Elite Da Tropa 2 Minilivro PDF

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 17

A HISTÓRIA

ALÉM DO FILME
Continuação de um dos maiores fenômenos brasileiros dos
últimos tempos, o livro Elite da Tropa 2 expõe o funcionamento
de uma guerra que acontece nas ruas todos os dias.
Escrito a partir de entrevistas, pesquisas e análises de
inquéritos, processos, relatórios, além de gravações em vídeo
de inúmeras audiências promovidas pela CPI das Milícias,
este livro vai lhe mostrar que o inimigo agora é outro.

“As polícias estão aí, entregues à própria sorte e a um


ou outro corregedor destemido, nadando contra a corrente.
O esforço, meu, do Fausto, de Aluízio, Marquinho e Tonico,
de nossa tribo, vai dar em que lugar?”

LUIZ EDUARDO SOARES


NAS LIVRARIAS www.ediouro.com.br
CLÁUDIO FERRAZ
ANDRÉ BATISTA
CORTESIA DO EDITOR

PATROCINADORES DO FILME TROPA DE ELITE 2 RODRIGO PIMENTEL


Patrocínio Premium Patrocínio Master Patrocínio

Rio
Luiz Eduardo Soares
Cláudio Ferraz
André Batista
Rodrigo Pimentel
X
Apresentando Manolo e Luciano com um
comentário venenoso sobre desgovernos,
bondes, caveirões, prêmios, omeletes,
gavetas e outros detalhes macabros

Ambos fizeram o nome ainda tenentes, quando estavam lotados


numa unidade local da PM que à época se chamava “batalhão si-
nistro” e formavam o popular “bonde do mal”, que espalhava o
terror em diversos bairros da Zona Norte do Rio. Depois que a
Secretaria comprou os blindados para a PM, os caveirões, já na
primeira década do século XXI, os dois oficiais trocaram os cam-
burões pelo novo veículo, mas mantiveram os métodos e intensi-
ficaram a violência. Entravam nas favelas atirando e hostilizando a
população com palavrões e ameaças pelo alto-falante do blindado.
Confirmada a eficiência dos caveirões, passaram a alugá-los, ini-
cialmente a traficantes, mais tarde a milicianos aliados. Os blin-
dados eram utilíssimos nas invasões. Por isso, o empréstimo era
caro. Em geral, sessenta mil reais por uma noite. O preço era alto,
mas os dois facilitavam. Não fizeram fortuna à toa. Sempre foram
bons nos negócios. Eram flexíveis. Aceitavam receber em arma,
munição e droga.
O “batalhão sinistro” foi generosamente recompensado pela
premiação faroeste, em meados dos anos 1990. A Secretaria de
Segurança condecorava e pagava ao beneficiário um adicional
— que era imediatamente incorporado ao salário — por atos de
bravura, medidos pelos êxitos obtidos no enfrentamento com tra-
ficantes. Os êxitos correspondiam mais frequentemente a mortes
do que a prisões.
2
O título macabro foi inventado por um jornal, mas pegou. A
despeito da intenção crítica, “batalhão sinistro” passou a ser os-
tentado com orgulho pelos próprios paladinos da bravura. Casos
envolvendo esse BPM se acumularam nas cortes internacionais
de direitos humanos, mas o governo do Rio desdenhava a opi-
nião internacional. O secretário e o governador consideravam
antipatriótico admitir interferências externas. As críticas feriam
a soberania. Acho que as autoridades pensavam o país como o
espancador de mulheres pensa a casa onde mora. Pode encher a
esposa de porrada, porque em briga de marido e mulher ninguém
está autorizado a meter a colher. A lei fica na porta. Não entra.
No domicílio, ele é soberano. O governador e o secretário podiam
arrebentar. Era a casa deles, o país deles. Ou não? E que nenhum
vizinho se metesse a besta.
Um membro da Secretaria de Segurança constituída no go-
verno seguinte, que herdou móveis e apetrechos do valente co-
mandante, conta que encontrou nas gavetas das mesas amontoa-
das na pequena sala da Assessoria de Imprensa centenas de cartas
fechadas, endereçadas ao secretário por entidades das mais diver-
sas partes do mundo.
Hoje, quando os editoriais reclamam da corrupção e da inefi-
ciência, a culpa recai exclusivamente sobre nossos ombros, como
se os policiais tivéssemos toda a responsabilidade, como se os go-
vernos e as políticas adotadas não fossem os maiores responsáveis
pelo caos que herdamos.
As milícias têm uma relação distante mas importante com a
política de premiação faroeste. Ou melhor, com a mentalidade
que ela simboliza. De certo ponto de vista, pode-se dizer que são

