Grotowski PDF
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Belo Horizonte
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Alexander Evaristo Araújo de Moraes
Belo Horizonte
Escola de Belas Artes da UFMG
2008
Moraes, Alexander Evaristo Araújo de, 1973-
Entre a precisão e espontaneidade: Grotowski e os princípios pragmáticos do
trabalho do ator / Alexander Evaristo Araújo de Moraes. - 2008.
150 f : il.
A Josi, que me ensinou a dançar na chuva e a ver a dança das folhas das
árvores enquanto o vento canta para elas.
A Juliana Coelho por seu inestimável apoio com suas traduções, suas sugestões,
A Suelene Coelho que com sua sabedoria e empatia soube prestar todo o apoio
necessário.
cooperação.
trabalho e companheirismo.
A Tarak Hamam, Fernando Montes, Cristine Villepoix, José Filipe Pereira, Ricardo
trabalho.
possível.
Ao CNPq, do qual fui bolsista e assim tornou possível a realização deste trabalho.
Resumo
Grotowski sofreram uma constante evolução ao longo dos anos, partindo de uma
forte influência do teatro clássico oriental, passando por Stanislavski, até chegar à
uma linha precisa e lógica dos impulsos e das ações físicas. As ações físicas em
pragmatic principle of the actor's craftsmanship base, from the texts and reports of
the polish director Jerzy Grotowski. The analysis is led by a pragmatic logic, in
which the concepts are dynamically connected with the practice. We observe the
pair, precision and spontaneity, situated in one of the main pole of the occidental
actor's performance - the organic pole. We examine the binomial, precision and
spontaneity, in the actor's work: in the exercises and in the creative act, according
constant evolution through the years, beginning with strong influences of the
eastern classic theater, passing by Stanislavski and arriving in the concept of via
logical line of impulses and physical actions. The work on physical actions with
spontaneity in the building process of the main character of the spectacle The
Constant Prince played by Ryszard Cieslak, one of the most important actors of
Introdução......................................................................................................... 01
1.1 Princípios
pragmáticos................................................................................................... 13
1.2 O Pólo artificial e o Pólo orgânico.................................................................. 16
1.3 Contato........................................................................................................... 20
2.1 A Genealogia.................................................................................................. 29
2.1.1 O início: a artificialidade e o exemplo oriental.............................................. 29
2.1.2 Primeiros exercícios..................................................................................... 32
2.1.3 A via negativa: uma mudança de paradigma............................................... 35
2.2 Os exemplos pragmáticos............................................................................... 41
2.2.1 O gato: pensar com a coluna. O pensamento/ação.................................... 41
2.2.2 O Training físico .......................................................................................... 45
2.2.3 O Training plástico....................................................................................... 61
3.1 A Partitura....................................................................................................... 68
3.1.1 O termo partitura.......................................................................................... 68
3.1.2 Da partitura como um conjunto de signos à partitura como
relação entre estrutura e vida da ação ................................................................. 71
3.2 As Ações Físicas............................................................................................ 75
3.2.1 Ação física: Uma resposta a Stanislavski.................................................... 75
3.2.2 O que não é ação física .............................................................................. 81
3.2.3 A emoção e o “Pulp-actor” .......................................................................... 87
3.2.4 A organicidade e a corrente de impulsos vivos............................................ 89
3.3 O Espetáculo................................................................................................... 94
3.3.1 O Príncipe Constante-o processo................................................................ 95
3.4 A qualidade artesanal do ofício no ato criativo..............................................107
Conclusão....................................................................................................... 112
Referências Bibliográficas........................................................................ 121
Anexos..............................................................................................................126
INTRODUÇÃO
meio e fim), como, também, pela co-autoria e o “estar em relação” com seus
defrontei-me com a seguinte indagação: Como repetir uma cena, dia após dia,
sem que ela perdesse aquele certo frescor e vivacidade que me eram tão caros
espetáculo em si. Dessa maneira, tudo era diferente a cada noite. Por outro lado,
das formas de teatro clássico indiano chamado kathakali. No kathakali, cada parte
1
do corpo, cada expressão do rosto, cada gesto de mãos e dedos é extremamente
dos anos cinqüenta dirigindo algumas produções independentes até formar seu
grupo teatral, chamado neste primeiro momento de Teatro das treze fileiras,
Laboratorium1. No final dos anos 60, ele toma uma decisão radical: a de não mais
realizar espetáculos. Ao longo de sua vida, sua pesquisa passa por fases
distintas2 até culminar na fase final, chamada de Arte como Veículo, desenvolvida
1
Decidi manter o nome original em polonês apenas nesta primeira aparição, posteriormente utilizarei a
tradução livre para o português, Teatro Laboratório.
2
Segundo o pesquisador italiano Marco de Marinis, em seu texto Teatro rico y teatro pobre (Marinis. 1992,
p.84) podemos dividir a trajetória de Jerzy Grotowski em quatro grandes períodos. O primeiro, o qual
Marinis denomina de Teatro da representação (1957 a 1961), vai desde suas primeiras produções
independentes até a formação e produção dos primeiros espetáculos do grupo “Teatro das treze fileiras”. O
segundo (1963 a 1969) abrange a fase dos espetáculos responsáveis pela difusão do nome de Grotowski pelo
mundo, como Akropolis, Príncipe Constante e Apocalypsis cum figuris, e da mudança da sede do grupo da
pequena cidade de Opole para a cidade universitária de Wroclaw e posteriormente da mudança do próprio
nome do grupo para Teatro Laboratório. O terceiro período (1970 a 1979), denominado Parateatro, em que
Grotowski e seu grupo decidem interromper a produção de novos espetáculos e as atividades teatrais
propriamente ditas e “dedicarem-se a investigações a intercomunicação e ‘encontro’ entre indivíduos”
(Marinis. 1993, p.85). E, finalmente, o quarto período que vai do fim dos anos setenta até o ano de sua morte
em 1999, que pode ser subdividido em Teatro das Fontes (1978 a 1982), Objective Drama (1982 a 1984) e
seu trabalho derradeiro chamado Arte como Veículo, realizado com o Workcenter de Pontedera, Itália,
fundado em 1985, e que continua até os dias de hoje, sendo conduzida por Thomas Richards e Mario Biagini.
2
para ele, a relação entre o ator e o espectador constituía o cerne do fenômeno
teatral.
encontro com a pesquisa de Grotowski deu-se através desta busca de aliar estes
meu trabalho como ator. Grotowski não só trabalhava a relação entre essas duas
3
Grifo do autor.
4
Grifo meu.
5
Optei pela tradução livre das citações em língua estrangeira, mantendo os originais nas notas de pé de
página.
3
Nesta presente pesquisa, pretendo investigar os conceitos de precisão e
inevitavelmente cairá, sem ter ido muito longe" 6. Contudo Grotowski não está se
ser estruturada: “Acreditamos que um processo pessoal que não seja sustentado
papel não é uma liberação e cairá na falta de forma.” (Grotowski, 2007 [1965], p.
106).
Grotowski via sua pesquisa sobre o ator como um trabalho artesanal: “Não
trabalhamos como o artista e o cientista, mas, antes, como sapateiro que procura
o lugar exato no sapato para bater o prego.” (Grotowski, 1992, p. 23-24). Essa
6
Transcrição de fitas do Simpósio Internacional "A Pesquisa de Jerzy Grotowski e Thomas Richards sobre a Arte como
Veículo". São Paulo: Setembro-Outubro, 1996.
7
“(...) Si falta una estructura todo se disuelve, todo se vuelve una sopa.”
4
base artesanal era considerada imprescindível para que o ator pudesse exercer
Mastering of the Craft, que pode ser traduzido como a “mestria do fazer”, e este
fazer entendido como fazer artesanal, como podemos ver nesta declaração de
Thomas Richards8:
textos grotowskianos surgem de uma desconexão, por parte do leitor, entre teoria
8
Thomas Richards foi um dos principais colaboradores de Grotowski na última fase de seu trabalho,
chamado Arte como veículo, no Workcenter de Pontedera, Itália, sendo apontado por Grotowski como o
continuador de sua pesquisa. Atualmente o centro de estudos fundado por Grotowski chama-se Workcenter
of Jerzy Grotowski e Thomas Richards.
9
O seu livro “Em busca de um teatro pobre” é um bom exemplo.
10
Por ocasião do Simpósio Internacional sobre o Workcenter de Jerzy Grotowski e Thomas Richards,
realizado no SESC - São Paulo, em 1996.
5
e continuador do trabalho de Grotowski no Workcenter, Thomas Richards: “As
que, por sua vez, nos indica princípios e comportamentos decorrentes de uma
observação empírica, ou seja, princípios que norteiam o que o ator deve fazer
Para que posteriormente se torne cada vez mais claro o que Grotowski
séc. XIX e início do séc. XX, em dois pólos complementares, mas distintos: o
11
“Theories were used in our work only when they might help solve a practical problem at hand.”
12
Grotowski sempre utilizava o termo treinamento em inglês: Training, independente de que língua estivesse
falando. Optarei pelo mesmo. Quanto ao significado exato do termo, assim como sua estrutura e
funcionamento, serão devidamente abordados no segundo capítulo.
6
artificial, do qual Diderot nos fala em seu Paradoxo do comediante (Diderot, 1973)
grotowskiana: o contato, que é uma das principais vias para que se renove a cada
dia a vida, seja de uma partitura, seja de um exercício, sem que a repetição
Grotowski. Podemos ver desde a criação dos primeiros exercícios, quando ainda
ação/reação com os estímulos internos e externos, até chegar aos trainings físico
e plástico desenvolvidos pelo grupo Teatro Laboratório ao longo dos anos 60.
7
O foco principal deste estudo está situado na fase do trabalho de
vai de 1966 até 1970. Se, em alguns momentos, recorro a alguma fase anterior ou
posterior a esse período é apenas para nos auxiliar em uma melhor compreensão
uma fase posterior, como a do Objective Drama, em que Grotowski não mais
considerava como base artesanal do trabalho do ator. Mesmo quando não mais
usava a palavra ator para designar os participantes do seu trabalho (em seu lugar
13
Essas são algumas designações para os participantes da estrutura do Workcenter chamada simplesmente de
Action.
8
comparável àquela dos espetáculos do Teatro Laboratório. (Grotowski I,
[1993] 2007, p. 231)
porquê desta distinção entre exercícios e ato criativo, já que se podem ver os
Para ele esta é uma relação indireta, já que não acredita que possa haver
não é uma preparação técnica, afinal, qual a razão de um tão rigoroso e complexo
treinamento, ou seja, por que um ator deve treinar? Esta é uma questão
Stanislavski e ao modo como dividiu seus livros sobre a pedagogia do ator entre
14
títulos como “Trabalho sobre si mesmo” e “Trabalho sobre o personagem” .
14
A tradução desses títulos tem como referência a versão italiana do livro de Stanislavski a Preparação do
ato, que respeita a tradução original russa “Il lavoro dell’atore su se stesso ”(Rabota aktera nad saboj) , e “Il
lavoro dell’atore sul rollo.”(Rabota aktera nad rol ju.) (1997, laterza, Bari).
9
Podemos situar os trainings difundidos por Grotowski e seu grupo como um
mesmo o personagem. É claro que existe uma relação entre training e ato criativo,
mas essa é uma relação indireta, dialética. Certos princípios que serão utilizados
trainings, princípios que vão desde tenacidade, agilidade, resistência física até
Posso falar do que se tornou o training para mim: tornou-se uma espécie
de disciplina, que me obriga cada dia a retornar ao mesmo exercício, à
mesma dificuldade, a mensurar o estado do meu corpo, ou, ainda mais,
do meu psicofísico junto, que é o instrumento do meu ofício... [O
training15] Me mantém na qualidade artesanal do ofício. (ANEXO A).
como ator do grupo Acto, dirigido por Cristine Villepoix e José Filipe Pereira,
15
Acréscimo nosso.
10
francês, radicado na Itália, que manteve contato estreito com Grotowski desde os
anos 70, Mieczyslaw Janowski, ator polonês que atuou no Teatro Laboratório em
Estes relatos possuem grande relevância para o trabalho devido a seu caráter
escolhido como foco principal nesta dissertação e no qual manterei uma lógica
análoga às leis pragmáticas onde o foco principal será a relação desses conceitos
teórico e que estamos nos aventurando no mundo das palavras. Em sua fala final
sobre os perigos das palavras que não possuam uma relação intrínseca com a
prática:
16
Transcrição de fitas do Simpósio Internacional "A Pesquisa de Jerzy Grotowski e Thomas Richards sobre a Arte como
Veículo". São Paulo: Setembro-Outubro, 1996.
11
Mas para que possamos realmente penetrar no universo grotowskiano,
sendo o mais fiel possível à sua lógica interna e entender as bases em que se
fundamenta este trabalho específico, não podemos nos afastar desta relação com
a prática. Devemos manter uma relação dinâmica e que dialogará com os mais
Finalizo este tópico com as palavras da Profa. Dra. Tatiana Motta Lima, de
quem fui aluno e assistente, sobre esta relação entre prática e teoria no estudo do
encenador polonês:
12
CAPÍTULO I
alguns dos pressupostos básicos para uma melhor compreensão da relação entre
17
Eugenio Barba é diretor e fundador do grupo Odin Teatr e da ISTA (International School of Theatre
Antropology). Trabalhou como assistente de direção de Grotowski nos espetáculos Akropolis (1962) e A
trágica história de Dr. Fausto (1963). Foi também um dos principais divulgadores do trabalho de Grotowski
pelo mundo, estando diretamente ligado à publicação do livro Em busca do teatro pobre.
13
Ao contrário das leis regidas pelo pensamento puramente científico-
analítico, as leis pragmáticas "[...] não nos dizem que algo trabalha de uma
maneira específica; elas nos dizem: você deve comportar-se de uma certa
maneira” (Grotowski apud Barba, 1995, p. 235). Elas são leis comportamentais:
uma questão de analisar como isso acontece, mas de saber o que se deve fazer
prática. Como podemos ver na fala de um dos seus últimos colaboradores e atual
continuador de sua obra, Thomas Richards18: "Grotowski sabe que aprender algo
(Grotowski apud Barba,1995, p. 236). Ele entendia esses princípios como a base
18
Thomas Richards foi o principal colaborador de Grotowski em sua pesquisa intitulada Arte como Veículo e
hoje é o diretor principal do Workcenter of Jerzy Grotowski and Thomas Richards em Pontedera, Itália.
19
"Grotowski knows that to learn something means to conquer it in practice. One must learn through "doing"
and not through memorizations of ideas and theories."
14
trabalho como teatro, Grotowski prezava e mantinha uma base técnica artesanal
por exemplo:
elemento para a formação do ator, como também, uma hierarquia, não que esse
seja mais importante, mas que urge com uma verdadeira base para o ofício do
20
Termo utilizado para designar os participantes da estrutura performática desenvolvida no Workcenter, a
Action.
21
"relación: precisión/organicidad - Danza y ritmo – Canto- Conciencia del espacio y reacciones a los
elementos que lo constituyen - Improvisación en el marco de la estructura - Montaje de acciones físicas."
