Volume Único
Otavio Henrique Meloni
Roberta Guimarães Franco
Apoio:
Fundação Cecierj / Consórcio Cederj
Rua da Ajuda, 5 – Centro – Rio de Janeiro, RJ – CEP 20040-000
Tel.: (21) 2333-1112 Fax: (21) 2333-1116
Presidente
Carlos Eduardo Bielschowsky
Vice-presidente
Masako Oya Masuda
Coordenação do Curso de Letras
UFF - Livia Reis
Material Didático
Elaboração de Conteúdo Coordenação de Produção Programação Visual
Otavio Henrique Meloni Fábio Rapello Alencar Alexandre d’Oliveira
Roberta Guimarães Franco Camille Moraes
Assistente de Produção
Maria Fernanda de Novaes
Direção de Design Instrucional Bianca Giacomelli
Mario Lima
Cristine Costa Barreto
Revisão Linguística e Tipográfica Núbia Roma
Coordenação de Design Beatriz Fontes
Produção Gráfica
Instrucional Flávia Saboya
Patrícia Esteves
Bruno José Peixoto Licia Matos
Ulisses Schnaider
Flávia Busnardo da Cunha Maria Elisa Silveira
Paulo Vasques de Miranda Yana Gonzaga
Design Instrucional Ilustração
Ana Maria Osborne Clara Gomes
Bruna Damiana
Capa
Clara Gomes
M528
Meloni, Otavio Henrique.
Literaturas Africanas II: volume único / Otavio Henrique Meloni, Roberta
Guimarães Franco. − Rio de Janeiro: Fundação Cecierj, 2015.
356 p.: il. 19 x 26,5 cm.
ISBN: 978-85-458-0035-4
1. Língua portuguesa. 2. Literatura 3. língua portuguesa africana.
4. Colonialismo. 5. Pós-independência. I. Franco, Roberta Guimarães. 1. Título.
CDD: 469
Universidades Consorciadas
CEFET/RJ - Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca
Diretor-geral: Carlos Henrique Figueiredo Alves
Aula 2 • A presença da figura feminina na literatura dos países de língua portuguesa ...................................31
Otavio Henrique Meloni
Aula 3 • O segredo da morta, de António Assis Júnior: mulher e religiosidade na sociedade angolana ..........49
Otavio Henrique Meloni
Aula 5 • A construção do discurso literário como desdobramento da luta pela libertação ..............................95
Otavio Henrique Meloni
Aula 7 • Nós matámos o Cão-Tinhoso, de Luís Bernardo Honwana: a narrativa curta moçambicana
a serviço da “causa” nacional ...........................................................................................................................135
Roberta Guimarães Franco
Referências........................................................................................................................................................349
Aula 1
Introdução à narrativa dos países
africanos de língua portuguesa
Meta
Objetivos
Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:
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Literaturas Africanas II
Introdução
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Aula 1 • Introdução à narrativa dos países africanos de língua portuguesa
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Literaturas Africanas II
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Aula 1 • Introdução à narrativa dos países africanos de língua portuguesa
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Literaturas Africanas II
Mas para que a palavra produza todo o seu efeito, é preciso que
seja acompanhada ritmicamente, porque o movimento tem ne-
cessidade de ritmo, pois ele próprio se baseia no segredo dos
números. É necessário que a palavra reproduza o vaivém que
constitui a essência do ritmo.
Nos cantos rituais e nas fórmulas mágicas, portanto, a palavra é
a materialização da cadência. E caso se considere que a palavra
possa atuar sobre os espíritos, é porque sua harmonia cria movi-
mentos que engendram forças, que, por sua vez, atuam sobre os
espíritos, eles próprios potências de ação. (BÂ, 1993).
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Aula 1 • Introdução à narrativa dos países africanos de língua portuguesa
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Literaturas Africanas II
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Aula 1 • Introdução à narrativa dos países africanos de língua portuguesa
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Literaturas Africanas II
Atividade 1
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Aula 1 • Introdução à narrativa dos países africanos de língua portuguesa
Resposta comentada
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Aula 1 • Introdução à narrativa dos países africanos de língua portuguesa
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Literaturas Africanas II
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Aula 1 • Introdução à narrativa dos países africanos de língua portuguesa
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Literaturas Africanas II
Conclusão
Atividade final
A fronteira do asfalto
José Luandino Vieira
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Aula 1 • Introdução à narrativa dos países africanos de língua portuguesa
... – Combinado?
– Combinado – Disse ele.
Riram os dois e continuaram a a andar, pisando as flores violeta
que caíam das árvores.
– Neve cor de violeta – disse ele.
– Mas tu nunca viste neve...
– Pois não, mas creio que cai assim...
– É branca, muito branca...
– Como tu!
E um sorriso triste aflorou medrosamente aos lábios dele.
– Ricardo! Também há neve cinzenta... cinzenta escura.
– Lembra-te da nossa combinação. Não mais...
– Sim, não mais falar da tua cor. Mas quem falou primeiro
fostes tu.
Ao chegarem à ponta do passeio ambos fizeram meia-volta e vie-
ram pelo mesmo caminho.
A menina tinha tranças loiras e laços vermelhos.
– Marina, lembras-te da nossa infância? – e voltou-se subitamen-
te para ela.
Olhou-a nos olhos. A menina baixou olhar para a biqueira dos
sapatos pretos e disse:
– Quando tu fazias carros com rodas de patins e me empurravas
a volta do bairro?
– Sim lembro-me...
A pergunta que o perseguiu há meses saiu, finalmente.
– E tu achas que esta está tudo como então? Como quando brin-
cávamos à barra do lenço ou às escondidas? Quando eu era o teu
amigo Ricardo, um pretinho muito limpo e educado, no dizer da
tua mãe? Achas...
E com as próprias palavras ia-se excitando. Os olhos brilhavam e
o cérebro ficava vazio, porque tudo o que acumulara saía numa
torrente de palavras.
– ... que eu posso continuar a ser teu amigo...
– Ricardo!
– Que a minha presença na tua casa…no quintal da tua casa,
poucas vezes dentro dela!, não estragará os planos da tua família
a respeito das tuas relações…
24
Literaturas Africanas II
Estava a ser cruel. Os olhos azuis de Marina não lhe diziam nada.
Mas estava a ser cruel. O som da própria voz fê-lo ver isso. Ca-
lou-se subitamente.
– Desculpa – disse por fim.
Virou os olhos para o seu mundo. Do outro lado da rua asfaltada
não havia passeio. Nem árvores de flores violeta. A terra era ver-
melha. Piteiras. Casas de pau-a-pique à sombra de mulembas. As
ruas de areia eram sinuosas. Uma ténue nuvem de poeira que o
vento levantava cobria tudo. A casa dele ficava ao fundo. Via-se
do sítio donde estava. Amarela. Duas portas, três janelas. Um
cercado de aduelas e arcos de barril.
– Ricardo – disse a menina das tranças loiras – tu disseste isso
para quê? Alguma vez te disse que não era tua amiga? Alguma
vez que se te abandonei? Nem os comentários das minhas cole-
gas, nem os conselhos velados dos professores, nem a família que
se tem voltado contra mim...
– Está bem. Desculpa. Mas sabes, isto fica dentro de nós. Tem de
sair em qualquer altura.
E lembrava-se do tempo em que não havia perguntas, respostas,
explicações. Quando ainda não havia a fronteira de asfalto.
– Bons tempos – encontrou-se a dizer.
– A minha mãe era a tua lavadeira. Eu era o filho da lavadeira.
Servia de palhaço a menina Nina. A menina Nina dos caracóis
loiros. Não era assim que te chamavam? – Gritou ele.
Marina fugiu para casa. Ele ficou com os olhos marejados, as
mãos ferozmente fechadas e as flores violeta caindo-lhe na
carapinha negra.
Depois, com passos decididos, atravessou a rua, pisando com
raiva a areia vermelha e sumiu no emaranhado do seu mundo.
Para trás ficava a ilusão.
Marina viu-o afastar-se. Amigos desde pequenos. Ele era o filho
da lavadeira que distraía a menina Nina. Depois a escola. Ambos
na mesma escola, na mesma classe. A grande amizade a nascer.
Fugiu para o quarto. Bateu com a porta. Em volta o aspecto lumi-
noso, sorridente, o ar feliz, o calor suave das paredes cor-de-rosa.
E lá estava sobre a mesa de estudo “... Marina e Ricardo – amigos
para sempre”. Os pedaços da fotografia voaram e estenderam-se
pelo chão. Atirou-se para cima da cama e ficou de costas a olhar
o tecto. Era ainda o mesmo candeeiro. Desenhos de Walt Dis-
ney. Os desenhos iam-se diluindo nos olhos marejados. E tudo
se cobriu de névoa. Ricardo brincava com ela. Ela corria feliz,
o vestido pelos joelhos, e os caracóis loiros brilhavam. Ricardo
tinha uns olhos grandes. E subitamente ficou a pensar no mundo
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Aula 1 • Introdução à narrativa dos países africanos de língua portuguesa
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Literaturas Africanas II
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Aula 1 • Introdução à narrativa dos países africanos de língua portuguesa
Resposta comentada
Nesta atividade, você deverá aplicar os conteúdos desta aula por meio
da formulação de um texto de caráter dissertativo-argumentativo. Dessa
forma, esperamos que você consiga desenvolver uma análise do conto
de Luandiano Vieira, percebendo a questão linguística (oralidade) e os
aspectos sociopolíticos e culturais que são apresentados no texto. Além
disso, a análise crítica de um texto literário lhe possibilitará a revisão
de conteúdos básicos de teoria literária, como o narrador, o tempo e o
espaço da narrativa. Acreditamos que esta atividade contempla os con-
teúdos discutidos na aula, além de propiciar a você uma leitura insti-
gante de uma narrativa angolana. A correção deverá ser pautada pelos
critérios de escrita (clareza, objetividade e conhecimento sobre o tema),
pela aplicação adequada dos conteúdos desta aula durante a análise e
pelo modo de abordagem das principais questões do conto (preconceito
racial, conscientização, violência colonial física e psicológica, fronteira
como metáfora da cisão colonial).
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Literaturas Africanas II
Resumo
Leituras recomendadas
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Aula 2
A presença da figura feminina na literatura
dos países de língua portuguesa
Meta
Objetivos
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Aula 2 • A presença da figura feminina na literatura dos países de língua portuguesa
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Aula 2 • A presença da figura feminina na literatura dos países de língua portuguesa
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Literaturas Africanas II
E pois que, Senhor, é certo que tanto neste cargo que levo como
em outra qualquer coisa que de Vosso serviço for, Vossa Alteza
há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me
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Aula 2 • A presença da figura feminina na literatura dos países de língua portuguesa
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Atividade 1
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Aula 2 • A presença da figura feminina na literatura dos países de língua portuguesa
Resposta comentada
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Aula 2 • A presença da figura feminina na literatura dos países de língua portuguesa
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Literaturas Africanas II
IV
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Aula 2 • A presença da figura feminina na literatura dos países de língua portuguesa
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Literaturas Africanas II
– Não há trancas.
E logo o diretor do enterro começou a chamar o Cassabalo e o
Burica que levavam as trancas, e eles, do grande mar de machilas
que afogava o enterro, surdiram segurando uma tungas forradas
de negro com espirais de galão amarelo, que passaram por baixo
do caixão, e com o Feliciano e o Baxi carregaram-no até a igreja
do Carmo.
No adro estavam outros convidados, mas já jantados, de palito
na boca e fumando.
Houve as encomendações costumadas e saiu o cadáver acompa-
nhado pelos irmãos da Ordem Terceira, a que o finado pertencia,
até ao limite sabido. Alguns dos convidados safaram-se logo pela
calçada do Carmo, outros foram ficando atrás com as machilas
de olho, e quando não lhes pareceu muito escândalo, meteram-se
nelas. As mulheres gritando e chorando lágrimas que não as es-
torvavam de retribuir as olhadelas dos que passavam, foram até
ao cemitério, ali foi o caixão descido a uma cova bem funda, com
o raque-raque das cordas de mateba, por onde escorregava. Hou-
ve trabalho para tirar o chapéu do que tratou do enterro, que caiu
na cova quando teve que acudir a um dos pretos, que não podia
segurar a corda. Enfim o homem lá ficou, e as mulheres voltavam
para ao pé da Nga Muturi, para o óbito.
