Jesu, Meine Freude

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UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA

FACULDADE DE TEOLOGIA

MESTRADO INTEGRADO EM TEOLOGIA (1.º grau canónico)

DANY GIL

“Olha com atenção para Nosso Senhor”

Cristologia nominal nas Memórias de Lúcia de Jesus

Trabalho Final sob orientação de:


Prof. Doutor Alexandre Coutinho Lopes de Brito Palma

Lisboa
2019
[PÁGINA EM BRANCO]
RESUMO

A presente dissertação procura elaborar uma resposta à pergunta: “Quem é o Jesus


das Memórias?”. Primeiramente, apresenta-se uma contextualização da catequese da
infância e da doutrina que terá influído no conhecimento de Jesus que os videntes terão
adquirido antes das Aparições. Seguidamente, a partir das Memórias de Lúcia abordam-se
as várias referências cristológicas, situando-as em relação com os acontecimentos fundantes
da Mensagem de Fátima, as angelofanias de 1916 e as mariofanias de 1917.
Posteriormente, estuda-se a relação entre os diversos nomes com os quais os videntes se
referiam à pessoa de Jesus desde antes das Aparições até ao momento da sua doença, e o
modo como estes contribuem para a caracterização da figura de Jesus nas Memórias de
Lúcia. Por fim, procura-se descobrir o significado teológico presente nos diversos nomes de
Jesus salientando as diversas dimensões teológicas relacionadas com a figura de Jesus nas
Memórias.
PALAVRAS-CHAVE: ‘Jesus’, ‘Coração de Jesus’, Fátima, Lúcia de Jesus, cristologia,
soteriologia, reparação.

ABSTRACT

The present dissertation seeks to elaborate an answer to the question: "Who is the
Jesus of Memories?". First, we’ll start with a contextualization of the catechesis of infancy
and of the doctrine that would have influenced the knowledge of Jesus that the seers
obtained before the apparitions. Then, from the Memories of Lucia, we approach the
various Christological references, situating them in relation to the founding events of the
Message of Fatima, the angelophany of 1916 and the mariophany of 1917. Subsequently,
we study the relation between the different names with which the seers referred to the
person of Jesus from before the apparitions until the moment of illness, and the way in
which they contribute to the characterization of the figure of Jesus in the Memories of
Lucia. Lastly, we sought to discover the theological meaning present in the various names
of Jesus emphasizing the various theological dimensions related to the figure of Jesus in the
Memories.
KEYWORDS: ‘Jesus’, ‘Jesus Heart, Fátima, Lúcia of Jesus, Christology, Soteriology,
Repair.

1
INTRODUÇÃO
Traçar um perfil de Jesus é uma tarefa que foi iniciada pelos quatros evangelistas
Marcos, Mateus, Lucas e João1. Os evangelhos mostram como a mensagem e a atividade de
Jesus geram uma discussão entre os Seus contemporâneos acerca da Sua identidade, que,
num crescendo até à multiplicação dos pães, desperta o entusiasmo daqueles que viam em
Jesus o Messias, profeta e rei, que haveria de liderar Israel na reconquista do seu território,
ocupado pelos romanos (Jo 6, 14-15)2. Na verdade, o próprio Jesus interroga os seus
discípulos, uma única vez, sobre o que pensam d’Ele os seus conterrâneos, bem como os
seus seguidores: «Quem dizem os homens que Eu sou?»; «E vós, quem dizeis que Eu sou?»
(Mc 8, 27.29), obtendo de Pedro a resposta afirmativa, não só em nome próprio, mas
também em nome dos Doze: «Tu és o Messias» (Mc 8, 29)3. A problemática acerca da
identidade de Jesus não era também alheia às autoridades judaicas, doutores da Lei e
sumos-sacerdotes, a quem a entrada messiânica em Jerusalém terá deixado desconcertados
e questionando-se se Jesus seria ou não o enviado de Deus4.

A cristologia, ao empreender a tarefa de conhecer a pessoa de Jesus também a partir


dos títulos cristológicos do Novo Testamento, compreende que a sua análise deve
considerar todos os títulos atribuídos pelos primeiros cristãos, de forma a abranger a
totalidade da pessoa e obra de Jesus. Com efeito, cada um deles visa um aspeto particular
da pessoa e do mistério de Cristo5.

A Igreja ao olhar para as revelações de Fátima ratifica a sua autenticidade como


revelação privada pela sua consonância com o Evangelho. O testemunho de vida dos
videntes confirma o conteúdo das manifestações angélicas e das mariofanias, pelo facto de
as suas vidas estarem firmemente ancoradas no próprio Cristo. Assim, a Mensagem de
Fátima constitui, para os nossos dias, um auxílio eficaz para a compreensão e vivência do

1
Cf. A. PUIG, Jesus. Uma biografia., Ed. Paulus, Lisboa 2006, pág. 15.
2
Cf. A. PUIG, Jesus. Uma biografia., pág.473.
3
Cf. A. PUIG, Jesus. Uma biografia., pág. 473-474.
4
Cf. A. PUIG, Jesus. Uma biografia., pág. 477.
5
Cf. O. CULLMANN, Cristologia do Novo Testamento, Ed. Custom, São Paulo 2002, pág. 23.

2
Evangelho através das diversas formas de piedade e devoção que servem de alimento à fé,
esperança e caridade, conduzindo todos os crentes para o caminho da salvação6.

Partindo da problemática cristológica, urge perguntar: quem é o Jesus que aparece


nas Memórias? Subjacente a esta questão, estarão ainda outras como as relativas à relação
com o contexto no qual este Jesus é revelado, o modo como é revelado, com que
expressividade e que contributos pode dar à restante teologia.

A presente dissertação, elaborada no contexto da conclusão do Mestrado Integrado


em Teologia, procura estudar nas Memórias a vasta tipologia de nomenclaturas e temáticas
que perpassam todas as áreas da teologia dogmática, sistemática e bíblica. Na verdade, ao
analisar este texto, verifica-se que esta é a fonte mais genuína para o estudo dos
acontecimentos de 1917, um testemunho direto da vivência dos videntes na qual encontram
um vasto conjunto de nomes atribuídos a Jesus, a partir dos quais se vai investigar e
conhecer o Jesus deste escrito de Lúcia.

A bibliografia versante sobre a cristologia na Mensagem de Fátima revela-se


bastante escassa, podendo-se salientar os contributos dos estudos de cariz especificamente
cristológico de Fernando Garrapucho7 e de Franco Manzi8. Ainda assim, pode-se considerar
que o estudo teológico acerca da Mensagem de Fátima evoluiu exponencialmente no século
XXI, com o aproximar da celebração do Centenário das Aparições de Fátima, tendo para
isso contribuído de um modo particular os diversos Congressos e itinerários evocativos das
Aparições angélicas e marianas de 2010 – 2017 promovidos pelo Santuário de Fátima, que
fomentaram de um modo particular o interesse pela investigação teológica. Com efeito, é
de salientar o estudo do teólogo espanhol Eloy Bueno de la Fuente9,cuja reflexão teológica
se entrecruza com o conteúdo da Mensagem de Fátima.

6
Cf. J. RATZINGER, Comentário Teológico, in Memórias da Irmã Lúcia I, 13ª edição, Ed.
Secretariado dos Pastorinhos, Fátima 2007, pág. 223.
7
Cf. F. R. GARRAPUCHO, «La centralidad cristológica en el mensaje de Fátima», in Congresso
Internacional: A Fenomenologia e Teologia das Aparições, Ed. Santuário de Fátima, Fátima 1998, pág. 333-
350.
8
Cf. F. MANZI, As Crianças-profetas de Fátima – O Olhar de Três Crianças sobre o Ressuscitado,
Ed. Santuário de Fátima, Fátima 2018.
9
Cf. E. BUENO DE LA FUENTE, A Mensagem de Fátima – A Misericórdia de Deus: o Triunfo do
Amor nos Dramas da História, Ed. Santuário de Fátima, Fátima 2013.

3
A primeira dificuldade deste trabalho foi a de procurar uma metodologia para o
abordar, dada a peculiariedade do seu estudo. Sem protótipos inspiradores, a grande
questão que se colocava era: “como levá-lo a cabo?”. Este problema encontrou a sua
resolução com o decorrer das seguintes tarefas: 1) a recolha de todas as referências
cristológicas presentes no texto das Memórias (citando as expressões do manuscrito de
Lúcia a partir da sua edição crítica)10; 2) a organização por tipologias de nomes (conforme
o anexo das referências); 3) a organização dos nomes segundo as diversas dimensões
teológicas com as quais estes se relacionam: doxológica, soteriológica, eucarística,
escatológica, cordial, bíblica. Deste modo, o trabalho das duas últimas etapas serviu de base
para a projeção dos segundo e terceiro capítulos. Assim sendo, o primeiro capítulo visa
contextualizar o Jesus das Memórias, procurando situá-lo na vida da Igreja no início do séc.
XX, nos tempos coevos aos acontecimentos de 1917. Nesta linha de pensamento,
apresenta-se o Jesus dos documentos do magistério pontifício de S. Pio X e outros
contributos doutrinais catequéticos que terão dado a conhecer a figura de Jesus aos
videntes, quer por via da catequese paroquial, quer pelado ensino na família. Num segundo
plano, estabelece-se um paralelo entre os textos doutrinais e as Memórias, salientando a
proximidade cristológica existente entre a perspetiva eclesial e o escrito de Lúcia.

No segundo capítulo pretende-se percorrer a diversas tipologias dos nomes de Jesus


presentes no texto das Memórias, situá-las no seu contexto narrativo, designadamente no
contexto das revelações celestes e de variados momentos da vida dos videntes. Deste modo
procura-se descobrir, a partir das referências cristológicas, o Cristo das Memórias e, de
certo modo, a Sua própria representação na Mensagem de Fátima.

No terceiro e último capítulo, apresenta-se uma síntese teológica em torno de cinco


dimensões de maior relevo cristológico. A partir da dimensão soteriológica, a mais
expressiva deste estudo, optou-se por algumas referências cristológicas (‘Senhor’, ‘Nosso
Senhor’ e ‘Jesus’) mais significativas a nível teológico, e cujos nomes permitem traçar um
esboço da figura de Cristo nas Memórias. Deste modo, a abordagem teológica dos nomes
cristológicos permite cruzar a divindade e a humanidade de Cristo subjacente neste escrito
de Lúcia.
10
Por este motivo as citações contêm erros ortográficos próprios da autora.

4
Como nota final à introdução do presente trabalho, resta apenas expor ao leitor dois
aspetos metodológicos. O primeiro, prende-se com os nomes de Jesus (‘Cristo’, ‘Nosso
Deus Salvador’ ‘Senhor Jesus ressuscitado’) não referenciados, por se considerarem
irrelevantes para este estudo e serem a forma corrente de se referir à segunda pessoa da
Santíssima Trindade, não tendo um significado cristológico relevante para este trabalho. O
segundo, tem a ver com as duas formas de citação das Memórias utilizadas em nota de
rodapé. A primeira forma de citação, segundo a edição crítica das Memórias encontra-se no
primeiro e terceiro capítulos: 1) o n.º da Memória; 2) o n.º da folha conforme o indicado na
margem do texto; 3) o n.º de página. A segunda forma de citação encontra-se no segundo
capítulo, onde se remete para o “Anexo” final, indicando apenas a numeração do parágrafo.

5
Capítulo I: Enquadramento da Doutrina e Devoções
Cristocêntricas das Memórias

Em ordem a compreender a base cristológica das Memórias, considerou-se relevante


tentar compreender qual o conhecimento cristológico dos videntes de modo a perceber
como este os influenciou através da catequese que tiveram antes das Aparições. Para tal,
procura-se neste capítulo tentar compor esse enquadramento cristológico a partir de uma
análise em dois registos. Em primeiro lugar, mediante o estudo de documentos marcantes
da espiritualidade e formação católica do tempo, nos quais interessará relevar os elementos
de índole cristológica; em segundo lugar, procurar-se-á caracterizar o modo como os
videntes se terão deparado com a experiência cristã na sua formação e como esta ajudou a
configurar o lugar de Jesus Cristo nas suas consciências e espiritualidade cristã.
O primeiro momento visa traçar o imaginário cristológico dos videntes através da
análise dos seguintes documentos doutrinais: o Catecismo da Doutrina Cristã de S. Pio X, a
Cartilha da Doutrina Cristã e a Missão Abreviada. A escolha destes textos assenta num
duplo motivo: o primeiro, por serem considerados os mais relevantes para a época; o
segundo, por estarem explicita ou implicitamente referidos nas Memórias11e na
Documentação Crítica de Fátima12.O estudo destes documentos tem por objetivo analisar a
doutrina ensinada na catequese da infância no começo do séc. XX que, decerto modo, terá
ajudado a definir a figura de Cristo patente nas Memórias. Apesar da novidade dos
documentos, eles são significativos para perceber as ressonâncias da terminologia em uso, à
época dos mesmos, no escrito de Lúcia.
Na segunda parte do capítulo, apresenta-se uma caracterização das devoções
cristocêntricas narradas nas Memórias, que marcaram a piedade popular na paróquia de

11
“Nas horas da sesta, minha mãe dava a seus filhos a sua lição de doutrina, principalmente quando
se aproximava a quaresma, porque – dizia – não quero ficar envergonhada, quando o Senhor Prior vos
perguntar a doutrina, na desobriga. Então todas aquelas crianças assistiam à nossa lição de catecismo; a
Jacinta lá estava também”. Cit. 1ª, fl. 6, pág. 119.
12
Cf. Documentação Crítica de Fátima - I – Interrogatórios aos videntes- 1917, Fátima, Santuário
de Fátima, 1992, doc. 11, notas 79 e 80 e ‘Quinta Memória’ p. 35 e 36.

6
Fátima.Com esta abordagem procura-se contextualizar as devoções referidas a Jesus Cristo
e relacionadas com a vivência dos videntes de Fátima.
Este capítulo estrutura-se, portanto, em duas partes, sendo a primeira dedicada à
Doutrina da Igreja e a sua incorporação na vida espiritual dos fiéis, e a segunda dedicada ao
modo como essa doutrina era vivida em Fátima. Note-se que, neste estudo, o foco incide
sobretudo na cristologia e, de um modo particular neste capítulo, nas devoções que
gravitam em torno da pessoa de Jesus. Em primeira instância, faz-se a análise doutrinal,
partindo do Catecismo da Doutrina Cristã de S. Pio X, dado o facto de este ser o
documento do Magistério Pontifício que transformou o ensino catequético em toda a Igreja
Católica, tendo sido particularmente marcante à época. Em seguida, trata-se a Cartilha da
Doutrina Cristã e, por fim, a Missão Abreviada. A apresentação dos textos enunciados
anteriormente segue a ordem crescente de menções nas fontes para os estudos relativos a
Fátima (Memórias e Documentação Crítica de Fátima), pressupondo serem a fonte
doutrinal mais próxima do ensino catequético que os videntes receberam. A segunda parte
do capítulo apresenta, em perspetiva histórica, uma abordagem da qual se pode depreender
como foi transmitida aos videntes a vida espiritual que estava já presente no seio familiar.

1.1. Os documentos doutrinais do início do séc. XX

Os três documentos representativos da doutrina e catequese católicas no início do


séc. XX são apresentados seguindo uma mesma estrutura. Inicia-se com um breve
enquadramento histórico e a pertinência do seu estudo; segue-se a apresentação da estrutura
do documento em análise, realçando alguns aspetos cristológicos de maior relevo
(temáticas ou nomenclaturas); por fim, procura-se relacionar os elementos cristológicos dos
escritos doutrinais com os presentes nas Memórias.

7
1.1.1. Catecismo da Doutrina Cristã

No início do séc. XX, o Papa Pio X publica um Catecismo da Doutrina Cristã,


documento que vem responder aos apelos do mesmo Pontífice na sua encíclica Acerbo
Nimis (1905) sobre o ensino da doutrina cristã. Trata-se de um compêndio do Catecismo
Maior de S. Pio X (1908), que teve como objetivo instruir as crianças na doutrina da Igreja.
Naquela época, a Igreja acreditava que vários males provinham da ignorância do povo
cristão relativamente à doutrina cristã. Este catecismo era ensinado às crianças ao longo de
três anos, depois de fazerem a primeira comunhão, como preparação para a comunhão
solene13.Este escrito do Magistério Pontifício reveste-se de grande importância para a
compreender a figura de Jesus que se apresentava nos catecismos que serviram para o
ensino da doutrina cristã aos videntes de Fátima e, de alguma forma, patente nas Memórias.

1.1.1.1 Síntese do Catecismo

O Catecismo da Doutrina Cristã de S. Pio X está estruturado em três partes


fundamentais: a primeira versa sobre as principais verdades da fé cristã – dedicada ao
Credo; a segunda, sobre os Mandamentos da Lei de Deus, os Mandamentos da Santa Madre
Igreja e as Virtudes Cristãs; por último, sobre os Sacramentos. Previamente a esta estrutura,
o catecismo inicia-se com dois apontamentos introdutórios à fé. O primeiro, apresenta as
primeiras orações e fórmulas eclesiais (nomeadamente o Credo, o Pai nosso, o Glória e a
Avé Maria, entre outras). Este mesmo item é, ainda, constituído por enunciados doutrinais,
tais como os Mandamentos da Lei de Deus, da Santa Igreja e outros elementos doutrinais,
com frases curtas para serem mais facilmente memorizadas. O segundo apontamento,
propõe as primeiras noções básicas da fé cristã sobre Deus, a Criação, os fins últimos do
homem, a Santíssima Trindade e Jesus Cristo, o Filho de Deus.
A primeira parte do catecismo tem por título “Credo ou Principais Verdades da Fé”
e contém a porção do documento na qual a questão cristológica é mais desenvolvida. Ao

13
Cf. «Carta de S. S. Pio X ao seu Vigário Geral», in PIO X (S.), Catecismo da Doutrina Cristã, de
S. Pio X, Trad. Manuel da Conceição Santos, Ed. “União Gráfica”, Lisboa 1938., págs.5-8.

8
todo, esta primeira parte subdivide-se em oito subcapítulos: 1) os Mistérios principais –
Sinal da Cruz; 2) a Unidade e Trindade de Deus; 3) a Criação do Mundo – Origem e queda
do homem; 4) a Incarnação, Paixão e Morte do Filho de Deus; 5) a Vinda de Jesus Cristo
no fim do mundo; 6) Igreja Católica – Comunhão dos Santos; 7) a Remissão dos pecados;
8) Ressurreição da carne – Vida eterna. Quanto às referências cristológicas, na primeira
metade do documento apenas são apresentadas duas. A primeira, que corresponde à
designação mais recorrente em todo o documento, é a de ‘Jesus Cristo’. A segunda, é a de
‘Filho de Deus’, que surge apenas no capítulo referente à Incarnação de Cristo.
A segunda parte do catecismo aborda as questões da moral cristã e encontra-se
estruturada em três subcapítulos: 1) os Mandamentos da Lei de Deus; 2) os Mandamentos
da Santa Igreja; 3) as Virtudes cristãs em geral. Neste ponto, os elementos cristológicos
encontram-se mencionados na introdução aos Mandamentos da Lei de Deus, usando a
única denominação ‘Jesus Cristo’. Os princípios éticos, presentes no documento, são
baseados na doutrina de Cristo pela qual é reconhecida a autoridade da Igreja. Assim, a
figura de Cristo expressa-se como fundamento da doutrina da Igreja em termos de
prescrições normativas sobre os sacramentos, as penitências, as virtudes teologais e
virtudes morais, também denominadas bem-aventuranças14.
Por fim, a terceira parte versa sobre os Sacramentos como meios da Graça. Esta
parte do documento subdivide-se em duas secções. A primeira secção organiza-se em oito
capítulos, sendo o primeiro dedicado aos sacramentos em geral e os restantes acerca de
cada um dos sete sacramentos. A segunda secção, é constituída por um capítulo sobre a
oração e, no final, orações de súplica a Deus, à Virgem Maria, à Sagrada Família e outras
diversas. Esta última parte do documento é composta por variados elementos cristológicos:
‘Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo’15; ‘Coração sacratíssimo
de Jesus’16; ‘Nosso Redentor Jesus Cristo, Filho de Deus’17. Estes nomes de Jesus surgem
nos capítulos sobre os sacramentos da Penitência e da Eucaristia, que remetem para
reflexões semelhantes às das Memórias. Por outro lado, estas referências cristológicas
encontram-se ligadas a temáticas de cariz eucarístico e da Paixão de Cristo, relacionadas

14
Cf. S. Pio X, Catecismo da Doutrina Cristã, nº 161-265, págs.48-71.
15
Cf. S. Pio X, Catecismo da Doutrina Cristã, nº 316, pág. 81.
16
Cf. S. Pio X, Catecismo da Doutrina Cristã, nº425, pág. 103.
17
Cf. S. Pio X, Catecismo da Doutrina Cristã, nº363, pág.90.

9
com as angelofanias e as mariofanias, dois dos acontecimentos mais significativos da
Mensagem de Fátima.
1.1.1.2. Elementos cristológicos: o Catecismo a as Memórias

Procurando relacionar os elementos cristológicos doutrinais existentes no


Catecismo da Doutrina Cristã de S. Pio X com as manifestações angélicas e marianas em
Fátima, verifica-se alguma proximidade nas suas temáticas e em algumas das diversas
referências cristológicas presentes.

No que concerne ao sacramento da Eucaristia, o Catecismo refere-se à presença real


do “Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo” 18. Esta designação
pode-se encontrar nas Memórias, na oração de adoração eucarística da terceira Aparição do
Anjo: “Santissima Trindade; Padre Filho Espírito Santo, ofreço-vos o preciosissimo Corpo
Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo, presente em todos os sacrarios da terra” 19. Esta
afirmação acerca da presença eucarística nos sacrários é, igualmente, referida no texto de S.
Pio X, com a explicitação da sua tríplice finalidade: a adoração dos fiéis, a comunhão e a
sua permanência nas igrejas20.

Relativamente ao sacramento da Penitência existem algumas aproximações, no


Catecismo da Doutrina Cristã, ao apelo da Virgem Maria: “é preciso que se emendem, que
peçam perdão dos seus pecados: e tomando um aspecto mais triste: Não ofendão mais a
Deus Nosso Senhor que já está muito ofendido”21. Esta exortação da Virgem Maria liga-se
diretamente ao significado de contrição apresentado pelo referido catecismo: “A dor
perfeita ou contrição é o desgosto dos pecados cometidos, porque são ofensas de Deus
nosso Pai, infinitamente bom e amável, e causa da Paixão e Morte do Nosso Redentor Jesus
Cristo, Filho de Deus”22.

Esta atitude pode ser verificada nas Memórias, mais concretamente no que se refere
a Jacinta quando, ao ver a Jesus crucificado e ao ouvir a história da Paixão, se compadece e

18
Cf. S. Pio X, Catecismo da Doutrina Cristã, 316, pág. 81.
19
Cit. 2ª, fl. 10v, pág. 153.
20
Cf. S. Pio X, Catecismo da Doutrina Cristã, nº334, pág.84.
21
Cf. 4ª, fl. 81, pág.235.
22
Cit. S. Pio X, Catecismo da Doutrina Cristã, nº363, pág.90.

10
se determina a não pecar para não O fazer sofrer23. Por outro lado, no que se refere à
definição de dor ou arrependimento dada no catecismo, ela tem também expressão em
Francisco: “Se calhar, é por causa destes pecados que eu fiz que Nosso Senhor está tão
triste! Mas eu, ainda que não morresse nunca mais os tornava a fazer. Agora estou
arrependido”24.

Portanto, a doutrina do início do séc. XX contém todas as expressões de cariz


penitencial de contrição, arrependimento e de propósito firme de não voltar a pecar patente
na vida e testemunho dos videntes. Este documento expõe as normas da Igreja sobre as
obras de penitência e de piedade como complemento da penitência sacramental 25, sendo
neste sentido espiritual que surgem os jejuns, as mortificações e as obras de misericórdia
espirituais e corporais26. Note-se que esta doutrina está amplamente retratada nas
Memórias, com assinalável relevância, nos apelos marianos ao sacrifício, concretamente,
em toda a ação reparadora operada pelos videntes.

Por fim, este Catecismo dedica ainda um capítulo à oração, que tem como
referência cristológica o ‘Coração de Jesus’, uma designação de suma importância para
salientara unidade existente entre a doutrina da Igreja e a Mensagem de Fátima. O
Catecismo refere, inclusivamente, que o ‘Coração de Jesus’ é o lugar donde brota a oração
do Pai Nosso27. Na verdade, o sentido da referência ao ‘Coração de Jesus’ une-se, deste
modo, ao da mensagem angélica da primeira Aparição: “Orai assim, os Corações de Jesus e
Maria estão atentos á vós das vossas suplicas”28. Deste modo, ao fazer a releitura da
revelação do Anjo aos videntes, entende-se a centralidade cristológica da oração, que se
verifica tanto no magistério da Igreja que instruiu os pastorinhos e as crianças do seu
tempo, como na mensagem angélica.

23
Cf. 1ª, fl. 9, pág.121.
24
Cit. 4ª, fl. 48, págs. 220-221.
25
Cit. S. Pio X, Catecismo da Doutrina Cristã, nº382, pág.93: “A satisfação ou penitência
sacramental é a obra boa imposta pelo confessor para castigo e correcção do pecador e em desconto da pena
temporal merecida pelo pecado”.
26
Cf. S. Pio X, Catecismo da Doutrina Cristã, nº364-385, págs.90-94.
27
Cf. S. Pio X, Catecismo da Doutrina Cristã, nº425, pág. 103.
28
Cf. 2ª, fl. 9v, pág. 152.

11
1.1.2. A Cartilha da Doutrina Cristã

Entre os séculos XVIII-XIX, a Igreja em Portugal viveu momentos de grande


adversidade pela rejeição da fé, ligada à ideologia da secularização e laicização da
sociedade, operada pelo Pombalismo, o Liberalismo e o Republicanismo29. Neste contexto,
a Cartilha surge como um livro de combate, procurando esclarecer e afirmar a doutrina
cristã, contra os princípios e os propósitos de destruição da crença e da vivência religiosa30.
Este livro foi composto em 1896, pelo Abade de Salamonde, António José de Mesquita
Pimentel, em Vieira do Minho e com o intuito de ensinar a doutrina e orações às crianças.
Esta obra aparece referenciada na 6.ª memória, na qual Lúcia relata que sua mãe ensinava a
doutrina da cartilha à família e aos jovens do lugar31. Assim sendo, este documento é uma
fonte doutrinal imprescindível para se identificarem alguns reflexos da figura cristológica e
da espiritualidade dos videntes, presentes no texto das Memórias.

1.1.2.1. Síntese da Cartilha

A Cartilha da Doutrina Cristã está organizada em quatro capítulos. O primeiro


capítulo trata as questões da Cristologia e da Teologia divido em quatro partes: 1) dedicada
à cristologia e ao Mistério de Cristo; 2) dedicada à Teologia, ao Mistério de Deus; 3)
dedicada ao Mistério da Santíssima Trindade; 4) dedicada ao Mistério de Maria Santíssima

29
Cf. A. J. M. PIMENTEL, Cartilha da Doutrina Cristã, Texto e Contexto da Cartilha, ed. Fac-
simile, Ed. Salamonde, Vieira do Minho 2005 pág. XX.
30
Cf. A. J. M. PIMENTEL, Cartilha da Doutrina Cristã, Texto e Contexto da Cartilha, pág. XX.
31
“Durante a Quaresma, depois da ceia, com toda a família, e por vezes com jovens que vinham para
nossa casa – e por serem de longe aí pernoitavam –, ela dava a todos a sua lição de catecismo, dizendo: "É
melhor agora irmos a ver se nos lembramos da doutrina, para não ficarmos envergonhados quando formos à
desobriga a cumprir o preceito pascal". E começava pelos Mandamentos da Lei de Deus. E prosseguia,
repetindo, a seguir aos Mandamentos da Lei de Deus, os da Santa Igreja, virtudes teologais, obras de
misericórdia, etc., tais como então vinham na cartilha e se ensinavam.” Cit. 6ª, fl.76, pág.286.

12
e dos Santos. No que diz respeito à cristologia, ela refere-se ao Mistério da divindade,
humanidade e ao entendimento da pessoa de Jesus no Mistério trinitário.
O segundo capítulo, também de caráter doutrinário, é intitulado “Catálogo das
orações”. Nele se inclui as orações da iniciação cristã (Credo, Pai nosso, Avé Maria, outras
orações marianas e de cariz penitencial), enunciação de princípios doutrinários (os artigos
de fé), os códigos de conduta cristã (os Mandamentos da Lei de Deus, os Mandamentos da
Santa Igreja, as obras de Misericórdia) e a enunciação e explicação do septenário
sacramental. O terceiro capítulo comporta uma explicação detalhada do conteúdo do
segundo, no que se refere aos códigos de conduta eclesial e com a respetiva fundamentação
doutrinária.
Por último, o quarto capítulo tem como título o “Modo de ajudar à Missa”.
Segundo a exortação do Abade de Salamonde, o mistério da celebração eucarística ocupa
um lugar central nesta cartilha: “A devoção das devoções é ouvir a missa; mas para ouvi-la
deve-se acompanhar o sacerdote, considerando na Paixão e morte de Jesus Cristo que é a
única consolação nos trabalhos desta vida”32. Esta inquietação do autor repercute-se na
Cartilha ao fazer dela um guia para a participação dos fiéis na missa, em que se identifica
cada gesto ritual da missa com cada passo da Paixão de Cristo, bem como com as
respetivas orações que acompanham cada momento da missa.
Ao analisar a Cartilha, verifica-se que os elementos cristológicos do primeiro
capítulo se encontram relacionados com os artigos de fé, nomeadamente, com os que se
referem imediatamente a Cristo e à Santíssima Trindade. O terceiro capítulo, porém, possui
elementos cristológicos nas explicações das orações, das quais se realçam aquelas relativas
à oração do Credo e do Pai Nosso. Ambas as explicações têm uma particular relevância por
fornecerem algumas definições de referências cristológicas que se podem reencontrar nas
Memórias de Lúcia. Com relação ao Pai-nosso, há apenas a expressão: ‘Deus Nosso
Senhor’. Acerca do Credo, referem-se os nomes: ‘Jesus Cristo’, ‘Nosso Senhor’ e ‘Senhor’.
Por último, no quarto capítulo a Cartilha da Doutrina Cristã tem um acervo de enunciados,
orações e devoções marcadamente cristológicos, designadamente, sobre os dotes do Corpo
glorioso, os Conselhos de Cristo, a oração diante de um crucifixo, os cânticos ao Menino

32
A. J. M. PIMENTEL, Cartilha da Doutrina Cristã, pág. 97.

13
Deus, a oração quando se vê uma imagem de Jesus, os versos à sagrada Paixão do Divino
Redentor, a Via-Sacra e a visitação dos Passos da sagrada Paixão.
Por fim, deve-se salientar que a Cartilha do Abade de Salamonde se centra nos
mistérios da incarnação, paixão, morte e ressurreição de Cristo. A estes mistérios estão
ligados um número significativo de exercícios de piedade e de devoções que refletem,
maioritariamente, na meditação dos mistérios da paixão de Cristo, tema retratado
intensamente na Mensagem de Fátima. Do mesmo modo, se destacam as referências
cristológicas ‘Deus Nosso Senhor’ e ‘Nosso Senhor’ presentes nas orações do Pai Nosso e
do Credo. Estas designações serão alvo de um estudo mais aprofundado, pela sua ligação
aos discursos da Virgem Maria na Aparição de outubro e por serem as expressões de
alcance cristológico com maior relevância nas Memórias.

1.1.2.2. Elementos cristológicos: a Cartilha e as Memórias

Convirá, ainda, notar como alguns elementos cristológicos da Cartilha ensinados


aos videntes poderão mostrar-se refletidos na espiritualidade dos videntes narrada nas
Memórias. Os elementos que se distinguem concentram-se em torno do nome ‘Nosso
Senhor’, bem comode algumas orações e devoções já anteriormente destacadas.
No que diz respeito à explicação acercado dogma da incarnação, liga-se a referência
‘Nosso Senhor’ à pessoa de Jesus: “Que Jesus Cristo, Nosso Senhor, nasceu do puríssimo
ventre da Virgem Maria”33. Esta referência da Cartilha, aqui propriamente cristológica,
esclarece o significado da mesma expressão nas Memórias. Apenas uma das referências se
refere explicitamente a Jesus no sacramento eucarístico, que Francisco visitava
frequentemente na igreja paroquial de Fátima, em vez de ir à escola. Aquando do seu
regresso a casa, Lúcia, falando com o seu primo, usa essa expressão: “pediste aquela graça
a Nosso Senhor”34.
Todavia, a Cartilha dá um significado cristológico à referência em estudo: “Que
quer dizer: Nosso Senhor? Que nos remiu com o seu precioso sangue, e nos há de vir a

33
Cit. A. J. M. PIMENTEL., Cartilha da Doutrina Cristã, pág.57.
34
Cit. 4ª, fl. 42, pág. 218.

14
julgar no dia do juízo”35. Este significado remete para dois conteúdos que perpassam todo o
escrito de Lúcia: a redenção, pela paixão e morte de Cristo; e, o juízo final, retratado no céu
e no inferno.
No que refere ao conceito de redenção, pode-se aferir o seu paralelismo com a
mesma referência cristológica da Cartilha, ‘Nosso Senhor’, no texto de Lúcia. Este ato
teológico-salvífico aparece relacionado com o apelo da Virgem Maria à conversão na
vivência espiritual dos videntes. Estes, por meio da oração e do sacrifício, dever-se-iam
unir ao amor de Cristo, em favor da conversão dos pecadores.
No que concerne ao modo como o juízo final é tratado na Cartilha, este encontra
abordagem semelhante nas Memórias. Nele o céu revela-se como promessa da Virgem
Maria anunciada aos videntes desde a Aparição de maio. Esta esperança do Céu está muito
presente em Francisco: “Eu vou para o Céu; mas lá vou pedir muito a Nosso Senhor e a
Nossa Senhora que vos levem também para lá depressa”36. Esta referência a ‘Nosso
Senhor’ liga-se ao lugar da presença de Jesus, a Quem, na sua doença, oferece as suas
dores37.
Quanto à visão do inferno – revelado na Aparição de julho – esta surge várias vezes
associada à referência ‘Nosso Senhor’ e ligada a Jacinta, que foi a vidente a quem mais
impressionou esta revelação. Pode-se ver uma afirmação da vidente que mostra o inferno
como o centro das suas preocupações: “E se a gente resar muito por os pecadores, Nosso
Senhor livra-os de lá? E com os sacrifícios também? Coitadinhos havemos de resar e fazer
muitos sacrifícios por êles”38. Estas interrogações mostram aquelas que foram as primeiras
intuições da vidente sobre o poder de Jesus Cristo em salvar as almas do inferno, através
das suas várias ações em reparação ao Deus ofendido.
Por fim, a Cartilha da Doutrina Cristã apresenta algumas orações e devoções da
paixão de Cristo: a oração diante de um crucifixo, a oração quando se vê uma imagem de
Jesus, os versos à sagrada paixão do Divino Redentor, a Via-Sacra e a visitação dos passos
da sagrada Paixão. Estas orações e devoções versam sobre a devoção ao Cristo sofredor e

35
Cit. A. J. M. PIMENTEL, Cartilha da Doutrina Cristã, pág.57.
36
Cit. 4ª, fl. 49, pág. 221.
37
“Sofro para consular a Nosso Senhor e depois d’aqui a pouco vou para o Céu”! Cit. 4ª, fl. 46, pág.
220.
38
Cit. 1ª, fl. 17, pág. 126.