15
1.2 O Pólo artificial e o Pólo orgânico
longo de toda sua trajetória. Nesses encontros, apresentou como central em sua
reflexão a idéia de que haveria duas grandes correntes na atuação teatral: "É
claro que existem várias técnicas de ação sobre cena. Entre esta multiplicidade
não identificação do ator com o seu personagem, de modo que não houvesse
nenhum tipo de envolvimento emocional por parte do ator, nem com o que
ligado ao papel. O foco principal do ator deve ser o de como exercer o efeito
22
Em janeiro de 1997, Grotowski foi nomeado professor do Collége de France, na cátedra intitulada
Antropologia Teatral. A linha orgânica do teatro ao ritual (La lignée organique au théâtre et dans le rituel)
era o título do curso ministrado por Grotowski.
23
" Il est clair qu'il existe plusieurs techniques d'action sur scène. Entre cette multitude de possibilités, on peut
plus ou moins définir deux pôles majeures."
24
Denis Diderot (1736-1784) filósofo e escritor francês.
16
463). Segundo o teórico Marvin Carlson, para Diderot "A arte é um produto de um
155).
jogo". É importante frisarmos que o termo "artificial" não contém aqui nenhuma
artificial, dentro das várias formas de teatro clássico oriental25. Nesse teatro,
25
Grotowski constantemente citava a Ópera de Pequim como exemplo, mas podemos encontrar elementos
que caracterizam o pólo artificial em praticamente todas as formas tradicionais do teatro clássico oriental.
26
"[...] para un actor de la escuela clásica china o del nô japonés [...] existe algo que es el modus operandi de
caminar. Se puede decir (si se quiere jugar con la terminología de heideger), que para él, no existe solamente
la acción de 'walking', existe 'walkiness' [...] é como renunciar a nuestra propia subjetividad de la acción [...]
Aquí estamos frente a la desconexión de diferentes pequeños movimientos [...] que é entonces caminar sin
objetivo, sin ser capturado por el objetivo de nuestra propia subjetividad?"
17
assim uma série de pequenas paradas, de frações de segundo, entre uma e
outra.
cita o teatro de Meyerhold e sua biomecânica. Mesmo não podendo ser chamado
seu sistema é que o ator alcance o que ele denominava como a condição humana
27
"L'intero sistema biomeccanico, l'intero processo dei nostri movimenti vienne dettato da un principio
fondamentale: il pensiero, il cervello umano, l'apparato intelletivo."
28
"Afirmando la naturaleza orgánica como el elemento decisivo en el arte del actor, Stanislavski creo el
método para poder abordarla."
18
mais simples e normal, condição esta, baseada em procedimentos
apud Ruffini, 1993, p. 150). O ator constrói a partitura de sua interpretação como
"desperta uma atividade interior e real, [...] um estímulo interior instantâneo, [...]
É claro que, a partir de uma comparação entre os dois pólos, podemos ver
que esta divisão não é absolutamente estanque e que existe uma certa inter-
29
Organicity; it is also a term of Stanislavski. What is organicity? It is to live in agreement with natural laws,
but on a primary level. One mustn't forget, our body is an animal. I am not saying: we are animals, i say: our
body is animal. Organicity is linked to the child aspect. The child is almost always organic."
19
relação entre eles. Mesmo dentro da linha orgânica existe um nível de
composição, de construção, como a partitura, por exemplo. Mas acredito que esta
divisão possa nos ser muito útil na relação com nosso objeto principal. Assim
nos fala.
organicidade.
1.3 Contato
revela um princípio interno essencial de sua prática. Esse conceito é uma das
muito comum que o ator, por exemplo, entenda a palavra contato como sendo
contato. Para que o ator realmente estabeleça contato com seu companheiro de
cena, ele necessita não apenas olhar para o parceiro, ele precisa ver e ser
afetado por aquilo que está vendo, como podemos constatar neste exemplo de
Grotowski:
20
"Agora estou em contato com vocês, vejo quais de vocês estão contra
mim. Vejo uma pessoa que está indiferente, outra que escuta com
algum interesse e outra que sorri. Tudo isto modifica minhas ações,
trata-se de contato, e isto me força a modificar meu jeito de agir."
(GROTOWSKI, 1992, p. 187)
problemas em dois: o primeiro é o de que o ator não deve atuar para a platéia,
coloca, é quando o ator volta toda sua atenção para si mesmo. "Isso significa que
ele observa suas emoções, procura a riqueza dos seus estados psíquicos, e este
pessoal como "um tipo de tesouro", isto nos conduzirá a um certo tipo de
nossa vontade" (Grotowski, 1992, p. 202). Para evitar essas armadilhas, o ator
deve direcionar sua atenção para que o contato venha "[...] de dentro dele em
direção ao exterior, mas não para o exterior." (1992, p. 203), ou, então, correrá o
risco de fazer para o público acarretando nos problemas descritos acima. O ator
deve voltar a sua atenção para o seu interior e para seu parceiro
30
O problema desse narcisismo e, especialmente, dessa sedução do ator pelo público é duramente atacado
por Grotowski ao longo de seus textos, a este ator Grotowski chamava de Ator cortesão.
21
concomitantemente. Na verdade, é através desse contato, na ação e reação com
com aquilo que dizia respeito ao âmbito da memória das associações ou das
conceito de associações. Aqui temos outro conceito que, assim como contato,
Como podemos ver acima, as associações não podem ser ditadas pelo
nosso pensamento analítico. Elas não devem e "não podem ser calculadas". É
fundamental que o ator entenda as associações como "(...) algo que emerge não
reações físicas. Foi nossa pele que não esqueceu, nossos olhos que não
31
"Las asociaciones son acciones que se enganchan a nuestra vida, a nuestras experiencias, a nuestro
potencial. Pero no se trata de juegos de subtextos o de pensamientos. En general no es algo que se pueda
enunciar con palabras, por ejemplo diré: 'buen día señora'(fragmento de la parte), pero pensaré: 'por que hoy
esta así de triste?' Este subtexto, este 'pensaré' es una tontería. Estéril. Una especie de adestramiento del
pensamiento[...]"
22
conversando com alguém, em certa altura da conversa é dito algo pelo outro que
me faz lembrar algo da minha vida, quase que automaticamente algo muda em
mim, talvez meu olhar, talvez eu mude o pé de apoio e altere meu eixo, talvez eu
não são premeditadas ou separadas do que está acontecendo, elas são reações
espontâneas que nascem deste contato simultâneo com meu parceiro e minhas
seguinte maneira:
uma entrevista com o ator e diretor François Khan, ele dá a seguinte resposta
32
Serge Ouakine estagiou no Teatro Laboratório em 1966, onde, a pedido de Grotowski, reconstituiu o
roteiro do espetáculo o Príncipe Constante a partir de 90 desenhos que descreviam o espetáculo e que foram
publicados no primeiro volume da coleção 'Les Voies de La Création Theâtrale'.
23
Esta pergunta levanta o problema da distribuição da atenção. Como
funciona tecnicamente, não saberei explicar, mas sei que funciona, quer
dizer que é possível seguir dois ou mais “rastros” diferentes ao mesmo
tempo, como neste caso com a memória (a atenção voltada ao interno,
em direção ao espaço interior do ator) e o contato com o outro em cena
(a atenção voltada ao externo) [...] Com certeza a precisão vem da
estrutura criada durante a elaboração da cena e que constitui uma rede
sólida, mas flexível que permite ao fluxo da ação de seguir o seu curso
e, ao mesmo tempo, deixa uma parte da atenção disponível para o
externo, para a percepção do espaço, para os eventos imprevisíveis, etc
[...] para ser ainda mais claro; a cena é estruturada de tal modo que
inclua não apenas o percurso pessoal do ator, mas também o seu
contato com os outros em cena [...] (ANEXO A).
Esse 'contato com o outro' pode também se dar no plano imaginário, o ator
imaginário. Ele pode perfeitamente estar em contato com um parceiro que seja
fruto de suas memórias e associações, contanto que isto ocorra de forma precisa.
Grotowski fala, por exemplo, em acariciar um gato imaginário. Esse gato não deve
ser "um gato abstrato, mas um gato que eu vi, com quem tenho contato. Um gato
espaço, afirmando que esse "companheiro imaginário deve ser fixado no espaço
desta sala real. Se não se fixar o companheiro num lugar exato, as reações
nas inter-relações dos atores ("de dentro dele em direção ao exterior"), assim
24
relações, ao mesmo tempo em que é direcionado por elas" (Motta Lima, 2005, p.
56).
Richards e Mario Biagini falando sobre este tema específico. Eles não só falavam,
Diziam que quando dois atores33 'jogam', eles devem manter certa distância um
do outro para que os dois possam estar realmente em contato. Caso o parceiro se
aproxime demais, ele estará invadindo o espaço individual de jogo do outro e, por
outro. Percebi que o que eles nos diziam e nos mostravam naquele momento, de
forma concreta, era que a maneira com a qual eles se posicionavam no espaço
como objeto estímulo onde o parceiro pode ser concreto no espaço (um outro
Constante:
33
Mesmo que no caso do Workcenter os participantes sejam chamados de 'doers', nesse exemplo específico,
eles falavam de atores.
25
34
Sem o parceiro, a proposição do ator não obtém jamais sua plenitude
(Ouakine, 1970, p. 37).
Nesse exemplo, a atriz Rena Mirecka se apóia no contato com outro ator,
Ryszard Cieslak, como um estímulo para que ela realize sua ação. Nesse caso,
não importa o que Cieslak representa na peça (seu personagem) ou sua relação
Cieslak seja um estímulo para que a atriz seja motivada (impelida) a uma reação
espontânea.35
termo adaptação, que seria exatamente os ajustes que os atores devem fazer no
34
"Dans la scène de flagelacion du christ accompagnèe des litaines, réna peut flageller le prince ryszard pour
ce qu’il représente ou faire le même acte, motivvée par quelqu’un d’autre ou representant quelque chose
d’autre. Dans le processus mental de la créacion, le partenaire surgit avec la motivation. La réaction est
authentique si le partenaire a été une stimulation forte et si la motivation de réaction dans la spontanéité. Sans
parteneaire, la proposition de lacteur n’obtient jamais as plénitud."
35
Um outro conceito ligado diretamente à noção de contato é o que Grotowski denomina de companheiro
seguro: "Finalmente, o ator descobre o que eu chamo de 'companheiro seguro', este ser especial diante do
qual ele faz tudo, diante do qual ele representa com as outras personagens, a quem ele revela seus
problemas e suas experiências pessoais. (...) Não precisamos definir este 'companheiro seguro' para o ator,
precisamos apenas dizer-lhe: 'Você tem de doar-se totalmente'." (GROTOWSKI, 1992, p. 203).
26
Em um filme documentário sobre a vida e obra de Stanislavski existe um
pequeno trecho de uma das últimas aulas (uma master class) de Stanislavski com
que falta a este diálogo? Eu lhes digo: O problema é que você (a um dos atores)
não fala para ele, que, conseqüentemente, não o escuta. Vocês não estão
são feitos em direção ao contato com o outro, com o espaço e com suas
alta dificuldade técnica quanto a sua realização e têm o contato tanto como tarefa,
para que não se feche no interior de suas dificuldades, assim, também, como
apoio para que os mesmos exercícios sejam renovados pelo contato com o outro
terceiro capítulo), já que para Grotowski "A partitura do ator consiste dos
verdade este conceito prático se faz vital não só em relação ao binômio precisão
36
LE SIÈCLE Stanislavski. Direção: Lew Bogdan. Paris: la Sept Video,1993.
27
Finalizo este primeiro capítulo com a definição do ator François Khan que
nos dá, ao mesmo tempo, uma perspectiva técnica e uma visão mais ampla do
conceito:
28
CAPÍTULO II
exercícios e trainings.
2.1 A Genealogia
criação dos trainings, desde o início do trabalho com o grupo Teatro Laboratório,
onde, ainda, era clara a existência de uma dicotomia entre o que podemos
Teatro das 13 fileiras37, Grotowski tinha como prioridade em sua pesquisa a mise
en scéne dos espetáculos, não havia uma preocupação particular com o trabalho
37
Nome adotado pelo grupo quando ainda sediados na cidade de Poznan, que se referia ao número de
arquibancadas existentes no pequeno teatro da cidade.
29
justamente pela evidente deficiência técnica, como podemos constatar no
amadorismo técnico. Se alguém quisesse dar a eles algum bom conselho, este
teatralidade na qual o ator deveria ser capaz, a partir de seu corpo e sua voz, de
inconsciente coletivo.
38
“Orpheus”, texto de J. Cocteau, estreou em 1959 e “Caim”, texto de Byron, estreou em 1960.
39
“Unfortunately their accomplishments tend to move in the direction of technical amateurism. If one wanted
to give them some good advice, it would be: perfect the acting.”
40
“Sakuntala”, antigo drama erótico indiano escrito por Kalidasa. O espetáculo estreou em 1960.
41
Desde sua infância, Grotowski já demonstrava interesse pela cultura indiana, chegando a praticar um certo
tipo de yoga mais próximo à meditação.
30
apresentações da Ópera de Pequim, antes da reforma cultural chinesa. Grotowski
pode constatar a enorme destreza e mestria dos atores orientais obtidas através
natural do corpo para que seja capaz de reproduzir os signos sem nenhum tipo de
resistência, tal como o peso do próprio corpo, além de combater uma possível
falta de vigor físico. Para Grotowski o teatro clássico oriental era um modelo de
Podemos usar como exemplo uma das formas de teatro clássico indiano, o
"exercícios para o corpo". O ator em geral inicia seu aprendizado muito jovem e
através do meysadhakam vai “moldando seu corpo" para que ele se ajuste cada
42
Estes signos vocais podem ser vistos especialmente em algumas formas de teatro clássico oriental como, a
Ópera de Pequim, o Nô e o Kabuki.
43
O meysadhakam é uma duríssima série de exercícios físicos - com saltos, alongamentos, giros, exercícios
para os braços, para as pernas, para a coluna, etc. Estes exercícios são executados pelos aprendizes de
Kathakali na “early morning class”: primeira seção de trabalho na escola de Kathakali, que inicia-se por volta
das 4 horas da manhã e acontece apenas no período das monções (chuvas) de inverno (ou seja, durante 3/4
meses ao ano), com o objetivo de proporcionar resistência e flexibilidade ao corpo e modelá-lo para o
Kathakali. Antes dos exercícios o aluno passa óleo em todo seu corpo e após os exercícios submete-se ao
uzhicchil: massagem feita com os pés pelo professor, também com o objetivo de modelar o corpo para a
dança.