* * *
O choro foi grande, mas interrompeu-se algumas vezes para co-
merem. Entretanto, às seis da tarde, ao cantar do galo e às seis da
manhã redobrava. Havia uma velha que avisava as outras para
chorarem. Havia aguardente e uma botija de genebra Focking,
marca escolhida por conselho de um rapaz amanuense da Junta,
que tratava com a tal rapariga dos apalpões do escriturário.
O vizinho, o testamenteiro, disse que sim, que se fizesse a esteira,
mas que não fizessem muita bulha, e sobretudo que não deixas-
sem entrar toda a gente – e sublinhava com a voz a palavra.
A Chica veio também, mas demorou-se pouco.
Aos oito dias houve a missa mandada dizer pelo testamenteiro,
que convidou todas as pessoas das relações de seu falecido e cho-
rado amigo, dizia o anúncio. Foi publicado no Boletim Oficial,
com uma grande tarja preta e um anjo a chorar abraçado a uma
cruz. Tudo muito bonito – contou um rapaz que tinha suas vistas
na Nga Muturi, e encarecia as pompas do óbito.
Nga Muturi estava na missa, muito grave, com os competentes
panos de zuarte azul-escuro, o seu pano preto e um gorro, se-
gundo o costume; estavam todas as amigas e muito mais gente.
Estavam também muitos brancos, amigos do testamenteiro, e
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Aula 2 • A presença da figura feminina na literatura dos países de língua portuguesa
Conclusão
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Literaturas Africanas II
Atividade final
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Aula 2 • A presença da figura feminina na literatura dos países de língua portuguesa
Resposta comentada
Resumo
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Aula 3
O segredo da morta, de António
Assis Júnior: mulher e religiosidade
na sociedade angolana
Meta
Objetivos
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Literaturas Africanas II
Introdução
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Aula 3 • O segredo da morta, de António Assis Júnior: mulher e religiosidade na sociedade angolana
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Literaturas Africanas II
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Aula 3 • O segredo da morta, de António Assis Júnior: mulher e religiosidade na sociedade angolana
A presença do colonizador
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Literaturas Africanas II
Da violência
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Aula 3 • O segredo da morta, de António Assis Júnior: mulher e religiosidade na sociedade angolana
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Literaturas Africanas II
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Aula 3 • O segredo da morta, de António Assis Júnior: mulher e religiosidade na sociedade angolana
VI
“Kapaxi”
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Literaturas Africanas II
– Sei isso muito bem – atalhou a ama –, mas é preciso que se não
tope com qualquer intrujão, que é o mais que por aí abunda...
– Oh! senhora; isso não é de esperar da velha Umba, tão experi-
mentada e dedicada como é e que também lamenta o estado em
que a senhora se encontra há já bastante tempo.
– E se, de facto, encontrasse quem me desse explicação disto, eu
gratificá-lo-ia bem.
– Então deixe isso ao meu cuidado, senhora, ou melhor, ao cui-
dado da velha Umba, a quem esta noite irei já procurar; dentro
em breve teremos a explicação deste estranho caso.
Saiu a velha Maceca a desempenhar-se da missão que se impu-
sera. Uma mulher de nome nga Samba-ria-Malunga, quimban-
da de altos merecimentos, consultada, adivinhara, por meio dos
seus manes, tratar-se de um hebu – feto cuja gestação se prolon-
ga por anos sem conto –, frequente em terras de imagens encan-
tadas ou entes sobrenaturais, que dominam o curso das águas e
habitam os altos penedos de Pungo Andongo, onde era natural.
A gravidez do hebu da D. Clara ecoou por toda a povoação com
a velocidade de um relâmpago. Era quase o assunto de todas as
conversas, e todos aconselhavam e aceitavam como precisos os
preceitos impostos pela quimbanda. O recolhimento em recinto
reservado tornara-se, pois, necessário, para honra dos deuses do
Olimpo e proveito dos doutores da Terra.
Tudo, porém, tem seu termo, como os males seus remédios. Para
este caso, o da cura do hebu, bastaria observar as regras que a
quimbanda prescrevesse e o fenómeno desapareceria, o encanto
quebrar-se-ia, deixando nascer a criança.
D. Clara ao princípio hesitou, duvidosa; mas por fim acabara por
ceder, por ver nisso o único meio de cura, conforme vozes dos cir-
cunstantes. “Era preciso observar os preceitos indicados, no caso
de querer ter saúde e ver-se livre daquele pesadelo...”
Cumpriu.
Em Pungo Andongo, longe do marido, subtraíra-se das vistas de
pessoas de certa respeitabilidade; tirara os vestidos, que substi-
tuíra por panos, e descalçara as botas. Untara a cabeça de tacula,
com traços pretos na testa e nas fontes; na cintura um peque-
no guizo e sobre a cabeça uma espécie de coroa feita de erva de
kandábia. Kandábia
As refeições tomá-las-ia sozinha, bem como qualquer bebida Certa gramínea, que
também serve para
(água) e dormida. A qualquer acto que praticasse ou resposta, alimentar gado suíno.
invocaria primeiro o nome de hebu e, assim, como um pequeno
chocalho, saxi anunciaria todos os movimentos que executasse:
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Aula 3 • O segredo da morta, de António Assis Júnior: mulher e religiosidade na sociedade angolana
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Literaturas Africanas II
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Aula 3 • O segredo da morta, de António Assis Júnior: mulher e religiosidade na sociedade angolana
– É verdade... tinhas razão... Ora, até que enfim... Quem tal diria!...
Kolê-nu! oh!
kiua! kiua! – Kolê-nu! oh! kiua! kiua! – exclamava, por seu lado, a velha
Exclamações de alegria, criada, que, louca de alegria, agasalhava a parturiente.
que traduzem: Eureka!...
Hurrah!... Aleluuia!!! – Chamar-se-á Elmira – disse o marido, tomando a criança nos
Viva!... – v. g., Ta’t etu ua braços.
lutadu, ua lungu’ é; kol
enu: oh? kiua!... kiua!... – Sim; mas eu chamá-la-ei Kapaxi.
– Nosso pai pleiteou e
venceu (demanda), gritai: – Ora adeus!... mas que lembrança...
Viva!... Hurrah!...
– Será o que quiseres, mas é assim mesmo: ió mon' ami ua
ió mon' ami ua jipaxi; Kapaxi kami ka jingongo, ka malamba...
jipaxi; Kapaxi E, dizendo isto, mentalmente agradecia, em breve e contrita ora-
kami ka jingongo, ção à N.ª S.ª da Muxima, à Mãe das aflitas, mama Maria, refúgio
ka malamba... das almas abandonadas, que mais uma vez se revelara protectora
Kapaxi corresponde a dores das mães sofredoras.
em português, ou dolores,
em espanhol, “Essa é minha Foi isto no dia 5 de agosto.
filha de sofrimentos e
dores...”. As palavras jipaxi, – Vê, senhora!... o encanto quebrou-se, não com as ninfas das
jingongo, malamba são
sinônimos e traduzem a
pedras de Pungo Andongo, mas com as do mar, mais fortes e
mesma ideia: sofrimento, virtuosas – dizia por fim a velha criada, recebendo a menina. – A
padecimentos, dores. velha Umba tinha razão... cá temos a nossa menina... Jingolêla
j'a ri tula... (ASSIS JÚNIOR, 1979, p. 75-83).
Jingolêla j'a ri
tula...
As primícias O trecho do romance de Assis Júnior vai diretamente ao ponto que
manifestaram-se...
vínhamos discutindo em nossa aula: as dicotomias entre colonizador e
colonizado, o papel da mulher na sociedade patriarcal e a religiosidade
que perpassa a obra. Por esse motivo, elencamos tal capítulo para tornar
mais clara nossa discussão.
O autor dedica o capítulo sexto ao nascimento da personagem Elmira,
ou Kapaxi, como é “batizada” pela mãe, por significar dor, simbolizando o
sofrimento e o padecimento pelos quais D. Clara passa até trazer à luz sua
filha. Assis Júnior mescla as culturas do colonizado e do colonizador em
uma única personagem, uma mãe que busca salvar o filho ainda em seu
ventre. Para isso, a portuguesa D. Clara africaniza-se. Ao consultar a quim-
banda, toma conhecimento do mal que lhe aflige: trata-se de uma gravidez
de hebu. Para conseguir desfazer esse mal, D. Clara se despe do colonialis-
mo, de seus preconceitos e vestimentas, passando a usar os africanos panos
que a kimbanda lhe indica. Submete-se a todos os rituais e ao isolamento,
sem sucesso. Cansada e frustrada pelo fracasso, retorna às suas crenças ori-
ginais, ao catolicismo português. Durante sua viagem de peregrinação pelo
rio Kuanza, o encanto que a amaldiçoara por tanto tempo se desfaz sob as
bênçãos de Nossa Senhora da Muxima. Assim nasce Elmira.
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Literaturas Africanas II
Atividade 1
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Aula 3 • O segredo da morta, de António Assis Júnior: mulher e religiosidade na sociedade angolana
Resposta comentada
Conclusão
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Literaturas Africanas II
Atividade final
XV
A nuvem
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Aula 3 • O segredo da morta, de António Assis Júnior: mulher e religiosidade na sociedade angolana
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Aula 3 • O segredo da morta, de António Assis Júnior: mulher e religiosidade na sociedade angolana
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Literaturas Africanas II
Resposta comentada
Nesta atividade, você deverá aplicar os conteúdos desta aula por meio
de um texto de caráter dissertativo argumentativo. Dessa forma, espe-
ramos que você desenvolva uma análise do capítulo XV do romance O
segredo da morta, de António de Assis Júnior, percebendo as questões
relativas à posição da personagem feminina na obra, de que forma ela,
Elmira, ultrapassa a barreira imposta pela sociedade patriarcal na qual
está inserida e como se utiliza da astúcia para tornar-se uma comercian-
te como a amiga Ximinha. Você deverá resgatar conteúdos das aulas
anteriores, desenvolvendo seu texto de forma clara e objetiva. Com esta
atividade, pretendemos proporcionar a você a leitura de um romance
(ou de fragmentos desse) de extrema importância para os estudos das
literaturas africanas de língua portuguesa, pois, como vimos, é consi-
derado um cânone literário. A correção será pautada nos critérios de
escrita (clareza, objetividade e conhecimento sobre o tema), na aplica-
ção adequada dos conteúdos desta aula durante a análise e na maneira
como você abordará as principais questões do fragmento do romance
proposto em diálogo com a teoria apresentada.
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Aula 3 • O segredo da morta, de António Assis Júnior: mulher e religiosidade na sociedade angolana
Resumo
Leituras recomendadas
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Aula 4
O século XX e a inscrição poética
feiminina no espaço literário
Meta
Objetivos
Pré-requisito
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Literaturas Africanas II
Introdução
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Aula 4 • O século XX e a inscrição poética feminina no espaço literário
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Literaturas Africanas II
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Aula 4 • O século XX e a inscrição poética feminina no espaço literário
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Literaturas Africanas II
eu vi formosa, correcta,
não sendo europeia dama
a mais sedutora preta
das regiões da Quissama.
Radiava-lhe na fronte
como em límpido horizonte
radia mimosa luz –
da virgem casta a candura
que soe dar a formosura
a graça que brota a flux!...
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Aula 4 • O século XX e a inscrição poética feminina no espaço literário
Viam-se-lhe a descoberto
– com arte bem modeladas –
(e que eu mirava de perto)
umas formas cinzeladas.
...............................................
eu possuir um harém
e n'elle ter umas cem
– como um sultão – desejei!...
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Literaturas Africanas II
– “Kuakié!... Makèzú...”
...............................................
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Aula 4 • O século XX e a inscrição poética feminina no espaço literário
[...]
Avó Ximinha é apresentada como uma quitandeira que vendia seus pro-
dutos nos antigos mercados livres e que, naquele tempo, já via sua prática
desgastada, como as cores de suas vestimentas. Ela é uma metáfora de uma
sociedade colonial transformada pelas mudanças de direção do processo co-
lonial naquelas terras. Ao longo do poema, percebemos que ninguém mais se
importa com ela nem com o produto típico que vende. Todos passam igno-
rando seu pregão como se ela já não mais fizesse parte daquele tempo novo,
até que chega um conhecido, que nos é apresentado como Filisberto e o di-
álogo dos dois nos encaminha para uma reflexão mais direta do problema:
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Literaturas Africanas II
[...]