3
um subproduto degradante e nocivo das práticas que os gover-
nos adotaram, na medida em que elas consagraram a violência
policial, valorizando a morte dos suspeitos, os quais passaram
a ser tratados como inimigos, cuja rendição sequer se aceitava.
Inimigos deviam ser executados e ponto final. Aceitar execuções
extrajudiciais equivale, indiretamente, a mandar o recado de que
se tolera a formação de grupos de extermínio. E todos sabem
que esses grupos carregam em si vários ingredientes que, nas mi-
lícias, são desenvolvidos e potencializados.
A ideia simplória, aparentemente astuta, mas suicida, estúpi-
da, era de que vivíamos uma guerra, e na guerra, vale tudo. Tudo
se justifica. Nela, o melhor desempenho é o mais destrutivo, por-
que a meta é eliminar o inimigo. O resto são acidentes de trabalho.
Afinal, tudo tem seu preço. Se um policial atira porque confundiu
com traficante armado um cidadão que fazia obra na varanda de
casa com uma furadeira, tudo bem. Afinal, seria só um equívoco
na identificação de uma imagem distante. Atirar não estaria er-
rado se o homem alvejado portasse uma arma, mesmo que, no
momento do disparo, não estivesse ameaçando a vida do policial
nem de um inocente. Numa guerra, atira-se e pronto. O resto é
o resto: acidente de trabalho. Matar suspeito não se questiona.
A origem dessa degradação cultural e moral tem raízes antigas e
tornou-se uma praga difícil de extirpar da opinião pública e da
visão dos profissionais. Esse é o câncer que mastiga as entranhas
da polícia.
Quem não se lembra da frase de efeito do célebre ministro
da Fazenda da ditadura, que vários secretários de Segurança do
período democrático, curiosamente, adoram citar? “Não se faz

4
um omelete sem quebrar ovos.” Tudo bem. Desde que não se-
jam os deles. Desde que seus filhos estejam sãos e salvos em casa.
Nós, policiais honestos, e a população pobre que mora nas áreas
de confronto, nós que nos danemos. Fodam-se, eles pensam ao
apagarem a luz da cabeceira e adormecerem no colchão macio.
Desde que as manchetes destaquem o heroísmo governamental
no combate ao tráfico e desprezem os ovos quebrados, tudo bem.
Eles saem no lucro, tanto as autoridades políticas quanto os poli-
ciais vigaristas. Uns acumulam votos; outros ficam com a grana, o
espólio da guerra e o poder para elevar o valor do acordo — que
eles chamam “arrego”— no mercado da corrupção. Claro, porque
inimigos dos traficantes eles são à noite, nas incursões policiais. E
há os milicianos, que são muitos. O tráfico já era. Está em franco
declínio. As milícias, as nossas máfias, não param de crescer. São
um sucesso. A tendência é que as máfias substituam o tráfico ou
se unam a ele.
Enquanto isso, não são muitos os colegas que discutem essas
questões a sério, até mesmo porque alguns dos mais participativos,
em vez de enfrentar os grandes desafios, trocam a gestão e a profis-
são pelo poder: no Brasil todo, secretários de Segurança e policiais
se candidatam e fazem carreira política. Mesmo que haja vários
colegas bem-intencionados, confesso que não consigo engolir essa
promiscuidade dos profissionais da segurança com a política. Aca-
bam se perdendo porque têm de negociar apoios, angariar votos
e fazer caixa de campanha. Antes da eleição, favorecem os aliados
do partido, e quando não se elegem, voltam chegam cheios de
compromissos e interesses. Quando se elegem, pensam mais em
se reeleger do que em lutar por causas difíceis e desgastantes. Por

5
mim, polícia e política seriam carreiras mutuamente excludentes.
E secretário só poderia se candidatar quatro anos depois de deixar
o cargo. E olhe lá.

. . .