31
Não é difícil para nós traçarmos paralelos com práticas ocidentais como o
existe uma luta com espadas, o elenco ou parte do elenco diretamente envolvido
na cena terá aulas de esgrima, e assim procederá com o canto, dança, acrobacia,
etc. Desde seu princípio, os exercícios eram entendidos por Grotowski como uma
necessidade cotidiana, algo comum para um músico, que pratica seu instrumento
diariamente (mesmo que este seja sua própria voz), não só para adquirir
habilidades, mas também para não perder aquelas já conquistadas. Essa prática
também é habitual para um bailarino com sua prática diária de exercícios, porém
cotidiano dos atores de sua época. Os atores do século XIX não tinham nenhum
32
espetáculo. Stanislavski propunha uma série de exercícios preparatórios. Esse
deveriam ter uma justificativa concreta e pessoal. Através de suas tarefas (ou
praticada pelos atores não tinham como objetivo principal o efeito que o
para todo movimento. Um erro sequer e a queda será eminente. Se você está no
trapézio e no meio do salto você pensa, por exemplo: “Devo saltar?” ou ainda
33
“Como eu devo saltar?”, então certamente você irá cair. Aqui, o ator também tem
oportunidade de conviver com certo risco (controlado) ao lutar com uma barreira
Delsarte. Em uma mesma acrobacia, podemos saltar e expandir todo nosso corpo
para no momento seguinte fechar todo seu corpo o máximo possível para que seu
corpo role como uma bola ao primeiro contato com o chão podendo perceber
pelos atores é sua relação com o chão. No circo mesmo, na acrobacia dita de
tocam o chão apenas com as extremidades do corpo com mãos e pés (com
possível como que “passando” constantemente pelo solo para que assim o ator
34
total. Os exercícios que “investigam”, e apenas esses, implicam todo o
organismo do ator, mobilizando os seus recursos ocultos. Os exercícios
que “repetem” dão resultados inferiores. (Grotowski, 1979, p. 101).
exercícios que acreditavam ser capazes de "[...] dar objetivamente ao ator uma
pessoais [...] exercícios que constituíam uma resposta à pergunta: como se pode
35
fase como uma base calcada no domínio do profissionalismo, a mestria do ofício.
agora não se constituía mais em “como se faz isso?” Neste momento, o eixo é
respostas é o que Grotowski chama de Via negativa. Nessa fase, o training dos
eram como armadilhas para que o ator (com o auxílio do diretor e de seus
36
Deve ser claramente estabelecido para cada ator aquilo que
bloqueia suas associações e sua falta de decisão, o caos de sua
expressão e a sua falta de disciplina; o que o impede de
experimentar o sentimento de sua própria liberdade, que seu
organismo é completamente livre e poderoso, e que nada está
além das suas capacidades. Em outras palavras, como podem ser
tais obstáculos eliminados?" (Grotowski, 1992, p. 103).
segundo Grotowski:
escultor elimina o que esconde a forma, como se ela já existisse dentro do bloco
dessa soma de habilidades, seguindo uma lógica dedutiva (onde se a=b e b=c
em técnicas como a esgrima, por exemplo, o ator será mais ágil e preciso em
37
cena e que quanto maior o número de técnicas com que este ator entrar em
serão especialmente úteis quando este ator utilizar a esgrima propriamente dita
que esse acúmulo de técnicas contribui ainda mais para geração de novos
primeira pergunta que devemos fazer é: Este ator possui algum problema com
sua respiração? Ele se mostra arfante enquanto fala seu texto, por exemplo? Ele
corta as palavras no meio para que possa respirar? Se a resposta para qualquer
uma destas perguntas for negativa, ou seja, o ator não possui qualquer problema
com sua respiração, então não há nenhuma necessidade de lhe ensinar “a forma
correta de se respirar”, de lhe impor uma outra maneira de respiração por se tratar
de um modo standard. Não devemos substituir uma respiração orgânica por uma
outra sem que essa nasça de uma necessidade real. Mas se houver alguma
dificuldade com sua respiração, então o training desse ator será direcionado para
47
Uma variante, a respiração intercostal é também muita utilizada por atores e alunos de escolas de teatro.
38
Respiramos. Se fizermos à pergunta: ‘como respirar’? Elaboraremos um
tipo de respiração preciso e perfeito, talvez o tipo abdominal, as
crianças, animais e pessoas que vivem perto da natureza respiram
precisamente com o abdome, com o diafragma. Mas, então, vem a
segunda pergunta: “[...] que espécie de respiração abdominal é
melhor?" E passamos a tentar descobrir, entre os inúmeros exemplos,
um tipo de inspiração, um tipo de expiração, uma posição particular da
coluna vertebral. Isto seria um terrível engano, pois não há um tipo
perfeito de respiração válido para todo mundo, nem para todas as
situações psíquicas e físicas. A respiração é uma reação fisiológica
ligada a características específicas de cada um de nós; depende de
situações, tipos de esforço, atividades físicas. Trata-se de coisa natural,
para a maioria das pessoas quando respiram livremente, usar a
respiração abdominal. E, claro, existem exceções. Por exemplo, conheci
atrizes que, por possuírem o tórax muito longo, não podiam usar a
respiração abdominal no seu trabalho. Para tal foi necessário arranjar
um outro tipo de respiração, controlada pela coluna vertebral. Se o ator
tenta, artificialmente, impor-se uma respiração abdominal objetiva,
perfeita, bloqueia com isso o seu processo natural de respiração,
mesmo se for naturalmente do tipo diafragmático (Grotowski, 1992, p.
178 -179)
Mas ao entrar no grupo, Cieslak possuía um sério problema vocal, como podemos
Zigmunt Molik:
39
produzisse um som aberto, aquilo que vinha para fora era um som
particular. Como se lidou com esse problema? Simples. Fazíamos
muitos exercícios diferentes e, naquele tempo, conduzíamos um training
como grupo e ele, simplesmente, se esparramava pelo chão de modo
que todo o peso do corpo fosse sobre a região occipital e os
calcanhares [...] seu colo permanecia elevado da terra e a laringe
completamente aberta de um modo perfeitamente natural. Desse modo
podia sustentar a mesma nota durante uma hora ou uma hora e meia ao
dia. Nesse meio tempo, nós fazíamos outros exercícios, ao fim, ele
atingiu um nível tal de perfeição vocal e musical com o qual era
perfeitamente capaz de trabalhar com todos nós. E foi o que ocorreu.“48
49
Esse relato nos revela mais uma característica dos exercícios dentro da
lógica da via negativa. Os exercícios devem obedecer a uma lógica dialética para
que sua atuação seja eficaz, ou seja, devem atuar de forma “indireta”. Se fosse
pedido a Cieslak que simplesmente abrisse sua laringe ou, ainda, fossem criados
exercícios que atuassem diretamente em sua laringe, haveria mais chances para
que o ator interviesse com sua mente, tentando entender racionalmente o que
48
“ Quando arrivò direttamente dalla scuoladi recitazione... Aveva una quiusura organica della laringe...
Quando gli veniva richiesto di produrre un suono aperto quelle que veniva fuori era un suono particulare.
Come ce la fece com questo problema? Semplice. Facevamo molti esercizi diversi e, a quel tempo,
conducevamo un training come gruppo e lui semplismente si sdraiava sul pavimento in modo que tutto il
peso del corpo fosse sul’occipitite e sui tallone.. Il suo collo remaneva sollevato da terra e la laringe
completamente aperta in modo perfettamente naturale. In questo modo poteva mantenere la stessa nota por
una ora o una ora e mezza al giorno. Nel frattempo noi facevamo degli altri esercizi e, alla fine, raggiunse un
livello tale di perfeizione vocale e musicale per cui era perfttamente in grado di lavorare com noi tutti. E
questo accade.” (Molik, 2001 p. 47)
49
Texto transcrito do filme documento LA ACTOE Total. Ricordo di Riszard Cieslak sob a direção de
krizystofa Domagalika. In: Revista Teorica e Pratica sulle Recniche e le Problematiche del Teatro
Contemporaneo a Cura della Scuola Interculturale di Teatro, v. 4, nov., 2001, p. 47.
40
Através da via negativa, Grotowski desloca-se da prática voltada à
impedem o fluxo da vida da ação. Uma das grandes renovações propostas para
50
O Hatha Yôga (ou hata ioga) é uma forma de yôga pós-clássico desenvolvida no século 19, derivada da
ênfase que o tantrismo deu ao corpo. Introduziu posturas e exercícios respiratórios que se tornaram a base da
prática atual de yôga. A expressão Hatha Yôga poderia ser traduzida como "yôga da força", pois "hatha",
traduzido literalmente do sânscrito, significa "esforço extremo". Mas, se dividirmos as sílabas, encontramos
as palavras "ha" (sol) e "tha" (lua), cujo significado é atribuído à busca do equilíbrio das forças solar e lunar,
masculina e feminina como objetivo final dessa prática. (Wikipédia, pt.wikpedia.org/wiki/site)
41
coluna vertebral. O gato é uma excelente imagem para ilustrar a relação entre
coluna, reagindo com todo o seu corpo. Quando este pequeno felino faz um
carinho em alguém se enroscando nos pés dessa pessoa, por exemplo, podemos
notar que ele se enrosca utilizando toda sua coluna. Ou quando alguém estende a
mão para acariciá-lo e ele esfrega todo seu corpo, começando pela sua cabeça,
passando por toda sua coluna, do início ao fim. Quando um gato espreita uma
vítima, que pode ser um outro animal ou simplesmente uma bola, ele se põe em
posterior erguida absolutamente imóvel. Nessa posição, ele está apto a reagir
prontamente ao menor movimento de sua vítima. Ele está pronto para reagir sem
precisar pensar em reagir. Pode-se verificar nesse e nos demais exemplos que,
absoluta prontidão.
excessiva do ator. Observou que quase todo ator se torna tenso quando está com
tensão localizar-se em um ponto específico, ela pode chegar a tomar todo o corpo
do ator, chegando até impedi-lo de atuar. Essa tensão começa sempre em certos
pontos específicos como nos ombros, mãos, boca, etc. Ele propunha que o ator
se tornasse consciente desse ponto para assim ser capaz de neutralizá-lo. Há,
nociva a sua performance. Diante da tensão inerente à cena, esses atores entram
42
em um estado de completa hipotonicidade corporal. Seu corpo torna-se imerso
versões eram fruto de um “facilitamento” do exercício feito pelo ator. Isto é o que
ver, e ao mesmo tempo se mantenha intacta sob a pele, que o espectador muitas
também, praticava, exceto pela posição inicial. Ao invés de começar deitada com
51
Após a Segunda Guerra, houve certa moda em torno do Hatha-yoga na Europa. Ainda hoje é muito comum
assistir, nas escolas de teatro, a alunos (assim como atores profissionais) deitados no chão, com o ventre para
cima e os braços ao longo do corpo, para relaxar antes de entrar em cena. Essa é a posição do yoga chamada
“savasana”, que em sânscrito quer dizer “posição do cadáver”. Os resultados da utilização deste tipo de
exercício como uma preparação para a cena, são dois: ou o ator, logo que entra em cena, se torna
completamente tenso e precisa relaxar outra vez, ou entra em cena e permanece em um estado totalmente
relaxado, ou seja, ele entra em um estado letárgico, sem nenhum vigor, sem a tonicidade necessária para
responder aos estímulos.
52
Para uma descrição pormenorizada do exercício “gato” ver o capítulo “O treinamento do ator”, “Em busca
de um teatro pobre”- GROTOWSKI, Em busca de um teatro pobre, 1992, p. 109 e 110.
43
o ventre para baixo e os braços dobrados em um angulo de 45 graus, com as
palmas das mãos viradas em direção ao solo e próximas ao rosto, ela iniciava
deitada de lado, com as pernas dobradas e uma mão entre as pernas e a outra
sob a cabeça. Parecia ser uma posição muito confortável e usual para ela,
simplesmente uma tentativa de inovação por parte da atriz, como uma espécie de
movimentos distintos. É o que Grotowski chama de adaptação. Isto não quer dizer
que o ator muda a estrutura a cada vez que a executa. No caso, essa mudança
inicia a seqüência de uma posição de absoluto repouso. Podemos supor que essa
imagem recorrente que surgia sempre que a atriz iniciava o exercício. Com o
tempo, a imagem se torna tão forte, tão presente, que sua fisicalização se faz
necessária para que a atriz possa reagir aos estímulos. É como uma roupa usada
depois de muito tempo, ela começa a se moldar a quem a veste. Mas é uma
decisão racional, uma tentativa de “incrementar” seu exercício ou como foi dito
44
posição inicial seria como uma barreira psíquica, bloqueando assim os impulsos,
outras, criadas por ele e seus atores. Uma das principais mudanças, em relação
53
Em vários de seus textos posteriores a 68, Grotowski constantemente se refere especificamente ao training
físico como "o training chamado de físico", pois sabia que esse nome não correspondia a toda complexidade
envolvida neste training. Provavelmente um nome mais correto seria psicofísico, utilizando um termo de
Stanislavski. Pois, como veremos, um dos objetivos do training era justamente o de não haver divisão entre o
corpo e a mente, pensamento e ação.
54
Asana significa: postura em sânscrito segundo o Hatha Yoga Pradípiká, Shiva ensinou oitenta e quatro
posturas. Dessas, trinta e duas são descritas na Gheranda Samhitá. (yoga. pro.br)
45
Enquanto no hatha-yoga o praticante deve permanecer estático em cada postura
busca um total controle e anulação de seus impulsos e uma atenção voltada para
respiração. Por sua vez, no training, além de não existir nenhum tipo de controle
mesmo, para o espaço e para o outro. Sobre a relação entre training físico e o
yoga, assim como sobre alguns dos objetivos do training físico, o ator Ryszard
Cieslak declara:
experiência prática com o grupo Acto58 de Estarreja, Portugal, onde pude ter um
55
Texto transcrito do filme documento LA ACTOE Total. Ricordo di Riszard Cieslak sob a direção de
krizystofa Domagalika. In: Revista Teorica e Pratica sulle Recniche e le Problematiche del Teatro
Contemporaneo a Cura della Scuola Interculturale di Teatro, v. 4, nov., 2001, p. 53.
56
"Stavamo cercando qualcosa che ci desse maggiori possibilità nel senso del training dell'atore. Per questo
abbiamo preso come pretesto iniziale quello que si chiama yoga. Ma non abbiamo mai fato yoga in modo
classico. Ci siamo mossi in quello chiamato yoga dinamico. La yoga in movimento constante."
57
Existe uma descrição de elementos do training físico e plástico em "Em busca de um teatro pobre",
capítulo o treinamento do ator (1966), p. 145-175- Em busca de um teatro pobre. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1992.
58
Acto - instituto de arte dramática é um grupo teatral formado em 1992 e sediado na pequena cidade de
Estarreja (Portugal) desde 1996. O grupo foi criado por dois ex-integrantes do Workcenter de Jerzy
46
Diariamente começávamos com o exercício gato (o qual vimos
seguida, o ator designado como líder do training, ou seja, aquele que o guiaria
(em geral um ator mais experiente), executava todos os exercícios que seriam
constante jogo de equilíbrio do próprio corpo. Essa fase, que precede o training
das mãos.
braço.
Grotowski, José Filipe e Cristine Volpoux. Além de espetáculos e workshops, o grupo mantém uma pesquisa
sobre a metodologia de ações físicas segundo Grotowski e Stanislavski, vários tipos de trainings, assim como
outros elementos de pesquisa.
59
Em alguns relatos sobre o training físico, o gato é citado como um exercício preparatório, já em outros ele
é um dos elementos a serem utilizados durante o training, seja apenas alguns fragmentos ou o exercício como
um todo.