[...]
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Aula 4 • O século XX e a inscrição poética feminina no espaço literário
Minha Mãe
(todas as mães negras
cujos filhos partiram)
tu me ensinaste a esperar
como esperaste nas horas difíceis
Mas a vida
matou em mim essa mística esperança
Eu já não espero
sou aquele por quem se espera
Hoje
somos as crianças nuas das sanzalas do mato
os garotos sem escola a jogar a bola de trapos
nos areais ao meio-dia
somos nós mesmos
os contratados a queimar vidas nos cafezais
os homens negros ignorantes
que devem respeitar o homem branco
e temer o rico
somos os teus filhos
dos bairros de pretos
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Literaturas Africanas II
Amanhã
entoaremos hinos à liberdade
quando comemorarmos
a data da abolição desta escravatura
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Aula 4 • O século XX e a inscrição poética feminina no espaço literário
Atividade 1
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Literaturas Africanas II
Resposta comentada
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Aula 4 • O século XX e a inscrição poética feminina no espaço literário
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Literaturas Africanas II
E ainda bem.
Ainda bem que nos deixaram a nós,
do mesmo sangue, mesmos nervos, carne, alma,
sofrimento,
a glória única e sentida de te cantar
com emoção verdadeira e radical,
a glória comovida de te cantar, toda amassada,
moldada, vazada nesta sílaba imensa e luminosa: MÃE
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Aula 4 • O século XX e a inscrição poética feminina no espaço literário
se inicia com uma negação: “Mas não puderam.” O Outro não pôde, não
conseguiu destruir a concepção da mulher negra africana, assim como da
terra, pois o fez partindo de suas próprias elucubrações. Enquanto a ma-
gia, o encanto, a sensualidade eram expostas para representá-las, tanto a
negra quanto a terra permaneciam intactas em sua mais simples e natural
representação. É aqui que o sujeito poético de Noémia dá um nó no olhar
do Outro e diz, para a própria negra, agora como interlocutora do sujeito
poético: “Foste tudo, negra/menos tu.” E assim o reencontro proposto pelo
sujeito poético se consolida na última estrofe, quando, para além do agra-
decimento inicial, somente a construção coletiva dos próprios africanos
será capaz de reerguer a imagem real dessa mulher negra e transmutá-la
em Mãe. Assim, retornamos à associação da mulher com a terra, só que
agora, ao invés de esvaziada, como no início do poema, vemos essa união
fecunda, capaz de gerar a força e o canto para a liberdade. Uma Mãe muito
similar a de Agostinho Neto no poema “Adeus à hora da largada” que vimos
anteriormente. A Mãe violada, que viu seus filhos morrerem e sangrarem, a
mesma Mãe por quem agora se luta.
A desconstrução do estereótipo da mulher negra prossegue na obra
da moçambicana. Ainda sobre o tema, porém de forma mais ampla e in-
direta, o poema “Se me quiseres conhecer” instiga a reflexão do leitor e
promove, novamente, a associação direta dos signos da mulher e da terra:
Se me quiseres conhecer,
Estuda com olhos de bem ver
Esse pedaço de pau preto
Que um desconhecido irmão maconde
De mãos inspiradas
Talhou e trabalhou em terras distantes lá do norte.
Se quiseres compreender-me
Vem debruçar-te sobre a minha alma de África,
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Literaturas Africanas II
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Aula 4 • O século XX e a inscrição poética feminina no espaço literário
Conclusão
Atividade final
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Literaturas Africanas II
Resposta comentada
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Aula 4 • O século XX e a inscrição poética feminina no espaço literário
Resumo
Leitura Recomendada
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Aula 5
A construção do discurso literário como
desdobramento da luta pela libertação
Meta
Objetivos
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Literaturas Africanas II
Introdução
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Aula 5 • A construção do discurso literário como desdobramento da luta pela libertação
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A Mensagem angolana
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Aula 5 • A construção do discurso literário como desdobramento da luta pela libertação
Náusea
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Aula 5 • A construção do discurso literário como desdobramento da luta pela libertação
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Aula 5 • A construção do discurso literário como desdobramento da luta pela libertação
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Literaturas Africanas II
Atividade 1
Resposta comentada
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Aula 5 • A construção do discurso literário como desdobramento da luta pela libertação
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Literaturas Africanas II
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Aula 5 • A construção do discurso literário como desdobramento da luta pela libertação
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Literaturas Africanas II
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Aula 5 • A construção do discurso literário como desdobramento da luta pela libertação
As cargas enormes
os corpos disformes.
Na praia, a febre, a sede, a morte, a ânsia
de ali descansar
Ah! As galeras! As galeras!
Espreitam o teu sono tão pesado
prostrado do torpor em que mal te arqueias.
Depois, apenas pestanejam as estrelas,
o suplício de arrastar dessas correias.
Escravo! Escravo!
110
Literaturas Africanas II
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Aula 5 • A construção do discurso literário como desdobramento da luta pela libertação
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Literaturas Africanas II
Conclusão
Atividade final
113
Aula 5 • A construção do discurso literário como desdobramento da luta pela libertação
Resposta comentada
Resumo
Nesta aula, vimos que, em meados do século XX, ainda sob forte domínio
colonial, as publicações de cunho jornalístico-cultural foram fundamen-
tais para o estabelecimento de uma rotina de publicação dos jovens auto-
res e da florescente perspectiva literária nos espaços de língua portuguesa
114
Literaturas Africanas II
Leituras recomendadas
115
Aula 6
Transfigurações da mulher e da terra nos
espaços narrativos de discussão I: o caso
de “A menina Vitória”, de Arnaldo Santos
Meta
Objetivos
Pré-requisito
Para esta aula, é necessário um estudo eficiente das cinco aulas anteriores.
118
Literaturas Africanas II
Introdução
119
Aula 6 • Transfigurações da mulher e da terra nos espaços narrativos de discussão I:
o caso de “A menina Vitória”, de Arnaldo Santos
necessidade política. É nesse ponto que se encontra esta nova aula. Com
o caráter um pouco diferente das anteriores, esta aula partirá da análise
de um conto do escritor angolano Arnaldo Santos, intitulado “A menina
Vitória”. Partindo de sua leitura, discutiremos temas como a assimilação
cultural, o preconceito, as relações de poder micro e macro espaciais, o
binômio mulher × terra, a conscientização e a luta. Entendemos que a
riqueza desse conto, no que tange às inúmeras leituras que podemos fazer,
basta para iniciarmos uma discussão mais ampla sobre a prosa africana de
língua portuguesa do pré-independência, apresentando cenários, perso-
nagens e temáticas que serão recorrentes em outros momentos do curso,
quando analisarmos outros textos e compararmos suas percepções.
120
Literaturas Africanas II
121
Aula 6 • Transfigurações da mulher e da terra nos espaços narrativos de discussão I:
o caso de “A menina Vitória”, de Arnaldo Santos
O negro e a linguagem
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Literaturas Africanas II
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Aula 6 • Transfigurações da mulher e da terra nos espaços narrativos de discussão I:
o caso de “A menina Vitória”, de Arnaldo Santos
Atividade 1
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Literaturas Africanas II
Resposta comentada
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Aula 6 • Transfigurações da mulher e da terra nos espaços narrativos de discussão I:
o caso de “A menina Vitória”, de Arnaldo Santos
A menina Vitória
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Literaturas Africanas II
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Aula 6 • Transfigurações da mulher e da terra nos espaços narrativos de discussão I:
o caso de “A menina Vitória”, de Arnaldo Santos
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Literaturas Africanas II
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Aula 6 • Transfigurações da mulher e da terra nos espaços narrativos de discussão I:
o caso de “A menina Vitória”, de Arnaldo Santos
Após a leitura do conto, fica difícil imaginar o que ainda há para dizer.
A linguagem literária que Arnaldo Santos desenvolve é, como adianta-
mos, um tanto didática, e as temáticas se põem de maneira muito objeti-
va ao longo da narrativa. Por isso, pensamos em desenvolver este comen-
tário ao conto de modo similar, muito próximo das escolhas do autor.
Pensamos, primeiro, na constituição do enredo. Gigi é um menino, filho
de nativos assimilados, que desejam que seu filho siga adiante nos estudos
para se tornar o máximo que um assimilado poderia ser naquela organi-
zação colonial: secretário público. Pelo sonho dos pais, o menino se vê em
mudança de sua antiga escola – reduto dos amigos, das brincadeiras, do
seu passado – para uma escola na “Baixa”, bairro de colonizadores. Era uma
escola para os filhos dos colonizadores. Lá, Gigi encontra os dois outros
nomes que ajudarão a construir este conto: a professora Vitória e Matoso.
Será das relações desse triângulo que Arnaldo Santos construirá a perspec-
tiva metafórica da narrativa. Vitória é a representação do colonizador, negra
assimilada que viveu na metrópole e, por isso, se sente mais portuguesa do
que angolana. Matoso é o retrato do colonizado, subjugado e relegado aos
exemplos negativos. Gigi está entre os dois. Sente que, para agradar os pais e
a professora, deve se esforçar para imitar os meninos brancos e evitar qual-
quer comparação com Matoso. Em suma, Gigi está em ponto de decidir se
vai se juntar aos humilhados e lutar ou se optará pela assimilação e conse-
quente aceitação da força simbólica do colonizador.
Santos, intencionalmente, desenvolve essa relação de maneira que as re-
flexões de Gigi, a perseguição da professora e o constante silêncio raivoso de
Matoso, que já não se importa com o que a professora pensa ou diz, apenas
tem raiva, reforcem os polos do conflito anunciado. Vemos isso nas cenas
em que Gigi, isolado, se irrita, xinga a professora, e se torna rebelde. Vemos
isso no seu esforço para agradá-la no trabalho final. Vemos que nenhum es-
forço será suficiente; ele, para ela, é “o outro”. Para que tudo isso ganhe mais
apelo dos leitores, a história se passa em uma sala de aula, com personagens
infantis, e a humilhação a Matoso e Gigi se torna mais doída, pois evidencia,
de maneira consistente, as relações de poder estabelecidas.
Arnaldo Santos ainda nos brinda com a precisão em nomear os per-
sonagens. Vitória, a professora, é a representação do colonizador, mas é
130
Literaturas Africanas II
Conclusão
Atividade final
131
Aula 6 • Transfigurações da mulher e da terra nos espaços narrativos de discussão I:
o caso de “A menina Vitória”, de Arnaldo Santos
Criar criar
criar liberdade nas estradas escravas
algemas de amor nos caminhos paganizados do amor
sons festivos sobre o balanceio dos corpos em forcas simuladas
criar
criar amor com os olhos secos.
132
Literaturas Africanas II
Resposta comentada
2. A mãe de Gigi justifica que sua ida ao novo colégio se deve à ne-
cessidade de melhorar sua pronúncia da língua portuguesa, evitando
as fonias típicas dos nativos, para que ele possa, assim, poder assumir
cargos mais elevados dentro da estrutura administrativa da colônia. Es-
peramos, portanto, que você relacione essa justificativa ao papel da lin-
guagem na dominação cultural e política do colonizado.
Resumo
133
Aula 6 • Transfigurações da mulher e da terra nos espaços narrativos de discussão I:
o caso de “A menina Vitória”, de Arnaldo Santos
Leitura recomendada
134
Aula 7
Nós matámos o Cão-Tinhoso,
de Luís Bernardo Honwana:
a narrativa curta moçambicana
a serviço da “causa” nacional
Meta
Objetivos
Pré-requisito
136
Literaturas Africanas II
Introdução
137
Aula 7 • Nós matámos o Cão-Tinhoso, de Luís Bernardo Honwana:
a narrativa curta moçambicana a serviço da “causa” nacional
138
Literaturas Africanas II
naquilo; sabia os trabalhos dos que nem corpo haviam para a sexualida-
de do senhor Costa.” (DIAS, 1988).
