Apostila de Clássica - Marcus Venícius e Farina
Apostila de Clássica - Marcus Venícius e Farina
Apostila de Clássica - Marcus Venícius e Farina
i
4 Movimento Multidimensional de uma partı́cula
4.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123
4.2 Teoremas do momento linear, do momento angular e da energia cinética129
4.3 Forças conservativas e energia potencial . . . . . . . . . . . . . . . . . 132
4.4 Partı́cula em campo eletromagnético . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 136
4.5 Movimento sob força central . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139
4.6 Força central inversamente proporcional ao quadrado da distância . . 144
4.7 Problema de Kepler . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 148
4.8 Seção de choque e problema de Rutherford . . . . . . . . . . . . . . . 149
7 Cordas Vibrantes
7.1 Equação de movimento para uma corda vibrante . . . . . . . . . . . . 197
7.2 Condições inicial e de contorno para a corda vibrante . . . . . . . . . . 204
7.3 Modos normais da corda vibrante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 209
7.4 Ondas na corda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 212
7.5 Oscilações transversais numa rede unidimensional . . . . . . . . . . . . 215
8 Fluidos
8.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 221
8.2 Estática dos fluidos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 224
8.3 Cinemática dos fluidos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 227
8.4 Dinâmica de um fluido ideal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 236
8.5 Momento linear, momento angular e energia . . . . . . . . . . . . . . . 237
10Mecânica Analı́tica
10.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 277
10.2 Princı́pio de D’Alembert e equações de Lagrange . . . . . . . . . . . . 278
10.3 Lagrangiano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 284
10.4 Teoremas de conservação no formalismo lagrangiano . . . . . . . . . . 288
10.5 Equações canônicas de Hamilton . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 290
10.6 Princı́pio da ação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 294
Capı́tulo 1
1.1 Introdução
d : E × E −→ lR
: (P, Q) 7−→ d(P, Q) , (1.1)
1
2 Capı́tulo 1 – Vetores no Espaço Euclidiano
reta suporte
−−→
−−→ da seta P Q
PQ Q
−→
Figura 1.1: Seta P Q com ponto de aplicação P e ponto final Q.
Sabemos que duas setas não-nulas têm a mesma direção se suas retas suportes são
paralelas. Para duas setas de mesma direção podemos definir o que significa terem o
−→ −−→
mesmo sentido ou sentidos opostos. Sejam PQ e P’Q’ duas setas não-nulas e de mesma
direção. Se tiverem a mesma reta suporte podemos determinar se os sentidos de
percurso de P para Q e de P ′ para Q′ são idênticos ou não sobre a reta; dizemos então
que as duas setas têm mesmo sentido ou sentidos opostos, respectivamente. Se as duas
setas têm retas suportes distintas podemos determinar se o segmento de reta P P ′ que
passa pelos pontos iniciais das setas intercepta ou não o segmento QQ′ que passa pelos
pontos finais; diremos que as duas setas têm mesmo sentido se os segmentos não se
interceptarem e, sentidos opostos se os segmentos se interceptarem.
−−→ −
→ −−→
Uma seta não-nula P’Q’ é dita equipolente a outra seta não-nula PQ se P’Q’ tem
−→
a mesma direção, o mesmo sentido e o mesmo comprimento que PQ. Por definição,
uma seta nula é equipolente a qualquer outra seta nula, não é equipolente a uma
−−→ −
→
seta não-nula, e vice versa. Para designar que uma seta P’Q’ é equipolente a PQ,
−−→ − → −−→ − → −−→
escrevemos P’Q’ ∼ PQ. Se P’Q’ ∼ PQ dizemos também que a seta P’Q’ é dada por um
−
→
transporte paralelo de PQ. Essa expressão quer indicar que podemos transportar
−−→
a seta P’Q’ paralelamente a si mesma, i.e., sem alterar sua direção, seu sentido e seu
−→
módulo, até que ela coincida com PQ, conforme ilustrado na figura 1.2.
Q
−−→
PQ
P Q′
−− →
P ′ Q′
P′
−→ −→ −→
Figura 1.2: Se a seta P ′ Q′ é equipolente a P Q, dizemos que P ′ Q′ é um transporte
−→
paralelo de P Q.
4 Capı́tulo 1 – Vetores no Espaço Euclidiano
−→
PQ Q
−→
Figura 1.3: Setas do conjunto a = [P Q]∼ , que denominamos deslocamento, ou
translação.
Essa função + é também chamada regra do triângulo. Cada um dos vetores adicio-
nados é chamado uma componente vetorial da soma. A adição de deslocamentos
goza das propriedades que seguem.
−
→
A1) ∀a, b ∈ E : a + b = b + a .
→
−
A2) ∀a, b, c ∈ E : (a + b) + c = a + (b + c) .
→
− →
−
A3) ∀a ∈ E , ∃ 0 ∈ E tal que a + 0 = a .
→
− →
−
A4) ∀a ∈ E , ∃ − a ∈ E tal que a + (−a) = 0 . (1.6)
a+b
−→
qualquer de a e um representativo de b com o mesmo ponto inicial, digamos PA e
−
→
PB, respectivamente. Agora consideremos o paralelogramo de lados contı́guos P A e
P B. Nesse paralelogramo, seja C o vértice oposto ao vértice P . Com a diagonal
−→
P C podemos construir a seta PC, que aponta da origem comum P para o vértice
−→
oposto. O vetor gerado por essa seta é a soma de a com b, isto é, a + b = [PC]∼ .
Essa regra para obter a soma de a com b é, por razões óbvias, conhecida como regra
do paralelogramo. Ao usar a regra do triângulo para demonstrar a propriedade
comutativa A1, deve ficar claro que essa propriedade é equivalente ao fato de que a
regra do triângulo e a do paralelogramo dão o mesmo resultado para a soma de um
par de vetores. A figura 1.5 é uma ilustração da regra do paralelogramo.
Agora, vamos definir uma operação que associa a um número real λ e a um deslo-
1.2 Conceito de vetor de deslocamento 7
a C
b
a+
P
b B
: E −→ E ,
: P 7−→ P + a . (1.10)
P′ = P + a . (1.11)
Dado que o vetor a é univocamente determinado pelo par (P, Q) podemos usar a
seguinte notação, devida a Grassmann,
a=Q−P . (1.13)
Com esta notação a adição de vetores pode ser representada de forma muito sugestiva.
Escrevendo a = B − A e b = C − B, obtemos a + b = C − A, isto é,
(B − A) + (C − B) = C − A . (1.14)
Essa equação nos fornece uma regra algébrica para somar vetores que é equivalente
à regra geométrica do triângulo. A adição dos vetores com a notação de Grassmann
está ilustrada na figura 1.6.
Agora, vamos escolher um ponto O do Espaço Euclidiano E e associar a cada ponto
−→
P de E o deslocamento de O até P . Esse deslocamento é o vetor livre [OP ]∼ que, em
1.2 Conceito de vetor de deslocamento 9
C −B
B−A
C
C −A
A
Figura 1.6: De acordo com Grassmann, vetores são diferenças entre pontos que são
somadas de acordo com a regra algébrica (B − A) + (C − B) = C − A.
que associa a cada ponto P o deslocamento a partir de O até P , isto é, o vetor-posição
de P relativo a O. Temos
−→
r = DO (P ) = [OP ]∼ = P − O . (1.16)
a − b := a + (−b) . (1.17)
conforme ilustrado na figura 1.7. É fácil verificar que a diferença entre um vetor
e outro é o vetor gerado pela seta que vai da extremidade final do último para a
extremidade final do primeiro.
Usamos a mesma nomenclatura da aritmética e chamamos a operação que dá
a diferença de subtração de vetores. Notemos que a subtração não é uma nova
operação no espaço vetorial, mas apenas um tipo especial de adição.
Um tipo especial de dilatação de um vetor não-nulo a consiste em multiplicá-lo
pelo inverso de seu módulo; o vetor resultante tem módulo igual a 1 e é representado
10 Capı́tulo 1 – Vetores no Espaço Euclidiano
−b
a
a + (−b) a−b
Figura 1.7: A diferença de vetores a − b é a soma a + (−b), que é o vetor gerado pela
seta que vai da extremidade final de b para a extremidade final de a.
por b
a, isto é,
1
b
a := a. (1.18)
|a|
Qualquer vetor de módulo igual a 1 é chamado um vetor unitário. O vetor unitário,
com a direção e sentido de um vetor não-nulo a, é chamado vetor unitário de
a. Obviamente, o unitário de a é o vetor ab definido em (1.18). Em manuscritos,
→
−
escrevemos o vetor unitário de a usando o circunflexo no lugar da seta que encima
a letra. Assim, escrevemos: ba := −
→
a /a .
Estando bem compreendidos os conceitos anteriores torna-se conveniente simpli-
ficar nomenclatura e notação ou até mesmo cometer abusos de linguagem, como
confundir um vetor com uma de suas setas representativas. Assim, nos referimos a
−→ −
→
PQ como um vetor, ao invés de uma seta que gera o vetor [PQ]∼ . Por esse motivo é
comum usar expressões como “vetor a aplicado em um ponto P , ou com origem no
ponto P ”, ao invés da expressão precisa “seta representativa do vetor a com origem
no ponto P ”. Pelo contexto devemos ser capazes de entender o real significado de
tais expressões.
P B′ a
proja b A
−−→ −−−→
P1 A1 baixada de B1 , encontraria nessa reta um ponto B1′ tal que a seta P1 B1’ seria
−→
equipolente a PB’. Por esse motivo, se substituı́ssemos em (1.19) P por P1 e B ′ por
B1′ , não seria alterado o valor de proja b. Conseqüentemente, a projeção escalar de
um vetor b ao longo do vetor a é um número que não depende do ponto de aplicação
comum escolhido para as setas representativas de a e b. De fato, a projeção escalar
depende apenas dos dois vetores envolvidos, o vetor a que dá a direção ao longo da
qual se projeta e o vetor b projetado.
Os dois vetores aplicados em P definem duas semiretas P A e P B, que definem dois
ângulos positivos no plano em que elas se encontram. Definimos ângulo entre os
vetores a e b, que denotamos por ab,c como sendo o ângulo entre as semiretas que
é menor ou igual a um raso,
c = AP
ab \ B (0 ≤ \
AP B ≤ π) . (1.20)
Também aqui a mudança do ponto de aplicação comum das setas representativas não
afetaria o valor que, pela definição, atribuı́mos ao ângulo entre os dois vetores.
Usando o conceito de ângulo entre dois vetores, a projeção escalar (1.19) pode ser
escrita como
c.
proja b = |b| cos ab (1.21)
No caso em que b = 0, definimos projeção escalar de 0, que escrevemos como
proja 0, como sendo o número zero, i.e.,
proja 0 = 0 . (1.22)
Portanto, com qualquer vetor a 6= 0 podemos construir a função
→
−
proja : E −→ lR
: b 7−→ proja b , (1.23)
que chamamos, naturalmente, função projeção escalar ao longo de a. O número
proja b é positivo, nulo ou negativo, conforme o ângulo entre a e b seja menor, igual
12 Capı́tulo 1 – Vetores no Espaço Euclidiano
Uma função que transforma um vetor de um espaço vetorial em um vetor desse mesmo
−−→
espaço vetorial é chamada operador sobre o espaço vetorial. Naturalmente, proja é
→
−
um operador sobre E . A projeção vetorial satisfaz às propriedades
−−→ −−→ −−→
proj1) proja (b + c) = proja b + proja c ,
−−→ −−→
proj2) proja (λb) = λ proja b , (1.28)
→
−
para quaisquer b, c ∈ E e qualquer λ ∈ lR. Um operador cuja imagem da soma de
qualquer par de vetores é igual à soma das imagens desses vetores, e cuja imagem do
produto de qualquer número por qualquer vetor é igual ao produto do número pelo
vetor, é chamado operador linear. Portanto, (1.28) é apenas a afirmação de que a
→
−
projeção vetorial é um operador linear. Também temos, para qualquer vetor b ∈ E ,
−−→ −−→ −−→
proja proja b = proja b, i.e.,
−−→ 2 −−→
proja = proja . (1.29)
É claro que o produto interno de dois vetores é nulo se, e somente se, algum dos
vetores é nulo ou eles são ortogonais,
a · b = 0 ⇐⇒ a = 0 ou b = 0 ou a ⊥ b . (1.32)
MI1) a · b = b · a ,
MI2) (a + b) · c = a · c + b · c ,
MI3) (λa) · b = λ(a · b) ,
MI4) a · a ≥ 0 ; além disso a · a = 0 ⇐⇒ a = 0 . (1.34)
Essa última igualdade e MI3 mostram que os parênteses são desnecessários nas res-
pectivas expressões.
As propriedades MI1, MI3 e MI4 são demonstradas diretamente da definição (1.30)
de produto interno. A propriedade MI2 é obtida da propriedade proj1 em (1.24)
por meio da relação (1.31) entre produto interno e projeção. Um espaço vetorial
real, no qual é definido um produto (1.33) com as propriedades (1.34), é chamado
espaço vetorial euclidiano (não confundir com o conjunto E, que chamamos espaço
euclidiano). Portanto, com a definição de produto interno (1.30), podemos dizer que
→
−
E é um espaço vetorial euclidiano.
É comum representar por a2 o produto escalar a · a,
a2 := a · a . (1.36)
14 Capı́tulo 1 – Vetores no Espaço Euclidiano
√
Obtemos, então, diretamente da definição (1.30) |a| = a2 , isto é,
√
|a| = a · a . (1.37)
c=√ a·b
cos ab √ (1.38)
a·a b·b
Da relação (1.31) entre produto interno e projeção, temos
proja b = â · b . (1.39)
c.
A(a, b) = |a| |b| sen ab (1.41)
Os vetores a e b não são paralelos se, e somente se, A(a, b) 6= 0. Há uma
única direção perpendicular ao plano determinado pelos vetores a e b, que também
1.3 Produtos interno e externo de vetores 15
A(a, b)
P a
sentido dextrógiro
n+ (a, b)
b
A(a, b)
P a
n− (a, b)
Essa definição foi feita para o caso em que a e b não são nulos e nem paralelos. Para
a e b nulos ou paralelos definimos a × b como sendo o vetor nulo,
a × b = 0 ⇐⇒ a = 0 ou b = 0 ou a ||b . (1.43)
É comum considerar o vetor nulo como um vetor que é paralelo a qualquer vetor.
Com isso, podemos dizer que o produto vetorial de dois vetores é nulo se, e somente
se, os vetores são paralelos.
Poderı́amos também definir o produto vetorial usando em (1.42) o unitário n− (a, b)
no lugar de n+ (a, b). A escolha de um dos unitários, n+ (a, b) ou n− (a, b), para
→
−
definir o produto vetorial é matéria de convenção e dota o espaço E com o que
chamamos uma orientação. Tal orientação é dita positiva, ou dextrógira, se for
n+ (a, b) o escolhido e negativa, ou levógira, se o for n− (a, b). Com (1.42) escolhemos
→
−
dotar E de orientação positiva.
Definimos multiplicação externa, ou vetorial, como sendo a operação
→ −
− → →
−
× : E × E −→ E
: (a, b) 7−→ a × b . (1.44)
B
b
π/2 Ra (Πa b)
B ′′ Πa b
Notemos, com atenção, que o vetor obtido Πa b não depende do ponto P tomado
como origem das setas representativas de a e b e, portanto, do plano ortogonal a a no
qual fazemos as projeções das setas representativas. Tomando outro ponto P1 e setas
−−→ −−→
representativas P1 A1 e P1 B1 para os vetores a e b, respectivamente, obterı́amos como
−−→ −−→ −−−→
projeção da seta P1 B1 no plano ortogonal à seta P1 A1 uma seta P1 B1” equipolente à
18 Capı́tulo 1 – Vetores no Espaço Euclidiano
−−→ −−−→
seta PB”. Com isso, o vetor gerado por P1 B1” seria o mesmı́ssimo vetor gerado por
−−→
PB”. Na verdade, a projeção vetorial Πa b depende apenas do vetor a que define a
jazitura em que se projeta o vetor b e do próprio vetor b. Por isso dissemos que Πa b
é uma projeção na jazitura perpendicular a a, pois não importa qual plano com essa
jazitura é utilizado na obtenção de Πa b. No entanto, podemos tomar a liberdade de
nos referir a Πa b como projeção de b em um plano ortogonal a a, desde que esteja
claro que não é importante o particular plano em consideração, mas apenas a sua
jazitura.
Notemos que Πa b é um vetor no plano de a e b, perpendicular a a, e com módulo
igual ao produto do módulo de b pelo cosseno do ângulo que b faz com o plano
c de modo que
ortogonal a a. Esse ângulo é o complemento de ab,
c.
|Πa b| = |b| sen ab (1.46)
que é linear, isto é, para quaisquer vetores b e c, e qualquer número real λ,
Π1) Πa (b + c) = Πa b + Πa c .
Π2) Πa (λb) = λΠa b . (1.48)
→
−
Portanto, Πa é um operador linear sobre o espaço vetorial E . A demonstração de
Π1 consiste em mostrar que as projeções Πa b e Πa c formam um paralelogramo no
plano perpendicular a a cuja diagonal é a projeção Πa (b + c). A demonstração de
Π2 não apresenta nenhuma dificuldade.
Uma propriedade muito útil da projeção vetorial de b no plano ortogonal a a é que
essa projeção pode substituir b no produto vetorial a × b,
a × b = a × Πa b . (1.49)
b = b|| + b⊥ , (1.51)
na qual
−−→
b|| = proja b = (proja b) â e b⊥ = Πa b . (1.52)
A relação (1.51) tem um significado geométrico simples: quaquer vetor b pode ser
escrito como a soma de duas componentes vetoriais perpendiculares entre si, uma
paralela e a outra perpendicular ao vetor não-nulo a; a componente paralela é obtida
1.3 Produtos interno e externo de vetores 19
Munidos dessa última identidade, estamos prontos para obter várias propriedades
fundamentais do produto vetorial (1.44). Temos, para quaisquer vetores a, b e c e
qualquer número real λ,
ME1) a × b = −b × a ,
ME2) (a + b) × c = a × c + b × c ,
ME3) (λa) × b = λ(a × b) .
ME4) (a × b) × c + (b × c) × a + (c × a) × b = 0 . (1.58)
20 Capı́tulo 1 – Vetores no Espaço Euclidiano
a = A − P = (A − B) + (B − C) + (C − P ) = a1 e1 + a2 e2 + a3 e3 , (1.61)
e3
e2
e1 P
C
B
Figura 1.12: a = A − P = (A − B) + (B − C) + (C − P ).
λ1 e1 + λ2 e2 + λ3 e3 = 0 =⇒ λ1 = λ2 = λ3 = 0 , (1.62)
→
−
isto é, eles são linearmente independentes. Dois vetores de E são linearmente inde-
→
−
pendentes se, e somente se, não são nulos e nem colineares. Um único vetor de E é
linearmente independente se, e somente se, é não-nulo.
Se qualquer vetor de um subconjunto de um espaço vetorial pode ser escrito como
combinação linear de certos vetores, dizemos que esses vetores varrem o subconjunto.
→
−
Já havı́amos demonstrado (1.60), isto é, que qualquer vetor de E pode ser escrito como
um combinação linear dos vetores, não-nulos e não coplanares, e1 , e2 e e3 . Portanto,
→
−
podemos dizer que e1 , e2 e e3 varrem o espaço vetorial E inteiro. Um conjunto
linearmente independentes de vetores que varrem o espaço vetorial é chamado de
base do espaço vetorial. Usando essa definição, podemos afirmar que três vetores
→
− →
−
de E , não-nulos e não-coplanares, formam uma base de E . É fácil mostrar que toda
→
−
base de E têm exatamente 3 elementos. Na verdade, em qualquer espaço vetorial
todas as bases têm o mesmo número de elementos e esse número é chamado dimensão
→
−
do espaço vetorial. Temos, pois, que E tem dimensão 3 ou, com também se diz,
→
− →
−
E é tridimensional. É fácil verificar que um subconjunto de E varrido por dois
vetores linearmente independentes é um espaço vetorial de dimensão 2, também dito
→
−
bidimensional. Um subconjunto de E varrido por um vetor não-nulo é um espaço
vetorial de dimensão 1, também dito unidimensional.
→
−
Entre E e E existe a correspondência biunı́voca (1.15). Devido a ela, diz-se também
→
−
que E tem a dimensão de E , isto é, E é tridimensional.
→
− →
−
Seja B = {e1 , e2 , e3 } uma base de E e a um vetor qualquer de E . Existem números
a1 , a2 e a3 tais que a = a1 e1 + a2 e2 + a3 e3 . Usando-se o fato de que e1 , e2 e e3
são linearmente independentes, demonstra-se que não há outra trinca de números
com essa propriedade, isto é, se a = a′1 e1 + a′2 e2 + a′3 e3 , então a′1 = a1 , a′2 = a2 e
a′3 = a3 . Esses coeficientes a1 , a2 e a3 são chamados componentes escalares do
vetor a na base B. Dizemos que a1 é a componente escalar de a ao longo do vetor
e1 , a2 , ao longo de e2 e a3 , ao longo de e3 . Lembremo-nos que já havı́amos chamado
componentes vetoriais de um vetor a àqueles vetores que somados dão a. A relação
entre os dois conceitos é simples. Se a = a1 e1 + a2 e2 + a3 e3 , então a1 e1 , a2 e2 e a3 e3
são componentes vetoriais de a, enquanto a1 , a2 e a3 são as componentes escalares de
a na base B. É comum nos referirmos às componentes escalares, simplesmente, como
componentes. O processo pelo qual obtemos a expressão a1 e1 + a2 e2 + a3 e3 para o
vetor a, em termos dos vetores e1 , e2 e e3 da base, é chamado decomposição ou
expansão do vetor na base considerada.
Observemos que o módulo da componente vetorial é igual ao módulo da correspon-
dente componente escalar se, e somente se, o vetor da base correspondente é unitário.
Por exemplo, |a1 e1 | = |a1 | |e1 |, que é igual ao módulo |a1 | da componente escalar ao
longo de e1 se, e somente se, |e1 | = 1.
É fácil verificar que dois vetores são iguais se, e somente se, são iguais suas respec-
tivas componentes em uma mesma base. Assim, obtemos para a = a1 e1 + a2 e2 + a3 e3
1.4 Bases e componentes de vetores 23
e b = b1 e 1 + b2 e 2 + b3 e 3 ,
a = b ⇐⇒ a1 = b1 , a2 = b2 e a3 = b3 . (1.63)
Com igual facilidade se obtém que, em uma dada base, cada componente da soma
de dois vetores é igual à soma das respectivas componentes dos vetores, e que cada
componente do produto de um escalar por um vetor é igual ao produto do escalar pela
respectiva componente do vetor. Temos, pois, para vetores a = a1 e1 + a2 e2 + a3 e3 ,
b = b1 e1 + b2 e2 + b3 e3 , c = c1 e1 + c2 e2 + c3 e3 e um escalar λ,
c = a + b ⇐⇒ c1 = a1 + b1 , c2 = a2 + b2 e c3 = a3 + b3 (1.64)
e
c = λa ⇐⇒ c1 = λa1 , c2 = λa2 e c3 = λa3 . (1.65)
a = ai e i . (1.67)
a = b ⇐⇒ ai = bi , c = a + b ⇐⇒ ci = ai + bi e c = λa ⇐⇒ ci = λai . (1.68)
É conveniente estabelecer uma ordem nos vetores de uma base. Dada uma base B =
{e1 , e2 , e3 } podemos formar com seus vetores uma trinca ordenada que chamamos
base ordenada. Podemos, por exemplo, formar a trinca ordenada usando a própria
ordem dos ı́ndices que numeram os vetores da base; obtemos a base ordenada (e1 , e2 , e3 ).