47
- Em pé, com as pernas abertas e o corpo esticado, envergar a coluna para
trás até que os braços toquem o chão e o peso do corpo seja distribuído entre as
a posição de joelhos.
posição a outra, ainda mantendo-nos de cabeça para baixo, como por exemplo:
- O ator inicia na posição onde apóia seu peso na cabeça e nas mãos e
lentamente, ainda mantendo as pernas para o alto, transfere seu peso das mãos
exercício, não lhe era permitido interromper o trabalho para perguntar ao líder:
"Como eu faço isso?". O ator deveria "manter" sua dúvida e tentar resolvê-la na
prática da melhor maneira possível. Caso ele não conseguisse, o líder o corrigiria
(a correção direta do líder era feita apenas nessa etapa preliminar). Essa regra do
vozes, mas também a silenciar nossa mente discursiva que tenta, a todo custo,
48
Vivemos uma época em que nossas vidas interiores são dominadas
pela mente discursiva. Esta fração da mente divide, secciona, etiqueta,
empacota o mundo e classifica-o como "compreendido". É a máquina
dentro de nós que reduz o misterioso objeto que balança e ondula a
simplesmente "uma árvore". Porque esta parte da mente leva vantagem
na nossa formação interior, conforme envelhecemos, a vida perde o seu
sabor. Nossas experiências são cada vez mais genéricas; já não
percebemos as coisas diretamente, como uma criança, mas antes como
signos em um catálogo que nos é familiar. O "desconhecido", deste
modo restrito e petrificado, se transforma no "conhecido". Um filtro se
coloca entre o indivíduo e a vida. Sendo assim, a mente discursiva
dificilmente tolera um processo vivo de desenvolvimento. (Richards,
1996, p. 5).
Ainda nessa fase preliminar, aprendíamos a cair dos asanas, para que,
treino, mais precisamente durante a execução de um dos asanas, o ator caía, era
um sinal de que ele estava interrompendo seu processo natural. Sobre essa
salienta:
60
Certa vez, Roberta Carreri, atriz do grupo teatral Odin Teatr, me disse que "o chão foi seu primeiro
mestre". Todas as vezes que ela caía era como se o chão dissesse: "acorde".
49
Após essa fase inicial, seguíamos para o training propriamente dito que se
foram nomeadas de acordo com os comandos61 ditos verbalmente pelo líder (sem
uma seguida da outra, da maneira mais fluida possível. Era essencial que o corpo
encontrasse uma forma de transição entre um asana e outro e que essa transição
As diretrizes "o mais rápido" e "o mais lento" eram como verdadeiras
armadilhas para a nossa atenção. No lento, era fundamental que, mesmo na mais
absoluta lentidão e controle, nós não "dormíssemos", ou seja, não podíamos nos
deixar levar por um fluxo de pensamentos e nem nos desconectarmos com o que
desafio, pois quando estávamos nesse ritmo, a mente discursiva tendia a "falar
mais alto". Além disso, como o ritmo mais lento exigia mais controle do corpo,
61
Estes 'comandos' que pontuavam cada fase dentro do training físico podem ser conferidos no vídeo
produzido pelo grupo de Eugenio Barba, Odin Teatr, onde Cieslak ensina e conduz o training juntamente
com dois jovens atores do grupo Odin. Durante o training pode-se ouvir Cieslak ditando estes comandos.
62
Durante todo o training era fundamental que jamais perdêssemos o contato com o espaço, procurando
mantê-lo sempre o mais equilibrado possível em a relação a nossa disposição, assim como o contato com os
outros atores.
50
Por sua vez, no ritmo "mais rápido possível" corríamos o perigo de entrar
em certo frenesi, que podia fazer com que perdêssemos o contato e os detalhes
dos exercícios, fazendo-os de maneira geral. Um elemento que nos auxilia nesse
que não podemos fazer absolutamente nenhum ruído no chão, seja andando ou
training físico, mas nessa parte "do mais rápido possível" essa dificuldade se
os pés no chão, logo após uma postura) nos auxiliava na manutenção de todos os
51
objetivo era fazer os elementos "para ou contra" os companheiros ou o espaço. A
questão aqui, difícil de ser explicada em palavras, era: Como doar o seu asana
para o outro? Como o seu asana poderia ser suporte para o outro? Como também
ele poderia ser contra o outro? Como ele poderia ser contra o espaço, furando o
espaço, por exemplo? Assim, ao jogar com um parceiro, o meu asana poderia ser
ele poderia ser uma espécie de "tapa" em meu colega para acordá-lo. Essas não
mesmo que não esteja tocando-o fisicamente. Assim, mesmo que ele não
perceba exatamente essas imagens, ele certamente vai perceber que algo está
tudo, e se possível nos divertindo. E por incrível que pareça, depois de cerca de
63
Interessante notarmos as imagens de crianças e de gatos, fundidas nessa fase do training físico chamada de
gatinhos brincando. Pois essas são imagens freqüentemente evocadas por Grotowski (assim como por
Stanislavski) como exemplos do que seria a organicidade para o ator. O gato, assim como já vimos
anteriormente, é um animal que pensa com a coluna, como se nele quase não houvesse o lapso de tempo
entre pensamento e ação; é como se toda sua percepção do espaço, de quem está nele e que fazem nele, se
desse através de sua coluna vertebral. Já a criança, além de também ter um corpo absolutamente sem tensões
desnecessárias e de ter uma coluna ativa, possui um olhar de fascinação por tudo aquilo que é novo, além de
uma grande facilidade de estabelecer um foco preciso (mesmo que apenas por um momento) com algo que a
estimule. Por exemplo, vemos um bebê que brinca absolutamente entretido com sua mãe até que passe uma
borboleta. Então ele se vira com toda a sua coluna e passa a observar fascinado esse novo elemento. Isso
denota uma constante capacidade de reagir aos mais diversos estímulos com eterno frescor. Como se a cada
momento fosse uma nova descoberta (porque, no caso de uma criança, de fato o é). Essas são imagens e
percepções que nós atores devemos descobrir, como podemos ter esse olhar de frescor por aquilo que já
conhecemos, como um constante processo de redescoberta; como eliminar esse lapso entre pensamento e
ação.
52
extremamente leve. A imagem dos gatinhos nos apoiava. Porém, em nenhum
um estímulo inicial para que cada um pudesse encontrar sua própria associação,
imagem, memória64. Essa fase era um bom exemplo para o que Grotowski
absoluto, trazia a idéia de algo que fosse ao mesmo tempo um desafio para nós e
algo que não perdesse uma certa qualidade lúdica no trabalho. Sobre essa
algumas pequenas ações. Mas assim como descrevi no gato, isso deveria
a partir dos atores mais experientes do grupo, talvez porque nos mais novos
ainda persistisse uma certa ansiedade em "fazer algo" ao invés de permitir que as
64
Algumas vezes, o diretor que estava assistindo de fora arremessava em nossa direção uma bola de meia ou
um novelo de lã e pulávamos em direção ao novo elemento, nos engalfinhando pela posse do objeto (sem
perder as estruturas precisas dos asanas). Isto era um estímulo, pois alimentava esta espécie de imagem
coletiva de pequenos filhotes com seu novo brinquedo.
53
Todos esses obstáculos, como a própria dificuldade na execução dos
um tipo de contato ou um tipo de jogo (contra ou a favor, gatinhos, etc.) são todas
com toda a dificuldade inerente a elas, sem perder o contato com o espaço, com
esses contatos seriam uma das fontes do que podemos chamar da vida de uma
não oferecerem mais uma verdadeira dificuldade a ser transposta, devem ser
substituídos, pois como declara Grotowski, [...] "Quando uma coisa foi aprendida e
atores que se encontram divididos entre "eu" e "eu e meu corpo". Vejamos o que
54
também a semente da vida, da possível inteireza. (Grotowski, 1969;
2007 p. 174 e 175).
secção entre "eu" e "meu corpo". "Se se começa a fazer coisas difíceis através do
funcionam de um modo que se pode dizer 'biológico'. Se o ator não for vivo, se
não trabalhar com toda a sua natureza, se estiver sempre dividido, então,
como um pano de fundo, algo quase que inerente à atividade física, mas nunca
65
Texto transcrito do filme documento LA ACTOE Total. Ricordo di Riszard Cieslak sob a direção de
krizystofa Domagalika. In: Revista Teorica e Pratica sulle Recniche e le Problematiche del Teatro
Contemporaneo a Cura della Scuola Interculturale di Teatro, v. 4, nov., 2001, p. 54.
55
Se nos reportarmos ao vídeo onde Cieslak treina com os jovens atores do
podemos ver como ele passa de um asana para outro, com inúmeras mudanças
que facilmente podemos identificar como algo de realmente vivo. Ele não usa sua
mente discursiva, pois se ele pensasse no que tem que fazer, tentaria premeditar
com outro e com o espaço, o training poderia se tornar ginástica, ou se por outro
lado se ele se concentrasse apenas nas imagens e nesse processo interno, ele
dentro da estrutura.
66
Grupo teatral dirigido por Eugenio Barba, radicado em Holstebro, Dinamarca.
56
costuradas a partir de uma base melódica, que estava na estrutura e
que eles sempre mantinham em relação. (Richards, 1996, p. 19) 67
direções no espaço, na ordem de execução dos asanas assim como pode surgir a
partir dos asanas, mas nunca de uma forma premeditada ou calculada, esses
finais sobre as imagens e associações no interno do training físico. Para esse fim
grupo, durante o meu teste de admissão. Durante o teste, eu, assim como todos
do grupo. O training físico era uma delas. Apesar de na época eu já possuir uma
relativa experiência em teatro e já ter tido contato com alguns dos elementos
técnicos comuns daquele trabalho, o training físico era uma das partes mais
não foi de grande ajuda como, pelo contrário, tornou-se mais um agente de
67
[...] Grotowski strongly emphasized the need for structure when one improvises. Many times when we
speaking about improvisation, he gave the example of early jazz. He said early jazz musicians understood
improvisation could exist only within a definite structure: they had mastered their instruments, and where
starting from a base melodic. Their improvisations were woven starting from that melody, which was their
structure, and with which they were always keeping in relation.
57
dificuldade. O modo com que eu fazia os asanas era considerado pelo grupo
equilíbrio. Além dessa dificuldade específica com os asanas, havia outras, como,
por exemplo, a dor. Como já foi dito anteriormente, os asanas, em sua maioria,
para baixo com o contato da cabeça no chão. Nosso espaço de trabalho era o
Essa madeira havia sido trocada recentemente, o que a tornava mais dura do que
o normal. Isso sem contar com as pequenas frestas, entre uma madeira e outra,
na qual se sua cabeça estivesse apoiada com todo peso de seu corpo, provocava
eu. Então decidi simplesmente esquecer o teste, já que isso era a fonte de minha
enorme angústia, e resolvi aproveitar meus últimos dias de audição como se ela
58
Durante o training físico daqueles dias, algo realmente mudou para mim.
Eu ainda lutava contra os asanas, mas dessa vez havia uma imagem que se
formava para mim durante o treino de uma grande festa de despedida. Eu queria
aproveitar cada segundo, queria 'jogar' com os atores mais velhos do grupo, pois
imaginava que aquela seria minha última oportunidade. Percebi que, em alguns
momentos, era como se esses atores respondessem, com seus asanas, a minha
só estava entre eles, como um dos motivos alegados como determinantes para
minha escolha havia sido exatamente o training físico. Cristine Villepoix, atriz e
uma das diretoras do grupo, disse que eu era o único candidato que havia
trabalho, havia algo de luminoso em seu treino e podíamos ver você realmente
efetiva no grupo. Havia um outro jovem ator, que havia entrado no grupo seis
meses antes de mim. Durante nossas horas livres, ele se mostrava muito
59
Eu, em um certo dia, durante o training, me sentia particularmente
mais árido e mais difícil do que de costume. Eis que de repente, em pleno
training, vejo o jovem ator na minha frente, em um asana, com um largo sorriso no
rosto. Sua destreza com os asanas já era um pouco maior que a minha, mas não
o suficiente para não lhe apresentar dificuldades. Mas, naquele dia, ele estava
alguma coisa em sua relação com o espaço que denotava algo também
"Eu aqui sofrendo e ele ainda consegue se divertir!". Mas aos poucos fui deixando
mais fácil. O training havia passado de uma pesada obrigação a uma pequena
aventura. Ao fim do trabalho, o ator veio até mim, e com seu modo peculiar, disse:
-"Ô brazuca, hoje fiz o training em sua homenagem. Hoje eu estava na praia,
uma estrutura como a do training físico. E também presenciei algo que está ao
que está relacionado com a essência de um training dentro desse tipo de trabalho
ator. Naquele dia, através do training físico, pude entender concretamente como
60
um ator pode, através de sua ação, ser um verdadeiro 'apoio' para seu
que como nos disse François Khan anteriormente, "[...] sem generosidade não se
O Training Plástico (ou training dos elementos plásticos) era composto por
exemplo, a mão que gira em uma direção e a cabeça em outra oposta. A esses
nós vão em direção ao outro das reações que do outro vão em direção a nós:
e extroversivas. Sobre essa fase do training, Grotowski admite que ela "Não nos
training plástico.
68
GROTOWSKI, ibdem.
69
GROTOWSKI, ibdem.
61
Em uma primeira etapa do training plástico, trabalhava-se sobre os
detalhes: "Nos movimentos do corpo existem formas fixadas, detalhes que podem
ao girar o cotovelo não deveria ser permitido que o ombro fosse acionado. Em
chamar de pensamento, mas por meio do contato com o espaço, com seus
estímulo necessário para o surgimento dos impulsos, esses, assim, poderiam ser
estrutura dos detalhes, o ator deveria transformá-los, "[...] mas não destruí-los"72.
Grotowski, seria:
70
GROTOWSKI, ibdem.
71
GROTOWSKI, ibdem.
72
GROTOWSKI, ibdem
62
Como começar improvisando somente a ordem dos detalhes,
improvisando o ritmo dos detalhes fixados, e depois mudar a ordem e o
ritmo e até mesmo a composição dos detalhes, não de maneira
premeditada mas com o fluxo ditado pelo próprio corpo? Como
reencontrar no corpo essa linha 'espontânea' que é encarnada nos
detalhes, que os abraça, os supera, mas que - ao mesmo tempo -
mantém a precisão deles? (Grotowski, 1969; 2007, p. 171 e 172).
73
No próximo capítulo, veremos a diferença entre o conceito de gesto e o de ação física.
74
GROTOWSKI, ibdem.
63
Para Grotowski uma reação autêntica nasce sempre no interior do corpo.
Os detalhes devem ser a conclusão desse processo. Mas se a reação não vem
do interior do próprio corpo, ela será sempre "(...) um engano. Falsa. morta,
75
artificial, rígida" . Segundo Grotowski, essas reações nascem em um lugar
específico da coluna. Grotowski chama esse ponto específico de Cruz, que está
precisamente localizada "na parte inferior da coluna vertebral, mas com toda a
das reações físicas. Mas Grotowski ataca veemente a idéia de que esse
elemento, assim como qualquer outro no que se refere à técnica do ator, seja
entendido e utilizado como uma receita, assim sendo será sempre um engano e
"se aplicada durante os ensaios: estéril." (Grotowski, 1969; 2007, p. 72). Quanto à
cruz, ele defende uma espécie de "consciência relativa". O ator pode ter a
uma vez, se o ator ativar sua mente discursiva neste processo ele obterá o
Grotowski nós não temos memória, todo o nosso corpo é memória. Recorro ao
75
GROTOWSKI, ibdem.
76
GROTOWSKI, ibdem.