Após a publicação de Godido, há um intervalo considerável na pro-
dução de prosa em Moçambique, entrecortado por publicações espaça-
das divulgadas em jornais como Itinerário e O brado africano. No en-
tanto, é importante destacar que, assim como houve inicialmente uma
predileção pela poesia, o desenvolvimento da prosa se dá, sobretudo,
através do conto. Segundo Patrick Chabal, isso pode ser explicado pelo
fato de a maioria dos escritores atuarem também como jornalistas, mas,
principalmente, pela influência da contação oral:
139
Aula 7 • Nós matámos o Cão-Tinhoso, de Luís Bernardo Honwana:
a narrativa curta moçambicana a serviço da “causa” nacional
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Literaturas Africanas II
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Aula 7 • Nós matámos o Cão-Tinhoso, de Luís Bernardo Honwana:
a narrativa curta moçambicana a serviço da “causa” nacional
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Literaturas Africanas II
sença desse outro, o colonizador. Seu corpo, antes livre, é olhado agora
como um objeto. Nessa sociedade colonial, o negro é definido a partir
do olhar daquele que o oprime. Sua identidade é colocada imediatamen-
te em xeque. É esse embate que encontramos nos contos de Honwana.
Desse modo, o compromisso com uma “causa nacional” que veremos
em Nós matámos o Cão-Tinhoso nada tem a ver com a exploração de uma
temática independentista, mas sim com a exposição do espaço colonial
moçambicano, dando destaque ao colonizado (como já fizera João Dias).
Por isso, podemos afirmar a existência de um projeto estético aliado a
um projeto ideológico. Longe de caracterizar a obra de Honwana como
uma literatura meramente panfletária, vemos em suas narrativas indícios
daquilo que Patrick Chabal chamou de “literatura da moçambicanidade”,
ou seja, “textos dos que estavam conscientes do processo de construção
de uma ῾literatura nacional᾽”. (CHABAL, 1994, p. 39).
Atividade 1
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Aula 7 • Nós matámos o Cão-Tinhoso, de Luís Bernardo Honwana:
a narrativa curta moçambicana a serviço da “causa” nacional
Resposta comentada
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Literaturas Africanas II
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Aula 7 • Nós matámos o Cão-Tinhoso, de Luís Bernardo Honwana:
a narrativa curta moçambicana a serviço da “causa” nacional
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Literaturas Africanas II
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Aula 7 • Nós matámos o Cão-Tinhoso, de Luís Bernardo Honwana:
a narrativa curta moçambicana a serviço da “causa” nacional
[...]
– Vamos, pá, atira lá que nós estamos à espera de ti; mostra que
és teso e que podes continuar com a malta!...
A mola ia cedendo aos poucos e cada vez estava mais pesada. A
tensão iria aumentar até o cão saltar e perfurar a bala. Então não
haveria mais resistência e o gatilho viria até ao fim, com o estoiro
do cartucho na câmara e o ligeiro coice da coronha. Tinha de falar
mais depressa para acabar de dizer tudo antes do estoiro, e não
podia abrir os olhos senão veria os olhos do Cão-Tinhoso e não
seria capaz de atirar.
“Não vais sofrer nada, porque o Quim meteu na Calibre 12 mais
um cartucho SG, e os outros também vão atirar ao mesmo tempo.
Não te vai doer, tu ainda estás a pensar em qualquer coisa e já
estás morto e não sentes mais nada, nem as feridas a doer por
causa da corda nem nada...”
– Pôrra, atiras ou não, preto de merda?
“Tu morres e vais para o Céu, direitinho ao Céu... Vai gozar lá no
Céu... Mas antes disse eu hei-de enterrar o teu corpo e hei-de pôr
uma cruz branca... E tu vais para o limbo... Sim, antes de ires para
o Céu, vais para o limbro, como uma criança pequena... Estás a
ouvir, Cão-Tinhoso?”
[...]
(HONWANA, 2000, p. 7-46)
148
Literaturas Africanas II
Já não sei a que propósito é que isto vinha, mas o Senhor Pro-
fessor disse um dia que as palmas das mãos dos pretos são mais
claras do que o resto do corpo porque ainda há poucos séculos os
avós deles andavam com elas apoiadas ao chão, como os bichos
do mato, sem as exporem ao sol, que lhes ia escurecendo o resto
do corpo. Lembrei-me disso quando o Senhor Padre, depois de
dizer na catequese que nós não prestávamos mesmo para nada e
que até os pretos eram melhores que nós, voltou a falar nisso de
149
Aula 7 • Nós matámos o Cão-Tinhoso, de Luís Bernardo Honwana:
a narrativa curta moçambicana a serviço da “causa” nacional
as mãos deles serem mais claras, dizendo que isso era assim por-
que eles, às escondidas, andavam sempre de mãos postas, a rezar.
Eu achei um piadão tal a essa coisa de as mãos dos pretos serem
mais claras que agora é ver-me não largar seja quem for enquan-
to não me disser por que é que eles têm as palmas das mãos as-
sim mais claras. A Dona Dores, por exemplo, disse-me que Deus
fez-lhes as mãos assim mais claras para não sujarem a comida
que fazem para os seus patrões ou qualquer outra coisa que lhes
mandem fazer e que não deve ficar senão limpa.
O Senhor Antunes da Coca-Cola, que só aparece na vila de vez em
quando, quando as coca-colas das cantinas já tenham sido todas
vendidas, disse que tudo o que me tinham contado era aldrabice.
Claro que não sei se realmente era, mas ele garantiu-me que era.
Depois de eu lhe dizer que sim, que era aldrabice, ele contou en-
tão o que sabia desta coisa das mãos dos pretos. Assim:
“Antigamente, há muitos anos, Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo,
Virgem Maria, São Pedro, muitos outros santos, todos os anjos
que nessa altura estavam no céu e algumas pessoas que tinham
morrido e ido para o céu, fizeram uma reunião e resolveram
fazer pretos. Sabes como? Pegaram em barro, enfiaram-no em
moldes usados e para cozer o barro das criaturas levaram-nas
para os fornos celestes; como tinham pressa e não houvesse lu-
gar nenhum ao pé do brasido, penduraram-nas nas chaminés.
Fumo, fumo, fumo e aí os tens escurinhos como carvões. E tu
agora queres saber por que é que as mãos deles ficaram bran-
cas? Pois então se eles tiveram de se agarrar enquanto o barro
deles cozia?!”
Depois de contar isto o Senhor Antunes e os outros Senhores que
estavam à minha volta desataram a rir, todos satisfeitos.
Nesse mesmo dia, o Senhor Frias chamou-me, depois de o Se-
nhor Antunes se ter ido embora, e disse-me que tudo o que eu
tinha estado para ali a ouvir de boca aberta era uma grandessís-
sima pêta. Coisa certa e certinha sobre isso das mãos dos pre-
tos era o que ele sabia: que Deus acabava de fazer os homens e
mandava-os tomar banho num lago do céu. Depois do banho as
pessoas estavam branquinhas. Os pretos, como foram feitos de
madrugada e a essa hora a água do lago estivesse muito fria, só
tinham molhado as palmas das mãos e as plantas dos pés, antes
de se vestirem e virem para o mundo.
Mas eu li num livro que por acaso falava nisso, que os pretos têm
as mãos assim mais claras por viverem encurvados, sempre a apa-
nhar o algodão branco da Virgínia e de mais não sei aonde. Já se
vê que Dona Estefânia não concordou quando eu lhe disse isso.
Para ela é só por as mãos deles desbotarem à força de tão lavadas.
150
Literaturas Africanas II
Bem, eu não sei o que vá pensar disso tudo, mas a verdade é que
ainda que calosas e gretadas, as mãos dum preto são mais claras
que todo o resto dele. Essa é que é essa!
A minha mãe é a única que deve ter razão sobre essa questão de
as mãos de um preto serem mais claras do que o resto do corpo.
No dia em que falámos nisso, eu e ela, estava-lhe eu ainda a con-
tar o que já sabia dessa questão e ela já estava farta de rir. O que
achei esquisito foi que ela não me dissesse logo o que pensava
disso tudo, quando eu quis saber, e só tivesse respondido depois
de se fartar de ver que eu não me cansava de insistir sobre a coi-
sa, e mesmo assim a chorar, agarrada à barriga como quem não
pode mais de tanto rir. O que ela disse foi mais sou menos isto:
“Deus fez os pretos porque tinha de os haver. Tinha de os haver,
meu filho, Ele pensou que realmente tinha de os haver… De-
pois arrependeu-se de os ter feito porque os outros homens se
riam deles e levavam-nos para as casas deles para os pôr a servir
como escravos ou pouco mais. Mas como Ele já os não pudesse
fazer ficar todos brancos porque os que já se tinham habituado
a vê-los pretos reclamariam, fez com que as palmas das mãos
deles ficassem exactamente como as palmas das mãos dos outros
homens. E sabes porque é que foi? Claro que não sabes e não
admira porque muitos e muitos não sabem. Pois olha: foi para
mostrar que o que os homens fazem, é apenas obra de homens…
Que o que os homens fazem, é feito por mãos iguais, mãos de
pessoas que se tiverem juízo sabem que antes de serem qualquer
outra coisa são homens. Deve ter sido a pensar assim que Ele fez
com que as mãos dos pretos fossem iguais às mãos dos homens
que dão graças a Deus por não serem pretos.”
Depois de dizer isso tudo, a minha mãe beijou-me as mãos.
Quando fui para o quintal, para jogar à bola, ia a pensar que
nunca tinha visto uma pessoa a chorar tanto sem que ninguém
lhe tivesse batido. (HONWANA, 2000, p. 109-114).
151
Aula 7 • Nós matámos o Cão-Tinhoso, de Luís Bernardo Honwana:
a narrativa curta moçambicana a serviço da “causa” nacional
Conclusão
Atividade final
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Literaturas Africanas II
Resposta comentada
153
Aula 7 • Nós matámos o Cão-Tinhoso, de Luís Bernardo Honwana:
a narrativa curta moçambicana a serviço da “causa” nacional
Resumo
154
Aula 8
As transformações do espaço colonial:
Luandino Vieira e os impactos da
colonização em A cidade e a infância
Metas
Objetivos
Pré-requisito
156
Literaturas Africanas II
Introdução
As fronteiras da colonização e as
transformações na cidade de Luanda
157
Aula 8 • As transformações do espaço colonial: Luandino Vieira e os impactos
da colonização em A cidade e a infância
físicas dentro da cidade sejam inexistentes. São essas fronteiras que re-
forçam a violência colonial.
Como consequência da chegada das famílias portuguesas, são inú-
meras as medidas criadas pelo governo para garantir tanto a instalação
dos novos moradores como a mínima convivência entre colonizadores
e colonizados. As principais ações tentam, por exemplo, restringir os
horários de circulação dos colonizados nos novos bairros, resumindo a
convivência à prestação de serviços.
Obviamente que todo o clima criado a partir dessa nova “convivên-
cia” gera uma resposta. A presença cada vez maior de portugueses não
aumenta somente a repressão colonial, mas também o sentimento de re-
volta por parte dos colonizados. E a literatura exerce um papel importante
nesse contexto. Se as primeiras décadas do século XX são marcadas pela
chamada literatura colonial, que atendia “aos leitores europeus ávidos de
novidades tarzanísticas” (LARANJEIRA, 1995, p. 37), a partir de finais
da década de 40, é possível identificar a organização de vários grupos, já
focados nas questões africanas e nacionais, como afirma Pires Laranjeira:
Como toda ação envolve uma reação, neste caso, não seria diferente. Se
a colonização em pleno século XX gera, inclusive, uma literatura voltada a
atender as “curiosidades” do público em Portugal, literatura esta focada no
exotismo, a reação dos grupos locais também não tarda. Nesse sentido, as
produções literárias começam a apresentar o espaço colonial tendo como
158
Literaturas Africanas II
Da violência
159
Aula 8 • As transformações do espaço colonial: Luandino Vieira e os impactos
da colonização em A cidade e a infância
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Literaturas Africanas II
Atividade 1
Atende ao objetivo 1
161
Aula 8 • As transformações do espaço colonial: Luandino Vieira e os impactos
da colonização em A cidade e a infância
2. Com base no texto de Frantz Fanon, construa uma análise crítica sobre
as fronteiras do mundo colonial, tendo como foco a visão maniqueísta
que separa o espaço do colonizador e o espaço do colonizado. Se julgar
necessário, utilize passagens do texto para compor a sua questão.
