Derrotabilidade
Derrotabilidade
Thomas Bustamante*
1. Introdução
modificada, com algumas inserções sob a forma de notas de rodapé, que pretendem dar conta de problemas
que ainda não haviam sido suficientemente tratados na versão anterior. Devo agradecer a este revisor pelas
críticas construtivas e sugestões, que muito contribuíram para o texto que ora se publica.
1 ALEXY, 2007-a, p. 227.
2 BUSTAMANTE, 2005.
3 Basicamente, eu sustentava no trabalho anterior que a superabilidade era uma propriedade tanto dos
princípios quanto das regras jurídicas. Os princípios seriam normas cuja superabilidade é imanente, ao
passo que as regras seriam normas cuja superabilidade é reservada para casos excepcionais (BUSTAMANTE,
2005, p. 220). Esta tese apresenta semelhanças com o entendimento de Humberto ÁVILA (2010, p. 105),
para quem “as regras possuem um caráter ‘prima facie’ forte e superabilidade mais rígida”, ao passo que os
princípios tem um caráter ‘prima facie’ fraco e superabilidade mais flexível”. A principal razão pela qual me
afasto deste tipo de explicação do fenômeno da superabilidade é que penso que esta explicação não leva em
consideração o fato de os princípios serem normas cuja institucionalização é parcial (já que falta a determi-
nação dos comportamentos concretos que se seguem dessas normas) e, por conseguinte, não poderem ser
superadas porque elas não estabelecem nenhuma hipótese de incidência. Os princípios estabelecem apenas
uma obrigação de otimizar. Se a superabilidade for definida como a possibilidade de se inserir exceções
em uma norma jurídica, então deve-se necessariamente presumir que essa norma tenha a estrutura de uma
regra que permita a subsunção de certos fatos ou condutas em sua hipótese de incidência. A tese de que
a superabilidade é uma propriedade das regras, e não dos princípios, foi também defendida recentemente
por Carsten BÄCKER (2010). Para uma argumentação mais desenvolvida em favor desta tese, ver também
BUSTAMANTE (2010, pp. 222-229, especialmente nota 8).
colisão entre um princípio e esta regra. Para fundamentar essa tese e expli-
car as suas consequências práticas, inicio meu argumento com uma breve
explicação das relações entre princípios e regras jurídicas (seção 1), que
será sucedida por uma nota sobre o denominado “caráter prima facie” ou
a superabilidade das regras jurídicas (seção 2). Essa análise inicial tornará
possível, na terceira seção deste ensaio, elaborar um panorama sobre os ti-
pos de conflitos normativos que normalmente têm lugar quando se admite
a distinção alexyana entre regras e princípios (seções 3.1 a 3.3) e enunciar,
à guisa de conclusão, os traços característicos das decisões contra legem,
estabelecendo a estrutura desse tipo de decisão (seção 3.4).
5 Há, na literatura jurídica, múltiplos modelos puros de princípios e de regras. A recente discussão sobre
a superabilidade das normas jurídicas, na tradição ibérico-latinoamericana, parece presumir ou um modelo
puro de princípios, como o de de Alfonso GARCÍA FIGUEROA (2007; 2010), ou um modelo puro de
regras, como o de Juan Antonio GARCÍA AMADO (2008; 2010). O primeiro modelo não reconhece mais
uma distinção forte entre princípio e regras, mas sustenta que todas as normas jurídicas podem se com-
portar como princípios, submetendo-se à ponderação. O segundo modelo, por sua vez, acredita que todas
as normas têm a estrutura de regras jurídicas. A superabilidade, neste segundo modelo, se fundamentaria
não na ponderação, mas em normas excepcionais que vão sendo paulatinamente elaboradas pela jurispru-
dência com fundamento em certas convenções interpretativas aceitas pelos juristas. Há razões, porém, para
se rejeitar ambos os modelos. O primeiro modelo peca por não levar suficientemente a sério as decisões
do legislador democrático, pois não estabelece uma prioridade das ponderações realizadas pelo legislador
sobre aquelas realizadas pela jurisdição constitucional. O segundo modelo, por sua vez, ao rejeitar a exis-
tência de princípios jurídicos, é forçado a classificar várias normas da Constituição como programáticas e
despidas de qualquer tipo de vinculatividade. Ademais, como confia apenas em convenções para estabe-
lecer exceções às regras jurídicas, carece de um critério para a crítica a estas convenções. Para um desenvol-
vimento destas críticas aos modelos puros de regras e princípios, ver BUSTAMANTE, 2010, pp. 229-262.