15
contêm orações com afirmações de verdadeira contrição, como por exemplo, a oração para
se recitar diante de um crucifixo: “ó meu bom e dulcíssimo Jesus, … vos peço e rogo…que
imprimais no meu coração o firmíssimo propósito de não tornar mais a ofender-vos”39. Esta
devoção a Cristo crucificado está presente nas Memórias, de forma peculiar em Jacinta pelo
gesto de devoção ao crucifixo40e pela afirmação de contrição, uma vez que, como o seu
irmão Francisco, tinha o propósito de não pecar para não ofender a ‘Nosso Senhor’41.

1.1.3. A Missão abreviada

O livro Missão Abreviada, é uma obra de matiz doutrinal, elaborada pelo Pe.
Manuel José Gonçalves Couto, no ano de 186842. Este livro surge como reação às
perseguições levadas a cabo pelos regimes liberais ao catolicismo e à constatação de uma
sociedade incrédula e influenciada pelo protestantismo. Na nota introdutória aos leitores, o
autor recomenda expressamente a leitura deste livro por ter testemunhado um número
incontável de pecadores convertidos. O seu objetivo era difundir um espírito de oração,
levar os fiéis a participar nos sacramentos e a santificar os dias santos.
A análise da Missão Abreviada reveste-se de particular importância para este
estudo, por ser uma fonte doutrinal que Lúcia recebeu da sua mãe durante a infância43 e por
ser, concomitantemente, um texto com temáticas e referências da piedade popular que se
relacionam com as Memórias.

1.1.3.1 Síntese da Missão Abreviada

39
Cit. A. J. M. PIMENTEL, Cartilha da Doutrina Cristã, pág.135.
40
“Beijou e abraçou-o com tanta devoção, que nunca mais me esqueceu aquela / ação; depois olha
com atenção para Nosso Senhor e pregunta; porque está Nosso Senhor assim pregado n’uma cruz? Porque
morreu por nós. Conta-me como foi”? Cit. 1ª, fls. 7-8, pág. 120.
41
Cf. 1ª, fl. 9, pág. 121, 4ª, fl. 13, pág. 204.
42
Sobre a Missão Abreviada ver: Documentação Crítica de Fátima - I – Interrogatórios aos videntes-
1917 (DCF-I), Fátima, Santuário de Fátima, 1992, doc. 11, notas 79 e 80 e ‘Quinta Memória’ p. 35 e 36.
43
DCF- Seleção de Documentos, doc.11, Interrogatório do Dr. Formigão à Maria Rosa, questão nº7,
págs.64/65.

16
A Missão Abreviada é constituída por quatro partes. A primeira parte é introduzida
por uma advertência do autor para que em cada lugar haja um missionário, seja sacerdote
ou, na falta deste, um homem ou mulher de vida exemplar, para rezar, fazer exercícios de
piedade com o povo e preparar-se para a oração mental. É ainda composto por 25
meditações de várias matérias de cariz existencial, escatológico e, da 19.ª meditação à 25.ª,
de cariz cristológico, versando sobre o Santíssimo Sacramento, a Paixão de Cristo e a
Glória do Reino dos Céus.
A segunda parte do livro é constituída por 55 instruções retiradas dos Evangelhos,
pelo que são de cariz cristocêntrico. Estas sentenças são seguidas de exortações de índole
moral que, dirigindo-se ao pecador, denunciam o pecado, os vícios e as suas consequências
no juízo final, ou seja, a condenação do inferno. Estas instruções baseiam-se na figura
Cristo sofredor como remédio para a conversão do pecador, tratando de outras questões
espirituais: o combate espiritual, as virtudes morais, a oração, a confissão dos pecados, a
santificação dos dias santos e entre outras instruções, a denúncia do mau exemplo dos pais
de família.
A terceira parte divide-se em dois grupos de instruções. O primeiro é composto por
55 instruções ou reflexões extraídas da paixão de Cristo que realçam a importância de
sofrer e padecer com Cristo para alcançar a conversão; o segundo junta 44 instruções
denominadas de “assuntos de maior importância”, como por exemplo, a qualidade moral da
confissão, sobre os matrimónios mal celebrados, sobre costumes considerados imorais (o
luxo, os bailes e danças, os divertimentos do entrudo), sobre pecados graves como a
luxúria, a usura. Este ponto versa ainda sobre o amor de Deus, as virtudes morais, sobre a
Missa, o respeito dos filhos e termina com a devoção à Santíssima Virgem.
A quarta parte é constituída por histórias de vida de santos, orações de visita ao
Santíssimo Sacramento, visita à Virgem Maria, o modo de ouvir a Missa e um variado
conjunto de orações (orações para antes e depois da confissão, pela Igreja, pela extirpação
das heresias, pela paz, pelo Papa, a estação do Santíssimo Sacramento, entre outras).
Esta obra do Pe. Manuel Couto oferece um compêndio doutrinal de cariz
cristocêntrico, cuja figura de Cristo se identifica com o Jesus crucificado e sofredor, tal
como se reflete nas Memórias. Daí que seja importante analisar a proximidade temática da
conversão e da penitência destes dois textos.

17
1.1.3.2 Elementos cristológicos: a Missão Abreviada e as Memórias

A confrontação da Missão Abreviada com alguns trechos das Memórias,


relacionando a cristologia semântica entre os dois textos, pode começar pelas advertências
do pregador para a conversão dos pecadores. Pela sua preponderância em toda a obra,
torna-se indispensável fazer o estudo desta problemática. Esta é uma matéria transversal às
Memórias, aparecendo de modo explícito nomeadamente na exortação do Anjo aos
videntes na sua segunda Aparição, no apelo da Virgem Maria na Aparição de outubro, na
doença dos videntes Francisco e Jacinta e na afirmação da dupla possibilidade para o
destino último do homem, o céu e o inferno.
No que diz respeito às problemáticas da conversão e da penitência, elas surgem na
Missão Abreviada em duas meditações, cujos títulos são bem elucidativos sobre a
relevância da temática da conversão. A primeira meditação intitula-se: “Motivos para a
conversão do pecador”44. Esta meditação começa por tecer críticas à vida mundana do
homem e a sua indiferença a Deus, bem como, do alheamento à prática dominical contra as
quais o pregador exorta: “Cuidado pois, e vigiar; para sermos um sinal de predestinação ou
salvação, é necessário termos uma vida bem emendada, fervorosa e mortificada por Deus; é
este o caminho estreito que conduz à vida eterna”45. Esta exortação sintoniza-se como
convite à conversão feito pela Virgem Maria aos videntes, recomendando o mesmo
propósito de emenda e penitência para não ofender mais a Deus e alcançarem as graças
pedidas pelos doentes e pelos pecadores na Cova da Iria46.
A segunda meditação denomina-se: “Sem penitência não se salvam os pecadores”47.
Esta reflexão apela à necessidade do oferecimento voluntário dos sofrimentos para a

44
Cit. M. J. G. COUTO, Missão Abreviada, pág.714.
45
Cit. M. J. G. COUTO, Missão Abreviada, pág.165.
46
“É preciso que se emendem, que peçam perdão dos seus pecados: e tomando um aspecto mais
triste: Não ofendão mais a Deus Nosso Senhor que já está muito ofendido”. Cit. 4ª, fl. 81, pág.235.
47
Cit. M. J. G. COUTO, Missão Abreviada, pág.715.

18
salvação das almas: “é necessário sofrer e padecer de boa vontade, e até com gosto, outras
penitências que Deus manda, como são trabalhos e incómodos, dôres e enfermidades e tudo
aquilo que mortifica o nosso corpo, para assim purificarmos a nossa alma”48.
Por conseguinte, como a expõe a afirmação da Missão Abreviada, verifica-se, na
Mensagem de Fátima, a mesma menção da oblatividade sacrificial. Na segunda Aparição
do Anjo, é explícita a prática de sacrifícios oferecidos em reparação pela conversão dos
pecadores e a aceitação dos sofrimentos enviados por Deus49. Lúcia, na interpretação que
faz do discurso angélico, fornece uma definição mais alargada de sacrifício: “Estas palavras
do Anjo, gravaram-se em nosso espirito, como uma luz que nos fazia compriender quem
era Deus, como nos amava e queria ser amado, o valor do sacríficio e como êle Lhe era
agradavel, como por atenção a êle convertia os pecadores”50. Assim, a noção de sacrifício
entende-se como uma resposta do homem ao amor a Deus. O reflexo do amor divino no
homem é a conversão dos pecadores à santidade de vida, pelo que o sacrifício é o meio para
alcançar esta santidade de vida.
Outra meditação no âmbito da conversão tem o título: “Sobre o zelo de salvar as
almas”51. Nesta reflexão o pregador concentra-se na figura dos zeladores das almas: “Não
há no mundo ocupação de maior merecimento, nem mais agradável a Deus, do que a
converter almas para o mesmo Deus. Mais se merece em converter uma só alma para Deus,
do que a dar esmola aos pobres do mundo inteiro, se fora possível”52. Esta nobre missão
aparece nas Memórias retratando o desiderato dos videntes Francisco e Jacinta Marto em
sofrer pela conversão dos pecadores. Uma das expressões de Jacinta durante a sua doença
reflete o seu zelo pelas almas: “gosto tanto de sufrer por seu amor! para dar-lhes gosto! Êles
gostam muito de quem sofre para converter os pecadores”53. Esta afirmação da vidente
espelha o entendimento doutrinário da Missão Abreviada, quer na consciência dos seus atos
pela conversão das almas, quer na satisfação dada a Deus pelos mesmos. Estes mesmos

48
Cit. M. J. G. COUTO, Missão Abreviada, págs.208/209.
49
“De tudo que poderdes, ofrecei um sacrificio em acto de reparação pelos pecados com que Êle é
ofendido e de suplica pela conversão dos pecadores…Sôbretudo aceitai e suportai com submissão o
sufrimento que o Senhor vos enviar”. Cit. 4ª, fl.61, pág.227.
50
Cit. 4ª, fl.61, pág.227.
51
Cit. M. J. G. COUTO, Missão Abreviada, pág. 715.
52
Cit. M. J. G. COUTO, Missão Abreviada, pág.272.
53
Cit. 1ª, fl. 35, pág. 137.

19
sentimentos podem-se divisar também no seu irmão Francisco, sendo que, no entanto, a
prioridade deste encontra-se em ser agradável a Deus para O consolar e, posteriormente,
oferecer sacrifícios pela conversão dos pecadores54. Estes zeladores de almas viveram em
sintonia plena com a doutrina deste livro, tanto na doença como nos sacrifícios voluntários
sofridos em resposta aos apelos celestes do Anjo e da Mãe de Deus.
Outro dado significativo da Missão Abreviada é o fim último do homem, pois o
livro aborda os dois destinos possíveis a cada um (o do pecador e o dos justos, o inferno e o
céu respetivamente). Com efeito, nas Memórias pode-se verificar a contemplação do Céu,
peculiarmente comentada por Francisco, bem como o horror de Jacinta ao inferno e o seu
grande desassossego pelos condenados.
No que diz respeito à instrução sobre o céu, o pregador faz uma reflexão sobre a
felicidade dos santos: “Lá nos Céus qualquer bem-aventurado verá face a face a formusura
do seu Deus! Será transformado em Deus, será uma mesma coisa com Deus; e entrará desta
sorte no gozo eterno”55. A afirmação do abade remete para o encantamento de Francisco
depois da Aparição de outubro quando, segundo as Memórias, mostra a alegria da visão da
Luz de Deus e da participação da mesma Luz. Veja-se que a esperança do santo é a mesma
apresentada pelo pregador: o gozo da contemplação eterna56. Porém, o autor não deixa de
fazer a devida advertência a quem não se esforça por trilhar os caminhos da virtude e
persevera no erro, uma vez que, neste caminho, dá passos para a condenação ao inferno.
No que se refere ao inferno, a Missão Abreviada apresenta-o do seguinte modo:

“Considera, pecador, que o inferno é um lugar no centro da terra; é uma caverna


profundíssima cheia de escuridão, de tristeza e de horror; é uma caverna cheia de lavaredas de fogo
e de nuvens de espesso fumo. Lá são atormentados os pecadores na companhia dos demónios; lá
estão bramindo como cães danados, proferindo terríveis blasfémias contra Deus. Lá são

54
“primeiro ofreço para consular a Nosso Senhor, a Nossa Senhora, e depois então é que ofreço por
os pecadores” Cit. 4ª, fls. 34/35, pág. 215.
55
Cit. M. J. G. COUTO, Missão Abreviada, pág.213.
56
“Gostei muito de vêr Nosso Senhor: mas gostei mais de o vêrn’aquela luz onde nós estávamos
também: Daqui a pouco já Nosso Senhor me leva lá pró pé d’Ele e entam veijo sempre”. Cit. 4ª, fl. 22, pág.
208.

20
atormentados os pecadores com a pena de dano, por terem perdido tantos e tão grandes bens, que
puderam alcançar”57.

Pode-se notar, em primeiro lugar, uma grande proximidade narrativa com a


descrição da visão de Lúcia. Em ambos os casos, apresenta-se como lugar onde são
atormentados os pecadores. Na verdade, a visão do inferno impressionou de forma singular
Jacinta, sendo a sua maior preocupação os pecadores: “E aquela gente que lá está á arder,
não morre? E não se fáz em cinza? E se a gente resar muito por os pecadores, Nosso Senhor
livra-os de lá?”58 Esta inquietação de Jacinta pelos pecadores, tal como a sua entrega
incondicional de sacrifícios pela salvação das almas, são características centrais da vidente,
que se identificam, com problemática do fim último do homem apresentado na Missão
Abreviada. Pode-se, então, depreender que, a partir da catequese baseada neste documento,
os videntes já estariam a ser sensibilizados para o conteúdo das revelações que iriam
receber.

1.1.4. O surgimento de devoções eclesiais cristocêntricas

No séc. XIX e no início do séc. XX, deu-se uma transformação sociopolítica e


religiosa que se manifestou também num movimento de descristianização da vida social.
Este movimento deu expressão ao processo de secularização operado pelos regimes
políticos. Tal processo dá-se em época coeva aos acontecimentos de Fátima e ele levou a
Igreja a reagir através de uma série de iniciativas que contribuíram para a renovação
espiritual e pastoral das formas de expressão religiosa. Entre as várias iniciativas inserem-
se as expressões devocionais de caráter cristocêntrico, tais como, a devoção ao Sagrado
Coração de Jesus e o culto eucarístico, nas suas variadas manifestações cultuais59.

A devoção ao Sagrado Coração de Jesus tem a sua origem na época medieval. No


séc. XVII foi animada pelas revelações a Margarida Maria Alacoque e, no séc. XIX, foi

57
Cit. M. J. G. COUTO, Missão Abreviada, pág.78.
58
Cit. 1ª, fl. 17, pág. 126.
59
Cf. A. ABREU, «Contextualização da Mundividência subjacente aos Acontecimentos de Fátima»,
in Francisco Marto: Crescer para o Dom, Ed. Santuário de Fátima, Fátima2010, págs.76-78.

21
dinamizada por padres jesuítas e pelo Apostolado da Oração. Esta devoção suscitou outras,
tais como a do Crucificado e a do Preciosíssimo Sangue de Cristo, esta última de cariz
eucarístico, também denominada a devoção a Jesus Sacramentado60.

No séc. XIX e no alvor do séc. XX, a devoção ao Coração de Jesus foi aquela que
mais se divulgou, por certo também pelo apoio do papado. Em 1856, Pio IX, estendeu a
festa do Sagrado Coração de Jesus a toda a Igreja. Em 1870, foi aprovada a ereção do
Apostolado da Oração. À beira do séc. XX, Leão XIII, na encíclica Annum Sacrum (1899),
explica a necessidade e a beleza desta devoção, a fim de, no ano seguinte, consagrar o
mundo ao Sagrado Coração de Jesus. O magistério deste pontífice procurou explicitar o
sentido da consagração como imagem da caridade infinita de Cristo e vinculá-la às
dificuldades da Igreja na relação com a sociedade e os Estados, que se mostravam cada vez
mais secularizados61.

A par da grande devoção ao Sagrado Coração de Jesus, está a devoção do culto


eucarístico. Esta piedade evoluiu consideravelmente em várias formas de expressão,
nomeadamente as adorações ao Santíssimo Sacramento e as procissões eucarísticas. Esta
aproximação, entre o culto ao Coração de Jesus e o culto eucarístico, motivou estas
devoções a revestirem-se de cariz penitencial e reparador, pelos males causados à
sociedade. Assim, numa época, onde se afirmava a autossuficiência humana, a eucaristia
entendia-se como remédio para a debilidade humana, realçando a dependência humana de
Cristo e da Igreja. Por isso, o sacramento eucarístico adquire um significado
proeminentemente reparador das ofensas infligidas a Cristo numa sociedade cada vez mais
secularizada62.

No dealbar do séc. XX, S. Pio X estimulou a prática sacramental, o que deu um


renovado impulso à piedade eucarística. Esses estímulos concretizaram-se na proposta da
comunhão frequente (através do decreto Sacra Tridentina Synodus de 1905) e na comunhão

60
Cf. Cf. A. ABREU, «Contextualização da Mundividência subjacente aos Acontecimentos de
Fátima», in Francisco Marto: Crescer para o Dom, pág.78.
61
Cf. Cf. A. ABREU, «Contextualização da Mundividência subjacente aos Acontecimentos de
Fátima», in Francisco Marto: Crescer para o Dom, pág.79.
62
Cf. Cf. A. ABREU, «Contextualização da Mundividência subjacente aos Acontecimentos de
Fátima», in Francisco Marto: Crescer para o Dom, págs. 82-83.

22
a partir dos 7 anos de idade (pelo decreto Quam Singulari de 1910). Desta forma, a Igreja
assumia a Eucaristia como alimento espiritual habitual, superando a mera obrigação do
cumprimento da comunhão anual pela Páscoa. Ao culto eucarístico surge também
associado o repouso dominical para o cumprimento dos deveres religiosos. No caso
português, na segunda metade do século XIX, esta matéria foi alvo de sempre difíceis
debates entre a Igreja e Estado. Por isso, somente em 1907 foi publicado um decreto
parlamentar sobre o dever do descanso semanal ao domingo63.

Em conclusão, a devoção ao Sagrado Coração de Jesus e o culto eucarístico


contribuíram para a renovação espiritual na Igreja, favorecendo a restauração católica e
trazendo consigo uma renovação espiritual alicerçada na oração, conversão e reparação.
Estas mesmas devoções conheceram um novo impulso pela Mensagem de Fátima,
preconizadas tanto pelas suas angelofanias como pelas mariofanias.

1.2. As devoções cristocêntricas de Fátima

Ao estudar as formas de expressão devocional cristocêntrica características da época


dos videntes, importa contextualizá-las na conjuntura da recomposição do catolicismo
português e, de modo particular, da sua vivência na paróquia de Fátima. De seguida, é
apresentado o modo como se assumia avida devocional e cultual na paróquia de Fátima, as
expressões de vivência cristã no âmbito familiar na aldeia de Aljustrel ea leitura de alguns
elementos devocionais nas Memórias.

1.2.1. A vida espiritual e eclesial na paróquia de Fátima

Na paróquia de Fátima, a piedade popular de cariz cristológico conhece grande


impulso por ocasião da visita pastoral do Patriarca de Lisboa, em maio de 1902. Nesta
ocasião, D. José Sebastião de Almeida Neto estabeleceu, como devoções paroquiais, o
Culto do Sagrado Coração de Jesus e do Imaculado Coração de Maria e o culto eucarístico,

63
Cf. Cf. A. ABREU, «Contextualização da Mundividência subjacente aos Acontecimentos de
Fátima», in Francisco Marto: Crescer para o Dom, págs.85-89.

23
nomeadamente a prática da comunhão solene das crianças associada ao implemento da
catequese64.

Nesta época, a solenidade do Coração de Jesus era celebrada na paróquia de Fátima


no primeiro domingo de setembro, precedida de um tríduo preparatório. Alguns anos
depois, esta festa seria transferida para o primeiro domingo de agosto, juntamente com a
festa do Santíssimo Sacramento, organizada pela confraria do Santíssimo Sacramento65.
Estas festas ganharam de tal modo importância que eram chamadas “as Festas
Grandes”66.A junção destas solenidades reflete a experiência do século anterior, no qual se
uniu o significado espiritual da devoção do Sagrado Coração de Jesus ao culto eucarístico.
A vivência cristã do povo de Fátima valorizava a prática dominical, na qual a comunhão
pressupunha a confissão e a sociedade organizava-se como Igreja, segundo a imagem do
Corpo de Cristo. No panorama eclesial havia também o Apostolado da Oração, que
mobilizava a sociedade em torno da oração, a qual se viria a revelar significativa para a
Igreja na Primeira República67.

Por esta altura, os lares de Aljustrel eram o que hoje se considerariam igrejas
domésticas. Neles, as famílias viviam uma vida orante, em que a fé era passada em casa
através das gerações. A prática religiosa era comum nas famílias dos videntes, os quais, nas
suas práticas quotidianas, eram iniciados na prática da oração pela mãe ou, supletivamente,
pelas irmãs mais velhas. Os pais davam a bênção aos filhos antes de saírem de casa e à
noite ao deitar; depois da ceia à volta da lareira o pai ou a mãe presidiam às Santíssimas
Graças68, às quais se seguiam as invocações dos santos, precedidas da invocação do
Santíssimo Sacramento.

Neste contexto de vivência cristã no seio familiar em Aljustrel, pode-se mencionar a


existência de alguns elementos de devoção cristológica comuns a todas as casas. As casas

64
Cf. J. M. D. POÇAS DAS NEVES, A Fátima dos Inícios do Século XX, pág.257.
65
Cf. J. R. ABRANTES, Aljustrel. Uma Aldeia de Fátima, O passado e o presente, Ed. Santuário de
Fátima, Fátima1993, pág.337.
66
Cit. J. R. ABRANTES, Aljustrel. Uma Aldeia de Fátima, O passado e o presente, pág.337.
67
Cf. J. R. ABRANTES, Aljustrel. Uma Aldeia de Fátima, O passado e o presente, pág.337.
68
“Muitas Graças e louvores/ Vos sejam dadas, ó meu Deus/ Pelos muitos bens, mercês e esmolas/
Que nos fizeste e tens para fazer” J. R. ABRANTES, Aljustrel. Uma Aldeia de Fátima, O passado e o
presente, pág.358.

24
tinham uma sala que servia de oratório, a chamada a casa-de-fora. Nesta sala havia um
crucifixo fixado na parede e uma mesa onde se tinham algumas imagens de santos, entre as
quais uma imagem do Coração de Jesus. A educação cristã dos filhos era dada pela mãe,
que lhes ensinava orações, narrava histórias bíblicas e contava os sofrimentos que Jesus
teve na sua Paixão69. Este tipo de ensino catequético sobre a Sagrada Escritura e a narração
da Paixão foi também recebida por Lúcia e seus primos70. Assim, a devoção a Jesus
crucificado e o sentimento de contrição na sua relação com Ele eram parte da educação
cristã recebida pelas crianças da paróquia de Fátima.

A nível paroquial, a educação católica estava sob a responsabilidade do pároco. Este


apresentava a doutrina, em cada homilia, na catequese, nos cerimoniais e nos rituais, em
vista da construção de condutas sociais e padrões de sociabilidade. O tempo estava ligado
ao ano litúrgico, o qual marcava o ciclo da vida individual dos membros da comunidade
cristã, evocando a vida de Cristo e as manifestações da sua divindade. Desta forma, o ciclo
do batismo, da primeira comunhão, do crisma e do casamento ligavam-se ao calendário
litúrgico, construindo uma espécie de ciclo da construção de uma memória do ser em
sociedade71.

1.2.2. Elementos das devoções cristocêntricas nas Memórias

A partir das Memórias, é possível relacionar a vivência da vida da época em Fátima


com a grande devoção dos videntes ao Coração de Jesus e ao culto eucarístico. A primeira
expressão devocional das Memórias liga-se à terceira Aparição do Anjo. Nesta angelofania,
revela-se a devoção ao Coração de Jesus e ao culto eucarístico, que apresentam
configuração de unidade e expressão cultual semelhante. Assim, as devoções eucarísticas,
tal como a devoção ao Coração de Jesus, identificam-se com o sentido reparador e

69
Cf. J. R. ABRANTES, Aljustrel. Uma Aldeia de Fátima, O passado e o presente, págs.360-362.
70
“Minha Mãe questumava ao serão contar contos… vinha minha Mãe, com a história da Paixão…
Eu conhecia pois a Paixão de Nosso Senhor como uma história, e como me bastava ouvir as histórias uma
vez, para as repetir com todos os seus detalhes; comecei a contar aos meus companheiros,
promenorizadamente a história de Nosso Senhor, como eu Ihe chamava”. Cit. 1ª, fl. 8, pág. 120.
71
Cf. J. M. D. POÇAS DAS NEVES, Memórias de BOLEIROS – Uma aldeia de Fátima, e Ed.
Boleiros 400 anos – Associação Cultural, Fátima 2007, pág.47.

25
penitencial vivido pela Igreja72. A este propósito deve-se sublinhara unidade espiritual das
duas devoções, dada na parte final do discurso do Anjo nessa mesma Aparição: “Tomai e
bebei o Corpo e Sangue de Jesus Cristo, orrivelmente ultrajado pelos homens ingratos;
reparai os seus crimes e conçulai o vosso Deus”73. Esta expressão denota que o sentido da
comunhão eucarística é, concomitantemente, reparador das ofensas a Deus e em prol da
conversão dos pecadores.

Há outras referências, feitas por Lúcia a esta devoção popular em Fátima. Tal
sucede, nomeadamente, quando ela indica a festa do Coração de Jesus como uma das festas
principais da freguesia, ou quando descreve a atitude devocional de Jacinta, durante a sua
doença, ao beijar a estampa do Coração de Jesus oferecida por Lúcia, ou ainda quando
recorda a sua irmã como zeladora do altar do Coração de Jesus74.No que diz respeito aos
elementos devocionais do culto eucarístico nas Memórias, para além daquela relativa à
Aparição do Anjo, eles apresentam três tipos cultuais: a festa do Corpo de Deus e a
procissão eucarística, a comunhão e a adoração75. Destas devoções, nas Memórias, surge
com maior destaque o amor dos videntes à comunhão eucarística e o trato de familiaridade
com Jesus sacramentado diante do sacrário.

O percurso efetuado neste primeiro capítulo pretendeu dar a compreender o


contexto eclesial dos videntes de Fátima. Os documentos doutrinais ajudam a
compreendera centralidade então reconhecida à figura de Jesus crucificado e a reconhecer
um discurso eclesial particularmente insistente nos temas da reparação e da conversão, esta,
em especial, dos pecadores. Por outro lado, as devoções cristocêntricas permitem verificar

72
“Deixando o caliz e a Hostia suspenso no ar, prostrou-se em terra e repetiu tres vezes a oração.
Santíssima Trindade, Padre, Filho, Espirito Santo, adoro-vos profundamente e ofreço-vos o preciosissimo
Corpo sangue, alma e Devindade de Jesus Cristo, presente em todos os sacrarios da terra, em reparação dos
ultrages, sacrilegios e endifrenças com que Êle mesmo é ofendido. E pelos meritos infinitos do seu santissimo
Coração, e do Coração Imaculado de Maria, peço-vos a conversão dos / pobres pecadores” Cit. 4ª, fl. 62, pág.
227.
73
Cit. 2ª, fl.10v, pág.153.
74
Cf. 2ª, fl. 2, pág.143; 3ª, fl. 5v, pág. 195 e 1ª, fl. 9, pág. 121.
75
Cf. 1ª, fl. 10, pág. 122;3ª, fl. 6, pág. 195; 4ª, fl. 42, pág. 218; 4ª, fl. 49, pág. 221 e 1ª, fl. 33, pág.
135.

26
as influências por elas exercidas na religiosidade popular de Fátima ena vivência cristã da
pequena povoação dos videntes (Aljustrel).

Deste modo, esta sumária introdução à vivência eclesial do tempo e às suas


repercussões no texto das Memórias, permite compreender o contexto das referências
cristológicas presentes neste escrito de Lúcia. Esta base serve para a leitura dos vários
nomes cristológicos que se relacionam com a espiritualidade dos três videntes nos vários
contextos presentes neste escrito de Lúcia.

27
Capítulo II: Os elementos cristológicos nas Memórias

Neste capítulo pretende-se fazer a leitura das referências cristológicas nas


Memórias, procurando situar cada uma no seu contexto. Com esta interpretação quer-se
explicitar quais as diferentes referências, quem as diz e qual a sua dimensão no contexto da
Mensagem de Fátima e nesta narrativa de Lúcia. Assim, o capítulo estrutura-se em cinco
pontos organizados por referências, partindo das que têm um maior número de ocorrências
para as menos mencionadas. O último ponto apresenta uma compilação das referências que
aparecem menos vezes neste escrito de Lúcia.

2.1. Referência cristológica ‘Nosso Senhor’

O nome cristológico ‘Nosso Senhor’ é uma referência fulcral nas Memórias, pois é
mencionado 110 vezes, sendo a designação deste tipo mais recorrente neste escrito. Deste
nome de Jesus destaca-se a vasta relação com os dois irmãos Francisco e Jacinta,
aparecendo 69 vezes associada a ambos. Individualmente, as referências ligadas a Jacinta
surgem 40 vezes e, a Francisco, 29 vezes.

A estrutura de análise da referência em estudo é traçada a partir do enquadramento


em que as referências são mencionadas nas Memórias, tendo como ponto nevrálgico as
Aparições marianas. O segundo eixo de leitura deriva da relação das referências com
Jacinta e Francisco, por haver neles um maior número de incidências desta titulação na
obra, procurando articulá-las com as etapas mais significativas das suas vidas.

O primeiro campo de análise das referências é aquele mais ligado a Jacinta,


dividindo-se o seu estudo em três partes: antes das Aparições, durante as Aparições e na sua
doença. No tratamento das referências associadas a Francisco, o seu estudo, devido à menor
expressão numérica, será dividido em apenas duas partes: durante as Aparições e na sua
doença.

Por fim, serão estudas as referências ‘Nosso Senhor’ noutros contextos menos
expressivos e relacionadas, nomeadamente, com o ambiente familiar dos videntes, com os

28
interrogatórios por parte de Sacerdotes ou com Lúcia como narradora em contextos
específicos.

2.1.1. ‘Nosso Senhor’ nas Aparições da Virgem Maria

No contexto das Aparições da Virgem Maria, a referência ‘Nosso Senhor’ surge por
4 vezes, todas elas relacionadas com a Aparição de outubro. Há duas referências que são
mais importantes, por estarem ligadas ao discurso da Virgem: “Não ofendão mais a Deus
Nosso Senhor que já está muito ofendido”76. A primeira referência, ligada ao apelo da
Virgem, é precedida de dois pedidos necessários para a reparação de Deus ofendido. O
primeiro é a construção de uma capela e a oração do terço pela paz; o segundo consiste na
recomendação do propósito de emenda e de reconciliação, em resposta aos pedidos de cura
e de conversão dos pecadores. Veja-se que, esta nomenclatura, no apelo de Maria, revela
aos videntes a dor de Deus pelos pecadores e a necessidade de reparação das ofensas
cometidas contra Ele.

A segunda referência cristológica aparece também ligada à recordação da Lúcia


sobre a mesma exortação mariana da Aparição de outubro. A autora expressa como as
palavras da Virgem Maria foram inolvidáveis e, concomitantemente, o modo como as
recebeu: “Que amorosa queixa e que terno pedido”77. Esta exclamação de Lúcia reflete a
marca deixada pela mensagem cristocêntrica da Virgem Maria, ao desejar que ela se
propague pelo mundo inteiro78. Com efeito, esta expressão da Lúcia justifica, de certa
maneira, a ênfase da referência ‘Nosso Senhor’ nas múltiplas menções relacionadas como
apelo mariano ao longo do seu escrito.

Por outro lado, há ainda outras duas referências relacionadas com a Aparição de
outubro. A primeira, alude à promessa da Virgem Maria da Aparição da figura de ‘Nosso
Senhor’, a fim de abençoar o mundo juntamente com Nossa Senhora das Dores, Nossa

76
Cit. Anexo, 1.
77
Cit. Anexo, 2.
78
Cf. Anexo, 2.

29
Senhora do Carmo e de S. José com o Menino Jesus79. Uma segunda referência, vem na
descrição que Lúcia faz das mesmas personagens no decorrer da visão de outubro, na qual
se mostra ‘Nosso Senhor’ num gesto de bênção do mundo80.

Verifica-se, deste modo, que a referência ‘Nosso Senhor’ está relacionada com o
conteúdo essencial da mensagem da Virgem de Fátima, nomeadamente, a oração, a
conversão e a reparação. Por isso, toma-se a referência na mariofania de outubro como o
ponto de partida para situar a figura de Cristo no corpo das Memórias.

2.1.2. ‘Nosso Senhor’ no ciclo de Jacinta

Nas Memórias verifica-se que a relevância da referência ‘Nosso Senhor’ está


particularmente, associada a Jacinta, como foi referido anteriormente. Esta nomenclatura
destaca-se na seguinte passagem, que dá título a este estudo: “olha com atenção para Nosso
Senhor”81.