XIV
Do condomínio Deus é Fiel ao inferno

A partir da morte de Efe-Pê, o circuito da violência nas áreas sob


controle das milícias se intensificou e acelerou. Abriu-se a tem-
porada de rachas e conflitos nas organizações criminosas. Era o
momento oportuno para agirmos.
Na DRACO, vínhamos de um revés: o subchefe da polícia pe-
dira a Fausto para maneirar, na tarde em que apresentamos Luciano
Perver à imprensa, preso. Desde aquele dia, nos preparávamos para
a retomada da iniciativa. O assassinato de Efe-Pê nos oferecia uma
grande oportunidade. Tínhamos recuado um passo; era hora de dar
dois à frente.
Fausto convocou o grupo dirigente da delegacia para uma reu-
nião importante em seu gabinete — ele achava “gabinete” uma
palavra pretensiosa e me corrigia:
— Sala. Tenho sala e recebo as pessoas ou me reúno com elas.
Quem tem gabinete e marca audiência é o governador. E talvez o
secretário. Nem o chefe de polícia usa esse vocabulário pernóstico.
Quanto mais eu. Sou apenas o delegado titular da Delegacia de Re-
pressão ao Crime Organizado, a DRACO. OK?
Quem sou eu para questionar? Na escadinha da hierarquia,
estou abaixo do delegado. Nem delegado eu sou. Para falar a
6
verdade, nem gostaria de ser — já até quis, quando ainda não
conhecia direito o que cada um faz numa delegacia. Prefiro
deixar as formalidades jurídicas para os delegados. Meu tesão
aponta para outro lado. Gosto é de meter a cara na investiga-
ção. Ser inspetor de polícia e chefe do setor de investigação
da delegacia mais prestigiosa está de bom tamanho. Não vou fa-
lar do salário nem do reconhecimento da sociedade. Não vou
falar porque praticamente não existem. Ou melhor, não são dig-
nos de comentários.
Já houve um tempo em que tive minhas ambições: ser dele-
gado, chefe de polícia, essas coisas. Passou. Se eu puder voltar
a fazer o que fazia, se a vida me proporcionar, de novo, o privi-
légio de trabalhar com Fausto e seu pequeno time de craques,
vou me sentir realizado. Por ora, já disse, estou fora. Por ora me
contento com o que posso fazer, sentado aqui. Observo, escrevo
meus tweets e minhas memórias, conto as histórias acontecidas,
as experiências que vivi. Mas esse não é, ainda, o último capítu-
lo. Para o bem ou para o mal, o futuro não é previsível, porque a
liberdade humana e o destino não são controláveis. Para o bem
ou para o mal, repito.

Na reunião, Fausto foi enfático. Tinha chegado a hora. “Bola ou


búlica”, ele disse, e acho que só nós dois entendemos. Bola de
gude não era o esporte mais popular entre as crianças da gera-
ção de Marquinho, Tonico e Aluízio. Mesmo assim, a ninguém
escapou o significado da exortação do delegado. Se estivéssemos
no BOPE, o comandante, inspirado num filme de guerra ou num
faroeste, pescaria do fundo do baú uma declaração épica do tipo
“matar ou morrer”. Para nós estava bom o “bola ou búlica”.

7
Os milicianos matavam-se uns aos outros. Era a nossa chance.
Já dispúnhamos de munição na agulha: a restauração da legi-
timidade da denúncia de Samantha contra Firmino. Esse passo já
significava uma conquista e teria bastado para reabrirmos as in-
vestigações sobre a organização criminosa. Mas, agora, tínhamos
material investigativo mais promissor, de dimensões mais abran-
gentes.
Primeira tarefa, portanto: identificar os motivos do assassina-
to de Efe-Pê. O fio da meada nos levaria às disputas pelo poder.
Isso nos permitiria tomar o assassinato de Flávio Paulino
como um marco que justificaria a abertura de novo inquéri-
to. Tudo ficaria mais fácil e, provavelmente, começaria a fluir. A
juíza e o promotor certamente dariam suporte às novas quebras
de sigilo telefônico e à expedição de novos mandados de prisão.
De forma sustentável, ressaltou Fausto. De que adianta prender
se não há condições de manter as pessoas presas e levá-las a jul-
gamento?
O exército de Brancaleone deixou a sala de Fausto Clemente
com as missões definidas. Em primeiro lugar, cumpria responder
à pergunta: por que mataram Efe-Pê?

