
autor deste ensaio, revela que as vozes femininas
em Evocação não são do coral do “Batutas”, mas de
cantoras do cast da Rádio Jornal, entre as quais ela
própria, Mêves Gama e Voleide Dantas.
O sucesso de Evocação, porém, foi um desses
fenômenos isolados que acontecem na música
popular, já que o frevo continuava a ser um gênero
restrito a Pernambuco, e a estados mais próximos,
como Paraíba e Alagoas. Jackson do Pandeiro
seria o cantor que mais emplacaria frevos nas
paradas de sucesso, com Micróbio do frevo, Vou ter
um troço, mas era um frevo que os puristas nem
consideravam como legitimamente pernambucano,
pelo acompanhamento e o andamento que o parai
bano dava às composições (o estilo de Jackson de
interpretação seria retomado anos mais tarde por
Alceu Valença, Silvério Pessoa, Lenine, entre outros).
A letra de Evocação cita foliões de antigos carnavais
do Recife dos anos 30, Felinto, Pedro Salgado,
Guilherme e Fenelon. É difícil explicar como uma
música com um tema tão localizado, paroquial,
alcançou tanto sucesso, desbancando as marchinhas
dentro de sua própria terra, o Rio de Janeiro. Isso
levou Nelson Ferreira a tentar repetir a fórmula
em mais seis evocações, sem conseguir o mesmo
resultado de vendas e execução no rádio.
Evocação levou a Rozenblit a acreditar mais na
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Falando na minha condição não de com
positor, mas de chefe de orquestra, é
para mim um grande prazer incluir no
repertório de festas carnavalescas todo e
qualquer sucesso nacional, desde que o
público tenha consagrado a composição.
Infelizmente a música carioca vem
sofrendo influências contraditórias à sua
tradição” [não explica que influências
seriam estas, mas tudo indica que se
trata das letras de duplo sentido].
54 | JOSÉ TELES
lá). Apenas duas eram de 1961, ano do LP (Encontro
marcado e Recordando). Quase todas já haviam
sido gravadas, mas para os novos foliões eram
como se fossem novas. Acontecia o mesmo com
Nelson Ferreira no seu LP, O que faltou e você pediu,
seguindo idêntica fórmula de releituras de antigas
composições e um punhado de inéditas. Mais uma
vez os discos venderam como água, levando as
grandes gravadoras do Sudeste a atentar para o
efervescente mercado do frevo não mais como um
fenômeno limitado a uma única cidade, e sim a uma
região inteira. Em 1961, por exemplo, a RCA lançou
o LP Na onda do frevo, e Frevo 40 graus, com Zaccarias
e sua Orquestra.
A Rozenblit também contribuiu para o surgimento
de uma nova geração de cantores e compositores de
frevo. Uma geração que logo exigiria mais atenção
e passaria a bater de frente com os ícones, Capiba
e Nelson Ferreira, principalmente neste último,
pelo cargo que exercia na Rozenblit, de diretor
artístico, e dirigente de orquestra, responsável
pela maioria dos arranjos e orquestrações do que
a gravadora lançava em Pernambuco, e não apenas
em forró, Nelson Ferreira enveredava também pela
música clássica. Com o imenso sucesso dos dois LPs
dedicados à música de Nelson Ferreira e Capiba, os
novos compositores botaram a boca no trombone.
Alegavam que o protecionismo estava prejudicando
os novos valores da música pernambucana. “Só
Nelson Ferreira e Capiba são os mestres de todos
os tempos – ninguém pode ter vez”, queixava-
se a comissão composta por um grupos desses
56 | JOSÉ TELES
O fausto das escolas de samba
do Recife nos anos 60
A influente
americana
Katarina Real e
Eudes, mestre
de maracatu
58 | JOSÉ TELES
Novos compositores
N
os primeiros anos da década de 1960 surgiu
uma enorme leva de compositores de
frevo, Fernando Borges, Álvaro Alvim, Gildo
Branco, Jocemar Ribeiro, Miro Oliveira, Aguinaldo
Batista, Jayme Griz, Mário Filho, Jorge Gomes.
Curiosamente, num estado tão cuidadoso com
suas tradições, dois americanos passaram a exercer
influência na sua maior festa, a citada Katarina
Os irmãos Mario
Filho e Jorge Gomes,
com Herivelto
Martins ao centro.