2.1.2.1. Jacinta: antes das Aparições

No que diz respeito ao período antes das Aparições, existem 10 menções do nome
‘Nosso Senhor’ relacionadas com a Jacinta. Elas aparecem nas Memórias na narração sobre
a vida de Jacinta mencionadas quer no discurso da narradora Lúcia quer em discurso direto
proferidas pela própria Jacinta.

Neste contexto, antes das Aparições, uma referência cristológica remete para a
temática da imitação de Cristo. Ela aparece nas Memórias, quando a pastora Jacinta se
iniciou na guarda do rebanho: “Para fazer como Nosso Senhor”82. Pelo comportamento
inusitado de seguir no meio do rebanho com uma ovelha ao colo, esta atitude de Jacinta é

79
Cf. Anexo, 3.
80
Cf. Anexo, 4.
81
Cit. Anexo, 6.
82
Cit. Anexo, 8.

30
questionada por Lúcia. Informam as Memórias que tal gesto se inspirava numa a pagela de
Jesus Bom Pastor, revelando, portanto, a sua predisposição para a imitação de Cristo83.

Há 5 referências que irrompem no seio das brincadeiras entre os videntes em casa


de Lúcia e cujo episódio revela uma singular aliança de Jacinta para com a Paixão de
Cristo. Este nome de Jesus está, então, referido a uma questão central da vida da vidente:
“porque está Nosso Senhor assim pregado n’uma cruz?”84. Esta referência na pergunta de
Jacinta, expressa a sua aproximação à figura de Cristo crucificado, que é precedida de um
gesto de especial devoção da vidente, designadamente, o beijar piedosamente o crucifixo e
o olhar fixo para Cristo85.

Há duas outras referências cristológicas relacionadas com o conhecimento da


história da Paixão de Cristo, que Lúcia conta detalhadamente aos seus primos86. Outras
referências ligadas à história da Paixão mostram a compaixão da vidente, que se comove ao
ouvi-la e diz: “coitadinho de Nosso Senhor, eu não eide fazer nunca nenhum pecado, não
quero que Nosso Senhor sofra mais”87. Esta condolência da vidente pelos sofrimentos de
Cristo e a determinação em não ofender a Deus permitem estabelecer uma ligação próxima
entre esta referência e o tema do sacrifício e da reparação, que se prolonga no tempo das
Aparições e na sua doença.

2.1.2.2. Jacinta: durante as Aparições

As Memórias de Lúcia apresentam 12 referências a ‘Nosso Senhor’ associadas a


Jacinta no período em que decorrem as Aparições. Este nome cristológico está ligado a
duas problemáticas centrais na vida da vidente. São elas a visão do inferno e a oblatividade
sacrificial.

Ao tempo das Aparições, duas referências ‘Nosso Senhor’ versam sobre a visão do
inferno, sendo a salvação dos pecadores a grande inquietação de Jacinta: “E se a gente resar

83
Cit. Anexo, 8.
84
Cit. Anexo, 5.
85
Cit. Anexo, 5.
86
Cf. Anexo, 6.
87
Cit. Anexo, 7.

31
muito por os pecadores, Nosso Senhor livra-os de lá? E com os sacrifícios também?”88. A
vidente ficou tão aterrorizada com a ida dos pecadores para o inferno que envida todos os
seus esforços para oferecer sacrifícios pela conversão dos pecadores 89. Com efeito, ao ler
esta referência cristológica na relação com o tema do inferno, verifica-se que a entrega de
Jacinta se concentra, primordialmente, na conversão dos pecadores, conjugando os dois
elementos essenciais da reparação: a oração e o sacrifício90.

Todavia, por 8 vezes esta referência surge também relacionada com a afirmação da
vontade de Jacinta em oferecer os seus sacrifícios: “quero ofrecer êste sacrifício a Nosso
Senhor”91. Esta afirmação da vontade repete-se em variadas espécies de sacrifícios: a
renúncia ao bailar, o de estar na prisão, pelas aflições da sua prima Lúcia, o uso da corda à
cintura, passar sede, beber a água asquerosa da lagoa92. Estas referências cristológicas estão
todas relacionadas com as mortificações da vidente, as quais têm como fim o sofrimento
por amor a Jesus.

Outras duas referências ‘Nosso Senhor’ ajudam a alargar a compreensão da relação


de Jacinta com Jesus. Uma das referências insere-se no contexto de um interrogatório de
três homens que aludem às ameaças de morte do administrador de Ourém caso os videntes
não revelassem o segredo. Jacinta reage com alegria, devido à esperança de ver em breve a
Jesus e a Virgem Maria93.

A segunda referência está associada aos ensinamentos do Pe. Formigão aos três
videntes. Exortava-os a dar graças e a amar a Jesus, o que Jacinta recorda a Francisco e a
Lúcia da seguinte forma: “Vocês têm-se esquecido de dizer a Nosso Senhor que O amam,
pelas graças que nos tem feito”94?. A pequena vidente mostra todo o seu cuidado para que
não fique esquecida, por parte dos seus companheiros, esta oração louvor e de ação de
graças.

88
Cit. Anexo, 9.
89
Cf. Anexo, 9, 12.
90
Cf. Anexo, 12.
91
Cit. Anexo, 11.
92
Cf. Anexo, 9, 10, 11, 12, 13, 15, 16, 17.
93
Cf. Anexo, 14.
94
Cit. Anexo, 19.

32
2.1.2.3. Jacinta: o período da doença

Esta referência cristológica, ‘Nosso Senhor’, relaciona-se, por fim, com a doença de
Jacinta. De entre os vários tempos anteriormente analisados, é no contexto da sua doença
que ela se torna a mais significativa, pela sua menção por 25 vezes.

Este nome de Jesus por4 vezes alude à alegria da vidente durante a vivência da sua
doença. Esta felicidade brota de uma profunda entrega a Jesus, como bem expressa a sua
afirmação: “gosto tanto de Nosso Senhor e de Nossa Senhora, que nunca me canço de lhes
dizer que os amo”95. Este amor a Jesus relaciona-se com 3 referências ligadas ao regozijo
da vidente quando sofre por amor a Jesus, em reparação do Imaculado Coração de Maria,
pela conversão dos pecadores e pelo Santo Padre96.

A última referência à alegria no tempo da doença de Jacinta encontra-se nos


momentos que antecedem a sua partida para o hospital. Apesar da saudade em deixar a sua
terra natal e do medo da solidão, pode-se verificar que a referência ‘Nosso Senhor’ se liga a
uma experiência gozosa, que deriva fundamentalmente do ardor da vidente na oração
dirigida a Jesus e à Virgem Maria. A leitura desta referência permite ver a esperança como
fundamento da alegria pelo aproximar-se da realização da promessa de ir para o céu e de
poder louvar eternamente a ‘Nosso Senhor’97.

Uma outra referência a ‘Nosso Senhor’ está relacionada com a eucaristia. Esta é
uma experiência inefável de Jacinta cujo seu encanto pela comunhão a leva a dizer: “é tão
bom estar com Êle!”98.

Por 8 vezes a expressão ‘Nosso Senhor’ se relaciona com a configuração de Jacinta


com o Cristo da Paixão, no sofrimento e no silêncio. Este uso fundamenta a sua
identificação com o crucificado: “tenho tantas dores no peito! mas não digo nada, sofro
pela conversão dos pecadores”99. Na verdade, muitos são os sofrimentos da vidente que se
identificam com os de Cristo: a sede, as dores no peito, o beber o leite amargo, o estar

95
Cit. Anexo, 20.
96
Cf. Anexo, 26, 32.
97
Cf. Anexo, 20, 33.
98
Cit. Anexo, 35.
99
Cit. Anexo, 23.

33
imobilizada no seu leito100. Nestas referências ‘Nosso Senhor’ realça-se um forte
paralelismo entre Jacinta na sua doença e a crucificação de Jesus no calvário (no caso deste,
nomeadamente, com a sede, o lado aberto, o beber do fel e o estar pregado na cruz).

Por fim, na análise das referências ‘Nosso Senhor’ alusivas ao tempo da doença de
Jacinta, há ainda 5 que estão relacionadas com o apelo da Virgem de Fátima expresso na
Aparição de outubro101. As menções do nome de Jesus mostram a vidente a ensinar às
crianças a rezar, a cantar e a repreendê-las:

“Se diziam alguma coisa que não Ihe parecesse bem, acudia logo: Não digam isso, que
ofendem a Deus Nosso Senhor. Se contavam alguma coisa de suas familias que não fosse
bôa: respondia-lhes: não deixem os seus filhinhos fazerem pecados, que / lhe podem ir para
o inferno”102.

Esta afirmação esclarece o sentido das referências cristológicas que surgem por três
vezes relacionadas com a problemática do inferno. Este assunto aterroriza a vidente a ponto
de repreender com firmeza tanto crianças como adultos, quer pequem por gestos como por
palavras103. A sua intolerância ao pecado brota do seu sentido apurado para a necessidade
de reparação a ‘Nosso Senhor’ e da visão do inferno como consequência da condenação dos
mesmos pecadores104.

2.1.3 ‘Nosso Senhor’ no ciclo de Francisco

A referência ‘Nosso Senhor’ aparece relacionada também com Francisco, sobretudo


no período das Aparições (16 vezes) e no da sua doença (13 vezes). Durante as Aparições,
esta referência cristológica está particularmente presente nas Aparições de maio e de
outubro associada ao seu encantamento e gozo pela visão beatífica de Deus. Durante o
tempo da doença esta expressão surge, sobretudo, ligada ao tema da consolação de Jesus.

100
Cf. Anexo, 21, 22, 30, 38.
101
“Não ofendão mais a Deus Nosso Senhor que já está muito ofendido” Cit. Anexo, 1.
102
Cit. Anexo, 40.
103
Cf. Anexo, 39.
104
Cf. Anexo, 39, 37, 38.

34
2.1.3.1 Francisco: durante as Aparições

Durante o tempo das Aparições, há 5 referências a ‘Nosso Senhor’ relacionadas


com as mariofanias de maio e de outubro. A primeira referência aparece nas Memórias no
discurso de Francisco, que revela a influência da primeira Aparição da Virgem Maria:
“gostei muito de vêr o Anjo, mas gostei ainda mais de Nossa Senhora. Do que / gostei mais
foi de vêr a Nosso Senhor, naquela luz que Nossa Senhora nos meteu no peito. Gosto tanto
de Deus!”105.Mencionado por 6 vezes, especial importância adquire aqui o verbo «ver», o
qual acaba também por qualificar a referência ‘Nosso Senhor’. Nisto se revela que Jesus se
torna visível na Luz que emana da Virgem e através da qual Francisco se percebe como que
participante nessa mesma Luz. Com efeito, em duas destas referências a ‘Nosso Senhor’ se
verifica que avisão da Luz se relaciona comum sentimento de alegria e de desejo em se
encontrar com Ele no céu a fim de o ver permanentemente106.

No contexto da Aparição de maio, a menção da mesma referência ‘Nosso Senhor’


na citação anterior, surge também relacionada com a perceção de Francisco acerca da
tristeza de Deus: “Êle está tam triste, por causa de tantos pecados! Nós nunca havemos de
fazer nenhum”107. Esta nomenclatura cristológica identifica-se com a perceção da dor de
Jesus que se mostra ao vidente no momento em que a Virgem, de semblante triste, na
Aparição de outubro lhes revela que Deus está ofendido.

As Memórias mencionam em 6 referências a ‘Nosso Senhor’ a influência da


Aparição de outubro, visível na atitude orante de Francisco. A leitura das referências
permite ver que Jesus é objeto da compaixão do santo, através da sua predisposição para a
oração contemplativa e individual designada por: rezar, pensar e consolar108. Assim, a
contemplação é o modo peculiar de Francisco corresponder ao apelo da Virgem e de
realizar a reparação pelas ofensas cometidas contra Deus.

Por último, há 4 referências a ‘Nosso Senhor’ que refletem a imagem de Francisco


como consolador das suas companheiras, consolador de Deus e intercessor diante do

105
Cit. Anexo, 42.
106
Cf. Anexo, 42-44.
107
Cit. Anexo, 42.
108
Cf. Anexo, 46 e 47.

35
sacrário. A primeira está associada a Francisco no contexto das perseguições a Lúcia, no
seio familiar e pelo administrador de Ourém. Procura consolá-la do seguinte modo:
“paciência se nos baterem, sufremos por amor de Nosso Senhor e pelos pecadores”109.
Neste âmbito, uma segunda referência evoca a recordação do vidente acerca da
recomendação da Virgem Maria: de entregar os seus sofrimentos com o fim da reparação
de Cristo e do Imaculado Coração de Maria com a alegria de os poder consolar110. A
terceira referência cristológica relaciona-se com a consolação da sua irmã Jacinta, que está
impressionada com o inferno. Assim, Francisco diz-lhe que pense em ‘Nosso Senhor’ para
dissipar-lhe o pavor do inferno111. A quarta menção mostra a sua entrega a ‘Nosso Senhor’
na oração de intercessão diante do sacrário. Esta adoração de Francisco mostra que o
sacrário é lugar de profunda relação com Jesus de tal modo que, ao pedir uma graça, ele
obtém uma resposta afirmativa da parte Jesus112.

2.1.3.2 Francisco: o período da doença

No que diz respeito às referências a ‘Nosso Senhor’ no contexto da doença de


Francisco há uma menção que fundamenta o sentido das suas dores: “sofro tudo por amor
de Nosso Senhor e de Nossa Senhora”113. Neste sentido, há 6 referências a ‘Nosso Senhor’
que expressam o significado do amor que o vidente manifesta através do sofrimento para
consolação de Cristo e da Virgem Maria114. Deste modo, há 2 referências na narrativa de
Lúcia que ajudam a compreender a predileção de Francisco por consolar a Cristo. A
primeira surge por comparação com Jacinta: “Enquanto a Jacinta parecia preocupada com o
único pensamento de converter pecadores e livrar almas do inferno, ele parecia só pensar
em consolar a Nosso Senhor e a Nossa Senhora que lhe tinha parecido estarem tão
tristes”115.Esta afirmação revela que o centro das atenções do vidente prende-se com a
perceção da tristeza de Cristo e da Virgem Maria revelada nas mariofanias. A segunda

109
Cit. Anexo, 48.
110
Cf. Anexo, 45.
111
Cf. Anexo, 50.
112
Cf. Anexo, 51.
113
Cit. Anexo, 52.
114
Cf. Anexo, 53.
115
Cf. Anexo, 53.

36
menção, é proferida por Francisco: “primeiro ofereço para consolar a Nosso Senhor, a
Nossa Senhora e depois, então, é que ofereço por os pecadores e por o Santo Padre”116.Esta
indicação de Francisco surge em resposta ao pedido de Jacinta de que ofereça os sacrifícios
da sua doença pelos pecadores.

A relação entre a expressão ‘Nosso Senhor’ e a ação reparadora de Francisco surge


reforçada por3 referências relacionadas com a sua necessidade de reconciliação com Deus.
A referência na petição de Francisco a Lúcia é bem elucidativa: “pede tu também a Nosso
Senhor que me perdoe os meus pecados”117. Veja-se que a menção de ‘Nosso Senhor’ pelo
vidente reflete a impressão da tristeza marcada pela Aparição de outubro, tendo ele viva
perceção da implicação dos próprios pecados como geradores das ofensas a Deus118.

Todavia, há 5 referências a ‘Nosso Senhor’ no âmbito da doença que aludem à


temática central da esperança, como se pode ver no discurso do vidente: “Sinto-me muito
peor, já me falta pouco para ir para o Céu: lá vou consular muito a Nosso Senhor, e a Nossa
Senhora”119. Esta referência cristológica remete para a experiência de uma alegria
escatológica vivida pelo santo no sofrimento causado pela doença. Esta esperança da vida
no “Céu” traz consigo o desejo de que as suas companheiras participem com ele no lugar de
encontro definitivo com Cristo120. Com efeito, a menção ‘Nosso Senhor’ relacionada com a
visão da Luz da primeira Aparição (que absorveu intensamente Francisco) torna-se na sua
doença uma esperança da visão do Céu como lugar de permanência na consolação de Deus,
ficando no esquecimento os pedidos de intercessão pelos pecadores121.

2.1.4. Outras referências

Há ainda outras referências que se encontram mais ligadas ao percurso e vivência de


Lúcia. Estas surgem no âmbito do seio familiar, nos interrogatórios à vidente sobre as

116
Cit. Anexo, 53.
117
Cit. Anexo, 111.
118
Cf. Anexo, 57.
119
Cit. Anexo, 54.
120
Cf. Anexo, 56, 58.
121
Cf. Anexo, 57.

37
Aparições e nos momentos de diálogo com o Bispo D. José Alves Correia da Silva, a quem
se dirige na narração das Memórias.

2.1.4.1 Antes das Aparições

Esta referência cristológica aparece nas Memórias ligada a passagens que se


enquadram na vida familiar de Lúcia, nomeadamente, no que se refere à sua mãe. Nos
diálogos de Maria Rosa surge a referência ‘Nosso Senhor’ no contexto do ensinamento à
sua filha Lúcia da simbologia do sol, então conhecida por “candeia de Nosso Senhor”.
Imagem distinta e contrastante com esta é a da Virgem Maria associada à lua122. Com
efeito, esta referência simbólica liga-se à contemplação do céu por Jacinta e Francisco. A
vidente prefere a luz suave da lua, justificando que o sol a encandeia. Francisco, por sua
vez, prefere contemplar a “candeia de Nosso Senhor”, fixando o olhar nos seus raios
matinais123.

Outras referências a ‘Nosso Senhor’ surgem ainda no contexto da preparação de


Lúcia para a sua primeira comunhão, nas palavras de Maria Rosa, sua mãe: “pede a Nosso
Senhor que te faça uma santa”124. Foi sob o impulso destes ensinamentos maternos que
Lúcia pronunciou os seus primeiros louvores na comunhão eucarística. Neste contexto
familiar, há ainda outras referências cristológicas que se referem aos louvores da
vizinhança e à ação de graças que Maria Rosa devia elevar a Deus pelos seus filhos125.

2.1.4.2 Durante as Aparições

Esta referência a ‘Nosso Senhor’ surge, igualmente, no contexto da narrativa da


Aparição de setembro. Neste texto, Lúcia compara a sua experiência de passar entre a
multidão (no percurso entre Aljustrel e a Cova da Iria) com a experiência semelhante de

122
Cf. Anexo, 61.
123
Cf. Anexo, 62.
124
Cit. Anexo, 64.
125
Cf. Anexo, 74.

38
Jesus na Palestina126.Após a Aparição de setembro, Lúcia refere-se a ‘Nosso Senhor’ no
âmbito das perseguições de sua mãe, motivadas pela descrença nas mariofanias e
interpretadas pela própria como expressão da vontade de Deus para que lhe oferecesse
sacrifícios127. Uma vez mais, esta expressão aparece ligada a Maria Rosa, sobretudo ao
modo como esta encara os sofrimentos enviados por Deus128.

Há referências cristológicas que surgem no âmbito dos interrogatórios, os primeiros


dos quais levados a cabo pelo pároco, que terá induzido Lúcia a pensar que se tratariam de
visões demoníacas. Estas referências à pessoa de Jesus narradas por Lúcia, mostram a sua
impressionante resiliência apesar de viver atribulada pelas dúvidas. Elas expressam a
confiança da vidente na omnisciência de Jesus relativamente aos seus sofrimentos e o
entendimento da Sua ação providencial, expresso na forma como Jacinta insistiu junto de
Lúcia para que esta continuasse a acorrer ao lugar das Aparições129.

Existem também duas referências a ‘Nosso Senhor’ no contexto de dois


interrogatórios: um do Dr. Formigão e outro do Pe. Faustino, vigário do Olival. A
peculiaridade destas referências cristológicas prende-se com o facto de os ensinamentos
espirituais destes sacerdotes estarem intimamente relacionados comas recomendações da
Virgem Maria sobre a oração e o sacrifício. O primeiro, o Dr. Formigão, dá a sua instrução
a Lúcia, ensinando-a a rezar dando graças a Deus pelos muitos dons recebidos de ‘Nosso
Senhor’. O segundo, o Pe. Faustino, ensina os videntes a fazer os mais variados sacrifícios
nas circunstâncias ordinárias do dia-a-dia: a renunciar a comida, às brincadeiras e a aceitar
os interrogatórios dos curiosos130.

Outras duas referências estão relacionadas com outros dois interrogatórios de dois
sacerdotes. A primeira surge no contexto da inquirição de um sacerdote de Santarém que
deixou Lúcia com dúvidas sobre o modo de guardar o segredo que lhe foi confiado pela
Virgem Maria. A vidente faz um pedido de auxílio a ‘Nosso Senhor’ e à Virgem Maria para

126
Cf. Anexo, 68.
127
Cf. Anexo, 14; 71.
128
Cf. Anexo, 70.
129
Cf. Anexo, 77-79.
130
Cf. Anexo, 83, 82.

39
que lhe seja esclarecida qual é a Sua vontade131. A segunda referência surge na sequência
da ida de Lúcia ao local das Aparições acompanhada pelo Dr. Carlos Azevedo Mendes. O
medo de estar com um desconhecido fê-la pensar na própria morte, mas a confiança na
promessa do céu tranquilizou-a132.

Outras referências aparecem no contexto da redação das Memórias. Esta


nomenclatura de ‘Nosso Senhor’ enquadra-se nos discursos introdutórios dirigidos ao
Bispo D. José Alves Correia da Silva. Neles Lúcia refere-se a ‘Nosso Senhor’ no sentido de
obediência ao prelado, no modo de redação deste escrito ao estilo das Memórias, na
narração dos sofrimentos e graças concedidas por ‘Nosso Senhor’, na confiança que por
Jesus seja revelado a Francisco o escrito sobre a sua vida e, ao mesmo tempo, o fazer a
vontade a Jesus e ao Imaculado Coração de Maria133.

Uma derradeira referência a ‘Nosso Senhor’ relaciona-se com a intervenção da


Madre Superiora de Pontevedra junto de Lúcia, nomeadamente acerca das suas
responsabilidades diante de Jesus em ser testemunho para as suas irmãs no convento134.

2.2. Referências cristológicas: ‘Jesus’, ‘ó Jesus’, ‘ó meu Jesus’

Estas referências cristológicas são estudadas conjuntamente devido à sua


proximidade semântica, proximidade essa, reforçada nos diálogos da Virgem Maria na
Aparição de julho. A sua análise está estruturada a partir da Aparição de julho e da sua
relação peculiar com Jacinta e com atemática da reparação.

2.2.1 ‘Jesus’, ‘ó Jesus’, ‘ó meu Jesus’: na Aparição de julho

Neste ponto as referências cristológicas em estudo são essencialmente três: ‘Jesus’,


‘ó Jesus’, ‘ó meu Jesus’. As três referências são aqui analisadas como uma única, para uma
melhor compreensão da sua unidade temática em torno do tema da reparação. Deste modo,

131
Cf. Anexo, 80.
132
Cf. Anexo, 82, 81.
133
Cf. Anexo, 72, 74, 73.
134
Cf. Anexo, 75.

40
estas referências surgem nas Memórias por 39 vezes e encontram a sua maior expressão
junto de Jacinta (por 19 vezes).

Estes nomes de Jesus têm em comum estarem relacionados com a oração reparadora
ensinada pela Virgem Maria na Aparição de julho:

“Sacrificai-vos pelos pecadores e dizei a Jesus muitas vezes, em especial sempre que
fizerdes algum sacríficio. Ó Jesus é por Vosso amor, pela conversão dos pecadores e em
reparação pelos pecados cometidos contra o Imaculado Coração de Maria”.135.

De facto, esta forma de invocar o nome de Jesus tem a sua origem no discurso da
Virgem Maria. Esta referência surge, assim, com maior predominância nos diálogos de
Jacinta e Francisco, na oração e nos atos de reparação ao Imaculado Coração de Maria e a
Jesus Cristo ofendido.

Outra referência está também relacionada com uma oração ensinada pela Virgem
aos videntes, neste caso, após a visão do inferno: “Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do
fogo do inferno, levai as alminhas tôdas para o Céu, principalmente aquelas que mais
precisarem”136. Assim estas nomenclaturas de Jesus adquirem uma grande importância por
fazerem parte do segredo e nele estar o núcleo fundamental da mensagem da Virgem de
Fátima: a oração, a conversão e a reparação.

2.2.2 ‘Jesus’, ‘ó Jesus’, ‘ó meu Jesus’: depois da Aparição de julho

As Memórias indicam que a fonte do amor de Jacinta a ‘Jesus’ brota dos


ensinamentos da mariofania de julho, que fundamenta, segundo a narradora, a sua
oblatividade sacrificial pela conversão dos pecadores, atuada na oração reparadora137.

No estudo deste tríptico de referências cristológicas, associadas ao período posterior


às Aparições de julho, verificam-se as repercussões que a mariofania deixou em Jacinta,
nomeadamente, acerca da visão do inferno: “O inferno! O inferno! que pena eu tenho das

135
Cit. Anexo, 85.
136
Cit. Anexo, 87.
137
Cf. Anexo, 89.

41
almas que vão para o inferno!… Ó meu Jesus perdoai-nos, livrai-nos do fôgo do inferno,
levai as alminhas tôdas para o Céu, principalmente as que mais precisarem”138.

Outra referência ao nome de ‘Jesus’ enquadra-se no contexto de vida de Jacinta e no


seu oferecimento de sacrifícios pelos pecadores juntamente com a intenção de rezar pelo
Santo Padre no final do terço139. Com efeito, há uma peculiaridade em Jacinta que se
relaciona com esta referência a ‘Jesus’, ligada à sua postura no momento da oração
reparadora, com a elevação das mãos e dos olhos ao céu, o lugar para onde se orienta toda a
sua vida140.

2.2.3. ‘Jesus’, ‘ó Jesus’, ‘ó meu Jesus’: na doença de Jacinta

As referências ao nome de ‘Jesus’ no contexto da doença de Jacinta remetem para as


orações ensinadas pela Virgem. Uma dessas referências surge num diálogo com a sua prima
Lúcia: “gosto tanto de dizer a Jesus que o amo! quando lho digo muitas vezes, paresse que
tenho lume no peito; mas não me queimo”141. Esta referência, ajuda a caraterizar a relação
íntima de Jacinta com Jesus. Essa referência articula-se como desejo ardente da vidente de
continuar a viver no Céu o amor a Cristo vivido na terra, em união com o Imaculado
Coração de Maria e a todos com quem ela conviveu na terra142. Com efeito, a leitura das
referências ao nome de ‘Jesus’ encontra-se de tal modo vinculado à experiência de amor da
vidente que aparece numa recomendação a Lúcia para que dê continuidade ao amor a Jesus,
ao Coração de Maria e à prática do sacrifício pelos pecadores143.

A leitura das referências ‘Jesus’, ‘ó Jesus’ e ‘ó meu Jesus’ mostram a experiência da


solidão de Jacinta unida a Cristo crucificado no sacrifício da sede e, concretamente, na
veneração da cruz. Em qualquer dos momentos há a manifestação de amor a ‘Jesus’ e de
entrega aos pecadores, mas acontece com maior profundidade espiritual quando sofre
diante do crucifixo ao dizer a oração reparadora: “Ó Jesus, agora podes converter muitos

138
Cit. Anexo, 94.
139
Cf. Anexo, 90.
140
Cf. Anexo, 90.
141
Cit. Anexo, 95.
142
Cf. Anexo, 98.
143
Cf. Anexo, 97.

42
pecadores porque este sacrifício é muito grande!”144. Assim, a referência ‘Jesus’ relaciona-
se também com o desejo de Jacinta sofrer por Cristo crucificado e pela invocação ‘ó Jesus’
na oração mostra-se o desejo de realizar a sua oblação de amor a ‘Jesus’ e o ato reparador
pelos pecadores145.

Há referências com o uso do vocativo ‘meu Jesus’ / ‘ó meu Jesus’ relacionadas com
a intercessão de Jacinta a suplicar o perdão e a conversão por aqueles que, por palavras
grosseiras, ofendem a Deus. Este tipo de ocorrência acentua que a razão mais premente na
oração de Jacinta pelos pecadores é a de que eles não sofram o suplício do inferno146.

Uma última referência a ‘Jesus’ insere-se no âmbito da visita da Virgem Maria a


Jacinta em sua casa e na fase final da sua doença. Neste contexto, o apelo a ‘Jesus’
relaciona-se com a aceitação de Jacinta à proposta da Virgem Maria, a fim de continuar a
sofrer pela conversão dos pecadores, em reparação ao Coração Imaculado de Maria e a
culminar com a oferta do sacrifício por amor de Jesus147.

2.2.4. ‘Jesus’, ‘ó Jesus’, ‘ó meu Jesus’: referências ligadas a Francisco e Lúcia

Neste campo de estudo das referências cristológicas são tratadas aquelas que têm
pouca expressão no escrito, tendo mais que ver com a vida de Francisco e com Lúcia
enquanto narradora.

Existem apenas duas referências ligadas a Francisco. Uma primeira situa-se no


contexto da prisão, em que ele faz o oferecimento do sacrifício de não ver os pais pelo facto
de estar preso. Francisco faz a mesma oração que a sua irmã e dirige-a a ‘Jesus’: “Ó meu
Jesus é por vosso amor e pela conversão dos pecadores”148. A segunda ocorrência insere-se
no contexto da doença de Francisco. Ele, na proximidade da sua morte, tem consciência dos
seus pecados e, de coração contrito, pede perdão a ‘Jesus’ com a oração ensinada pela

144
Cit. Anexo, 100.
145
Cf. Anexo, 95, 100.
146
Cf. Anexo, 101.
147
Cf. Anexo, 102.
148
Cit. Anexo, 110.

43
Virgem Maria em julho: “Ó meu Jesus perdoai-nos, livrainos do fôgo do inferno, levai as
alminhas todas para o Céu, principalmente as que mais precisarem”149.

Por fim, outras referências a ‘Jesus’ surgem em nomes compostos150, que se inserem
numa oração dirigida aos Corações de Jesus e Maria, numa prece dirigida a Jacinta e outra
num pedido de intercessão a Francisco151. Estas orações são feitas por Lúcia enquanto
escritora das Memórias, nada acrescentando elas à história e ao conteúdo da Mensagem de
Fátima.

2.3. ‘Jesus escondido’ e ‘Menino Jesus’

A terceira referência cristológica com maior relevo nas Memórias é a de ‘Jesus


escondido’ e ‘Menino Jesus’. Estas denominações, apesar de linguisticamente distintas, são
tratadas em conjunto pela sua unidade temática relativa a Jesus eucarístico. Assim, a sua
abordagem faz-se pela ligação estreita das referências ao modo de Francisco e Jacinta se
relacionarem com o sacramento eucarístico.

2.3.1. ‘Jesus escondido’ e ‘Menino Jesus’ na perspetiva de Jacinta

Nas Memórias, a designação cristológica ‘Menino Jesus’ surge no contexto das


lições de doutrina, no tempo da quaresma, dadas por Maria Rosa à sua filha Lúcia e a todas
a crianças do lugar. O nome ‘Menino Jesus’ aparece apenas duas vezes. Uma referência
encontra-se associada à formação da consciência do pecado por palavras injuriosas que
ofendem a Cristo. A segunda, ligada a Jacinta, tem a ver com recomendação de sua mãe
para se apartar daqueles que dizem palavras pecaminosas que ofendem a Jesus152.

Antes das Aparições, o nome ‘Menino Jesus’ integra-se no âmbito das festividades
do Corpo de Deus, nomeadamente, num diálogo de Lúcia com Jacinta: “o Menino Jesus da

149
Cit. Anexo, 111.
150
“glória de Jesus”. Cit. Anexo, 106.
151
Cit. Anexo, 106, 108, 107.
152
Cf. Anexo, 128, 129.

44
hóstia não se vê, está escondido, é o que nós recebemos na comunhão”153. É Lúcia quem
ensina a sua prima a identificar a presença real de Jesus na sagrada hóstia, algo que a
infante não reconhece na procissão eucarística154.

Esta referência a ‘Jesus escondido’ está também relacionada com o desejo ardente
de Francisco e Jacinta que, desde tenra idade, anseiam por receber a sagrada
comunhão155.Ela relaciona-se com desejo crescente de Jacinta em compreender o mistério
eucarístico através de sucessivas questões dirigidas à sua prima Lúcia156. Com efeito,
algumas vezes esse modo de nomear Jesus refere-se ao anelo da vidente por receber a
sagrada comunhão, nomeadamente já no período da sua doença: “vou morrer sem receber a
Jesus escondido?”157. Neste contexto, a referência expressa mais significativamente o ardor
da vidente pela eucaristia. Este sentimento reflete-se, por exemplo, na veneração da
imagem do cálice com uma hóstia, patente numa pagela que recebeu de sua prima: “é Jesus
escondido, gosto tanto d’êle!”158. Esta nomenclatura associa-se, portanto, ao encanto de
Jacinta pela imagem das espécies eucarísticas, mencionando a vontade de as receber na
igreja, no Céu e no hospital levada pelo Anjo.

Outras duas referências a ‘Jesus escondido’ aludem às visitas ao sacrário. A


primeira, está ligada à adoração pessoal de Jacinta diante do Santíssimo no sacrário durante
o tempo das Aparições. A vidente manifesta a sua amizade ao desejar estar e falar a sós
com ‘Jesus escondido’. A segunda referência insere-se já no âmbito da doença de Jacinta.
Num diálogo com a sua prima Lúcia, a vidente pede-lhe que manifeste o seu amor a Jesus.
Esta nomenclatura demonstra a existência de uma relação de franca amizade que se
expressa, não só, mas também, pelo contacto visual com o sacrário159.

153
Cit. Anexo, 130.
154
Cf. Anexo, 113.
155
Cf. Anexo, 130.
156
Cf. Anexo, 115.
157
Cit. Anexo, 118.
158
Cf. Anexo, 119.
159
Cf. Anexo, 116, 117.