Uma outro exemplo de base ordenada seria (e2 , e1 , e3 ). Escolhendo uma ordem para
24 Capı́tulo 1 – Vetores no Espaço Euclidiano
a3
e3
a
e2
e1
a2 = proje2 a
a1
de (1.69) pode ser feita geométricamente, com o auxı́lio da figura 1.13. No entanto,
1.4 Bases e componentes de vetores 25
3
X
a·b= ai bi , (1.73)
i=1
que dá o produto escalar de dois vetores em termos de suas componentes. Usando
esse resultado em (1.37) obtemos a expressão do módulo de um vetor em termos de
suas componentes, q
|a| = a21 + a22 + a23 . (1.74)
De (1.38) obtemos a expressão do ângulo entre dois vetores em termos de suas com-
ponentes,
c = p a1 b1 + a2 bp
cos ab
2 + a 3 b3
. (1.75)
a21 + a22 + a23 b21 + b22 + b23
P3 P3
Se a = i=1 ai ei eb= j=1 bi ei , temos
3
X
a×b= εijk ai bj ek , (1.78)
i,j,k=1
ei × ej · ek = εijk . (1.83)
1.4 Bases e componentes de vetores 27
P3 P3 P3
Conseqüentemente, se a = i=1 ai ei , b= j=1 bi ei ec= i=1 ci ei , obtemos
3
X
a×b·c= εijk ai bj ck , (1.84)
i,j,k=1
a × (b × c) = βb + γc , (1.86)
3 3
!
X X
a × (b × c) = εijk εmnk ei aj bm cn . (1.91)
i,j,m,n=1 k=1
Agora vamos obter uma expressão para o somatório em k. Para isso será P essencial ter
em mente que todos os ı́ndices estão restritos ao domı́nio {1, 2, 3}. Em 3k=1 εijk εmnk
o ı́ndice k está somado em 1, 2, 3, de modo que a soma é uma função apenas de i, j,
m e n, que denominamos S,
3
X
εijk εmnk = S(i, j; m, n) . (1.92)
k=1
−→
PB −→ S
PS
P
−→
PA A
Figura 1.14: Adição pela regra do paralelogramo de duas setas com origem comum
−→ −→ −→
no ponto P . A soma de P A com P B é a seta P S.
−→ − → −→ −
→ −
→
soma PA + PB, da seta PA com a seta PB, como sendo a seta PS, que vai do ponto
P até o vértice oposto S do paralelogramo P ASB. Esse paralelogramo é chamado
−
→ − →
paralelogramo formado pelas setas PA e PB. Diz-se então que a soma dessas
setas é a diagonal do paralelogramo formado por elas, com sentido da origem comum
para o vértice oposto. Essa regra de somar setas que emanam de um ponto P é
chamada regra do paralelogramo e define uma função
→
− →
− →
−
+ : E P × E P −→ E P
−
→ − → −
→ − →
: (PA, PB) 7−→ PA + PB (1.96)
30 Capı́tulo 1 – Vetores no Espaço Euclidiano
→
−
que chamamos adição de setas de E P .
−
→ →
− −
→
Seja um número real λ e uma seta PA de E P e definamos o produto de λ por PA,
−
→ −
→ −
→
denotado por λPA, da maneira que segue. Se λ = 0 ou PA é a seta nula PP definimos
−
→ −→ −
→
o produto λ PA como sendo a seta nula PP. Nos outros casos λ PA é uma seta com
−
→ −
→
origem em P , com a mesma direção que PA, com comprimento igual a |λ| |PA|, com
−
→
o mesmo sentido que PA se λ for positivo e sentido oposto se λ for negativo. Desse
modo, temos a função
→
− →
−
: lR × E P −→ E P
−
→ −
→
: (λ, PA) 7−→ λPA , (1.97)
→
−
que chamamos multiplicação de escalar por seta de E P .
→
−
É trivial verificar que E P munido dessas operações forma um espaço vetorial real,
dito dos vetores ligados em P , ou fixos em P . Tal espaço vetorial é denotado
também por TP (E). Em cada ponto de E existe um espaço vetorial de vetores fixos e
o conjunto [
T (E) := TP (E) (1.98)
P ∈E
subentende todas as setas do Espaço Euclidiano E. Notemos que esse conjunto de
todas as setas ligadas não é um espaço vetorial, pois não foi fornecida nenhuma regra
para adicionar setas ligadas em pontos diferentes do espaço.
→
−
É claro que existe uma estreita relação entre o espaço vetorial E dos vetores
→
−
livres e o espaço vetorial E P dos vetores ligados em P . Primeiramente, temos uma
correspondência biunı́voca entre esses espaços vetoriais. Ela é definida, por um lado,
−→ →
− −
→ →
−
fazendo corresponder a cada seta PQ em E P um único vetor livre [PQ]∼ em E . Por
→
−
outro lado, fazendo corresponder a cada vetor livre a ∈ E a única seta em VP que
tem a mesma direção, o mesmo comprimento e o mesmo sentido que a. Denotando
→
− →
−
por aP a seta em E P que corresponde ao vetor livre a em E , temos a função bijetora
→
− →
−
ℓP : E −→ E P
: a 7−→ aP (1.99)
isto é,
(a + b)P = aP + bP e (λa)P = λ aP . (1.101)
: lR × lRn −→ lRn
: (λ, a) 7−→ λa . (1.107)
sendo λa dada por (1.106). É trivial verificar que lRn , munido dessas duas operações,
forma um espaço vetorial. Nesse espaço o vetor nulo 0 é a n-upla (0, 0, ..., 0) e o vetor
oposto a (a1 , a2 , ..., an ) é (−a1 , −a2 , ..., −an ), que representamos por −(a1 , a2 , ..., an ).
Notemos que o espaço vetorial lRn é definido sem nenhum apelo a conceitos geomé-
tricos; ele é definido a partir de propriedades puramente aritméticas dos números
reais. Apesar disso, há relações importantes entre lRn e os espaços vetoriais de setas
no Espaço Euclidiano.
Seja ei (i = 1, ..., n) a n-upla cujo i-ésimo elemento é 1 e cujos demais são nulos.
Temos
É trivial demonstrar que (e1 , e2 , ..., en ) é base de lRn e que, portanto, lRn é um espaço
vetorial de dimensão n. Essa base, por suas caracterı́sticas especiais, é chamada base
canônica ou base natural de lRn . Notemos que o espaço lR1 , em essência, é o
conjunto dos números reais considerado como um espaço vetorial com base canônica
dada pelo número 1.
Dadas duas n-uplas (a1 , a2 , ..., an ) e (b1 , b2 , ..., bn ) associamos a elas o número
: lRn × lRn −→ lR
: (a, b) 7−→ a · b , (1.110)
onde o número a · b é dado por (1.109). Essa operação satisfaz às propriedades (1.34)
e, portanto, é uma multiplicação interna no espaço lRn . Há uma infinidade de re-
gras para associar números a pares de n-uplas que também satisfazem às propriedades
(1.34). Elas também são multiplicações internas em lRn , mas a multiplicação interna
dada pela regra (1.109) é a mais simples e a que usaremos em nosso estudo de ve-
tores. Como de hábito, o número (1.109) é chamado produto interno, ou produto
escalar, de a por b, e o produto escalar de um vetor de lRn por ele mesmo é chamado
quadrado do vetor, a2 = a · a.
Usando o produto interno em lRn , definimos módulo de uma n-upla como sendo o
número √
|a| = a · a , (1.111)
ou seja, q
|a| = a21 + a22 + · · · + a2n . (1.112)
Também para o módulo de vetores de lRn vale a desigualdade de Cauchy-Schwarz,
onde a trinca a × b é dada por (1.115). Essa operação satisfaz às propriedades (1.58)
e, porisso, é chamada uma multiplicação externa no espaço lR3 . Há uma infinidade
de multiplicações externas em lR3 , mas a que acabamos de definir é a que nos interessa
em nosso estudo de vetores.
→
− →
−
Dada uma base ordenada B = (e1 , e2 , e3 ) em E , a cada a ∈ E correponde uma
única trinca ordenada de reais (a1 , a2 , a3 ), formada pelas respectivas componentes de
a na base B, dadas pela decomposição a = a1 e1 + a2 e2 + a3 e3 . Temos, pois, a função
→
−
κB : E −→ lR3
: a 7−→ (a1 , a2 , a3 ) . (1.117)
Essa é uma função bijetora, pois a cada trinca (a1 , a2 , a3 ) ∈ lR3 também corrresponde
→
−
um único vetor em E , o vetor a = a1 e1 + a2 e2 + a3 e3 . Temos
κB (a) = a e a = κ−1
B (a) . (1.118)
κB (ei ) = ei (i = 1, 2, 3) . (1.120)
a=a, (1.121)
é conveniente, desde que não usemos nenhuma outra base além de B = (e1 , e2 , e3 ).
Se, em um dado problema, usarmos duas bases diferentes B = (e1 , e2 , e3 ) e B ′ =
→
−
(e1′ , e2′ , e3′ ), um mesmo vetor a de E fica, em geral, associado a duas trincas diferentes
de componentes, nas respectivas bases B e B ′ , a = a1 e1 + a2 e2 + a3 e3 = a1′ e1′ + a2′ e2′ +
a3′ e3′ . Escrevendo a = (a1 , a2 , a3 ) e a ′ = (a1′ , a2′ , a3′ ), temos
X3
e3 r x3 e3
e2
e1
x1 e1 O X2
x2 e2
X1
eixos cartesianos será dada por (OXi1 , OXi2 , OXi3 ). Como discutido anteriormente,
a ordenação da base também ordena as componentes de um vetor na base e, em
partı́cular, ordenada as coordenadas de qualquer ponto no sistema de coordenadas
empregado. Seguindo, por exemplo, a ordenação natural do ı́ndices, temos a base
B = (e1 , e2 , e3 ) e obtemos que, a cada ponto P de E, corresponde uma única trinca
de numeros reais (x1 , x2 , x3 ), constituı́da pelas coordenadas de P . Além disso, a cada
trinca (x1 , x2 , x3 ) de numeros reais corresponde um único ponto P de E, aquele com
vetor-posição r = x1 e1 + x2 e2 + x3 e3 . Portanto, dado um sistema de coordenadas em
E, fica estabelecida uma correspondência biunı́voca entre os pontos de E e as trincas
de lR3 . Ela é dada pela função bijetora
C : E −→ lR3
: P 7−→ (x1 , x2 , x3 ) . (1.127)
que associa a cada ponto do Espaço Euclidiano a sua trinca ordenada de coordenadas
relativas ao sistema de eixos OX1 X2 X3 . A trinca ordenada de coordenadas é um vetor
do espaço vetorial lR3 . Esse vetor é chamado vetor-posição do ponto P relativa
ao sistema de eixos OX1 X2 X3 . Vamos denotar esse vetor por r, de modo que
podemos escrever
C(P ) = (x1 , x2 , x3 ) = r . (1.128)
Aqui, dois comentários são oportunos. O primeiro se refere meramente a notação. Na
seção anterior convencionamos que o sı́mbolo para a trinca ce coordenadas (x1 , x2 , x3 )
de lR3 deveria ser x, mas preferimos usar r, por ser mais tradicional e comum como
sı́mbolo de vetor-posição relativo a um sistema de eixos. O segundo comentário é de
caráter conceitual e de suma importância. Consiste na distinção fundamental entre
vetor posição relativo a um ponto e vetor-posição relativo a um sistema de eixos. O
vetor-posição de um ponto P relativo a um ponto O é uma seta r do espaço vetorial
→
−
E , enquanto o vetor-posição de P relativo ao sistema de eixos OX1 X2 X3 é uma trinca
r de lR3 . Embora distintos, esses vetores estão relacionados pelo fato das componentes
de r na base B = (e1 , e2 , e3 ) do sistema de eixos serem as coordenadas que formam a
trinca r, conforme manifesto em (1.126) e (1.128). Temos
r = x1 e1 + x2 e2 + x3 e3 e r = (x1 , x2 , x3 ) . (1.129)
dois sistemas de eixos distintos, mas com a mesma origem, digamos OX1 X2 X3 , com
base B = (e1 , e2 , e3 ), e OX1′ X2′ X3′ , com base B ′ = (e1′ , e2′ , e3′ ). Nesse caso um ponto
P tem um único vetor-posição relativo à origem comum O, r = P − O, mas dois
vetores-posição distintos relativos aos dois sistemas de eixos OX1 X2 X3 e OX1′ X2′ X3′ .
Denotando-os, respectivamente, por r = (x1 , x2 , x3 ) e r ′ = (x1′ , x2′ , x3′ ), temos
r = κB (r) , r ′ = κB ′ (r) e r 6= r ′ . (1.131)
X3
x3
e3 r
e1 O e2 x2 X2
x1
X1
i.e., d(P1 , P2 )2 = |r1 − r2 |2 . O módulo quadrado, por sua vez, é dado por um produto
→
−
escalar em E , d(P1 , P2 )2 = (r1 − r2 ) · (r1 − r2 ). Uma vez que o sistema de eixos, por
hipótese, tem base ortonormal, podemos usar a primeira igualdade em (1.125) para
obter (r1 − r2 ) · (r1 − r2 ) = (r 1 − r2 ) · (r 1 − r2 ), ou seja, (r1 − r2 ) · (r1 − r2 ) = |r 1 − r2 |2 ,
onde r 1 e r 2 são os respectivos vetores-posição de P1 e P2 relativos ao sistema de
eixos OX1 X2 X3 . Portanto, d(P1 , P2 )2 = |r 1 − r 2 |2 , que é a expressão procurada da
distância em termos de coordenadas relativas a OX1 X2 X3 . Para um outro sistema
de eixos ortogonal O ′ X1′ X2′ X3′ , obtemos d(P1 , P2 )2 = |r 1′ − r 2′ |2 , onde r 1′ e r2′ são os
respectivos vetores-posição de P1 e P2 relativos ao sistema O ′ X1′ X2′ X3′ . Portanto, a
invariância da distância nos leva à seguinte condição sobre as coordenadas
|r1′ − r 2′ |2 = |r 1 − r 2 |2 . (1.136)
que é descrita dizendo que G preserva o produto escalar. Graças a essa propriedade
de G, obtemos |G(r 1 + r2 ) − [G(r 1 ) + G(r 2 )]|2 = 0 e |G(λr) − λG(r)|2 = 0. Mas a
propriedade N 1 em (1.114) nos garante que o único vetor de módulo zero em lR3 é 0;
logo, G(r 1 + r 2 ) − [G(r 1 ) + G(r 2 )] = 0 e G(λr) − λG(r) = 0. i.e.,
Em qualquer espaço vetorial V , o operador identidade idV é, por definição, aquele
que transforma qualquer vetor nele mesmo, isto é, idV : V −→ V e idV (v) = v
para qualquer vetor v de V . É trivial demonstrar que todo operador identidade é
linear e, além disso, ortogonal para qualquer definição de multiplicação interna em
V . Portanto, no caso em estudo, temos que G = idlR3 é um exemplo de operador
ortogonal em lR3 que, substituı́do em (1.138), nos leva à transformação de coordenadas
Uma vez que G é ortogonal, temos que G(0) = 0, i.e, com essa transformação de
coordenadas a trinca de coordenadas nula é transformada na trinca de coordenadas
nula. Isso ocorre se, e somente se, a mudaça de sistema de eixos mantiver a origem
no mesmo ponto. Um deslocamento de uma estrutura rı́gida, como um sistema de
eixos ortogonais, que mantem um ponto fixo, como a origem, é chamada rotação
em torno do ponto fixo. Portanto, podemos imaginar como exemplo de operador
ortogonal aquele decorrente de uma rotação do sistema de eixos em torno da origem.
Um outro exemplo de operador ortogonal é decorrente da mera troca de sentido dos
três eixos de OX1 X2 X3 ; essa operação é chamada inversão espacial. Em estudos
mais detalhados é possı́vel mostrar que todo operador ortogonal é uma sucesão de
rotações e inversões espaciais. Essas considerações devem bastar para nos dar uma
intuição sobre o significado geométrico da transformação de coordenadas (1.137).
As transformações de coordenadas do tipo (1.143) formam um grupo, chamado
grupo das translações em lR3 , e as do tipo (1.144) formam o grupo das trans-
formações ortogonais em lR3 . Também as transformações completas (1.138), com
uma transformação ortogonal seguida de um translação, formam um grupo, chamado
grupo euclidiano E(3).
Para terminar essa seção, consideremos uma nova opção de notação muito usada
em Geometria. Nela, os eixos coordenados OX1 , OX2 e OX3 são denotados, respec-
tivamente, por OX , OY e OZ, e o sistema de eixos OX1 X2 X3 , conseqüentemente,
por OX YZ. Em conformidade com essas mudanças, as coordenadas x1 , x2 e x3 são
escritas como x, y e z, respectivamente; o vetor posição relativo ao sistema de eixos
OX YZ é dado, então, por r = (x, y, z).
1.8 Funções vetoriais de variável real 41
A : I −→
: t 7−→ A(t) . (1.145)
Nas propriedades dos limites que enunciaremos a seguir está pressuposto que existem
os limites das funções envolvidas.
→
− →
−
Dadas duas funções vetoriais de variável real, A : I → E e B : I → E , temos que
: t ∈ I 7→ A(t) + B(t) é uma função vetorial de variável real e
Dada uma função real de variável real α : I → lR e uma função vetorial de variável
→
−
real A : I → E temos que : t ∈ I 7→ α(t)A(t) é uma função vetorial de variável real e
Para a função real de variável real t ∈ I 7→ A(t) · B(t) e a função vetorial de variável
real t ∈ I 7→ A(t) × B(t), temos
e
lim [A(t) × B(t)] = lim A(t) × lim B(t) . (1.151)
t→t0 t→t0 t→t0
→
−
Dizemos que A : I → E é contı́nua em t0 ∈ I se existe o limite de A(t) quando
t tende a t0 e, além disso, esse limite é igual a A(t0 ),
dA/dt : I −→
: t 7−→ dA(t)/dt . (1.154)
d dA(t) dB(t)
[A(t) + B(t)] = + , (1.155)
dt dt dt
d dα(t) dA(t)
[α(t)A(t)] = A(t) + α(t) , (1.156)
dt dt dt
d dA(t) dB(t)
[A(t) · A(t)] = · B(t) + A(t) · (1.157)
dt dt dt
e
d dA(t) dB(t)
[A(t) × A(t)] = × B(t) + A(t) × . (1.158)
dt dt dt
De (1.157) obtemos um resultado muito útil e simples: se um vetor tem módulo
constante, sua derivada é perpendicular a ele,
dA(t)
|A(t)| = constante =⇒ · A(t) = 0 . (1.159)
dt
→
−
Dada uma base B = (e1 , e2 , e3 ) de E , fica associada a cada função vetorial de
→
−
variável real A : I → E uma trinca ordenada de funções reais de variável real,
Ai : I −→ lR
: t 7−→ Ai (t) (i = 1, 2, 3) , (1.160)
A : I −→ lR3
: t 7−→ (A1 (t), A2 (t), A3 (t)) . (1.162)
→
−
Usando o isomorfismo κB de E em lR3 , definido em (1.117), podemos escrever
A(t) = κB [A(t)] e A(t) = κ−1B A(t) . (1.163)
Uma vez que as componentes do limite da função vetorial A são os limites das corre-
spondentes componentes dessa função, também temos
−1
lim A(t) = κB lim A(t) e lim A(t) = κB lim A(t) . (1.164)
t→t0 t→t0 t→t0 t→t0
Desse modo, os conceitos infinitesimais associados à uma função vetorial A têm con-
trapartidas simples para a função vetorial A e as funções componentes Ai (i = 1, 2, 3).
Assim, por exemplo, a função A é contı́nua se, e somente se, são contı́nuas suas
componentes, essa última condição, por sua vez, é equivalente à continuidade de A.
Também temos que as componentes da derivada da função vetorial são as derivadas
das respectivas componentes da função,
2.1 Protomecânica.
A Mecânica Clássica é uma ciência da natureza e, como tal, tem não somente suas
leis, mas também seus conceitos fundamentais, obtidos de dados experimentais por
meio de induções e abstrações. Nesta seção, explicitaremos conceitos e pressupostos
sobre os quais se erigem os princı́pios da Mecânica Clássica. Tomamos como pressu-
posto mais fundamental que dispomos de um número ilimitado de réguas idênticas e
relógios idênticos e que podemos medir qualquer comprimento e qualquer intervalo de
tempo. As unidades de medida comumente usadas são as do Sistema Internacional
(SI): o metro para comprimento e o segundo para tempo. Para evitar repetições,
quando nos referirmos a réguas ou relógios ficará subtendido que são réguas idênticas
e relógios idênticos, salvo mençao explı́cita em contrário.
Usando uma régua podemos determinar as dimensões de um dado sistema ou sub-
sistema fı́sico. Chamamos partı́cula um corpo cujas dimensões são desprezı́veis em
um dado problema. Geometricamente, uma partı́cula é considerada como sendo um
ponto; daı́ chamarmos uma partı́cula também ponto material ou corpo pun-
tiforme. É importante notar que a caracterização de um corpo como partı́cula
depende do problema em consideração; um mesmo corpo pode ser uma partı́cula em
um problema e não o ser em outro. Ao estudarmos o movimento da Terra em torno
do Sol, por exemplo, podemos considerar Sol e Terra como partı́culas, pois seus raios
são cerca de, respectivamente, um milésimo e um centésimo de milésimo da distância
média entre eles. Em contrapartida, para estudar o movimento diurno de rotação da
Terra em torno de seu eixo, seria absurdo considerar a Terra como uma partı́cula,
pois uma partı́cula, por definição, não dispõe de partes para rodar uma em torno da
outra.
Em Mecânica Clássica pressupomos que qualquer sistema fı́sico pode ser consid-
erado como um conjunto de partı́culas. Com isso, consideramos como um sistema de
partı́culas uma pedra, uma nuvem ou a Terra inteira. Também o sistema solar, uma
45
46 Capı́tulo 2 – Princı́pios da Mecânica Clássica
X3′
X3 X2′
O′
X1′
CORPO
RÍGIDO O
X2
X1
Figura 2.1: Dois sistemas de eixos cartesianos fixos a um corpo rı́gido, o sistema
OX1 X2 X3 e o sistema O ′ X1′ X2′ X3′ .
C : E −→ lR3
: P 7−→ (x1 , x2 , x3 ) . (2.1)
Suponhamos que os relógios fixos no corpo rı́gido estão todos sincronizados. Eles
estabelecem uma correspondência biunı́voca entre os instantes do tempo e os números
reais. Dizemos que o número real t dá o instante do tempo relativo ao corpo
rı́gido em consideração ou, simplesmente, que t é o instante do tempo relativo ao
corpo rı́gido. A diferença entre os números reais associados ao inı́cio e final de um
intervalo de tempo é chamada duração do intervalo relativa ao corpo rı́gido.