60 | JOSÉ TELES
relação àquele ritmo – não [tinha] razão
de ser e [era] odiosa. Capiba classificou
também de odiosa a campanha lançada
no sentido de que as orquestras e as
rádios emissoras [tocassem] 80% de
música de autores” pernambucanos,
contra 20% do carnaval sulista. “Ao
invés destas idéias – disse – o que
se deveria fazer era aproveitar os
lamentos de quem se dispõe a lançar
uma campanha publicitária em favor
do frevo. Isso sim é o que se deve fazer, e
não campanha contra escola de samba e
música carioca. Como é que pleiteamos
mercado para nossa música, se vamos
fechar as portas para outros ritmos
brasileiros, dentro do próprio Brasil?”
Capiba e
Nelson Ferreira,
inimigos cordiais?
62 | JOSÉ TELES
do tempo, que nem eu nem ele podemos parar”.
Aproveita para alfinetar Nelson Ferreira, lembrando
o sucesso que foi no Rio o frevo-de-bloco Evocação
em 1957. Nelson Ferreira responderia, dessa vez
mais sarcástico:
“Hoje, 3ª feira, 4 de fevereiro, vem
finalmente o insigne Capiba com
unhas (embora roídas) e dentes
em cima do compositor (pobre
compositor), maestro Nelson Ferreira,
insistindo, odiosamente, que eu sou
contra o samba no carnaval da capital
do frevo... Defendo o meu ponto de
vista, não contra o samba, mas a favor
da preservação dos ritmos do nosso
carnaval. Diz o insigne e inconfundível
mestre Capiba que a campanha
dos 4x1 não é movida pelo Jornal
do Commercio [o jornalista Moisés
Kerstman, que sugeriu a restrição de
4 músicas pernambucanas para uma
carioca, escrevia no JC]. É apenas uma
idéia lançada por um dos inúmeros
colaboradores. A campanha dos 80%
de música pernambucana encontrou
vários aliados. Não foi absolutamente
desamparada, pois conforme afirmam
os próprios Jornal do Commercio
e Diário da Noite, a ela aderiram
abertamente a Comissão Organizadora
do Carnaval, na pessoa de seu digno
presidente, os clubes Internacional,
Português, Náutico e outros... Insistindo
que de manifesta má vontade para
64 | JOSÉ TELES
as portas, interditaram os caminhos
que não tem mestre Capiba que entre,
mesmo gravado por as Ângelas Marias,
Os Nelsons Gonçalves. Não se iluda o
mestre Capiba. Teu cabelo não nega
e Evocação foram os dois únicos dois
por cento de frevo no carnaval dos
compositores cariocas. E quanto a
Vassourinhas, Pás, Lenhadores, etc., no
Rio de Janeiro, o insigne mestre Capiba
sabe perfeitamente que foi um esforço
maravilhoso de um pernambucano
chamado Vitorino Rio que impôs à
admiração do povo carioca o valor e
a beleza do carnaval pernambucano.
Vitorino criou os Lenhadores e daí
outros bons pernambucanos chegaram
com os demais clubes. O povo carioca
gostou e sua prefeitura também, mas
o grosso do carnaval carioca continua
sendo a escola de samba e o rancho,
na sua indiscutível e inimitável
grandiosidade...
Quem diz que eu sou contra, meu
professor Capiba, sou sim, e sempre serei
contra a escola de samba como elemento
figurante do carnaval pernambucano,
para o qual se dê ajuda financeira em
prejuízo da tradição, da originalidade do
clube, da troça, do maracatu, do bloco ou
do capital da capital do Frevo”.
66 | JOSÉ TELES
defesa dos valores tradicionais do carnaval recifense,
apoiados pelo prefeito Augusto Lucena.
Enquanto o samba ia de vento em popa, mais novatos
gritavam contra o que consideravam discriminação
às suas músicas, entre estes estavam Portela Filho,
Luís Carlos, José Milton e Roberto Barradas, que
apelavam para as diretorias de programação das
emissoras locais tocarem o que haviam gravado,
pelo selo independente Capibaribe, para o carnaval.
Frevos-canção com influência da então onipresente
Jovem Guarda: o disco intitulava-se Carnaval da
juventude, e as músicas no compacto duplo eram:
Com monoquíni, Tá pegando fogo, A costela de Adão e
É um estouro. Dois destes frevos-canção (Tá pegando
fogo e A costela de Adão) eram de autoria de Sebastião
Vila Nova, talentoso violonista, que participava do
momento bossanovista do Recife, no início dos
anos 60, e que mais tarde trocaria a música pela
sociologia, e pela cátedra universitária.