45
2.3.2. ‘Jesus escondido’ e ‘Menino Jesus’ na perspetiva de Francisco

A referência ‘Jesus escondido’, relacionada com Francisco no tempo das Aparições,


aparece também significativamente ligada à adoração eucarística diante do sacrário. Ela
alude à precedência do encontro de Francisco com Jesus relativamente a frequentar a
escola, devido à certeza deste de partir brevemente para o céu. Na verdade, esta promessa
da Virgem Maria faz com que o vidente relativize a importância do estudo e prefira
recolher-se na igreja em adoração. Assim, se explica o motivo pelo qual o nome de ‘Jesus
escondido’ se configura coma atitude orante do santo em permanecer escondido com Ele na
igreja paroquial. Esta atitude confiante, própria da intimidade na amizade, repercute-se na
resposta de Francisco a um pedido de uma graça que lhe é feita ao início do dia e que, no
regresso das suas companheiras da escola, ele dá a certeza de ser alcançada160.

No período da doença de Francisco, a referência a ‘Jesus escondido’ remete para a


nostalgia do vidente em estar em contemplação diante do sacrário, desejo expresso à sua
prima Lúcia: “Olha vai á Igreja e dá muitas saudades minhas a Jesus escondido” 161. Esta
alusão à saudade de Francisco em estar com Jesus expressa, noutras duas referências, o
desejo de receber a comunhão eucarística, pelo que pede à sua prima Lúcia que vá à igreja e
peça a Jesus sacramentado para que o prior lhe dê a comunhão162.

Por fim, a última referência a ‘Jesus escondido’ ligada a Francisco ocorre no âmbito
da visita do pároco. Já próximo do fim da vida, Francisco fez a sua confissão e recebeu o
Viático. Esta referência ajuda a evidenciar a felicidade do vidente pelo privilégio de
guardar no seu peito a ‘Jesus escondido’ e pela brevidade da sua partida para o Céu. Esta
felicidade leva-o a desejar que em breve o acompanhem também as suas companheiras163.

160
Cf. Anexo, 122, 124.
161
Cit. Anexo, 123.
162
Cf. Anexo, 121.
163
Cf. Anexo, 127.

46
2.4. As referências cristológicas: ‘Corações de Jesus e de Maria’

Neste ponto trata-se das referências aos ‘Corações de Jesus e Maria’ que, agrupa as
várias designações de ‘Corações Santissimos de Jesus e Maria’, ‘Santissimo Coração e do
Imaculado Coração de Maria’. Estas referências são abordadas conjuntamente devido à
devoção ao Sagrado Coração de Jesus e ao Imaculado Coração de Maria. As diferenças nas
expressões utilizadas derivam do seu enquadramento, ora no contexto das angelofania ora
no da devoção particular da autora ao redigir o escrito.

2.4.1. ‘Corações de Jesus e de Maria’ nas angelofanias

Nas Memórias, a referência ao ‘Coração de Jesus’ ocupa um lugar de relevo por


duas razões fundamentais: primeiro, pela sua invocação nas Aparições do Anjo, onde
aparece em três momentos e com três acentuações distintas; segundo, pela sua ligação
íntima com o Coração Imaculado de Maria, outro tema central na Mensagem de Fátima164.

No que diz respeito às narrações das Aparições do Anjo nas Memórias, Lúcia faz
menção do ‘Coração de Jesus’ por três vezes: na primeira, ‘Os Corações de Jesus e Maria’;
na segunda, ‘Os Corações Santissimos de Jesus e Maria’; e, na terceira, ‘Santissimo
Coração e do Coração Imaculado de Maria’165.São imediatamente percetíveis as
acentuações graduais deste apelo aos Sagrados Corações, pela variação na forma como é
referido e no contexto em quecada um se insere.

Na primeira Aparição, a primeira referência aos ‘Corações de Jesus e Maria’


destaca-se a forma simples deste encontro e a modéstia do discurso do Anjo. Ele apenas se
apresenta “sou o Anjo da paz”166, convida os videntes a rezar com Ele e ensina-lhes o modo
de rezar: “Meu Deus! Eu creio”167. Por fim, exorta os videntes à oração, porque serão
ouvidos por Jesus e Maria. Logo, desta mensagem entende-se que o ‘Coração de Jesus’
para as três crianças representa uma presença real que escuta as suas orações. Nelas há uma

165
Cit. Anexo, 133, 134, 136.
166
Cit. Anexo, 133.
167
Cit. Anexo, 133.

47
consciência dialógica de relação entre Deus e o homem, mediada pela figura concreta do
‘Coração de Jesus’.

Contudo, no contexto da primeira angelofania, há uma questão evocada por


Francisco Marto acercado significado das palavras do Anjo: “Que quer dizer: os Corações
de Jesus e Maria estão atentos à voz das vossas súplicas”168? Esta questão ajuda a
compreender que o conteúdo da mensagem do Anjo não é facilmente inteligível. Os
videntes vão sendo introduzidos progressivamente no mistério da vida divina, numa relação
íntima com Jesus e respeitando os limites do seu entendimento. Na verdade, Lúcia no seu
escrito Apelos da Mensagem de Fátima esclarece: “as pobres crianças estiveram longe de
supor todo o seu alcance e significado como o podemos compreender hoje”169.

Na narração da segunda Aparição, as Memórias apresentam a referência aos


‘Corações Santissimos de Jesus e Maria’. Destaca-se o uso do predicado ‘Santissimos’.
Dito desta forma, assim se expressa o crescendo da índole da mensagem do Anjo em
relação à Aparição precedente. Ora, podemos verificar que se dá um salto qualitativo na
transmissão da mensagem. Com esta terminologia, a referência cristológica reflete o teor
sublime da mensagem angélica, na sua afirmação: “Orai, orai muito, os Corações
Santissimos de Jesus e Maria teem sobre vós dizignios de miséricordia”170. Assim, a figura
do ‘Coração de Jesus e de Maria’ revela-se aos videntes como uma presença constante nas
suas vidas. O discurso do Anjo marcará a vida dos videntes e manifesta-lhes a predileção
divina para realizarem os planos de Deus em favor da humanidade, repercutindo-se na sua
oblatividade orante e nos sacrifícios em reparação das ofensas a Deus pela conversão dos
pecadores.

A referência ao ‘Coração de Jesus’ na mensagem do Anjo tem acentuações distintas


em cada angelofania. A distinção desta nomenclatura a propósito da última Aparição
assume uma maior relevância pelo momento de adoração e comunhão eucarística. Nela está
condensado o sentido de toda a mensagem do Anjo e o significado do ‘Coração de Jesus’,

168
Cit. Anexo, 135.
169
Cit. LÚCIA DE JESUS (Irmã), Apelos da Mensagem de Fátima, Ed. Secretariado dos
Pastorinhos, 3ª edição, Fátima 2005, nº8, pág.90.
170
Cit. Anexo, 134.

48
ganha maior densidade nesta terceira Aparição. Assim, o mensageiro celeste faz menção da
referência cristológica na oração de adoração eucarística: “pelos méritos infinitos do Seu
Santíssimo Coração e do Coração Imaculado de Maria”171. Com efeito, na oração e nas
palavras do Anjo no momento da comunhão é expresso o sentido e a finalidade do
sacramento eucarístico: “Tomai e bebei o Corpo e Sangue de Jesus Cristo, orrivelmente
ultrajado pelos homens ingratos; reparai os seus crimes e conçulai o vosso Deus”172. Neste
discurso mostra que o sacrifício de Cristo está no centro da ação reparadora solicitada aos
videntes. Note-se que esta oração do Anjo condensa todos os motivos da mensagem das
precedentes Aparições: oração, o oferecimento de sacrifícios em ato reparação pela
conversão dos pecadores e a consolação de Deus.

Desta forma, nesta leitura das referências ao ‘Coração de Jesus’ nas três mensagens
do Anjo, percebe-se que a revelação da vontade divina se vai desvelando progressivamente.
Assim, o Anjo dá a conhecer às três crianças a possibilidade de uma nova relação com
Deus, iniciando-as na arte de rezar tanto por palavras como pela postura corporal173, na
entrega dos seus sacrifícios até à sua identificação com a eucaristia.

2.4.2 ‘Corações de Jesus e de Maria’ fora do ciclo das angelofanias

Por outro lado, igual referência aparece associada a uma pagela do ‘Coração de
Jesus’ que Jacinta recebeu de Lúcia. Apesar de repudiar a imagem pela sua fealdade,
venera-a, beija-a, e guarda-a religiosamente174. Como este gesto de devoção e culto ao
Coração de Jesus, existem outras duas referências que são igualmente expressão do culto
local e familiar, uma ligada à festa do Sagrado ‘Coração de Jesus’175(uma das principais

171
Cit. Anexo, 163.
172
Cit. Anexo, 172.
173
«Deixando o caliz e a Hostia suspenso no ar, prostrou-se em terra e repetiu tres vezes a oração»
Cit. Anexo, 170.
174
Cf. Anexo, 141.
175
Cf. Anexo, 139.

49
festas paroquiais) e outra ligada a uma irmã de Lúcia, que era zeladora do altar dedicado,
precisamente, ao ‘Coração de Jesus’176.

No estudo de outra ocorrência desta expressão, pode-se ver um sinal da devoção ao


‘Coração de Jesus’ dito por Jacinta, pouco tempo antes de ir para o hospital. Ela dirigia-se à
sua prima Lúcia com o intuito de a estimular ao empenho na propagação da devoção ao
Coração de Maria: “diz a toda a gente que Deus nos consede as graças por meio do Coração
Imaculado de Maria, que Ihas peçam a ela, que o Coração de Jesus quer, que a seu lado se
venere o Coração Imaculado de Maria”177. Esta recomendação de Jacinta à sua prima Lúcia
manifesta o seu amor ao ‘Coração de Jesus’ e o desejo de difundi-lo: “Se eu podesse meter
no coração de tôda a gente o lume que tenho cá dentro no peito a quei-mar-me e a fazer-me
gostar tanto do Coração de Jesus e do Coração de Maria”178!. Este desejo de Jacinta,
citando Jean-François de Louvencourt, é a manifestação do “amor ardente pelo Coração de
Jesus”, que o autor caracteriza como uma atitude reveladora do “emaravilhamento
contínuo” diante do ‘Coração de Jesus’179.

No que diz respeito à análise das referências cristológicas fora do ciclo das
angelofanias, elas são expressas no prefácio à primeira memória. Lúcia usa por três vezes a
expressão os ‘Santíssimos Corações de Jesus e Maria’, que se relacionam com as duas
primeiras Aparições do Anjo. As duas primeiras referências aludem, como se viu
anteriormente, à forma de rezar ensinada pelo Anjo: “os Corações de Jesus e de Maria
estam atentos á vós das vossas súplicas”180. A primeira referência é precedida pela
expressão: “Depois de ter implorado a proteção dos Santissimos…”; e a segunda por:
“Começo pois êste trabalho, pedindo aos Santissimos…”181. Esta designação mostra que o
diálogo com Anjo fora memorável para a vidente Lúcia, de tal modo que mostra a sua
atitude suplicante e confiante no pedido de intercessão aos Santíssimos ‘Corações de Jesus
e Maria’. A terceira referência indica a confiança total nos ‘Corações de Jesus e de Maria’,

176
Cf. Anexo, 138.
177
Cit. Anexo, 140.
178
Cit. Anexo, 140.
179
Cit. J. LOUVENCOURT, A arte de se maravilhar com Francisco e Jacinta de Fátima, Ed.
Paulinas, Lisboa 2016, pág. 206.
180
Cit. Anexo, 133.
181
Cit. Anexo, 142.

50
entregando-se à sua vontade para executar a tarefa de redigir as memórias sobre a sua prima
Jacinta182.

2.5. A referência cristológica ‘Senhor’

Apesar da proximidade linguística com a referência ‘Nosso Senhor’, esta referência


aparece apartada da anterior devido à diferença temática, à distinta relação com as
personagens e ao seu contexto específico – a saber: o das angelofanias. A referência
‘Senhor’ surge no texto de Lúcia no contexto da segunda Aparição do Anjo e nos discursos
da autora ligada à interpretação da vontade divina em vários ambientes: no escrito dirigido
ao Bispo aquando a sua redação, na sua relação com a mãe, na relação com a superiora ena
celebração das festas pascais em Aljustrel.

2.5.1 ‘Senhor’: nas angelofanias

Esta referência cristológica ‘Senhor’ é relevante nas Memórias por se integrar na


mensagem do Anjo na segunda Aparição: “Sôbretudo aceitai e suportai com submissão o
sufrimento que o Senhor vos enviar”183. Nesta mensagem, o nome cristológico relaciona-se
com o ensinamento da obediência a Deus, na submissão no sofrimento e na entrega dos
sacrifícios em ato de reparação. A referência ‘Senhor’ surge, pois, na narração de Lúcia,
associada à determinação dos videntes em oferecer sacrifícios. Esta correspondência dos
videntes deve-se à compreensão do modo como se manifesta o amor de Deus e de como Ele
deseja ser amado184.

Esta referência cristológica em análise é transcrita nas Memórias na segunda


angelofania. A memória das palavras angélicas tem a sua origem no contexto das
dificuldades económicas da família de Lúcia devido à perda de terrenos agrícolas da qual a

182
Cf. Anexo, 144.
183
Cit. Anexo, 145.
184
Cf. Anexo, 146.

51
vidente era vítima das acusações de toda a família. Por este facto, Lúcia recorda o pedido
do Anjo de submissão à vontade de Deus nos seus sacrifícios185.

2.5.2. ‘Senhor’: nos discursos de Lúcia

Esta referência cristológica ‘Senhor’ aparece no escrito de Lúcia dirigido ao Bispo


de Leiria. Nele a narradora usa o nome de Jesus ligado ao reconhecimento da vontade de
Deus no sofrimento provocado, a Francisco e Jacinta, pelo segundo interrogatório a eles
feito pelo pároco de Fátima186.

Há duas referências que dizem respeito à leitura de Lúcia acerca da vontade do


‘Senhor’. Uma prende-se como facto de ter sido confiada ao cuidado paternal e pastoral de
D. José Alves Correia da Silva187. Outra liga-se com a leitura feita por Lúcia sobre um
comentário da Madre Superiora de Pontevedra: “mais uma moeda que o Senhor quis
confiar-me, da qual me pedirá contas”188. Esta nomenclatura ‘Senhor’ revela o olhar crente
de Lúcia, que vê na confiança nela depositada por Deus a exigência da sua responsabilidade
e da influência positiva que tem diante das suas irmãs religiosas. Noutra ocasião, a
referência ‘Senhor’ está ligada ao ato de obediência de Lúcia aos seus superiores e no amor
a Jesus, motivos pelos quais aceita escrever as suas Memórias189.

Na leitura das referências ‘Senhor’ encontram-se algumas provindas de citações


bíblicas, que são usadas pela narradora para fundamentar realidades concretas do
quotidiano. Lúcia apresenta três casos: primeiro, a exigência de seguir Jesus na fidelidade à
eleição de Deus como vidente das Aparições, citando Mt16, 24; segundo, os Mandamentos
da Lei de Deus apresentados como regra de vida de sua mãe e que ensina aos filhos, citando
a passagem do jovem rico (cf. Mt19, 16); terceiro, o reconhecimento do amor e do perdão

185
Cf. Anexo, 147.
186
Cf. Anexo, 148.
187
Cf. Anexo, 150, 162.
188
Cit. Anexo, 152.
189
Cf. Anexo, 159.

52
de Deus e da necessidade de arrependimento do pecado, citando o episódio da mulher
adúltera (cf. Jo8, 10-11)190.

Há ainda, nas Memórias, três referências compostas, ligadas à tradição da


celebração da Páscoa: ‘Senhor Ressuscitado’, ‘Ressurreição do Senhor Jesus’ e ‘Senhor
Jesus Ressuscitado’191. Estes nomes de Jesus estão relacionados com visita pascal, cuja
narração identifica a bênção do prior com a de Jesus Ressuscitado. Estas referências
marcam a vivência de fé comum ao povo português, não trazendo consigo qualquer
especificidade a ressalvar para este estudo.

No final deste capítulo, salienta-se o percurso realizado pelas diversas tipologias dos
nomes de Jesus presentes nas Memórias, principalmente o contributo das referências mais
expressivas ‘Nosso Senhor’ e ‘Jesus’. A partir da primeira, ‘Nosso Senhor’, pode-se ver a
imagem do Cristo crucificado, unindo numa só aceção as três perspetivas sobre a figura de
Cristo: a Virgem Maria, Jacinta e Francisco. Na perspetiva da Virgem Maria divisa-se o
Jesus compadecido e sofredor pelos homens que vivem na indiferença, revelando o “Deus
ofendido”. A mensagem da Virgem Maria contribui para a perceção da tristeza de ‘Nosso
Senhor’ por Francisco, e, na sensibilidade de Jacinta, o ‘Nosso Senhor’ necessitado de
reparação. Na verdade, a figura de ‘Nosso Senhor’ apresenta-se aos videntes como Objeto
divino de contemplação, de desejo de ser consolado, de imitação do próprio Jesus no
sofrimento.

190
Cf. Anexo, 160, 177, 155.
191
Cf. Anexo, 156.

53
Capítulo III: Traços cristológicos das Memórias

No primeiro capítulo, foi feita uma contextualização do ambiente religioso em


Aljustrel na qual se apresenta o tipo de cristologia dos documentos doutrinais e
catequéticos que terão contribuído para o conhecimento que os videntes teriam sobre Jesus
Cristo. O estudo realizado no segundo capítulo, relativo ao uso dos diversos nomes de
Jesus, traça um percurso da figura de Jesus localizada nos vários ambientes das Memórias.
Neste capítulo, desenvolve-se um ensaio sobre o tipo de contributo que as Memórias podem
oferecer à compreensão de algumas dimensões da cristologia. Com este percurso, pretende-
se estudar de que modo a Mensagem de Fátima, transmitida nas Memórias, se insere no
conhecimento dogmático de Cristo transmitido pela Igreja.

As cinco dimensões escolhidas para formarem este ensaio são a dimensão


soteriológica, a dimensão doxológica, a dimensão eucarística, a devoção ao Sagrado
Coração de Jesus e a dimensão escatológica. Estudando deste modo a Soteriologia,
pretende-se mostrar a imagem do Jesus salvador, através dos mensageiros celestes e da
resposta dos videntes que, por ela, expressam o seu olhar sobre Jesus. Na dimensão
doxológica quer-se estudar que nuances da divindade de Cristo eram objeto do louvor dos
videntes. A análise da cristologia eucarística procurará, sobretudo, definir a figura de Jesus
eucarístico proveniente da terceira angelofania, bem como a relação dos videntes com o
Senhor através das Espécies Eucarísticas. O estudo das passagens sobre o Sagrado Coração
de Jesus almeja mostrar o modo como esta devoção pesou na vida espiritual dos videntes.
Por fim, o confronto dos videntes com a escatologia pode ajudar a compreender, a partir
das mariofanias e da esperança que brota dos seus corações, o desejo intenso que estes
viveram do encontro definitivo no céu.

Estes temas podem alcançar uma síntese rica dos diferentes contributos que Deus,
pelas manifestações que tomaram lugar em Fátima, quer dar aos que O procuram conhecer.
Este conjunto foi escolhido por opção do autor e porque pode representar, de um modo
significativo, o modo como os videntes viviam a fé e a celebravam (dimensão doxológica,
dimensão eucarística e a devoção ao Sagrado Coração), bem como o modo como viviam a

54
esperança e a doutrina da Igreja (sobretudo a partir da dimensão escatológica e
soteriológica).Assim sendo, a estrutura do capítulo divide-se em cinco subpontos, cada um
caracterizando a respetiva dimensão.

Dentro de cada subponto há também uma estrutura idêntica. O subponto começa por
definir de um modo sucinto a dimensão a tratar. De seguida expõe brevemente como essa
dimensão seria percecionada no contexto dos videntes, ou seja, que noção teriam estes
desta cristologia. Apresenta-se então o estilo em que essas dimensões aparecem nas
Memórias, a partir de alguns excertos representativos do escrito. Por fim, a conclusão de
cada subponto faz uma ponte entre os dois passos anteriores, realçando algum aspeto
merecedor de destaque na perceção da figura de Cristo.

Ao olhar particularmente para as diversas tipologias dos nomes cristológicos


formaram-se vários conjuntos de referências das quais sobressaem estas cinco dimensões
teológicas, anteriormente apresentadas. A ordem sequencial dos cincos pontos estrutura-se
segundo a importância preconizada pelas revelações celestes do Anjo e da Virgem Maria e
fundamentalmente pela própria vivência espiritual dos videntes, que vai desde a questão da
salvação até à problemática do destino último do homem.

3.1. A dimensão soteriológica

O termo soteriologia deriva do grego sōtería, que significa salvação. Partindo da


definição bíblica, pode-se notar que no Antigo Testamento a noção de salvação tinha como
pressuposto a situação negativa do homem, cujo conceito se identifica com a experiência
histórica da libertação da escravidão egípcia. Desta experiência brota a soberana ação de
Deus, livre e gratuita que inaugura uma relação de familiaridade intensa entre Deus e o
povo de Israel192. Em continuidade com a soteriologia de Israel, o Novo Testamento traz a
novidade da mediação salvífica de Cristo operada pela sua vida, morte e ressurreição. Este
fundamento bíblico é importante para o estudo dos nomes cristológicos nas Memórias a fim

192
Cf. G. SALVATI, “Salvação”, in Dicionário Teológico – O Deus Cristão,Ed. Paulus, São Paulo
1998, pág. 817.

55
de aferir o nexo da Mensagem de Fátima com um dos aspetos mais relevantes da
soteriologia cristã193.

A teologia soteriológica implícita nas Memórias pode ser dividida em dois grupos,
segundo os interlocutores dos videntes. Esta análise é pertinente, porque as mensagens
recebidas a partir das mariofanias e das angelofanias compõem um estilo diferente das que
provêm dos videntes. Assim, a teologia da redenção dos nomes cristológicos será analisada
em duas perspetivas: uma primeira perspetiva, facultada pelas mensagens celestes; e uma
segunda, que advém da vivência espiritual dos videntes. Dentro do primeiro grupo pode-se
ainda verificar uma diferença significativa entre o teor da mensagem do Anjo, que é,
sobretudo, de apelo à oração e ao sacrifício, e a mensagem da Virgem Maria. Nas
mariofanias, por seu lado, o essencial para a soteriologia parece ser a apresentação da
salvação como perdão divino aos pecadores. Esta necessidade que o homem tem de pedir a
misericórdia de Deus faz com que a soteriologia apareça na forma do pedido da
colaboração dos videntes194. O segundo ângulo de análise tem a ver com o carisma próprio
dos videntes. Nele se mostra a relação pessoal dos videntes com o Senhor, a partir da qual
se pode traçar uma fisionomia de Jesus.

3.1.1. A soteriologia na mensagem do Anjo

Ao analisar a mensagem do Anjo, na segunda Aparição do mesmo, podem-se extrair


alguns elementos da figura de Cristo que se enquadram na dimensão soteriológica: “ofrecei
um sacrificio em acto de reparação pelos pecados com que Êle é ofendido e de suplica pela
conversão dos pecadores…Sôbretudo aceitai e suportai com submissão o sufrimento que o
Senhor vos enviar.”195.O traço de Jesus saliente neste nome ‘Senhor’ associa-se ao
dinamismo teológico da reparação e da conversão que descreve um movimento ascendente
pelo oferecimento a Deus do sacrifício que associa os videntes ao sacrifício de Cristo na

193
Cf. G. SALVATI, “Salvação”, in Dicionário Teológico – O Deus Cristão, pág. 819-820.
194
Cf. J. FARIAS, “Redenção”, in AZEVEDO, Carlos – CRISTINO, Luciano, coord., Enciclopédia
de Fátima, Ed. Principia, Estoril, 2007, pág. 448-449.
195
Cit. 4ª, fl.61, pág. 227.

56
Cruz e com Ele se oferecem a Deus196. Deste modo, o rosto de Jesus que transparece no
nome ‘Senhor’ na mensagem angélica associa-se à obra da redenção de Cristo da qual
participam os videntes.

A mensagem angélica de cariz soteriológico tem, por isso, o sentido de reparação. A


proposta de reparação do Anjo aos videntes baseia-se no princípio da salvação que se
concretiza na solidariedade pelos pecadores através de orações e sacrifícios 197.Com efeito,
esta solidariedade com Cristo só se entende numa visão conjunta da dinâmica teologal
introduzida pelas Aparições angélicas através da oração reparadora “Meu Deus eu creio” e
da comunhão eucarística. Assim, o ciclo das angelofanias revela aos videntes a presença de
Cristo na realização dos desígnios salvíficos de reconciliação dos homens com Deus e dos
homens entre si198.

3.1.2. A soteriologia nas mariofanias

No âmbito das mariofanias, a dimensão soteriológica é mais manifesta nas


referências cristológicas ‘Jesus’ e ‘Nosso Senhor’. A primeira está associada à mensagem
mariana de julho:

“Sacrificai-vos pelos pecadores e dizei a Jesus muitas vezes, em especial sempre que
fizerdes algum sacrifício: Ó Jesus, é por Vosso amor, pela conversão dos pecadores e em reparação
pelos pecados cometidos contra o Imaculado Coração de Maria”199.

Esta prece contém o núcleo essencial da reparação, da qual brota a originalidade do


espírito sacrificial dos videntes e tornando os seus atos de expiação uma oferta em plena
união à oblação sacerdotal de Jesus Cristo200.

196
Cf. P. COELHO, «Ciclo Angélico: a pedagogia da adoração reparadora», in Congresso
Internacional: Fátima para o Século XXI, Ed. Santuário de Fátima, Fátima 2008, págs. pág.221.
197
Cf. P. COELHO, «Ciclo Angélico: a pedagogia da adoração reparadora», págs.222-223.
198
Cf. P. COELHO, «Ciclo Angélico: a pedagogia da adoração reparadora», págs.222.
199
Cit. 2ª, fl.16v, pág.160.
200
Cf. E. BUENO DE LA FUENTE, A Mensagem de Fátima – A Misericórdia de Deus: o Triunfo
do Amor nos Dramas da História, Ed. Santuário de Fátima, Fátima 2013, pág. 234.

57
Neste convite da Virgem Maria à conversão, à penitência e à oração, aparecem os
traços fundamentais da espiritualidade da redenção demarcada pela figura de Jesus. A
dimensão soteriológica das referências cristológicas relaciona-se com a salvação oferecida
por Cristo, com o perdão divino aos pecadores através da mediação da Virgem Maria e pela
colaboração dos videntes com as suas orações e sacrifícios201.

Nesta linha, é representativo o pedido da Virgem Maria na Aparição de outubro:


“Não ofendão mais a Deus Nosso Senhor que já está muito ofendido”202. Ao considerar-se
o nome cristológico ‘Nosso Senhor’ desvela-se o significado soteriológico ligado à imagem
do Cristo das Memórias. As palavras da Virgem Maria permitem olhar para o Deus
revelado por Jesus Cristo nos Evangelhos, o qual, ao contrário do Deus da filosofia grega e
do teísmo filosófico, não se mostra impassível, incapaz de sofrer e de amar o Homem203.

A leitura teológica desta nomenclatura demonstra a centralidade cristológica da


mensagem mariana, da qual emerge a figura de Deus ‘ofendido’ e ‘triste’. Neste
entendimento de Cristo, os videntes percecionam a figura do Deus ‘paciente’, à semelhança
da figura de um Pai misericordioso, daquele que é revelado por Jesus na parábola do “filho
pródigo” (cf. Lc 15,11-32)204. Assim, o nome ‘Nosso Senhor’ nas Memórias, a partir das
mariofanias, mostra um traço da vulnerabilidade do amor de Deus, testemunhado por
Cristo, que se compadece da humanidade.

3.1.3. Jacinta e os títulos ‘Nosso Senhor’ e ‘Jesus’

Ao longo do texto de Lúcia abordam-se referências cristológicas de cariz


soteriológico que se articulam com os elementos peculiares da espiritualidade de Jacinta
relativamente à paixão de Cristo. Neste contexto, os nomes cristológicos retratam a imagem
de Jesus crucificado caracterizada pela mística da vidente que, segundo o teólogo italiano

201
Cf. J. FARIAS, “Redenção”, in Enciclopédia de Fátima, pág. pág. 448-449
202
Cit. 2ª, fl.23v, pág.168.
203
Cf. F. R. GARRAPUCHO, «La centralidade cristológica en el mensaje de Fátima», págs. 337-
338.
204
Cf. F. R. GARRAPUCHO, «La centralidade cristológica en el mensaje de Fátima», págs.338.

58
Franco Manzi, se define por uma “imitação generosa de Cristo, servo sofredor e
abandonado na cruz”205.

Ao tratar das referências cristológicas ‘Nosso Senhor’ e ‘Jesus’, relacionadas com


Jacinta, podem-se descortinar várias semelhanças entre o Cristo das Memórias e algumas
passagens do Evangelho sobre a Paixão de Cristo: 1) a prisão de Jesus (cf. Jo 18,12 )
associada à prisão de Jacinta na cadeia de Ourém206; 2) a corda atada à cintura207; 3) a sede
do crucificado (cf. Jo 19,28) associada à sede da vidente na experiência da cruz na sua
doença208; 4) o beber do fel (cf. Jo 19,29-30) com o beber do leite com sabor amargo209; 5)
o lado aberto (cf. Jo19,34) associado à chaga nas costelas do lado esquerdo provocada por
uma pleurite purulenta210; 6) e, por último, a solidão do crucificado na morte (Mt27,39-44)
associada à solidão de Jacinta no hospital211. Esta espiritualidade sacrificial revela o afeto
da vidente por Jesus que a fez desejar tomar parte nos seus sofrimentos. Foi por meio desta
vivência que Jacinta assumiu de um modo íntimo e profundo atos de reparação pelos
pecadores, ao oferecer-se a si mesma212.
No que diz respeito a Jacinta no tempo da sua doença, as referências à invocação ‘Ó
Jesus’ refletem a sua devoção a Cristo crucificado: “Ó meu Jesus, eu Vos amo, e quero
sufrer muito por Vosso amor”213. Neste contexto, a invocação do nome de Jesus assemelha-
se ao pedido de perdão de Jesus pelos seus inimigos no momento da sua morte: “Perdoa-

205
Cit. F. MANZI, As Crianças-profetas de Fátima – O Olhar de Três Crianças sobre o
Ressuscitado, Ed. Santuário de Fátima, Fátima 2018, pág. 288.
206
“Jacinta então tu não queres ofrecer êste sacrifício a Nosso Senhor? Ihe preguntei. Quero, mas
lembro-me de minha mãe e choro sem querer”. Cit. 1ª, fl.26, pág.131.
207
“Seja pela gruçura e aspreza da corda, seja porque ás vezes a pertassemos demasiado, êste
instrumento fazia-nos por vezes sufrer horrivelmente; a Jacinta deixava ás vezes cair algumas lagrimas com a
força do incomodo que Ihe causava; e dizendo-lhe eu algumas vezes para a tirar, respondia. Não! Quero
ofrecer êste sacrificio a Nosso Senhor, em reparação e pela conversão dos pecadores”. 2ª, fl.20, pág.164.
208
“quando Nosso Senhor mandou a Penamonica… nas vésperas de adoecer dizia; doe-me tanto a
cabeça, e tenho tanta sede; mas não quero beber, para sufrer pelos pecadores.” Cit. 1ª, fl.33, pág.135.
209
“Como desobedeces assim a tua mãe e não ofreces êste sacrifício a Nosso Senhor? … disse agora
não me lembrei, e chama pela Mãe pede-lhe predão que toma tudo quanto ela quizer; a Mãe trás-lhe a chicra
do leite; toma-o sem mostrar a mais leve repugnância, depois disse-me se tu soubesses quanto me custou a
tomar” Cit. 1ª, fl.33, pág.135.
210
Cf. F. MANZI, As Crianças-profetas de Fátima – O Olhar de Três Crianças sobre o
Ressuscitado, pág.294.
211
“Nunca mais eide ver ninguem? E depois morro sozinha!”. 1ª, fl. 37, pág. 138.
212
Cf. F. MANZI, As Crianças-profetas de Fátima – O Olhar de Três Crianças sobre o
Ressuscitado, pág.288.
213
Cit. 1ª, fl.37, pág.138.

59
lhes meu Jesus e converte-os, decerto não sabem que com isto ofendem a Deus. Que pena
meu Jesus! Eu rezo por êles”214. O nome ‘Jesus’ liga-se aos sofrimentos físicos da vidente,
mostrando o percurso de uma verdadeira “Via Crucis” numa enraizada intimidade com
Aquele que foi crucificado pela redenção do mundo215. Estes nomes – ‘Nosso Senhor’ e
‘Jesus’ – reportam o conteúdo soteriológico nas Memórias que é caraterizado pelo
testemunho da vidente que, no dizer do teólogo Franco Manzi, se pode definir como:
“memória viva de Cristo Crucificado”216.

3.1.4. Francisco e a figura de Jesus

Ao abordar a dimensão soteriológica das referências cristológicas relacionadas com


Francisco verifica-se que o nome de ‘Nosso Senhor’ (associado à “luz” recebida pelas mãos
da Virgem Maria em maio) transmite ao santo não só o gozo da contemplação de Deus217,
mas, simultaneamente, a alegria e a condolência para com Deus: “Mas Êle está tam triste,
por causa de tantos pecados!”218. Assim, o vidente expressa a perceção da dor de Deus
ofendido. Esta perceção carateriza-se fundamentalmente pela sua teopatia, isto é, a sua
sensibilidade perante o sofrimento de Deus, e é a Sua dor que faz brotar nele o profundo
desejo de O consolar219.

Esta leitura nominal de ‘Nosso Senhor’ faz emergir a noção do sofrimento de Deus.
Ainda que o seu significado pareça ser meramente teo-lógico, ele é, também,
profundamente cristológico. Esta ambiguidade pode ser superada na análise ao nome de
‘Nosso Senhor’ que se enquadra na atitude de Francisco, que é preeminentemente

214
Cit. 3ª, fl.3v, pág.190.
215
Cit. F. MANZI, As Crianças-profetas de Fátima – O Olhar de Três Crianças sobre o
Ressuscitado, pág.293.
216
Cit. F. MANZI, As Crianças-profetas de Fátima – O Olhar de Três Crianças sobre o
Ressuscitado, pág.293.
217
Cf. “. Do que / gostei mais foi de vêr a Nosso Senhor, naquela luz que Nossa Senhora nos meteu
no peito. Gosto tanto de Deus!” Cit. 4ª, fl. 13, pág. 204.
218
Cit. 4ª, fl. 13, pág. 204.
219
Cf. E. BUENO DE LA FUENTE, A Mensagem de Fátima – A misericórdia de Deus, pág.189-
190.