6 Por uma questão de estilo, porém, utiliza-se aqui a expressão “normas adscritas”, apesar de não estar
equivocado se falar em “normas atribuídas”, como faz a boa tradução ao português do professor Virgílio
Afonso da Silva.
7 ALEXY, 2007-b, p. 53.
10 O requisito da universalidade das normas jurídicas não é, em absoluto, incompatível com a superabi-
lidade das regras. Quando se introduz uma exceção em uma norma jurídica, esta exceção deverá constituir
a hipótese de incidência de uma nova norma introduzida pelo julgador no caso concreto. Essa norma deverá
ser enunciada em termos universais e aplicada a todos os casos semelhantes, a menos que haja fortes razões
em sentido contrário. Como explica Neil MACCORMICK, mesmo nos casos em que o julgador decide por
equidade a decisão deve decorrer de uma norma universal. Apesar de corrigir o excesso de generalidade das
regras jurídicas, a equidade não afeta a característica da universalizabilidade dessas normas. Como salienta
MacCormick, referindo-se às lições de R. M. Hare, a palavra universal possui um sentido mais exato que
a palavra geral; quando utilizamos o termo geral, marcamos uma diferença de grau, não de lógica (MAC-
CORMICK, 1994, p. 78). Assim, “a proposição ‘toda discriminação entre pessoas está proibida’ é mais geral
que a proposição ‘toda discriminação entre pessoas fundada nas origens nacionais está proibida’; mas todas
as duas são universais em suas proposições” (Ibidem). Isso vale também para os juízos de equidade, pelo
simples fato de eles precisarem ser justificados. A exigência de justiça formal faz com que todas as decisões
judiciais devam ser justificadas a partir de uma regra universal (ou universalizável) (Idem, pp. 97-99). Ainda
quando o juiz estiver em posição de afastar a incidência de uma regra por excesso de generalidade, isso só
será possível se a regra excepcional criada para o caso for igualmente aplicável a todos os casos análogos. O
modelo que se pretende estabelecer para as decisões contra legem caminha, portanto, na direção contrária a
qualquer tipo de particularismo jurídico. Se uma exceção a uma determinada regra jurídica não puder ser
universalmente estabelecida, essa exceção não poderá ser justificada de forma correta.
11 PECZENIK, 2000, p. 78.
3. O caráter prima facie das regras jurídicas e o problema dos casos ex-
cepcionalmente difíceis
regras e princípios não implica que as regras sejam normas que podem ser
cumpridas no modo “tudo ou nada”, como havia sugerido Dworkin em seu
famoso ensaio de 196716. Segundo Alexy, nem todos os conflitos entre re-
gras são resolvidos com o reconhecimento da invalidade de uma delas, haja
vista que, em algumas situações, é possível estabelecer uma exceção a uma
dessas regras. Noutras palavras, nem todo embate entre regras jurídicas se
dá no nível abstrato da validade, sendo razoável se imaginar, também, con-
flitos concretos que têm lugar na sua aplicação prática.
É exatamente isso que Alexy tem em mente ao salientar que é incorreto
dizer que todos os princípios possuem “o mesmo caráter prima facie” e
todas as regras possuem “o mesmo caráter definitivo”, bem como que, por
conseguinte, as regras são aplicadas de uma maneira tipo “tudo ou nada”.
O modelo de Dworkin é demasiadamente simples, e por isso é necessário
construir um sistema mais diferenciado, que seja capaz de dar conta da su-
perabilidade das regras. O modelo mais diferenciado é necessário porque
é sempre possível introduzir na motivação de uma decisão jurídica uma
cláusula de exceção (em uma das regras). Quando isso acontece, então a
regra perde seu caráter definitivo para a decisão do caso concreto17.
Como se percebe, há uma mútua dependência entre princípios e regras
na teoria da argumentação jusfundamental de Alexy: de um lado, os prin-
cípios só adquirem eficácia se deles se puder derivar regras formuladas em
uma linguagem universal; de outro, as regras não podem ser aplicadas sem
atenção aos princípios que lhes fundamentam.