48 Capı́tulo 2 – Princı́pios da Mecânica Clássica
X3
CORPO
RÍGIDO O
X2
X1
com as leis de Kepler. Referenciais copernicanos têm sobre os terrestres uma vantagem
fundamental que será discutida posteriormente.
Por simplicidade, vamos trabalhar apenas com sistemas de eixos cartesianos ortog-
onais, dotados de bases ortonormais. No capı́tulo anterior, vimos que os cálculos
simplificam-se sobremaneira com essa escolha e, além disso, em nosso estudo de
mecânica não teremos necessidade de outros tipos de sistemas de eixos.
φ : I −→ lR3
: t 7−→ r (I ⊂ lR) , (2.4)
ou seja
r = φ(t) (t ∈ I) . (2.5)
Uma função como essa, que define um movimento da partı́cula relativamente ao refer-
encial Ref , é chamada uma função-movimento da partı́cula relativa ao referen-
cial Ref , ou simplesmente, um movimento da partı́cula relativo ao referencial
Ref . Sendo a Mecânica um estudo do movimento, é natural que seus objetos de
maior interesse sejam as funções-movimento. Podemos dizer que a Mecânica é o
estudo das funções-movimento e seu problema fundamental consiste em determinar
funções-movimento em cada circunstância dada.
Uma vez que a função-movimento (2.4) determina o vetor-posição (2.3) da partı́cula
a cada instante do intervalo I, temos que as coordenadas da partı́cula ficam determi-
nadas a cada instante desse intervalo,
Com isso, dada uma função-movimento φ, ficam automaticamente definidas três fun-
ções φ1 , φ2 e φ3 ,
por intermédio de
(φ1 (t), φ3 (t), φ3 (t)) = φ(t) (t ∈ I) . (2.8)
As funções φ1 , φ2 e φ3 são funções reais de variável real,
φi : I −→ lR
: t 7−→ xi (I ⊂ lR) (i = 1, 2, 3) . (2.9)
e obter de (2.8) que a função-movimento pode ser vista como uma trinca de funções,
φ = (φ1 , φ3 , φ3 ) . (2.11)
dr d φ(t)
v= = . (2.12)
dt dt
Naturalmente, v ∈ lR3 e é dada por
v = (v1 , v2 , v3 ) , (2.13)
um intervalo que tende a esse instante. Naturalmente, não existe velocidade média
nesse limite e, na prática experimental, tomamos a velocidade instantânea como sendo
a velocidade média em um intervalo determinado pelo menor tempo mensurável.
Vamos usar também a notação de Newton, na qual a derivada em relação ao tempo
é representada por um ponto sobre o sı́mbolo do valor da função derivada. No caso
da velocidade, temos
Vamos supor que a velocidade é bem definida em cada instante do movimento, i.e.,
que a função-movimento φ tem derivada em cada instante do intervalo de tempo I.
Nesse caso, podemos definir a função que a cada instante de I associa a velocidade
nesse instante. Denotando tal função por φ̇, temos
φ̇ : I −→ lR3
: t 7−→ v . (2.16)
ou seja
v = φ̇(t) (t ∈ I) . (2.17)
Vamos chamar φ̇ função-velocidade da partı́cula relativa ao referencial Ref .
Essa função determina três funções que dão, a cada instante, as componentes da
velocidade da partı́cula,
φ̇i : I −→ lR
: t 7−→ vi (I ⊂ lR) (i = 1, 2, 3) . (2.18)
a = (a1 , a2 , a3 ) , (2.21)
2.2 Princı́pios de cinemática 53
φ̈ : I −→ lR3
: t 7−→ a , (2.24)
ou seja
a = φ̈(t) (t ∈ I) . (2.25)
φ̈i : I −→ lR
: t 7−→ ai (I ⊂ lR) (i = 1, 2, 3) . (2.26)
d2 r d2 φ(t)
a = r̈ = = . (2.28)
dt2 dt2
r = x1 e1 + x2 e2 + x3 e3 . (2.29)
e
κ−1 −1
B (r) = κB (x1 , x2 , x3 ) = x1 e1 + x2 e2 + x3 e3 = r . (2.31)
Os dois vetores-posição da partı́cula, r e r, podem ser ilustrados pela figura 1.16 do
capı́tulo anterior, desde que consideremos a partı́cula localizada no ponto P da figura.
Nela, temos a trinca de coordenadas x1 , x2 e x3 que determina r e a seta de O a P
que determina r.
Seja um movimento da partı́cula que se processa em um intervalo de tempo I. A
cada instante t desse intervalo corresponde um único vetor-posição r relativo à origem
do referencial Ref em consideração. .
φ : I −→ E−
→
: t 7−→ r . (2.32)
i.e.,
r = φ(t) (t ∈ I) . (2.33)
Dizemos que φ é a função-movimento da partı́cula relativa à origem do ref-
erencial Ref . Expandindo r em (2.33) na base B = (e1 , e2 , e3 ) de Ref obtemos a
expressão φ(t) = x1 + e1 + x2 e2 + x3 e3 , na qual x1 , x2 e x3 são as coordenadas da
partı́cula no instante t. De acordo com (2.7) elas são dadas pelas funções φ1 , φ2 e φ3 ,
de modo que
φ(t) = φ1 (t)e1 + φ2 (t)e2 + φ3 (t)e3 . (2.34)
Desse modo, a função φ determina as funções φ1 , φ2 e φ3 que especificam o movi-
mento. A expressão (2.34) deve ser comparada à expressão (2.8), na qual φ é a
2.2 Princı́pios de cinemática 55
∆r = κ−1
B (∆r) e ∆r = κB (∆r) , (2.35)
ou, equivalentemente,
κ−1 −1
B (v) = κB (v1 , v2 , v3 ) = v1 e1 + v2 e2 + v3 e3 = v , (2.38)
onde v1 , v1 e v1 são dadas em (2.14). Desse modo, também podemos escolher trabal-
→
−
har com a trinca v de lR3 ou com a seta livre v de E . Essa última, no entanto, tem
as propriedades geométrica módulo, direção e sentido. Dizemos que o módulo |v| da
56 Capı́tulo 2 – Princı́pios da Mecânica Clássica
φ̇ : I −→ −
φ →
E
: t 7−→ v , (2.39)
i.e.,
v=φ
φ̇(t) (t ∈ I) , (2.40)
supondo que a derivada exista em todo o intervalo I. Chamamos φ φ̇ função-velocidade
da partı́cula relativa à origem O do referencial Ref . Usando a propriedade
(1.166) do isomorfismo κB , obtemos a relação entre as duas funções-velocidade, φ̇ =
κB ◦ φ φ̇ = κ−1
φ̇ ou, equivalentemente, φ B ◦ φ̇. Temos
φ
φ̇(t) = φ̇1 (t)e1 + φ̇2 (t)e2 + φ̇3 (t)e3 , (2.41)
ou, equivalentemente,
κ−1 −1
B (a) = κB (a1 , a2 , a3 ) = a1 e1 + a2 e2 + a3 e3 = a , (2.44)
φ̈ : I −→ E−
φ →
: t 7−→ a , (2.45)
i.e.,
a=φ
φ̈(t) (t ∈ I) , (2.46)
supondo que a derivada (2.42) exista em todo o intervalo I. Chamamos φ φ̈ função-
aceleração da partı́cula relativa à origem O do referencial Ref . Usando
a propriedade (1.166), obtemos a relação entre essa função e a função-velocidade
relativa a Ref , φ̈ = κB ◦ φ φ̈ = κ−1
φ̈ ou, equivalentemente, φ B ◦ φ̈. Temos
φ
φ̈(t) = φ̈1 (t)e1 + φ̈2 (t)e2 + φ̈3 (t)e3 , (2.47)
dv d2 r
a= = v̇ = 2 = r̈ (2.48)
dt dt
→
−
para E e vice-versa. Nem sempre qualificaremos explicitamente os conceitos como
relativos a um referencial ou à sua origem, deixando que a notação e o contexto
indiquem do qual se trata em cada caso.
Definimos partı́cula livre, ou isolada, como sendo uma partı́cula infinitamente
afastada de todos os outros corpos do universo. Definimos referencial inercial como
sendo um referencial relativo ao qual são constantes as velocidades de alguma trinca
de partı́culas livres não-colineares. Desse modo, quando observadas de um referencial
inercial, cada partı́cula livre da trinca é vista em repouso ou em movimento retilı́neo
uniforme; podemos, equivalentemente, dizer que é vista com aceleração nula.
Antes de seguir adiante, é muito importante notar que as definições dadas neste
capı́tulo são idealizadas, como sói acontecer em toda a Fı́sica. Na prática, temos de
considerá-las de modo aproximado. Assim, por exemplo, uma partı́cula é um corpo
que, em uma situação prática, tem dimensões aproximadamente desprezı́veis e não
exatamente desprezı́veis. Do mesmo modo consideramos como livre uma partı́cula
que esteja imensamente afastada de todos os outros corpos e não uma que esteja
infinitamente afastada, pois o afastamento infinito é uma idealização impossı́vel de
ser observada no universo. Tomemos ainda, como exemplo, o conceito de referencial
inercial. Na prática, aceitamos um referencial como inercial se dele as partı́culas de
uma trinca de partı́culas livres e não-colineares forem observadas com acelerações
que podem ser consideradas como muito pequenas. Os outros conceitos podem ser
analisados de modo análogo ao dos três exemplos deste parágrafo. Finalizemos obser-
vando que, apesar de serem usados de modo aproximado, os conceitos e as! leis que
enunciamos são apresentados idealizadamente como exatos, para simplificar a teoria
e porque não é possı́vel, a priori, formular critérios gerais de aproximação, sendo
necessário escolhê-los em cada situação concreta particular e verificar, a posteriori, o
acerto da escolha.
Aceitamos como um exemplo de partı́cula livre qualquer uma das estrelas fixas.
Desse modo, podemos escolher três estrelas não-colineares, no Cruzeiro do Sul, por
exemplo, e usá-las para determinar se um dado referencial é ou não inercial. Com isso,
encontramos, imediatamente, o referencial copernicano como exemplo de referencial
inercial.
60 Capı́tulo 2 – Princı́pios da Mecânica Clássica
tido que o movimento de qualquer sistema fı́sico pode ser determinado pelo princı́pio
do determinismo newtoniano pois, se o sistema original não for isolado, podemos in-
corporar mais partı́culas a ele, até formar um sistema isolado que o contêm. Como
os movimentos desse sistema isolado são univocamente determinados pelas condições
iniciais, o movimento do sistema original fica determinado por ser uma parte do sis-
tema isolado total. Podemos imaginar a situação extrema, na qual temos um sistema
que não é isolado e, além disso, o único sistema isolado que o contém é o universo
inteiro, ou uma parte do universo excessivamente grande para, na prática, ser sub-
metida a uma análise baseada no princı́pio do determinismo. Essa situação extrema
é remediada, pelo menos parcialmente, pelo princı́pio seguinte.
Note que a aceleração é função também do instante t em que ela é obtida a partir das
posições e velocidades. Essa dependência do tempo, que não é excluı́da pelo princı́pio
do determinismo newtoniano, será eliminada por um outro princı́pio que estudaremos
depois desta seção. Essa dependência ficará subentendida nesta seção , sempre que
dissermos que a aceleração depende das posições e velocidades.
Podemos chamar fk função aceleratriz da k-ésima partı́cula do sistema. O con-
junto das funções aceleratrizes de um sistema isolado é uma caracterı́stica que define o
→2N
− →
−
sistema. As funções aceleratrizes são da forma fk : E × I −→ E (k = 1, 2, . . . , N ).
Para sermos mais explı́citos devemos chamar as funções definidas em (2.50) funções
aceleratrizes relativas à origem do referencial em uso. Também podemos expressar o
fato de que a aceleração é determinada pelas posições e velocidades escrevendo
r̈k = f k (r 1 , r 2 , . . . , r N ; ṙ 1 , ṙ 2 , . . . , ṙ N ; t) (k = 1, 2, . . . , N ) . (2.51)
uma dada condição inicial. O movimento possı́vel com essa condição inicial satisfaz
às equações diferenciais; logo, ele é a solução das equações diferenciais. Portanto, ser
solução das equações é condição suficiente para ser movimento possı́vel. Em suma,
satisfazer às equações diferenciais (2.50) é condição necessária e suficiente para ser
um movimento possı́vel do sistema de partı́culas. Com isso, a tarefa de encontrar
os movimentos possı́veis do sistema se resume a encontrar as soluções das equações
diferenciais (2.50).
Podemos entender, intuitivamente, como (2.50) determina uma única solução a par-
tir de uma dada condição inicial. Consideremos como dada uma condição inicial para
(0) (0)
o sistema em um instante t0 , as posições das partı́culas, denotadas por r1 , r2 ,...,
(0) (0) (0) (0)
rN , e as velocidades, denotadas por v1 , v2 ,..., vN . Supondo que o movimento
do sistema se processa de maneira contı́nua, podemos dizer que, em um intervalo de
tempo δt infinitesimal, a variação da posição de cada partı́cula é uma quantidade de
primeira ordem no infintesimal δt; especificamente, a variação de posição δrk da k-
(0) (1) (1)
ésima partı́cula é dada por δrk = vk δt (k = 1, 2, ...N ). Denotando por r1 , r2 ,...,
(1)
rN as posições das partı́culas após esse primeiro intervalo de tempo δt, isto é, no
instante t1 = t0 + δt, temos:
(1) (0) (0) (1) (0) (0) (1) (0) (0)
r1 = r1 + v1 δt , r2 = r2 + v2 δt , . . . , rN = rN + vN δt . (2.52)
Naturalmente, também a função aceleratriz fj tende para uma função fji que depende
somente da i-ésima e da j-ésima partı́cula. Nessa situação, a equação diferencial (2.50)
para k = i toma a forma
r̈i = fij (ri , rj ; ṙi , ṙj ; t) (2.56)
e, para k = j, a forma r̈j = fji (ri , rj ; ṙi , ṙj ; t).
Agora, supondo que também a j-ésima partı́cula se afasta infinitamente da i-ésima,
que fica assim isolada, obtemos que o membro esquerdo da equação (2.56) tende
a zero, em virtude do princı́pio da inércia. Conseqüentemente, o membro direito
também tende a zero, e deduzimos a propriedade
Esse princı́pio afirma, portanto, que a função aceleratriz (2.50) goza da seguinte
propriedade:
N
X
fi (r1 , r2 , . . . , rN ; ṙ1 , ṙ2 , . . . , ṙN ; t) = fij (ri , rj ; ṙi , ṙj ; t) (2.59)
j=1
(j6=i)
Esse princı́pio faz uma enorme restrição às possı́veis formas que uma função aceleratriz
fi pode assumir.
ou seja, a medida mip da massa de uma partı́cula i, usando uma partı́cula p como
padrão, é a razão entra a massa da partı́cula i e a massa da partı́cula padrão. Se
escolhêssemos uma outra partı́cula padrão, digamos p′ terı́amos uma outra unidade de
massa up′ e cada partı́cula i teria uma outra medida mip′ nessa unidade. Entretanto,
a própria grandeza não deve mudar ao se mudar de unidade, ou seja, a massa mi
de qualquer partı́cula, inclusive a que tomamos como padrão, não deve mudar ao
mudarmos de unidade. Isso será verdade se e somente se mip′ mp′ = mip mp , o que
pode ser verificado usando-se as propriedades (2.62) e (2.63). Desse modo, o princı́pio
da proporcionalidade das acelerações garante a definição apropriada de massa, como
uma grandeza independente da unidade usada na sua medição.
Vemos que, em um dado referencial inercial, o princı́pio da proporcionalidade das
acelerações permite associar a cada partı́cula uma massa, grandeza positiva e con-
stante, cuja medida é bem determinada pela fixação de uma partı́cula padrão para a
unidade de massa. No SI a partı́cula padrão, comumente chamada massa padrão,
é o quilograma, um cilindro de platina iridiada conservado na Repartição Interna-
cional de Pesos e Medidas. A unidade associada a esse padrão também é chamada
quilograma, simbolizado por kg.
Usando a definição (2.66) de massa, obtemos da propriedade (2.62),
mj
mij = (2.67)
mi
Em contrapartida, dessa igualdade podemos derivar as propriedades (2.62) e (2.63),
ou seja, graças ao conceito de massa, temos uma igualdade (2.67) equivalente às duas
propriedades (2.62) e (2.63).
Usando a expressão (2.67) escrevemos (2.61) na forma
mi fij (ri , rj ; ṙi , ṙj ; t) = −mj fji (ri , rj ; ṙi , ṙj ; t) . (2.69)
Essa equação nos proporciona uma forma notavelmente simples para o princı́pio da
proporcionalidade das acelerações: em um par isolado de partı́culas, a cada instante,
o produto da massa de uma partı́cula pelo valor de sua função aceleratriz é um vetor
com o mesmo módulo, a mesma direção e o sentido contrário do mesmo produto para
a outra partı́cula. Com isso, (2.68) também nos mostra a conveniência de definir
70 Capı́tulo 2 – Princı́pios da Mecânica Clássica
um novo conceito, dado pelo produto da massa de uma partı́cula pela sua função
aceleratriz.
Definimos função-força associada à função aceleratriz de uma partı́cula como o
produto da massa da partı́cula por sua função aceleratriz. Uma vez que os valores de
uma função aceleratriz são vetores, os valores da função-força correspondente também
serão vetores, que chamamos forças. Tal como a função aceleratriz, a função-força é
uma função vetorial. O produto da massa mi da partı́cula i do sistema isolado por
sua função aceleratriz fi , é chamada função-força total da partı́cula i. Assim,
representando-a por F i , temos F i = mi fi , ou seja
Podemos ser mais especı́ficos e dizer que essa é a força total sobre a partı́cula i, no
instante t, quando o sistema está na configuração (r1 , r2 , . . . , rN ) com distribuição de
velocidades (ṙ1 , ṙ2 , . . . , ṙN ).
O conceito de força permite escrever a equação (2.50), decorrente do princı́pio do
determinismo newtoniano, na forma
ou seja,
mi r̈i = Fi . (2.73)
O conteúdo de (2.72) é o mesmo de (2.50), qual seja, ela é a lei dinâmica que afirma
que, a cada instante, a aceleração da i-ésima partı́cula do sistema isolado é univo-
camente determinada pelas posições e velocidades das partı́culas do sistema nesse
instante. Na forma (2.73) essa lei pode ser enunciada na forma abreviada: o produto
da massa pela aceleração de uma partı́cula é igual à força total sobre ela.
No par isolado de partı́culas i e j, temos a função força F ij associada à função
aceleratriz fij , F = mi fij , e a força correspondente,
é chamada força sobre a i-ésima partı́cula exercida pela j-ésima no par isolado.
De acordo com o princı́pio da superposição, temos
N
X
Fi = Fij . (2.75)
j=1
(j6=i)
sistema isolado, como sendo a soma Fi := Fij1 + Fij2 + . . . , +Fijn . Notemos que,
graças ao princı́pio da superposição, é apropriado nos referirmos a Fij como a força
sobre a i-ésima partı́cula exercida pela j-ésima, sem nos preocuparmos com a
questão dessas partı́culas estarem ou não na situação de um par isolado. Note que a
força total Fi é também chamada força resultante sobre a i-ésima partı́cula, para
expressar que ela é a soma vetorial das forças exercidas pelas demais partı́culas do
sistema isolado, conforme expresso na equação (2.75).
Quanto ao princı́pio da proporcionalidade das acelerações, em termos do conceito
de força, podemos escrever (2.68) na forma da seguinte relação entre as forças entre
duas partı́culas
Fij = −Fji , (2.76)
isto é, a força sobre uma partı́cula i, exercida por uma partı́cula j, tem mesmo módulo,
mesma direção e sentido oposto à força sobre a partı́cula j, exercida pela partı́cula i.
A equação (2.72), ou sua forma abreviada (2.73), é conhecida como Segunda Lei
de Newton. A equação (2.76) é conhecida como Terceira Lei de Newton. As forças
Fij e Fji nela envolvidas são chamadas forças de interação entre as i-ésima e a
j-ésima partı́cula, ou forças de ação e reação entre elas.
Observemos na definição (2.70) que, matematicamente a função-força F i pouco
difere da função aceleradora fi . No entanto, o conceito de força é extremamente útil,
não sómente porque permite escrever os princı́pios da dinâmica de forma simples,
como acabamos de ver, como também porque é dotado de um significado intuitivo
que facilita nossa análise do movimento dos sistema em estudo, como veremos.
A existência da função aceleratriz e, portanto, da função força, que determinam, a
cada instante, a aceleração da partı́cula em função da configuração e distribuição de
velocidades do sistema isolado, é uma lei fı́sica, derivada do princı́pio do determinismo
newtoniano.Essa lei fı́sica está contida na Segunda Lei de Newton. Nessa lei fı́sica
também estão contidas as definições de massa e força, de acordo com a teoria ante-
riormente desenvolvida. O valor da força total sobre a partı́cula é, de fato, definido
como o produto de sua massa pela sua aceleração, como aparece na equação (2.73)
da Segunda Lei de Newton. No entanto, essa lei não se resume a essa definição,
seria um absurdo atribuir a uma definição a virtude de uma lei, mas à afirmação
obtida experimentalmente, de que o produto da massa pela aceleração, o valor da
força, é uma função das posições e velocidades das partı́culas do sistema fechado. Na
verdade, o dado experimental revelado pela Natureza, é a existência da função acel-
eratriz ou, equivalentemente, da função-força; o valor dessa função, que chamamos
força, é apenas uma quantidade que é conveniente introduzir na teoria.
Note que é comum usar o mesmo nome e o mesmo sı́mbolo para a função e o seu
valor. Esse procedimento aplicado à função-força nos leva a denominá-la, simples-
mente, força, que é o nome dado ao seu valor. Também nos leva a representá-la pelo
mesmo sı́mbolo usado para o seu valor, de modo a escrevermos, por exemplo, para a
força total,
Fi = Fi (r1 , r2 , . . . , rN ; ṙ1 , ṙ2 , . . . , ṙN ; t) . (2.77)
Essa notação é conveniente e não causa confusão se mantivermos em mente a distinção
óbvia e importante entre uma função e seu valor.
72 Capı́tulo 2 – Princı́pios da Mecânica Clássica
Já vimos em (2.68) que a massa é uma medida da resistência que uma partı́cula
de um par isolado oferece a ser acelerada pela outra. Na Segunda Lei de Newton
(2.72), essa resistência à aceleração aparece em seu contexto mais geral. Com efeito,
é evidente em (2.72) que, dadas em um certo instante a configuração e distribuição
de velocidades de um sistema isolado, a aceleração de uma dada partı́cula do sistema
será tanto menor quanto maior for a sua massa. Isso significa que a vizinhança
de uma partı́cula terá tanto mais dificuldade em acelerá-la, quanto maior for a sua
massa. Podemos também expressar essa propriedade dizendo que, para uma dada
força sobre a partı́cula, sua aceleração será tanto menor quanto maior for sua massa.