60
consoladora de Deus diante do sacrário na presença de ‘Jesus escondido’220. Com efeito, a
adoração de Francisco reflete a sua orientação cristocêntrica, tal como fora recomendado
pelo Anjo na comunhão eucarística: “Tomai e bebei o Corpo e Sangue de Jesus Cristo,
orrivelmente ultrajado pelos homens ingratos; reparai os seus crimes e conçulai o vosso
Deus”.221 Desta forma, pode-se verificar que o sacrifício de Cristo está no centro da ação
reparadora que se repercute a cada visita que o vidente faz ao sacrário.

Ao refletir nos nomes cristológicos, verifica-se que a espiritualidade da reparação


em Francisco surge pela via da consolação. Esta consolação, que, num primeiro momento,
se manifesta pela iniciativa do amor de Deus, é concedida ao santo, primeiramente, através
da contemplação222. Num segundo momento, a consolação é algo que Francisco deseja
oferecer a Deus: “Gostava mais de consular a Nosso Senhor… Eu queria consular a Nosso
Senhor e depois converter os pecadores, para que não o ofendessem mais”223.

Neste contexto, a dimensão soteriológica pode-se definir pelo Espírito comunicado


nas mariofanias cuja espiritualidade da consolação do vidente se define como
“escondimento de si”224. Neste autoescondimento de S. Francisco Marto pode-se divisar o
rosto de Jesus orante no jardim das oliveiras, cuja oração coincide com a oferta de si em
sacrifício a Deus225.

Pode-se então concluir que a grande mensagem soteriológica das Memórias tem,
maioritariamente, o sentido de reparação com o forte apelo à penitência e à conversão
preconizados pelo Anjo e pela Virgem de Fátima226. Desta abordagem, sobressai o Jesus
que se compadece da humanidade. Nela subjaz uma figura de Cristo ferido pela indiferença

220
“diz-me o Francisco, olha, enquanto que vais à escola eu fico com Jesus escondido e cá Lhe peço
isso. Ao sair da escola fui chama-lo e preguntei-lhe: pediste aquela graça a Nosso Senhor?”. Cit. 4ª, fl.42,
pág.218.
221
Cit. 4ª, fl.63, p.227 e 228.
222
Cf. J. CARVALHO, «A reparação como via de consolação a Deus», pág.95.
223
Cit.4ª, fl.33, pág.214.
224
Cf. F. MANZI, As Crianças-profetas de Fátima – O Olhar de Três Crianças sobre o
Ressuscitado, pág.302.
225
Cf. F. MANZI, As Crianças-profetas de Fátima – O Olhar de Três Crianças sobre o
Ressuscitado, pág.302-303.
226
Cf. J. FARIAS, “Redenção”, in Enciclopédia de Fátima, pág. 446.

61
dos homens para com Deus. A partir da vida dos videntes Francisco e Jacinta reflete-se a
figura de um Jesus sofredor, que marca a espiritualidade da reparação e da consolação das
duas crianças. Esta noção de reparação, que brota da mensagem cristocêntrica de Fátima,
pode-se relacionar com a ideia da teologia patrística oriental de Santo Atanásio. Este padre
da Igreja usa a expressão “restauração da imagem” para se referir à ação de Cristo que,
através da Incarnação, restaura a imagem de Deus no homem. Estabelecendo a ligação com
a soteriologia das Memórias podem inserir-se neste processo os videntes de Fátima que
assumiram parte ativa na satisfação e na reparação dos pecados e dos seus efeitos no
homem227.

3.2. A dimensão doxológica

O termo doxologia deriva de dois conceitos gregos: dóxa, significa a glória; e lógos
a palavra; ou seja, a palavra de glória. Para se compreender as referências cristológicas
relacionadas com esta vertente teológica nas Memórias, recorre-se a uma definição que
expressa o ímpeto dos videntes para o louvor de Deus: “O louvor doxológico é o
movimento pelo qual se ama o Senhor por causa dele mesmo, “a ti porque és tu”, de
maneira desinteressada”228.

O estudo da teologia doxológica que emerge dos nomes de Jesus tem a sua chave de
compreensão no mistério de Deus como mistério trinitário. Este mistério de fé,
genuinamente cristão, contribuiu para uma nova conceção de Deus, revelado por Jesus
Cristo como Pai. O testemunho da filiação divina de Cristo e a sua atitude de louvor ao Pai
e do amor do Pai ao Filho, manifesta ao homem o espírito de filiação adotiva recebido que
o integra no dinamismo do amor trinitário229.

Uma teologia doxológica, a partir das Memórias, situa-se, sobretudo, na experiência


mística das mariofanias de maio e junho. Estas são a fonte e origem da manifestação do

227
Cf. J. FARIAS, «A espiritualidade dos Pastorinhos, à luz da teologia da reparação», in
COUTINHO, Vítor, coord., Jacinta Marto do Encontro à Compaixão, Ed. Santuário de Fátima, Fátima 2010,
pág. 299.
228
Cf. T. FEDERICI, “Doxologia”, in Dicionário Teológico – O Deus Cristão, pág. 226.
229
Cf. M. PEREIRA DE MATOS, “Trindade”, in Enciclopédia de Fátima, pág. 549.

62
mistério de Deus à qual se liga diretamente a referência cristológica-trinitária associada ao
louvor de Deus. As outras referências que aparecem no escrito são de menor importância,
pois derivam desta experiência que se repercute no louvor de Jacinta e Lúcia, expressão da
luz interior que lhes invade o coração.

A doxologia das referências cristológicas presente nas Memórias pode-se caraterizar


na expressão da atitude orante de cada um dos videntes através das seguintes palavras: “a
pessoa ama para além de si próprio, da situação, da necessidade, da recompensa, da espera,
do próximo, de toda a criatura. É anseio, desejo do Senhor, “por ele só”, para a comunhão
inefável”230. De alguma forma esta afirmação expressa a interioridade dos videntes cujo
louvor tem como único objeto a pessoa de Jesus, amada e louvada por causa do que ela é
para os homens231.

3.2.1. O Mistério da Trindade como fonte da doxologia

A dimensão doxológica nas Memórias aflora da experiência das Aparições de maio


e junho. Nelas, a Virgem Maria proporcionou aos videntes uma experiência mística que os
mergulhou na luz do mistério inefável de Deus Trindade232. Isto levou-os a exprimir uma
oração de louvor: “Ó Santíssima Trindade, eu Vos adoro. Meu Deus, meu Deus, eu vos
amo no Santíssimo Sacramento”233. Segundo o teólogo italiano Federici numa reflexão
sobre a vivência do homem diante do mistério trinitário, pode-se aferir que a experiência da
Trindade leva a que o “eu” dos videntes se perca diante do “Tu” divino dentro dos limites
da sua própria criaturalidade humana234.

Lúcia descreve a experiência mística da “luz” com estas palavras: “abriu pela
primeira vez as mãos comonicando-nos uma luz tam entensa, como que reflexo que d’elas
expedia, que penetrando-nos no peito e no mais intimo da alma, fazendo-nos vêr a nós

230
Cf. T. FEDERICI, “Doxologia”, in Dicionário Teológico – O Deus Cristão, pág. 227.
231
Cf. T. FEDERICI, “Doxologia”, in Dicionário Teológico – O Deus Cristão, pág. 227.
232
Cf. A. MARTO, «A Beleza do Rosto Trinitário de Deus na Mensagem de Fátima», in Congresso
Internacional: Santíssima Trindade Pai, Filho, Espírito Santo, Ed. Santuário de Fátima, Fátima 2008, pág. 47
233
Cit. 4ª, fl.68, pág.230.
234
Cf. T. FEDERICI, “Doxologia”, in Dicionário Teológico – O Deus Cristão, pág. 227.

63
mesmos em Deus que era essa luz”235. Pode-se dizer que é esta experiência arrebatadora
que faz subir as três crianças à comunhão com o Objeto divino por meio do louvor e da
graça divina236.Também a referência à Trindade brota da experiência mística da “luz” de
Lúcia, que faz expressar o espírito de permanente louvor da glória de Deus, segundo a
afirmação de Lúcia, citada por Bueno de la Fuente: “Fomos criados e escolhidos por Deus
para sermos o louvor da sua eterna glória. Ser o louvor da sua glória: é o fim mais alto, a
que Deus nos podia ter destinado! É termos em nós, por participação, a glória de Deus, com
a qual O podemos louvar”237.

Há ainda outro tipo de referências cristológicas de cariz doxológico que surgem no


contexto de expressões de Lúcia enquanto escritora das Memórias: “sinto brotar-me do
coração / um hino de acção de graças ao Nosso Deus Salvador, pelos dotes da natureza e da
graça com que se dignou enriquecer aquela que escolheu, para dar-me o ser sobre a terra e
erguer-me o olhar para o Céu”238. Este nome cristológico é expressão do “louvor
doxológico” de Lúcia que elevando o seu hino de gratidão mostra a surpresa, a admiração
pelas maravilhas realizadas por Deus, o que lhe provoca gozo e entusiasmo já numa etapa
de maior reflexão e distanciamento perante os acontecimentos que relata239.

3.2.2. A doxologia de Jacinta

Como foi referido no ponto anterior, nas mariofanias os videntes fazem a


experiência salvífica onde se dá, por Maria, o processo descendente da manifestação
trinitária de Deus. Porém, o estudo das referências cristológicas associadas a Jacinta mostra
o processo ascendente da doxologia. Neste processo, a santa pastorinha mostra como, de
um modo sobrenatural e simples, se chega ao Pai, no Espírito e pelo Filho. Assim, o

235
Cit. 4ª, fl.68, pág.230.
236
Cf. T. FEDERICI, “Doxologia”, in Dicionário Teológico – O Deus Cristão, pág. 227.
237
LÚCIA DE JESUS, citada por E. BUENO DE LA FUENTE, A Mensagem de Fátima – A
misericórdia de Deus, pág.193.
238
6ª, fl.113, pág.327/328.
239
Cf. T. FEDERICI, “Doxologia”, in Dicionário Teológico – O Deus Cristão, pág. 230.

64
encontro com Deus Pai é, também nas Memórias, a meta e o fim de todo o louvor e
adoração240.

Concretamente, o texto das Memórias apresenta algumas referências cristológicas


relacionadas com Jacinta, que expressam o seu louvor a ‘Jesus’ durante a sua doença:
“gosto tanto de dizer a Jesus que o amo! quando lho digo muitas vezes, paresse que tenho
lume no peito; mas não me queimo. Outra vez dizia – gosto tanto de Nosso Senhor e de
Nossa Senhora, que nunca me canço de lhes dizer que os amo”241.Para Bueno de la Fuente,
esta expressão de louvor da vidente pode ser lida, segundo a reflexão de Lúcia sobre a
Mensagem de Fátima, como “o reconhecimento de que Deus é o único digno do seu amor,
leva a que a adoração se funda com o amor, com o reconhecimento e com gratidão”242.

Na dimensão doxológica salienta-se a referência cristológica que reflete o amor de


Jacinta a Jesus: “As vezes beijava um cruxifixo e abraçando-o, dizia. Ó meu Jesus, eu Vos
amo, e quero sufrer muito por Vosso amor. Outras vezes dizia. Ó Jesus, agora podes
converter muitos pecadores porque este sacrifício é muito grande!”243.Este amor da vidente
vai para além do amor de si próprio. Na sua doença, Jacinta elevou o seu louvor a ‘Jesus’
expressando-se de uma maneira completa e perfeita. Isso viveu de um modo tão admirável
que foi retamente encaminhada para a comunhão inefável com Deus244.

A doxologia presente nas Memórias expressa a comunhão mística dos videntes pela
experiência do encontro com Deus mediada pelas mãos de Maria. Nesses escritos, esta
vivência foi espelhada, sobretudo, nas referências às vidas de Lúcia e de Jacinta. Nelas se
torna visível o hino de louvor de que ambas fizeram as suas vidas, a fim de serem expressão
do louvor de Deus e de gratidão, independente da alegria ou do sofrimento em que se
encontrem.

240
Cf. E. TOURÓN, “Escatologia”, in Dicionário Teológico – O Deus Cristão, pág. 275.
241
1ª, fl. 30, pg. 133.
242
Cf. E. BUENO DE LA FUENTE, A Mensagem de Fátima – A misericórdia de Deus, pág.192.
243
1ª, fl. 37, pág. 138.
244
Reflexão que procura adaptar à interpretação da Mensagem as indicações de: T. FEDERICI,
“Doxologia”, in Dicionário Teológico – O Deus Cristão, pág. 227.

65
3.3. A dimensão eucarística

Para traçar a figura do Jesus eucarístico que aparece nas Memórias, devem-se situar
os nomes cristológicos ao nível da fé cristológica e trinitária. A espiritualidade eucarística
brota da entrega sacrificial de Cristo que compendia a grandeza do mistério do amor
salvador de Deus pela humanidade. Diante deste mistério inefável nasce uma atitude de
pura gratidão que transporta o crente para a adoração como sinal de acolhimento do dom
por meio do acontecimento salvífico na cruz. Este é o fundamento cristológico que ajuda a
entender toda a reflexão que se segue sobre o Jesus eucarístico245.

Na abordagem da dimensão eucarística optou-se pelo estudo das referências


cristológicas nos contextos mais relevantes de índole sacramental eucarística, em que
podem ser delineados os traços mais salientes de Jesus eucarístico. Neste sentido destacam-
se dois contextos: a terceira Aparição do Anjo e a vida eucarística de Francisco e Jacinta.

3.3.1. O Jesus eucarístico da terceira angelofania

As Memórias, ao narrarem a terceira angelofonia, registam as várias nomenclaturas


cristológicas que se identificam com Jesus eucarístico. Na oração surgem as expressões:
‘Padre, Filho e Espírito Santo’, ‘Corpo sangue, Alma e Devindade de Jesus Cristo’, e o
‘Coração de Jesus’246. Na comunhão eucarística destaca-se o ‘Corpo e Sangue de Jesus
Cristo247. Estas referências cristológicas evidenciam o teor eminentemente eucarístico da
mensagem angélica que se divide em dois momentos: a oração de adoração e a comunhão

245
Cf. J. MENDES, “Eucaristia”, in Enciclopédia de Fátima, pág. 206.
246
“Apareceu-nos pela terceira vez, trazendo da mão um caliz e sôbre êle uma Hóstia da qual caiam
dentro do caliz algumas gôtas de sangue. Deixando o caliz e a Hostia suspensos no ar, prostrou-se em terra e
repetiu tres vezes a oração. Santíssima Trindade, Padre, Filho, Espírito Santo, adoro-vos profundamente e
ofreço-vos o preciosissimo Corpo sangue, Alma e Devindade de Jesus Cristo, presente em todos os sacrarios
da terra, em reparação dos ultrages, sacrilegios e endifrenças com que Êle mesmo é ofendido. E pelos meritos
infinitos do seu santissimo Coração, e do Coração Imaculado de Maria, peço-vos a conversão dos / pobres
pecadores”. Cit.4ª, fl.62, pág.227.
247
“Tomai e bebei o Corpo e Sangue de Jesus Cristo, orrivelmente ultrajado pelos homens ingratos;
reparai os seus crimes e conçulai o vosso Deus”. Cit. 4ª, fls.63, págg.227/228.

66
eucarística. Além destes, o relato da angelofania mostra o uso de dois elementos
explicitamente eucarísticos: o cálice e a hóstia.

Desta forma, a dimensão eucarística nas nomenclaturas cristológicas ‘Corpo,


Sangue, Alma e Devindade’ e a do ‘Coração de Jesus’248surge profundamente ligada a
Cristo “vítima na Eucaristia”249. Estas referências eucarísticas colocam Cristo no centro do
mistério da “adoração reparadora” que, por meio dela, une os videntes à expiação realizada
por Cristo na cruz, colocando-os em íntima relação com o mistério eucarístico250.

Neste contexto eucarístico da terceira angelofania, os videntes são introduzidos


numa autêntica experiência mística que os introduz no mistério da comunhão eucarística:
“Tomai e bebei o Corpo e Sangue de Jesus Cristo, orrivelmente ultrajado pelos homens
ingratos; reparai os seus crimes e conçulai o vosso Deus”251. Esta experiência mística
revela-se aos videntes como sinal da presença de Cristo pelo amor vivificante do Espírito
Santo. A comunhão do Corpo e Sangue manifesta a figura do Jesus eucarístico aos
videntes. Mostra igualmente que estes, na solidariedade relacional e salvífica, segundo a
ação do Espírito, viveram uma vida eucarística que se expressou em atos reparação pelo
pecado dos homens252.

A vivência do sentido reparador que parte da espiritualidade eucarística dos


pastorinhos é expressão da relação vital dos videntes com Cristo. Esta experiência
contemplativa de Cristo na Eucaristia, revela às três crianças os traços do “Rosto Trinitário
de Deus”253. Assim, a centralidade eucarística da mensagem angélica une-se à adoração
reparadora a ‘Jesus escondido’, expressa na resposta teologal à iniciativa de Deus. Este
modo de resposta dos videntes às interpelações divinas, através do Anjo, mostra o
reconhecimento que estes fizeram da santidade de Deus que se fez próximo dos videntes de
Fátima254.

248
Cf. 2ª, fl. 10v, pg. 153.
249
Cf. P. COELHO, «Ciclo Angélico: a pedagogia da adoração reparadora», pág.224.
250
Cf. P. COELHO, «Ciclo Angélico: a pedagogia da adoração reparadora», pág.224.
251
Cit. 2ª, fl.10v, pg.153
252
Cf. A. MARTO, «A Beleza do Rosto Trinitário de Deus na Mensagem de Fátima», pág.45/46.
253
Cf. A. MARTO, «A Beleza do Rosto Trinitário de Deus na Mensagem de Fátima», pág.43.
254
Cf. E. BUENO DE LA FUENTE, A Mensagem de Fátima – A misericórdia de Deus, pág.179.

67
Também a figura do ‘Coração de Jesus’ deve ser inserida no contexto do ciclo
angélico que acompanha o itinerário espiritual dos videntes ligado à oração, ao sacrifício e
à Eucaristia. De facto, desde a primeira Aparição que o Anjo comunica e suscita nos
videntes o espírito de adoração reparadora na fé, esperança e caridade em atenção ao
‘Coração de Jesus’. Na segunda, transmite-lhes o espírito sacrificial através do sacrifício
quotidiano segundo os desígnios do ‘Coração de Jesus’. Na última angelofania, o
mensageiro celeste explicita e concretiza o espírito de adoração sacrificial numa dimensão
trinitária e eucarística, através da oração e da comunhão. Nesta, o próprio Anjo tem como
propósito claro conferir à Sagrada Comunhão uma finalidade reparadora pelos méritos do
‘Coração de Jesus’255.

3.3.2. O Jesus eucarístico de Francisco e Jacinta.

Nas diversas referências ao ‘Jesus escondido’, a partir das perspetivas de Francisco


e Jacinta, a figura de Jesus eucarístico aparece ligada à espiritualidade da consolação e da
reparação. Esta espiritualidade, por sua vez, está intimamente unida à tradição teológica
que brota da devoção ao Coração de Jesus do séc. XVII, privilegiando a adoração junto ao
sacrário. O desejo que Jacinta exprime de “estar muito tempo sozinha a falar com Jesus
escondido”256 é representativo e, por isso, expressa a sua devoção eucarística. Neste
sentido, e integrada nesta espiritualidade, se compreende a atitude dos videntes de Fátima,
ao procurarem fazer companhia a Jesus na adoração eucarística. Para os videntes esta
adoração era entendida como um ato de comunhão de puro amor a ‘Jesus escondido’257.

3.3.2.1. Jesus eucarístico e a espiritualidade de Francisco

A dimensão eucarística refletida nas referências cristológicas é mais significativa na


espiritualidade de Francisco no âmbito da adoração reparadora. O seu interesse era o de

255
Cf. A. MARTO, «Eucaristia e Trindade – A Dimensão Eucarística na Mensagem de Fátima» in
Humanística e Teologia XIX/1-2 (1998), pág. 22.
256
Cit. 1ª, fl. 28, pg. 132.
257
Cf. J. FARIAS, «A espiritualidade dos Pastorinhos, à luz da teologia da reparação», pág.301.

68
estar próximo de Jesus presente no sacrário. Esse interesse na sua vida torna-se patente nas
suas opções e em vista da doença que o atingia: “olha tu vai á escola, eu fico aqui na Igreja
junto de Jesus escondido, não me vale a pena aprender a lêr, daqui a pouco vou para o
Céu”258.As Memórias mostram a presença de Jesus eucarístico que, em Francisco, se reflete
na oração contemplativa diante do sacrário. Aí, o vidente experienciou uma relação de
íntima comunhão com Jesus na eucaristia. Desta opção orante resulta aquela que é a
espiritualidade mais peculiar de Francisco Marto: a imitação de Cristo “escondido”259.

A comunhão do cálice na terceira Aparição terá ajudado a fazer com que o vidente
situasse a eucaristia no centro da sua espiritualidade. As Aparições da Virgem Maria e a
contemplação do rosto entristecido do Senhor, por seu lado, tê-lo-ão ajudado a reforçar a
sua relação com ‘Jesus escondido’ nas espécies eucarísticas260. Com efeito, a figura de
Jesus eucarístico define-se, nas Memórias, em grande parte, pela espiritualidade da
consolação de Francisco. O encontro com ‘Jesus escondido’ é fruto de um amor consolador
que se oferece a Deus tal como um amigo é consolador do seu amigo 261. A companhia que
Francisco fazia a ‘Jesus escondido’ significava estar em contemplação diante do sacrário,
deixando-se envolver pelo olhar do Mestre. Neste movimento o jovem pastor ia também ele
colhendo um novo olhar, a partir do qual via e sentia com os olhos de Deus a realidade do
mundo262.

3.3.2.2. Jesus eucarístico e a espiritualidade de Jacinta

As referências mais significativas da relação de Jacinta com Jesus eucarístico estão


ligadas à comunhão sacramental. A vidente mostra a figura de Jesus eucarístico como uma
presença inefável. Ela descreve a experiência da sagrada comunhão como uma presença
que se sente e na qual se entende o que diz Jesus, mas sem ver nem ouvir. O relato da
258
Cit. 4ª, fl.33, pág.214.
259
Cf. F. MANZI, As Crianças-profetas de Fátima – O Olhar de Três Crianças sobre o
Ressuscitado, pág.306-307.
260
Cf. F. MANZI, As Crianças-profetas de Fátima – O Olhar de Três Crianças sobre o
Ressuscitado, pág. 305.
261
Cf. M. MORUJÃO, «Uma espiritualidade da consolação», in Francisco Marto Crescer para o
Dom, Ed. Santuário de Fátima, Fátima 2010, pág.202 e ss.
262
Cf. J. FARIAS, “Adoração eucarística”, in Enciclopédia de Fátima, pág.18

69
própria mostra de um modo claro esta sua atração por Jesus que se esconde nas espécies
eucarísticas: “não sei como é, sinto a Nosso Senhor dentro em mim, compriendo o que me
diz, e não o veijo nem oiço, mas, é tam bom estar com Êle!”263.Este trato íntimo da vidente
com o Santíssimo Sacramento reflete-se neste desejo de estar a sós, pois Jesus eucarístico
mostra-se uma presença viva que atrai o coração da vidente: “é tam bom estar com Êle!”264.

Ao analisar os nomes de Jesus relacionados com Jacinta Marto podem-se delinear


os traços da espiritualidade eucarística da vidente usando uma expressão de Emanuel Silva
sobre o tema: “A identidade da Eucaristia é dada pela Pessoa de Jesus que entrega aos seus
discípulos o mistério da sua própria Pessoa para que vivam dele e para que o re-vivam no
mundo”265.Em Jacinta é possível ver a passagem da configuração com Jesus eucarístico na
contemplação e na consequente imitação de Cristo crucificado. Neste sentido, afirma-se
que a vidente, como discípula de Cristo, é eucaristia unida ao Único Jesus Cristo, que se
ofereceu para a salvação dos homens. Para o referido autor, isto significa que, a vida de
Jacinta se faz Pão que se transforma e, concomitantemente, altar onde ela se oferece com a
oferta do próprio Jesus266.

Em suma, as Memórias traçam a figura de Jesus eucarístico que vem da experiência


genuína da comunhão eucarística dos videntes na angelofania. Os nomes cristológicos da
dimensão eucarística mostram a espiritualidade própria dos videntes, espiritualidade essa
que é vivenciada através da união dos seus sacrifícios ao sacrifício de Cristo Redentor na
Eucaristia. Além disso, esta não se limitou aos momentos das angelofanias, mas
aprofundou-se na estrutura orante dos videntes através da adoração eucarística que, para
eles, se manifestava no estar com ‘Jesus escondido’267.

263
Cit. 3ª, fl.6, pág.195.
264
Cit. 3ª, fl.6, pág. 195.
265
Cit. E. SILVA, «Uma Espiritualidade sacrificial», pág.360.
266
Cf. E. SILVA, «Uma Espiritualidade sacrificial», pág.361.
267
Cf. E. BUENO DE LA FUENTE, A Mensagem de Fátima – A misericórdia de Deus, pág.224-
225.

70
3.4 A dimensão cordial de Jesus

A devoção ao Sagrado Coração de Jesus, derivada da tradição teológica do séc.


XVII e centrada na mística da reparação e da consolação, estava ligada ao culto eucarístico,
mais concretamente, à adoração eucarística268.Esse movimento de renovação espiritual
iniciou-se entre o povo cristão, precisamente, sobretudo com a prática da adoração
eucarística. A adoração era feita nas igrejas e tinha como propósito a consolação e
reparação em Cristo das ingratidões causadas pela sociedade269.

Também nas Aparições angélicas aos videntes a devoção ao ‘Coração de Jesus’ teve
um grande relevo. Sendo a mesma estrutura devocional dos séculos anteriores, ela
contribuiu significativamente para a espiritualidade da reparação assumida e vivida pelos
videntes. Assim, a análise da cristologia nominal do ‘Coração de Jesus’ nas Memórias é
muito significativa por esta ser a fonte inspiradora da mensagem de conversão transversal a
toda a Mensagem de Fátima.

3.4.1. O ‘Coração de Jesus’ no ciclo angélico

A referência ao ‘Coração de Jesus’ surge na primeira Aparição associada à oração


“Meu Deus eu creio” ensinada pelo Anjo aos videntes. Apesar da oração ser explicitamente
de cariz teocêntrico, ela é igualmente cristocêntrica, por ser atendida pelo ‘Coração de
Jesus’ e, em consequência, pode-se depreender que se dirige ao Deus Uno e Trino da fé
cristã. Esta fórmula de adoração ensinada aos videntes pretende criar uma vida interior e de
união com Deus por meio do ‘Coração de Jesus’270.Esta angelofania foca-se no mistério do
Filho de Deus: enviado pelo Pai para estabelecer a Nova Aliança, na Sua entrega na cruz
realiza a redenção dos homens e intercede pelos homens junto do Pai271.

Na segunda Aparição angélica, o ‘Coração de Jesus’ assume uma acentuação


profundamente soteriológica, como se nota pela exortação do Anjo: “Orai! Orai muito! Os

268
Cf. J. FARIAS, «A espiritualidade dos Pastorinhos, à luz da teologia da reparação», pág.301.
269
Cf. J. FARIAS, “Adoração eucarística”, in Enciclopédia de Fátima, pág. 16.
270
Cf. P. COELHO, «Ciclo Angélico: a pedagogia da adoração reparadora», págs.215-216.
271
Cf. P. COELHO, «Ciclo Angélico: a pedagogia da adoração reparadora», págs.215-216.

71
Corações de Jesus e Maria têm sobre vós desígnios de misericórdia. Oferecei
constantemente ao Altíssimo orações e sacrifícios”272. A mensagem angélica mostra o rosto
do ‘Coração de Jesus’ ligada à reparação pedida aos videntes, cujo significado soteriológico
está relacionado com o sacrifício de Cristo na cruz oferecido ao Pai por toda a
humanidade273. Este ato salvífico de Cristo constitui o princípio eficaz da participação dos
videntes na obra de reparação e desperta (ou promove) neles a solidariedade para com os
pecadores. Esta solidariedade em Cristo é fruto da pedagogia divina que une os corações
dos três videntes à figura do ‘Coração de Jesus’. Nesta união os videntes oferecem-se
juntamente com o Senhor ao Pai pelos pecadores274.

Na terceira Aparição, o mensageiro celeste faz a menção da referência cristológica


ao ‘Coração de Jesus’ na oração de adoração eucarística: “pelos méritos infinitos do Seu
Santíssimo Coração”275.Esta expressão liga a devoção ao ‘Coração de Jesus’ à sua história
na Igreja, porque mostra a continuidade da união desta espiritualidade com a adoração
reparadora ligada ao sacramento eucarístico. Esta nomenclatura situa a figura do ‘Coração
de Jesus’ no âmago da espiritualidade eucarística, através da qual se descobre que é na
Eucaristia que se concentram a adoração e a reparação. Deste modo, o memorial eucarístico
– oferecido pelo Anjo na comunhão reparadora276 – acentua que a obra de reparação assenta
nos merecimentos do ‘Coração de Jesus’, sendo uma dádiva do amor divino aos videntes
para que se tornem participantes dela277.

3.4.2. A unidade dos “Corações de Jesus e de Maria”

O estudo da figura do ‘Coração de Jesus’ no ciclo angélico é indissociável da figura


de Maria. De facto, desde a primeira Aparição do Anjo que a figura do ‘Coração de Maria’
surge ligado ao ‘Coração de Jesus’: “Orai assim, os Corações de Jesus e Maria estão atentos á

272
Cit. 2ª, fl. 9v, pg. 152
273
Cf. P. COELHO, «Ciclo Angélico: a pedagogia da adoração reparadora», págs.221-222.
274
Cf. P. COELHO, «Ciclo Angélico: a pedagogia da adoração reparadora», págs.222-223.
275
Cit. 2ª, fl.10v, p.153
276
“Tomai e bebei o Corpo e Sangue de Jesus Cristo, orrivelmente ultrajado pelos homens ingratos;
reparai os seus crimes e conçulai o vosso Deus” Cit. 2ª, fl.10v, pág.153.
277
Cf. P. COELHO, «Ciclo Angélico: a pedagogia da adoração reparadora», págs.223-225.

72
vós das vossas suplicas”278. Na terceira memória, Lúcia explica como Jacinta interpretava na
sua espiritualidade esta íntima união, bem como o que lhe parecia ser o pedido de Deus
para a sua oração: “o Coração de Jesus quer, que a seu lado se venere o Coração Imaculado
de Maria”279. Na sua vivência deste amor ardente por Deus, Jacinta entende que é da
vontade de Cristo que com Cristo se venere o Coração de Maria. O significado desta união
dos ‘Corações de Jesus e de Maria’ apresenta-se teologicamente com dois sentidos: o
primeiro, bíblico-teológico; o segundo, eclesiológico.

O sentido bíblico-teológico refere-se à união de Maria com a obra redentora de


Cristo revelada nos Evangelhos280. No início do Evangelho de S. Lucas, o Coração de
Maria surge como o primeiro a acreditar no que lhe fora anunciado da parte de Deus no
episódio da Visitação (cf. Lc 1, 45). Mais tarde, aquando do nascimento de Jesus, foi ele
que prestou os primeiros cuidados ao seu Filho Jesus em Belém (cf. Lc 2, 19). Também, no
final da vida de Jesus se dá um forte relevo à presença do ‘Imaculado Coração de Maria’.
No capítulo dezanove de S. João relata-se que o Coração de Maria participou na agonia do
Seu Filho na Cruz (cf. Jo 19, 25) e que viu o soldado a trespassar o coração do seu Filho
(cf. Jo 19, 34). Também neste final se mostra a concretização espiritual da profecia de
Simeão (cf. Lc 2, 35). Assim, a espiritualidade associada ao ‘Coração de Maria’ aparece
vinculada ao ‘Coração de Jesus’ nas Aparições angélicas, sem nada acrescentar à eficácia
salvífica de Cristo único mediador281.

O sentido eclesiológico é expresso de modo exímio pelas palavras de S. Paulo VI no


encerramento do terceiro período do Concílio Vaticano II: “o conhecimento da verdadeira
doutrina Católica sobre Maria será sempre a chave da exata compreensão do mistério de
Cristo e da Igreja, porque em Maria tudo é referido a Cristo e tudo depende d’Ele” 282.Esta
frase elucida a compreensão da ligação entre o ‘Coração de Jesus e de Maria’ que perpassa
toda Mensagem de Fátima.

278
Cit. 2ª, fl. 9v, pág. 152.
279
Cit. 3ª, fl. 5v, pg.195.
280
Cf. P. COELHO, «Ciclo Angélico: a pedagogia da adoração reparadora», pág.216.
281
Cf. P. COELHO, «Ciclo Angélico: a pedagogia da adoração reparadora», pág.217.
282
Cit. E. BUENO DE LA FUENTE, «Dimensão teocêntrica da mensagem de Fátima», in
COUTINHO, Vítor, coord., Mensagem de Esperança para o Mundo - Acontecimento e Significado de
Fátima, Ed. Santuário de Fátima, Fátima 2012, pág.92.

73
Verifica-se então que, ao longo das Aparições, a figura do ‘Coração de Jesus’ vai
sendo progressivamente desvelada aos videntes em três fases distintas. A primeira fase, na
primeira oração do Anjo, na qual é criado o primeiro laço entre os videntes e o ‘Coração de
Jesus’. A segunda fase, na união da figura do ‘Coração de Jesus’ à oração e ao sacrifício.
Por último, a terceira fase, em que se destaca a íntima ligação da espiritualidade do
‘Coração de Jesus’ ao culto eucarístico. A novidade das revelações, contudo, não se centra
no seu conteúdo, mas na progressividade e gradualidade da pedagogia divina para com os
videntes.

3.5. A dimensão escatológica

A outra dimensão da vida espiritual dos videntes, que foi, neste ensaio, considerada
importante para alcançar uma imagem do Cristo das Memórias, é a dimensão escatológica.
Escatologia deriva do termo grego éschathon, que significa as coisas últimas e definitivas.
Assim, num sentido cristão, a escatologia aborda o Reino de Deus na ressurreição. Este
Reino final foi visto no cristianismo, a partir de S. Paulo, como o “tempo” em que Deus
vem “instaurar todas as coisas em Cristo” (Ef 1, 10)283. Este “tempo” a que se refere S.
Paulo é o lugar da revelação na história de Deus Trindade, como uma consequência da
Páscoa de Jesus. No plano da revelação divina, a Páscoa é o ponto culminante da história,
em que Deus se revela a partir do Ressuscitado284.

