Padrão de Beleza
Padrão de Beleza
Padrão de Beleza
SUMÁRIO
Introdução; 1. Contexto Histórico da Mulher Brasileira; 2. O Meio Social Como Influência
Direta Para a Evolução dos Distúrbios Psicológicos; 3. A Atuação da Indústria da Moda e da
Mídia no Progresso do Culto ao Corpo; Considerações Finais; Referências.
RESUMO
Este artigo tem como intuito promover a reflexão e, consequentemente, a conscientização sobre
o tema do padrão de beleza imposto pela sociedade brasileira que influencia no
desenvolvimento de distúrbios psicológicos. Para se compreender a problemática é necessário
inteirar-se do contexto histórico da mulher brasileira, marcado pela imposição patriarcal
machista, limitando sua liberdade e estabelecendo condutas a se seguir. Ademais, interligando
os fatores sociais do contexto onde se vive, a cultura, e como os paradigmas familiares atuais,
novamente, exercem interferência na autoestima e na visão estética pessoal e, portanto, como a
mídia em consonância com a indústria consumista da moda agravam um problema tão sério
como a anorexia e a bulimia.
PALAVRAS-CHAVE: Mulher; Sociedade; Padrão de beleza; Distúrbios Psicológicos.
INTRODUÇÃO
A precisão de se impor padrões de beleza na sociedade brasileira está enraizada há
muito, apesar de que a cada momento da historiografia social as exigências mudam. A mulher,
1
Graduanda em Direito – Escola de Direito de Brasília/Instituto Brasiliense de Direito Público, Brasília, Distrito
Federal
Email: [email protected]
2
principal personalidade da estética social, tem uma longa trajetória de imposições de conduta,
vestimenta entre outros ritos que fazem jus a determinada época.
A complexa problemática é que o culto ao corpo tem se tornado um estilo de vida, e não
é o saudável e sim, a obsessão em se conseguir, a qualquer custo, a magreza extrema, resultando
no surgimento de distúrbios psicológicos graves, como a anorexia e a bulimia nervosa.
2
FOUCAULT, Michel - Microfísica do Poder. 1979 p.80
3
Caio Prado Jr. e Gilberto Freyre entram em consonância que o reconhecimento das
mulheres no período colonial era restritamente para o uso luxurioso do corpo.4 As mulheres
negras, em especial, eram objeto sexual de seus senhores, pois as sinhás tinham os corpos
marmóreos, brancos e frios, sem prazer.5
Há muito a mulher é idealizada, talvez não da mesma forma em cada etapa da história
social, mas ainda assim, “vende-se” a imagem de uma mulher perfeita: virgem, submissa, mãe,
devota à religião e que reprime seus desejos sexuais, agindo como o marido determina e
seguindo os preceitos da Igreja quanto à conduta feminina. Ainda na contemporaneidade a
mulher é limitada, apesar de seus esforços de inserção no meio social por intermédio de
movimentos, como o feminismo, que luta pela igualdade de gêneros, mas a cultura patriarcal é
intrínseca à sociedade brasileira, dificultando o ingresso feminino completo na sociedade.
3,4,5
DEL PRIORE, Mary – A mulher na história do Brasil. 4.ed. – São Paulo: Contexto, 1994. p. 11, 12.
4
fazem comparações escrachas à função feminina na sociedade. Roberto Damatta, em seu livro
O que faz o brasil, Brasil? expõe uma metáfora um tanto quanto machista sobre o papel da
mulher:
Pode-se afirmar que dentro dessa cultura de valorizar ao máximo a mulher pelo corpo
ao invés de valorizá-la pelo que ela é, tenha se tornado uma válvula de escape para a mulher se
expressar através de seu estereótipo, mostrando o que é, como pensa, como se comporta, entre
outros conceitos, por meio de seu corpo, sua vestimenta e sua compostura. Destarte, o culto ao
corpo tomou grandes proporções e se tornou o enfoque principal para que uma mulher seja
admirada, para que se encaixe no padrão de beleza e para que seja aceita dentro de suas
perspectivas sociológicas. A necessidade de se ajustar dentro da sociedade é explicada por Peter
Berger, em seu livro Perspectivas Sociológicas: Uma Visão Humanística, descreve exatamente
como se dá o processo de enquadramento por meio da localização social:
6
DAMATTA, Roberto – O que faz o brasil, Brasil?. Rio de Janeiro: Rocco, 1986. p. 39, 40.