Essa resitência que uma partı́cula oferece a ser acelerada, i.e., sua tendência para
manter a mesma velocidade, é chamada inércia da partı́cula. Dizemos, então, que a
massa de uma partı́cula é uma medida de sua inércia. Quando uma partı́cula não tem
vizinhança, isto é, está isolada, a força total sobre ela é nula e, conseqüentemente,
é nula a sua aceleração, de acordo com a Segunda Lei de Newton. Isso mostra que
a Segunda Lei de Newton é consistente com o chamado princı́pio da inércia, que
deve seu nome exatamente a essa propriedade que estamos discutindo. Note que o
princı́pio da inércia é necessário para começarmos a formular as leis da dinâmica e foi
usado para concluı́rmos em (2.57) que a função aceleratriz de uma partı́cula isolada
e, portanto, a força sobre ela, é nula. Por isso, ele é necessário dentre os princı́pios
fundamentais da Mecânica e não pode ser descartado sob o argumento errôneo de que
é um simples caso partı́cular da Segunda Lei de Newton. Nada impede, é claro, que
ele desempenhe esse papel de caso particular de outros princı́pios em formulações da
Mecânica Clássica diferentes da que estamos considerando.
Da segunda Lei de Newton também obtemos o significado fı́sico intuitivo da palavra
força. De fato, dada uma partı́cula e sua massa, ela será tanto mais acelerada pela
sua vizinhança quanto maior for a força que essa exerce sobre a partı́cula. Desse
modo, podemos dizer que força é a ação aceleradora de uma vizinhança sobre uma
partı́cula.
A Segunda Lei de Newton (2.72) é uma outra forma de escrever a equação difer-
encial (2.50). A partir da Segunda Lei de Newton podemos enunciar o problema
fundamental da mecânica da seguinte maneira: dadas as forças sobre as partı́culas
de um sistema e suas condições iniciais, determinar o seu movimento. Em contra-
partida, o problema inverso assim se enuncia: determinar as forças que agem sobre as
partı́culas de um sistema a partir de informações sobre os movimentos que ele efetua.
A Segunda Lei de Newton também é chamada equação de movimento, pois as
suas soluções são os movimentos possı́veis do sistema em estudo.
Newton formulava a sua segunda lei em termos do produto da massa de uma
partı́cula por sua velocidade, produto este que ele chamava quantidade de movi-
mento ou, simplesmente, movimento (sic). A quantidade de movimento de uma
partı́cula é chamada atualmente momento linear da partı́cula, ou momento da
partı́cula. O momento linear da partı́cula i é, pois,
Pi := mi ṙi (2.78)
2.4 Definições de massa e força e as três leis de Newton do movimento. 73
LEX I. Corpus omne perseverare in statu suo quiescendi vel movendi uni-
formiter in directum, nisi quatenus illud a viribus impressis cogitur statum
suum mutare.
LEX III. Actioni contrariam semper & æqualem esse reactionem: sive
corporum duorum actiones in se mutuo semper esse æquales & in partes
contrariam dirigi.
Essas três leis podem ser traduzidas para o português na forma que segue 1 .
Lei III. A uma ação sempre se opõe uma reação igual, ou seja, as ações
de dois corpos um sobre o outro sempre são iguais e se dirigem a partes
contrárias.
1
Tradução de Carlos Lopes de Mattos em: Os Pensadores, vol. XIX, Abril Cultural, São Paulo,
1974.
2
Em tradução livre: A natureza e suas leis jaziam ocultas na noite. Deus disse: faça-se Newton,
e tudo se fez luz.
74 Capı́tulo 2 – Princı́pios da Mecânica Clássica
Seja Ref um referencial qualquer com seu sistema de eixos coordenados. Vamos
chamar o tempo relativo a Ref coordenada temporal relativa a Ref e as coor-
denadas ao longo dos eixos cartesianos de Ref ,coordenadas espaciais relativas a
Ref . Se em um referencial um evento ocorre no instante t e na posição de coordenadas
x1 , x2 e x3 , dizemos que as coordenadas espaço-temporais do evento relativas a Ref
são x1 , x2 e x3 e t. Tais coordenadas formam o vetor (x1 , x2 , x3 , t) de R4 , que denom-
inamos quadrivetor de coordenadas do evento relativo a Ref . Naturalmente,
r = (x1 , x2 , x3 ) é o vetor-posição relativo a Ref do ponto no qual ocorre o evento e es-
crevemos para o quadrivetor de coordenadas do evento (x1 , x2 , x3 , t) = (r, t); dizemos
que esse evento ocorre na posição r, no instante t.
Seja um evento que, em relação a um referencial Ref ocorre no instante t1 , na
posição r 1 e, em relação a um referencial Ref ′ , no instante t′1 , na posição r1′ ; seja
um segundo evento que, em relação Ref ocorre no instante t2 , na posição r 2 e, em
relação a Ref ′ , no instante t′2 , na posição r2′ . De acordo com o princı́pio newtoniano
do espaço e tempo absolutos, devemos ter
|t′1 − t′2 | = |t1 − t2 | e (2.80)
|r 1′ − r2′ | = |r1 − r 2 | se t1 = t2 . (2.81)
Essas condições restringem as possı́veis mudanças de coordenadas quando passamos
de um referencial inercial para outro. A definição de referencial inercial e o princı́pio
2.5 Espaço-tempo newtoniano e princı́pio da relatividade galileana. 75
r = r0 + v t =⇒ r ′ = r 0′ + v ′ t ′ (∀ r0 , v ∈ lR3 ) (2.82)
Por hipótese, os relógios em um referencial podem estar em qualquer lugar e estão to-
dos sincronizados. Conseqüentemente, acusam em qualquer lugar um mesmo instante
para um dado envento. A transformação entre o instante t acusado no referencial in-
ercial Ref e o instante t′ acusado no referencial inercia Ref ′ é dada por uma função
ϕ : lR → lR. Os referenciais Ref e Ref ′ podem estar em movimento um relativa-
mente ao outro, de modo que a mudança de coordenadas ao passarmos de um para
o outro pode depender do instante em que elas são consideradas. A transformação
entre o vetor-posição relativo a Ref e o vetor-posição relativo a Ref ′ é dada por uma
função que depende do instante do tempo em que consideramos a relação entre os dois
vetores-posição, digamos o instante t relativo a Ref (ou o instante t′ relativo a Ref ′ );
seja ψt : lR3 → lR3 (t ∈ lR) essa função. Portanto, as transformações de coordenadas
espaço-temporais são
t ′ = φ(t) e r ′ = ψt (r) . (2.83)
Usando essas funções nas condições (2.80), (2.81) temos que
Fazendo t2 = 0 e denotanto t1 por t, obtemos |g(t)| = |t|, que tem por solução
g(t) = ±t. Portanto,
Essa é a condição necessária e suficiente para que ψt satisfaça às condições (2.85) e
(2.82).
De acordo com (2.86) e (2.87), as transformações de coordenadas possı́veis de um
referencial inercial Ref para um referencial inercial Ref ′ são dadas por
r ′ = Gr + u t + b e t′ = εt + β , (2.88)
r ′ = Rr , (2.90)
nas quais R é uma rotação em lR3 . Seja B = (e1 , e2 , e3 ) a base ordenada do referencial
Ref e (e1 , e2 , e3 ) a base correspondente de lR3 , i.e., ei = κB (ei ) (i = 1, 2, 3). Seja
Pij3 (i, j = 1, 2, 3) a i-ésima componente do vetor Rej na base (e1 , e2 , e3 ), Rej =
R
i=1 Rij ei ; obviamente, Rij (i, j = 1, 2, 3) são os elementos de matriz do operador R
na base (e1 , e2 , e3 ). Usando esses elementos de matriz, obtemos
3
X
x′i = Rij xj (i = 1, 2, 3) . (2.91)
j=1
Uma vez que, sob uma rotação R, R0 = 0, as origens de Ref e de Ref ′ coincidem,
de modo que o vetor-posição de qualquer ponto relativo à origem de Ref é igual
ao vetor-posição do mesmo ponto relativo à origemPde Ref ′ . Portanto,
P3 usando os
′ ′ ′ ′ ′ 3 ′ ′
vetores da base B = (e1 , e2 , e3 ) de Ref , obtemos i=1Pxi ei = i=1 xi ei . Agora,
usando nessa igualdade as relações (2.91), obtemos
P ej = 3i=1 Rij e′i . Exite um único
→
− →
− 3
operador linear R : E → E , tal que Re′j = i=1 Rij e′i . Com essa definição, temos
→
−
Re′j = ej e obtemos que R é um operador de rotação sobre E . Portanto, temos a
seguinte relação entre os vetores da base de Ref e os da base de Ref ′ ,
r′ = r + b . (2.93)
Como b é um vetor fixo do espaço lR3 , todos os seus pontos sofrem o mesmo deslo-
camento b e a transformação (2.93) é chamada uma translação das coordenadas
78 Capı́tulo 2 – Princı́pios da Mecânica Clássica
r ′ = Rr + u t + b e t′ = t + β , (2.95)
3
Cf. a discussão feita em H. M. Nussenszveig, Curso de Fı́sica Básica - 1 Mecânica (Editora
Edgard Blücher, São Paulo, 2002).
2.5 Espaço-tempo newtoniano e princı́pio da relatividade galileana. 79
Sabemos que os movimentos possı́veis de um sistema isolado são determinados pela Se-
gunda Lei de Newton. Mais explicitamente, para um sistema isolado de N partı́culas
são os movimentos nos quais as posições, velocidades e acelerações das partı́culas
satisfazem às equações de movimento mi r̈i = F i (r1 , r2 , . . . , rN ; ṙ1 , ṙ2 . . . , ṙN ; t) (i =
1, 2, ..., N ), dadas em (2.72). Agora estaremos considerando diferentes referenciais
inerciais, de modo que se torna necessário escrevermos as equações de movimento em
termos de grandezas relativas aos referenciais. A seguir, veremos as condições que o
princı́pio da relatividade galileana impõe às leis da dinâmica.
Seja a função aceleratriz relativa a um referencial Ref de uma das partı́cula do
sistema isolado. Função-força associada a essa função aceleratriz é o produto da
massa da partı́cula pela função aceleratriz. Dizemos que essa é a função-força da
da partı́cula relativa ao referencial Ref , e seu valor é a força sobre a partı́cula
relativa a Ref , ou observada de Ref . Desse modo temos que a função-força relativa
Ref , da i-ésima partı́cula do sistema, F i , é dada por
F i (r 1 , r 2 , . . . , r N ; ṙ 1 , ṙ 2 , . . . , ṙ N ; t) = mi f i (r 1 , r 2 , . . . , r N ; ṙ 1 , ṙ 2 , . . . , ṙ N ; t) , (2.96)
F i = F i (r 1 , r 2 , . . . , r N ; ṙ 1 , ṙ 2 , . . . , ṙ N ; t) . (2.97)
mi r̈ i = F i (r 1 , r 2 , . . . , r N ; ṙ 1 , ṙ 2 , . . . , ṙ N ; t) (i = 1, 2, ..., N ) (2.98)
mi r̈ i = F i (i = 1, 2, ..., N ) . (2.99)
Em um outro referencial inercial Ref ′ a Segunda Lei de Newton aplicada às partı́culas
do mesmo sistema leva às equações análogas
′ ′ ′ ′ ′
mi′ r̈ i = F i (r 1′ , r 2′ , . . . , r N′ ; ṙ 1 , ṙ 2 , . . . , ṙ N ; t ′ ) (2.100)
80 Capı́tulo 2 – Princı́pios da Mecânica Clássica
′ ′ ′ ′
ou mi′ r̈ i = F i (i = 1, 2, ..., N ). Naturalmente, as variáveis ri′ , ṙi e r̈i , relativas a Ref ′ ,
estão relacionadas às variáveis ri , ṙ i e r̈ i , relativas a Ref (i = 1, 2, ..., N ), por uma
transformação de Galileu.
Evidentemente, o que é, e o que não é movimento possı́vel do sistema isolado em
relação a um dado referencial inercial, fica univocamente determinado pela relação
que existe nesse referencial entre acelerações, velocidades e posições das partı́culas do
sistema, isto é pelas funções aceleratrizes F 1 /m1 , F 2 /m2 , ..., F N /mN , relativas a
esse referencial. Conseqüentemente, o conjunto dos movimentos possı́veis do sistema
fechado relativos a um dado referencial inercial é univocamente determinado pelas
funções aceleratrizes, relativas ao referencial, das partı́culas do sistema. Portanto, o
conjunto dos movimentos possı́veis de um sistema fechado relativos a um referencial
inercial é igual ao conjunto dos movimentos possı́veis do mesmo sistema relativos a
outro referencial se, e somente se, cada partı́cula do sistema tiver a mesma função
aceleratriz relativa aos dois referenciais. Desse modo, o princı́pio da relatividade
galileana consiste em afirmar que a função aceleratriz de cada partı́cula de um sistema
fechado é a mesma relativa a qualquer referencial inercial. Dadas as equações de
movimento (2.98) e (2.100), para dois referenciais inerciais quaisquer, Ref e Ref ′ ,
respectivamente, temos
′
Fi Fi
′ = (i = 1, 2, ..., N ) , (2.101)
mi mi
m′i = mi (2.104)
onde mi e m′i são as massas de uma partı́cula i nos referenciais Ref e Ref ′ , respecti-
vamente.
Usando as equações (2.104) e (2.102) na Segunda Lei de Newton (2.99), obtemos
que a força sobre uma partı́cula é um vetor que, sob transformações de Galileu, se
transforma exatamente como a aceleração da partı́cula. A força tem o mesmo módulo
em todos os referenciais inerciais e sofre a mesma rotação que posições, velocidades e
acelerações ao passarmos para um referencial rodado.
Usando a invariância da massa (2.104), o princı́pio da relatividade galileana, dado
por (2.101), pode ser reescrito como
′
Fi = Fi (i = 1, 2, ..., N ) , (2.105)
F i (r 1 , r 2 , . . . , r N ; ṙ 1 , ṙ 2 , . . . , ṙ N ; t + β) = F i (r 1 , r 2 , . . . , r N ; ṙ 1 , ṙ 2 , . . . , ṙ N ; t) . (2.107)
Uma vez que β é arbitrário, concluimos que o valor da função-força F i não depende
explicitamente do tempo. Portanto, temos o seguinte resultado de fundamental im-
portância: em um sistema isolado as forças não dependem explicitamente do tempo.
Passaremos então a omitir a variável t das funções-força e, por simplicidade, contin-
uaremos a denotá-las pelo mesmos sı́mbolos até agora utilizados. Portanto, doravante
podemos escrever (2.98), a Segunda Lei de Newton de um sistema isolado, em qual-
quer referencial inercial Ref , na forma
mi r̈i = F ij (r i , rj ; ṙ i , ṙ j ) , (2.109)
r ij = ri − r j e sij = r i + r j , (2.112)
podemos escrever a força como uma função Φij das variáveis r ij e sij ,
A condição (2.111), para a pura translação b pode ser escrita em termos da função
Φij ,
Φij (r ij , sij + 2b ; ṙ ij , ṡij ) = Φij (r ij , sij ; ṙ ij , ṡij ) . (2.114)
Uma vez que b é arbitrário, concluimos que Φij não depende de sij . A equação (2.113)
permite, então, concluir que F ij é uma função das posições apenas por intermédio da
posição relativa rij = r i − rj . Análogamente, considerando como transformação de
Galileu um puro empurrão, obtemos que F ij é uma função das velocidades apenas
por intermédio da velocidade relativa ṙ ij = ṙ i − ṙ j . Em suma, forças de interação
entre duas partı́culas de um sistema isolado dependem apenas das posições relativas
e velocidades relativas das partı́culas. Representando a função que dá a força F ij em
termos de posições e velocidades relativas pelo mesmo sı́mbolo F ij , temos
F ij = F ij (rij , ṙ ij ) . (2.115)
No caso das forças de interação entre duas partı́culas que dependem apenas da posição
relativa entre as partı́culas, podemos usar esse resultado, juntamente com (2.115) para
obter R−1 F ij (Rr ij ) = F ij (r ij ). Tomando-se o módulo de ambos os membros dessa
igualdade, obtemos |F ij (Rrij )| = |F ij (r ij )|. Uma vez que a rotação R é arbitrária,
concluı́mos que o módulo da força de interação depende apenas do módulo da posição
relativa das partı́cula i e j, ou seja, depende apenas da distância entre as partı́culas i e
j. Devemos apreciar a enorme simplificação que o princı́pio da relatividade galileana
impõe às funções que dão as forças na Mecânica Clássica.
O paradigma de força na Mecânica Clássica é a força de interação gravitacional
entre duas partı́culas. Ela depende apenas das posições relativas das duas partı́culas
e é universal, i.e., existe entre qualquer par de partı́culas. Para um par arbitrário de
partı́culas, digamos a i-ésima e a j-ésima, a força sobre a i-ésima devido a j-ésima é
dada por
mi mj rij
F ij = −G (2.117)
|r|2ij |r ij |
onde G = 6, 672.59(8.5) × 10−11 m3 /kg s2 é chamada constante universal da
gravitação. Usando o isomofismo κB associado à base B do referencial em uso,
→
−
podemos voltar aos vetores de E e escrever
mi mj
Fij = −G 2 r̂ij . (2.118)
rij
Vemos que a força gravitacional entre as partı́culas tem a direção da reta que une
as partı́culas e aponta sempre para a partı́cula que exerce a força, i.e., é atrativa; o
módulo da força é proporcional ao produto das massas das partı́culas e inversamente
proporcional ao quadrado da distância que as separa. Em todos os referenciais in-
erciais se observa o mesmo módulo e sentido para essa força; apenas os ângulos que
ela faz com os eixos do referencial, i.e., a direção em que é observada, depende do
referencial em uso.
Em geral, essas equações não são suficientes para determinar os movimentos possı́veis
do sistema S, pois há N equações para um número de incógnitas NT maior do que N .
De fato, nos membros direitos das equações (2.120), além das incógnitas do sistema
S, há as incógnitas das vizinhanças. Para que (2.120) seja suficiente para determinar
o movimento de S é necessário sabermos os movimentos das partı́culas das vizin-
hanças de S. Vamos supor que os movimentos dessas partı́culas da vizinhança foram
obtidos, seja resolvendos suas equações de movimento, seja a partir de observações
experimentais. Digamos que seus movimentos são dados por
rj = φj (t) (j = N + 1, . . . , NT ) . (2.121)
Fex ex
i = F i (ri , ṙi ; t) . (2.128)
Fi = Fex in
i + Fi . (2.129)
mi r̈i = Fex in
i + Fi (i = 1, 2, . . . , N ) , (2.131)
ou seja,
N
X
mi r̈i = F ij (rij , ṙij ) + F iex (ri , ṙi ; t) . (2.132)
j=1
(j6=i)
86 Capı́tulo 2 – Princı́pios da Mecânica Clássica
Naturalmente, não há forças externas sobre um sistema isolado. No caso em que
o sistema S é constituı́do por uma única partı́cula (N = 1), não há forças internas
sobre ela. Denotando por r a posição da única partı́cula, por m a sua massa e por F
a sua função-força, temos o seguinte caso particular de (2.125):
Para explorar as conseqüências desse fato vamos somar todas as equações de movi-
mentodo sistema, conforme dadas em (2.132); obtemos
N
X N
X
mi r̈i = F iex (ri , ṙi ; t) (2.135)
i=1 i=1
Definindo algumas novas grandezas essa equação pode ser posta em uma forma sug-
estiva
Primeiramente, definimos força externa total sobre o sistema S como sendo a
soma de todas as forças externas sobre as suas partı́culas e a correspondente função-
força é chamada função-força externa total. Representamos a força externa total
por Fex e a correspondente função-força por F ex , de modo que podemos escrever
N
X
Fex = Fex
i (2.136)
i=1
e
N
X
ex
F (r1 , . . . , rN ; ṙ1 , . . . , ṙN ; t) = F iex (ri , ṙi ; t) . (2.137)
i=1
Agora, definimos massa total do sistema S, ou, simplesmente, massa do sistema
S, como sendo a soma das massas de suas partı́culas; denotando-a por M , temos
N
X
M := mi . (2.138)
i=1
Comparando essa expressão com (2.133) concluı́mos que o centro de massa do sistema
move-se como se fosse uma partı́cula com massa igual à massa total do sistema e
sujeita a uma força total igual à força externa total sobre o sistema. Note que essa
analogia tem limitações, pois não podemos fazer um afirmação análoga à anterior
falando em função-força total, ao invés de força-total. De fato, no caso de uma única
partı́cula, temos que as variáveis da função-força são a posição r da partı́cula, a sua
velocidade ṙ e o tempo t, como afirmado em (2.133). Já em (2.140) as variáveis da
função-força externa total não são a posição R do centro de massa, a sua velocidade
Ṙ e o tempo t, mas as posições e velocidades de todas as partı́culas do sistema e o
tempo t.
A equação (2.140) determina completamente os movimento possı́veis do sistema
quando esse está restrito a ter movimentos ditos de pura translação. Um sistema esté
em movimento de pura translação se, a cada instante, todas as suas partı́culas
têm uma mesma velocidade. Como conseqüência, o seu centro de massa também
tem a cada instante essa mesma velocidade. Seja r′i o vetor-posição da partı́cula i
relativo ao centro de massa, r′i = ri − R. Temos que a velocidade relativa é nula
durante a pura translação, ṙ′i = ṙi − Ṙ = 0, pois o centro de massa, a partı́cula
i, e as demais partı́culas têm a mesma velocidade a cada instante, nesse tipo de
movimento. Consequentemente, nesse caso r′i é um vetor constante ci . Portanto, na
pura translação,
Comparando-se essa equação com (2.133) vemos que o centro de massa de um sis-
tema em translação pura comporta-se exatamente como se fosse uma partı́cula de
massa igual à massa total do sistema. Dadas a condição inicial do sistema em pura
translação, determinamos as constantes ci (i = 1, ..., N ), e a posição e velocidade
iniciais do centro de massa. Com esses dados e com a equação de movimento (2.143),
determinamos o movimento do centro de massa e, por intermédio de (2.141), o movi-
mento de todas as partı́culas do sistema em pura translação. Em um movimento de
pura translação as distâncias entre as partı́culas não mudam e o sistema pode ser
considerado um corpo rı́gido. O movimento de pura translação é um dos movimentos
que respeita a condição de rigidez de um corpo.
Definimos força total de um sistema sobre outro como sendo a soma das forças que
todas as partı́culas do primeiro exercem sobre todas as partı́culas do segundo. Usando
a Terceira Lei de Newton, que é enunciada para um par de partı́culas arbitrárias, é
fácil demonstrar que ela também é válida para um par de sistemas arbitrários.
88 Capı́tulo 2 – Princı́pios da Mecânica Clássica
A força que um corpo exerce sobre outro e a força que esse outro ex-
erce sobre o primeiro têm o mesmo módulo, a mesma direção e sentidos
opostos.
Também é fácil concluir que a força que um sistema exerce exerce sobre outro é
uma função das posições e velocidades das partı́culas dos dois sistemas. No entanto,
no caso de forças de contato entre dois corpos rı́gidos, surge uma situação intrigante.