Resposta comentada
162
Literaturas Africanas II
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Aula 8 • As transformações do espaço colonial: Luandino Vieira e os impactos
da colonização em A cidade e a infância
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Literaturas Africanas II
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Aula 8 • As transformações do espaço colonial: Luandino Vieira e os impactos
da colonização em A cidade e a infância
166
Literaturas Africanas II
1
A menina das tranças loiras olhou para ele, sorriu e estendeu
a mão.
– Combinado?
– Combinado – disse ele.
Riram os dois e continuaram a andar, pisando as flores violeta
que caíam das árvores.
– Neve cor de violeta – disse ele.
– Mas tu nunca viste neve...
– Pois não, mas creio que cai assim...
– É branca, muito branca...
– Como tu!
E um sorriso triste aflorou medrosamente aos lábios dele.
– Ricardo! Também há neve cinzenta... cinzenta-escura.
– Lembra-te da nossa combinação. Não mais...
– Sim, não mais falar da tua cor. Mas quem falou primeiro
foste tu.
Ao chegarem à ponta do passeio ambos fizeram meia volta e
vieram pelo mesmo caminho. A menina tinha tranças loiras e
laços vermelhos.
– Marina, lembras-te da nossa infância? – e voltou-se subitamen-
te para ela.
Olhou-a nos olhos. A menina baixou o olhar para a biqueira dos
sapatos pretos e disse:
– Quando tu fazias carros com rodas de patins e me empurravas
à volta do bairro? Sim, lembro-me...
A pergunta que o perseguia há meses saiu finalmente.
– E tu achas que está tudo como então? Como quando brincá-
vamos à barra do lenço ou às escondidas? Quando eu era o teu
amigo Ricardo, um pretinho muito limpo e educado, no dizer de
tua mãe? Achas...
167
Aula 8 • As transformações do espaço colonial: Luandino Vieira e os impactos
da colonização em A cidade e a infância
168
Literaturas Africanas II
2
Na noite de luar, Ricardo, debaixo da mulemba, recordava. Os
giroflés e a barra do lenço. Os carros de patins. E sentiu neces-
sidade imperiosa de falar-lhe. Acostumara-se demasiado a ela.
Todos aqueles anos de camaradagem, de estudo em comum.
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Aula 8 • As transformações do espaço colonial: Luandino Vieira e os impactos
da colonização em A cidade e a infância
“Do outro lado da rua asfaltada não havia passeio”. Basta o olhar para
identificar a fronteira que divide a cidade do colonizado e a do colo-
nizador. Uma linha tênue que demarca não apenas o tipo de chão ou
170
Literaturas Africanas II
Conclusão
Atividade final
171
Aula 8 • As transformações do espaço colonial: Luandino Vieira e os impactos
da colonização em A cidade e a infância
Resposta comentada
172
Literaturas Africanas II
Resumo
173
Aula 9
Luuanda: uma nova forma de
ler o mundo colonial
Meta
Objetivos
Pré-requisitos
176
Literaturas Africanas II
Introdução
177
Aula 9 • Luuanda: uma nova forma de ler o mundo colonial
Tinha mais de dois meses a chuva não caía. Por todos os lados do
musseque, os pequenos filhos do capim de novembro estavam
vestidos de pele de poeira vermelha espalhada pelos ventos dos
jipes das patrulhas zunindo no meio de ruas e becos, de cuba-
Cubata tas arrumadas à toa. Assim, quando vavó adiantou sentir esses
Habitação feita de calores muito quentes e os ventos a não querer mais soprar como
restos de materiais de
antigamente, os vizinhos ouviram-lhe resmungar talvez nem
construção; barraco,
casebre. dois dias iam passar sem a chuva sair. Ora a manhã desse dia
178
Literaturas Africanas II
179
Aula 9 • Luuanda: uma nova forma de ler o mundo colonial
É por isso que, conforme Rita Chaves, vemos que Luandino “redire-
ciona a sua produção” a partir de Luuanda. Se compararmos esse peque-
no trecho com os estudados na aula anterior, sobre a primeira obra de
Luandino, A cidade e a infância, vemos o adensamento dessa linguagem
híbrida, que se tornaria a característica mais marcante de sua escrita.
No entanto, a obra de Luandino não entraria para a história ape-
nas pela sua linguagem inovadora. Escrita no pavilhão prisional da Pide
(Polícia Internacional e de Defesa do Estado), em Luanda, por um ho-
mem acusado de terrorismo – afinal já estava engajado nos projetos in-
dependentistas –, Luuanda ganhou, em 1964, um prêmio atribuído pela
Sociedade Portuguesa de Escritores, o que motivou a prisão das pessoas
que estavam envolvidas no concurso.
Obviamente, as temáticas tratadas nas três histórias não agradaram ao
governo português, empenhado em combater os movimentos de libertação
das colônias. Luuanda trata, sobretudo, da fome, da escassez de meios, da
sobrevivência naquela cidade marcada pela opressão colonial, temas con-
siderados subversivos para a época, considerando que a guerra pela inde-
pendência havia começado em 1961. Tudo isso está na voz do povo dos
musseques. Por isso, Luuanda é, a um só tempo, uma obra emblemática de
um projeto literário aliada a um projeto ideológico de cunho nacionalista.
180
Literaturas Africanas II
Atividade 1
Resposta comentada
181
Aula 9 • Luuanda: uma nova forma de ler o mundo colonial
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Literaturas Africanas II
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Aula 9 • Luuanda: uma nova forma de ler o mundo colonial
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Literaturas Africanas II
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Aula 9 • Luuanda: uma nova forma de ler o mundo colonial
E assim, quando miúdo Beto veio lhe chamar e falou a Cabíri es-
tava presa debaixo dum cesto na cubata de nga Bina e ele e Xico
viram a senhora mesmo dar milho, nga Zefa já sabia: a sacrista
da galinha tinha posto o ovo no quintal da vizinha. Saiu, o corpo
magro curvado, a raiva que andava guardar muito tempo a tre-
par na língua, e sô Zé da quitanda ficou na porta a espiar, via-se
bem a zanga na cara da mulher.
Passou luta de arranhar, segurar cabelos, insultos de ladrona, ca-
bra, feiticeira. Xico e Beto esquivaram num canto e só quando as
vizinhas desapartaram é que saíram. A Cabíri estava tapada pelo
cesto grande mas lhe deixava ver parecia era um preso no meio
das grades. Olhava todas as pessoas ali juntas a falar, os olhos
pequenos, redondos e quietos, o bico já fechado. Perto dela, em
cima de capim posto de propósito, um bonito ovo branco bri-
lhava parecia ainda estava quente, metia raiva em nga Zefa. A
discussão não parava mais. As vizinhas tinham separado as lu-
tadoras e, agora, no meio da roda das pessoas que Xico e Beto,
teimosos e curiosos, queriam furar, discutiam os casos.
Nga Zefa, as mãos na cintura, estendia o corpo magro, cheio de
ossos, os olhos brilhavam assanhados, para falar:
– Você pensa eu não te conheço, Bina? Pensas? Com essa cara
assim, pareces és uma sonsa, mas a gente sabe!... Ladrona é o
que você é!
A vizinha, nova e gorda, esfregava a mão larga na barriga incha-
da, a cara abria num sorriso, dizia, calma, nas outras:
– Ai, vejam só! Está-me disparatar ainda! Vieste na minha casa,
entraste no meu quintal, quiseste pelejar mesmo! Sukuama! Não
tens respeito, então, assim com a barriga, nada?!
– Não vem com essas partes, Bina! Escusas! Querias me roubar
a Cabíri e o ovo dela!
– Ih?! Te roubar a Cabíri e o ovo!? Ovo é meu!
Zefa saltou na frente, espetou-lhe o dedo na cara:
– Ovo teu, tuji! A minha galinha é que lhe pôs!
– Pois é, mas pôs-lhe no meu quintal!
Passou um murmúrio de aprovação e desaprovação das vizinhas,
toda a gente falou ao mesmo tempo, só velha Bebeca adiantou
puxar Zefa no braço, falou sua sabedoria:
– Calma então! A cabeça fala, o coração ouve! Pra quê então, se
insultar assim? Todas que estão falar no mesmo tempo, ninguém
que percebe mesmo. Fala cada qual, a gente vê quem tem a razão
dela. Somos pessoas, sukua', não somos bichos!
186
Literaturas Africanas II
[...] Nga Bina, agora com voz e olhos de meter pena, lamentava:
– Pois é, minhas amigas! Eu é que sou a sonsa! E ela que estava
ver todos os dias eu dava milho na galinha, dava massambala,
nada que ela falava, deixava só, nem obrigado... Isso não conta?
Pois é! Querias!? A galinha gorda com o meu milho e o ovo você
é que lhe comia?!...
187
Aula 9 • Luuanda: uma nova forma de ler o mundo colonial
[...]
– Então, vavó?!... Fala então, a senhora é que é nossa mais velha...
[...]
– Minhas amigas, a cobra enrolou no muringue! Se pego o mu-
ringue, cobra morde; se mato a cobra, o muringue parte!... Você,
Zefa, tem razão: galinha é sua, ovo da barriga dela é seu! Mas
Bina também tem razão dela: ovo foi posto no quintal dela, gali-
nha comia milho dela... O melhor perguntamos ainda no sô Zé...
Ele é branco!...
Sô Zé, dono da quitanda, zarolho e magro, estava chegar chama-
do pela confusão. Nessa hora, a loja ficava vazia, fregueses não
tinha, podia-lhe deixar assim sozinha.
– Sô Zé! O senhor, faz favor, ouve ainda estes casos e depois po-
nha sua opinião. Esta minha amiga...
Mas toda a gente adiantou interromper vavó. Não senhor, quem
devia pôr os casos era cada qual, assim ninguém que ia falar de-
pois a velha tinha feito batota, falando melhor um caso que ou-
tro. Sô Zé concordou. Veio mais junto das reclamantes e com seu
bonito olho azul bem na cara de Zefa, perguntou:
– Então, como é que passou?
Nga Zefa começou contar, mas, no fim, já ia esquivar o caso
de espreitar o milho que a vizinha dava todos os dias, e
vavó acrescentou:
– Fala ainda que você via-lhe todos os dias pôr milho para
a Cabíri!
– Verdade! Esqueci. Juro não fiz de propósito...
Marreco Sô Zé, paciente, as costas quase marrecas, pôs então um sorri-
Corcovado; corcunda. so e pegou Bina no braço.
– Pronto! Já sei tudo. Tu dizes que a galinha pôs no teu quintal,
que o milho que ela comeu é teu e, portanto, queres o ovo. Não é?
[...]
– Ouve lá! — falou em nga Bina, e a cara dela apagou logo-logo
o riso, ficou séria, só a mão continuava fazer festas na barriga. –
Esse milho que deste na Cabíri... é daquele que te vendi ontem?
– Isso mesmo, sô Zé! Ainda bem, o senhor sabe...
– Ah, sim!? O milho que te fiei ontem? E dizes que o ovo é teu?
Não tens vergonha?...
Pôs a mão magra no ombro de vavó e, com riso mau, a fazer
pouco, falou devagar:
188
Literaturas Africanas II
Zefa gritou-lhe quando ele entrou outra vez na loja, a rir, satis-
feito:
– Sukuama! Já viram? Não chega o que você roubaste no peso,
não é, güeta camuelo?!
Mas os casos não estavam resolvidos.
[...]
– Calem-se a boca, meninos. Estão rir de quê então? — a voz de
vavó estava quase zangada.
– Beto, venha cá! Estás rir ainda, não é? Querem-te roubar o ovo
na sua mãe e você ri, não é?
O miúdo esquivou para não lhe puxarem as orelhas ou porem
chapada, mas Xico defendeu-lhe:
– Não é, vavó! É a galinha, está falar conversa dela!
– Oh! Já sei os bichos falam com os malucos. E que é que está
dizer?... está dizer quem que é dono do ovo?...
– Cadavez, vavó!... Sô Petelu é que percebe bem, ele m'ensinou!
Vavó Bebeca sorriu; os seus olhos brilharam e, para afastar um
pouco essa zanga que estava em todas as caras, continuou pro-
vocar o mona:
– Então, está dizer é o quê? Se calhar está falar o ovo...