As Memórias apresentam também uma cristologia sobre o destino último do


homem, o que o espera para lá da morte. Contudo, elas tratam sobretudo a chamada
escatologia individual e, dentro dessa, os novíssimos paraíso e inferno 285. Esta dimensão é
aqui abordada a partir do confronto que os videntes tiveram com estas realidades. Em
primeiro lugar a contemplação que Francisco faz da ressurreição de Jesus, no contexto das
mariofanias. Em segundo lugar a perceção que Jacinta tinha do inferno e a reflexão que
fazia sobre o destino dos pecadores.

283
Cf. E. TOURÓN, “Escatologia”, in Dicionário Teológico – O Deus Cristão, pág. 264.
284
Cf. E. TOURÓN, “Escatologia”, in Dicionário Teológico – O Deus Cristão, pág. 274.
285
Cf. J. FARIAS, Um fogo que arde, mas não queima. Ensaio Teológico sobre a Mensagem de
Fátima como contributo para entender e viver hoje em Portugal, Ed. Paulinas, Lisboa 2010, pág.83.

74
3.5.1 A escatologia das mariofanias

As várias menções do nome ‘Nosso Senhor’, estão identificadas com a experiência


mística de Francisco Marto no âmbito das Aparições de maio, setembro e outubro. Em
todas, o tema da “luz” é relatado pelo vidente como uma grande experiência que o
envolveu286.Esta luz é a presença escatológica do Senhor, que surge aos videntes pela
envolvência que estes nela fizeram, como que num vislumbre da eternidade. E foi nesse
vislumbre que os próprios videntes foram inseridos: “Gostei muito de vêr Nosso Senhor:
mas gostei mais de o vêr n’aquela luz onde nós estávamos também”287. Para E. Bueno de la
Fuente, esta vivência mística do santo que lhe permite identificar Cristo na “luz”
assemelha-se àquela experiência pascal de luz que permitiu aos apóstolos uma
compreensão do sentido dos acontecimentos e os tornou testemunhas da ressurreição de
Cristo288.

Deste modo, a experiência mística das Aparições despontou em Francisco o desejo


de encontro com ‘Nosso Senhor’ pela esperança de brevemente “ir para céu”. Esta
experiência de contemplar ‘Nosso Senhor’ na “luz” é reveladora da esperança escatológica
do santo no encontro definitivo que o faz desejar intensamente vê-la no paraíso: “Daqui a
pouco já Nosso Senhor me leva lá pró pé d’Ele e entam veijo sempre”289.Este enunciado
escatológico do vidente sobre o seu encontro definitivo com Deus funda-se na experiência
de encontro com Cristo que se tornou uma presença de graça salvífica. Assim, o princípio
fundamental dos enunciados escatológicos nas Memórias é a revelação por Maria da “luz”
que é Cristo290.

O pendor escatológico das mariofanias encontra-se ainda ligado à relação de Maria


com o Ressuscitado. Esta relação está ligada à referência a ‘Nosso Senhor’, a partir do

286
Cit. 4ª, Fl.13, pág. 204; cf. Gostei muito de vêr Nosso Senhor: mas gostei mais de o vêr n’aquela
luz onde nós estávamos também: Daqui a pouco já Nosso Senhor me leva lá pró pé d’Ele e entam veijo
sempre. Cit. 4ª, fl. 22, pág. 208.
287
Cf. 4ª, fl. 68, pág. 230
288
Cf. E. BUENO DE LA FUENTE, A Mensagem de Fátima – A misericórdia de Deus, pág.170-
171.
289
Cit. 4ª, fl22, p.208.
290
Cf. K. VECHTEL, «A esperança cristã no encontro definitivo com Deus», in Envolvidos no Amor
de Deus pelo Mundo – Experiência de Deus e Responsabilidade Humana, Ed. Santuário de Fátima, Fátima
2015, pág. 91.

75
gesto da bênção. Na Aparição, a descrição da visão foca essa bênção no momento do
fenómeno solar: “Nosso Senhor parcia abençoar o mundo da mesma fórma que S. José”291.
A referência cristológica associada ao gesto de bênção de Cristo pode ser interpretada à luz
do mistério da Ascensão de Jesus, no momento da sua elevação ao Céu, no qual Ele se
despede dos seus discípulos dando-lhes a bênção. Deste modo, pode-se entender esta
bênção de ‘Nosso Senhor’ como componente nuclear do mistério pascal de Cristo que é o
pressuposto de todas as bênçãos de Deus292.

Além do gesto concreto da bênção, a partir da leitura das nomenclaturas de ‘Nosso


Senhor’ pode-se haurir o seu significado escatológico pela relação das mariofanias com a
ressurreição de Jesus. Este evento escatológico de Cristo possibilita a experiência do
encontro dos videntes com a humanidade glorificada da Virgem de Fátima que os leva à
experiência do encontro com Cristo Ressuscitado293.

3.5.2. O inferno

Na dimensão escatológica, as Memórias apresentam a referência cristológica


relacionada com a temática do inferno no âmbito da mariofania de julho. Depois da visão
do inferno, a Virgem Maria vem em auxílio da humanidade por meio da oração ensinada na
mesma Aparição de julho: “Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno; levai
as alminhas todas para o Céu, principalmente aquelas que mais precisarem”294. Deste modo
Maria ensina os videntes a dirigirem-se a Cristo, a invocar o nome de Cristo, porque só por
meio d’Ele se pode livrar do mal todos os homens e levá-los à salvação295.

Esta referência cristológica refere-se ao cerne da escatologia cristã que é a salvação


do homem. A meditação do inferno versa sobre a perdição do homem pecador que a si

291
Cit. 4ª, fl.82, pág.236
292
Cf. E. BUENO DE LA FUENTE, A Mensagem de Fátima – a Misericórdia de Deus: o Triunfo do
Amor nos Dramas da História, pág.268 e 269.
293
Cf. E. BUENO DE LA FUENTE, «Dimensão teocêntrica da mensagem de Fátima», pág.71
294
Cit. 4ª, fl.75, pág.232.
295
Cf. F. R. GARRAPUCHO, «La centralidade cristológica en el mensaje de Fátima», pág.336.

76
mesmo se exclui do Céu e da relação com Deus por recusar o Seu amor296. Neste sentido, a
Mensagem de Fátima tem um enorme acento profético e apocalíptico, como uma última
oportunidade para que os homens se possam salvar297.

Esta visão do inferno, na Aparição de julho, relaciona-se com a problemática da


salvação das almas, que é o que mais preocupa Jacinta: “temos que resar e ofrecer
sacrifícios a Nosso Senhor, para que o converta e não vá para o inferno coitadinho” 298. A
visão do inferno, que mais impressionou Jacinta, leva-a a refletir nas suas consequências. A
vidente preocupa-se seriamente com a possibilidade de que o homem pecador se possa
perder eternamente. Por outro lado, a pastorinha confia na possibilidade de o homem ser
libertado do juízo pela graça superabundante em Cristo299: “temos que resar e ofrecer
sacrifícios a Nosso Senhor”300.

Assim, através do estudo das referências cristológicas pode-se observar o seu


conteúdo teológico-escatológico, presente desde o acontecimento fundante das mariofanias.
No ponto anterior, as referências cristológicas aludiam à luz do ressuscitado, inflamando o
desejo de Francisco pela salvação definitiva na contemplação de Deus face a face. Neste
último, sobre o inferno, destaca-se o amor de Jacinta pelos pecadores. Unida a Cristo em
orações e sacrifícios, a vidente deseja ardentemente salvá-los do inferno, o lugar da
perdição301.

À luz da ressurreição de Cristo, vê-se o sentido profundamente cristocêntrico das


mariofanias. A reflexão trinitária e cristológica é essencial para a interpretação do conteúdo
soteriológico e escatológico das referências cristológicas nas quais, à luz das múltiplas
manifestações de Cristo ressuscitado, se compreende o sentido da mensagem das

296
Cf. J. FARIAS, Um fogo que arde, mas não queima, pág.84.
297
Cit. J. FARIAS, Um fogo que arde, mas não queima, pág.83.
298
Cit. 1ª, fl.29, p.133
299
Cf. E. TOURÓN, “Escatologia”, in Dicionário Teológico – O Deus Cristão, pág. 278.
300
Cit. 1ª, fl.29, pág.133.
301
Cit. J. FARIAS, Um fogo que arde, mas não queima, pág.83.

77
mariofanias302. Nas referências ao inferno, por seu lado, é crucial a compreensão da
necessidade de salvação. Jacinta entendeu esta necessidade profundamente e viu que a sua
ação reparadora contribuía para que Cristo continuasse a salvar as almas.

Concluindo este estudo teológico das referências cristológicas salienta-se que a


figura de Jesus das Memórias é o Cristo crucificado, sobre a qual assenta a dimensão
soteriológica que brota das mensagens celestes e para a qual convergem todos os traços de
Jesus das outras dimensões teológicas. Na abordagem da cristologia nominal das Memórias
releva-se que a imagem de Jesus é fruto da espiritualidade dos videntes que deriva das
angelofanias e das mariofanias. Apesar de estas revelações não trazerem qualquer novidade
à revelação operada por Cristo, elas dão-lhe um novo impulso espiritual, concentrando-a no
âmbito da figura de Jesus da devoção ao Sagrado Coração de Jesus, do culto eucarístico e
do conhecimento dos novíssimos, nomeadamente, do paraíso e inferno. Assim, a reflexão
teológica ao redor dos nomes de Jesus contribui para recentrar a figura de Cristo que fica
diluída no universo da religiosidade popular mariana de Fátima.

302
Cf. E. BUENO DE LA FUENTE, A Mensagem de Fátima – A misericórdia de Deus, pág.155-
158.

78
CONCLUSÃO
Em conclusão, pode afirmar-se que os traços de Jesus nas Memórias aparecem em
sintonia com a figura de Jesus apresentado pela Igreja do séc. XX, uma vez que a
Mensagem de Fátima anda a par com os apelos da Igreja à conversão e penitência. Esta
mensagem é a mesma da palavra de arrependimento e de conversão dos pecadores,
explícita na Missão Abreviada e na Cartilha da Doutrina Cristã, dois documentos
sumamente importantes para compreender a doutrina e a piedade do povo de Fátima, que
era comumente incutida às crianças na época dos pastorinhos. Por fim, a devoção ao
Sagrado Coração de Jesus e o culto eucarístico criaram as predisposições necessárias para
os videntes conhecerem e aprofundarem o Cristo das revelações do Anjo e da Virgem
Maria.

A partir das Memórias é possível elaborar um discurso com os traços fundamentais


da figura de Jesus que constituem o corpus da Mensagem de Fátima. Este estudo, ao
debruçar-se sobre a cristologia nominal, permite dizer que o Jesus extraído do escrito de
Lúcia é tido como “objeto” de relação com os diversos intervenientes. Assim, a leitura das
referências cristológicas permite desvendar quem é o Cristo das Memórias.

Ao analisar o nome ‘Nosso Senhor’, que melhor define o Jesus das Memórias, este
pode-se caraterizar, por meio da mensagem da Virgem Maria, como o Deus que se
compadece da humanidade pelo Seu Filho Jesus Cristo. O nome ‘Nosso Senhor’ mostra,
através do olhar dos videntes, a imagem do Jesus crucificado, o servo sofredor que é objeto
de simpatia dos videntes, de sentimentos de comiseração pelos sofrimentos causados pelos
pecados dos homens. Com efeito, este nome cristológico mostra a atitude sacrificial, não
propriamente em ação reparadora, mas especificamente como propósito ou desejo de
reparação em sacrifícios diversificados que ligam intimamente o coração dos videntes ao de
Cristo.

Por outro lado, a referência cristológica ‘Jesus’ está conotada com o apostolado da
reparação pedido pela Virgem de Fátima aos videntes. Este nome ‘Jesus’, associado à
atividade reparadora dos videntes, tem como destinatário a Cristo. Ele é, antes de mais, o
mediador da graça salvífica das ações solidárias dos videntes. Deste modo, este nome

79
cristológico ganha particular significado em Jacinta e Francisco, sendo as noções de
reparação e consolação expressão da participação na redenção de Cristo.

Estes dois nomes – ‘Nosso Senhor’ e ‘Jesus’ – são relevantes para a soteriologia
haurida das Memórias. O primeiro, mostra uma experiência de encontro dos videntes com
Cristo crucificado pela contemplação e, concomitantemente, pelo desejo de corresponder
aos desígnios de Deus por meio da oração e do sacrifício. O segundo nome, relaciona-se
com a participação dos videntes no mistério salvífico de Cristo, da ação reparadora que
aparece quer nos sacrifícios voluntários, quer no sofrimento enviado por Deus e acolhido
com amor pelos pecadores e pela consolação de Deus ofendido.

Porém, dos vários nomes cristológicos estudados nas Memórias destaca-se o


‘Coração de Jesus’ como o mais relevante da Mensagem de Fátima, por condensar em si
todos os significados das referências cristológicas deste escrito de Lúcia. Por um lado, a
figura do Coração de Jesus revela-se unida à ação salvífica de Cristo pela exortação à
reparação com orações e sacrifícios (dimensão soteriológica). Por outro, o ‘Coração de
Jesus’ é indissociável do mistério eucarístico e da oração trinitária. Com efeito, pode-se
aferir que toda a ação solidária dos videntes e a sua espiritualidade tem como alicerce a
figura do Coração de Jesus, que é o rosto do encontro com Cristo na oração, conversão e
reparação.

Ao refletir-se sobre a cristologia nominal das Memórias realça-se o seu contributo


para a soteriologia como uma dimensão transversal a todos os nomes de Jesus nas
Memórias. Assim, verifica-se que ela supera alguns limites e carências apontados a certos
tratados de soteriologia sistemática: a visão individualista da salvação; o juridicismo da
visão soteriológica; o espiritualismo; e por último a salvação vista como um dado
escatológico303.

Ao contrário da visão redutora da salvação, o contributo deste estudo sobre o Jesus


das Memórias mostra que a salvação tem a mediação da Virgem Maria, na luz que ela
infunde aos videntes manifestando a superabundância do dom de Deus que se oferece ao
homem, contrastando com o aspeto voluntarista e do mérito pessoal da espiritualidade

303
Cf. G. SALVATI, “Salvação”, in Dicionário Teológico – O Deus Cristão, pág. 826.

80
cristã. Com efeito, a contemplação dos videntes de Cristo crucificado e a doação das suas
vidas em sacrifício de reparação mostra o espírito de comunhão e de compromisso com a
Igreja que se distancia da perspetiva meramente transformadora da alma sem repercussões
no corpo eclesial. Por último, o Jesus das Memórias é a fonte da redenção do homem,
verdadeira experiência de salvação dos videntes na terra, com a esperança escatológica de a
viver eternamente no céu, o que enfraquece a ideia da redenção somente na posteridade da
vida terrena304.

Por fim, há algumas considerações finais acercado contributo deste estudo para uma
nova forma de olhar o fenómeno de Fátima. O contributo mais significativo desta reflexão
prende-se com os elementos cristocêntricos tratados no estudo das Memórias. É sem dúvida
um olhar mais amplo sobre a figura de Jesus na Mensagem de Fátima, tal como este se
mostra na sua iconografia e na sua espiritualidade. Em termos iconográficos salienta-se, por
exemplo, a imagem do Sagrado Coração de Jesus situada no centro do Recinto de Oração
do Santuário de Fátima. Outro elemento de destaque é a cruz alta no recinto, também ela é
reflexo do Jesus presente na mensagem do escrito de Lúcia. O crucificado é a representação
mais relevante do Jesus dos videntes e à qual configuraram as suas vidas. Por outro lado,
em termos espirituais poder-se-ão evocar a própria devoção do rosário; a devoção dos
primeiros sábados em reparação ao Imaculado Coração de Maria; o culto eucarístico
expresso nas celebrações, na adoração ao Santíssimo e na procissão eucarística; e, por
último, o sacramento da reconciliação. Estes momentos celebrativos da vida espiritual do
Santuário entrecruzam-se com o Jesus das Memórias e configuram tópicos cristológicos de
Fátima.

304
Cf. G. SALVATI, “Salvação”, in Dicionário Teológico – O Deus Cristão, pág. 827.

81
BIBLIOGRAFIA

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82
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85
Anexo

Referências Cristológicas usadas no estudo apresentado


no 2º Capítulo

86
1. Nosso Senhor

Aparições de Nossa Senhora

1) “Que é que Vossemecê me quer? Quero dizer-te que façam aqui uma capela em minha
honra que sou a Senhora do Rosario, que continuem sempre a rezar o terço todos os
dias, a guerra vai acabar e os melitares voltarão em breve para suas casas. Eu tinha
muitas coisas para lhe pedir. Se curava uns doentes, e se convertia uns pecadores etc.
Uns sim; outros não. É preciso que se emendem, que peçam perdão dos seus pecados: e
tomando um aspecto mais triste: Não ofendão mais a Deus Nosso Senhor que já está
muito ofendido”305.

2) “Desta aparição as palavras que mais se me gravaram no coração foi o pedido da Nossa
Santissima Mãe do Céu.– Não ofendam mais a Deus Nosso Senhor que já está muito
ofendido. Que amorosa queixa e que terno pedido! Quem me dera que êle ecoasse pelo
mundo fóra e que todos os filhos da Mãe do Céu ouvissem o som da sua vóz”306.

3) “Continuem a rezar o terço, para alcançarem o fim da guerra: em Outubro virá também
Nosso Senhor, Nossa Senhora das Dôres e do Carmo, S. José com o Menino Jesus para
abençoarem o Mundo. Deus está contente com os vossos sacrifícios, mas não quer que
durmais com a corda, trazei-a só durante o dia”307.

4) “Desaparecida Nossa Senhora na emensa distancia do firmamento vimos ao lado do sol


S. José com o Menino e Nossa Senhora vestida de branco com um manto azul. S. José
com o Menino parciam abençoar o mundo com uns gestos que faziam com a forma de
cruz. Pouco depois desvanecida esta aparição, vi Nosso Senhor e Nossa Senhora que
me dava a edeia de ser Nossa Senhora das Dôres. Nosso Senhor parcia abençoar o
mundo da mesma fórma que S. José. Desvaneceu-se esta aparição, e parceu-me vêr
ainda Nossa Senhora em forma / semelhante a Nossa Senhora do Carmo”308.

Jacinta - Antes das Aparições

5) “isso não manda-me outra coisa, porque não me mandas beijar aquele Nosso Senhor
que está ali, (era um cruxífixo que havia pendurado na parede) pois sim, respondi sobes
acima d’uma cadeira, traze-lo para qui e de joelhos, dás-lhe tres abraços e tres beijos
um pelo Francisco, outro por mim e outro por ti; a Nosso Senhor, dou todos quantos

305
4ª, fl. 81, pág.235.
306
2ª, fl. 23v, pág.168.
307
4ª, fl. 80, pág.235.
308
4ª, fl. 82, pág.236.

87
quiseres, e correu a buscar o cruxifixo, beijou e abraçou-o com tanta devoção, que
nunca mais me esqueceu aquela / ação; depois olha com atenção para Nosso Senhor e
pregunta; porque está Nosso Senhor assim pregado n’uma cruz? Porque morreu por
nós. Conta-me como foi?”309.

6) “Minha Mãe questumava ao serão contar contos… vinha minha Mãe, com a história da
Paixão… Eu conhecia pois a Paixão de Nosso Senhor como uma história, e como me
bastava ouvir as histórias uma vez, para as repetir com todos os seus detalhes; comecei
a contar aos meus companheiros, promenorizadamente a história de Nosso Senhor,
como eu Ihe chamava”310.

7) “ao ouvir contar os sufrimentos de Nosso Senhor, a pequenina (Jacinta) entreneceu-se e


chorou; muitas vezes depois, pedia para Iha repetir, chorava com pena, e dizia,
coitadinho de Nosso Senhor, eu não eide fazer nunca nenhum pecado, não quero que
Nosso Senhor sofra mais”311.

8) “Jacinta, preguntei-lhe; para que vais ai no meio das ovelhas? Para fazer como Nosso
Senhor que n’aquele santinho, que me deram tambem está assim, no meio de muitas, e
com uma ao colo”312.

Durante as Aparições

9) “E, o que é o inferno? (responde a Lúcia) É uma cova de bichos e uma fogueira muito
grande e vai para lá quem fáz pecados e não se confessa, e fica lá sempre a arder… o
inferno nunca acaba. E o Céu também não. Quem vai para o Céu nunca mais de lá
sai…Fizemos então pela primeira vez a meditação do inferno e da eternidade. O que
mais imprecionou a Jacinta foi, a eternidade. Mesmo brincando de vez enquando
preguntava. Mas olha, então depois de muitos muitos anos o inferno ainda não acaba?
Outras vezes E aquela gente que lá está á arder, não morre? E não se fáz em cinza? E se
a gente resar muito por os pecadores, Nosso Senhor livra-os de lá? E com os sacrifícios
também? Coitadinhos havemos de resar e fazer muitos sacrifícios por eles”313.

10) “(Na prisão) Jacinta então tu não queres ofrecerêste sacrifício a Nosso Senhor? Ihe
preguntei. Quero, mas lembro-me de minha mãe e choro sem querer”314.

309
1ª, fls. 7-8, pág. 120.
310
1ª, fl. 8, pág. 120.
311
1ª, fl. 9, pág. 121.
312
1ª, fl. 14, pág. 124.
313
1ª, fl. 17, pág. 126.
314
1ª, fl. 26, pág. 131.

88
11) “Disse-me eu agora já não bailo mais. (Jacinta) E porque? porque quero ofrecer êste
sacrifício a Nosso Senhor. E como eramos as cabeças na brincadeira entre as crianças;
acabaram os bailes que se questumavam fazer nestas ocasiões”315.

12) “aquela gentinha simples das aldeias / não nos deixavam; contavam com toda a
simplicidade todas as suas necessidades e aflições. A Jacinta mostrava pena em especial
quando se tratava dalgum pecador; e então, dizia, temos que resar e ofrecer sacrifícios a
Nosso Senhor, para que o converta e não vá para o inferno coitadinho”316.

13) “Seja pela gruçura e aspreza da corda, seja porque ás vezes a pertassemos demasiado, êste
instrumento fazia-nos por vezes sufrer horrivelmente; a Jacinta deixava ás vezes cair
algumas lagrimas com a força do incomodo que Ihe causava; e dizendo-lhe eu algumas
vezes para a tirar, respondia. Não! Quero ofrecerêste sacrificio a Nosso Senhor, em
reparação e pela conversão dos pecadores”317.

14) “Vieram um dia falar-nos trez cavalheiros, depois do seu interrogatório bem pouco
agradavel, despediram-se, dizendo. Veijam se se resolvem a dizer êsse segredo, se não o S.
Administrador está disposto a acabar-lhes com a vida. A Jacinta deixando transparcer a
alegria no rosto diz. Mas que bom! Eu gosto tanto de Nosso Senhor e de Nossa Senhora e
assim vamos velos breve”318.

15) “Mas sufriam (a Jacinta e o Francisco) por me vêr sufrer e não poucas vezes as lágrimas Ihe
banharam as faces por me verem aflita ou mortificada. Um dia, a Jacinta dizia-me, quem
me dera que meus Pais fossem como os teus, para que esta gente tambem me podesse bater,
porque assim tinha mais sacrifícios para ofrecer a Nosso Senhor”319.

16) “Não, dessa água bôa não quero, bebia desta porque em vez de ofrecer a Nosso Senhor a
cede, ofrecia-Lhe o sacrificio de beber d’esta água suja. Na verdade a água d’esta lagoa era
sugíssima, varias peçoas ai lavavam a roupa e os animais iam ai beber e / banhar -se; por
isso minha mãe tinha o cuidado de recomendar a seus filhos que não bebessem d’essa água.
Outras vezes dizia, Nosso Senhor deve estar contente com os nossos sacrifícios porque eu
tenho tanta, tanta cede; mas não quero beber; quero sufrer por Seu amor”320.

17) “Um dia estavamos sentadas no portal da casa de meus Tios, quando notamos que se
aproximam varias peçoas, o Francisco, comigo sem tempo para mais curremos cada um

315
1ª, fl. 27, pág. 131.
316
1ª, fl. 29, pág. 133.
317
2ª, fl. 20, pág. 164.
318
2ª, fl. 21v, pág. 165.
319
2ª, fl. 28v, pág. 173.
320
2ª, fls. 28v-29, pág. 174.

89
para seu quarto a esconder-nos debaxo das camas, a Jacinta diz, eu não me escondo. Vou
ofrecer a Nosso Senhor êste sacrifício”321.

18) “Um dia disse-me a minha Tia; pregunta á Jacinta o que está a pensar, quando está tanto
tempo com as mãos na cara, sem se mover; já Iho tenho preguntado, mas sorri-se e, não
responde. Fiz a pregunta. Penso (respondeu) em Nosso Senhor, Nossa Senhora, nos
pecadores e em (nomeou algumas coisas do segredo) gosto muito de pensar”322.

19) (Jacinta) “Vosses tem-se esquecido de dizer a Nosso / Senhor que o amam pelas graças que
nos tem feito?”323.

Durante a doença da Jacinta

20) “Um dia na sua doença disse-me gosto tanto de dizer a Jesus que o amo! quando lho
digo muitas vezes, paresse que tenho lume no peito; mas não me queimo.
Outra vez dizia – gosto tanto de Nosso Senhor e de Nossa Senhora, que nunca me
canço de lhes dizer que os amo”324.

21) “Passavam assim os dias da Jacinta, quando Nosso Senhor mandou a Penamonica, que
a prostrou em cama com seu Irmãozinho, nas vésperas de adoecer dizia; doe-me tanto a
cabeça, e tenho tanta sede; mas não quero beber, para sufrer pelos pecadores”325.

22) “Como desobedeces assim a tua mãe e não ofreces êste sacrifício a Nosso Senhor? Ao
ouvir isto deixou cair algumas lágrimas, que eu tive a felecidade de limpar; e disse
agora não me lembrei, e chama pela Mãe pede-lhe predão que toma tudo quanto ela
quizer; a Mãe trás-lhe a chicra do leite; toma-o sem mostrar a mais leve repugnância,
depois disse-me se tu soubesses quanto me custou a tomar”326.

23) “Cada vez me custa mais a tomar o leite e os caldos, mas não digo nada, tomo tudo por
amor de Nosso Senhor / e do Imaculado Coração de Maria, nossa Mãezinha do Céu.
Preguntei-lhe um dia. Estás melhor? Já sabes que não melhoro; e acrescentou, tenho
tantas dores no peito! mas não digo nada, sofro pela conversão dos pecadores”327.

321
2ª, fl. 29, pág. 174.
322
1ª, fl. 36, pág. 137.
323
2ª, fl. 19, pág. 163.
324
1ª, fl. 30, pág. 133.
325
1ª, fl. 33, pág. 135.
326
1ª, fl. 33, pág. 135.
327
1ª, fl. 34, pág. 136.

90
24) “Se tu fosses comigo! O que mais me custa é ir sem ti. Se calhar o hospital é uma casa
muito escura, onde não se vê nada; e eu estou ali a sufrer sozinha! Mas não importa,
sofro por amor de Nosso Senhor, para reparar o Imaculado Coração de Maria, pela
conversão dos pecadores e pelo S. Padre”328.

25) “Dá muitas saudades minhas a Nosso Senhor e a Nossa / Senhora e diz-lhe que sofro
tudo quanto eles quizerem, para converter os pecadores e reparar o Imaculado Coração
de Maria”329. (diz Jacinta ao seu irmão)

26) “Sofro sim: mas ofreço tudo pelos pecadores, e para reparar o Imaculado Coração de
Maria. Depois falou com entusiasmo de Nosso Senhor e de Nossa Senhora e dizia
gosto tanto de sufrer por seu amor! para dar-lhes gosto! Êles gostam muito de quem
sofre para converter os pecadores … Encontrei-a com a mesma alegria por sufrer por
amor do Nosso bom Deus, do Imaculado / Coração de Maria, pelos pecadores e pelo
Santo Padre, era o seu edial, era no que falava”330.

27) “nunca mais te eide tornar a vêr? Nem a minha Mãe nem os meus Irmãos, nem o meu
pai? Nunca mais eide ver ninguem? E depois morro sozinha! Não penses nisso Ihe
disse um dia. Deixa-me pensar, porque quanto mais penso mais sofro; e eu quero sufrer
por amor de Nosso Senhor e pelos pecadores. E depois não me importo Nossa Senhora
vai-me lá a buscar para o Céu”331.

28) “A Jacinta dizia-me ás vezes. Sinto uma dôr tam grande no peito, mas não digo nada a
minha Mãe; quero sufrer por Nosso Senhor, em reparação pelos pecados cometidos
contra o Imaculado Coração de Maria, pelo Santo Padre e pela conversão dos
pecadores”332.

29) “Quando um dia pela manhã cheguei junto d’ela, preguntou-me, quantos sacríficios
ofreceste esta noite a Nosso Senhor? Três, levantei-me três vezes a rezar as orações do
Anjo. Pois, eu ofreci-Lhe muitos, muitos, não sei quantos foram porque tive muitas
dores e não me queixei”333.

30) “Sua Mãe sabia o quanto lhe repugnava o leite… Não minha Mãe, as uvas não as quero
leve-as, dê-me antes o leite que o tomo, e sem mostrar a minima repugnância tomou-o.
Minha tia retirou-se contente, pensando que o fastio da sua filhinha ia / desaparecendo.

328
1ª, fl. 34, pág. 136.
329
1ª, fl. 35, pág. 136.
330
1ª, fl. 35, pág. 137.
331
1ª, fl. 37, pág. 138.
332
2ª, fl. 32v, pág. 178.
333
2ª, fl. 32v, pág. 179.

91
Depois voltou-se para mim e disse-me. Apeteciam-me tanto aquelas uvas e custou-me
tanto tomar o leite! Mas quis ofrecer êste sacrificio a Nosso Senhor. Um outro dia pela
manhã encontrei-a muito desfigurada e preguntei-lhe se se achava peor? Esta noite
respondeu ela tive muitas dores e quis ofrecer a Nosso Senhor o sacríficio de não me
voltar na cama, por isso não dormi nada”334.

31) “Disse o que me parcia do seu estado de saude e depois contei a Sua Rvr.cia como ela
me tinha dito que já não era capás de se inclinar até ao chão para rezar. Sua Rvr.cia
mandou-me então dizer-lhe que não queria que descesse mais da cama para rezar, que
deitada rezasse só o que pudesse sem se cançar. Dei-lhe o recado na primeira ocasião
que tive e ela preguntou E Nosso Senhor ficará contente? Fica lhe respondi Nosso
Senhor quer que a gente faça o que o Senhor Vigario nos manda”335.

32) “Ela (Jacinta)pegava n’elas (as flores do cabeço) e ás vezes dizia com as lágrimas a
banhar-lhe as faces Nunca mais lá torno; nem aos Valinhos nem á Cova da Iria e tenho
tantas saudades! Mas que te importa, se vais para o Céu vêr a Nosso Senhor e a Nossa
Senhora? Pois é! Respondia e ficava contente, desfolhando o seu ramo de flôres e
contando as petalas de cada uma”336.

33) “Não tenhas pena, de eu não ir contigo, é pouco tempo, podes passa-lo a pensar em
Nossa Senhora, em Nosso Senhor e a dizer muitas vezes essas palavras que gostas
tanto. Meu Deus eu vos amo! Imaculado Coração de Maria, Doce Coração de Maria,
etc. Isso sim! respondeu com vivacidade, não me cançarei nunca de dize-las até morrer
e depois eide canta-las muitas vez no Céu”337.

34) “Muito antes de ninguem falar em ela entrar no Hospital de Vila Nova de Ourem ela
disse um dia. Nossa Senhora quer que eu vá para dois Hospitais, mas não é para me
curar, é para sofrer mais por amor de Nosso Senhor e pelos pecadores”338.

35) “Entrava em sua casa e preguntava-me, comungaste? Se lhe dizia que sim. Chegate aqui
bem para junto de mim, que tens em teu coração a Jesus escondido.
Outras vezes dizia-me, não sei como é, sinto a Nosso Senhor dentro em mim,
compriendo o que me diz, e não oveijo nem oiço, mas, é tam bom estar com Êle!
Em outra ocasião. Olha sabes? Nosso Senhor está triste, porque Nossa Senhora, disse-
nos para não o ofenderem mais que já estava muito ofendido e ninguém fêz caso,
continuam a fazer os mesmos pecados”339.

334
2ª, fls. 33-33v, pág. 179.
335
2ª, fl. 33v, pág. 179.
336
2ª, fl. 34, pág. 179.
337
3ª, fl. 5, pág. 194/195.
338
2ª, fl. 37v, pág. 183.

92
36) “Um dia deram-me uma estampa do Coração de Jesus, bastante bonita para o que os
homens podem fazer, leveia á Jacinta. Queres êste santinho? Pegou n’êle, olhou-o com
atenção e disse, é tam feio, não se paresse nada com Nosso Senhor que é tam bonito,
mas quero, sempre é Êle. E trazia-o sempre com ela,de noite e na doença, tinha-o
debaicho da almofada, até que se rompeu. Beijava-o com frecuência…”340.

37) “Jacinta, queres que diga a algumas que fiquem aqui ao pé de ti a fazer-te companhia?
Pois sim. Mas dessas mais pequeninas que eu. Então todas porfiavam dizendo, fico eu,
fico eu: Depois entretinha-se com elas ensinado-lhes o Padre Nosso, a Avé Maria, a
benzer-se, a cantar e sôbre a cama d’ela ou sentadas no chão no meio da casa se estava
levantada, jogavam…Rezava com elas o terço, aconselhava-as a não fazerem pecados,
para não ofenderem a Deus Nosso Senhor e não irem para o inferno”341.

38) “Ai tinham tambem lugar, minuciosos e fatigantes enterrogatorios; e ela sem mostrar
nunca a mínima empaciência ou aborrecimento: apenas me dizia depois; já me doia
tanto a cabeça de ouvir aquela gente! Agora que não posso fugir para me esconder,
ofreço mais sacrificios d’êstes a Nosso Senhor”342.