Na realidade, sabemos que não existem corpos absolutamente rı́gidos; todo corpo sob
pressão se deforma. Chamamos de rı́gidos aqueles que se deformam pouco o bastante
para os propósitos que temos em vista. Quando tais corpos entram em contato, como
no caso de um livro sobre a mesa, eles se deformam e exercem forças de contato
um sobre o outro. Essas forças de contato entre eles dependem das pequenas de-
formações que sofrem, isto é, das posições em que suas partı́culas se situam devido às
deformações. Essa descrição das forças de contato se enquadra no conceito que temos
de força como função das posições das partı́culas e, possivelmente, também de suas ve-
locidades. No entanto, se considerarmos os dois corpos como absoluta e perfeitamente
rı́gidos, não haverá deformação por contato e sua partı́culas permanecem invariavel-
mente nas mesmas posições com as mesmas velocidades. Ao mesmo tempo que as
forças de contato entre eles podem assumir diversos valores. No caso do livro sobre a
mesa as forças de contato entre eles podem aumentar se aumentarmos a pressão do
livro sobre a mesa. Temos então que, para corpos perfeitamente rı́gidos, para uma
dada configuração de suas partı́culas, e uma dada distribuição de velocidades, podem
corresponder diversos valores para as forças entre eles. Isso está em contradição com
a definição de força como uma função das posições e velocidades das partı́culas dos
sistemas envolvidos. Essa contradição pode ser evitada se não considerarmos nenhum
corpo como perfeitamente rı́gido, mas existe um outro procedimento muito útil nas
situações práticas; consiste em expandir o conceito de força para incluir também as
chamadas forças vinculares. Forças vinculares de contato são limites das forças
de contato usuais entre os corpos quando a rigidez de tais corpos tende a se tornar
perfeita. Como acabamos de discutir, tal limite não é uma função de posições e ve-
locidades das partı́culas dos corpos em contato. O limite é um vetor que depende
do tempo de um modo que não sabemos qual é antes de determinar o movimento
do sistema no qual estão contidos os corpos absolutamente rı́gidos em consideração.
Sendo assim, as força vinculares são funções do tempo que devemos determinar jun-
tamente com os movimentos do sistema. Quando consideramos algumas forças como
vinculares, as forças usuais, dadas em função de posições e velocidades das partı́culas
do sistema, passam a ser chamadas forças dadas. No caso do livro sobre a mesa,
a força vincular impede o livro de penetrar na mesa e costuma ser chamada força
normal; nesse contexto normal significa perpendicular à superfı́cie de contato entre
o livro e a mesa.
Consideremos, novamente, um sistema de N partı́culas. Agora, vamos denotar por
F i (r1 , . . . , rN ; ṙ1 , . . . , ṙN ; t) a soma de todas as forças dadas sobre a partı́cula i, e por
Ni (t) a soma de todas as forças sobre a partı́cula i que foram consideradas como forças
vinculares. Portanto, a força total sobre a partı́cula i é F i (r1 , . . . , rN ; ṙ1 , . . . , ṙN ; t) +
Ni (t), e as equações de movimento para as partı́culas do sistema tomam, agora, a
2.6 Sistemas de partı́culas. 89
forma
Note que, agora, além das N incoógnitas, que são os movimentos procurados das N
partı́culas, temos também como incógnitas as forças vinculares Ni (t) (i = 1, ..., N ).
Esse excesso de incógnitas não significa que o problema não possa ser resolvido, pois
há informações extras sobre o movimento do sistema, que são dados pela rigidez abso-
luta dos corpos que deram origem às forças vinculares. No caso do livro sobre a mesa,
por exemplo, há a informação de que o livro em seu movimento não pode atravessar
a superfı́cie absolutamente rı́gida da mesa. As restrições impostas ao movimento dos
corpos devido à hipótese de rigidez absoluta são chamadas vı́nculos de contato so-
bre o sistema. Procuramos resolver o problema de encontrar o movimento do sistema
sob uma dada condição inicial e determinar as forças de vı́nculo, usando as equações
de movimento (2.144) e as informações dadas pelos vı́nculos sobre o sistema.
90 Capı́tulo 2 – Princı́pios da Mecânica Clássica
Capı́tulo 3
Movimento Unidimensional de
uma Partı́cula
3.1 Introdução
O movimento unidimensional, i.e., restrito a uma reta, ocorre em diversas situações,
como na queda livre de uma partı́cula próxima à Terra, na oscilação de um pistão e
em certos trechos de movimentos mais complexos. É importante estudá-lo também
porque oferece exemplos simples de aplicações dos princı́pios da dinâmica e de alguns
métodos muito úteis para a solução de problemas.
É fácil ver como o movimento unidimensional de uma partı́cula se enquadra nos
princı́pios da dinâmica. Seja uma partı́cula de massa m, com vetor-posição r e sujeita
a uma força total F. A segunda lei de Newton afirma que
91
92 Capı́tulo 3 – Movimento Unidimensional de uma Partı́cula
m ẍ = F = F(x, v, t) . (3.4)
Em resumo, se a força total sobre uma partı́cula tem direção constante, é sempre
possı́vel usar um referencial inercial no qual o movimento da partı́cula é retilı́neo e
na direção da força. Reciprocamente, se o movimento da partı́cula é retilı́neo, a força
total sobre ela tem, forçosamente, direção constante e ao longo do movimento.
Conforme discutido anteriormente, cada movimento de uma partı́cula é dado pelas
três funções φx , φy e φz , que determinam, a cada instante t durante o movimento, as
coordenadas da partı́cula, x = φx (t), y = φy (t) e z = φz (t). No caso em consideração,
de movimento retilı́neo ao longo do eixo OX , o movimento fica totalmente especificado
pela função φx ; as coordenadas y e z são sempre nulas e a coordenada x é dada, a
cada instante t, por x = φx (t). Vamos simplificar a notação e escrever φ no lugarde
φx .
A equação (3.4) é uma equação diferencial ordinária normal de segunda ordem.
Como anteriormente postulado, suas soluções são os movimentos possı́veis da partı́cula
e há uma única solução para cada condição inicial dada, digamos a posição x0 e a ve-
locidade v0 em um instante t0 . Desse modo, uma função φ é um movimento possı́vel da
partı́cula se, e somente se, é uma solução de (3.4). Além disso, dentre todas as soluções
existe uma única solução φ que satisfaz à condição inicial do problema, i.e., tal que
φ(t0 ) = x0 e φ̇(t0 ) = v0 . No restante do capı́tulo estudaremos métodos de resolver
a equação diferencial (3.4) em algumas situações simples e importantes. Primeiro
estudaremos as situações em que F depende apenas de uma dentre as três variáveis
x, v e t. Veremos que nestes três casos a solução de (3.4) reduz-se a quadraturas.
Também estudaremos o caso importantı́ssimo em que F depende das três variáveis
x, v e t, porém linearmente de x e v.
Dado um movimento φ, podemos expressar a força como função do tempo: F =
F(x, v, t) = F(φ(t), φ̇(t), t); nesse caso, (3.4) nos dá a aceleração em função do tempo,
Essa integral é chamada trabalho realizado pela força F durante o intervalo de tempo
[t1 , t2 ] do movimento φ.
A equação (3.13) afirma pois que a variação da energia cinética durante um inter-
valo de tempo do movimento é igual ao trabalho realizado pela resultante neste inter-
valo. Esse resultado é conhecido como teorema do trabalho e energia cinética.
A solução geral desta equação é obtida de imediato por duas integrações consecutivas,
Z t Z t′
′
x = x0 + v0 (t − t0 ) + dt dt′′ F(t′′ ) , (3.16)
t0 t0
F0 F(t − T /2)
xos = 2
cos(ωt + θ0 − π) = , (3.21)
mω mω 2
onde representamos por T o perı́odo de oscilação 2π/ω. O movimento uniforme
pode ser eliminado passando-se para um referencial inercial no qual a posição da
partı́cula é x′ = x − a − ut, onde a = x0 + (F0 cos θ0 /mω 2 ) e u = v0 − (F0 sin θ0 /mω).
O movimento remanescente, i.e., o oscilatório, não depende das condições iniciais,
mas apenas das caracterı́sticas da força aplicada e da massa da partı́cula, conforme
evidencia a equação (3.21). Esse exemplo simples é útil no estudo da propagação de
ondas de rádio na ionosfera.
dv
m = F(v) (3.22)
dt
Supondo que a força não se anula no intervalo de tempo [t0 , t], obtemos
Z v
dv ′ 1
′)
= (t − t0 ) , (3.23)
v0 F(v m
onde x0 é a posição no instante t0 . A solução de (3.22) ficou pois reduzida às duas
quaraturas em (3.23) e (3.25).
Uma situação comum, na qual encontramos forças dependentes da velocidade, é no
atrito entre corpos em movimento relativo. A força de atrito entre superfı́cies secas
em contato é muitas vezes dada por uma expressão simples, enquanto a força entre
superfı́cies lubrificadas é, normalmente, dada por expressões complicadas. Estamos
aqui interessados em uma terceira situação, na qual a força de atrito é exercida por
um meio fluı́do sobre uma partı́cula que nele se move. Em muitos caso de interesse,
dentro de um certo domı́nio de velocidades, essa força tem módulo proporcional a
96 Capı́tulo 3 – Movimento Unidimensional de uma Partı́cula
A função sinal em (3.26) garante que a força de atrito F(v) tenha sempre o sentido
oposto ao da velocidade v.
Consideremos o caso n = 1, i.e., de atrito proporcional à velocidade,
F(v) = −b v . (3.28)
v = v0 e−t/τ , (3.29)
x = v0 τ (1 − e−t/τ ) , (3.31)
A equação do movimento desse problema, dada pela força (3.28), é uma equação
diferencial para a velocidade v, da forma
dv
= β v, (3.34)
dt
onde, por conveniência, usamos a constante β := −b/m = −1/τ . A solução de (3.34)
é simples de ser obtida e é dada por (3.29). No entanto, vamos usar (3.34) para
apresentar um método de obter soluções, em geral apenas aproximadas, de certas
equações diferenciais. Ele é chamado método de aproximações sucessivas ou
método de iteração. Em princı́pio, ele se aplica a uma equação diferencial de
primeira ordem, na qual a derivada da incógnita, digamos no membro esquerdo da
equação, é dada por uma função da própria incógnita, no membro direito da equação.
Em nosso caso a incógnita é a velocidade, e a função é a mais simples possı́vel, uma
constante vezes a incógnita. Começamos com a aproximação de ordem zero, que
consiste em tomar a função velocidade incógnita como sendo a velocidade inicial v0 .
Denotando por v (0) essa aproximação inicial para a incógnita, obtemos v (0) = v0 .
Substituindo v (0) no membro direito de (3.34) e integrando, obtemos no membro
esquerdo a aproximação de ordem 1 para a incógnita, que denotamos por v (1) ,
dv
= β v (0) =⇒ v (1) = v0 + β v0 t . (3.35)
dt
Agora, substituimos essa aproximação de ordem 1 no membro direito de (3.34) para
obter no membro esquerdo a aproximação de ordem 2, que denotamos por v (2) ,
dv 1
= β v (1) =⇒ v (2) = v0 + β v0 t + β 2 v0 t2 . (3.36)
dt 2
Esse procedimento pode ser repetido para obter do membro esquerdo de (3.34) a
aproximação de ordem n+1, pela substituição da aproximação de ordem n no membro
direito. A qualidade de cada aproximação depende do valor de βt. Se βt é pequeno,
i.e., βt ≪ 1, então haverá alguma potência (βt)n+1 que é desprezı́vel; nesse caso, a
aproximação de ordem n, que denotamos por v (n) , será uma boa aproximação .
Uma maneira equivalente de descrever esse método de iteração consiste em começar
por transformar (3.34) na seguinte equação integral
Z t
v(t) = v0 + β dt1 v(t1 ) . (3.37)
0
na qual está incorporada a condição inicial v(0) = v0 (note que estamos usando a
notação v(t) := φ̇(t)). Agora, usamos a velocidade dada pelo membro direito da
equação no integrando da própria equação, para obter
Z t Z t1
2
v(t) = v0 + v0 βt + β dt1 dt2 v(t2 ) (3.38)
0 0
Este trabalho é, portanto, uma função que depende apenas do par de posições (x1 , x2 ),
e que denotaremos por W ,
Z x2
W (x1 , x2 ) := F(x)dx . (3.43)
x1
1 1
mv 2 + U (x2 ) = mv12 + U (x1 ) . (3.48)
2 2 2
Essa equação afirma que, a cada instante durante o movimento de uma partı́cula,
se a resultante sobre ela depende apenas da posição, a soma da energia cinética da
partı́cula com a energia potencial da resultante é constante. Denominamos energia
mecânica do sistema, constituı́do pela partı́cula e sua vizinhança, a soma das energias
100 Capı́tulo 3 – Movimento Unidimensional de uma Partı́cula
cinética e potencial. A energia mecânica é, pois, uma função E da posição e velocidade
da partı́cula,
1
E(x, v) := mv 2 + U (x) . (3.49)
2
O teorema (3.48), afirma que essa função mantém um valor constante se x e v são,
respectivamente, posição e velocidade da partı́cula durante um movimento real. Du-
rante dois movimentos reais da partı́cula a energia mecânica tem valores constantes
que, contudo, não precisam ser iguais. O valor da energia mecânica também é deno-
tado por E, de modo que podemos escrever E(x, v) = E.
Usando o conceito de energia mecânica, (3.48) pode ser escrita como
d
F(x) = − U (x) (3.51)
dx
Usando essa relação podemos obter a conservação da energia mecânica (3.50) direta-
mente da Segunda Lei de Newton, sem passar pelo conceito de trabalho. Reciproca-
mente, podemos obter a Segunda Lei de Newton a partir da conservação da energia
mecânica, no caso em que a força resultante depende apenas da posição.
Notemos que a posição padrão usada na definição (3.47) de energia potencial é
arbitrária, e que diferentes escolhas da posição padrão levam a diferentes energias
potenciais associadas a uma mesma força; elas diferem entre si por uma constante
aditiva que não afeta os resultados observáveis da teoria. A energia mecânica também
é modificada por uma constante aditiva quando mudamos a posição padrão; não é
portanto importante o seu valor, mas sim o fato de que permanece constante durante
cada movimento real da partı́cula. Na verdade, podemos concluir que é possı́vel
adicionar qualquer constante à energia potencial sem alterar os resultados observáveis,
i.e., a força (3.51) e a conservação da energia (3.50).
Agora, suponhamos que a força resultante sobre a partı́cula possa ser escrita como
uma soma F + F ′ , na qual F ′ é uma força arbitrária e F é uma força conservativa.
Podemos, então, obter da Segunda Lei de Newton a seguinte equação
d 1
mv + U (x) = F ′ v ,
2
(3.52)
dt 2
que não são conservativas. Façamos uma nova definição de energia mecânica do
sistema, constituı́do pela partı́cula e vizinhança, como a soma da energia cinética da
partı́cula com a energia potencial associada à parte conservativa da força resultante,
que denotamos por F . Na primeira definição de energia mecânica supúnhamos que
a resultante era conservativa; agora aceitamos a possibilidade de que ela tenha uma
parte não-conservativa F ′ . A nova definição de energia mecânica é mais geral e
reduz-se à antiga definição quando F ′ = 0. Representando essa energia mecânica que
acabamos de definir por Emec , podemos escrever (3.52) na forma
dEmec
= F ′v (3.53)
dt
e dizer que a taxa instantânea de variação da energia mecânica é a potência das forças
não-conservativas. Quando F ′ é uma força de atrito, a potência é negativa e a energia
mecânica decresce com o tempo.
Quando a força resultante F depende apenas da posição, a Segunda Lei de Newton
apresenta invariância por inversão temporal, i.e., não muda quando se troca a variável
t, que representa o tempo, por −t. Como conseqüência, se φ é um movimento possı́vel
da partı́cula então o movimento φT definido por φT := φ(−t) também é possı́vel. A
invariância ou não por inversão temporal é uma propriedade importante de qualquer
lei da fı́sica.
Consideremos que a força resultante sobre a partı́cula é conservativa e, portanto,
que a energia mecânica E é uma constante em cada movimento real. Podemos, então,
usar o princı́pio da conservação da energia mecânica para determinar os movimentos
possı́veis da partı́cula. A partir de (3.49) e (3.50), obtemos
r
2p
v=± E − U (x), (3.54)
m
onde o sinal é tomado conforme o sentido em que a velocidade aponta no eixo do
movimento. De (3.54) obtemos para o caso em que x0 é a posição da partı́cula no
intante t0 ,
r Z x
m dx′
± p = t − t0 (3.55)
2 x0 E − U (x′ )
Em intervalos apropriados, o membro esquerdo dessa equação define funções de x
que podem ser invertidas para dar a função do movimento x = φ(t). Vemos que,
também nesse caso, a solução do problema fundamental da mecânica fica reduzido a
duas quadraturas, a de (3.47) e a de (3.55).
Muitas informações sobre o movimento unidimensional da partı́cula podem ser
obtidas a partir da energia potencial U , sem que seja necessário resolver (3.55) para
obter precisamente o movimento. Em primeiro lugar, temos que a expressão (3.49)
sob a restrição (3.50) determina em que regiões da reta a partı́cula pode se mover.
De fato, sendo a energia cinética uma grandeza não negativa, a partı́cula sómente
pode ocupar uma posição x da reta na qual U (x) ≤ E, i.e., o conjunto de pontos
acessı́veis à partı́cula é {x ∈ lR| U(x) ≤ E}. A energia mecânica E, por sua vez,
102 Capı́tulo 3 – Movimento Unidimensional de uma Partı́cula
U (x)
P1 P2
E
Pm
O x1 xm x2 X
√ Z x2 (E)
dx
T (E) = 2m p . (3.56)
x1 (E) E − U (x)
dU (xm ) 1 d2 U (xm )
U (x) = U (xm ) + (x − xm ) + (x − xm )2 + . . . (3.57)
dx 2! dx2
Sendo xm ponto de equilı́brio, temos que dU (xm )/dx = 0; sendo equilı́brio estável,
temos que a constante k, definida por
d2 U (xm )
k := , (3.58)
dx2
é positiva. Nada perdemos em generalidade supondo que o ponto padrão do potencial
é em xm . Desse modo, os três primeiros termos da série de Taylor em (3.57) reduzem-
se ao termo k(x − xm )2 /2. Supondo, finalmente, que E − U (xm ) é pequena o bastante
para que os demais termos da série de Taylor possam ser desprezados, obtemos a
seguinte expressão aproximada do potencial
1
U (x) = k(x − xm )2 , (3.59)
2
e a seguinte expressão aproximada para a força sobre a partı́cula nas proximidades
de xm
F(x) = −k(x − xm ) . (3.60)
Essa força é chamada restauradora, ou elástica, pois, devido à sua propriedade ex-
pressa pelo sinal menos, ela puxa sempre a partı́cula de volta à posição de equilı́brio.
Ela é dita linear, por ser proporcional à variável x − xm , que é chamada elongação;
a constante de proporcionalidade k é chamada constante elástica da força. A
substituição da força pela expressão aproximada (3.60) é muitas vezes chamada lin-
earização do problema em consideração. A partı́cula em um potencial (3.59), i.e.,
sob a ação de uma resultante restauradora linear, é chamada oscilador harmônico
simples. O seus movimentos possı́veis podem ser facilmente obtidos substituindo-
se (3.59) em (3.55). Escolhendo-se o eixo do movimento de tal modo que xm = 0,
obtemos
x = A sin(ω0 t + θ0 ) , (3.61)
onde r
2E
A := , (3.62)
k
r
k
ω0 := (3.63)
m
104 Capı́tulo 3 – Movimento Unidimensional de uma Partı́cula
e θ0 , do mesmo modo que A, é uma constante de integração fixada pela condição ini-
cial. Denominamos (3.61) movimento harmônico simples, por ser descrito pelas
funções seno e cosseno, conhecidas como funções harmônicas simples. A constante A
é chamada amplitude do movimento e é igual ao deslocamento máximo da partı́cula
à direita e à esquerda do ponto de equilı́brio; ela depende da condição inicial por
intermédio de E. A constante ω0 é a freqüência angular do movimento e depende
somente das caracterı́sticas do oscilador em consideração, quais sejam, da massa da
partı́cula e da constante elástica da força. Da freqüência angular obtemos que o
perı́odo T do movimento, r
ω
T = 2π , (3.64)
k
resultado esse em acordo com o obtido a partir de (3.56). O perı́odo do oscilador
harmônico simples tem a propriedade notável de não depender da energia E, i.e., da
amplitude A de oscilação. As constantes A e θ0 relacionam-se com a posição inicial
x0 e a velocidade inicial v0 , no instante inicial t0 = 0, por meio de
x0 = A sin θ0 , e v0 = ω0 A cos θ0 . (3.65)
Usando essas expressões em (3.61) obtemos o movimento como função das condição
inicial,
v0
x = x0 cos ω0 t + sin ω0 t . (3.66)
ω0
Evidentemente, essa expressão determina o movimento da partı́cula associado a qual-
quer condição inicial; ela é a função-movimento associada à condição inicial arbitrária
x = x0 e ẋ = v0 em t = 0. Portanto, (3.66) dá todos os movimentos possı́veis da
partı́cula e, por essa razão, é chamada a solução geral do problema, i.e., da equação
diferencial do movimento. Naturalmente, essa solução geral também pode ser escrita
na forma (3.61). Dado que as condições iniciais são dadas por uma posição e uma
velocidade, com valores arbitrários, para termos uma solução geral é necessário que
ela contenha duas constantes arbitrárias e que consiga satisfazer às condições inici-
ais arbitrárias escolhendo valores convenientes para as constantes. Demonstramos
que isso é possı́vel expressando as constantes em termos das condições iniciais. É
nesse caso que dizemos que a solução obtida é geral. Portanto, a solução geral é da
forma x = Φ(C1 , C2 ; t) onde a função Φ é tal que podemos obter C1 e C2 a partir
das equações x0 = Φ(C1 , C2 ; t0 ) e v0 = Φ̇(C1 , C2 ; t0 ), nas quais x0 e v0 são valores
arbitrários de posição e velocidade no instante inicial t0 . Nesse caso, dizemos que
x = Φ(0, 1; t) e x = Φ(1, 0; t) são duas soluções independentes da equação diferencial
de movimento.
x = ept . (3.69)
Substituindo tal função em (3.68) vemos que ela é solução se, e somente se,
mp2 + bp + k = 0 , (3.70)
p = −γ ± iω1 . (3.75)
106 Capı́tulo 3 – Movimento Unidimensional de uma Partı́cula
onde Ã1 e Ã2 são duas constantes arbitrárias. Escrevendo-as como Ã1 = Aeiθ0 /2 e
Ã2 = Ae−iθ0 /2, (3.76) assume a forma:
que é conveniente para escrever a solução como função das condições iniciais,
−γt v0 + γx0
x=e x0 cos ω1 t + sin ω1 t . (3.80)
ω1
Portanto, no caso em que γ < ω0 , a solução geral da equação diferencial de movimento
(3.68) é dada por (3.80) ou, se preferirmos, por (3.77).
A razão entre as amplitudes da oscilação amortecida em dois máximos sucessivos
é chamada decremento do movimento e é facilmente obtida de (3.77),
AeγtM
= e−2πγ/ω1 , (3.81)
AeγtM +T1
onde tM é o instante de ocorrência de um máximo e T1 é o perı́odo de ocorrencia de
maximos, T1 := 2π/ω1 . A quantidade 2πγ/ω1 é chamada decremento logarı́tmico
do movimento.