Aí Beto saiu do esconderijo da mandioqueira e nem deixou Xico
começar, ele é que adiantou:
– A galinha fala assim, vavó:
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Aula 9 • Luuanda: uma nova forma de ler o mundo colonial
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Literaturas Africanas II
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Aula 9 • Luuanda: uma nova forma de ler o mundo colonial
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Literaturas Africanas II
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Aula 9 • Luuanda: uma nova forma de ler o mundo colonial
194
Literaturas Africanas II
[...]
– E os vossos homens onde estão?
Foi nga Bina quem respondeu primeiro, falando o homem dela
estava na esquadra e ela queria o ovo, assim grávida estava-lhe
apetecer muito. Mas o sargento nem lhe ligou; abanava a cabeça,
depois disse entredentes:
– Na polícia, hein? Se calhar é terrorista... E a galinha?
[...] O sargento agarrou-lhe também pelas asas e encostou o bi-
cho à barriga gorda. Cuspiu e, diante da espera de toda a gente
– nga Zefa sentia o coração bater parecia ngoma, Bina rindo para
dentro –, falou:
– Como vocês não chegaram a nenhuma conclusão sobre a gali-
nha e o ovo, eu resolvo...
[...]
– [...] A galinha vai comigo, apreendida, e vocês toca a dispersar!
Vamos! Circulem, circulem para casa!
Os soldados, ajudando, começaram a girar os cassetetes brancos
em cima da cabeça. Muitas que fugiram logo, mas nga Zefa era
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Aula 9 • Luuanda: uma nova forma de ler o mundo colonial
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Literaturas Africanas II
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Aula 9 • Luuanda: uma nova forma de ler o mundo colonial
Atividade final
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Literaturas Africanas II
Resposta comentada
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Aula 9 • Luuanda: uma nova forma de ler o mundo colonial
Resumo
200
Aula 10
Pepetela e a escrita da nova nação
Meta
Objetivos
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Literaturas Africanas II
Introdução
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Aula 10 • Pepetela e a escrita da nova nação
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Aula 10 •
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Literaturas Africanas II
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Mayombe
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Literaturas Africanas II
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Yaka
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Aula 10 •
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Nota Prévia
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Literaturas Africanas II
[...] Toda a vida provoquei conversa com ela; quando miúdo era
a minha confidente, depois rareei mais, convencido que não se
abria, até que voltei a insistir com ela. Muda, sempre muda, fala
com os seus olhos de berlinde. Sinto cada vez mais que ela me
fala. Mas não entendo (p. 28).
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Aula 10 • Pepetela e a escrita da nova nação
Aula 10 •
Aula 10 •
Atividade 1
Resposta comentada
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Literaturas Africanas II
A casa (1961)
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Aula 10 •
Aula 10 •
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Literaturas Africanas II
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Aula 10 • Pepetela e a escrita da nova nação
Aula 10 •
Aula 10 •
Epílogo
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Literaturas Africanas II
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Aula 10 • Pepetela e a escrita da nova nação
Aula 10 •
Aula 10 •
Trinta anos.
Na vida duma pessoa, dá para fazer bué de filhos. Ter um curso,
uma vida estabilizada. Para um jogador de futebol, é quase o fim
da carreira. Para guerra então, é tempo demais.
Durante os últimos anos que viveu na Europa, foi muito chatea-
do com a eterna pergunta, mas quando é que acabam com essa
guerra? Também ele tinha vontade de fazer a pergunta a quem
de direito, e chegara a fazê-la, mas aí era diferente. Não admitia
é que os europeus lhe viessem com lições. Tiveram uma guerra
que até se chamou Guerra dos Trinta Anos. E uma outra dos
Cem Anos, devia ser recorde mundial. Não viessem por isso ar-
mar em professores de pacifismo só porque desde a hecatombe
de meados do século não tinham uma guerra a sério na Europa.
Aprenderam mais é a fazê-las longe de casa, quem se lixa é o
quintal do outro. [...]
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Literaturas Africanas II
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Aula 10 • Pepetela e a escrita da nova nação
Aula 10 •
Aula 10 •
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Literaturas Africanas II
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Aula 10 • Pepetela e a escrita da nova nação
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Conclusão
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Literaturas Africanas II
Atividade final
Resposta comentada
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Aula 10 • Pepetela e a escrita da nova nação
Aula 10 •
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Resumo
226
Aula 11
Manuel Rui e a escrita do
pós-independência
Meta
Objetivos
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Literaturas Africanas II
Introdução
229
Aula 11 • Manuel Rui e a escrita do pós-independência
Aula 11 •
Aula 11 •
No entanto, Manuel Rui nos traz também outra forma de olhar o pre-
sente, de olhar a sociedade angolana, através da sátira e da ironia (Quem
me dera ser onda, de 1982; Crónica de um mujimbo, de 1989).
Fonte: http://www.ciberduvidas.
com/antologia.php?subtype=Angola
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Literaturas Africanas II
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Aula 11 • Manuel Rui e a escrita do pós-independência
Aula 11 •
Aula 11 •
Manhã de 11 de novembro
(leitura primeira)
1
O mar
E tudo é novo
e chamado por novo vocativo:
Camarada!
E até o velho mar
de sal sabendo a tempo antigo
num marulhar tão grande e colectivo
arrombando o peito de ondas contra o sol
anda a bocar à toa que é mar novo
mudou de nome
diz chamar-se povo.
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Literaturas Africanas II
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Aula 11 • Manuel Rui e a escrita do pós-independência
Aula 11 •
Aula 11 •
Atividade 1
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Literaturas Africanas II
Resposta comentada
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Aula 11 •
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Literaturas Africanas II
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Aula 11 • Manuel Rui e a escrita do pós-independência
Aula 11 •
Aula 11 •
– Então?
– É “carnaval da vitória”
Entraram na casa de banho, fecharam o chuveiro e, no meio da
alegria da vitória, Ruca quis por apoteose:
– Zeca. Vai nos andares de baixo, toca as campainhas e diz que
anda gatuno aqui no prédio. Toca na casa do Beto e diz para ele
ir tocar também e avisar os outros para tocarem nas campainhas
e para toda a gente ficar nas portas porque anda um ladrão.
[...]
[...] Quando ia no quinto andar, Zeca gritou escondido no vão
da escada:
– Agarrem o gatuno!
E em todo o prédio ecoaram gritos de outros miúdos num passa-
-palavra de agitação. As donas a sair das portas num azáfama
de bloquear a passagem ao bandido, “telefonem na polícia”, “não
deixem passar ele em baixo”, “furem-no com um tiro”, “chamem
Ó-dê-pê a ó-dê-pê”, e Zeca aproveitou a confusão, subiu as escadas para
Organização de Defesa
regressar no apartamento e aí cruzou-se com a mulher do Fausti-
Popular. no de vassoura na mão a espumar “matem esse gatuno, queria-me
Caporroto assaltar disfarçado de fiscal de caporroto”!
240
Literaturas Africanas II
[...]
“Carnaval da vitória” era dos seres vivos que mais benefícios
haviam tirado com a revolução. Nascido de uma ninhada de
sete, sobrevivera na subdesenvolvida chafurda da beira-mar
da Corimba. Aí se habituara às dietas mais improvisadas, cuja
base fundamental eram as espinhas de peixe. Nas confusões das
areias, cedo ele e seus irmãos se libertaram da tutela maternal.
Metiam o focinho em tudo. [...] Ninhada ficou precoce porque
a mãe, no lhes ensinar travessias do asfalto da Corimba, fez um
acidente de trânsito com um batedor cê-pê-pê-à motorizado. Cê-pê-pê-à
Do Corpo de Polícia
Morreu ela e o polícia. [...]
Popular de Angola.
Após a vida se tornou diferente. Porco raro. Agora não chafurda-
va nos areais vadios. Comia de um hotel de primeira, nos restos
vinham panados, saladas mistas, camarões, maioneses, lagos-
ta, bolo inglês, outras coisas sempre a variar. E ele não deixava
sobras ante o olhar investidor de Diogo, que media constante o
porco em seu crescimento.
E iniciava-se nos gostos musicais. Se roncava protestos, Diogo
mandava logo a mulher ou um dos seus filhos levantar o rádio
para abafar a denúncia da presença do porco. Mas bastava só
diminuírem um pouco o som do rádio para ele roncar.
– Estás-te a aburguesar – dizia o chefe da família Diogo. – Quem
te viu e quem te vê. É a luta de classes! – e os miúdos partiam o
coco a rir até o pai se irritar por causa do peixe frito com arroz.
[...] (RUI, 2005, p. 1-17).
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Aula 11 • Manuel Rui e a escrita do pós-independência
Aula 11 •
Aula 11 •
Redacção
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Literaturas Africanas II
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Aula 11 • Manuel Rui e a escrita do pós-independência
Aula 11 •
Aula 11 •
Conclusão
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Literaturas Africanas II
Atividade final
245
Aula 11 • Manuel Rui e a escrita do pós-independência
Aula 11 •
Aula 11 •
Resposta comentada
Resumo
246
Aula 12
Fraturas do real e o imaginário:
contos de Mia Couto
Meta
Objetivos
Pré-requisitos
248
Literaturas Africanas II
Introdução
249
Aula 12 • Fraturas do real e o imaginário: contos de Mia Couto
Aula 12 •
Aula 12 •
250
Literaturas Africanas II
que anulam a proposta anterior, como o “pólem sem insecto”. Porém, se-
rão os últimos versos os responsáveis por percebermos a dimensão social
dos questionamentos do sujeito, principalmente na relação entre os verbos
“combater/lutar” e “morrer/nascer”. Assim, o mundo em que se combate é
o espaço da negação da vida, uma espécie de percepção das mazelas sociais
e dos resquícios autoritários do processo bélico ocorrido no país, enquanto
o binômio nascer/lutar se relaciona aos anseios do homem em sua vertente
mais próxima da realidade, como quem busca transformá-la por meio de
suas ideias e de suas reflexões acerca de tal momento. Cremos que este últi-
mo dístico justifica as incompletas imagens anteriores, pois acrescenta uma
nova questão ao impossibilitado do já exposto: a metáfora de inacabado.
Será tal metáfora que norteará toda a produção contida nas páginas
de Raiz de orvalho, transformando o volume de poemas de 1983 em um
verdadeiro espaço de busca do sujeito poético por sua realidade, tendo
a escrita como caminho de reflexão desta busca. Assim, o caráter tran-
sitório dos versos deste livro adensa a discussão sobre o que seria uma
identidade moçambicana. São questionamentos como este sobre ser ou
não moçambicano que levam o sujeito poético elaborado por Mia Cou-
to a transpor para sua escrita o mesmo teor de dúvida.
É essa mesma atmosfera que encontraremos na prosa de Mia Couto,
principalmente nas narrativas curtas. A escrita literária deste moçambi-
cano promove verdadeiro encontro entre a poesia e a prosa, construin-
do um universo de grande estética linguística e imagética, porém sem
tornar trucada a leitura e a compreensão do texto. Talvez seja esse o
grande diferencial na escrita de Mia Couto: há uma complexidade cria-
tiva e estética que não interfere ou obstrui na transmissão da mensagem.
Essa “receita” transformou Mia Couto em um dos autores mais lidos e
mais estudados da África de língua portuguesa.
Agora, vejamos o conto “Nas águas do tempo”, de Mia Couto, para
discutir alguns destes pontos a partir de sua leitura.
Meu avô, nesses dias, me levava rio abaixo, enfilado em seu pe-
queno concho. Ele remava, devagaroso, somente raspando o
remo na correnteza. O barquito cabecinhava, onda cá, onda lá,
parecendo ir mais sozinho que um tronco desabandonado.
– Mas vocês vão aonde?
Era a aflição de minha mãe. O velho sorria. Os dentes, nele, eram
um artigo indefinido. Vovô era dos que se calam por saber e con-
versam mesmo sem nada falarem.
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Aula 12 • Fraturas do real e o imaginário: contos de Mia Couto
Aula 12 •
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Literaturas Africanas II
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Aula 12 • Fraturas do real e o imaginário: contos de Mia Couto
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Literaturas Africanas II
Atividade 1
Atende ao objetivo 1
Resposta comentada
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Aula 12 • Fraturas do real e o imaginário: contos de Mia Couto
Aula 12 •
Aula 12 •
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Literaturas Africanas II
ocorre com “Nas águas do tempo”, de Mia Couto: o rio é uma metáfora
condutora para a compreensão do mais jovem dos processos culturais
tradicionais de seu povo. Ao final, ele não “perde” seu avô, mas, sim,
consegue enfim enxergar e entender os panos brancos da outra margem
do lago.