77
Aqui podemos perceber uma relação análoga com a Yoga Kundalini, prática do yoga onde o objetivo é
despertar a kundalini que seria "o centro de força situado próximo à base da coluna e aos órgãos genitais. É a
energia que transita entre os chakras" (wikipédia). É representada pela imagem de uma serpente enroscada
pois "deriva de uma palavra em sânscrito que significa, literalmente, 'enroscar-se' como uma cobra" ou
'aquela que tem a forma de uma serpente'."(wikipédia).
64
corpo não tem memória. Ele é memória". (Grotowski, 1969; 2007, p.173). Ou
William James80. Mas, ao invés de percorrer essa via, prefiro me manter fiel à
lógica dos princípios pragmáticos que regem este trabalho, onde "Não é uma
questão de analisar como isso acontece, mas de saber o que se deve fazer para
de Grotowski:
65
dinâmica e “dividido e puxado” por forças contrárias. A intensidade
dessas forças contrárias mudava a cada segundo e eu podia projetar
“os detalhes” no espaço, pará-los e retomá-los à minha vontade. O
espaço se transformou num imenso navio que eu dirigia com o punho.
De repente, o pensamento de que o capitão do negreiro não me era
agradável atravessou meu espírito. O guerreiro não me incomodava,
mas que ele fosse associado ao racismo, à crueldade, à violência, ao
colonialismo, isso me perturbava. Ao mesmo tempo, eu experimentava
um júbilo real. Então eu deliberadamente afastei qualquer julgamento e
permiti o meu corpo e o capitão do negreiro. (Villepoix, 2003, p. 33)81.
exemplo, o corpo-memória pode, não só operar nos detalhes, como também pode
guiá-los. Mas, então, o que guia esse corpo-memória? Já podemos constar que
Isto tem relação com a vida. Não se sabe como: mas foi o corpo-
memória. Ou o corpo-vida82? Porque isto ultrapassa a memória. O
corpo-vida ou o corpo-memória haviam ditado o que fazer em relação
81
"Ayant des difficultés avec le 'detail' du coude droit, je decidai un jour de les résoudre, au cours de
l'enchainement, en explorant ce "détail", le temps qu'il fallait. C'est alors que surgit une réminiscence.
Apparut le corps (inconnu) d'un captaine de bateu et pas n'importe lequel puisqu'il s'agissait d'un négrier!
La perception de mon corps et de l'espace à ce moment là fut trés spéciale. Chaque mouvement, même trés
petit, trouvait un écho dans l'espace. C'était comme si chaque millimétre de mon corps étaient relié à
l'espace de façon dynamique et 'tiraillé' entre des forces contraires. L'intensité des ce forces contraires
changeait à chaque seconde et je pouvais projeter les 'détails' dans le espace, les arrêter, les reprendre à
volonté. L'espace se transforma en un immense bateu, que je dirigeais avec poignet.
Soudain, la pensée que le capitaine de négrier était loin de m'être sympathique me traversa l'esprit. Le
guerrier ne me dérangeait pas, mais qu'il soit associé au racisme, à la cruauté, à la violence, au
colonialisme, me perturbait. En même temps, j'éprouvais une réelle jubilation. Alors j'ai délibérément écarté
tout jugement et j'ai laissé faire mon corps et le capitaine du négrier".
82
Um outro conceito derivado do corpo-memória é o de corpo-vida: "é necessário dar-se conta de que o
nosso corpo é nossa vida. No nosso corpo inteiro são inscritas todas as experiências (...) o corpo vida é algo
de tangível (...) e quando digo corpo, digo vida, digo eu mesmo, você, você inteiro, digo.."(GROTOWSKI,
1970, p. 205-206)
66
com as experiências ou ciclos de experiências da vida... É um pequeno
passo para a encarnação da nossa vida nos impulsos. (Grotowski,
1969; 2007, p. 173).
67
CAPÍTULO III
ao ato criativo, a criação direcionada à cena. Para isto veremos desde o conceito
3.1 A Partitura
O que é uma partitura? Como ela é utilizada? Como ela é construída para o
ainda, é vista como um sinônimo de marcação83, ou, ainda, entendida como uma
83
O termo marcação vem antes do surgimento da figura do encenador quando simplesmente havia um
ensaiador do espetáculo. Nessa época, eram montados textos semanalmente, sempre com uma mesma
estrutura cênica e dramática. Os atores já sabiam, mais ou menos, o que fazer e cabia ao ensaiador uma
68
espécie de coreografia, como na dança. Ambas as compreensões mostram-se
Grotowski quer nomear exatamente, quando evoca essa palavra, que é mais
daquilo que o músico deve fazer ao executar determinada música. Nela estão
tonalidade, notas, assim como informações relativas a como ela deve ser tocada,
Dessa forma, um dado que nos norteia sobre o conceito de partitura para
detalhado e preciso o suficiente para que o ator repita aquilo que foi fixado sem
que para isso perca a ligação com o temperamento de sua própria partitura. É
organização do palco para facilitar a visualização por parte da platéia e manutenção de certas convenções
como a de que a estrela da companhia, o primeiro ator ou atriz, sempre ocupasse a parte da frente do palco.
Os outros atores deveriam respeitar essa marcação para que não encobrissem seu lugar de destaque. As
marcações eram básicas, pois, não se tinha muito tempo de uma estréia a outra. Com o surgimento da
encenação, as marcações tornam-se mais complexas.
84
Anteriormente a Grotowski, Stanislavski foi um dos primeiros a utilizar o termo partitura: "Chamemos esse
longo catálogo de objetivos maiores e menores, unidades, cenas e atos, de partitura de um papel"
(STANISLAVSKI, 2001, p. 149). Posteriormente, o termo é freqüentemente empregado por vários
encenadores, como Eugenio Barba, por exemplo: "O momento essencial não era a improvisação em si, mas
sim a fase imediatamente sucessiva quando a improvisação era memorizada e fixada pelos atores tornando-se
uma partitura precisa" (BARBA, 1993, p. 107).
85
É claro que não estamos falando de um “sistema de notação” para o teatro. Pavis fala sobre sistemas
análogos como o sistema de Laban na dança “mas que dificilmente pode ser transportado para o teatro”. No
teatro, teríamos os “cadernos de encenação” como os de Stanislavski e Brecht que seriam “verdadeiras
reconstituições do espetáculo” (Pavis, 1996, p. 279) ou simplesmente “apenas anotações mais ou menos
exaustivas que não reconstituem necessariamente o sistema da encenação” (Pavis, 1996, p. 37). Há, também,
o conceito de texto espetacular, que “é a relação de todos os sistemas significantes usados na representação e
cujo arranjo e interação formam a encenação”. Mas Pavis trata de deixar claro que se trata de “uma noção
abstrata e teórica, não empírica e prática" (Pavis, 1996, p. 409).
69
Por mais que uma marcação seja precisa quanto ao posicionamento dos
atores no palco, ela não possui realmente uma precisão minuciosa das ações do
ator em seus mínimos detalhes. A partitura será sempre mais precisa, detalhada e
detalhes possível, assim como sua disposição no espaço e até certo sentido e
nenhuma necessidade de uma relação interna do bailarino com o que ele está
A partitura do ator, também, deve conter "o que" ele deve fazer, sua linha
de ações, e "o como" ele deve fazer, ou seja, seus objetivos, associações,
dimensões externa e interna das ações, o que nos leva ao objeto principal deste
86
Importante frisar que este é apenas um exemplo genérico com fins didáticos e que hoje existem diversos
exemplos na dança que buscam justamente esta relação, mais precisa, do externo com o interno, como a
dança-teatro, como nos trabalhos de Pina Bausch, por exemplo.
70
3.1.2. Da partitura como um conjunto de signos à partitura como relação
No início de seu trabalho como diretor teatral, quando seu grupo ainda era
Teatro das Treze Fileiras, Grotowski ainda tinha como foco de seu trabalho a mise
Desta maneira, podemos aferir que a partitura do ator era constituída por
71
se claro que não era este o caminho” (Grotowski,1968; 2007, p. 129 e
130).
Stanislavski, por outro lado, refere-se ao termo clichês, e o que são esses
citados, inclusive, por Stanislavski ( e por Grotowski), clichês famosos como dizer
“eu te amo” colocando a mão no coração. Mas o que torna esses elementos
que não se relaciona com os estímulos internos ou externos. Torna-se uma forma
seus parceiros. Por exemplo: o meu personagem é um homem bem velho. Para
fazer este homem, eu ando devagarzinho, corcunda e com uma bengala... Faço
um típico velhinho... Ainda que esta forma seja extremamente familiar, e até
possivelmente banal, este personagem pode não ser um clichê. Mas, e se esse
mesmo velhinho avistar um bebê caindo, digamos que seja o seu neto, do nono
corcundinha, então, ele é um clichê. Porque, assim como na vida real, uma
pessoa, mesmo um velhinho decrépito aos noventa anos de idade, ao ver seu
neto em uma situação extrema, teria uma reação extrema. Provavelmente ele
dispõe, para salvar seu neto. Um ator, que estivesse com um personagem nessa
velhinho”. Isso porque algo que não é um clichê, algo que é vivo, responde às
72
Em Sakuntala, as partituras não eram conectadas a nenhum estímulo
interno, como imagens e associações elas "podiam ser descritas quase como que
pólo orgânico. Grotowski volta-se uma vez mais na direção de Stanislavski e sua
Mas ainda havia uma dualidade, uma divisão entre interno e externo, forma
fase preparatória para criar uma estrutura e, depois, toda a atenção vai ser
aconteça.
relacionais do ator seriam utilizadas para dar vida a certas formas que, quando
prontas, necessitariam apenas serem bem realizadas, mas não mais re-
73
atualizadas, a partir da relação ator com seu ambiente no momento da sua
87
"La partitura es como un vaso de vidrio en el cual esta una vela encendida. El vidrio es solidó, esta allí,
puedes confiarte. Contiene y guía la llama. Pero non es llama. La llama es mi proceso interior cada noche. la
llama es lo que ilumina la partitura, lo que el espectador ve a través de la partitura. La llama esta viva. Así
como la llama atrás del vidrio se mueve, fluctúa, crece, e baja; esta por apagar-se y de pronto brilla con
fuerza, reacciona a cada halito de viento, también mi vida interior varia cada noche, de momento en
momento... cada noche empiezo sin anticipar nada. esta es la cosa mas difícil de aprender. no me preparo a
ensayar nada. No me digo:-'la vez pasada, esta escena era extraordinaria, trataré de volver a hacerla'. Quiero
solamente estar listo para lo que podrá suceder. Y me siento listo a tomar al vuelo lo que podrá suceder si me
siento seguro de mi partitura, sé también que cuando non siento casi nada, el vidrio non se romperá, porque la
estructura objetiva, trabajada por meses ayudara. Pero cuando viene ocasión en que puedo arder, brillar, vivir,
revelar-entonces estoy listo porque no lo he anticipado. La partitura es la misma, pero cada cosa es distinta,
porque yo soy distinto."
74
Esta imagem mostra-se reveladora não só a respeito da relação do ator e
sua partitura, mas, também, a respeito de nosso tema principal, a relação entre
precedente, fizeram dele meu ideal pessoal” (Grotowski, 1965; 2007, p. 105).
Depois que deixa a pesquisa do Para-teatro e Teatro das fontes e volta-se uma
75
vez mais para a base artesanal do trabalho do ator, na fase nomeada como
com sua última fase de trabalho, em que ele desenvolveu o que chamou de
ator, um método. Ele dizia: “não se pode criar sempre, subconscientemente por
reflexão sobre sua própria prática e a de seus atores. Essa incessante busca por
era uma das fontes que nutria a profunda admiração de Grotowski por
nunca teve a ilusão de ter alcançado um ponto final e definitivo em sua pesquisa.
76
Até seus últimos anos de vida, em que podia simplesmente gozar os louros da
seu método, ao qual passou a chamar método das ações físicas; chegando a
declarar “o método das ações físicas [...] é o resultado do trabalho de toda minha
vida” (Stanislavski apud Moore, 1965, p. 13)88. Na fase precedente, ele acreditava
trajetória, ele percebeu que o ator não podia controlar seus sentimentos, mas
podia controlar suas ações: “Não me falem em sentimentos que não se podem
fixar. A única coisa que podemos fixar e recordar é a ação física” (Stanislavski
continuador, como ele mesmo dizia: “Na verdade, não é realmente 'método das
88
"the method of physical actions(...) is the result of my whole life's work"
89
"No me hablen de sentimientos que no se pueden fijar. Lo único que se puede recordar y fijar es la acción
física."
90
Para uma visão pormenorizada do método das ações físicas, segundo Stanislavski, ver TOPORKOV-1961.
91
Grotowski enfatiza a sua conexão com Stanislavski, em especial com as ações físicas, principalmente na
fase chamada de Objetive Drama.
77
ações físicas' de Stanislavski, mas o que vem depois” (Grotowski apud Richards,
1996, p. 93).92
Tomemos uns dos exemplos do próprio Grotowski. Você conhece alguém a quem
julga ser uma pessoa maravilhosa. Você acredita que esta pessoa poderia ser
perfeito... mas você não a ama... por mais que queira, não consegue amá-la. Por
outro lado, existe outra pessoa que você julga absolutamente inadequada para
um relacionamento amoroso. Além disso, você tem dúvidas sobre o caráter desta
pessoa... Mas você se vê completamente apaixonado por esta outra pessoa. "Os
Por muito tempo, a última fase de Stanislavski foi, na grande maioria das
método das ações físicas, referente a uma nova abordagem da análise do texto
proposta por Stanislavski. Os atores não mais começariam a análise de texto pelo
92
"It is not really Stanislavski's 'method of physical actions', but what is after."
93
"Los sentimientos son independientes de la voluntad y precisamente por este motivo Stanislavski en él
ultimo periodo de suya actividad prefería, en el trabajo, poner el acento en lo que esta sujeto a nuestra votad."
78
trabalho de mesa, mas a partir de improvisos coletivos sobre as circunstâncias
abandonou essa terminologia pelos mesmos motivos pelos quais não a creditava
a Stanislavski.
94
Alguns dos seguidores de Stanislavski ignoram essa segunda fase de Stanislavski, praticamente ignoram as
ações físicas e se prendem nessa primeira fase do método, das emoções, fundam instituições, como, por
exemplo, o Actors Studio, nos Estados Unidos, onde muitas vezes, o método criado por Lee Strasberg, é
entendido, erroneamente, quase como um sinônimo do sistema de Stanislavski.
95
"Sensa dubbio c'é chi puo affermare di individuare uno stile specifico prodotto dall' aplicazione di un
'metodo' Grotowski [...] seguire fedelmente quel processo di construzione e preparazione di uno spettacolo,
ricorrendo ad una estetica visibilmente grotowskiana. Se lo si fassece con ragionevole grado di dedicazione e
di impegno, si avrebbe probabilmente un prodotto artistico di rilievo, in stilo grotowskiano [...] Tuttavia
secodo Grotowski questo modo di procedere sarebbe solo leggeremente migliore diuna fotocopia [...] Per
Grotowski [...] la posizione de Stanislavski era quella della ricerca incessante, della disponibilita a mettere in
questione realizzazione e fasi di lavoro precedenti. Soltanto la morte ha potuto mettre fine a questa ricerca:
79
Para Grotowski, em arte, e especificamente no teatro, não existe uma
que fazem parte da artesania do ator. Para Grotowski, Stanislavski foi um dos
homens de teatro que mais investigou esses princípios pragmáticos, como uma
que o ator, através desta base, possa fazer uma ponte do visível ao invisível, do
concreto ao intangível.
sobre seu trabalho sobre as ações físicas. O que temos são alguns artigos
narrativa, Thomas assume uma estratégia análoga à “via negativa” (que vimos no
capítulo anterior), nomeando o que não é ação física, como se fosse detectando
ecco perché non puo realmente esister un metodo Stanislavski. Tuttavia, non si è arrestato quel processo che
Grotowski definisce l' 'assassinio dopo la morte ' di Stanislavskicompiuto da coloro che hanno cercato di
cristalizzre gli stadi della sua ricerca in una 'ricetta' perfeta [...]".