O efeito de irradiação dos princípios é o que constitui o fundamento
para o caráter prima facie das regras e para a sua superabilidade. Aplicam-
se nesse terreno técnicas como a redução de uma norma jurídica, que con-
siste na “eliminação de parte do núcleo linguisticamente incontroverso” de
uma norma jurídica18, ou seja, na introdução de uma “cláusula de exce-
ção” em uma norma estabelecida pelo legislador com fundamento em um
princípio. Estabelece-se, porém, uma carga de argumentação especial para
quem advogar a não-aplicação de uma regra a uma situação coberta por
sua hipótese de incidência, pois sempre haverá princípios formais (ou, como
poderíamos chamar, princípios institucionais) que laboram em favor da ma-
de de uma regra jurídica são sempre casos de decisões contra legem. São
casos trágicos no sentido de Manuel Atienza, pois só podem ser resolvidos
corretamente se excepcionarem o ordenamento jurídico. Nesses casos, es-
creve Atienza24, “não existe nenhuma resposta correta”, e eles “não podem
ser decididos senão ferindo o ordenamento jurídico”. Não é exagero, por
conseguinte, dizer que estes estão entre os casos mais difíceis que se pode
encontrar na argumentação jurídica.
Art. 187. A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a
participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalha-
dores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e
de transportes, levando em conta, especialmente:
I - os instrumentos creditícios e fiscais;
II - os preços compatíveis com os custos de produção e a garantia de comer-
cialização;
III - o incentivo à pesquisa e à tecnologia;
IV - a assistência técnica e extensão rural;
V - o seguro agrícola;
VI - o cooperativismo;
VII - a eletrificação rural e irrigação;
VIII - a habitação para o trabalhador rural.
decidir se está ou não correta uma decisão que estabelece o dever de pa-
gar uma indenização por uma ofensa à honra cometida no exercício da
liberdade de manifestação de pensamento, deve necessariamente ponderar
ambos os direitos fundamentais em rota de colisão para determinar a regra
de solução para o caso particular.
Como veremos a seguir, as regras não podem entrar em colisão com
outras regras, já que os conflitos entre essas espécies de normas são so-
lucionados ou com fundamento nos critérios clássicos da hierarquia, da
especialidade e da norma mais recente, ou por meio da introdução de uma
cláusula de exceção em uma das regras31. Essa circunstância não exclui,
porém, a possibilidade de uma regra jurídica entrar em colisão com um
princípio. Quando isso acontece é que se pode admitir, eventualmente, a
superação de uma regra jurídica.
31 Uma colisão entre regras só seria possível caso se admitisse também a possibilidade de uma “ponde-
ração de regras”, o que me parece uma contradição nos próprios termos. Como explica BOROWSKI (2010,
p. 21), “as regras jamais se deixam ponderar. Conflitos de regras sempre resultam na invalidação de uma
das regras ou na introdução de uma cláusula de exceção, seguindo uma ou outra das máximas lex posterior
derogat legi priori, lex specialis derogat legi generali, ou lex superior derogat legi inferiori”. Há parte relevante da
doutrina que admite, porém, a possibilidade de ponderação de normas do tipo regra. Humberto ÁVILA,
por exemplo, tenta demonstrar esta possibilidade por meio de exemplos retirados da jurisprudência dos
tribunais nacionais e estrangeiros. Assim, por exemplo, a regra que proíbe a concessão de liminar contra a
Fazenda Pública que esgote o objeto litigioso (art. 1º da Lei 9.494/1997) é geral o suficiente para proibir
também, em certos casos, o fornecimento de medicamentos às pessoas que deles necessitem para viver.
Essa regra, segundo o autor, pode entrar em confronto com a regra prevista no art. 1º da Lei Estadual
9.908/1993, do Rio Grande do Sul, a qual determina que o Estado forneça, de forma gratuita, medica-
mentos excepcionais para pessoas que não puderem prover as despesas decorrentes desses medicamentos.