Atividade 2
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Aula 12 • Fraturas do real e o imaginário: contos de Mia Couto
Aula 12 •
Aula 12 •
Resposta comentada
258
Literaturas Africanas II
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Aula 12 • Fraturas do real e o imaginário: contos de Mia Couto
Aula 12 •
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Literaturas Africanas II
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Aula 12 • Fraturas do real e o imaginário: contos de Mia Couto
Aula 12 •
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Literaturas Africanas II
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Aula 12 • Fraturas do real e o imaginário: contos de Mia Couto
Aula 12 •
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Literaturas Africanas II
Conclusão
265
Aula 12 • Fraturas do real e o imaginário: contos de Mia Couto
Aula 12 •
Aula 12 •
Atividade final
266
Literaturas Africanas II
Resposta comentada
Resumo
267
Aula 13
Moçambique em transe: uma
“terra sonâmbula”
Meta
Objetivos
Pré-requisitos
270
Literaturas Africanas II
Introdução
271
Aula 13 • Moçambique em transe: uma “terra sonâmbula”
Aula 13 •
Aula 13 •
[...]
Quando iniciaram a viagem já ele se acostumava de cantar, dan-
do vaga a distraídas brincriações. No convívio com a solidão,
porém, o canto acabou por migrar de si. Os dois caminheiros
condiziam com a estrada, murchos e desesperançados.
Muidinga e Tuahir param agora frente a um autocarro queima-
do. Discutem, discordando-se. O jovem lança o saco no chão,
acordando poeira. O velho ralha:
– Estou-lhe a dizer, miúdo: vamos instalar casa aqui mesmo.
Machimbombo – Mas aqui? Num machimbombo todo incendiado?
Ônibus. – Você não sabe nada, miúdo. O que já está queimado não volta
a arder.
Muidinga não ganha convencimento. Olha a planície, tudo pare-
ce desmaiado. Naquele território, tão despido de brilho, ter razão
é algo que já não dá vontade. Por isso ele não insiste. Roda à volta
do machimbombo. O veículo se despistara, ficara meio atraves-
sado na rodovia. A dianteira estava amassada de encontro a um
imenso embondeiro. Muidinga se encosta ao tronco da árvore e
pergunta:
– Mas na estrada não é mais perigoso, Tuahir? Não é melhor
esconder no mato?
– Nada. Aqui podemos ver os passantes. Está-me compreender?
– Você sempre sabe, Tuahir.
– Não vale a pena queixar. Culpa é sua: não é você que quer pro-
curar seus pais?
Bandos – Quero. Mas na estrada quem passa são os bandos.
Designação popular de – Os bandos se vierem, nós fingimos que estamos mortos. Faz
bandidos armados.
conta falecemos junto com o machimbombo.
Entram no autocarro. O corredor e os bancos estão ainda cober-
tos de corpos carbonizados. Muidinga se recusa a entrar. O velho
avança pelo corredor, vai espreitando os cantos da viatura.
– Estes arderam bem. Veja como todos ficaram pequenitos. Pare-
ce o fogo gosta de nos ver crianças.
Tuahir se instala no banco traseiro, onde o fogo não chegara. O
miúdo continua receoso, hesitando entrar. O velho encoraja:
– Venha, são mortos limpos pelas chamas.
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Literaturas Africanas II
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Aula 13 • Moçambique em transe: uma “terra sonâmbula”
Aula 13 •
Aula 13 •
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Literaturas Africanas II
[...]
Mais tarde, se começa a escutar um pranto, num fio quase inau-
dível. É Muidinga que chora. O velho se levanta e zanga:
– Pára de chorar!
– É que me dói uma tristeza...
– Chorando assim você vai chamar os espíritos. Ou se cala ou lhe
rebento a tristeza à porrada.
– Nós nunca mais vamos sair daqui.
– Vamos, com a certeza. Qualquer coisa vai acontecer qualquer
dia. E essa guerra vai acabar. A estrada já vai-se encher de gente,
camiões. Como no tempo de antigamente.
Mais sereno, o velho passa um braço sobre os ombros trementes
do rapaz e lhe pergunta:
– Tens medo da noite?
Muidinga acena afirmativamente.
– Então vai acender uma fogueira lá fora.
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Aula 13 • Moçambique em transe: uma “terra sonâmbula”
Aula 13 •
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Literaturas Africanas II
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Aula 13 • Moçambique em transe: uma “terra sonâmbula”
Aula 13 •
Aula 13 •
Atividade 1
2. Com base na leitura dos trechos que enlaçam as histórias que com-
põem o romance, comente a evolução do envolvimento dos persona-
gens com os cadernos de Kindzu.
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Literaturas Africanas II
Resposta comentada
O discurso político-social
em Terra sonâmbula
279
Aula 13 • Moçambique em transe: uma “terra sonâmbula”
Aula 13 •
Aula 13 •
Serão, então, os cadernos de Kindzu que farão com que o velho Tu-
ahir gradativamente recupere a habilidade de sonhar. O espaço de inér-
cia em que a história dos dois é apresentada será invadido pela ação
constante das histórias de Kindzu e os farão compreender um pouco
a história de seu país e suas histórias pessoais. Aliados aos cadernos,
alguns encontros e aventuras dos dois companheiros de viagem/refúgio
ajudam a evidenciar o viés de destruição e instabilidade daquele peque-
no universo suspenso entre a realidade caótica e o sonho empoeirado. É
o que vemos, por exemplo, no seguinte capítulo:
Quinto capítulo
O FAZEDOR DE RIOS
Muidinga pousou os cadernos, pensageiro. A morte do velho Si-
queleto o seguia, em estado de dúvida. Não era o puro falecimen-
to do homem que lhe pesava. Não nos vamos habituando mesmo
ao nosso próprio desfecho? A gente vai chegando à morte como
um rio desencorpa no mar: uma parte está nascendo e, simultâ-
nea, a outra já se assombra no sem-fim. Contudo, no falecimento
de Siqueleto havia um espinho excrescente. Com ele todas as al-
deias morriam. Os antepassados ficavam órfãos da terra, os vivos
deixavam de ter lugar para eternizar as tradições. Não era apenas
um homem mas todo um mundo que desaparecia.
Tuahir parecia alheio a estas tristezas. Estavam ambos sentados
na sombra de uma massaleira. Um vento soprava e os frutos se
embatiam, em múltiplos batuques. Uma vez mais, a paisagem
mudara seus tons e tamanhos. O arvoredo era mais baixo em-
bora mais cheio. A humidade crescia, devia haver uma aguinha
a correr perto. Tinham saído do autocarro na madrugada desse
dia mas andaram apenas em círculos para não se afastarem mui-
to da sua moradia. O velho fez sinal para retomarem caminho.
Seguia à frente, suave como ave. Era seu jeito de calcorrear, pés
matreiros, felinamente. Dessa vez, porém, ele se dispunha com
boa qualidade, lembrando seus antigos namoros.
– Se um dia se casar-se, Muidinga, escolha mulher feiona, dessas
que os outros nunca invejam.
Nem que fizesse como Rafaelão, seu primo familiar, que esco-
lheu a moça mais bela e, depois, lhe foi pondo defeito por cima
de defeito. Um dia lhe riscava o rosto, outro lhe cortava os ca-
belos, outro ainda lhe queimava a pele. A pobre mulher era de
divulgar sustos.
– Deus, tanta maldade!
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Literaturas Africanas II
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Aula 13 • Moçambique em transe: uma “terra sonâmbula”
Aula 13 •
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Aula 13 •
Conclusão
Atividade final
Nono capítulo
MIRAGENS DA SOLIDÃO
Olhando as alturas, Muidinga repara nas várias raças das nuvens.
Brancas, mulatas, negras. E a variedade dos sexos também nelas
se encontrava. A nuvem feminina, suave: a nua-vem, nua-vai. A
nuvem-macho, arrulhando com peito de pombo, em feliz ilusão
de imortalidade.
E sorri: como se pode jogar com as mais longínquas coisas, tra-
zer as nuvens para perto como pássaros que vêm comer em nos-
sa mão. Se recorda da tristeza que o manchara na noite anterior.
Lembra as palavras que trocou com Tuahir:
– Tio, eu me sinto tão pequeno...
– É que você está só. Foi o que fez essa guerra: agora todos esta-
mos sozinhos, mortos e vivos. Agora já não há país.
286
Literaturas Africanas II
A fala de Tuahir ainda agora remexe em seu peito. Mas ele já não
parece vencido. E se levanta cheio de uma ideia. Toca nas costas
do velho e lhe diz:
– Estamos sozinhos não é tio?
Tuahir esfrega os ensonados olhos. O miúdo estaria zuca-zaru-
ca? Se estava, era loucura convicta. Porque o moço lhe pede que
se junte a ele numa estranha brincadeira.
– Tio, vamos fazer um jogo. Vamos fazer de conta que eu sou
Kindzu e o senhor é o meu pai!
– Seu pai?
– Sim, o velho Taímo.
Tuahir negou. O tal Taímo era um falecido. E com os falecidos
nunca é bom brincar. Ainda por cima era um morto desconso-
lado.
– Você não sabe o que pode fazer um morto incompleto. Não lhe
contei o que sucedeu com o pescador Nipita?
– Conte, tio. Se é uma estória me conte, nem importa se é verdade.
Tuahir lembra Nipita, um pescador que fora esfaquinhado pe-
los bandos armados. Acontecera de noite, o desgraçado voltou
de madrugada, vinha buscar as tripas. Deixei-lhes aqui, esbar-
riguei-me num nadinha, disse num derradeiro sopro. Agora es-
tando quase para morrer, não podia se presentar perante a cova
sem estar devidamente completo. Alguém ainda lhe disse: vai
que nós te levamos depois as partes que te faltam. E ele se sepul-
tou, assim, destripado. Nunca mais ninguém lhe levou os restos
de suas entranhas. O falecido pescador, agora, passava a morte a
maldiçoar os viventes.
– Está ver? Não se deve brincar com os falecidos.
O miúdo entende os cuidados do velho. Decide argumentar, esco-
lhe as ideias. Mas tio, não vamos fazer pouco. Ao contrário, se esse
morto está desconsolado nós vamos lhe dar sossego. Tuahir hesita.
O miúdo não dá tempo, insistindo sempre. É brincar no respeito,
tio. E já se vai sentando, os espantosos olhos fitando o velho.
– Certo, pai?
Pai? Tuahir sacode a cabeça. E fica cismando. Depois de um tem-
po, porém, sua voz se abre, em fresta de riso.
– Certo, Kindzu.
Muidinga, então, se deita ajeitando a cabeça no colo do velho.
Seus olhos se perdem no horizonte. O miúdo não esperava que
Tuahir aceitasse aquele jogo. Agora parece ser ele que está menos
à vontade que o velho.
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Aula 13 • Moçambique em transe: uma “terra sonâmbula”
Aula 13 •
Aula 13 •
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Literaturas Africanas II
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Aula 13 • Moçambique em transe: uma “terra sonâmbula”
Aula 13 •
Aula 13 •
Resposta comentada
Esperamos que você desenvolva um texto em moldes de pequeno artigo
que tenha como base a passagem selecionada, mas abarque toda a obra e
sua importância para as literaturas africanas de língua portuguesa.
Resumo
Leitura recomendada
290
Aula 14
Novos tempos para o país e para a
literatura: a escrita de Ondjaki
Meta
Objetivos
Pré-requisitos
292
Literaturas Africanas II
Introdução
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/
File:Ondjaki_(2012).JPG
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Aula 14 • Novos tempos para o país e para a literatura: a escrita de Ondjaki
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Literaturas Africanas II
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Aula 14 • Novos tempos para o país e para a literatura: a escrita de Ondjaki
Mas, camarada António, tu não preferes que o país seja assim li-
vre?, eu gostava de fazer essa pergunta quando entrava na cozi-
nha. Abria a geleira, tirava a garrafa de água. Antes de chegar
aos copos, já o camarada António me passava um. As mãos dele
deixavam no vidro umas dedadas de gordura, mas eu não tinha
coragem para recusar aquele gesto. Servia-me, bebia um golo,
dois, e ficava à espera da resposta dele.