39) “Se na sua (Jacinta) presença alguma criança ou mesmo pessoas grandes, diziam
alguma coisa, ou faziam qualquer acção menos conveniente, repriêndias dizendo: não
façam isso que ofendem a Deus Nosso Senhor e Êle já está tam ofendido!”343.

40) “Se diziam alguma coisa que não Ihe parcesse bem, acudia logo, não digam isso, que
ofendem a Deus Nosso Senhor. Se contavam alguma coisa de suas familias que não
fosse bôa: respondia-lhes: não deixem os seus filhinhos fazerem pecados, que / lhe
podem ir para o inferno”344.

41) “Se eram peçoas maiores Digam-lhe que não façam isso, que é pecado, que ofendem a
Deus Nosso Senhor e depois podem condenar -se”345.

339
3ª, fl. 6, pág. 195.
340
3ª, fl. 5v, pág. 195.
341
4ª, fl. 107, pág. 246.
342
4ª, fl. 108, pág. 246.
343
4ª, fl. 105, pág. 245.
344
4ª, fl. 108, pág. 246.
345
4ª, fl. 109, pág. 246.

93
Francisco -durante as Aparições

42) (Influência da 1ª Ap.) “Um dia disse-me: gostei muito de vêr o Anjo, mas gostei ainda
mais de Nossa Senhora. Do que / gostei mais foi de vêr a Nosso Senhor, naquela luz
que Nossa Senhora nos meteu no peito. Gosto tanto de Deus! Mas Êle está tam triste,
por causa de tantos pecados! Nós nunca havemos de fazer nenhum”346.

43) “Quando depois do dia 13 de Setembro lhe disse que em Outubro vinha também Nosso
Senhor, êle mostrou grande alegria. Ai que bom! Só o vimos duas vezes ainda e eu
gosto tanto d’êle! De vez em quando preguntava: ainda faltaram muitos dias para o dia
13? Estou ancioso que venha para vêr outra vez a Nosso Senhor”347.

44) “Depois do dia 13 de Outubro, dizia. Gostei muito de vêr Nosso Senhor: mas gostei
mais de o vêr n’aquela luz onde nós estávamos também: Daqui a pouco já Nosso
Senhor me leva lá pró pé d’Ele e entam veijo sempre”348.

45) “Deixa lá. Não disse Nossa Senhora que iamos a ter muito que sufrer, para reparar a
Nosso Senhor e o seu Imaculado Coração de tantos pecados com que são ofendidos?
Êles estão tam tristes! Se com / estes sufrimentos os pudermos consular já ficamos
contentes”349.

46) “Não poucas vezes o íamos surpriender de trás / d’uma parede, ou d’um silvado, para
onde, dessimoladamente se tinha escapado: de juelhos a rezar ou a pensar como êle
dizia: em Nosso Senhor triste por causa de tantos pecados. Se lhe preguntava.
Francisco, por que não me dizes para rezar contigo e mais a Jacinta? Gosto mais
(respondia) de rezar sozinho, para pensar e consular a Nosso Senhor que está tam
triste”350.

47) “Um dia preguntei-lhe. Francisco tu de que gostas mais de consular a Nosso Senhor ou
converter os pecadores. para que não fossem mais almas para o inferno? Gostava mais
de consular a Nosso Senhor. Não reparaste como Nossa Senhora ainda no ultimo mez
se pôs tão triste quando disse que não ofendessem a Deus Nosso Senhor que já está

346
4ª, fl. 13, pág. 204.
347
4ª, fl. 13, pág. 204.
348
4ª, fl. 22, pág. 208.
349
4ª, fl. 13, pág. 204.
350
4ª, fl. 33, pág. 214.

94
muito ofendido? Eu queria consular a Nosso Senhor e depois converter os pecadores,
para que não o ofendessem mais”351.

48) “Minhas Irmãs tomarão partido de minha Mãe e enventaram um sem numero de
ameaças para assustar-me com a entrevista do Parco, enformei a Jacinta e seu Irmão do
que se passava os quais me responderam, – nós também vamos o Senhor Prior mandou
também dizer a minha mãe para nos levar lá; mas minha Mãe não nos disse nada destas
coisas; paciência se nos baterem, sufremos por amor de Nosso Senhor e pelos
pecadores”352.

49) “Mas o Francisco aproximou-se de mim e disse-me: – Não cantemos mais isso. Nosso
Senhor decerto agora não gosta que cantemos essas coisas. E lá nos escapámos como
pudemos, por entre a outra criançada, para o nosso poço predilecto”353.

50) “Ele quando a Jacinta se mostrava mais emprecionada com a lembrança do inferno
costumava dizer-lhe: não penses tanto no infer/no! pensa antes em Nosso Senhor e
Nossa Senhora. Eu não penso n’êle, para não ter medo”354.
“vinha a pedido d’uma outra mulher d’um lugarejo vizinho a quem tinham prendido um
filho acusando-o não me lembro de que crime pelo qual se não se justificava a sua
inocência seria condenado ao desterro ou pelo menos a um considravel número de anos
de prisão… ao chegar a Fátima diz-me o Francisco, olha, enquanto que vais à escola eu
fico com Jesus escondido e cá lhe peço isso. Ao sair da escola fui chama-lo e preguntei-
lhe: pediste aquela graça a Nosso Senhor? Pedi: diz à tua Tereza que daqui a poucos
dias êle vem para casa”355.

Na doença de Francisco

51) “Na sua doença sofria com uma paciencia eroica / sem deixar escapar um gemido nem a
mais leve queixa. Preguntei-lhe um dia, pouco antes d’êle morrer. Francisco, sofres
muito? – sim, mas sofro tudo por amor de Nosso Senhor e de Nossa Senhora356”.

52) “Um dia preguntei-lhe Francisco, sentes-te muito mal? Sinto, mas sofro para consular a
Nosso Senhor.
/Ao entrar um dia com a Jacinta no seu quarto, disse-nos: hoje falem pouco, que me doi
muito a cabeça. Não te esqueças de ofrecer por os pecadores Ihe disse a Jacinta. Sim:

351
4ª, fl. 33, pág. 214.
352
2ª, fl. 14v, pág. 157.
353
4ª, fl. 29, pág. 213.
354
4ª, fl. 37, pág. 216.
355
4ª, fl. 42, pág. 218.
356
2ª, fl. 33, pág. 178.

95
mas primeiro ofreço para consular a Nosso Senhor, a Nossa Senhora, e depois então é
que ofreço por os pecadores, e por o Santo Padre”357.

53) “Enquanto a Jacinta parcia preocupada com o unico pensamento de converter


pecadores, e livrar almas do inferno, êle parcia só pensar em consular a Nosso Senhor e
a Nossa Senhora que lhe tinha parecido estarem tam tristes”358.

54) “Outro dia ao chegar encontrei-o muito contente. Estás melhor? Não. Sinto-me muito
peor, já me falta pouco para ir para o Céu: lá vou consular muito a Nosso Senhor, e a
Nossa Senhora. A Jacinta vai a pedir muito por os pecadores, por o Santo Padre e por ti:
e tu, ficas cá, porque Nossa Senhora o quer. Olha fáz tudo o que ela te disser”359.

55) “Na doença o Francisco mostrou-se sempre alegre e contente. Às vezes preguntava-lhe.
Sofres muito Francisco? Bastante: mas não emporta, sofro para consular a Nosso
Senhor e depois d’aqui a pouco vou para o Céu!...
Nas vésperas de morrer disse-me, olha estou muito mal, já me falta pouco para ir para o
Céu. Então vê lá, não te esqueças de lá / pedir muito por os pecadores, por o Santo
Padre, por mim e pela Jacinta. Sim eu peço, mas olha, essas coisas pede-as antes à
Jacinta que eu tenho medo de me esquecer quando vir a Nosso Senhor! e depois antes o
quero consular”360.

“quando os rapazes da Aljustrel atiram pedras aos de Buleiros êle tambem atirou
algumas. Quando lhe dei êste recado da Irmã respondeu: Êsses já os confessei, mas
torno a confessa-los: se calhar é por causa dêstes pecados que eu fiz que Nosso Senhor
está tam triste! Mas eu ainda que não morresse nunca mais os tornava a fazer. Agora eu
estou arrependido… Olha, pede tu tambem a Nosso Senhor, que me perdô os meus
pecados. Peço sim, está descançado, se Nosso Senhor tus não tivesse já perdoado, não
dizia Nossa Senhora ainda outro dia à Jacinta que te vinha buscar muito em breve para
o Céu. Agora eu vou à Missa e lá peço a Jesus escondido por ti. Olha pede-lhe para o
Senhor Prior me dar a Sagrada Comunhão”361.

56) “Depois de comungar no dia seguinte dizia para a Irmãzinha: hoje sou mais feliz que tu,
porque tenho dentro do meu peito a Jesus escondido. Eu vou para o Céu, mas lá vou
pedir muito a Nosso Senhor e a Nossa Senhora que vos levem também para lá
depressa”362.

357
4ª, fls. 34/35, pág. 215.
358
4ª, fl. 35, pág. 215.
359
4ª, fl. 35, pág. 215.
360
4ª, fl. 46, pág. 220.
361
4ª, fl. 48, págs. 220-221.
362
4ª, fl. 49, pág. 221.

96
57) “Depois disse-me. Decerto no Céu, vou ter muitas saudades tuas! quem dera que Nossa
Senhora te levasse também para lá breve. Não tens, não: imagine-se ao pé de Nosso
Senhor e de Nossa Senhora que são tam bons! Pois é, se calhar, nem me lembro”363.

58) “Assim chegou ao dia feliz de partir para o Céu. Na vespera disse a mim e á sua
Irmãzinha, vou para o Céu, mas lá eide pedir muito a Nosso Senhor e a Nossa Senhora
que as levem tambem para lá depressa”364.

Outras referências a ‘Nosso Senhor’

Mãe da Lúcia

59) “O sol que tu vez nascer todos os dias, aculá por detrás da serra, é a candeia de Nosso
Senhor que Ele acende todos os dias para nos aquecer e podermos ver para trabalhar. / -
Por isto, eu dizia às outras crianças que a lua era a candeia de Nossa Senhora, as
estrelas as candeias dos anjos e o sol a candeia de Nosso Senhor”365.

60) “Nenhuma candeia é tam bonita como a de Nosso Senhor (dizia êle á Jacinta que
gostava mais da de Nossa Senhora, porque dizia ela não fáz doer a vista)”366.

61) “A lua era a de Nossa Senhora, e o sol a de Nosso Senhor; pelo que a Jacinta dizia ás
vezes; ainda gosto mais da candeia de Nossa Senhora, que não nos queima nem sega e a
de Nosso Senhor sim”367.

62) (a mãe) “Disse-me o que queria que eu pedisse a Nosso Senhor quando O tivesse em
meu peito e despediu-me com estas palavras; (sobre tudo pede a Nosso Senhor que te
faça, uma santa.) palavras que se me gravaram tam indeleveis no Coração que foram as
primeiras que disse a Nosso Senhor logo que O recebi; e ainda hoje me parece ouvir o
eco da voz de minha Mãe a repetir-mas”368.

63) “Os vezinhos vinham não poucas vezes fazer-nos companhia e questumavam dizer que
apezar de os não deixar-mos dormir, se sentiam alegres e Ihe passavam todas as arrelias

363
4ª, fl. 50, pág. 221.
364
2ª, fl. 33, pág. 178.
365
5ª, fl. 16, pág. 270.
366
4ª, fl. 6, pág. 200.
367
1ª, fl. 9, pág. 121.
368
2ª, fl. 5, pág. 147.

97
com ouvirem a fésta que nós fazíamos; a varias mulheres ouvi algumas vezes dizerem /
a minha Mãe, – que feliz que tu és que encanto de filhos que Nosso Senhor te deu”369.

64) “E que haja tanta gente parva que os acredite e anda para aí a correr e a rezar diante de
uma carrasqueira, enquanto que na igreja está Nosso Senhor no sacrário e ninguém lá
vai! E a falta que as coisas da Cova de Iria me fazem para o governo da casa?”370.

Lúcia

65) “Lembro-me de ser embalada e de adormecer ao som de varios cantos; e como era a
mais nova de 5 meninas e um menino que Nosso Senhor concedeu a meus pais,
lembro-me de haver entre eles varias contendas, por todos quererem ter-me em seus
braços e entreter-se comigo”371.

66) “Quando agora leiu no Novo Testamento essas scenas tam encantadoras da passagem
de Nosso Senhor pela Palestina, recordo estas que tam criança ainda Nosso Senhor me
fez presenciar, nesses pobres caminhos e estradas da Aljustrel a Fátima e á Cova de Iria,
e dou graças a Deus, ofrecendo-lhe a fé do nosso bom povo Portuguez: e penso: se esta
gente se abate assim diante de três pobres crianças, só porque a elas é concedida
miséricordiosamente a graça de falar com {a} Mãe de Deus, que não fariam se vissem
diante de si o próprio Jesus Cristo?”372.

67) “Deus está contente com os vossos sacríficios, mas não quer que durmais com a corda,
trazei -a só durante o dia. Escusado será dizer que obedecemos pontualmente ás suas
ordens. Como em o mêz passado, Nosso Senhor, segundo paresse tinha querido
manifestar alguma coisa de extraordinario, minha Mãe animava a esprança, de que
agora em êste dia, êsses factos serião mais claros e evidentes; mas como nosso bom
Deus, talvez para dar-nos ocasião de lhe ofrecer algum sacríficio mais premitiu que em
êste dia não transparcesse nenhum raio da sua glória. Minha Mãe desanimou de novo e
a presseguição em casa recomeçou de novo”373.

68) “Por sua vêz minha mãe sufria tudo com uma paciência e resignação eroica, e se me
repriendia e castigava era porque me julgava mentirosa. Por vezes completamente

369
2ª, fl. 6, pág. 148.
370
6ª, fl. 149, pág. 364.
371
2ª, fl. 1v, pág. 143.
372
4ª, fl. 79, pág. 234.
373
2ª, fl. 21v, pág. 165.

98
conforme com os desgostos que Nosso Senhor Ihe enviava dizia. – Será tudo isto o
castigo que Deus me manda pelos meus pecados? Se assim é, bendito seja Deus”374.

69) “Por uma graça especial de Nosso Senhor, nunca tive o menor pensa/mento nem
movimento, contra o seu modo de proceder a meu respeito. Como o Anjo me tinha
anunciado que Deus me mandaria sufrimentos, vi sempre em tudo isto, Deus que assim
queria”375.

70) “Mas estou fazendo como V. Ex.cia Rvr.ma me disse que escrevesse à maneira que me
fosse recordando com tôda a simplicidade; assim pois o quero fazer, sem me emportar
de ordem nem estilo. Paresse-me que assim a minha obediência é mais prefeita, e
portanto mais agradavel a Nosso Senhor e ao Imaculado Coração de Maria”376.

71) “Vou pois começar, Ex.mo e Rvr.mo Senhor Bispo, por escrever o que o bom Deus me
queira fazer lembrar do Francisco. Espero que Nosso Senhor lhe faça conhecer no Céu,
o que a seu respeito escrevo na terra, para que / junto de Jesus e Maria, entresseda por
mim, em especial nêstes dias”377.

72) “Nem sei também para que estou a contar a V. Ex.cia todas estas coisas da vida de
família, mas é Deus que assim mo inspira. Êle sabe o motivo por que o fáz; é talvez
para que V. Ex.ciaRvr.ma possa vêr, quanto me devia ser sencivel o sufrimento que o
bom Deus me vai pedir, depois de ter sido tam amimada. E como V. Ex.cia me manda
dizer todos os sufrimentos que Nosso Senhor me pediu e graças que se dignou por
miséricordia conceder-me; paresse que assim me dá mais geito a dize-las tal qual como
elas se passaram”378.

73) (Madre provincial Mª do Carmo Corte Real)“Em parte a Irmã, é responsavel diante de
Nosso Senhor do estado de fervor ou de negligência das Irmãs na observancia, porque
o fervor se aumenta ou se esfria nos recreios e as Irmãs fazem os recreios que a Irmã
fizer...”379.

74) “mas como o Sr. Bispo quer que vá para o Porto, ofereço o sacrifício a Nosso Senhor e
vou para o Porto”380.

374
2ª, fl. 22, pág. 166.
375
2ª, fl. 19, pág. 162.
376
2ª, fl. 26, pág. 171.
377
4ª, fl. 3, pág. 199.
378
2ª, fl. 7, pág. 149.
379
2ª, fl.38, pág. 184.
380
6ª, fl. 200, pág. 415.

99
Os interrogadores

75) “Não me paresse uma revelação do Céu, quando se dão estas coisas por ordinario,
Nosso Senhor manda essas almas a quem se comunica dar conta do que se passa a seus
confessores ou Parcos e esta ao contrario retrai-se quanto pode, isto também pode ser
um engano do Demonio”381.

76) “Quanto esta refleção me fêz sufrer só Nosso Senhor pode saber porque só Êle pode
penetrar o nosso intimo; Comecei então a duvidar se as manifestações serião do
Demonio que procurava por êsse meio, perder -me, e como tinha ouvido dizer que o
Demonio trazia sempre a guerra e a desordem comecei a pensar que na verdade desde
que via estas coisas não tinha tido mais alegria nem bem estar em nossa casa; que
angustia que eu sentia”382.

77) “– não é o Demonio não! O demonio dizem que é muito feio e que está debaxo da terra
no inferno, e aquela Senhora é tam bonita, e nós vimula subir ao Céu. Nosso Senhor
serviu-se disto para desvanecer algo a minha duvida, mas no decurso deste mez predi o
entusiasmo pela pratica do sacrífício e da mortificação e titubeava se acabaria por dizer
que tinha mentido e assim acabar com tudo”383.

78) “depois deste enterrogatório (sacerdote de Santarém) a minha duvida aumentou e não
sabia verdadeiramente que fazer; pedia constantemente a Nosso Senhor e a Nossa
Senhora que me dissessem como havia de fazer. Ó meu Deus e minha Mãizinha do
Céu, vós sabeis que não vos quero ofender com mentiras, mas bem vedes que não é
bem dizer o mais que me dissestes”384.

79) “Treminado o seu interrogatorio (Dr. Carlos Azevedo Mendes 08-09-1917) pediu a
minha Mãe, para me deixar ir encinar-lhe o sitio das aparições e rezar ai com êle,
obteve a licença desejada e lá vamos; mas eu estremeci de pavor ao ver-me só por
aqueles caminhos na companhia do desconhecido, tranquilizou-me porem a edeia de
que se me matava ia vêr a Nosso Senhor e a Nossa Senhora.385

80) (Pe Faustino, Vigário do Olival) “Deu-nos ainda algumas instrucões mais sôbre a vida
espiritual, sobre tudo encinou-nos o modo de dar gôsto a Nosso Senhor em tudo, e a
maneira de lhe ofrecer um sem numero de pequenos sacrifícios. Se vos apetecer comer
uma coisa, meus filhinhos deixai -a e em seu lugar comeis outra e ofreceis a Deus um

381
2ª, fl. 15, pág. 158.
382
2ª, fl. 15, pág. 158.
383
2ª, fl. 15, pág. 158.
384
2ª, fl. 25v, pág. 170.
385
2ª, fl. 22v, pág. 167.

100
sacrifício, se vos apetece brincar, não brincais e ofreceis a Deus outro sacríficio; se vos
enterrogam e não vos podeis escusar é Deus que assim o quer, ofreceis-lhe mais êste
sacrifício”386.

81) Dr. Formigão “A menina tem obrigação de amar muito a Nosso Senhor por tantas
graças e benefícios que Ihe está concedendo. Gravou-se tam intimamente na minha
alma esta fraze que desde então adquiri o hábito de dizer constantemente a Nosso
Senhor. – Meu Deus, eu vos amo, em agradecimento pelas grassas que me tendes
concedido”387.

2. Jesus, ó Jesus, ó meu Jesus

Referências relacionadas com a Aparição de julho

82) “Foi êste o dia em que a S.S. Virgem se dignou revelar-nos o segredo. Depois para
reanimar o meu fervor decaido disse-nos. – Sacrificai-vos pelos pecadores e dizeia
Jesus muitas vezes, em especial sempre que fizerdes algum sacrifício. Ó Jesus é por
Vosso amor, pela conversão dos pecadores e em reparação pelos pecados cometidos
contra o Imaculado Coração de Maria”388.

83) (13 julho) “O que me lembro é que, Nossa Senhora disse que era preciso resarem o
terço para alcançarem as graças durante o ano. E continuou. Sacrificai-vos pelos
pecadores, e dizei muitas vezes, em especial, sempre que fizerdes algum sacrifício. Ó
Jesus é por vosso amor, pela conversão dos pecadores e em reparação pelos pecados
cometidos contra o Imaculado Coração de Maria”389.

84) “Foi êste o dia em que a S.S. Virgem se dignou revelar-nos o segredo. Depois para
reanimar o meu fervor decaido disse-nos.– Sacrificai-vos pelos pecadores e dizei a
Jesus muitas vezes, em especial sempre que fizerdes algum sacríficio. Ó Jesus é por
vosso amor, pela conversão dos pecadores e em reparação pelos pecados cometidos
contra o Imaculado Coração de Maria”390.

386
2ª, fl. 25v, pág. 170.
387
2ª, fl. 19, pág. 163.
388
2ª, fl. 16v, pág. 160.
389
4ª, fl. 73, pág. 232.
390
2ª, fl. 16v, pág. 160.

101
85) “Quando rezais o terço, dizei depois de cada mistério. Ó meu Jesus perdoai-nos, livrai-
nos do fôgo do inferno, levai as alminhas tôdas para o Céu, principalmente aquelas que
mais precisarem”391.

Elementos cristológicos depois da Aparição de julho

86) “Desde que Nossa Senhora nos encinou a ofrecer a Jesus os nossos sacrificios, sempre
que combina/vamos fazer algum ou que tinhamos alguma prova a sufrer, a Jacinta
preguntava; já disseste a Jesus que é por seu amor? Se Ihe dizia que não; então digo-lho
eu, e punha as mãozinhas, levantava os olhos ao Céu e dizia. Ó Jesus é por vosso amor
e, pela conversão dos pecadores”392.

87) “O que me lembro do novo priodo da vida da Jacinta, tenho que dizer, que há algumas
coisas, nas manifestações de Nossa Senhora que nós tinhamos combinado, nunca dizer
a ninguem, e talvez agora me veija obrigada a dizer alguma coisa d’isso, para dizer
onde a / Jacinta foi beber tanto amor a Jesus ao sofrimento e aos pecadores, pela
salvação dos quais tanto se sacrificou. V. Ex.cia Rvr.ma não ignora como foi ela que não
podendo conter em si tanto goso, quebrou o nosso contrato de não dizer nada a
ninguem”393.

88) “A Jacinta ficou com tanto amor ao Santo Padre, que sempre que ofrecia os seus
sacrifícios a Jesus, acrescentava; e pelo Santo Padre. No fim de resar o Terço resava
sempre tres Avé Marias pelo Santo Padre”394.

89) (Na prisão) “Nem os teus pais nem os meus; nos vieram vêr. Não se emportaram mais
de nós. Não chores Ihe disse o Francisco oferecemos a Jesus pelos pecadores; e
levantando os olhos e maozinhas ao Céu fez êle o ofrecimento. Ó meu Jesus é por vosso
amor e pela conversão dos pecadores”395.

“E com as lagrimas as correr-lhe pelas faces; eu queria sequer vêr a minha Mãe. Então
tu não queres ofrecer êste sacrifício pela conversão dos pecadores? quero, quero. E com
as lagrimas a banhar-lhe as faces; as mãos e os olhos levantados ao Céu, fáz o
ofrecimento. Ó meu Jesus é por vosso amor, pela conversão dos pecadores, pelo Santo
Padre e em reparação dos pecados cometidos contra o Imaculado Coração de Maria”396.

391
4ª, fl. 75, pág. 232.
392
1ª, fl. 22/23, pg. 129.
393
1ª, fl. 15/16, pg. 125.
394
1ª, fl. 23, pg. 129.
395
1ª, fl. 24, pg. 130.
396
1ª, fl. 25, pg. 130.

102
90) (Pe. Cruz de Lisboa) “Foi-nos encinando uma ladainha de jaculatorios dos quais / a
Jacinta escolheu duas que depois não seçava de repetir; e eram. Ó meu Jesus eu vos
amo. Doce Coração de Maria, sede a minha Salvação”397.

91) “O inferno! O inferno! que pena eu tenho das almas que vão para o inferno!... e meio
tremula ajuelhava de mãos postas a rezar a oração que Nossa Senhora nos tinha
encinado. Ó meu Jesus perdoai-nos, livrai-nos do fôgo do inferno, levai as alminhas
tôdas para o Céu, principalmente as que mais precisarem”398.

Elementos cristológicos na doença de Jacinta

92) “Um dia na sua doença disse-me gosto tanto de dizer a Jesus que o amo! quando lho
digo muitas vezes, paresse que tenho lume no peito; mas não me queimo.
Outra vez dizia – gosto tanto de Nosso Senhor e de Nossa Senhora que nunca me canço
de lhes dizer que os amo399.

93) “Todo o tempo que me ficava livre da escola, e de alguma outra coisita que me
mandassem fazer, ia para junto dos meus companheiros. Quando um dia passava para a
escola diz-me a Jacinta. Olha diz a Jesus escondido, que eu gosto muito d’Ele, e que o
amo muito. Outras vezes dizia, diz a Jesus, que lhe mando muitas saudades”400.

94) “Quando se retiravam dizia tenho muita sede, mas não quero beber; ofreço a Jesus
pelos pecadores.
Um dia que minha tia me fazia algumas preguntas, chamou-me e disse-me, não quero
que digas a ninguem que eu sofro, nem á minha Mãe; porque não quero que se
aflija”401.

95) Preguntei-lhe uma vez. Que vais a fazer no Céu? Vou amar muito a Jesus, o Imaculado
Coração de Maria, pedir muito por ti, pelos pecadores, pelo Santo Padre, pelos meus
pais e Irmãos e por todas essas peçoas que me têm pedido para pedir por elas.402

397
1ª, fl. 29, pág. 133.
398
3ª, fl. 2, pág. 188.
399
1ª, fl. 30, pág. 133.
400
1ª, fl. 33, pág. 135.
401
1ª, fl. 38, pág. 138.
402
1ª, fl. 37, pág. 138.

103
96) “Chegou por fim o dia de partir para Lisboa A despedida cortava o coração.
Premaneceu muito tempo abraçada ao meu pescoço e dizia chorando, nunca mais nos
tornamos a vêr; resa muito por mim até que eu vá para o Céu. Depois lá eu peço muito
por ti; não digas nunca o segredo a ninguem, ainda que te matem. Ama muito a Jesus e
o Imaculado Coração de Maria e faz muitos sacrifícios pelos pecadores”403.

97) “As vezes beijava um cruxifixo e abraçando-o, dizia. Ó meu Jesus, eu Vos amo, e
quero sufrer muito por Vosso amor.
Outras vezes dizia. Ó Jesus, agora podes converter muitos pecadores porque este
sacrifício é muito grande!”404.

98) “Se calhava de ouvir algumas d’essas palavras que alguma gente paresse fazer alarde de
pronunciar, cubria a cara com as mãos e dizia. Ó meu Deus, esta gente não saberá que
por dizer estas coisas pode ir para o inferno? Perdoa-lhes meu Jesus e converte-os,
decerto não sabem que com isto ofendem a Deus. Que pena meu Jesus! Eu rezo por
êles. E lá repetia a oração encinada por Nossa Senhora. Ó meu Jesus perdoai-nos
etc”405.

99) “Nossa Senhora veio-nos ver; e diz que vem buscar o Francisco muito breve para o
Céu. E a mim preguntou-me se queria ainda converter mais pecadores? disse-lhe que
sim. Disse-me que ia para um hospital, que lá sofreria muito; que sofresse pela
conversão dos pecadores em reparação dos pecados contra o Imaculado Coração de
Maria, e por amor de Jesus”406.

Elementos cristológicos diversos

100) “Jesus, Maria, José salvai a minha alma que ela vossa é. Senhor Jesus, tende
piedade de mim, pelos meritos da Vossa Vida, Paixão e morte na Cruz. Pai, em Vossas
mãos entrego o meu espirito”407.

101) “Os Mandamentos da Lei de Deus eram a regra da sua vida, o que inculcava a
todos, tendo por norma especial o que nos diz Jesus Cristo no seu Evangelho: A um
jovem que se aproximou do Senhor e lhe perguntou: «Mestre, que hei-de fazer…?
Jesus respondeu-lhe:… Retorquiu Jesus: Não matarás…” (Mt 19, 16-19).

403
1ª, fl. 38, pág. 139.
404
1ª, fl. 37, pág. 138.
405
3ª, fl. 3, págs. 189-190.
406
1ª, fl. 34, pág. 136.
407
5ª, fl. 25, pág. 280.

104
A um legista, que também interrogou Jesus, perguntando-lhe qual era o maior mandamento
da Lei, Jesus respondeu-lhe: “…” (Mt22, 37-40)”408.

102) “Sim, a Jacinta e o Francisco levo-os em breve, mas tu ficas cá mais algum tempo.
Jesus quer servir-se de ti para me fazer cunhecer e amar. Êle quer estabelecer no mundo
a devoção a Meu Imaculado Coração”409.

103) “Depois de ter implorado a proteção dos Santissimos Corações de Jesus e Maria,
Nossa Terna Mãe, de ter pedido luz e graça aos pés do Sacrario, para não escrever nada
que não seja unica e exclusivamente para a glória de Jesus e da Santíssima Virgem”410.

104) “Vou pois começar, Ex.mo e Rvr.mo Senhor Bispo, por escrever o que o bom Deus
me queira fazer lembrar do Francisco. Espero que Nosso Senhor lhe faça conhecer no
Céu, o que a seu respeito escrevo na terra, para que / junto de Jesus e Maria, entresseda
por mim, em especial nêstes dias”411.

105) “Prece à Jacinta: Ó tu que a terra/Passaste voando,/Jacinta querida,/Numa dor


intensa,/Jesus amando,/Não esqueças a prece/Que eu te pedia./Sê minha amiga/Junto
do trono/Da Virgem Maria./
Prece à Jacinta: Lírio de candura,/Pérola brilhante/Oh! lá no Céu/Onde vives
triunfante,/Serafim de amor,/Com teu Irmãozinho/Roga por mim/Aos pés do Senhor”412.

106) “Chegou por fim o desejado dia, e a pequenita estava doida de contente, lá nos
colocarão as duas ao lado do altar; e na prossição ao lado do paleo, cada uma com o seu
açafate de flôres, nos sitios marcados por minha Irmã, atirava / a Jesus as minhas flôres,
mas por mais sinais que fiz á Jacinta, não consegui que espalhasse nem uma, olhava
continuamente para o Senhor Prior, e nada mais, quando treminou a função, minha Irmã
trouxe-nos para fóra da Igreja e preguntou, Jacinta por que não deitaste as flôres a
Jesus? Porque não o vi”413.

107) “E levantando os olhos e maozinhas ao Céu fez êle o ofrecimento. Ó meu Jesus é
por vosso amor e pela conversão dos pecadores. A Jacinta acrescentou, é também pelo
Santo Padre e em reparação dos pecados cometidos / contra o Imaculado Coração de
Maria”414.

408
6ª, fl. 75, pág. 285.
409
4ª, fl. 71, pág. 231.
410
1ª, fl. 1, pág. 116.
411
4ª, fls. 4/5, pág. 199.
412
1ª, fl. 3, pág. 118.
413
1ª, fl. 11, pág. 122.
414
1ª, fl. 24, pág. 130.

105
108) “Se calhar é por causa dêstes pecados que eu fiz que Nosso Senhor está tam triste!
Mas eu ainda que não morresse nunca mais os tornava a fazer. Agora eu estou
arrependido. E pondo as mãos rezou a oração. Ó meu Jesus perdoai-nos, livrainos do
fôgo do inferno, levai as alminhas tôdas para o Céu, principalmente as que mais
precisarem”415.

109) “Tantos, vindos de longe e de perto, passam por essa pobre casa tão humilde,
prolongando o eco das vozes dos que aí nos precederam, trabalhando, rezando e
cantando, e agora no Céu entoam o cântico novo de acção de graças e louvor ao nosso
Deus único, verdadeiro Salvador: Pai Nosso… Avé Maria… e bendito é o fruto do
vosso ventre Jesus… Ámen”416.

3. Menino Jesus – Jesus escondido

Referências relacionadas com a Jacinta

110) “Minha irmã, questumava ainda, em uma fésta anual, que devia ser talvez a de
Corpos; vestir alguns anjinhos, para irem ao lado do paleo, na prossição, a deitar
flôres… Provou-lhe (à Jacinta) também um vestido, e nos ençaios disse-nos como
deviamos deitar as flores ao Menino Jesus”417.

111) “Depois, preguntou-me então tu viste o Menino Jesus? não! mas tu não sabes que o
Menino Jesus da hóstia que não se vê, está escondido, é o que nós recebemos na
comunhão.418.

112) “A Jacinta fazia-me continuamente preguntas a respeito de Jesus escondido, e


lembro-me que um dia preguntou-me; Como é que tanta gente recebe ao mesmo tempo
o Menino Jesus escondido, é um bocadito para cada um? Não. Não vês que são muitas
hóstias e que em cada uma está um Menino”419.

415
4ª, fl. 48, pág. 221.
416
6ª, fl. 126, pág. 341.
417
1ª, fl. 10, pág. 122.
418
1ª, fl. 11, pág. 122.
419
1ª, fl. 12, pág. 123.

106
113) “A Jacinta gostava de durante o recreio ir vesitar o Santissimo, mas dizia ela,
paresse que adivinham logo que a gente entra na Igreja é tanta gente a fazer-nos
preguntas! Eu gostava de estar muito tempo sozinha a falar com Jesus escondido; mas
nunca nos deixam”420.

114) “Todo o tempo que me ficava livre da escola, e de alguma outra coisita que me
mandassem fazer, ia para junto dos meus companheiros. Quando um dia passava para a
escola diz-me a Jacinta. Olha diz a Jesus escondido, que eu gosto muito d’Ele, e que o
amo muito. Outras vezes dizia, diz a Jesus, que Lhe mando muitas saudades”421.

115) “Preguntava-me ás vezes. E vou morrer sem receber a Jesus escondido? Se m’O
levasse Nossa Senhora, quando me for a buscar!... (Jacinta)422”.