Para Ávila, é perfeitamente possível uma colisão entre essas duas normas, como se pode ler no seguinte
excerto: “Embora essas regras instituam comportamentos contraditórios, uma determinando o que a outra
proíbe, elas ultrapassam o conflito abstrato mantendo a sua validade. Não é absolutamente necessário declarar
a nulidade de uma das regras, nem abrir uma exceção a uma delas” (ÁVILA 2010, p, 53 – sem destaque no
original). Ávila sustenta, no mesmo local, que o julgador deverá “atribuir um peso maior a uma das duas
regras” (Ibidem), o que implica solucionar o conflito do mesmo modo que se faria caso se estivesse tratando
de uma colisão de princípios. Parece-me claro, sem embargo, que esse exemplo não se refere a uma colisão
no sentido da teoria de Alexy, pois nem é necessário otimizar nenhuma das normas em questão e nem se
pode admitir a validade simultânea das duas normas para o mesmo caso. Para superar o conflito, uma das
duas normas há de ser modificada, e essa modificação há de ser válida para todos os casos futuros, tendo em
vista a exigência de universalidade na argumentação jurídica. Na realidade, o exemplo parece demonstrar
apenas que a norma individual a ser estabelecida pelo julgador – seja em um sentido ou em outro – deverá
estabelecer uma exceção em uma das duas regras conflitantes, restringindo a esfera de validade dessa norma,
o que apenas reforça as teses sustentadas neste trabalho. Somente se poderia falar de “colisão” ou de “pon-
deração” de regras jurídicas se as palavras “colisão” e “ponderação” fossem empregadas em um sentido
radicalmente diferente daquele utilizado por Alexy em sua Teoria dos Direitos Fundamentais (ver, sobre
este ponto específico BUSTAMANTE, 2005, pp. 221 e s, onde se diferencia a “ponderação de princípios”
de Alexy das “ponderações de razões” em Ávila; Para uma visão crítica da teoria dos princípios de Ávila, ver
também BUSTAMANTE 2002 e 2005, pp. 218-232).
32 Ainda sobre conflitos normativos no mesmo nível hierárquico, ver também infra, nota 35.
33 Em seus escritos mais recentes, Alexy desenvolveu seu modelo de ponderação e adicionou à versão
primitiva da lei de ponderação (segundo a qual o grau de interferência em um princípio deve estar com-
A hipótese 3, por sua vez, pode ser dividida em duas. No caso dos
conflitos aparentes de regras jurídicas, o problema deve ser solucionado
pela utilização dos critérios da especialidade ou, no caso de emendas cons-
titucionais ou leis posteriores, pelo critério cronológico. Por outro lado, no
caso de um conflito genuíno – que não possa ser solucionado pela aplica-
ção desses critérios –, o intérprete pode se valer dos princípios constitucio-
nais gerais para tentar encontrar uma solução conciliadora e se aproximar
de uma interpretação que elimine a antinomia.
A hipótese 4, finalmente, embora seja rara no nível constitucional,
costuma ocorrer com mais frequência no plano da legislação ordinária.
Valem, aqui, as mesmas diretrizes aplicáveis para solucionar os conflitos
entre regras jurídicas, embora seja mais difícil identificar um conflito em
sentido estrito entre princípios jurídicos do que um conflito entre regras
jurídicas. Um conflito em sentido estrito entre princípios jurídicos só tem
lugar quando é impossível estabelecer um equilíbrio reflexivo (RAWLS,
1971) entre as exigências estabelecidas por esses princípios, é dizer, quan-
do a incompatibilidade entre esses princípios seja tal que a coerência do
ordenamento jurídico se torne impossível enquanto ambos os princípios
forem considerados válidos. No campo do Direito do Trabalho, por exem-
plo, dificilmente de poderia admitir a compatibilidade entre o princípio da
proteção processual à parte mais fraca, adotado pela Consolidação das Leis
Trabalhistas, com um princípio de interpretação dos contratos de trabalho
que estabelecesse uma prioridade dos métodos lingüístico e gramatical na
interpretação das cláusulas contratuais. O primeiro princípio só se har-
moniza com um princípio de interpretação contratual que estabeleça uma
prioridade à intenção dos contratantes e à verdade real sobre a literalidade
das cláusulas contratuais.
pensado por ao menos o mesmo grau de fomento de outro princípio) dois outros fatores que devem entrar
no jogo da ponderação: o peso abstrato dos princípios em colisão e a confiabilidade das premissas empíricas
utilizadas na ponderação. Ademais, Alexy explica também que a ponderação pode tornar-se problemática
quando dois ou mais princípios interagem em uma única direção e se suportam mutuamente (ALEXY,
2002). Tive oportunidade de discutir dois desses problemas (o problema dos pesos abstratos e o problema
da interação unidirecional de princípios) em um trabalho anterior (BUSTAMANTE, 2008). Sem embargo, a
análise mais completa que conheço destes problemas se encontra em Bernal Pulido (2006).
34 Apesar de raramente, pode-se imaginar, por exemplo, a hipótese de um princípio infraconstitucional
ser violado em extensão grave ou gravíssima e o princípio constitucional ser apenas arranhado, de sorte
que a interferência em seu âmbito de aplicação seja considerada leve ou levíssima. Em um caso desta na-
tureza não é absurdo imaginar que um princípio infraconstitucional possa prevalecer sobre um princípio
de hierarquia superior.