O camarada António respirava primeiro. Fechava a torneira de-
pois. Limpava as mãos, mexia no fogo do fogão. Então dizia:
– Menino, no tempo do branco isto não era assim...
Depois, sorria. Eu mesmo queria entender aquele sorriso. Tinha
ouvido histórias incríveis de maus tratos, de más condições de
vida, pagamentos injustos, e tudo mais. Mas o camarada António
gostava dessa frase dele a favor dos portugueses, e sorria assim
tipo mistério.
– António, tu trabalhavas para um português?
– Sim... – sorria. – Era um senhor director, bom chefe, me tratava
bem mesmo...
– Mas isso lá no Bié?
– Não. Já aqui em Luanda mesmo; eu já tou aqui há muito tempo,
menino... inda o menino não era nascido...
Eu esperava sentado por mais palavras. O camarada António
fazia lá as actividades da cozinha, sorria, mas ficava calado. [...]
– Mas, António... Tu não achas que cada um deve mandar no seu
país? Os portugueses tavam aqui a fazer o quê?
– Ê!, menino, mas naquele tempo a cidade estava mesmo limpa...
tinha tudo, não faltava nada...
– Ó António, não vês que não tinha tudo? As pessoas não ganha-
vam um salário justo, quem fosse negro não podia ser director,
por exemplo...
– Mas tinha sempre pão na loja, menino, os machimbombos fun-
cionavam... – ele só sorrindo.
– Mas ninguém era livre, António... não vês isso?
296
Literaturas Africanas II
– Ninguém era livre como assim? Era livre sim, podia andar na
rua e tudo...
– Não é isso, António – eu levantava-me do banco. – Não eram
angolanos que mandavam no país, eram portugueses... E isso não
pode ser...
O camarada António aí ria só.
Sorria com as palavras, e vendo-me assim entusiasmado dizia
esse menino!, então abria a porta que dava para o quintal, procu-
rava com os olhos o camarada João, o motorista, e lhe dizia: esse
menino é terrível!, e o camarada João sorria sentado na sombra
da mangueira.
O camarada João era motorista do ministério. Como o meu pai
trabalhava no ministério ele ajudava nas voltas da casa. Às vezes
eu aproveitava a boleia e ia com ele para a escola. Era magro e
bebia muito, então de vez em quando aparecia de manhã muito
cedo lá em casa já bêbado, e ninguém queria andar no carro com
ele. O camarada António dizia que ele já estava habituado, mas
eu tinha receio. Um dia ele deu-me boleia para a escola, e fomos
a conversar.
– Ó João, tu gostavas quando os portugueses estavam cá?
– É o quê, menino?
– Sim, antes da independência, eles é que mandavam cá. Tu gos-
tavas desse tempo?
– As pessoas dizem que o país estava diferente... não sei...
– Claro que estava diferente, João, mas hoje também está diferente.
O camarada presidente é angolano, os angolanos é que tomam
conta do país, não são os portugueses...
– É isso, menino... – O João gostava de rir também, depois assobiava.
– Tu trabalhavas com portugueses, João?
– Sim, mas eu era muito novo... E estive no maqui também...
– O camarada António é que gosta de falar muito bem dos portu-
gueses... – provoquei.
– Camarada António é mais velho – disse o João, e eu não percebi
muito bem aquilo. (p. 13-16).
[...]
Nós ficávamos um bocado aborrecidos com as notícias da guerra,
que não eram diferentes quase nunca, só se tivesse havido alguma
batalha mais importante, ou a UNITA tivesse partido uns postes.
Aí já dava risa, porque todo mundo ia dizer na mesa que o Savim-
bi era o “Robin dos Postes”. Depois tinha sempre algum ministro
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Aula 14 • Novos tempos para o país e para a literatura: a escrita de Ondjaki
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Literaturas Africanas II
A tia Dada demorou bué para sair. Aí meu sovaco já tava mesmo
a cheirar mal, e eu que queria que ela me conhecesse assim bem
cheiroso! [...]
À medida que íamos andando para o carro, vi que ela estava à
procura de qualquer coisa na bolsa dela, depois pousou os sacos,
e perguntou-me: podes ir chamar aquele miúdo para eu tirar uma
foto dele com o macaquinho? Olhei, fiquei contente. O macaqui-
nho já estava outra vez contente, dava saltos mortais no ombro
do menino, fingia que tava a catar piolhos na cabeça dele, ou
então tava mesmo.
– Não podes, tia. Não podes tirar fotografias àquele macaco! –
disse-lhe, enquanto arrumava o saco com os chocolates no lugar
onde eu ia sentar.
– Não posso tirar uma fotografia àquele macaquinho tão inofensivo?
– Não, tia, não podes...
– E porquê?
– Não sei se vais perceber...
– Então diz lá – ela, séria.
– Não podes tirar fotografia àquele macaco..., por razões de segu-
rança de Estado, tia – eu, sério.
Mas ela percebeu logo, porque olhou para os FAPLAS lá ao lon-
ge, e guardou a máquina num instantinho. Sentou-se ao meu
lado, e não disse nada no caminho até à nossa casa, ficou só a
olhar, depois abriu a janela e parecia que estava a fazer como eu
faço de manhã, a cheirar o ar.
[...]
Logo depois do almoço, porque nós pedimos muito, fomos para
o quarto da tia Dada abrir a mala dela. Estava bem pesada e eu
pensei que ela tinha trazido muita coisa para nós, mas o peso
era por causa de tanta comida que ela tinha trazido, entre essa
comida, a minha prenda.
– Dada, o que é isso? – a minha mãe, espantada.
– São batatas... O teu filho disse que tinha saudades de batatas! –
ela, pegando nas batatas espalhadas no meio da roupa.
A sorte é que tia Dada era muito simpática e trouxe, para além
das batatas, um montão de chocolates.
Às vezes, quer dizer, muito de vez em quando, aparecia chocolate
lá em casa, mas assim três tabletes para cada um, acho que era a
primeira vez que me acontecia. Eu fiquei logo a pensar naquela
quantidade de coisas que ela tinha trazido, e eu estava mesmo a
pensar que ela devia ter pedido a diferentes pessoas, com dife-
299
Aula 14 • Novos tempos para o país e para a literatura: a escrita de Ondjaki
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Literaturas Africanas II
– [...] Olha, eles vêm num camião, todos vestidos de preto; cer-
cam a escola e ficam mesmo à espera que os alunos saiam... De-
pois vão apanhando assim mesmo as pessoas a correr... quem
for apanhado...
– Hum... Acontece o quê? – Murtala, assustado, aqueles olhos de
rato já bem acesos.
– Acontece o quêeeee... Ali sai tudo: gamam mochilas, te chinam,
violam miúdas e tudo, são bué eles, e nem a polícia vai lá, ché,
também tem medo... (ONDJAKI, 2003, p. 29-30).
301
Aula 14 • Novos tempos para o país e para a literatura: a escrita de Ondjaki
Por trazer as vozes das crianças, a narrativa consegue tratar com le-
veza a temática da violência, que ocupa um espaço muito pequeno na
obra, restrito às histórias do Caixão Vazio. Esse é um dos motivos que
colocam o romance Bom dia camaradas em um lugar privilegiado na
nova produção literária angolana, representando uma nova perspectiva,
uma nova forma de olhar para o país.
Atividade 1
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Literaturas Africanas II
Resposta comentada
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Conclusão
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Atividade final
Resposta comentada
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Literaturas Africanas II
Resumo
Nesta aula, observamos, através de duas obras de Ondjaki, Bom dia ca-
maradas e Os da minha rua, uma nova produção literária angolana, já
bastante desligada do processo de independência do país. Se, em aulas
anteriores, vimos a transição entre as décadas de 1980 e 90, da celebra-
ção à crítica, vemos, na produção de Ondjaki, uma nova escrita, uma
nova forma de olhar os eventos recentes que não são o foco central das
narrativas, mas funcionam apenas como pano de fundo. Nisso reside a
diferença entre as duas vertentes da produção literária. Embora ainda
haja temas políticos, como vimos nos trechos de Bom dia camaradas,
eles não fazem parte de um projeto ideológico. As obras de Ondjaki
mostram certo afastamento das questões políticas, uma necessida-
de de olhar à frente e, por isso, as crianças são importantes para essa
nova perspectiva.
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Aula 15
Balada de amor ao vento, de Paulina
Chiziane: corpo, mulher e escrita
Meta
Objetivos
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Literaturas Africanas II
Introdução
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Aula 15 • Balada de amor ao vento, de Paulina Chiziane: corpo, mulher e escrita
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Literaturas Africanas II
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Aula 15 • Balada de amor ao vento, de Paulina Chiziane: corpo, mulher e escrita
IV
Pode o subalterno falar? O que a elite deve fazer para estar aten-
ta à construção contínua do subalterno? A questão da “mulher”
parece ser a mais problemática nesse contexto. Evidentemente,
se você é pobre, negra e mulher, está envolvida de três manei-
ras. Se, no entanto, essa formulação é deslocada do contexto do
Primeiro Mundo para o contexto pós-colonial (que não é idên-
tico ao do Terceiro Mundo), a condição de ser “negra” ou “de
cor” perde o significado persuasivo. A estratificação necessária
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Aula 15 • Balada de amor ao vento, de Paulina Chiziane: corpo, mulher e escrita
Atividade 1
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Literaturas Africanas II
Resposta comentada
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Conclusão
Atividade final
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Resposta comentada
Resumo
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Leituras recomendadas
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Aula 16
Niketche, de Paulina Chiziane:
espaços e narrativas no feminino
Meta
Objetivos
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Introdução
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Questionação colonial e
questionação patriarcal
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A história
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Aula 16 • Niketche, de Paulina Chiziane: espaços e narrativas no feminino
Acaba por descobrir que afinal, o seu marido era também de mui-
tas outras mulheres, isto é, igualmente com casa posta e filhos.
Partindo de uma situação de extrema humilhação, Rami conse-
gue revertê-la e transformar as rivais em aliadas.
Assim, depois de delas ter levado valentes surras, ela consegue
através de diálogos, argumentos convincentes e aparentes cedên-
cias, ascender à chefia das cinco e com elas engendrar uma estra-
tégia que leva a transformar a dor e as humilhações em fonte de
inspiração para a luta e a alcançar alguns êxitos.
Primeiro, consegue transformar a suas rivais de simples amantes
em esposas em situação de poligamia. Depois, transforma uma a
uma, de um estado de dependência econômica total em relação
ao Tony, em, relativamente, autônomas pequenas empresárias
com negócios rentáveis.
Em seguida, adquirem ascendência sobre o marido comum com
desespero do Tony, acabando cada uma por escolher o caminho
que bem entendeu. Finalmente, o homem que pensava que tudo
dominava e tinha nas mãos quantas mulheres quisesse, acaba
humilhado e refugiado em casa da mãe.
São 332 páginas densas de uma leitura nem sempre fácil. A tra-
ma que aparentemente parece fácil, onde se pode aplicar um
esquema estrutural de narrativa em cruzamento, isto é, aqueles
que bem começam acabam mal e os que mal começam acabam
bem, é polvilhada de um sem número de episódios indispensá-
veis para a compreensão do universo criado pela autora, que ao
mesmo tempo sofrem de uma constante interferência da voz da
narradora/autora que procura, num discurso intimista reflectir
opinativamente sobre as diversas questões da história.
O texto
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Conclusão
Atividade final
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Literaturas Africanas II
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Aula 16 • Niketche, de Paulina Chiziane: espaços e narrativas no feminino
Resposta comentada
Nesta atividade, você deverá aplicar os conteúdos desta aula por meio de
um texto de caráter dissertativo argumentativo. Desta forma, esperamos
que desenvolva uma análise do capítulo 11 do romance trabalhado, Nike-
tche, uma história de poligamia, de Paulina Chiziane, a fim de contemplar as
questões propostas para esta aula, como a violência, a tradição e os costu-
mes presentes na sociedade moçambicana. Você deverá resgatar conteúdos
que foram aprofundados em aulas anteriores para complementar a funda-
mentação de sua resposta. Com esta atividade, pretendemos oportunizar e
estimular a leitura do romance, assim como expandir o seu conhecimento
no que concerne às literaturas africanas de língua portuguesa da atualidade.
346
Literaturas Africanas II
Resumo
Leituras recomendadas
347
Referências
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