A produção local de discos aumentava, mas a
marchinha reinava soberana, a tal ponto que os
dirigentes do C.O.C. (Comissão Organizadora do
Carnaval), apelavam para as emissora de rádio
tocarem mais músicas de autores pernambucanos
“principalmente os principiantes”. Campanha que
recebeu apoio dos lojistas. Mas o selo Capibaribe
não tinha o mesmo poder de fogo da Mocambo,
e seus discos foram pouco tocados, e igualmente
pouco vendidos. Os compositores de músicas
carnavalescas também se insurgiam contra o C.O.C.
pelo baixo valor dos prêmios que eram concedidos
às músicas vencedoras do concurso anual de música
68 | JOSÉ TELES
das várias inundações periódicas que dilapidariam
seu patrimônio, esse fator foi fundamental para
a falência da empresa. A marcha-rancho Máscara
negra é emblemática, mas apesar de sua imensa
popularidade, ela coroava o fim de uma época, a
da música carnavalesca. Dali em diante poucas
marchinhas ou frevos-canção entrariam para os
clássicos do repertório do carnaval. Em 1967, por
exemplo, o frevo-canção mais executado, e cantado
pelo povo, em todo o Nordeste, foi Ô maré, de Rudy
Barbosa, gravada por Limoeiro. Feito em cima de
uma expressão da época “ô maré”, significava algo
bom. Esse frevo-canção baseado no circunstancial
caiu no esquecimento.
A MPB, sigla surgida com os festivais de música
popular, e o iê-iê-iê dominam o mercado musical
no país, criando um outro tipo de público, o de
universitários (MPB), e o de adolescentes e jovens
despolitizados (iê-iê-iê). O frevo afogava-se nessa
maré, conforme atesta uma notinha do jornalista
Leonardo Dantas Silva, pouco depois do carnaval de 67:
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utilizando Mário, na parte melódica,
especialmente de umas pitadas de
pilantragem, foi o intuito de fazer
com que o frevo readquirisse junto às
camadas mais jovens da população
aquele prestígio seriamente abalado de
uns tempos para cá, justamente porque
os chamados papas do nosso carnaval,
nos quais reconhecemos todos os
méritos e valores que sempre lhes são
outorgados e jamais desmentidos ou
discutidos, nunca se dispuseram a vestir
o frevo com roupagem mais ousada
com a época em que estavam vivendo.
Daí o desinteresse pelo frevo bitolado,
seguindo sempre sem qualquer
inovação, aquelas regras tradicionais
que estão causando o desgaste e a
morte do frevo pernambucano”.
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mesclando sucessos do passado, com as canções que
tocavam no rádio, independente do gênero.
A reserva de mercado pleiteada em outras décadas
não tinha mais defensores. A classe média havia
trocado o carnaval de rua pelos clubes sociais.
As agremiações viam-se obrigadas a desfilar na
passarela instituída pela Prefeitura, na recém-
inaugurada e polêmica avenida Dantas Barretos
(para que fosse aberta, derrubaram-se, no bairro de
São José, quarteirões de casas seculares, e a histórica
igreja dos Martírios). Os clubes sociais disputavam
a maior quantidade de foliões. E para isso valia
tudo, sobretudo contratar grandes nomes da MPB,
que faziam sucesso nacional, como o do sambista
Jair Rodrigues, Os Originais do Samba e orquestras
badaladas feito a do maestro Erlon Chaves. Para
conseguir encher os salões valia até trazer as
chacretes, as carnudas dançarinas do programa de
Chacrinha. O frevo agora se via obrigado a competir
com música de meio-de-ano, e em desvantagem,
já que as novas composições carnavalescas
pernambucanas tocavam muito pouco no rádio. Em
1971 as mais tocadas nos clubes, além dos clássicos
do passado, foram Jesus Cristo, de Roberto Carlos, e
Eu te amo, meu Brasil, de Dom e Ravel.
Em 1972, ano em que Chuva suor e cerveja foi o
maior sucesso do carnaval brasileiro, pela primeira
vez o maestro Nelson Ferreira não tocava com sua
orquestra no carnaval do Recife. Foi contratado
para animar o carnaval de Maceió. Capiba, com
quase 70 anos, ainda dominava muito bem o frevo-
74 | JOSÉ TELES
e seus compositores são pouco
divulgados até mesmo no seu próprio
estado... Isto tudo vai acabando com a
fama do maior carnaval do Nordeste, o
de Pernambuco, que logo foi substituído
pelo da Bahia, devido às grandes
promoções turísticas, ao bom nível dos
frevos, como os de Caetano Veloso, e
o animadíssimo carnaval de rua que lá
é promovido. Todos estes fatores estão
preocupando o governo do estado,
que contratou, recentemente, uma
empresa de propaganda da Guanabara
para estudar e elaborar novas formas
de reanimar o carnaval recifense”.