5
Haja vista, a identidade não é uma coisa preexistente, sua atribuição se dá em atos de
seu reconhecimento social, ou seja, aplicando ao parâmetro da mulher, ela é aquilo que os outros
creem que ela seja. E como a sociedade padroniza tudo, para que se torne um senso comum, o
protótipo de mulher ideal não poderia ser diferente e, para que essa identidade perdure, é preciso
que a sociedade sustente, com bastante regularidade, levando em conta a maior quantidade de
adesões.
BERGER, Peter L – Perspectivas Sociológicas: uma visão humanística. Petrópolis, 2011. p. 88, 89 e 107,
7, 8
112.
9
BERGER, Peter L; BERGER, Brigitte – Socialização: como ser um membro da sociedade, cap.13,
Sociologia e sociedade: leituras de introdução à sociologia. 21.ed. – s.I: LTC, 2008. p. 204.
10
GIDDENS, Anthony – Sociologia. 4.ed. Porto Alegre: Artmed, 2005. p. 152.
6
Tendo em vista essas definições sobre como a família e outras pessoas próximas
influenciam no estilo de vida do indivíduo, Freud11, Nancy Chodorow12, entre outros autores
da psicanálise, expõem a relação conturbada que existe entre mãe e filha e a interferência que
a primeira exerce quanto às influências sociais que, muitas vezes, ultrapassam os limites e se
tornam manipulação.
A imposição de expectativas em todos os âmbitos da vida da mulher, acarretam em
algumas, a obsessão em superar a confiança depositada, em suma, a relação com o corpo e seus
cuidados. Mães manipuladoras e autoritárias têm o hábito de controlar suas filhas em todos os
aspectos, principalmente no que se refere à como atingir e permanecer no padrão de beleza
ideal.13 Nessa perspectiva, o desenvolvimento de distúrbios psicológicos se inicia, por exemplo,
com a anorexia e a bulimia nervosa. Vale ressaltar que, não somente a mãe exerce a carga de
pressão, mas como também todo o contexto social que a mulher está inserida.
A obsessão em viver em busca de atingir o corpo ideal, a beleza plena e a aceitação da
sociedade têm se tornado um problema de saúde pública. As taxas de diagnósticos de anorexia
e bulimia no Brasil tem aumentado a cada ano, isto é, 150 mil casos de anorexia por ano e 2
milhões de casos de bulimia, dados que comprovam o quanto é perigoso essa luta por alcançar
um padrão que não cabe a todas as mulheres pelo simples fato de haver uma gama de elementos
genéticos que culminam na formação de um determinado modelo de corpo.14
Estar bela, malhada, sentir-se bem consigo mesma. Não ter gordurinhas
sobrando. Ter um corpo rígido, cabelos e peles impecáveis. Ser admirada por
sua beleza ou por seu corpo em forma. Ter um corpo perfeito. Encaixar-se nos
padrões de beleza massificados. Cultuar os esforços físicos para que ele
desabroche em sua melhor forma.