A energia mecânica do oscilador não é conservada, devido à força de atrito −bv.
Temos
dEmec
= −bv 2 . (3.82)
dt
Devido ao fato de que b é positivo, temos forçosamente a diminuição da energia
mecânica pela presença do atrito. Usando (3.77), obtemos para a energia mecânica,
( 2 )
1 2 −2γt 2 γ ω1
Emec = kA e cos (ω1 t + θ0 ) 1 + + tan(ω1 t + θ0 ) , (3.83)
2 ω0 ω0
3.5 Oscilador harmônico amortecido 107
1
Emec ≈ kA2 e−2γt ≈ E0 e−2γt . (3.85)
2
No intervalo de tempo de uma oscilação amortecida, T1 = 2π/ω1 , a energia mecânica
cai por um fator igual ao quadrado do decremento. A taxa fracional de decréscimo
da energia, i.e., sua derivada logaritı́mica, é obtida de (3.85) e é dada por
1 dEmec d
= log Emec = −2γ. (3.86)
Emec dt dt
Agora, passemos ao caso (b), no qual γ > ω0 . Nesse caso, as duas raı́zes em (3.73)
são dadas por p = −γ1 e p = γ2 , onde
q q
γ1 := γ + γ − ω0 , e γ2 := γ − γ 2 − ω02 .
2 2 (3.87)
x0 = C1 + C2 e v0 = −γ1 C1 − γ2 C2 . (3.89)
Portanto, temos
v0 + γ1 x0 −γ2 t v0 + γ2 x0 −γ1 t
x= e − e , (3.90)
γ1 − γ2 γ1 − γ2
que é a solução geral do problema no caso em que γ > ω0 . Em (3.90), a posição é a
soma de dois termos que decaem exponencialmente, tendo o segundo um decaimento
mais rápido que o primeiro.
Finalmente, no caso (c), em que γ = ω0 , (3.73) fornece uma única raiz p = −γ
e obtemos a solução e−γt . Para construir uma solução geral precisamos de outra
solução independente. Vamos procurá-la no limite de (3.90) quando γ1 e γ2 tendem
a ω0 . Considerando em (3.90) o caso mais simples em que x0 = 0, e tomando o
dito limite, obtemos que x → v0 te−γ2 t . Substituindo te−γt em na equação diferencial
(3.68) vemos que, de fato, te−γt é uma solução da equação no caso γ = ω0 . No caso
(c) temos, portanto, a solução
x0 = C1 e v0 = C2 − γC1 . (3.92)
Portanto,
x = [x0 + (v0 + γx0 )t]e−γt (3.93)
é a solução geral no caso γ = ω0 . Notemos que ela pode ser obtida diretamente da
solução (3.90) do caso γ > ω0 no limite em que γ = ω0 .
Temos, em geral,
γ1 > γC > γ2 , (3.94)
onde γC é o valor crı́tico que γ1 e γ2 assumem no limite em que γ → ω0 . Uma vez que
γC = ω0 temos que o decaimento da solução (3.93) é mais rápido do que o da solução
(3.90), exceto na situação especialı́ssima em que as condições iniciais satisfazem à
condição que anula o primeiro termo de (3.90), qual seja: (v0 /x0 ) = −γ1 .
O oscilador amortecido no caso γ < ω0 é chamado subamortecido, no caso γ >
ω0 , superamortecido e no caso γ = ω0 , crı́ticamente amortecimento.
d2 x dx
m 2
+b + kx = F(t) , (3.95)
dt dt
onde F é a função-força prescrita, F = F(t). A equação (3.68), que corresponde ao
caso F = 0, é chamada equação homogẽnea associada à equação (3.95); essa,
por sua vez, é uma equação dita inomogênea, porque nela há um termo indepen-
dente da incógnita x, no caso, o termo dado pela força prescrita. Como sabemos, a
solução geral da homogênea associada contém duas constantes arbitrárias. A solução
geral da equação inomogênea é dada pela soma de alguma de suas soluções particu-
lares com a solução geral da homogênea associada. Desse modo, a solução geral da
inomogênea tem duas constantes arbitrárias que, em cada caso particular, são fix-
adas pelas condições iniciais. Dada uma força prescrita F , o problema do oscilador
harmônico forçado fica reduzido a encontrar alguma solução particular de (3.95), pois
a solução geral da homogênea associada já foi obtida na seção anterior. Consider-
aremos dois exemplos de suma importância, o da força prescrita harmônica (3.17) e
o da força prescrita dita percussiva.
3.6 Oscilador harmônico forçado 109
d2 x dx
m +b + kx = F0 cos(ωt + θ0 ) . (3.97)
dt2 dt
Vamos escrever a força prescrita harmônica na forma
d2 x̃(t) dx̃(t)
m +b + kx̃(t) = F̃0 eiωt . (3.100)
dt2 dt
Nesse caso, ℜx̃ é uma solução de (3.95). Vamos usar essa propriedade para obter uma
solução particular de (3.95).
É natural procurar uma solução exponencial para a equação diferencial (3.100).
Substituindo nela a função
x̃(t) = x̃0 eiωt , (3.101)
onde x̃0 é uma constante complexa e ω é a mesma freqüência da força prescrita (3.98),
obtemos que x̃(t) é solução de (3.100) se, e somente se,
F̃0 /m
x̃0 = eiωt , (3.102)
ω02 − ω 2 + 2iγω
ω2 − ω2 −2γω
cos ϕ = p 2 0 e sin ϕ = p . (3.104)
(ω0 − ω 2 )2 + 4γ 2 ω 2 (ω02 − ω 2 )2 + 4γ 2 ω 2
F ei(ωt+θ0 +ϕ)
x̃(t) = p 0 . (3.105)
m (ω02 − ω 2 )2 + 4γ 2 ω 2
110 Capı́tulo 3 – Movimento Unidimensional de uma Partı́cula
F0 ei(ωt+θ0 +β)
x̃(t) = p , (3.106)
im (ω02 − ω 2 )2 + 4γ 2 ω 2
onde a fase β é determinada por meio de (3.104), i.e., por
ω02 − ω 2 2γω
sin β = p e cos β = p . (3.107)
(ω02 − ω 2 )2 + 4γ 2 ω 2 (ω02 − ω 2 )2 + 4γ 2 ω 2
Finalmente, tomando a parte real de (3.106) obtemos para (3.97) a seguinte solução
particular:
F0 sin(ωt + θ0 + β)
xp (t) = p 2 , (3.108)
m (ω0 − ω 2 )2 + 4γ 2 ω 2
onde a fase β é dada por (3.107), que é equivalente a
ω02 − ω 2 π π
β = arctg , − ≤β≤ . (3.109)
2γω 2 2
As equações (3.108) e (3.109) nos fornecem a solução procurada; ela satisfaz a uma
particuları́ssima condição inicial, que não é de importância em nosso estudo. A
solução depende da massa m da partı́cula, da constante da força elástica, por meio
da freqüência natural ω0 , da constante γ da força de atrito, da amplitude, freqüência
e fase inicial da força prescrita, respectivamente, F0 , ω e θ0 e, finalmente, da fase β
que, por sua vez depende das forças elástica, de atrito e prescrita, por intermédio de
ω0 , γ, ω.
Portanto, temos a seguinte solução geral de (3.97):
onde xp (t) é dada por (3.108) e xh (t) é a solução geral dependente de duas constantes
arbitrárias, dada por (3.79), (3.88) ou (3.91), conforme tenhamos γ < ω0 , γ > ω0 ou
γ = ω0 , respectivamente. As duas constantes arbitrárias presentes em xh (t) podem
ser escolhidas de modo que x(t) satisfaça qualquer condição inicial que for exigida.
Devemos notar, entretanto, que a parte da solução x(t) dada por xh (t) é evanescente;
quando t ≫ γ −1 , xh (t) torna-se desprezı́vel e x(t) reduz-se a xp (t). Dizemos que
o oscilador atingiu o regime ou estado estacionário. Antes de atingir o regime
estacionário, o oscilador encontra-se em um estado de movimento que chamamos
regime ou estado transiente. As condições iniciais só influem no regime transiente;
no sistema em regime estacionário não é possı́vel identificar quais foram as condições
iniciais do movimento.
Fixemos nossa atenção na solução (3.108) do regime estacionário; ela é da forma
onde
F0 /m
A := p 2 . (3.112)
(ω0 − ω 2 )2 + 4γ 2 ω 2
A oscilação (3.111) no regime estacionário se processa com a mesma freqüência ω
da força prescrita em (3.97), porém defasada de β − π/2. De acordo com (3.109),
essa defasagem depende da freqüência natural de oscilação ω0 , da freqüência ω da
força prescrita e do coeficiente de amortecimento γ. A amplitude (3.112) da oscilação
depende dessas grandezas e da razão F0 /m. Essa amplitude é máxima quando a
freqüência ω da força aplicada é igual a
q
ωA = ω02 − 2γ 2 , (3.113)
ou:
1
hP i = F0 ẋmax cos β , (3.118)
2
onde ẋmax é o valor máximo da velocidade. O fator cos β que aparece em (3.117) e
(3.118) é chamado fator de potência do oscilador forçado.
Usando na equação (3.117) a expressão do cosseno de β em (3.107), podemos
escrever a potência média como
F0 γω 2
hP i = . (3.119)
m (ω02 − ω 2 )2 + 4γ 2 ω 2
112 Capı́tulo 3 – Movimento Unidimensional de uma Partı́cula
F02 γ
hP i ≈ , (3.124)
4m (ω − ω0 )2 + γ 2
−(ω − ω0 ) γ
sin β ≈ p e cos β ≈ p . (3.125)
(ω − ω0 )2 + γ2 (ω − ω0 )2 + γ 2
O gráfico da potência média dada por (3.124) cai rapidamente quando ω se distancia
do máximo F02 /4mγ, em ω = ω0 . Em ω = ω0 ± γ a potência média tem valor igual à
metade de seu valor máximo; isso significa, no caso em que γ ≪ ω0 , que o gráfico de
hP i dado por (3.124) tem a forma de um pico estreito em torno de ω0 , que chamamos
pico de ressonância estreita; do próprio oscilador que apresenta esse pico para a
potência se diz que está em ressonância estreita. A largura do pico na metade de
seu máximo é 2γ e esse valor é chamado semi-largura do pico de ressonância. De
(3.125) obtemos como aproximação de (3.109)
ω0 − ω
β ≈ arctg (3.126)
γ
F0 sin(ωt + θ0 + β)
xp (t) ≈ p (3.127)
2mω0 (ω − ω0 )2 + γ 2
3.6 Oscilador harmônico forçado 113
uma força que é diferente de zero somente durante um intervalo de tempo considerado
muito pequeno em um dado problema, mas que nesse intervalo fornece um impulso
significativo. Seja F a força percussiva, F a sua função-força, e [t0 ; t0 + τ ] o intervalo
de tempo no qual F é diferente de zero, sendo τ positivo e muito pequeno no problema
em consideração; dizemos que a força percussiva age no intervalo [t0 ; t0 + τ ] e que
ela tem duração τ . Seja ∆p a variação do momento linear da partı́cula no intervalo
[t0 ; t0 + τ ],
Z t0 +τ
∆p = p(t0 + τ ) − p(t0 ) = F(t)dt . (3.132)
t0
Nesse intervalo de tempo, a variação da velocidade é ∆v = ∆p/m e a variação da
posição ∆x é tal que |∆x| ≤ (|v(t0 )| + |∆v|)τ . Portanto, durante o impulso, uma
força percussiva muda significativamente a velocidade da partı́cula sem praticamente
mudar a sua posição. Podemos chamar movimento percussivo àquele que exibe
essa propriedade, em um pequeno intervalo de tempo sofre uma variação significativa
de velocidade com uma variação insignificante de posição. Em geral, não conhece-
mos a forma exata da força percussiva, pois ela age em um intervalo de tempo muito
curto, em que observações e medições são difı́ceis, mas podemos conhecer o seu efeito,
o momento linear ∆p ganho pela parı́cula. Consequentemente, o movimento durante
a percussão é geralmente desconhecido, mas ao final da percussão sabemos que a
partı́cula ganhou um momento linear ∆p sem praticamente mudar de posição. Poste-
riormente, consideraremos a situação idealizada em que a duração da força percussiva
vai a zero sem alterar o impulso ∆p que ela transmite.
Fora do intervalo em que age a força percussiva, é fácil encontrar uma solução
partı́cular aproximada da equação de movimento, caso seja conhecida a solução geral
da homogênea associada. Vamos ilustrar o método de encontrar essa solução con-
siderando a equação de movimento
d2 x dx
m 2
+b + kx = F(t) , (3.133)
dt dt
na qual F(t) é a força percussiva. Qualquer solução particular serve para nosso
propósito, de somá-la à solução geral da equação homogênea associada (3.68) para
obter a solução geral da equação inomogênea (3.133). Já que serve qualquer solução
particular, vamos escolher uma com condição inicial bem simples, qual seja, posição
e velocidade nulas no instante que chamaremos inicial. Também por simplicidade,
esse instante inicial será anterior ao instante t0 , em que a força percussiva começa
a agir, mas tão próximo de t0 quanto se queira; usamos para um tal instante inicial
a notação t0 − 0, que é usual no cálculo infinitesimal para representar limε→0 t0 − ε
(ε > 0). Portanto, a condição inicial para a solução particular, que denotamos por
xp , é
xp (t0 − 0) = 0 e ẋp (t0 − 0) = 0 . (3.134)
No intervalo [t0 , t0 + τ ] a força percussiva transmite à partı́cula um momento ∆p,
sem praticamente mudar sua posição, de modo que em um instante imediatamente
posterior a t0 + τ , que denotamos por t0 + τ + 0, temos a condição
∆p
xp (t0 + τ + 0) ≈ 0 e ẋp (t0 + τ + 0) = . (3.135)
m
3.6 Oscilador harmônico forçado 115
Notemos, com atenção, o caráter aproximado da condição sobre a posição, ela per-
maneceu apenas aproximadamente a mesma que em (3.134). Por esse caráter aprox-
imado, a solução particular que iremos encontrar, também será apenas aproximada.
Para encontrar a solução particular de (3.133), vamos aproveitar o fato de que a
força percussiva é nula fora do intervalo de tempo [t0 , t0 + τ ]. Por isso, fora desse
intervalo a equação (3.133) é homogênea,
d2 x dx
m 2
+b + kx = 0 (t < t0 ou t > t0 + τ ) . (3.136)
dt dt
Uma vez que, por hipótese, sabemos a solução geral dessa equação homogênea, pode-
mos determinar a solução particular em qualquer instante fora do intervalo [t0 ; t0 + τ ].
Vamos denotar por xh< (t) a solução da equação homogênea (3.136) para t < t0 ,
i.e., a solução que satisfaz à condição inicial (3.134), e por xh> (t) a solução para
t > t0 + τ , i.e., a solução que satisfaz à condição inicial (3.135). Para t < t0 , a
condição (3.134) e a unicidade da solução de (3.136) nos fornecem a solução iden-
ticamente nula, xh< (t) = 0 (t < t0 ). Para t > t0 + τ , a solução xh> (t) de (3.136)
também é, por hipótese, conhecida. Ela depende do impulso da força percussiva
por intermédio da condição inicial aproximada (3.135) que ela satisfaz. Portanto, a
solução aproximada particular da inomogênea, fora do intervalo [t0 ; t0 +τ ], é da forma
0 se t < t0 ,
xp (t) ≈ (3.137)
xh> (t) se t > t0 + τ .
No caso em que o oscilador é subamortecido é fácil verificar que essa solução é dada
por
0 se t < t0 ,
xp (t) ≈ (3.138)
(∆p/mω1 ) e−γ(t−t0 −τ ) sin ω1 (t − t0 − τ ) se t > t0 + τ .
O limite idealizado que tomamos, em que a duração da força percussiva vai a zero
mantendo constante o impulso que ela transmite, é chamado limite de percussão ide-
alizada. Nesse limite a força percussiva é chamada força percussiva idealizada, e
o movimento que ela provoca, movimento percussivo idealizado. Nessa situação
idealizada obtemos uma solução partı́cular exata para o movimento da partı́cula mas,
para isso, pagamos o preço de sua velocidade apresentar uma descontinuidade no in-
stante em que age a força percussiva. Um outro preço a ser pago nessa situação é que
a própria força percussiva torna-se altamente singular no instante em que transmite
seu impulso. Agora, vamos analisar mais de perto essa singularidade da força percus-
siva idealizada. Para tanto, não é importanto o valor especifico do impulso ∆p, mas
o fato de que ele é diferente de zero. Conseqüentemente, é conveniente definir, antes
de tomarmos o limite de percussão idealizada, uma força percursiva por unidade de
impulso. Denotando-a por δτ , temos δτ (t, t0 ) = F(t)/∆p. Conseqüentemente,
Usando que a força percussiva é nula fora do intervalo [t0 , t0 + τ ] e que, de acordo
com (3.132), transmite nesse intervalo impulso ∆p, obtemos
Z ∞
(i) δτ (t, t0 ) dt = 1 e (ii) δτ (t, t0 ) = 0 se t 6∈ [t0 , t0 + τ ] . (3.143)
−∞
3.6 Oscilador harmônico forçado 117
De acordo com a propriedade (ii), o limite de δτ define uma função que depende
apenas da diferença t − t0 e que denotamos por δ,
Usando essas propriedades, obtemos que a função δ é simétrica, δ(t − t0 ) = δ(t0 − t);
também obtemos para qualquer função Ψ : lR → lR, contı́nua em t0 ,
Z ∞
Ψ(t) δ(t − t0 ) dt = Ψ(t0 ) . (3.147)
−∞
Finalmente, notemos que a solução particular (3.152) não depende da forma pre-
cisa da função percussiva antes do limite de percussão idealizado. Podemos escolher
para ela qualquer forma ou, equivalentemente, escolher qualquer forma para δτ (t, t0 )
em (3.142), desde que no limite τ → 0 a função δτ tenda para a função δ com as
propriedades (3.146).
X∞
Cn sin(ωn t + θn + βn )
xp (t) = p , (3.159)
2 2 2 2 2
n=1 m (ωn − ω0 ) + 4γ ωn
ω02 − ωn2 π π
βn = arctg − ≤ βn ≤ (n ∈ lN∗ ) . (3.160)
2γωn 2 2
onde An := Cn cos θn e Bn := −Cn sin θn . Com isso, podemos reescrever (3.159) como
X∞
An sin(ωn t + βn ) − Bn cos(ωn t + βn )
xp (t) = p . (3.162)
m (ω 2 − ω 2 )2 + 4γ 2 ω 2
n=1 n 0 n
onde
Z
2 T 2πnt
An = F(t) cos dt (n = 0, 1, 2, . . .) e
T 0 T
Z
2 T 2πnt
Bn = F(t) sen dt (n = 1, 2, . . .) . (3.165)
T 0 T
Nesse caso, temos uma superposição de forças na qual entram forças harmônicas com
freqüências proporcionais aos inteiros positivos, ωn = (2π/T ) n (n ∈ lN∗ ), e uma força
constante A0 /2. As idéias usadas para obter a solução particular (3.162), no caso
da superposição (3.158), podem ser empregadas para obter uma solução particular
no caso da superposição (3.164). Nesse caso, usamos (3.108), (3.109), (3.131) e o
princı́pio de superposição de soluções, para obter a solução particular
∞
A0 X An 2πn
xp (t) = + rh i2 sen t + βn −
2mω02 n=1
2πn 2
2πn 2
T
m 2
− ω0 − 4γ 2
T T
Bn 2πn
− rh i2 cos t + βn ,
2πn 2
2 T
m −ω 2 − 4γ 2 2πn
T 0 T
(3.166)
onde
ω02 − (2πn/T )2 π π
βn = arctg − ≤ βn ≤ (n ∈ lN∗ ) . (3.167)
2γ(2πn/T ) 2 2
Uma série de funções cos(2πnt/T ) (n = 0, 1, 2, . . .) e sen (2πnt/T ) (n = 1, 2, . . .),
como em (3.164), é chamada série de Fourier. O princı́pio de superposição de
soluções pode ser usado para encontrar uma solução particular, através de um for-
malismo semelhante ao da série de Fourier, mesmo quando a força não é periódica,
como postulado em (3.163). Contudo, nesse caso, é necessário usar no lugar da série
de Fourier uma integral chamada transformada de Fourier. Esse método de encontrar
soluções particulares de (3.156), baseado na superposição de soluções particulares de
forças harmônicas, é chamado método de Fourier.
Agora, passemos ao método de encontrar soluções particulares da equação in-
omogênea (3.156), baseado na superposição de soluções particulares de forças per-
cussivas; ele é chamado método da função de Green e se baseia na idéia de que
qualquer força prescrita pode ser vista como uma soma ou série de forças percussi-
vas consecutivas. No caso limite de percussão idealizada, a força prescrita pode ser
3.7 Oscilador harmônico forçado por força prescrita arbitrária. 121
vista como uma integral de forças percussivas idealizadas, de acordo com a seguinte
expressão decorrente da propriedade (3.147) da delta de Dirac,
Z ∞
F(t) = δ(t − t′ )F(t′ )dt′ . (3.168)
−∞
Com efeito, nessa expressão, o integrando pode ser comparado com (3.150) e interpre-
tado como uma força percussiva idealizada δ(t − t′ )F(t′ )dt′ , que transmite o impulso
F(t′ )dt′ no instante t′ . Com isso, a força prescrita é dada em (3.168) por uma super-
posição dessas forças impulsivas, sendo a superposição descrita por uma soma com
ı́ndice contı́nuo t′ ∈ lR, i.e., por uma integral em t′ , de t′ = −∞ a t′ = +∞.
Substituı́ndo na equação diferencial inomogênea (3.156) a expressão (3.168) para
a força prescrita arbitrária F, é fácil verificar que
Z ∞
xp (t) = G(t, t′ )F(t′ )dt′ , (3.169)
−∞
Portanto, todo o trabalho para determinar a solução particular (3.169) para qualquer
força prescrita F resume-se a encontrar uma solução particular G(t, t′ ) da equação
(3.170). Felizmente, já dispomos dessa solução, como se vê comparando a equação
(3.170) com a equação (3.151) para um força percussiva idealizada de impulso ∆p.
Obviamente, dividindo por ∆p qualquer solução particular da equação (3.151) obte-
mos uma solução particular para a equação (3.170). Como já dispomos para (3.151)
da solução particular xp (t) dada em (3.152), obtemos a seguinte solução particular
para a equação (3.170),
xh> (t)
G(t, t′ ) = ΘH (t − t0 ) . (3.171)
∆p
Por exemplo, no caso do oscilador subamortecido, (3.153) nos fornece a seguinte
solução particular de (3.170),
Green pode ser determinada pelos procedimentos da seção anterior que resultaram na
solução (3.171). No caso subamortecido, por exemplo, encontramos explicitamente a
função de Green (3.172). Vale lembrar que esses procedimentos consistiram, essen-
cialmente, em considerar uma força percussiva em um certo intervalo, encontrar fora
do intervalo a solução aproximada da equação homogênea associada e, finalmente,
tomar o limite de percussão idealizada, no qual a duração do intervalo vai a zero.