Ricardinho tinha sido muito útil. Trouxe informações importan-


tes sobre conexões criminosas entre as milícias que dominam
diferentes bairros e favelas. Contudo, não foi além de vagas espe-
culações sobre as causas do homicídio de Efe-Pê. O máximo que
conseguiu foi sugerir uma linha de investigação: talvez Flávio esti-
vesse se fortalecendo demais e se movimentando com autonomia
excessiva. Talvez estivesse cogitando a hipótese de candidatar-se
a deputado sem o aval de Firmino. Suas conhecidas ligações com

8
um secretário municipal pareciam apontar para algo mais que os
negócios comuns a ambos e a ocupação de posições na máquina
administrativa do município e do estado. Corriam boatos de que
estariam tramando uma candidatura de Efe-Pê com o apoio do
partido do governo e o empenho do tal secretário.
Sabemos que os planos de Firmino e seu grupo, que já ele-
geram outros parlamentares e têm sido hábeis na preservação da
unidade dessa rede política, incluem a ampliação do leque de can-
didaturas. A ideia é eleger mais representantes nas zonas Oeste e
Norte da capital, na Baixada Fluminense, em São Gonçalo e em
algumas outras áreas do estado. Porém, em ritmo gradual, para
evitar o risco da dispersão de votos e da derrota dos principais
líderes. Talvez Ricardinho estivesse certo e o movimento de Efe-
-Pê em direção a uma candidatura estivesse sendo avaliado como
precipitado e perigoso, porque divisionista. Pelo menos poten-
cialmente. Os cálculos da máfia são racionais. As decisões estraté-
gicas e táticas não admitem voluntarismo e leviandade.
Entretanto, não poderíamos ignorar que, pior do que a pre-
cipitação política seria a independência ou até a rebeldia que ela
expressa. Pior do ponto de vista dos chefes milicianos.
Quanto ao fortalecimento de Efe-Pê, Ricardinho citava
como prova sobretudo o que, no âmbito da milícia, se chama-
va projeto habitacional. Segundo nossa fonte, Flávio teria feito
muito dinheiro com essa iniciativa, que tinha sido exclusivamen-
te sua. Foram dele tanto o conceito quanto a execução prática.
Era verdade que ele não invadira território de outro miliciano
do mesmo grupo, dizia Ricardinho. Mas nem por isso sua atitu-
de vinha sendo acolhida com naturalidade, considerando-se a
ousadia inovadora na qual ele investira sem pedir licença. Uma

9
vez que o projeto se realizaria em área sob seu comando, Efe-Pê
julgou dispensável aconselhar-se, negociar, solicitar autorização
ou até mesmo informar Firmino. Liberdade demais, autonomia
em excesso, talvez os líderes tenham concluído. No mínimo,
desconsideração.
Somando todas as hipóteses suscitadas pelas especulações de Ri-
cardinho, tínhamos, de fato, elementos suficientes para compreen-
der que não era despropositado supor que se criara uma atmos-
fera pesada e suspeita em torno de Flávio Paulino e suas ações.
A partir de que ponto essa vaga atmosfera, que vai aos poucos se
adensando, atinge o limite e sofre uma inflexão, desabando em
raios e tempestade sobre a cabeça de quem a provoca? Não sabía-
mos se o crime tinha sido a culminância e a ruptura de uma dinâ-
mica gradual ou se algum ato específico desencadeara a execução.
Ato esse que ignorávamos. Todos nós. Inclusive Ricardinho.
Outra hipótese me parecia a mais natural, ainda que Ricardi-
nho não acreditasse nela: facção rival, composta por milicianos
inimigos do grupo de Firmino, teria matado Efe-Pê na velha dis-
puta por território e poder entre as organizações mafiosas. Se-
gundo o mapeamento da DRACO, três facções conviviam ou se
enfrentavam, conforme as circunstâncias, ainda que houvesse nú-
cleos menores e independentes atuando em áreas mais isoladas ou
ainda não cobiçadas pelas facções mais estruturadas e mais fortes.
A facção de Firmino, com presença já significativa na Câmara de
Vereadores da capital do estado e na Assembleia Legislativa, era a
mais antiga e com mais lastro nas polícias, e a que mais expandira
os ramos de negócio.
A segunda facção fora constituída havia pouco tempo e não
passava de uma costela extraída pelo diabo do corpo da primei-