Estas falas, todas nativas, apontam para um processo central das últimas
décadas (1980-2000), que é o culto ao corpo. Embora seja quase impossível
estabelecer com certeza quando as expressões "culto ao corpo" e "cultura do
corpo" apareceram pela primeira vez, numerosos antropólogos, sociólogos e
historiadores vêm se utilizando destes termos para designar um
comportamento onde o corpo figura como elemento central e definidor de
identidades.15
A mulher passa a ser responsabilizada pela sua imagem a tal ponto que ela tem a
obrigação de se manter bela e de recorrer a intervenções, independentemente de quais sejam,
11
FREUD, Sigmund - Interpretação dos sonhos. Rio de Janeiro: Imago, 1976
12
CHODOROW, Nancy – Psicanálise da maternidade: uma crítica a Freud a partir da mulher. Ed. Rosa dos
Tempos, 2002.
13
SOUZA, Karina C. V – O feminino na estética do corpo: uma leitura psicanalítica. Tese para obtenção do
título de Mestre em Psicologia Clínica pela Universidade Católica de Pernambuco, 2007. p. 112, 113.
14
Fontes: Hospital Israelita Albert Einstein. Google, 2016.
15
BERGER, Mirela – Corpo e Identidade Feminina. Tese do Programa de Pós-Graduação em Antropologia
pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2006. p. 131, 132.
7
A beleza se tornou uma espécie de capital simbólico que a define como status social e
representação de sucesso. Consequentemente, essa pressão prescrita desencadeia o citado
acima, distúrbios psicológicos, e que resultam em efeitos devastadores, levando à morte, em
casos extremos. A anorexia e a bulimia nervosa têm tomado cada vez mais espaço em discussões
sociológicas e da psicanálise, pois as mulheres, principalmente as adolescentes, estão em busca
do ideal inalcançável do corpo perfeito e, essa insatisfação é advinda da baixa autoestima, fruto
do padrão de beleza imposto pela sociedade e veiculado pela mídia.
No que tange ao culto do corpo, a sociedade influi de tal forma na vida da mulher ao
ponto de fazê-la se tornar escrava da própria estética. À vista disso, o investimento em dietas,
excesso de exercícios, inanição e outros métodos a fim de alcançar a magreza, desencadeia a
anorexia, caracterizada pela aversão aos alimentos, onde a mulher tem uma visão deturpada de
seu corpo, sentindo-se cada vez mais gorda, enquanto a realidade é outra, ela se torna mais
magra, podendo até mesmo, vir a óbito por complicações. Essa recusa em manter o peso normal
para a estatura individual é traduzida pelo medo constante de engordar e, vencer a fome
transforma-se em uma questão de valor pessoal, pois o desejo de se manter cada vez mais magra
se torna uma imposição reforçando sua identidade individual. Em contrapartida, a bulimia se
caracteriza pela compulsão alimentar, pois impõe-se regras dietéticas muito rígidas, que não
conseguem cumprir e, logo após a ingestão exagerada de alimento, advinda da ansiedade e
frustração, o sentimento de culpa predomina levando a mulher a induzir o vômito ou fazer uso
de laxantes.17
16
PROST, Antoine – Fronteiras e Espaços do Privado (História da Vida Privada da 1º Guerra a nossos
Dias). São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p. 105, 106.
17
CARDOSO, Sônia Cristina M. – Para uma abordagem sociológica dos distúrbios alimentares. IV
Congresso Português de Sociologia. Coimbra, Portugal, 2000.
8
No que concerne à consciência coletiva, é verossímil afirmar que por ser um conjunto
de crenças, senso comum dos membros da sociedade e que tem autonomia para ter vida própria
e ser um sistema determinado, pode-se aplicar à situação de como o meio social que a mulher
se relaciona tem influência direta em suas ações, tendo como base o relato da jovem vítima da
18
Pesquisa realizada em outubro de 2016.