Capı́tulo 4
Movimento Multidimensional de
uma partı́cula
4.1 Introdução
Para estudar os movimentos não-retilı́neos de uma partı́cula torna-se imprescindı́vel
o uso de vetores. Neste capı́tulo, em que estudamos tais movimentos, voltamos a usar
a função-movimento φ, que associa a cada instante do tempo t o vetor-posição r da
partı́cula nesse instante,
r = φ(t) . (4.1)
123
124 Capı́tulo 4 – Movimento Multidimensional de uma partı́cula
Z P2
|dr| = d(P1 , P2 ; φ) , (4.3)
P1 (φ )
onde tivemos o cuidado de agregar φ ao sı́mbolo da integral, para indicar que ela
depende do movimento.
Fixemos na curva C um sentido de percurso que chamamos sentido positivo
da curva, sendo o oposto, então, chamado sentido negativo da curva. Seja um
deslocamento infinitesimal dr ao longo da curva, do ponto P ao ponto P ′ = P + dr.
Espaço percorrido no arco infinitesimal de P a P ′ é, por definição, o real ds =
±|dr|, conforme dr aponte no sentido positivo ou negativo da curva. Seja uma curva
C aberta que não se intercepta; se uma partı́cula se mover nela, de um ponto P1 a
um ponto P2 , e os espaços percorridos em seus deslocamentos infinitesimais forem
adicionados, obteremos um quantidade que depende do par de pontos P1 e P2 , e
da curva C, mas não do particular movimento que a partı́cula realiza nessa curva.
4.1 Introdução 125
onde agregamos C ao sı́mbolo da integral para deixar explı́cito que ela depende da
curva percorrida pela partı́cula. Vamos fixar uma curva C e nela um ponto OC . Nesse
caso, o espaço percorrido ao longo da curva, de OC até um ponto P qualquer da curva,
é uma função apenas de P , que denotamos por s(P ) e chamamos espaço percorrido
até P . Desse modo, temos
Z P
s(P ) = ds . (4.5)
OC (C)
dr
t := . (4.6)
ds
db
= −τ n . (4.10)
ds
As equações (4.7), (4.9) e (4.10), dão as taxas de variação dos vetores de Frenet-Serre
por unidade de deslocamento na curva,
dt dn db
= κn , = −κt + τ b , = −τ n (4.11)
ds ds ds
e são chamadas fórmulas de Frenet-Serre.
O inverso da curvatura em um ponto P da curva é chamado raio de curvatura
da curva no ponto P, e é denotado por ρ,
1
ρ := . (4.12)
κ
O vetor ρn aplicado no ponto P tem sua extremidade final em um ponto C localizado
na reta suporte de n. Esse ponto C é chamado centro de curvatura da curva no
ponto P . O cı́rculo contido no plano osculador, centrado no centro de curvatura C e
com raio igual ao raio de curvatura ρ, é chamado cı́rculo osculador da curva no
ponto P .
Usando a definição (4.12) de raio de curvatura e as fórmulas de Frenet-Serre (4.11),
obtemos as seguintes expressões para a velocidade e a aceleração da partı́cula na base
de Frenet-Serre,
ṡ2
v = ṡt e a = s̈t + n . (4.13)
ρ
Chamamos ṡ celeridade, velocidade escalar ou rapidez da partı́cula no ponto P
da trajetória. O vetor s̈t é chamado aceleração tangencial da partı́cula no ponto
P da trajetória e o vetor ṡ2 n/ρ, aceleração centrı́peta ou aceleração radial da
partı́cula no ponto P da trajetória. Notemos que a aceleração centrı́peta da
partı́cula no ponto P da trajetória é a aceleração que teria uma partı́cula hipotética
que estivesse em movimento circular uniforme com celeridade ṡ, percorrendo o cı́rculo
que oscula a curva no ponto P .
A base de Frenet-Serre é obtida da trajetória da partı́cula e sua importância reside
exatamente no fato de seus vetores serem definido por propriedades intrı́nsecas da
trajetória. Outras bases são importantes no estudo do movimento tridimensional,
por sua utilidade na exploração das simetrias do sistema ou do movimento em con-
sideração. Essas bases são obtidas de particulares sistemas de coordenadas, como
128 Capı́tulo 4 – Movimento Multidimensional de uma partı́cula
Em geral, essas equações diferenciais são acopladas, i.e., cada uma depende de mais
de uma incógnita, de modo que não podemos resolver cada uma sem resolver simul-
taneamente as outras. Tais equações continuam em geral acopladas, mesmo quando
a força depende exclusivamente da posição ou da velocidade. Parte significativa do
formalismo da Mecânica consiste em métodos para desacoplar tais equações ou re-
solvêlas simultaneamente. Em algumas situações muito simples elas já se apresen-
tam desacopladas. Uma delas é quando a força depende exclusivamente do tempo;
nesse caso, (4.15) reduz-se a três problemas unidimensionais e podemos resolver cada
equação separadamente das outras. Um outra situação, de considerável interesse,
é dada pelo oscilador harmônico tridimensional, definido como uma partı́cula
sujeita à força resultante
na qual r r r
kx ky kz
ωx := , ωy := e ωz := (4.20)
m m m
4.2 Teoremas do momento linear, do momento angular e da energia cinética 129
P = mv , (4.21)
L = r × m ṙ . (4.25)
dL
=r×F. (4.26)
dt
Definimos torque de uma força F aplicada em um ponto P , relativo à origem
−
→
O, como sendo o produto vetorial de PQ = r pela força F; denotando por N o torque
temos
N := r × F . (4.27)
No caso da equação (4.26) a força F é a resultante e obtemos que a taxa de variação
do momento angular é igual ao torque da força resultante,
dL
=N. (4.28)
dt
Esse é o teorema do momento angular e torque. O torque (3.26) é uma função
de posição, velocidade e tempo, definida por N(r, v, t) = r × F (r, v, t). Integrando
(4.28) no decorrer de um movimento φ, desde um instante t1 até um instante t2 ,
obtemos Z t2
L(t2 ) − L(t1 ) = N(r, v, t) dt , (4.29)
t1 (φ )
NQ = (r − rQ ) × F (4.32)
dLQ
= NQ . (4.33)
dt
4.2 Teoremas do momento linear, do momento angular e da energia cinética 131
F = F (r) . (4.39)
Nesse caso, de acordo com a definição (4.38), o trabalho realizado por F durante um
movimento φ, do instante t1 ao t2 , é dado por
Z t2 Z t2
F (r) · v dt := F (φ(t)) · φ
φ̇(t)dt . (4.40)
t1 (φ ) t1
É importante notar que esse trabalho da força conservativa F pode ser calculado
mesmo considerando-se uma curva de r1 a r2 que não seja uma trajetória possı́vel da
4.3 Forças conservativas e energia potencial 133
partı́cula no problema em consideração; basta que a curva passe apenas por posições
r nas quais a função-força F seja definida. É fácil demonstrar que uma força F é
conservativa se, e somente se, é nulo o trabalho que ela realiza ao longo de qualquer
curva fechada, i.e.,
I
F = F (r) é conservativa ⇐⇒ F · dr = 0 (4.43)
C
para qualquer curva fechada C. Se uma força F é conservativa podemos, após fixarmos
uma posição rp no espaço, que chamamos de posição padrão, definir a seguinte
função U ,
Z rp
U (r) := W (r, rp ) = F (r ′ ) · dr ′ . (4.44)
r
A função U é chamada de uma energia potencial associada à força F. Notemos
que a escolha de uma outra posição padrão leva a uma outra energia potencial, que
difere da anterior por uma constante aditiva. De (4.44) obtemos
dU (r) = −F
F (r) · dr , (4.45)
No membro direito dessa equação temos o trabalho elementar F (r) · dr, realizado
pela força em um deslocamento elementar dr. No membro esquerdo temos o difer-
encial exato de uma função escalar U , que depende apenas da posição r. A equação
mesma afirma que o trabalho elementar de uma força conservativa é o diferencial
exato de uma função escalar que depende apenas da posição. Mais especificamente,
é o diferencial exato da função −U , i.e., F (r) · dr = d[−U (r)]. Em contrapartida,
é trivial verificar que uma força que depende apenas da posição é conservativa se
o seu trabalho elementar é igual ao diferencial exato de alguma função escalar que
depende apenas da posição. Portanto, podemos dizer que a condição necessária e
suficiente para que uma força que depende apenas da posição seja conservativa é que
o seu trabalho elementar seja o diferencial exato de uma função escalar que depende
apenas da posição. Nesse caso, o negativo de uma tal função é uma energia potencial
da força conservativa.
Da equação (4.45) obtém-se, imediatamente,
F (r) = −∇U (r) . (4.46)
Essa equação dá a força a partir da energia potencial e pode ser vista como a relação
inversa de (4.44), que dá a energia potencial a partir da força. Como são as forças que
determinam o movimento, podemos mudar a energia potencial de qualquer maneira
que não provoque uma mudança na força. A equação (4.46) mostra então que a
mudança mais geral que podemos fazer na energia potencial é acrescentar-lhe uma
constante aditiva, i.e., se U é energia potencial da força F, podemos substituir U
por U + C, onde C é uma constante arbitrária. Também U + C é chamada energia
potencial de F.
Uma vez que todo gradiente é irrotacional, temos, em virtude de (4.46), que toda
força conservativa é irrotacional,
∇ × F (r) = 0 . (4.47)
134 Capı́tulo 4 – Movimento Multidimensional de uma partı́cula
Portanto, toda força conservativa, i.e., que satisfaz à equação (4.43), possui uma
energia potencial e é irrotacional.
Agora, consideremos uma força F que depende apenas da posição r e que é irrota-
cional, i.e., que satisfaz ∇×F
F (r) = 0 em todos os pontos no qual F é definida. Supon-
hamos, além disso, que no domı́nio de definição dessa força qualquer curva fechada C
é a borda de alguma superfı́cie S totalmente contida no domı́nio de definição de F .
Nesse caso, temos que ∂S = C e podemos aplicar o teorema de Stokes para F e S,
Z I
∇ × F · ndA = F · tds , (4.48)
S ∂S
onde usamos a notação definida em (4.42). Mas sendo F conservativa temos que
Esse resultado pode ser obtido direta e rapidamente a partir de (4.35) e usando (4.56)
e (4.57),
d 1 2
mv = Fc · v + Fnc · v = −(∇V ) · v + Fnc · v
dt 2
d
= − U (r) + Fnc · v, (4.60)
dt
que é equivalente a (4.59). Se Fnc = 0 reobtemos de (4.59) o teorema da conservação
da energia mecânica. Chamaremos energia mecânica a soma da energia cinética com
a energia potencial associada à componente conservativa da força resultante, mesmo
quando houver a outra componente não-conservativa.
i.e, a variação da energia cinética deve-se apenas à potência fornecida pela força
elétrica. Se, além disso, o campo elétrico depende apenas da posição e a força elétrica
qE é conservativa, temos uma energia potencial U associada a ela, de modo que
U (r)
V (r) := (4.65)
q
4.4 Partı́cula em campo eletromagnético 137
obtemos
E(r) = −∇V (r) (4.66)
e
1
E = mṙ2 + qV (r) (4.67)
2
é constante durante o movimento.
A solução da equação de movimento (4.62) pode ser bastante difı́cil. Consideremos
o caso particular em que os campos E e B são uniformes e constantes. Nesse caso
(4.62) assume a forma
q
mr̈ = qE + ṙ × B , (4.68)
c
ou
r̈ = a + ω × ṙ, (4.69)
qE qB
a := e ω := − . (4.70)
m mc
ẍ − ω ẏ = 0 , ÿ + ω ẋ = ay e z̈ = az (4.71)
ξ¨ + iω ξ˙ = iay (4.74)
Sendo constante o termo livre dessa equação linear, é fácil obter a solução particu-
lar ay t/ω. Procurando soluções da homogênea associada na forma exponencial eαt
encontramos α = 0 ou α = −iω. Portanto, a solução geral de (4.74) é
ay
ξ = C̃ + Ãe−iωt + t, (4.75)
ω
138 Capı́tulo 4 – Movimento Multidimensional de uma partı́cula
E×B
va = c. (4.79)
B2
d
(v − ω × r) = 0 . (4.81)
dt
Consequentemente v − ω × r é um vetor constante C que, de acordo com as condições
iniciais, é dado por C = v0 − ω ×r0 . Seja v0k a componente vetorial de v0 ao longo de
ω e v0⊥ a componente perpendicular a ω ; temos, então, C = v0k + v0⊥ − ω × r0 . Por
uma escolha judiciosa da origem O, podemos fazer com que v0⊥ = ω ×r0 . Com efeito,
é possı́vel escolher O no plano perpendicular a ω e que passa pelo ponto P0 ocupado
4.5 Movimento sob força central 139
pela partı́cula no instante inicial; nesse caso, temos ω ·r0 = 0 e a equação v0⊥ = ω ×r0
tem a solução r0 = v0⊥ × ω /ω 2 . Portanto, para que tenhamos v0⊥ = ω × r0 basta
escolher O = P0 + (ω × v0 )/ω 2 . Nesse caso, obtemos de (4.81)
v = v0k + ω × r . (4.82)
vk = v0k e v⊥ = ω × r⊥ , (4.83)
Temos, também, que toda força central produz torque zero, se tomarmos o centro
de força como ponto base, pois r × F = r × F(r)r̂ = 0. Portanto, se tal força central
é a resultante, o momento angular da partı́cula é conservado.
Os movimentos de uma partı́cula sob ação de uma força resultante central são
dados pela Segunda Lei de Newton na forma
mr̈ = F(r)r̂ . (4.89)
Temos, então, que o momento angular L da partı́cula em relação ao centro é con-
servado. Consequentemente, a partı́cula se move em um plano perpendicular a L
(em uma reta se L = 0). Esse movimeneto bidimensional sofre duas restrições, uma
proveniente da constância de |L|, que exige que r varra áreas iguais em tempos iguais,
e a outra proveniente da constância da energia, já que a força central é conservativa.
Veremos que essas duas leis de conservação, do momento angular e da energia, são
suficientes para determinar o movimento da partı́cula a partir da condição inicial.
Para estudar o movimento da partı́cula sob a ação da força central é natural usar-
mos coordenadas polares r e θ no plano do movimento. Naturalmente, r é a distância
da partı́cula ao centro de força e θ é o angulo polar com vértice nesse centro; podemos
chamá-lo ângulo polar varrido pela partı́cula. Usando essas coordenadas, o movi-
mento plano da partı́cula passa a ser dado como a superposição de um movimento
radial, descrito pela coordenada r e um movimento angular, descrito pela coordenada
θ. Temos, então, r = rr̂, ṙ = ṙr̂ + r θ̇θ̂ e r̈ = (r̈ − r θ̇ 2 )r̂ + (r θ̈ + 2ṙ θ̇)θ̂. Usando essa
expressão da aceleração na Segunda Lei de Newton (4.89), obtemos
mr̈ − mr θ̇ 2 = F(r) e mr θ̈ + 2mṙ θ̇ = 0 . (4.90)
Essa última equação é equivalente a
d
(mr 2 θ̇) = 0 (4.91)
dt
que é simplesmente a afirmação de que o módulo do momento angular é constante,
pois L = r × mv = m rr̂ × (ṙr̂ + r θ̇θ̂) = mr 2 θ̇ r̂ × θ̂. O valor constante de L é dado
pelas condições iniciais. Obtemos, então, da segunda equação em (4.90),
L
θ̇ = . (4.92)
mr 2
Esta equação mostra que a partı́cula jamais muda seu sentido de rotação em torno
do centro de força, pois θ̇ não pode mudar de sinal em (4.92). Além disso, a rotação
torna-se mais lenta à medida que nos afastamos do centro; mais precisamente: a
velocidade angular cai com o quadrado da distância ao centro. Usando (4.92) para
eliminar θ̇ da primeira equação de (4.90), obtemos
L2
mr̈ = F(r) + . (4.93)
mr 3
4.5 Movimento sob força central 141
dU (r)
F(r) = − . (4.95)
dr
Além disso L2 /mr 3 = −d(L2 /2mr 2 )/dr. Portanto, a força efetiva (4.94) é dada por
dUef (r)
Fef (r) = − , (4.96)
dr
onde a função Uef é definida por
L2
Uef (r) = U (r) + (4.97)
2mr 2
e é chamada energia potencial efetiva no movimento radial da partı́cula. Temos,
pois, pelo teorema de conservação da energia,
1
E = mṙ 2 + Uef (r) , (4.98)
2
com a constante E dada em termos da condição inicial. Obtemos, então,
Z r r
dr ′ 2
p =± t, (4.99)
r0
′
E − Uef (r ) m
efetiva e uma energia E que permite à partı́cula mover-se entre uma distância mı́nima
e uma máxima do centro O, que denotamos por rP e rA , respectivamente. Um ponto
da trajetória de distância mı́nima é chamado pericentro e um de distância máxima,
apocentro. O mı́nimo da energia potencial efetiva no poço ocorre à distância que
denotamos por r0 , na qual a partı́cula tem velocidade radial máxima. A velocidade
angular máxima ocorre no pericentro e a mı́nima no apocentro. Se a energia da
partı́cula for exatamente igual Uef (r0 ), ela move-se em uma trajetória circular de
raio r0 , com velocidade L/mr0 . Se a energia da partı́cula for ligeiramente superior
a Uef (r0 ), ela move-se com pequenas oscilações radiais em torno de r = r0 . Se
Uef′′ (r0 ) 6= 0 então as oscilações radiais são harmônicas com freqüência
4.5 Movimento sob força central 143
s
1 d2 Uef (r)
ωr := . (4.101)
m dr 2 r=r0
2π
ωr = , (4.103)
τr
com τr dado por (4.102). Um movimento radial periódico não significa forçosamente
que o movimento da partı́cula seja periódico. Para que o movimento da partı́cula
seja periódico é necessário que a razão entre o perı́odo de revolução τ e o perı́odo
de oscilação radial τr seja um número racional; nesse caso a trajetória da partı́cula
é uma curva fechada. Se, além disso, a razão τ /τr for um número inteiro então a
trajetória da partı́cula é uma curva fechada simples; nese caso a área do interior da
trajetória é igual à área varrida durante um perı́odo de revolução que, em virtude da
conservação de L, é dada por Lτ /2m. Temos então a seguinte relação entre a área
da órbita Aorb e o perı́odo de revolução:
L
Aorb = τ. (4.104)
2m
Se L = 0 temos um movimento retilı́neo e uma única raiz dada por κ/E. Se a força é
repulsiva (κ > 0) o movimento só é possı́vel se E > 0 e κ/E é um ponto de máxima
aproximação. Se a força é atrativa (κ < 0) o movimento tem ponto de retorno em
4.6 Força central inversamente proporcional ao quadrado da distância 145
Figura 4.5: Ponto de retorno nos casos repulsivo e atrativo com momento angular
diferente de zero.
Nesse caso de força atrativa, se a energia é positiva (4.115) tem uma única raiz
positiva, que corresponde ao ponto de máxima aproximação, dado por
s
1 m|κ| m|κ| 2 2mE
= + + (κ < 0, E > 0) . (4.119)
rP L2 L2 L2
Se a energia é nula há uma única raiz que também corresponde a um ponto de máxima
aproximação, dado por
1 2m|κ| 2
= 2
= (κ < 0, E = 0) . (4.120)
rP L r0
Finalmente, se a energia é negativa, porém maior que o mı́nimo Uef (r0 ), (4.115) tem
duas raı́zes positivas que correspondem aos pontos de máxima aproximação e máximo
afastamento, dados por
s
1 m |κ| m|κ| 2 2m|E|
= + − e
rP L2 L2 L2
s
1 m |κ| m|κ| 2 2m|E|
= − − (κ < 0, E < 0) , (4.121)
rA L2 L2 L2
respectivamente.
4.6 Força central inversamente proporcional ao quadrado da distância 147
Nesse último caso, em que a partı́cula se move com energia negativa no poço da
energia potencial atrativa, o seu movimento radial se processa no intervalo [rP ; rA ]
com extremos dados por (4.121). Já no caso em que a energia é positiva o movimento
é ilimitado, quer a força seja repulsiva, quer seja atrativa; (4.116) e (4.119) mostram
que a partı́cula aproxima-se mais do centro no caso atrativo. Esta maior aproximação
no caso atrativo é um resultado intuitivo que está ilustrado na figura.
Agora, vamos determinar a trajetória da partı́cula a partir de (4.109), que no caso
da força inversamente proporcional ao quadrado da distância, (4.112), assume a forma
d2 u mκ
2
+u=− 2 , (4.122)
dθ L
cuja solução é dada por
1 mκ
= − 2 + A cos(θ − θ0 ) , (4.123)
r L
onde A e θ0 são constantes a serem determinadas a partir das condições iniciais.
A constante A pode ser considerada não negativa, pois θ0 pode ser redefinido para
garantir a positividade do coeficiente do cosseno. A órbita é simétrica em relação ao
eixo θ = θ0 . Para uma dada órbita podemos escolher o eixo polar como sendo um eixo
de simetria e, com isso, fazemos θ0 = 0 ou π. A maneira mais simples de relacionar A
com as condições iniciais (por meio de L e E) consiste em obter os pontos de retorno
do movimento radial a partir da órbita (4.123) e compará-los com (4.115). Temos
que os pontos de retorno são definidos pela condição dr/dt = 0, ou equivalentemente,
por d(1/r)/dt = 0. Tal condição é equivalente a sin(θ − θ0 ) = 0 na equação (4.123),
i.e., a cos(θ − θ0 ) = ±1. Portanto, os pontos de retorno em (4.123) são dados por
1 mκ
= − 2 ±A , (4.124)
r L
148 Capı́tulo 4 – Movimento Multidimensional de uma partı́cula
κ = −GmM⊙ . (4.130)
Consideremos desprezı́veis todas as outras forças que agem sobre o planeta. Sendo
a força gravitacional central, obtemos que o momento angular do planeta em relação
à origem no Sol é conservado. Obtemos então que o planeta move-se em uma órbita
plana e seu vetor-posição varre áreas iguais em tempos iguais; essa é a Segunda Lei
4.8 Seção de choque e problema de Rutherford 149
2m 2 p
τ= πa 1 − ε2 . (4.131)
L
No
pcaso de uma elipse a energia E é negativa e a excentricidade (4.127) é dada por
ε = 1 − (2|E|L2 /mκ2 ). Substituindo essa expressão em (4.131) obtemos
s
π 2 κ2 m
τ= . (4.132)
2|E|3
Mas o semi-eixo maior a é dado em função do semi-latus rectum por (A1.12), i.e., a =
l/(1−ε2 ); usando nessa expressão as espressões (4.127) e (4.128) para a excentricidade
e o semi-latus rectum no caso da elipse, obtemos
κ
a= . (4.133)
2E
Com essa expressão podemos eliminar E de (4.132) e obter
m
τ 2 = 4π 2 a3 . (4.134)
κ
Finalmente, usamos o fato crucial de que a constante κ no caso gravitacional é pro-
porcional à massa m do planeta, de acordo com (4.130), que substituı́da em (4.134)
dá
4π 2 3
τ2 = a . (4.135)
GM⊙
Essa equação afirma que nas órbitas planetárias a razão entre o quadrado do perı́odo
de revolução e o cubo do semi-eixo maior tem o mesmo valor para todos os planetas;
essa é a Terceira Lei de Kepler. Com isso, fica completamente resolvido o problema
de Kepler do movimento planetário.
dN
dσ = A. (4.136)
N
Na
na = , (4.138)
A
152 Capı́tulo 4 – Movimento Multidimensional de uma partı́cula
Figura 4.8: Partı́culas de uma área dσ da seção reta se espalham entre os ângulos Ω
e Ω + dΩ.
dN
= na dσ . (4.139)
N
Para uma outra maneira útil de definir seção de choque, consideremos os espalhamen-
tos ocorridos durante um intervalo de tempo T e defininamos luminosidade L do
feixe incidente como sendo o número de partı́culas incidentes que atravessam uma
seção reta do feixe por unidade de área e por unidade de tempo,
N
L := . (4.140)
AT
Usando esse conceito de luminosidade podemos escrever (4.137) na forma
1 dN/T
dσ = , (4.141)
Na L
i.e., a seção de choque para espalhamentos entre os ângulos Θ e Θ + dΘ é a taxa
temporal com que partı́culas são espalhadas entre esses ângulos, por unidade de lu-
minosidade do feixe incidente e por unidade de centro espalhador no alvo. É útil
tomar a expressão (4.141) como definição de seção de choque, pois ela prescinde de
qualquer referência às partı́culas do feixe incidente que serão espalhadas dentro do
ângulo sólido considerado.