35 É possível se imaginar, ainda, colisões (e não meramente conflitos em sentido estrito) entre princípios
e regras no mesmo nível hierárquico, quando ambas as normas se encontram previstas na mesma Consti-
tuição. A solução desse tipo de colisão deve favorecer, salvo em casos excepcionalíssimos, a regra jurídica
estabelecida na Constituição. Um caso de superabilidade de uma regra constitucional seria não apenas uma
decisão contra legem, mas uma decisão contra o teor literal da Constituição. É possível justificar juridica-
mente este tipo de decisão? Se o leitor estiver convencido das teses apresentadas neste artigo, esta questão
provavelmente constituirá um tema de interesse para futuras investigações. A minha impressão inicial é
de que a diferença entre a hipótese de colisões entre princípios e regras constitucionais, de um lado, e as
colisões entre princípios constitucionais e regras infraconstitucionais, de outro lado, reside no fato de que
pesa sobre as primeiras um ônus argumentativo ainda mais elevado. Não obstante, ainda que teoricamente
se admita a possibilidade de decisões contra uma regra constitucional com base em um princípio constitu-
cional, a impressão inicial é de que o ônus argumentativo que pesará sobre a pretensão de se decidir contra
uma regra da Constituição será tão elevado que, pelo menos por enquanto, dificilmente encontraremos um
exemplo deste tipo de situação na jurisprudência dos tribunais.
sões contra legem. Embora pese sobre este tipo de decisão uma pesada carga
de argumentação, os múltiplos exemplos citados na literatura jurídica e en-
contrados nas decisões judiciais prolatadas em casos difíceis demonstram
que elas fazem parte do universo de problemas jurídicos enfrentados pelo
jurista prático.
Uma vez admitida a tese do caso especial, bem como a tese de que a
pretensão de correção de uma norma jurídica abarca tanto a sua validez de
acordo com critérios jurídico-institucionais quanto a sua correção prático-
racional, é possível imaginar uma série de situações em que a aplicabilida-
de de uma norma pode ser afastada porque o grau de injustiça que adviria
da sua aplicação mecânica faria com que o componente substancial (prá-
tico-discursivo) da pretensão de correção do direito prevalecesse, no caso
concreto, sobre o componente formal (institucional em sentido estrito).
Se toda regra é o resultado de uma ponderação de princípios e por
consequência traz consigo um princípio que a fundamenta e constitui a
sua ratio ou razão de ser, então não é razoável aplicar essa regra quando se
puder concluir de forma segura que essa razão de ser não teria prioridade
no caso concreto se este tivesse sido previsto, tendo em vista certas particu-
laridades que não foram e não puderam ser antecipadamente conhecidas
pelo legislador. Uma decisão contra legem pode ser justificada quando se
puder estabelecer que embora uma regra R não seja inconstitucional, a sua
aplicação no caso concreto leva a uma inconstitucionalidade36.
Uma decisão contra legem pode ser definida como uma decisão que es-
tabelece uma exceção a uma norma jurídica N, na presença das seguintes
condições: (i) N é uma norma do tipo regra, e não um princípio jurídico;
(ii) N está expressa em uma lei ou outra fonte formal do direito com igual
nível hierárquico; (iii) os significados mínimos ou literais das expressões
utilizadas pelo legislador não permitem extrair do texto que serve de base
a N uma norma alternativa que não seja contrariada por tal decisão; (iv) a
decisão não reconhece a invalidade de N, mas apenas afasta a sua aplicação
a uma situação em que ela é aplicável; (v) não há dúvida de que os fatos
que deram origem à decisão podem ser subsumidos em N; (vi) a autorida-
de que adota essa decisão estabelece uma norma individual formulada em
termos universais; e (vii) a decisão levanta uma pretensão de juridicidade
para essa norma individual.
5. Referências bibliográficas
ALEXY, Robert. Law and Correctness. In: Current Legal Problems, Londres,
n. 51, 1998, pp. 205-221.
ALEXY, Robert. Epílogo a la Teoría de los derechos fundamentales. Tradução
de Carlos Bernal Pulido. Revista Española de Derecho Constitucional, Ma-
dri, n. 66, pp. 13-64, 2002.
ALEXY, Robert. Apêndice n. 6. In: Bustamante, T. Argumentação ‘contra
legem’ – a teoria do discurso e a justificação jurídica nos casos mais difíceis.
Rio de Janeiro: Renovar, 2005, pp. 323-324.
Recebido em julho/2010
Aprovado em outubro/2010