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“A polêmica em cima do frevo baiano
ou pernambucano foi criada não pelos
baianos, e sim pela decadência da
criatividade dos compositores tradi
cionais de frevo de Pernambuco, aliado
à Empresa Municipal de Turismo, à
Empetur e à Comissão Promotora do
Carnaval que não funcionam. E esta briga
é justamente para desviar a atenção
do público para os fatores principais
dessa decadência... O carnaval da Bahia
tem conotações culturais diferentes
das de Pernambuco. E lá existe um
departamento de turismo que funciona.
O de Pernambuco é uma negação”.
78 | JOSÉ TELES
o azul. Amarelo seria Oxum, queixavam-se. Em vão.
A música continua sendo cantada assim até hoje.
Porém, com algumas poucas exceções, os
compositores de frevo preferiam apostar na briga
Pernambuco/Bahia (mais dos pernambucanos). Em
Pedro Bó, por exemplo (Pedro Bó era um personagem
bastante popular do Programa Chico City, da TV
Globo, que só fazia perguntas óbvias), Nelson
Ferreira escreveu este refrão: “Lá vem seu Pedro Bó
com a pergunta cretina/O frevo nasceu mesmo em
Pernambuco/Não, Pedro Bó/Nasceu na Conchinchina”.
Outro compositor veterano batia na mesma tecla,
O frevo é pernambucano: “Ora, por favor/ora, não
agüento/o baiano dizendo/que o frevo nasceu lá em
Salvador (Meu senhor)”. Essas duas composições
tiveram boa execução no carnaval de 1974, mas
não o suficiente para continuar sendo cantadas nos
carnavais posteriores.
O disco mais importante de frevo nesse ano foi Frevo
ao vivo, lançado pela gravadora Marcus Pereira, que
incluiu no repertório o Limusine 99, com Frevinho
novo. Mas não tocou no rádio, assim como pouco
tocaram os discos da Rozenblit, que naquele ano
lançou um impecável álbum de frevos-de-bloco
dos irmãos Raul e Edgard Moraes. No entanto,
a gravadora da Estrada dos Remédios era uma
pálida sombra do que havia sido até os anos 60.
A indústria do disco no Brasil se modernizava. A
prática do jabá cada vez mais se intensificava. Com
a crise do petróleo em 1973, agravou-se ainda mais
a situação da gravadora, pelo alto preço que passou
a ser cobrado pelo vinil.
80 | JOSÉ TELES
Porém o carnaval estava irremediavelmente
dominado pela música de meio-de-ano. O repertório
carnavalesco das orquestras cada vez mais vai sendo
de marchinhas e frevos do passado, com o sucesso
do momento.
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canção, e teve Alceu Valença como o mais perfeito
tradutor de suas composições, em sucessos como
Roda e avisa (em parceria com Edson Rodrigues),
Diabo louro, entre outros. Em sua terra, o frevo, no
entanto, continuava cada vez mais no ostracismo.
De nada adiantaram esforços como os festivais,
Frevança, promovido pela Prefeitura do Recife, nos
primeiros anos, e depois pela TV Globo Nordeste,
os Recifrevoé, promovidos pela Prefeitura do Recife
com a TV Jornal.
Flagrante do
festival Frevança,
da Rede Globo
Nordeste
O Recifolia, no auge,
levava milhares de
foliões à avenida Boa
Viagem
84 | JOSÉ TELES
Valença. No período carnavalesco, as emissoras que
tocavam a música pernambucana insistiam nos
antigos discos da Rozenblit, principalmente Capiba
25 anos de frevo, um disco antológico, mas com
músicas que não diziam muita coisa aos jovens, a
maioria dos que vão às ruas brincar o carnaval.
A semana pré-carnavalesca em Boa Viagem trazia
os maiores grupos e cantores da axé-music, estilo
musical que mais tocava no rádio nos anos 80
junto com o rock e o sertanejo. A axé-music entrou
nos carnavais não apenas em Boa Viagem, mas em
Itamaracá e Olinda, onde o frevo predominava como
nos velhos tempos, tocados pelos clubes e troças
nas ladeiras da cidade. Os jovens, porém, preferiam
escutar axé no som dos automóveis ou em caixa
acústica colocadas nas janelas dos casarões do sítio
histórico.