96
Em 1996, Grotowski participa de um simpósio sobre sua obra, na cidade de São Paulo, justamente com
Thomas Richards, Mario Biagini e uma equipe de pesquisadores, teóricos, atores e diretores teatrais, sendo
este um dos últimos. Durante sua conferência, ele cita os livros de Torpokov – Stanislavski dirige. Buenos
Aires: Compañia general fabril, 1961; e Thomas Richards, At work with Grotowski on Physical Actions. New
York: Routledge, 1995; como as principais fontes para o estudo das ações físicas.
97
Interessante perceber que nesse livro Thomas Richards evita o caminho da narração estritamente conceitual
ou acadêmica, realizando um relato em um tom quase confessional. Tem-se a impressão de que ele narra os
fatos exatamente como ele aprendeu, a partir daquilo que ele viu Grotowski falar ou fazer com outros atores e
consigo. Tanto para Grotowski quanto para Stanislavski, no teatro, só, realmente, sabemos alguma coisa
80
3.2.2. O que não é ação física
físicas.
- Ação x movimento:
que Grotowski confere ao corpo como se seu trabalho fosse um trabalho com
Físico.
Mas para que a ação física seja realmente uma ação é fundamental que
ela tenha um objetivo claro, um “porquê”, como diria Stanislavski: “No teatro toda
a ação deve ter uma justificativa interior” (STANISLAVSKI, 1986, p. 73). Andar,
correr, pular, contorcer-se, fazer rolamentos, piruetas, até acrobacias, não são
ações físicas, a não ser que elas tenham um porquê, um para quê e um para
quando sabemos fazê-la. Dessa maneira, o livro não pretende ser um manual, com descrição de exercícios ou
de como atuar.
81
Tentaremos um melhor entendimento do que viriam a ser essas
justificativas. Justificar uma ação (ou ter uma tarefa98) não é algo que atue
meramente no campo mental, mas é algo que provoca mudanças no como você
matar alguém. Este “querer matar” certamente vai influenciar o ritmo da minha
passadas. Eu posso caminhar rápido, com passadas fortes, porque estou furioso
e ansioso para matar esta pessoa. Ou pelo contrário, estou arquitetando cada
passo, arquitetando exatamente o que vou fazer. Então, o ritmo será lento e as
violento e meus passos serão fortes e barulhentos, próprios daquele que diz que
vai acabar com tudo isso. Essas ações têm um porquê de existirem e esse porquê
arquitetar várias justificativas, como, por exemplo, imaginar quem é essa pessoa,
que eu vou matar, com riqueza de detalhes, o porquê vou fazê-lo, o que ela
exatamente me fez para eu odiá-la, quando isto aconteceu, etc... Mas se todas
essas justificativas não modificam as minhas ações, então não podemos chamá-
Grotowski ser entendido como Teatro Físico, porque nele não existe a
físico e o vocal. A ação sempre será feita em relação a alguém, seja a favor ou
contra.
98
Nas traduções de Stanislavski, realizadas diretamente do russo, "tarefa" é o termo utilizado para o que
comumente era chamado de "objetivo".
82
- Ação física x gesto
para emoldurar o que se estava dizendo, havia uma ênfase muito grande no
gestual, em especial das mãos. Mas o que exatamente entendemos por gesto?
principalmente das mãos e das expressões faciais. Enquanto que a ação surge
Uma outra diferenciação é que um gesto sempre quer dizer alguma coisa
que vai além do gesto. Por exemplo, se eu fecho a minha mão e levanto apenas o
polegar, isso quer dizer legal, ou seja, quer dizer que está tudo bem. Não quer
fazendo alguma coisa para estar bem. Eu estou apenas comunicando a alguém
99
Nos exercícios, se torna muito claro essa preocupação entre aquilo que nasce do centro para extremidades,
os impulsos que nascem do centro para as extremidades, de dentro para fora.
83
simplesmente eu estico a mão à frente, aberta, espalmada, isso é um gesto que
sinaliza que se deve parar, como um sinal. O gesto significa pare, mas não
corresponde a uma ação em que se está realmente fazendo alguém parar. Uma
ação não quer apenas expressar alguma coisa, ela é algo em si. Por exemplo,
uma ação que tem a intenção e se realiza no ato de procurar fazer alguém parar.
como um problema. Ele acreditava que esta seria uma boa base para o ator e é a
partir desta base que Brecht aplicava o distanciamento. Brecht desenvolve esta
personagem, tem também uma conotação social. Uma das bases da técnica de
distanciamento é que o ator mostre aquilo que faz. Por sua vez, para Grotowski (e
Stanislavski) é importante que a ação não seja uma demonstração e sim uma
proposta por Brecht é que o ator não se deve identificar com aquilo que faz (e
-Ação x símbolo
Podemos realizar movimentos com todo o corpo (ao contrário dos gestos
algo além do que está sendo feito. Podemos chamar estes movimentos de ações
100
Veremos esta relação de identificação e de como ela é entendida por Grotowski, neste mesmo capítulo,
mais adiante.
84
simbólicas. Por exemplo: eu quero reproduzir a memória de um sonho e nesse
querendo dizer que estou caindo. Isto não é uma ação, isto é um símbolo, ou
seja, eu busco criar uma imagem com meu corpo que remeta a uma ação. Outro
exemplo: o ator tem uma ação na qual ele deve correr de um ponto ao outro. Ao
um flic-flac102, que na sua concepção simboliza o ato de correr. Assim como foi
dito em relação ao gesto, uma ação física deve ter uma relação direta com sua
-Ação x atividade
de ações físicas como um conjunto de ações cotidianas como, por exemplo, lavar
pratos, varrer a casa, lavar o carro, tomar banho, etc. Este é um típico exemplo do
que Grotowski define como atividades. Há uma confusão entre as ações físicas e
cotidiano.
101
Exercício em que se apóia todo peso do corpo apenas nas mãos e pés, fazendo uma curvatura do tronco,
com o peito voltado para cima. A imagem se assemelha à de uma ponte.
102
Movimento do circo e da ginástica olímpica, no qual se realiza um salto de costas, passando pelo apoio
das duas mãos.
103
Em relação as ações físicas extraídas de uma memória específica do ator, há também a necessidade de que
estas ações sejam concretas para que o ator consiga restabelecer o fluxo dos impulsos das ações, como
veremos neste mesmo capítulo mais adiante.
85
Ao trabalhar com ações físicas, não podemos perder de vista o conceito
dos pontos principais no qual o ator deve pôr sua atenção ao construir uma
partitura. O que eu devo fazer para cumprir determinada tarefa? É claro que isso
não pode ser pensado enquanto eu faço. Durante a ação, o pensamento deve
estar livre para as suas associações, imagens, etc. O ator deve estar sempre apto
com o outro (as ações do seu parceiro no sentido do jogo do ator) e com o espaço
entendamos o que foi dito anteriormente como uma espécie de tabela, que,
ação ou não é ação, ou como algo rígido e dogmático. Para isso, proponho um
entende o corpo do ator (entendido como corpo e voz) como um alicerce de seu
simplesmente confundido com uma forma de teatro-dança, ou, ainda, como uma
espécie de ginástica para o palco. Mas, de acordo com certas premissas ligadas
ao pólo orgânico, no qual o próprio Grotowski se inclui, não pode haver este
86
isso Grotowski enfatiza a diferença entre movimento, que pode não ter nenhuma
relação com o "interno" do ator enquanto esse o executa, e a ação física que
seu trabalho empírico e que possa conceber a ação como uma base artesanal
para o seu trabalho. Em geral, o ator ocidental contemporâneo possui uma grande
o entendimento das emoções como uma base de apoio, até mesmo como um
entendimento da emoção como espécie de vilã que deve ser combatida a todo
quando ele encara a emoção como um objetivo a ser conquistado. Existem atores
na grande maioria das vezes, em vista da distância entre palco e platéia, nem
104
Não pretendo, neste presente trabalho, abarcar toda a complexidade que o tema emoção acarreta, mas
apenas distingui-lo de um ponto de apoio concreto para o ator, ao trabalhar com ações físicas.
87
sequer é possível ver quando o ator está chorando. Não surte um tipo de efeito
uma cena? Que ele esteja emocionado? Talvez. Mas isto não quer dizer que o
que ele esteja fazendo seja orgânico, crível, mais ou menos verdadeiro. Muitas
vezes, pelo contrário, o choro do ator pode ser fruto de um extremo nervosismo
estimulado pelo próprio ator como uma tentativa de buscar uma maior intensidade
para sua atuação. O que ele não vê é que, em vez de uma atuação plena de
ator para os elementos concretos da cena (que vão desde os outros atores até o
88
isso... -quero sentir aquilo..., e então eles iniciam a “cerrarem os punhos,
emoções, esse tipo de ator tenta forçar uma reação (no caso uma emoção
específica) que deveria ser uma resposta espontânea a suas ações. Isso se deve
“intenção” a ser conferida à ação ou cena, “devo fazer isso com raiva, devo fazer
Sem o norte das ações, o ator confunde "verdadeiras emoções" com esta
entendimento do que seria (ou o que não seria) ação física, e a diferença entre a
105
"Normally, when an actor thinks of intensions, he thinks it is a question of pumping an emotional
state in himself. It is not this. The emotional state is very important, but it does not depend on the will. I don’t
want to be sad: I am sad. I want to love this person: I hate this person, because the emotions are independent
of the will. So, everyone who looks to condition actions through emotional states makes a confusion.”
89
Para isso voltemos ao conceito de organicidade, que para Stanislavski,
para Grotowski, organicidade indica "[...] algo como uma potencialidade, uma
corrente de impulsos, uma quase biológica corrente, que vem de dentro e vai em
responder a esse fluxo de impulsos através das ações físicas. Mas, então, o que
são impulsos?
de impulso e contra-movimento.
preparação para se obter a impulsão necessária para se realizar uma ação, como
dobrar os joelhos antes de saltar ou levar a mão na direção contrária àquela que
106
Isso não queria dizer imitar a natureza, mas fazer uma ponte entre o concreto/real e o imaginário através
daquilo que me é particular/ natural e da ferramenta que ele criou denominada de “SE mágico”. Por exemplo:
Eu não vou imitar Otelo, mas “SE” eu, com a minha estatura, com as minhas possibilidades fosse Otelo o que
eu faria nessa situação, o que eu faria nessas circunstâncias que me são dadas.
107
"[...] something like a potentiality of a current of impulses, a quasi-biological current that comes from the
'inside' and goes toward the accomplishment of a precise action."
108
Não apenas nesse termo específico, mas no trabalho como um todo. Freqüentemente, toma-se como o
mesmo trabalho as diferentes pesquisas de Grotowski e Eugenio Barba.
109
Eugenio Barba foi assistente de direção de Grotowski nos espetáculos Akropolis e A história de Dr.
Faustus.
90
pode ocorrer em níveis diferentes, como uma espécie de silêncio antes de um
precisas. Um impulso é exatamente aquilo que precede uma ação, uma espécie
que haja ação, mas não pode haver ação sem impulsos. Sobre esta questão,
91
para tocar a mão dela [...] mas não deixo isto aparecer como uma ação
completa, eu apenas inicio. Veja, eu me movo muito pouco porque é
apenas a 'impulsão' de tocar. Mas eu não exteriorizo. Agora, eu ando,
eu ando... mas eu estou sempre na minha cadeira. Desta maneira você
pode praticar ações físicas. Podemos dizer que as ações físicas estão
quase nascidas, mas continuam 'mantendo-se atrás', e deste modo, em
seu corpo, estamos 'colocando' uma reação corretamente (como
quando 'colocamos a voz'). Antes de uma ação de ação física há
sempre o impulso (Grotowski apud Richards, 1996, 94 e 95).111
seguida você estabelece um contato com esse estímulo, esse contato gera um
impulso como algo físico. Por exemplo, como a fome, que é uma reação a uma
necessidade fisiológica, em que o corpo “pede” por mais energia para que seu
organismo continue a funcionar. Eu posso comer sem ter fome, mas não posso
sentir fome sem que meu organismo necessite ou, ao menos, acredite que
entender a fome como algo concreto. Mas você só vê se alguém está com fome
111
"And now, what is the impulse? 'In/ pulse- push from inside. Impulses precede physical actions, always.
The impulses: it is as if the physical action, still almost invisible, was already born in the body. It is this, the
impulse. If you know this, in preparing a role, you can work alone on the physical actions (...) Without being
perceived by the others, you an train the physical actions, and try out a composition staying in the level of the
impulses. This means that the physical actions do not appear yet but are already in he body, because they are
'in/impulse'. For example: in a fragment of my role i am in a garden on a bench, somebody is sitting beside
me, i look at her. Now, suppose i am working on this fragment alone with a imaginary partner. Exteriorly – -
im not looking at this person, who i imagine- i do only the starting point: the impulse to look at her; In the
same way, i do next starting point – the impulse to lean, to touch her hand (...) –but i don't let it appear fully
as a action, i only starting. You see, i move very little, because is only the pulsion of touching. But i do not
exteriorize. Now, i walk, i walk... but i am always in my chair. It is like this that you can train physical
actions (...) One can say that the physical action is almost born, but is still kept back, and in this way, in your
body, we are 'placing' a right reaction(like one ' place the voice'). Before the physical action, there is the
impulse, which pushes from inside the body,] and we can work on this: we can find our self on the public bus
without anybody noticing anything strange, and we are all the same doing our preparation."
92
através do que essa pessoa faz, através de suas ações. Essas podem ser mais
visíveis, como andar à procura de onde vem o cheiro de uma comida, ou menos,
tensão justa: “Quando nós temos a intenção de fazer algo, existe uma tensão
que elas poderiam ser entendidas como a relação entre “o rio e suas margens”.
Esta imagem pode ser perfeitamente transportada para a relação entre impulsos e
ações. As ações seriam como as margens de um rio que possibilitam que o fluxo
algo nato ou algo que o ator poderia buscar, Grotowski responde: “[...]para que a
112
"When we in-tend to do something, there is a right tension, directly outside."
113
Transcrição de fitas do Simpósio Internacional "A Pesquisa de Jerzy Grotowski e Thomas Richards sobre a Arte como
Veículo". São Paulo: Setembro-Outubro, 1996.
93
Mesmo após um olhar mais apurado, ainda podem restar lacunas, como
partir do papel principal realizado por Ryszard Cieslak e dirigido por Grotowski.
3.3 O Espetáculo
94
3.3.1 O Príncipe Constante - o processo
sua voz, na sua alma” (Flaszen, 1992, p. 91). A crítica especializada rende-se ao
pobre, lançado no ano seguinte) pela difusão do nome de Grotowski e seu grupo
Ryszard Cieslak117.