9
bulimia. Exerce-se uma forte dominação em quais recursos ela irá recorrer para se encaixar na
sociedade e ter aceitação majoritária.19
O mundo inteiro é forçado a passar pelo filtro da indústria cultural. A vontade que a
mídia capitalista incita nas mulheres ao querer ser iguais às modelos, por exemplo, as mantém
tão reféns em corpo e alma que sucumbem sem resistência ao que lhes é oferecido. Como já
19
ARON, Raymond - As etapas do pensamento sociológico. A geração da passagem do século, DURKHEIM,
Émile. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 462
20
DEL PRIORE, Mary - Corpo a Corpo com a Mulher: Pequena História das Transformações do Corpo
Feminino no Brasil. São Paulo: Senac, 2000, p.15.
10
mencionado nos tópicos acima, a imagem da perfeição estética está intrinsecamente ligada ao
sucesso e, consequentemente, à autossatisfação. Essa concepção tem como premissa a
credibilidade midiática quanto às modelos, artistas de televisão, revistas e cinema, que são
considerados protótipos perfeitos e reais a serem copiados.
A cultura do corpo é tão inerente à sociedade brasileira ao ponto de que nada é mais
importante e melhor do que ser magra. Lucien Sfez, declarou que a relevância dada ao corpo é
tanta que substituiu o culto à informação por uma “religião” biogenética, moldada na utopia do
corpo.22 Dessa forma, não somente a relação do contexto social interfere no desenvolvimento
de distúrbios psicológicos como também, a mídia e a indústria da moda que vendem a perfeição
ligada à magreza excessiva como um padrão ideal de beleza.
A ideia de magreza está tão disseminada ao ponto de a mulher nunca estar satisfeita com
seu corpo, mesmo que use de artifícios para tentar padronizá-lo de acordo com o senso comum.
21
ADORNO, Theodor W; HORKHEIMER, Max – Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985. p. 114.
22
SFEZ, Lucien - "Saúde perfeita é a utopia do final de século". Jornal O Estado de São Paulo, 7 de outubro
de 1996, n. 788, ano 16.
11
Interessante notar que o padrão de beleza de alguns anos atrás era inteiramente diferente, por
exemplo, a mulher do início do século passado deveria apresentar depósitos de gorduras, ter
quadris largos, coxas grossas, abdômen marcado e seios fartos para se adequar ao perfil de
beleza da época. No período pré-industrial, a mulher que apresentava um quadro de obesidade
era tido como o padrão ideal, pois representava força e tinha energia suficiente para enfrentar
as dificuldades e proteger a família. Nos dias de hoje, o enfoque de corpo ideal é cultuado pela
magreza excessiva, palidez e poucas formas corporais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do delineamento feito no decorrer deste artigo, é plausível afirmar que o padrão
de beleza ideal imposto pela sociedade agrava o desenvolvimento de distúrbios psicológicos,
como a anorexia e a bulimia nervosa, por exemplo.
Faz-se necessário dar maior atenção a esse problema que tem crescido progressivamente
e se tornado uma questão de saúde pública. Muitas mulheres já perderam a vida por não saberem
dosar o limite da vaidade e por comprar a falsa satisfação da autoimagem através da publicidade
que divulga uma realidade falaciosa e equivocada no que diz respeito à cultura do corpo.
O primeiro passo para contornar a situação agravante dos crescentes casos de anorexia
e bulimia é a desmistificação do padrão ideal de beleza e a cultura ao corpo, que tomou conta
até mesmo da importância dada aos valores internos do ser e, conscientizar as mulheres de que
não adianta tentar alcançar um modelo perfeito de corpo se a estrutura corporal não permite
chegar a um resultado igual. É de suma importância ter uma vida saudável com práticas de
exercícios físicos e alimentação saudável, mas o mais fundamental é ter amor próprio e se
aceitar como é, tentando melhorar o que for viável dentro dos limites que a saúde permitir.
REFERÊNCIAS
______ . Corpo a Corpo com a Mulher: Pequena História das Transformações do Corpo
Feminino no Brasil. São Paulo: Senac, 2000, p.15.
SFEZ, Lucien - "Saúde perfeita é a utopia do final de século". Jornal O Estado de São Paulo,
7 de outubro de 1996, n. 788, ano 16.