O sucesso da axé varou pelos anos 90, a ponto de, em
1993, o vereador Fernando Gondim propor uma lei,
aprovada pela Câmara Municipal de Olinda, proibindo
a execução da axé-music no carnaval olindense. Nos
clubes as orquestras seriam obrigadas a tocar pelo
menos 60% de música pernambucana. Nem no auge
do poder da Federação Carnavalesca de Mr. Fisch se
chegara a tanto. Naturalmente, a aprovação dessa
lei suscitou polêmicas. Em entrevista à Vejinha,
(edição regional da revista Veja), Capiba posicionou-
se contrário à lei: “... É um verdadeiro muro de
Berlim. Não podemos cercear outros ritmos”.
A lei não pegaria. A axé-music continuou imperando
na avenida até o início do século. XXI. Mas foi aos
Recifenses protestam
contra a invasão da
axé music no carnaval
pernambucano.
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total extensão da avenida beira-mar em Boa Viagem,
a pressão dos moradores da orla fez com que ele
ficasse limitado a um pequeno trecho em direção ao
Pina. Os foliões também perderam o interesse já que
as estrelas da axé-music não brilhavam mais com
tanta intensidade. Houve uma tentativa de levar o
Recifolia, o nome do carnaval movido a dendê, para
a orla de Jaboatão, mas também não deu certo. A axé
desapareceu quase que por completo de Pernambuco
(embora em algumas cidades do interior tenham
continuado os carnavais fora de época, a exemplo
da Garanheta, em Garanhuns).
Em 1997, depois de recusar generosas propostas
para participar do desfile de trios de axé-music,
Chico Science concordou em participar do bloco “Na
Pancada do Ganzá”, criado por Antonio Nóbrega.
Duas correntes aparentemente antagônicas da
música pernambucana uniriam assim força contra
os “baihunos”. Chico Science que com o Nação
Zumbi, Mundo Livre S/A encarnava a modernidade na
música brasileira dos anos 90, e Nóbrega, o seguidor
do conservador movimento Armorial, idealizado
pelo escritor e teatrólogo Ariano Suassuna, averso
a anglicismos, só chamava Chico Science de “Chico
Ciência”. No entanto, a fatalidade fez com que às
vésperas do carnaval Chico Science falecesse em um
acidente, no complexo de Salgadinho, quando se dirigia
com o Fiat Uno da irmã para o carnaval de Olinda.
Aquela união que não chegou a acontecer, no
entanto, deu frutos. A orquestra que acompanharia
Antonio Nóbrega era regida por um jovem maestro
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espaço para improviso na Spok Frevo Orquestra, que
também se afastou da instrumentação convencional
das orquestras do gênero. Incluiu piano, guitarra e
baixo elétricos.
O frevo ganhou ares de música de rua e de câmera.
A orquestra de Spok começou a chamar atenção do
país inteiro. Participou do Tim Festival, na mesma
noite de uma lenda do jazz, o saxofonista Wayne
Shorter, e foi aplaudida de pé, por uma platéia que,
em sua maioria, desconhecia o autêntico frevo-de-
rua pernambucano. Em 2006, a Spok e sua orquestra
levaram pela primeira vez o frevo ao Oriente,
fazendo uma série de apresentações na China.
Mais ou menos pela mesma época, outro jovem
maestro, Francisco Amâncio da Silva, o maestro
Forró, mexia com as estruturas do frevo. Assim como
Spok, ele também saiu do Centro de Criatividade,
da Rua da Aurora. E também feito Spok não tem o
menor pejo de mexer com a tradição. Com alunos
que arrebanhou no bairro onde mora, Bomba do
Hemetério, na Zona Norte do Recife, o maestro
Forró montou uma orquestra que toca frevo, mas
mesclando com forró, coco, e até valsa.
Antonio Nóbrega foi quem primeiro começou a
divulgar o centenário do frevo, lançando em 2006
o CD, e show, 9 de frevereiro. Em nove de fevereiro
de 1907, o termo frevo foi observado pela primeira
vez na imprensa pernambucana, no extinto Jornal
Pequeno, numa nota sobre um ensaio do bloco
“Unidos do Feitosa”, conforme constatação do
pesquisador Evandro Rabelo. Com esse disco,
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