114
O espetáculo, já vinha sendo preparado desde 1963, mas a sua estréia deu-se em 1965, como uma primeira
versão. Várias outras se seguiram, ao longo dos anos. Esse era um procedimento comum entre os espetáculos
do teatro laboratório. A última versão do espetáculo O Príncipe Constante estreou no ano de 1968.
115
“Na minha profissão de crítico de teatro, ainda não senti, até hoje, o desejo de empregar a expressão
horrivelmente vulgar e estafada que, neste caso particular, exprime muito simplesmente a verdade: esta
criação é inspirada”(KELERA, J. In: GROTOWSKI, 1979, p. 80).
116
Importante notarmos que os resultados obtidos em O Príncipe Constante jamais poderiam ter sido
alcançados sem a pesquisa realizada ao longo dos espetáculos precedentes, como Akropolis, A trágica
história de Dr Fausto e em especial Hamlet em estudo. Hamlet é um espetáculo particular dentro da trajetória
do grupo. Seu objetivo final não era tanto um produto artístico para o público, quanto um trabalho
laboratorial com os atores e "se foi mostrado ao público, foi unicamente porque, em uma determinada fase do
trabalho, era necessário o contato entre o ator e o espectador" (FLASZEN, 1964; 2007, p. 87). As
pouquíssimas apresentações foram realizadas em caráter de ensaio aberto. O espetáculo foi todo construído a
partir de improvisações dos atores. O diretor interferiu o menos possível. Ludwik Flaszen, o dramaturgista do
grupo, reconhece que o estudo não havia se tornado um espetáculo de modo pleno, pois “os fantasmas do
atore, uma vez liberados, não se transfiguram até o fim em signos claramente articulados” (Flaszen, 1964;
2007, p. 96). Mas afirma que “os trabalhos de Grotowski sobre a conexão da espontaneidade criativa e
disciplina da forma continuam” (Flaszen, 1964, 2007, p. 97), antevendo a continuidade da pesquisa,
especialmente no que se refere a relação entre a precisão e espontaneidade.
117
“Na minha opinião, a força e, mais ainda, o êxito de O Príncipe Constante deve-se em grande parte a seu
personagem principal”.( KELERA, J. In: GROTOWSKI, 1979, p. 9).
95
Ryszard Cieslak fazia parte do Teatro Laboratório desde 1962, mas este
específico, Grotowski comenta: "É muito raro que uma simbiose entre um,
Slowacki. A estrutura geral da peça, seu enredo, era o de Calderón, mas a maior
parte dos versos era de Slowacki. O texto narra a história do príncipe cristão Dom
trabalha com Cieslak, não há nada que lembre qualquer um desses temas. Pelo
carrega toda sua sensualidade, tudo que é carnal... ou que é carnal de uma outra
118
"Es muy raro que una simbiosis sobre un supuesto director y un supuesto actor pueda sobrepasar todos los
limites de la técnica, de una filosofía o de hábitos ordinarios".
96
maneira... muito mais como uma prece. É como se entre esses dois aspectos se
criasse um ponto que é como uma prece carnal” (Grotowski, 1990, p. 3).119
nada que tivesse qualquer tipo de ligação direta com a temática central do texto,
como algum tipo de trauma de infância, ou qualquer grande sofrimento e dor, por
sensual, que de uma maneira muito sutil pode até se conectar ao drama do
personagem principal, alguém que sofre na carne sem jamais renunciar à pureza
sobre as ações físicas: “Isto foi um retorno aos mais sutis impulsos da experiência
vivida, não simplesmente para recriá-la, mas para decolar em direção a esta
impossível prece. Mas, sim, todos os pequenos impulsos e tudo que Stanislavski
outro contexto, o do jogo social [...]) tudo estava como que redescoberto [...]”
120
(GROTOWSKI, 1990, p. 9) . Nesta afirmação, mesmo que de um modo um
119
[...] a ese tipo de amor, que puedes suceder solamente en la adolescencia, lleva toda suya sensualidad,
todo lo que es carnal, pero al mismo tempo detrás de esto, algo completamente diferente, que no es carnal, o
que es carnal de otra manera, y que es mucho mas como una plegaria carnal."
120
"Esto fue un regreso a lo mas sutiles impulsos de la experiencia vivida no solamente para recrearla, sino
para volar hacia esa imposible plegaria. Pero si todos los pequeños impulsos y todo esto que Stanislavski
llamaría las acciones físicas (y aún si, en su interpretación entrara en otro contexto, el del juego social ...) si
aún todo estaba reencontrado".
97
memórias, parti da idéia de uma reprodução das mesmas, como se eu projetasse
uma imagem em minha mente e tentasse animá-la, como no cinema, com meu
próprio corpo. Este procedimento produzia como resultado algo que, na maioria
das vezes, tinha uma qualidade “mecânica” e me parecia oco, como uma simples
perceber que, na verdade, não se tratava de reproduzir uma lembrança, mas, sim,
memória”. 121
Como já vimos, os impulsos não podem ser produzidos artificialmente, eles estão
alguma coisa que se revela como a vida que corre no corpo, e, através do corpo,
(GROTOWSKI,1990, p. 9).122
personagem.
121
Como vimos no capítulo anterior, Grotowski afirma que: "Não é que o corpo tenha memória. Ele é
memória". (Grotowski, 1979, p. 34).
122
"Si, es corporal, pero no verdaderamente. Hay algo que se revela, como la vida que corre en el cuerpo, a
través del cuerpo, es la pista de despegue, pero el verdadero vuelo no esta ligado a lo físico."
98
'personagem' é inteiramente um 'novo ser', gerado da combinação do
personagem, escrito pelo autor, e pelo próprio ator. O ator inicia de seu
'Eu sou' e vai para as circunstâncias propostas pelo autor, chegando a
um estado de 'quase-identificação' com o personagem, um 'novo ser'
[...] Nos espetáculos de Grotowski, contudo, [...] o ator não se identifica
com o 'personagem' . (Richards, 1996, p. 98).123
enquanto Grotowski entendia as ações físicas como a base para se atingir o fluxo
de impulsos vivos, o "fluxo da vida". Sua visão de ações físicas não comportava
entre o rigor e o dom. Os dois, a cada vez, realmente” (Grotowski, 1990, p. 11).
123
"A further difference between the work of Stanislavski and that of Grotowski [...] Concerns the 'character'.
In The work of the Stanislavski, the character is an entirely new being, born from the combination of the
character, written by the author, and the actor himself. The actor begins from his 'I am' and go toward the
circumstances of the character proposed by the author, arriving at a state of quasi-identification with the
character, a new being[...] in the performances of Grotowski, however,[...] The actor do not identify with the
'character'.
99
No trabalho de Grotowski, o personagem surge através de um processo de
Constante.
O ator tinha uma partitura viva e, ao mesmo tempo, precisa, mas ela não
tinha uma conexão aparente com a história deste martírio. Coube ao encenador
estabelecer um elo entre as duas. Através dos figurinos, os outros atores vestiam-
se como guardas e Cieslak estava seminu, apenas com um tapa-sexo, que nos
dos atores entre si, cantos e o próprio texto criavam claramente todo o contexto
Em dado momento, este homem sente uma pequena fisgada no peito. Leva sua
mão em direção ao coração e esboça um pequeno sorriso, como quem diz: - Mas
homem tenta gritar por socorro, mas não consegue. Cai no chão e morre. Em
uma outra seqüência, eu filmo uma mulher enquanto faz um passeio de barco
pelo porto de Nova York. Ela observa toda a paisagem de forma serena. Em um
gêmeas do Word Trade Center. Nesse exato momento, ela esboça um sorriso
pensando como deveria ser a experiência de subir no topo daquele que fora um
dos prédios mais altos do mundo. Depois de filmados esses dois trechos, eu vou
100
para a sala de montagem, trabalho com a cena do homem que morre cortando
toda a cena, com exceção do momento em que ele sente a primeira fisgada, sorri
e leva a mão ao peito. Trabalho a cena da mulher que vê os destroços das torres
gêmeas, corto todas as cenas com exceção do primeiro momento em que ela vê
algo distante, recorda-se e sorri. Coloco essas duas cenas em seqüência, uma
temos? Uma cena de amor! É isto que o espectador vai ver, mesmo que os atores
não tenham feito nada pensado ou direcionado nesse sentido. Mas é o que eles
físicas. Às vezes, só lhe interessa uma pequena ação dentro de uma partitura
maior de um ator, mas se você cortar todo o resto, pode estar cortando algo que
não interessa em absoluto para a narrativa, mas é, ao mesmo tempo, vital para a
memória do ator, algo como se fosse a raiz que nutrisse as outras ações e, ao ser
Penso que seja necessário agir com cuidado, sem pressa, mas,
também, sem “consumir” ou “queimar” o centro vivo da ação (não repetir
inutilmente uma improvisação ainda frágil, pouco estruturada, ou forçar
o volume da voz e dos movimentos para mostrar melhor, para se fazer
entender, para comunicar). Deve-se, também, tentar preservar os
detalhes, especialmente aqueles aparentemente insignificantes, os mais
frágeis e pessoais, e que são a linha vital do trabalho do ator. Não
eliminar os detalhes, não esquecê-los, não estilizá-los. O mais
101
importante é usar o bom senso e a simplicidade: são os dois melhores
instrumentos para uma montagem eficaz. (ANEXO A).
para o trabalho. Por isso trabalhou, primeiramente, apenas com Cieslak, sem a
tomadas todas as precauções para que este processo vivo, que, ainda, estava
como que nascendo, não fosse deturpado. É como quando um botão de uma bela
coberta de todos os cuidados para que ela seja replantada em um canteiro junto a
Cieslak estavam seguras, ou seja, que a cada vez ele podia resgatar suas ações
promover o encontro entre a partitura de Cieslak e a dos outros atores. Mas assim
como uma flor transportada da estufa para o canteiro, envolta de toda proteção e
apenas executava aquilo que era necessário do ponto de vista técnico. Ele
nenhuma coloração, para que, pouco a pouco, as partituras dos outros atores
102
linhas de ações dos colegas estavam claramente estabelecidas é que Cieslak
todo este processo, o fator tempo foi determinante. Em especial para Ryszard
tempo: “[...] era necessário dar-lhe tempo, jamais empurrá-lo, pedir-lhe tudo,
rigor com que devia precisar suas ações e se manter fiel às suas lembranças, ele
era (juntamente com o próprio ator) responsável pela não interrupção do processo
orgânico ligado às lembranças. Ele não podia interromper este processo pedindo
algum tipo de efeito que pudesse possibilitar uma leitura mais direta com a obra,
por exemplo. Essa relação de confiança entre ator e diretor era fundamental para
atores.
Nós podemos dizer que eu exigi de todos uma coragem de uma certa
maneira inumana, mas jamais eu lhes pedi para produzir um efeito. Eles
tinham necessidade de mais cinco meses? Tudo bem. Mais dez meses?
Tudo bem. Mas quinze meses? Tudo bem [...] e, depois desta simbiose,
havia uma segurança total no trabalho, não havia nenhum medo e nós
vimos que tudo era possível, porque não existia o medo. ” (Grotowski,
1994, p. 11).125
124
"(...) era necesario que hubiera tiempo, o necesario para darle tiempo, nunca empujarlo o pedir cualquier
cosa que no fuera tiempo."
125
"Pueden decir que requerí de todos un coraje de alguna manera inhumano pero jamás yo les pedí producir
un efecto. Necesitaban cinco meses mas? De acuerdo, diez meses mas? de acuerdo, quince meses mas, de
acuerdo[...] y después d esta simbiosis había como una seguridad total en el trabajo, no había ningún miedo y
todo era posible porque non existía el miedo."
103
Então os atores, Cieslak em especial, alcançavam o que Grotowski
exemplo, os tapas que Cieslak desferia em seu próprio rosto. Mas estas ações só
foram adicionadas no período final dos ensaios, quando Cieslak “[...] já estava
dentro de uma corrente de forças tão livres e que ele podia imediatamente
11)126. O fundamental era que estas ações “não tocassem a verdadeira estrutura
126
"[...] estaba ya en una corriente de fuerzas tan libres que podía inmediatamente integrar un elemento
extraño a su participación de base ..."
127
" non tocaba la estructura real ligada a su vida, a su gran vuelo." GROTOWSKI ibdem.
128
Mieczysław Janowski foi um dos atores do Teatro Laboratório dirigido por Grotowski. Em seus oito anos
de permanência no grupo, atuou nos espetáculos: “Faust”, Christopher Marlowe’s,“Akropolis” ,
Wyspiański’s,“Estudo sobre Hamlet”, William Shakespeare/Stanisław Wyspiański,“O Príncipe Constante"
Calderon/Słowacki, Após deixar o teatro, viveu em Paris graças a uma bolsa financiada pelo Ministério da
104
impacto nos atores quando Cieslak se juntou novamente ao grupo depois do
período de trabalho individual com Grotowski. Para ele, todos foram tão
profundamente tocados que era como se tivessem sido impelidos por ele a um
novo patamar.
Cieslak), temos poucas informações. O que sabemos é que ele foi assimilado por
Cieslak separadamente das ações. Na verdade, ele foi decorado antes mesmo de
ao longo do trabalho. Cieslak deveria absorver seu texto a ponto de estar apto a
partitura física previamente construída, o texto devia ser dito como se o ator
lembrança dos impulsos de seu corpo, a lembrança das pequenas ações e, com
todo processo, que envolveu o trabalho, foi mantido sobre o mais absoluto
Cieslak. Até mesmo aos outros atores que estiveram na produção nada foi
revelado. Se por um lado, este segredo, que era fruto da confiança gerada
Cultura da França. Em 1999, recebeu a medalha de Ordem de Mérito, pelo conjunto de todo seu trabalho
artístico, pelas mãos do Presidente da Polônia, Aleksander Kwaśniewski.
129
"(...) empezar de enmedio de cualquier frase de no importa qué fragmento, siempre respetando la
sintaxis."
130
"(..;) verter ese flujo de palabras en el río de la llamada, del llamada de los impulsos de su cuerpo, el
llamado de pequeñas acciones y con las dos se echaba a volar [...].
105
durante o processo, foi fundamental para sua realização, por outro lado, gerou
entre outros problemas, o fluxo do espetáculo não poderia ser interrompido para
um melhor posicionamento das câmeras e estas, por sua vez, não podiam
perturbar o fluxo das ações dos atores. Em 1965, o espetáculo foi inteiramente
gravado por uma rádio de Oslo, Noruega. Essa gravação só foi permitida porque
espetáculo sob uma espécie de paliçada que cercava todo o espaço onde se
permanecido com a câmera fixa em um mesmo ponto, muitas vezes algum ator
era encoberto por outro diante da câmera. A Universidade de Roma adquiriu esta
gravação realizada anos antes em Oslo. E, para espanto de todos, a sincronia era
106
quase que perfeita, principalmente nas partes de Ryszard Cieslak. Como isso
algo sem uma estrutura pré-estabelecida? Isto nos revela que, aquilo que era
muitas vezes entendido como uma improvisação, era na verdade algo “totalmente
p.9)
qual Grotowski fala e que se pode averiguar em O Príncipe Constante, não estava
sim, mas porque a partitura estava ligada a uma vivência precisa, a uma
experiência real” (GROTOWSKI, 1990, p. 9)131. A memória age aqui como uma
espécie de lastro para que o ator possa repetir a partitura precisamente e, como
ela é pessoal e plena de significados para o ator, ela nunca pode ser executada
131
"La división era precisa, pero porque la partitura estaba ligada a una vivencia precisa, a una experiencia
real."