10
ra. Orca, Salomão, Fininho, Passos, Mariano, Paulinho Salame e
o Engenheiro tinham todos rompido com a milícia de origem,
desgostosos com a repartição dos ganhos provenientes da distri-
buição do gás, ramo em que mais investiram e cujo monopólio
construíram. Saíram em bloco e fundaram a própria facção. Ela
continua pequena e se limita a atuar em um único complexo de
favelas.
A terceira facção — segunda em força e presença — era co-
mandada pelo coronel da PM Teles, Irany Teles, pai do inspetor
Telinho, braço direito do subchefe da Polícia Civil. Essa facção
era menor e sem presença na vida política, porém mais compac-
ta, mais unida, menos marcada por defecções e conflitos internos
cujos desfechos eram chacinas e execuções. Quando digo que
esse grupo não tinha presença na vida política, na verdade, induzo
o leitor ao erro. Presença havia, mas indireta. O grupo tinha seus
vínculos, suas preferências, seus acordos e seus negócios com
vários políticos dos níveis mais diversos. Entretanto, nenhum
de seus líderes tinha transitado para a carreira política. Pelo con-
trário, cultivavam a sombra, quase o anonimato. Na medida do
possível, mantinham a discrição. Até seus crimes eram menos es-
petaculares, ostentavam menos violência, ainda que tão selvagens
quanto os assassinatos, as mutilações e as torturas cometidos por
seus rivais.
A opção preferencial pela sombra e o uso indireto de represen-
tantes eram métodos que se ajustavam melhor à escolha estratégica
do grupo: o controle progressivo dos aparatos policiais. Assim, se
um secretário de Segurança tivesse ambições eleitorais, encontraria
no grupo acolhida para seu projeto. Milhares de votos lhe seriam
oferecidos, em bairros e favelas dominados pela facção, e o preço

11
seria mais que simplesmente financeiro. Teria de negociar posições
na PM e na Polícia Civil, e na própria Secretaria, nos governos atual
e futuro. O Corpo de Bombeiros também era visado. Muitos mi-
licianos que atuavam em núcleos filiados ao grupo de Teles eram
bombeiros — como acontecia nas demais facções, mas talvez em
proporção menor —, o que obrigaria o secretário candidato a pôr
na roda os cargos da defesa civil.
Teles estava convencido, pelo que a DRACO descobriu, de
que seria mais eficiente e seguro não ocupar a linha de frente da
política e não se expor à mídia. Investia nos pactos de bastidores.
Além disso, falava com escárnio e desprezo sobre a voracidade
dos principais rivais e apostava no rápido colapso do poder de-
les. Considerava completamente fora da realidade os planos de
Firmino e companhia de impor a hegemonia de sua facção nas
zonas Oeste e Norte da cidade do Rio, nos municípios da Baixa-
da, e de estender os tentáculos até o outro lado da baía de Gua-
nabara, em Niterói e São Gonçalo, e na Região dos Lagos. Teles
sabia que um projeto dessa magnitude nunca seria possível sem
a cumplicidade ativa de pelo menos alguns agentes do Judiciário
e a castração de segmentos do Ministério Público. Não bastava
uma boa base parlamentar. Até porque os jornalistas mais ex-
perientes não engoliram o discurso que os políticos envolvidos
com as milícias tinham tentado vender, na primeira etapa de ex-
pansão desses grupos: a tal história da autodefesa comunitária,
da justiça pelas próprias mãos ante a ausência do Estado.
Esse papo sem pé nem cabeça já tinha virado pó — sem iro-
nia. Ninguém que fosse sério e minimamente sensato compra-
va mais essa lorota. “Próprias mãos” de quem, cara pálida? Dos
moradores de favelas é que não eram essas tais mãos invocadas

12
pelos arautos da legitimidade das milícias. Autodefesa supõe que
a comunidade se defenda a si mesma, mas tropas de policiais vio-
lentos e corruptos não são a comunidade; não se confundem com
ela, nem moral nem economicamente. Quem faz autodefesa não
explora nem brutaliza os protegidos, simplesmente porque é um
contrassenso uma autoexploração, uma autoviolação.
A conversa fiada cheirava — e cheira — mal, e já se esvaiu
pelo esgoto, que é seu lugar. Essa baboseira de autoridades, de-
putados, vereadores está politicamente sepultada. Graças a Deus,
os meios de comunicação pularam fora do barco da justificação e
da conivência. Pelo menos os mais respeitáveis. Claro que a mídia
não é uma unidade. É uma galáxia, como deve ser.
O fato é que facção criminosa, mesmo engravatada ou farda-
da, não tem mais espaço digno nessa galáxia. Acabou. Velhas ra-
posas insinuam aqui e ali suas teorias ambíguas, tentando ganhar
adeptos entre milicianos e evitar que sejam abaladas suas velhas
alianças com as máfias.
Vou botar a boca no trombone para denunciar essa escrota
apologia ao crime, essa nojenta servidão. Para mim, esses políti-
cos são criminosos também, mesmo que só se beneficiem indire-
tamente da tirania exercida pelos milicianos. Vou varar as noites
escrevendo em meu Twitter e divulgar minha revolta aos quatro
cantos. Não importa que eu tenha só vinte e poucos seguidores.
Não importa. Vou fazer a minha parte, como fiz na DRACO até o
episódio acontecer. Hoje, mais tarde, vou postar o seguinte:

13
Dracon1ano

Estamos na merda porque policiais


malpagos sobrevivem graças à insegurança.
A degradação começa no bico e evolui até a
milícia.
about 16 minutes ago via web

Havia, e ainda há, grupos de extermínio. Policiais tiravam


graninha por fora matando quem atrapalhasse comerciantes e o
sossego do bairro.
about 15 minutes ago via web

Havia, e há, segurança privada informal. O bico. Policiais


recebem pagamento de clientes voluntários. É ilegal, mas o
serviço é decente.
about 15 minutes ago via web

Você jogaria a primeira pedra? PF e autoridades fingem que não


veem por escrúpulo de reprimir ações decentes que compensam
salários ruins.
about 15 minutes ago via web

Tem mais. Os governos toleram o bico porque, sem essa


complementação, a demanda salarial levaria os policiais às ruas
e o orçamento ao ralo.
about 14 minutes ago via web

Entenderam? A segurança privada (informal e ilegal) financia


o orçamento público da segurança. Maravilha! É o gato-
orçamentário. Budget-cat.
about 13 minutes ago via web

14
Sensacional: Brasil, paraíso da malandragem e do jeitinho. Você
não olha o que faço e eu fecho os olhos pro que você faz. E está
tudo certo.
about 12 minutes ago via web

Claro que sempre há os parasitas que recebem uma grana fixa


ou um percentual do tráfico, das maquininhas caça-níqueis, do
jogo do bicho.
about 12 minutes ago via web

Agora vem a melhor parte. O mar estava pra peixe, e os mais


espertos avaliaram que era hora de virar tubarão e passar do
varejo pro atacado.
about 11 minutes ago via web

Pronto, chegamos à máfia. Às milícias. Os espertos


conclamaram os comparsas a organizar a bagunça e ganhar
dinheiro feito gente grande.
about 11 minutes ago via web

Por que só os políticos ganham propina de empreiteiras, em


licitações? Por que não cobrar taxa de tudo que tem valor, é útil
ou gera renda?
about 9 minutes ago via web

Se o cara é policial, tem arma e sabe o caminho das pedras, por


que não cobrar pelo direito de morar, vender, transportar, ter
luz, gás, TV?
about 8 minutes ago via web

O Estado não usa força para cobrar impostos? Por que não fazer
o mesmo com menos burocracia? Até ‘segurança’ os milicianos
dariam em troca.
about 7 minutes ago via web

15
Começaram expulsando traficantes e os substituindo no domínio
territorial e político das favelas e dos bairros pobres. Rico repele
extorsão.
about 7 minutes ago via web

Os caras enriqueceram, se elegeram vereadores e deputados,


absorveram parte da mão de obra do tráfico, explodiram
delegacias e estão por aí.
about 6 minutes ago via web

Estão em toda parte: Zona Oeste e Sul, Baixada, São Gonçalo.


Violentos e audaciosos. Matam, extorquem, torturam,
humilham, sequestram.
about 6 minutes ago via web

Nas eleições, além de elegerem-se, diretamente, aliam-se a


políticos corruptos e vendem acesso exclusivo a comunidades
inteiras.
about 4 minutes ago via web

Com mandatos e aliados no coração do poder, ganharam relativa


imunidade. Muito relativa, pelo menos desde que a DRACO
partiu para o ataque.
about 2 minutes ago via web

Pior é ver uns cretinos defendendo milícias. Não sei se


são idiotas ou cúmplices, ou ambos. Hoje, andam meio
envergonhados, os canalhas.

about 1 minutes ago via web

16

Você também pode gostar