116) “Em outra ocasião levei-lhe uma estampa que tinha o sagrado caliz com uma
Hóstia. Pegou n’ela e beijou-o e radiante de alegria dizia, é Jesus escondido, gosto
tanto d’êle! quem me dera recebe-lo na Igreja! No Céu não se comunga? Se lá se
comungar eu comungo todos os dias. Se o Anjo fosse ao hospital a levar-me outra vez a
Sagrada Comunhão! que contente que eu ficava. Quando ás vezes voltava da Igreja e
entrava em sua casa preguntava-me, comungaste? Se lhe dizia que sim. Chegate aqui
bem para junto de mim, que tens em teu coração a Jesus escondido”423.

Referências relacionadas com o Francisco

117) “Um dia ao chegar junto de sua casa despedi-me d’um grupo de crianças da escola
que vinham comigo e entrei…preguntou-me: Tu vinhas com todos êsses? Vinha. Não
andes com êles que podes aprender a fazer pecados: quando saires da escola vai um
bocado para o pé de Jesus escondido e depois vem sozinha”424.

118) “Quando voltei da Igreja já a Jacinta se / tinha levantado e estava sentada na sua
cama. Logo que me viu preguntou-me: pediste a Jesus escondido para o Senhor Prior
me dar a Sagrada Comunhão? pedi”425.

420
1ª, fl. 28, pág. 132.
421
1ª, fl. 33, pág. 135.
422
1ª, fl. 37, pág. 138.
423
3ª, fl. 6, pg. 195.
424
3ª, fl. 34, pág. 215.
425
4ª, fl. 49, pág. 221.

107
119) “Quando ia á escola, por vezes ao chegar a Fátima dizia-me, olha tu vai á escola, eu
fico aqui na Igreja junto de Jesus escondido, não me vale a pena aprender a lêr, daqui a
pouco vou para o Céu. Quando voltares / vem por cá chamar-me”426.

120) “Depois que aduiceu dizia-me às vezes quando a caminho da escola passava por sua
casa. Olha vai á Igreja e dá muitas saudades minhas a Jesus escondido. Do que tenho
mais pena é de não poder já ir a estar uns bocados com Jesus escondido”427.

121) “Ao chegar a Fátima diz-me o Francisco, olha, enquanto que vais à escola eu fico
com Jesus escondido e cá lhe peço isso. Ao sair da escola fui chama-lo e preguntei-lhe:
pediste aquela graça a Nosso Senhor? Pedi: diz á tua Tereza que daqui a poucos dias
êle vem para casa”428.

122) “Um outro dia ao sair de casa, notei que o Francisco andava, muito de vagar: que
tens? lhe preguntei, paresse que não podes andar? doi-me muito a cabeça e paresse que
vou a cair. Então não venhas, fica em casa. Não fico! quero antes ficar na Igreja com
Jesus escondido enquanto que tu vais à escola”429.

123) “Peço sim, está descançado, se Nosso Senhor tus não tivesse já perdoado, não dizia
Nossa Senhora ainda outro dia à Jacinta que te vinha buscar muito em breve para o Céu.
Agora eu vou á Missa e lá peço a Jesus escondido por ti. Olha pede-lhe para o Senhor
Prior me dar a Sagrada Comunhão. Pois sim”430.

124) “Depois de comungar no dia seguinte dizia para a Irmãzinha: hoje sou mais feliz
que tu, porque tenho dentro do meu peito a Jesus escondido. Eu vou para o Céu, mas lá
vou pedir muito a Nosso Senhor e a Nossa Senhora que vos levem também para lá
depressa”431.

Outras Referências

125) “Minha Mãe repriendeu-o com toda a severidade, dizendo que aquelas coisas feias
não se diziam, que era pecado e que o Menino Jesus se disgostava e mandava para o
inferno, os que faziam pecados se não se confessavam”432.

426
4ª, fl. 33, pág. 214.
427
4ª, fl. 34, pág. 215.
428
4ª, fl. 42, pág. 218.
429
4ª, fl. 42, pág. 218.
430
4ª, fl. 48, pág. 221.
431
4ª, fl. 49, pg. 221.
432
1ª, fl. 6, pág. 119.

108
126) “Minha Mãe não quere que quando estiverem êstes, aqui fiquemos, disse que
fossemos para o nosso pateo brincar, não quer que aprenda essas coisas feias, que são
pecados, e das que o Menino Jesus não gosta”433.

127) “Os dois pequenitos que desejavam ardentemente receber a Jesus escondido como
eles dizião, foram fazer o pedido á Mãe. Minha Tia disse que sim / mas poucas vezes os
deixava ir, por que dizia ela, a Igreja é bastante longe, vosses são muito pequeninos, e
de todos modos, o Senhor Prior não vos dá a comunhão antes dos 10 anos”434.

128) (set 1917) “Continuem a rezar o terço, para alcançarem o fim da guerra: em Outubro
virá tambem Nosso Senhor, Nossa Senhora das Dôres e do Carmo, S. José com o
Menino Jesus para abençoarem o Mundo”435.

129) “Passamos pela Cova de Iria a despedir-nos e a rezar o nosso terço, depois lá vamos
por caminhos e atalhos para tornar a nossa caminhada mais curta; como terá ido Nossa
Senhora, S. José com o Menino, a caminho do Egipto, atravessando plenices e outeiros,
os montes e os vales da Judeia, para subtrair o seu Menino aos perigos que o
rodeiam”436.

4. Corações de Jesus e Maria

Referências relacionadas com as angelofanias

130) “Não temais sou o Anjo da paz, orai comigo, e ajuelhando em terra curvou a fronte
até ao chão e fêz-nos repetir três vezes estas palavras. Meu Deus! Eu creio, Adoro,
Espero e amo-vos; Peço-Vos perdão para os que não creem não adoram, não esperam e
não Vos amam. Depois erguendo-se disse. Orai assim, os Corações de Jesus e Maria
estão atentos á vós das vossas suplicas”437.

433
1ª, fl. 7, pág. 120.
434
1ª, fl. 11, pág. 122.
435
4ª, fl. 80, pág. 235.
436
6ª, fl. 201, pág. 416.
437
2ª, fl. 9v, pág. 152; (4ª, fl. 59, pg. 226).

109
131) “Que fazeis? Orai, Orai muito; os Corações Santissimos de Jesus e Maria teem
sôbre vós dezignios de miséricordia, ofrecei constante/mente, ao Altissimo, orações e
sacríficios”438.

132) “Contei-lhe entam tudo o que o Anjo tinha dito na primeira e segunda aparição. Mas
êle parcia não ter recebido a comprienção do que as palavras significavam, e
preguntava. Quem é o Altissimo? Que quer dizer, os corações de Jesus e Maria estam
atentos a vós das vossas suplicas? etc”439.

133) “O Anjo deixa suspenso no ar o Caliz, ajuelha junto de nós, e fáz-nos repetir três
vezes. Santissima Trindade; Padre Filho Espírito Santo, ofreço-vos o preciosissimo
Corpo Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo, presente em todos os sacrarios da
terra, em reparação dos ultrages, sacrilégios e indifrenças com que Êle mesmo é
ofendido; e pelos meritos infinitos do seu Santissimo Coração e do Coração Imaculado
de Maria, peçovos a conversão dos pobres pecadores”440.

134) “Deixando o caliz e a Hostia suspenso no ar, prostrou-se em terra e repetiu tres
vezes a oração. Santíssima Trindade, Padre, Filho, Espirito Santo, adoro-vos
profundamente e ofreço-vos o preciosissimo Corpo sangue, alma e Devindade de Jesus
Cristo, presente em todos os sacrarios da terra, em reparação dos ultrages, sacrilegios e
endifrenças com que Êle mesmo é ofendido. E pelos meritos infinitos do seu santissimo
Coração, e do Coração Imaculado de Maria, peço-vos a conversão dos / pobres
pecadores”441.

135) “Como minha Irmã, era zeladora do Coração de Jesus, sempre, que havia
comunhão solene de crianças, levava-me a renovar a minha. / Minha Tia, levou uma
vez a sua filhinha a ver a festa; A pequenita fiquexou-se nos Anjos que deitavam
flôres”442.

136) “Nas féstas principais da Freguezia como a do S. Coração de Jesus, Nossa


Senhora do Rosario, S.Antonio etc. havia sempre á noite a rifa dos bolos e o baile não
faltava”443.

137) “Diz a tôda a gente que Deus nos consede as graças por meio do Coração
Imaculado de Maria, que Ihas peçam a ela, que o Coração de Jesus quer, que a seu

438
2ª, fl. 9v, pág. 152; (4ª, fl. 10, pág. 202).
439
4ª, fl. 10, pág. 202.
440
2ª, fl. 10v, pág. 153.
441
4ª, fl. 62, pág. 227.
442
1ª, fl. 9, pág. 121.
443
2º, fl. 2, pág.143.

110
lado se venere o Coração Imaculado de Maria. Que peçam a páz ao Imaculado
Coração de Maria, que Deus lha entregou a ela. Se eu podesse meter no coração de tôda
a gente o lume que tenho cá dentro no peito a quei-mar-me e a fazer-me gostar tanto do
Coração de Jesus e do Coração de Maria!”444.

138) “Um dia deram-me uma estampa do Coração de Jesus, bastante bonita para o que
os homens podem fazer, leveia á Jacinta. Queres êste santinho? Pegou n’êle, olhou-o
com atenção e disse, é tam feio, não se paresse nada com Nosso Senhor que é tam
bonito, mas quero, sempre é Êle. E trazia-o sempre com ela, de noite e na doença, tinha-
o debaicho da almofada até que se rompeu. Beijava-o com frecuência e dizia beijo-o no
Coração que é do que mais gosto, quem me dera também um Coração de Maria! não
tens nenhum? gostava de ter os dois juntos” 445.

139) “Depois de ter implorado a proteção dos Santissimos Corações de Jesus e Maria,
Nossa Terna Mãe, de ter pedido luz e graça aos pés do Sacrario, para não escrever nada
que não seja unica e exclusivamente para a glória de Jesus e da Santissima Virgem”446.

140) “Começo pois êste trabalho, pedindo aos Santissimos Corações de Jesus e Maria,
que se dignem abençoalo, e servir-se d’êste acto de obediência para a conversão dos
pobres pecadores, pelos quais esta alma tanto se sacrificou”447.

141) “Vou a vêr se dou começo à narração do que me lembro da vida da Jacinta. Como
não disponho de tempo livre… irei recordando e apontando o que os Santissimos
Corações de Jesus e Maria quizerem fazer-me recordar”448.

5. Senhor

Nas angelofanias

142) “De tudo que poderdes, ofrecei um sacrificio em acto de reparação pelos pecados
com que Êle é ofendido e de suplica pela conversão dos pecadores. Atrai assim sôbre a
444
3ª, fl. 5v, pág.195.
445
3ª, fl. 5v, pág. 195.
446
1ª, fl. 1, pág. 116.
447
1ª, fl. 1, pág. 116.
448
1ª, fl. 3, pág. 117.

111
vossa pátria a páz. Eu sou o Anjo da sua guarda o Anjo de Portugal. Sôbretudo aceitai e
suportai com submissão o sufrimento que o Senhor vos enviar”449.

143) “Estas palavras do Anjo, gravaram-se em nosso espirito, como uma luz que nos
fazia compriender quem era Deus, como nos amava e queria ser amado, o valor do
sacríficio e como êle Lhe era agradavel, como por atenção a êle convertia os pecadores.
Por isso desde êsse momento começamos a ofrecer ao Senhor, tudo que nos
mortificava, mas sem discorrer-mos a procurar outras mortificações ou penitências,
exceto a de passarmos horas seguidas prostrados por terra repetindo a oração que o
Anjo nos tinha encinado450.

144) “Apezar de ser criança compreendia prefeitamente a situação em que nos


encontrávamos; lembrava-me entam das palavras do Anjo, sobretudo - aceitai
submissos os sacrificios que o Senhor vos enviar. Retirava-me entam a um lugar
solitário para com o meu sufrimento não aumentar o de minha /Mãe, (êste lugar era por
ordinario o nosso poço)”451.

145) “No escrito sôbre a Jacinta já disse a V. Ex.cia Rvr.ma a parte que ela e seu Irmão
tomarão nesta prova (2º interrogatório Do pároco) que o Senhor nos enviou e como me
espraram em oração junto do poço etc”452.

Nos discursos de Lúcia

146) Prece à Jacinta: Lirio de candura /Perola brilhante/O’h! lá no Céu/Onde vives


triunfante /Serafim de amor; /Com teu Irmãozinho/Roga por mim/Aos pés do
Senhor”453.

147) “O que em essa entrevista se passou não vou agora descrevê-la, porque V. Ex.cia
Rvr.ma decerto o recorda melhor do que eu. Na verdade quando vos vi Ex.mo e Rvr.mo
Senhor receber-me com tanta bondade, sem me fazer a minima pregunta curiosa ou
enutil, intereçando-vos apenas pelo bem da minha alma, e prontificando-vos a /tomar
conta da pobre ovelhinha que o Senhor acabava de vos confiar; fiquei mais do que
nunca crente que V. Ex.cia Rvr.ma tudo sabia, e não exitei um momento em me
abandonar nas vossas mãos”454.

449
4ª, fl. 61, pág. 227.
450
4ª, fl.61, pág.227.
451
2ª, fl. 11v, pág. 154.
452
2ª, fl. 17, pág. 160.
453
1ª, fl.4, pág.118.
454
2ª, fl. 36/36v, pág. 182.

112
148) “Poderá talvez parcer n’este escrito, que na minha terra não encontrava amisade ou
carinho em peçoa alguma; não é assim, havia uma porçãozinha escolhida do redil do
Senhor, que mostrava por mim uma simpatia única. Eram as criancinhas, corriam para
junto de mim numa alegria doida”455.

149) “Que será isto? Não sei; talvez mais uma moeda que o Senhor quiz confiar-me da
qual me pedirá contas. Oxalá eu saiba negociar com ela, para lha restituir mil vezes
multiplicada”456.

150) “Jesus, Maria, José salvai a minha alma que ela vossa é”; “Senhor Jesus, tende
piedade de mim, pelos meritos da Vossa Vida, Paixão e morte na Cruz”457.

151) “Os Mandamentos da Lei de Deus eram a regra da sua vida, o que inculcava a
todos, tendo por norma especial o que nos diz Jesus Cristo no seu Evangelho: A um
jovem que se aproximou do Senhor e lhe perguntou: «Mestre, que hei-de fazer de bom
para alcançar a vida eterna?» Jesus respondeu-lhe: Porque me interrogas sobre o que é
bom? Bom é um só… Retorquiu Jesus: «Não matarás…» (Mt XIX, 16/19)”458.

152) “À mulher adultera e arrependida, na frente dos seus acusadores preparados para
apedreja-la, quando esperava ouvir, do supremo juiz a última palavra da sua condenação,
ouve em vez: uma palavra de perdão, de conforto e de esperança: «Mulher, ninguém te
condenou? Não, Senhor…»”459.

153) “Na semana santa, o trabalho das minhas irmãs era: caiar toda a casa, por den/tro e por
fora, limpar e esfregar tudo, para que no Domingo de Pascoa tudo estivesse um primor,
para receber o Senhor Ressuscitado, na pessoa do Sr. Prior, que em Seu nome nos ia dar as
Boas Festas. Quando o Sr. Prior se aproximava … o Pai fazia estalar em nosso pátio 3
foguetes em honra da Ressurreição do Senhor Jesus, depois, entrava em casa a correr, para
com toda a família, de joelhos, na casa de fora receber a Visita Pascal, beijar o crucifixo e
receber a Bênção que o Sr. Prior dava em nome do Senhor Jesus Ressuscitado”460.

154) “Como que, num cântico perene do eterno louvor de glória ao Nosso Deus Salvador:
toda a terra está cheia do seu louvor, os Céus narram a glória do seu amor, Ossana ao filho
de David, Bendito o que vem em nome do Senhor!”461.

455
2ª, fl. 37v, pág. 184.
456
2º, fl. 38, pág. 184.
457
5ª, fl. 25, pág. 280.
458
6ª, fl. 75, pág. 285.
459
6ª, fl. 86, pág. 296.
460
6ª, fls.102/103, pág. 317.
461
6ª, fl. 113, pág. 328.

113
155) “Assim, respigando aqui e além, o que melhor me parece para oferecer ao Senhor,
como um belo cântico de louvor que lhe dê gosto e glória na terra e no Céu para sempre”462.

156) “Pergunto-me a mim mesma: Para que vai servir este trabalho? E respondo: Não sei.
Faço-o por amor do Senhor, faço-o por obediência, visto que os superiores me dizem que o
faça; faço-o para satisfazer o pedido do Sr. Reitor do Santuário de Nossa Senhora de
Fátima, que me pediu para não deixar pormenor algum sem escrever, do que possa recordar
da vida da minha família”463.

157) “Esta escolha exige fidelidade na correspondência, como o Senhor também diz noutro
lugar: «Se alguém quizer vir após Mim, negue-se a si mesmo, tome a sua Cruz e siga-Me»
(Mt.16-24) É que toda a obra salvivica de Deus, assenta no pedestal da Cruz Redentora de
Cristo”464.

158) “Queremos Deus, homens ingratos,/ Ao Pai supremo, ao Redentor./ Zombam da fé, os
insensatos,/ Erguem-se em vão contra o Senhor. Da nossa fé, ó Virgem,/ O brado abençoai/
Queremos Deus, que é nosso Rei,/ Queremos Deus, que é nosso Pai”465.

159) “Aqui, eu creio que minha Mãe, foi conduzida pelo Espírito Santo, levando-a, logo
desde o principio, a querer entregar á direcção da Igreja, a sua filha … o que realizou
quando me confiou aos cuidados paternais e pastorais de Sua Ex.cia o Sr. D. José Bispo de
Leiria. O que sua Ex. cia fez com delicada diligência, tomando à sua conta a pobre ovelhinha
que o Senhor lhe havia confiado aos seus cuidados pastorais”466.

6. Outras referências

Filho

160) O Anjo deixa suspenso no ar o Caliz, ajuelha junto de nós, e fáz-nos repetir três
vezes. Santissima Trindade; Padre Filho Espírito Santo, ofreço-vos o preciosissimo
Corpo Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo, presente em todos os sacrarios da
terra, em reparação dos ultrages, sacrilégios e indifrenças com que Êle mesmo é
ofendido; e pelos meritos infinitos do seu Santissimo Coração e do Coração Imaculado
de Maria, peçovos a conversão dos pobres pecadores467.

462
6ª, fl. 119, pág. 334.
463
6ª, fl. 119, pág. 334.
464
6ª, fl. 167, pág. 383.
465
6ª, fl. 171, pág. 387.
466
6ª, fls. 210/211, pág. 425.
467
2ª, fl.10v, pág.153.

114
161) Deixando o caliz e a Hostia suspensos no ar, prostrou-se em terra e repetiu tres
vezes a oração. Santíssima Trindade, Padre, Filho, Espírito Santo, adoro-vos
profundamente e ofreço-vos o preciosissimo Corpo sangue, Alma e Devindade de Jesus
Cristo, presente em todos os sacrarios da terra, em reparação dos ultrages, sacrilegios e
endifrenças com que Êle mesmo é ofendido. E pelos meritos infinitos do seu santissimo
Coração, e do Coração Imaculado de Maria, peço-vos a conversão dos / pobres
pecadores468.

162) “Minha filha, a sua alma é o templo do Espirito Santo guarde-a sempre pura para que
Êle possa continuar N’ela a sua acção Divina. Ao ouvir estas palavras senti-me penetrada
de respeito pelo meu intimo e preguntei ao bom confessor como devia fazer; de joelhos, ai
aos pés de Nossa Senhora, peça-lhe com muita confiança que tome conta do seu coração,
que o prepare para receber amanhã dignamente o seu querido filho e que o guarde para Êle
só”469.

163) “Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo – Avé Maria!”470.

164) “Era o escalão mais difícil de subir na encos/ta do seu calvário. Semelhante a Nossa
Senhora, para Quem, com a Encarnação do Filho de Deus, lhe vieram as dificuldades, os
anceios, as tribulações, as angustias e o martirio… (a fuga de Maria e José para o Egito)
depois do seu regresso, as contradições e perseguições dos que maquinavam a morte de seu
Filho”471.

165) Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo… Queremos Deus, homens ingratos,/ Ao
Pai supremo, ao Redentor./ Zombam da fé, os insensatos,/ Erguem-se em vão contra o
Senhor. Da nossa fé, ó Virgem,/ O brado abençoai/ Queremos Deus que é nosso Rei,/
Queremos Deus que é nosso Pai”472.

166) “Assim, marcou o dia da nossa ida e lá fomos as duas caminho além, por estradas e
carreiros pedregosos, atravessando montes, campos e outeiros silênciosos onde só se ouvia
o balbuciar das nossas vozes rezando o Terço… Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito
Santo,…473

468
4ª, fls. 62/63, pág.227.
469
2ª, fl.4v, pág.146.
470
6ª, fl.75, pág. 285.
471
6ª, fl.147, pág. 362.
472
6ª, fl. 171, pág. 387.
473
6ª, fl. 196, pág. 411.

115
Jesus Cristo

167) “O Anjo deixa suspenso no ar o Caliz, ajuelha junto de nós, e fáz-nos repetir três
vezes. Santissima Trindade; Padre Filho Espírito Santo, ofreço-vos o preciosíssimo
Corpo Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo, presente em todos os sacrarios da
terra, em reparação dos ultrages, sacrilégios e indifrenças com que Êle mesmo é
ofendido; e pelos meritos infinitos do seu Santissimo Coração e do Coração Imaculado
de Maria, peçovos a conversão dos pobres pecadores”474.

168) “Apareceu-nos pela terceira vez, trazendo da mão um caliz e sobre êle uma Hóstia
da qual caiam dentro do caliz algumas gôtas de sangue. Deixando o caliz e a Hostia
suspensos no ar, prostrou-se em terra e repetiu tres vezes a oração. Santíssima Trindade,
Padre, Filho, Espírito Santo, adoro-vos profundamente e ofreço-vos o preciosissimo
Corpo sangue, Alma e Devindade de Jesus Cristo, presente em todos os sacrarios da
terra, em reparação dos ultrages, sacrilegios e endifrenças com que Êle mesmo é
ofendido. E pelos meritos infinitos do seu santissimo Coração, e do Coração Imaculado
de Maria, peço-vos a conversão dos / pobres pecadores”475.

169) “Tomai e bebei o Corpo e Sangue de Jesus Cristo, orrivelmente ultrajado pelos
homens ingratos; reparai os seus crimes e conçulai o vosso Deus”476.

170) “Quando agora leiu no Novo Testamento essas scenas tam encantadoras da
passagem de Nosso Senhor pela Palestina, recordo estas que tam criança ainda Nosso
Senhor me fez presenciar, nesses pobres caminhos e estradas de Aljustrel a Fátima e á
Cova de Iria, e dou graças a Deus, ofrecendo-lhe a fé do nosso bom povo Portuguez: e
penso: se esta gente se abate assim diante de três pobres crianças, só porque a elas é
concedida miséricordiosamente a graça de falar com {a} Mãe de Deus, que não fariam
se vissem diante de si o próprio Jesus Cristo?”477.

171) “O Pai, parece que adivinhou, que tenho quase 82 anos e ainda por aqui ando à
espera de ser boa para ir para o Céu, mas, como Jesus Cristo diz que só Deus é Bom,
terá Ele que me levar para lá por misericórdia sem esperar que eu seja boa”478.

172) “Enquanto que isto escrevo, estou recordando a história do santo rei David, que –
apesar de ter sido tão grande pecador – foi escolhido por Deus, para da sua
descendência, nascer S. José, Nossa Senhora e Jesus Cristo, o Filho de David -Osana

474
4ª, fl.62, pág.227; ( 2ª, fl.10v, pág.153).
475
4ª, fls. 62/63, pág.227.
476
2ª, fl.10v, pág.153; (4º, fls.63, pág.227/228).
477
4ª, fl.79, pág. 234.
478
5ª, fl. 17, pág. 272.

116
ao Filho de David– Aquele que disse ter vindo para salvar os pecadores, porque, não
são os sãos que precisam de médico, mas sim os doentes”479.

173) No final, recordo o Santo Rei David que, apesar de haver sido tão grande pecador,
porque se arrependeu, fez penitência e mudou de vida, foi escolhido por Deus para da
sua descendência nascer S. José, Nossa Senhora e Jesus Cristo, o Filho de Deus480.

174) “Os Mandamentos da Lei de Deus eram a regra da sua vida, o que inculcava a todos, tendo
por norma especial o que nos diz Jesus Cristo no seu Evangelho: A um jovem que se
aproximou do Senhor e lhe perguntou: «Mestre, que hei-de fazer de bom para alcançar a vida
eterna?» Jesus respondeu-lhe: Porque me interrogas sobre o que é bom? Bom é um só…
Retorquiu Jesus: «Não matarás…» (Mt XIX, 16/19)”481.

175) “Deus é a verdade que não se engana nem / pode enganar-nos – assim se ensinava
no catecismo, nesse tempo – Jesus Cristo diz no Seu Evangelho: Eu sou o Caminho, a
Verdade e a Vida; quem Me segue não anda nas trevas, mas tem em si a luz da vida”482.

176) “Pois é o que eu faço, ajudar, para que, quem caiu uma vez não venha a cair duas.
Jesus Cristo, quando andava neste mundo, recebeu a Madalena arrependida, que era
uma grande pecadora e perdoou-lhe483.

Cristo

177) Também tenho três objectos – pequenos – que eram da nossa casa … Um é a
“Imitação de Cristo”… A “Imitação de Cristo tenho-a trazido sempre comigo. Já está
velhinha, mas é a mesma484.

178) “Tenho-as trazido sempre comigo e guardado, como recordação de minha Mãe e do
meu tempo de criança, assim como a Imitação de Cristo, que minha Mãe me mandou
para o Porto, quando eu estava no colégio”485.

479
5ª, fl. 25, pág. 281.
480
Apên. à 5ª, pg. 38.
481
6ª, fl. 75, pág. 285.
482
6ª, fl. 111, pág. 325.
483
6ª, fl. 144, pág. 360.
484
5ª, nº 4, pg. 35.
485
5ª, nº 4, pág. 36

117
179) “A Imitação de Cristo conservei-a até ainda à pouco tempo, como me inteirei que
o Senhor Reitor do Santuário de Fátima, andava procurando de objectos que tivessem
pertencido à casa que foi dos meus pais, com licença da / Nossa Madre Prioresa, dei-lhe
a Imitação de Cristo”486.

180) “A seguir, na nossa eira, tomamos a ceia com a madrinha Teresa e todos os da sua
casa, chegou para todos e ainda sobrou. A mãe, quando depois calhava de falar deste
acontecimento dizia: Chegou para todos e ainda sobrou, não tanto como os 12 cestos da
multiplicação dos pães que fez Cristo no deserto, mas o preciso para se poder dizer
que: sobrou”487.

181) “É que eu, então, ainda não conhecia o que nos diz a Imitação de Cristo: «Vaidade
das vaidades, tudo é vaidade excepto amar e servir a Deus»”488.

182) “Mas em tudo isto, estão os planos de Deus que escolhe a cada um para por seu
meio realizar a missão a que lhe destina. Assim Cristo o diz no Seu Evangelho: «Não
fostes vós que Me escolhestes…»” (Jo. 15, 16)”489.

183) “São Leão Papa diz: “Ninguém receie que estas liberalidades lhe tragam falta de
recursos, porque a benevolência é já por si uma grande riqueza e, além disso, nunca os
frutos da generosidade escasseiam onde Cristo alimenta e é alimentado. Em tudo isto
intervém aquela mão divina que ao partir o pão o faz crescer e, ao reparti-lo o
multiplica”490.

184) “Esta escolha exige fidelidade na correspondência, como o Senhor também diz
noutro lugar: «Se alguém quizer vir após Mim, negue-se a si mesmo, tome a sua Cruz e
siga-Me» (Mt.16-24) É que toda a obra salvivica de Deus, assenta no pedestal da Cruz
Redentora de Cristo”491.

Nosso Deus Salvador

185) “Ao terminar de escrever isto que aqui deixo, sinto brotar-me do coração / um hino
de acção de graças ao Nosso Deus Salvador, pelos dotes da natureza e da graça com

486
6ª, fls. 84/85, pág. 295.
487
6ª, fl.100, pág. 315.
488
6ª, fl.108, pág. 323.

489
6ª, fl. 167, págs. 382/383.
490
6ª, fl. 114, págs. 329/330.
491
6ª, fl. 167, pág. 383.

118
que se dignou enriquecer aquela que escolheu, para dar-me o ser sobre a terra e erguer-
me o olhar para o Céu”492.

186) “Como que, num cântico perene do eterno louvor de glória ao Nosso Deus
Salvador: toda a terra está cheia do seu louvor, os Céus narram a glória do seu amor;
Osana ao Filho de David, Bendito o que vem em nome do Senhor!”493.

187) “Tantos, vindos de longe e de perto, passam por essa pobre casa tão humilde,
prolongando o eco das vozes dos que aí nos precederam, trabalhando, rezando e
cantando, e agora no Céu entoam o cantico novo de acção de graças e louvor ao nosso
Deus único, verdadeiro Salvador: Pai Nosso… Avé Maria… e bendito é o fruto do
vosso ventre Jesus… Ámen”494.

188) “Enquanto que isto escrevo, estou recordando a história do santo rei David, que –
apesar de ter sido tão grande pecador – foi escolhido por Deus, para da sua
descendência, nascer S. José, Nossa Senhora e Jesus Cristo, o Filho de David -Osana
ao Filho de David– Aquele que disse ter vindo para salvar os pecadores, porque, não
são os sãos que precisam de médico, mas sim os doentes”495.

492
6ª, fl.113, pág.327/328.
493
6ª, fl.114, pág. 328.
494
6ª, fl.126, pág.341/342
495
5ª, fl. 25, pág. 281.

119
ÍNDICE
INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 2

Capítulo I: Enquadramento da Doutrina e Devoções Cristocêntricas das

Memórias ............................................................................................................................... 6

1.1. Os documentos doutrinais do início do séc. XX.................................... 7

1.1.1. Catecismo da Doutrina Cristã .............................................................. 8

1.1.2. A Cartilha da Doutrina Cristã ............................................................ 12

1.1.3. A Missão abreviada ........................................................................... 16

1.1.4. O surgimento de devoções eclesiais cristocêntricas ........................ 21

1.2. As devoções cristocêntricas de Fátima ................................................ 23

1.2.1. A vida espiritual e eclesial na paróquia de Fátima ......................... 23

1.2.2. Elementos das devoções cristocêntricas nas Memórias .................. 25

Capítulo II: Os elementos cristológicos nas Memórias ........................................ 28

2.1. Referência cristológica – ‘Nosso Senhor’ .................................................. 28

2.1.1. ‘Nosso Senhor’ das Aparições da Virgem Maria ............................... 29

2.1.2. ‘Nosso Senhor’no ciclo de Jacinta ....................................................... 30

2.1.3 ‘Nosso Senhor’no ciclo de Francisco .................................................... 34

2.1.4. Outras referências ................................................................................ 37

2.2. Referências cristológicas: ‘Jesus’, ‘ó Jesus’, ‘ó meu Jesus’ ..................... 40

2.2.1 ‘Jesus’, ‘ó Jesus’, ‘ó meu Jesus’: na Aparição de julho ..................... 40

2.2.2 ‘Jesus’, ‘ó Jesus’, ‘ó meu Jesus’ – depois da Aparição de julho ........ 41

2.2.3. ‘Jesus’, ‘ó Jesus’, ‘ó meu Jesus’ – na doença de Jacinta ................... 42

120
2.2.4. ‘Jesus’, ‘ó Jesus’, ‘ó meu Jesus’: referências ligadas a Francisco e
Lúcia ............................................................................................................................ 43

2.3. ‘Jesus escondido’ e ‘Menino Jesus’ ............................................................ 44

2.3.1. ‘Jesus escondido’ e ‘Menino Jesus’na perspetiva de Jacinta ........... 44

2.3.2. ‘Jesus escondido’ e ‘Menino Jesus’na perspetiva de Francisco ....... 46

2.4. As referências cristológicas: ‘Corações de Jesus e de Maria’ ................. 47

2.4.1. ‘Corações de Jesus e de Maria’ nas angelofanias .............................. 47

2.4.2 ‘Corações de Jesus e de Maria’ fora do ciclo das angelofanias ......... 49

2.5. As referências cristológicas ‘Senhor’ ......................................................... 51

2.5.1 ‘Senhor’a relação da referência cristológica com as angelofanias .... 51

2.5.2. ‘Senhor’: a relação da nomenclatura nos discursos de Lúcia .......... 52

Capítulo III: Traços cristológicos das Memórias ................................................. 54

3.1. A dimensão soteriológica............................................................................. 55

3.1.1. A soteriologia na mensagem do Anjo .................................................. 56

3.1.2. A soteriologia nas mariofanias ............................................................ 57

3.1.3. A figura de Jesus de Jacinta: ‘Nosso Senhor’ e ‘Jesus’ .................... 58

3.1.4. A figura de Jesus na perspetiva de Francisco .................................... 60

3.2. A dimensão doxológica ................................................................................ 62

3.2.1. O Mistério da Trindade como fonte da doxologia ............................. 63

3.2.2. A doxologia de Jacinta ......................................................................... 64

3.3. A dimensão eucarística ................................................................................ 66

3.3.1. O Jesus eucarístico da terceira angelofania ....................................... 66

3.3.2. O Jesus eucarístico de Francisco e Jacinta. ........................................ 68

3.4 A dimensão cordial de Jesus ........................................................................ 71

3.4.1. O ‘Coração de Jesus’ no ciclo angélico ............................................... 71

121
3.4.2. A unidade dos “Corações de Jesus e de Maria” ................................ 72

3.5. A dimensão escatológica.............................................................................. 74

3.5.1 A escatologia das mariofanias .............................................................. 75

3.5.2. O inferno................................................................................................ 76

CONCLUSÃO......................................................................................................... 79

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................... 82

Anexo ....................................................................................................................... 86

1. Nosso Senhor ....................................................................................................... 87

2. Jesus, ó Jesus, ó meu Jesus ......................................................................... 101

3. Menino Jesus – Jesus escondido....................................................................... 106

4. Corações de Jesus e Maria ................................................................................ 109

5. Senhor ................................................................................................................ 111

6. Outras referências ............................................................................................ 114

122

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