107
procuro abordar estes princípios pragmáticos, entendidos como a base do
o também diretor, François Khan132, para que assim possamos obter uma
estrutura, ele diz que “este é um verdadeiro problema pragmático” (ANEXO A).
um espetáculo:
132
François Khan nasceu na França em 1949. Fez parte do grupo "Théatre de L'expêrience" em Paris de 1971
a 1975. No mesmo período, encontra Jerzy Grotowski e, em seguida, participa como guia de vários projetos
parateatrais do Teatro Laboratório em Wroclaw, Polônia, até 1981. Fez parte do "Gruppo Internazionale
L'aventura" de Volterra (Itália) de 1982 a 1985. De 1986 a 1996, participa como ator e dramaturgo dos
espetáculos do "Centro Per la Sperimentazione e La Ricerca Teatrale" dirigido por Roberto Bacci em
Pontedera, Itália. A partir de 1995, cria o projeto "Teatro de Câmera" no qual atua como ator em espetáculos
baseados em textos literários. Desde 1986 desenvolve, paralelamente ao trabalho de criação, uma intensa
atividade pedagógica, tendo já ministrado cursos em diversos países como Itália, Rússia e Israel; e em várias
cidades do Brasil como Rio de Janeiro, São Paulo, Londrina, Belo Horizonte e Bahia.
108
Para ele, mesmo estando sempre ligadas, em um processo de trabalho de
precisa de tudo aquilo que o ator faz enquanto constrói sua partitura e uma
Como, além de ator, François Khan exerce a função de diretor teatral, ele
nos traz esta perspectiva. Em constante diálogo com Grotowski, Khan nos fala
sobre a função do diretor:
Depende, também, em grande parte, da capacidade do diretor de
proteger o trabalho, de não tratá-lo como material de engenharia, que
109
se pode cortar, montar e virar do avesso à vontade, mas como
elementos vivos (Grotowski usava a imagem do trabalho do jardineiro:
”Gardening, not ingenering!”). (ANEXO A)
memórias nas ações físicas, pensando como “não é verdadeiramente fazer o que
se lembra, mas sim o ato de lembrar”. Sobre esta afirmação ele diz:
110
não deformar a recordação nos obriga a uma estranha forma de
distância, como se a fragilidade da imagem mental que recordamos
(como distante no espaço e no tempo) nos obrigasse a ser
especialmente delicados nos movimentos, na voz, para não “cobrir” a
recordação, para deixá-la transparecer. E isto produz a estranha
impressão, em quem observa, de assistir ao ato de recordar, não a
recordação. Gostaria de acrescentar um outro paradoxo: não se trata de
saber se a recordação é verdadeira, de definir se é realidade ou
imaginação, o que conta é a vida presente, aqui e agora, no ato, e nada
mais. Hic et nunc. (ANEXO A)
111
Conclusão
Grotowski denomina de leis pragmáticas que seriam leis que “[...] nos dizem como
binômio, precisão e espontaneidade, meu foco principal não foi no como esta
relação ocorre, mas no que se deve fazer para que ela ocorra.
prática de Grotowski. A definição dos pólos orgânico e artificial foi proposta por
112
Em suas conferências no Collège de France, onde se deram algumas de
suas últimas aparições públicas, Grotowski não só define esta divisão, como
enfatiza sua inserção no pólo orgânico, tanto no que diz respeito ao seu trabalho
contato com seu parceiro, com o espaço e com suas associações e memórias o
ator pode renovar a vida de uma determinada estrutura a cada dia. Esse é um dos
enquanto o ator efetua sua partitura. Aferimos que estar em contato é perceber o
133
Suas aulas/palestras tinham subtítulos tais como Structure, montage, personage dans la 'lignée organique
(Estrutura, montagem e personagem dentro da 'linha orgânica').Cf. Teatro Storia, 1998-1999;
113
teatro oriental. Os exercícios ainda eram entendidos como uma preparação
técnica para o ator que deveria ser, antes de tudo, um construtor de signos em
cena. Podemos dizer que, nesta fase, tanto os exercícios quanto os espetáculos
artificial, como podemos ver em um texto de 1962, publicado pelo Teatro das
Treze Fileiras onde afirma que "aquilo que é artístico, que é arte, é artificial (ex
nomine), isto é, ágil, como uma demonstração de habilidade, pode ser examinado
o ator. Esta perspectiva histórica nos auxilia a entender os exercícios, assim como
mais como um acúmulo de técnicas, mas como estruturas que podem possibilitar
gato, assim como os trainings físico e plástico são imbuídos desta nova
114
aparentemente rígidas, com seus próprios limites. Esses exercícios atuariam
vital para o próprio ator. Torna-se possível para o ator a busca de uma não
divisão entre ele e seu corpo, assim como entre a ação e pensamento135.
Use os detalhes como base, apenas como base, como trampolim para
saltar até as associações, até as reações para o exterior, para qualquer
pessoa ou para qualquer coisa, mas em direção ao interior [...] A coisa
importante nestes exercícios é não executá-los automaticamente, não
fazê-los mecanicamente, mas fazê-los com o coração, se possível,
como se fosse um jogo/uma brincadeira. Descobrir a cada dia uma
coisa nova, descobrir a si mesmo136. 137
"busca de uma linha precisa e lógica dos impulsos e das ações físicas"
135
Sobre a divisão entre pensamento e ação podemos ver a influência do pensamento da filosofia zen budista
como o termo Suki. "No Zen existe uma palavra que indica a divisão entre intelecto e ação. É Suki que
significa 'Um espaço entre dois objetos' (...) Qualquer separação entre pensamento e ação é uma forma de
Suki, que leva a uma interrupção, uma ruptura no fluxo da criatividade e sensibilidade(...) Enquanto
movimento físico, o Suki impõe um véu de pensamento que pode ser um obstáculo para o movimento
expressivo e espontâneo colocar versão original (FELDSHUH apud KUMIEGA, 1985, p 95).
136
"Usi i detagli come base, solo come base, come trampolino per saltare alle associazioni, alle reazioni verso
l'esterno per qualcuno o per qualcosa, mai versol'interno (...) la cosa piu importante in questi exercizi è di non
eserguirle automaticamente, non mecanicamente, ma farli col cuore, se è possibile, come se fosse un gioco.
Scopire ogni giorno una cosa nuova, scopire se stessi."
137
Texto transcrito do filme documento LA ACTOE Total. Ricordo di Riszard Cieslak sob a direção de
krizystofa Domagalika. In: Revista Teorica e Pratica sulle Recniche e le Problematiche del Teatro
Contemporaneo a Cura della Scuola Interculturale di Teatro, v. 4, nov., 2001, p 53.
115
física, em correspondência à lógica grotowskiana, sob o olhar de um viés
deflagrando aquilo que nos impede de entendê-la, uma série de equívocos que
bloqueiam nosso entendimento das ações físicas. Vimos a relação entre ação e
outra. Ao contrário, elas mantém uma ligação dialética, indireta, como podemos
das ações é concentrar-se no que precede a ação" (Grotowski, 1996). Por isso,
externo”, ele diz, “quando (este impulso) se projetou para o exterior virou uma
pequena ação" (Grotowski, 1996). Eles estão ligados a toda uma espécie de
lembranças, de uma linguagem não formulada, mas presente como que atrás dos
138
Acréscimo nosso.
116
pensamentos, tudo isso e outras coisas ainda, condicionam os impulsos"
(Grotowski , 1996-1997, p. 437 e 438)139. Sendo assim podemos afirmar que todo
Stanislavski, psicofísico.
139
"Tout l'arriére-plan des expériences humaines, des associations mentales, des souvenirs, d'un langage non
formulé, mais présent comme derriére les penseés, tout cela, et d'autres choses encore, conditionnent les
impulsions."
140
"Bien évidemment, Stanislawski, dans ses recherches, a été conditionné par la traition esthétique du
theatre russe. Cette tradition s'est voulu réaliste, au sens où elle se proposait de représenter le comportement
humain dans le contexte quotidien, 'comme dans la vie courante', trés marqué par les conventions sociales.
J'eessayé pour ma part d'orienter cette investigation dans le champ du comportement humain lié aux
conditions méta-quotidiennes (comme dans le cas des pratique rituelles). Dans cet ordre, il m'est que le
aspect des impulsions et de l'organicité peut devenir encore plus marqué."
117
através de um processo de “montagem”, são lidas pelo espectador como um
como uma relação intrínseca. Grotowski afirma que "não há espontaneidade sem
Richards afirma:
trabalho como ator, diretor e professor teatral. Este trabalho é fruto de minha
presentes.
necessário fazer os asanas, por exemplo. Grotowski afirma que "(...) receitas não
141
"[…] Form on one side, and stream of life on the other, the two banks of the river that river to flow
smoothly. Without these banks there will be only a flood, a swamp. This is the paradox of the acting craft:
only from the fight between these two opposing forces can the balance of scenic life appear."
118
ações simples - não quero usar a palavra esforço -, mas ações simples aplicadas
Grotowski não os descreveu exatamente por isso, para não se tornarem parte de
nenhum manual.
para desenvolver o seu ofício. Quais são as ferramentas necessárias e como usá-
las. São os mesmos questionamentos que tive no início de minha trajetória como
surgir como um sinal luminoso para que esses jovens atores - assim como todos
ofício.
Acredito que esta dissertação ocupa um terreno ainda pouco explorado nas
prática artística e a análise acadêmica. Uma zona onde devemos não apenas nos
119
correndo o risco de criar um abismo com seu próprio objeto. Entendo a academia
como um lugar onde não apenas podemos dar continuidade às nossas pesquisas,
Para finalizar, há uma fábula japonesa que me parece bem apropriada para
a conclusão deste trabalho. Ela fala de um conhecimento que pode existir por vias
Existe uma velha história japonesa das artes marciais que fala de um
samurai treinado para enfrentar o perigo, mas que era incapaz de
enfrentar um rato. Então, buscou o gato mais feroz para destruir o rato,
mas esse o derrotou. Tentou várias vezes até que encontrou um velho
gato, de aparência muito dócil. Na hora do jantar, quando o rato quis
atacar o velho gato, esse o degolou.
O samurai surpreendido perguntou como ele o havia feito e o animal
respondeu:
- Sou um gato e meu ofício é matar ratos. Os outros tinham uma outra
opinião e não se limitam a exercer seu ofício; estavam plenos de
julgamentos, sentimentos negativos e idéias preconcebidas sobre como
matar um rato. Estavam condicionados pelo ódio. Por isso foi fácil para
o rato derrotá-los.(...)
- Isto é extraordinário! - disse o samurai.
- Não é extraordinário - replicou o gato -, porque não sou um mestre.
Existe um que o é, e, sem dúvida, não sei como exercita seu ofício. É
um velho gato quase cego e surdo, que dorme o tempo todo e não faz
nada... mas, sem dúvida, onde vive não existem ratos. Eu o visitei e
perguntei seu segredo e ele me disse algo incompreensível. Disse-me
que não sabia dizer, mas sabia fazer”. ( Grotowski apud Ceballos, 1989,
p. 129 -130). 142
142
"Existe una vieja historia japonesa en las artes marciales que habla de un samurai, entrenado para el
peligro, pero que era incapaz de enfrentar a una rata. Entonces, busco un gato, al mas fiero para la destruir la
rata, pero esta lo derroto. Probó varias veces hasta que encontró a un viejo gato, de apariencia muy dócil. A la
hora de la cena, cuando la rata intento atacar al viejo gato, éste a degolló. El samurai sorprendido le pregunto
120
Referências Bibliográficas
BENEDETTI, Jean. Stanislavski and the actor. New York: Routledge, 1998.
BRAUN, Edward. Meyerhold on theatre. New York: Hill and Wang, 1977.
como lo había hecho y el animal respondió: Soy un gato y mi oficio es matar ratas. Los otros tenían otra
opinión y non se limitaban a ejercer su oficio; estaban llenos de prejuicios, sentimientos negativos e ideas
preconcebidas sobre como matar a una rata. Estaban condicionados para el odio. Por eso fue fácil que la rata
los derrotara. (...) - Eso es extraordinario, dijo el samurai. – Non es extraordinario replico o gato, porque no
soy un maestro. Existe otro que lo es, y sin embargo no sé como ejercita su oficio. Es un viejo gato casi ciego
y sordo, que duerme todo el tiempo y no hace nada. Sin embargo donde vives non hay ratas. Yo lo visité y le
pregunté su secreto y me dio algo incomprensible. Supe que no sabia decir, pero sabia hacer."
121
GROTOWSKI, Jerzy. Em busca de um Teatro Pobre [1965]. In: FLASZEN, L.;
POLLASTRELLI, C. O teatro laboratório de Jerzy Grotowski 1959-1969. São
Paulo: Perspectiva; SESC, 2007. Textos e matérias de Jerzy Grotowski e Ludwik
Flaszen com um escrito de Eugenio Barba.
122
GROTOWSKI, Jerzy. Programi al Collége de France [1996-1997]. Teatro e
Storia, v.13I, p.20-21, 1998-1999. Sull'atore e Grotowski Posdomani, Il Mulino.
MARINIS, Marco. Teatro rico y teatro pobre. Máscara, México, n. 11-12, ene.,
1993.
123
O PRINCIPE Constante. Rom: Universita di Roma / L'instituto de Teatro e delo
Espetaculo,1967. Filme editado pela Universita di Roma.
OSINSKI, Z. Grotowski and his laboratory. New York : Paj Publications, 1986.
___________. Grotowski traza los caminos: Del drama objetivo (1983-1985) a las
artes rituales (1985). [1989]. Máscara - Cuaderno Iberoamericano de Reflexión
sobre Escenologia (Grotowski), México, v. 3, n. 11-12, jan., 1993.
___________. Stanislvskij : dal lavoro dell atore al lavoro su di sé. Bari : Editori
Laterza, 2003.
124
___________. Ética y disciplina - Método de Acciones físicas: Propedéutica del
actor. México: Editorial Gaceta, 1994.
___________. Stanislavski alle prove: gli ultimi anni. Milano: Ubulibri , 1991.
WINTERBOTTON, Philip. Two Years before the master: the drama review. Nova
York: 1991.
125
ANEXO A
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ANEXO B
Ilustrações
138
Jerzy Grotowski
139
Sakuntala
140
Ryszard Cieslak durante o training plástico
141
Ryszard Cieslak durante o Training físico
142
Grotowski no camarim de Stanislavski em Moscou
143
Grotowski e Cieslak durante os ensaios de O Príncipe Constante
144
Grotowski e Cieslak durante os ensaios de O Príncipe Constante
145
O Príncipe Constante
146
O Príncipe Constante
147
Ryszard Cieslak em O Príncipe Constante
148
I Cartazes de espetáculos do Teatro Laboratório. Da esquerda no alto em sentido horário: A trágica
historia do Dr. Faustus, Apocalypsis Cum Figuris,Akropolis,Hamlet em Estudo e O Príncipe
Constante.
149
Jerzy Grotowski
150
Livros Grátis
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