Definimos a seção total de choque como sendo a integral da seção de choque para
todos os ângulos de espalhamento; denotando-a por σ, temos
Z Θ=π
σ= dσ . (4.142)
Θ=0
4.8 Seção de choque e problema de Rutherford 153
Θ = π − 2α , (4.146)
onde α é o ângulo que cada assı́ntota faz com o eixo da hipérbole. O parâmetro de
impacto está relacionado com as caracterı́sticas da trajetória e pode ser escrito em
termos desse ângulo α e do semilatus rectum l da hipérbole,
b = l cot α . (4.147)
Θ
b = l tan . (4.148)
2
De acordo com (4.128) o semilatus rectum é dado por L2 /(m|κ|), que em termos das
condições iniciais b e v0 , nos leva a
mv02 b2
l= . (4.149)
|κ|
|κ| Θ
b= 2 cot . (4.150)
mv0 2
Essa seção de choque, tal como em (4.145), pode ser escrita em termos do ângulo
sólido dΩ,
2
κ 1
dσ = 2 2 dΩ . (4.152)
2mv0 sin (Θ/2)
κ = q1 q2 , (4.153)
156 Capı́tulo 4 – Movimento Multidimensional de uma partı́cula
Movimento de um sistema de
Partı́culas
5.1 Introdução
Consideremos um sistema de N partı́culas, de massas m1 , m2 , . . . , mN , cujo movi-
mento em relação a um referencial inercial Ref estudaremos agora. Recordemos al-
gumas definições e propriedades fundamentais de um tal sistema, apresentadas no
capı́tulo 2, e desenvolvamos um pouco mais nossa notação para facilitar o seu estudo.
Continuaremos as usar grandezas cinemáticas relativas à origem de Ref . Como sabe-
mos, qualquer afirmação em termos dessas grandezas pode ser reescrita em termos das
correspondentes grandezas relativas a Ref ; basta usar o isomorfismo κB determinado
pela base B de Ref .
Uma N -upla de vetores (r1 , r2 , . . . , rN ), na qual ri é a posição da i-ésima partı́cula
do sistema (i = 1, 2, . . . N ), é chamada uma configuração do sistema. A configuração
do sistema será denotada pelo mesmo sı́mbolo usado anteriormente para denotar a
posição da partı́cula de um sistema de uma única partı́cula. Assim,
r = (r1 , r2 , . . . , rN ) . (5.1)
→
−
Agora, no entanto, r ∈ E N , enquanto no caso de uma única partı́cula tı́nhamos
→
−
r ∈ E ; naturalmente, a nova notação é coerente com a antiga, uma vez que se reduz
a ela no caso N = 1. O conjunto de todas as configurações possı́veis do sistema é o
→
−
seu espaço de configurações. O espaço de configurações é um subconjunto de E N .
Se estivéssemos usando vetores posições relativos a Ref a configuração dada por (5.1)
seria escrita como r = (r 1 , r 2 , . . . , rN ), onde ri ∈ lR3 (i = 1, 2, . . . , N ) e r ∈ lR3N .
Nesse caso, o espaço de configurações é visto como um subconjunto de lR3N .
Uma função-movimento do sistema, ou movimento do sistema, é uma N -upla de
funções-movimento,
φ = (φ1 , φ2 , . . . , φN ) . (5.2)
157
158 Capı́tulo 5 – Movimento de um sistema de Partı́culas
onde Fex , chamada força externa total sobre o sistema, é a soma de todas as forças
externas que agem sobre ele,
XN
Fex := Fex
k , (5.6)
k=1
N
X
P := Pk , (5.7)
k=1
Portanto, se a força externa sobre o sistema é nula, o momento linear tem o mesmo
valor no inı́cio e no final de qualquer intervalo de tempo. Se P(ti ) e P(tf ) são os
valores do momento linear nos instantes inicial e final do intervalo [ti , tf ], temos
Voltemos agora à situação geral em que a força externa total sobre o sistema pode
não ser nula. Sendo F ex a função-força da força externa, podemos escrever (5.8) na
forma explı́cita
dP
= F ex (r1 , r2 , . . . , rN ; ṙ1 , ṙ2 , . . . , ṙN ; t) . (5.11)
dt
Consideremos um movimento possı́vel do sistema, φ = (φ1 , φ2 , . . . , φN ), Integrando
ambos os membros de (5.11) durante um intervalo [ti , tf ] desse movimento, obtemos
Z tf
P(tf ) − P(ti ) = Fex dt , (5.12)
ti (φ )
ou seja, podemos considerar que o momento linear se conserva, pelo menos de modo
aproximado, mesmo com uma força externa total diferente de zero. Devem ficar
bem claras as hipóteses dessa conservação, ela ocorre em um intervalo de tempo
suficientemente pequeno, na ausência de forças externas percussivas. Essas hipóteses
são satisfeitas nos processos ditos de colisão. Nesses processos as partı́culas interagem
por meio de forças internas percussivas; são forças muito intensas que agem apenas
durante o brevı́ssimo tempo de contato entre as partı́culas. Sendo internas, elas não
contribuem para a variação do momento linear. Freqüentemente, as forças externas
não são percussivas, de modo que não têm tempo de fornecer impulso significativo
ao sistema, durante o contato entre as partı́culas. Com isso temos a conservação do
momento (5.15), durante o intervalo de tempo da colisão.
Comparando a definição (5.7) de momento linear com a definição (2.139) de centro
de massa obtemos:
P = M Ṙ , (5.16)
onde M é a massa total do sistema e Ṙ, a velocidade do seu centro de massa. O
produto M Ṙ é chamado momento linear do centro de massa do sistema, de
modo que podemos afirmar que o momento linear de um sistema é igual ao momento
linear de seu centro de massa.
Usando a Segunda Lei de Newton, obtemos para a taxa temporal de variação desse
momento angular,
dLk
= Nk , (5.18)
dt
onde
Nk := rk × Fk , (5.19)
que é o torque da força resultante sobre a k-ésima partı́cula. Somando (5.18) para
todas as partı́culas do sistema obtemos a igualdade
dL
=N, (5.20)
dt
na qual usamos as definições
N
X
L := rk × mk rk (5.21)
k=1
e
N
X
N := rk × F k (5.22)
k=1
A grandeza L, definida em (5.21), é chamada momento angular do sistema;
obviamente, ele é a soma dos momentos angulares de todas as partı́culas do sistema.
A grandeza N, definida em (5.22), é chamada torque total sobre o sistema e é
dada pela soma dos torques sobre todas as partı́culas do sistema; todos os momentos
angulares e torques envolvidos nessas definições são, é claro, tomados em relação ao
mesmo ponto base O.
A Terceira Lei de Newton leva ao cancelamento das forças internas e é natural
perguntar que restrições impõem à soma dos torques de todas as forças internas.
Temos
N
X N X
X N N
1 X′
rk × Fin
k = rk × Fkj = (rk − rj ) × Fkj , (5.23)
2
k=1 k=1 j=1(k) k,j=1
Conseqüentemente, o torque total (5.22) é igual à soma dos torques das forças exter-
nas, que chamamos torque externo total e denotamos por Nex ,
N
X
Nex := rk × Fex
k . (5.25)
k=1
162 Capı́tulo 5 – Movimento de um sistema de Partı́culas
Temos, então,
N = Nex . (5.26)
Vemos que o valor nulo para a soma dos torques das forças internas se deve à hipótese
de que as forças de ação e reação têm a direção da reta que passa por elas. Nesse
contexto, distinguimos a Terceira Lei de Newton Fraca, que afirma que ação e reação
entre duas partı́culas têm mesmo módulo, mesma direção e sentidos opostos, da Ter-
ceira Lei de Newton Forte, que afirma que, além disso, elas têm a direção da reta
que passa pelas duas partı́culas. Estamos, pois, supondo a validade da Terceira Lei
de Newton em sua forma forte. Observemos que os adjetivos forte e fraco nesse con-
texto têm significado lógico (uma proposição é mais forte do que outra se contém
propriamente a outra que, nesse caso, é dita mais fraca que a primeira).
Usando o resultado (5.26) em (5.20), obtemos
dL
= Nex , (5.27)
dt
i.e., a taxa temporal de variação do momento angular do sistema é igual ao torque
externo total sobre o sistema. Esse resultado é chamado teorema do momento an-
gular de um sistema de partı́culas. Quando o torque externo total é nulo o momento
angular do sistema se conserva,
rkQ := rk − rQ . (5.29)
Também definimos torque externo total sobre o sistema, relativo a Q, como sendo
a soma
N
X
Nex
Q := rkQ × Fex
k . (5.32)
k=1
dLQ
= Nex
Q , (5.33)
dt
desde que se cumpra uma das seguintes condições : (i) Q tem aceleração nula, ou (ii)
Q é o centro de massa do sistema, ou (iii) Q só tem aceleração na direção da reta que
o liga ao centro de massa. Quando se cumpre a condição (i) Q pode ser considerado
como um ponto fixo em um referencial inercial e, consequentemente, (5.33) em nada
generaliza o resultado (5.27). Quando Q é o centro de massa temos em (5.33) um
resultado de extrema importância,
dLcm
= Nex
cm . (5.34)
dt
Esse resultado não está incluı́do em (5.27). A condição (iii) é muito incomum e não
merecerá nossa atenção. Notemos que, em todos os casos em que (5.33) é válida, as
forças em consideração são definidas em um referencial inercial, mesmo que o ponto
base Q esteja acelerado.
Se não há torque externo em relação a Q temos, por (5.33), que se conserva o
momento angular do sistema relativo a Q,
Nex
Q = 0 =⇒ LQ = constante . (5.35)
e
m1 r1Q × v1Q + m2 r2Q × v2Q + · · · + mN rN Q × vN Q = LQ0 , (5.37)
onde P0 e LQ0 são constantes determinadas pela condição inicial. Portanto, embora
o movimento do sistema com essa condição inicial possa ser desconhecido, pelo menos
sabemos que ele se processa de modo que as posições e velocidades das partı́culas, a
cada instante, respeitam as restrições (5.36) e (5.37).
164 Capı́tulo 5 – Movimento de um sistema de Partı́culas
dTk = d Wk . (5.41)
d W = d W in +d W ex , (5.45)
onde
N
X
in
dW := Fin
k · drk (5.46)
k=1
é chamado trabalho realizado pelas forças internas sobre o sistema e
N
X
d W ex := Fex
k · drk (5.47)
k=1
Agora, vamos nos restringir à situação importante em que as forças internas de-
pendem apenas da configuração do sistema. Nesse caso,
N
1 X′
d W in = F kj (rkj ) · drkj . (5.49)
2
k,j=1
onde o sinal menos é usado por conveniência. O trabalho totald W em (5.45) assume,
então, a forma
d W = −dU ′ +d W ex (5.51)
166 Capı́tulo 5 – Movimento de um sistema de Partı́culas
d(T + U ′ ) = d W ex . (5.52)
sendo o sinal menos usado por conveniência. Nesse caso, (5.52) reduz-se a
d(T + U ′ + U ′′ ) = 0 . (5.54)
E := T + U . (5.57)
dE = 0 . (5.58)
ou seja,
dE
=0, (5.59)
dt
em qualquer movimento real do sistema. A forma integrada dessa equação é
E = E0 , (5.60)
5.4 Energia do sistema 167
Z tf N
X
F k (r1 , . . . , rN ; ṙ1 , . . . , ṙN ; t) · ṙk dt =
ti φ k=1
Z N
tf X
= F k (φ1 (t), . . . , φN (t); φ
φ̇1 (t), . . . , φ
φ̇N (t); t) · φ
φ̇k (t) dt . (5.62)
ti k=1
A integral (5.61) é a soma dos trabalhos realizados, durante o intervalo [ti , tf ], por
todas as forças do sistema, no seu movimento φ = (φ1 , . . . , φN ). É o que chamamos
trabalho total sobre o sistema no intervalo de tempo do movimento considerado.
Passemos ao caso em que as forças dependem apenas da configuração do sistema.
Temos, então, que (5.61) assume a forma mais simples
Z tf Z tf N
X
dW = F k (r1 , . . . , rN ) · ṙk dt =
ti φ ti φ k=1
Z N
tf X
= F k (φ1 (t), . . . , φN (t)) · φ
φ̇k (t) dt . (5.63)
ti k=1
onde abolimos da integral o sı́mbolo φ que especifica o movimento porque ela, por
hipótese, não depende dele.
Da definição (5.66), obtemos
Z rf
d W = −[U (rf ) − U (ri )] (5.68)
ri
e
d W = −dU (r1 , . . . , rN ) . (5.69)
Portanto, o negativo do diferencial da função U , definida em (5.67), é igual ao trabalho
elementar. De acordo com a definição dada nesta seção, essa função é uma energia
potencial do sistema. A configuração do sistema rp , escolhida para a definição (5.67)
de U , é chamada configuração padrão dessa energia potencial.
Resumindo, temos que d W é um diferencial exato se o trabalho realizado sobre o
sistema em qualquer intervalo de tempo de qualquer movimento do sistema depender
somente das configurações inicial e final do sistema no intervalo. Podemos, então,
usar essa dependência exclusiva das configurações inicial e final como um critério
para verificar se o sistema é conservativo. Caso o seja, usamos (5.67) como uma
definição de energia potencial do sistema; é claro que adicionando a U definida em
(5.67) uma constante qualquer o resultado ainda é uma energia potencial do sistema.
5.5 Movimento em relação ao centro de massa 169
rk′ := rk − R . (5.70)
Temos, de imediato,
N
X
mk r′k = 0 (5.71)
k=1
Essa equação expressa o fato trivial de ser nulo o vetor-posição do centro de massa
relativo a ele mesmo, i.e., R′ := 0. Definamos momento linear relativo ao centro
de massa como sendo o vetor
N
X
P′ := mk ṙ′k . (5.72)
k=1
Obtemos de (5.71)
P′ = 0 , (5.73)
i.e., é sempre nulo o momento linear de um sistema relativo ao seu centro de massa.
Esse resultado deve ser associado a (5.16), que afirma que o momento linear de um
sistema é o momento linear de seu centro de massa.
Usando (5.70) na definição (5.21) de momento angular de um sistema, obtemos,
em virtude de (2.136),
N
X
L = r × M ṙ + r′k × mk ṙ′k , (5.74)
k=1
L = L′ + r × M ṙ . (5.76)
Se usarmos (5.70) na definição (5.22) de torque total sobre o sistema, obtemos uma
expressão que, em virtude da Terceira Lei de Newton, pode ser posta na forma
N = N′ + r × Fex , (5.77)
onde N′ é o torque total relativo ao centro de massa, de acordo com a definição (5.31),
N
X
N′ := r′k × Fk (5.78)
k=1
Chamando R×Fex torque sobre o centro de massa, temos em (5.77) que o torque
total sobre um sistema é o torque total em relação ao centro de massa mais o torque
sobre o centro de massa.
Supondo que as forças internas de interação têm a direção da reta que passa pelas
partı́culas interagentes, i.e., a Terceira Lei de Newton forte para as forças internas,
obtemos um cancelamento total dos torques das forças internas relativos ao centro de
massa. com isso obtemos
N′ = N′ ex , (5.79)
onde N′ ex é o torque externo total relativo ao centro de massa,
N
X
N′ ex = r′k × Fex
k . (5.80)
k=1
Definimos energia interna de um sistema como sendo sua energia cinética interna
(5.83) mais sua energia potencial interna U ′ ; a energia interna é função apenas das
posições e velocidades relativas ao centro de massa do sistema. Denotando por E in a
energia interna , temos
E in = T ′ + U ′ (5.87)
ou, mais explicitamente,
N
X
in 1
E (r′1 , . . . , r′N ; ṙ′1 . . . , ṙ′N ) := mk ṙ′k + U ′ (r′1 , . . . , r′N ) . (5.88)
2
k=1
Vemos que a energia interna do sistema é uma quantidade que depende apenas das
posições e velocidades das partı́culas relativas ao centro de massa do sistema.
Quando a resultante das forças externas é nula obtemos de (2.140) que o centro de
massa tem velocidade constante. Nesse caso, tomemos como referencial inercial um
referencial em que esta velocidade é nula, Ṙ = 0. Com isso, de acordo com (5.82),
a energia cinética total do sistema torna-se igual à sua energia em relação ao centro
de massa, T = T ′ . Podemos, então, usar a definição (5.87) de energia interna para
escrever (5.52) na forma
dE in = d W ex (5.89)
Essa equação é o ponto de partida para se obter a Primeira Lei da termodinâmica
em Fı́sica Estatı́stica.
m2 m1
r1 = R + r e r2 = R − r. (5.93)
m1 + m2 m1 + m2
A equação de movimento do centro de massa é, de acordo com (2.140),
As equações (5.99) são equivalentes às equações (5.90), porém, em (5.99), podemos
identificar situações interessantes em que as variáveis do movimento se desacoplam.
Por exemplo, se na primeira equação de (5.99) a força externa total não depende
da posição relativa r, a equação inteira só depende de r e, em princı́pio, poderá ser
5.7 Rotação de corpo rı́gido em torno de eixo fixo 173
P = M Ṙ , (5.102)
L = r × µṙ + R × M Ṙ (5.103)
e
1 2 1
T = µṙ + M Ṙ2 . (5.104)
2 2
nessa circunferência é determinada por uma única coordenada. Junto com P3 ficam
determinadas as posições dos demais pontos do corpo, devido à sua rigidez. Desse
modo, temos as possı́veis posições do corpo rı́gido dadas por 6 coordenadas. Para
determinar o movimento do corpo rı́gido devemos determinar as 6 funções que dão
estas coordenadas em função do tempo. Para isso dispomos das 6 equações, dadas
por (5.8),
dP
= Pex (5.105)
dt
e por (5.33),
dLQ
= Nex
Q . (5.106)
dt
A determinação do movimento geral do corpo rı́gido a partir dessas 6 equações é um
problema complicado que estudaremos em um capı́tulo posterior.
Nesta seção, consideramos apenas a situação muito simples na qual o corpo rı́gido
tem por movimento apenas rotações em torno de um eixo fixo no referencial inercial
em uso; notemos que tais rotações são, de fato, movimentos possı́veis de um corpo
rı́gido. Nesses movimentos, por definição, cada partı́cula do corpo move-se em uma
circunferência centrada no eixo fixo e com jazitura perpendicular a ele. O eixo fixo
em torno do qual rodam as partı́culas do corpo é chamado de eixo de rotação.
Vamos escolher um sistema de eixos com o eixo OZ ao longo do eixo fixo de rotação
e usar coordenadas cilı́ndricas para localizar posições no espaço. Sejam bk , ϕk e zk as
coordenadas cilı́ndricas da k-ésima partı́cula do corpo, partı́cula cuja massa é mk e
cujo vetor-posição é rk . Na posição dessa partı́cula temos os respectivos unitários das
coordenadas cilı́ndricas, que serão denotados por b̂k , ϕ̂ k e ẑ. Uma vez que o único
movimento do corpo é de rotação em torno de OZ, temos que bk e zk são constantes,
sendo bk o raio da circunferência na qual se move a k-ésima partı́cula, com velocidade
instantânea bk ϕ̇k ϕ̂ k . Chamamos ϕ̇ velocidade angular instantânea de rotação
da k-ésima partı́cula em torno do eixo OZ. Devido à rigidez do corpo, temos que
ϕj − ϕk = const. para qualquer par de partı́culas j e k do corpo. Conseqüentemente,
temos que ϕ̇j = ϕ̇k , i.e., todas as partı́culas têm a mesma velocidade angular, que
também denominamos velocidade angular de rotação do corpo rı́gido em torno
do eixo fixo, e que denotamos por ω,
ϕ̇k = ω (k = 1, . . . , N ) . (5.107)
Podemos fixar no corpo rı́gido uma semireta que parte da origem O e está contida
no plano OX Y. Denotando por ϕ a coordenada cilı́ndrica de tal semi-reta, temos
ω = ϕ̇ . (5.108)
É conveniente escolher uma tal semireta e usar a variável ϕ para estudar a rotação
do corpo rı́gido em torno de OZ.
Para determinar o movimento de rotação do corpo rı́gido em torno do eixo fixo
OZ vamos usar (5.106), ou mais precisamente (5.27), pois usaremos como ponto de
base o ponto O, fixo no eixo de rotação e no referencial inercial em uso. Temos, em
virtude de (5.107),
Lz = Izz ϕ̇ , (5.109)
5.7 Rotação de corpo rı́gido em torno de eixo fixo 175
Esse número Izz é chamado momento de inércia do corpo rı́gido em relação ao eixo
OZ. Substituindo (5.109) em (5.27) obtemos
Obviamente,
Izz = M kz2 . (5.113)
1
T = Izz ϕ̇2 . (5.114)
2
Para calcular os trabalhos realizados pelas forças que agem no corpo rı́gido devemos
levar em conta que o deslocamento infinitesimal de qualquer partı́cula do corpo é
perpendicular ao vetor-posição da partı́cula e ao eixo OZ de rotação. Temos para
a k-ésima partı́cula: rk = bk b̂k + zk ẑk , ṙk = bk ϕ̇ϕ̂ k e drk = bk dϕϕ̂ k . Essa última
expressão pode ser escrita na forma drk = ẑ × rk dϕ, que usada na expressão (5.47)
para o trabalho externo infinitesimal, dá
d W ex = Nzex dϕ . (5.115)
176 Capı́tulo 5 – Movimento de um sistema de Partı́culas
Supondo que cada força interna de interação têm a direção da reta que passa pelas
partı́culas interagentes, temos que o trabalho interno é nulo,
d W in = 0 . (5.116)
dU = −Nzex dϕ (5.117)
e, conseqüentemente, Z ϕp
U (ϕ) = Nzex dϕ , (5.118)
ϕ
No caso em que o corpo rı́gido tem a forma de uma superfı́cie ou de uma linha, substi-
tuimos a densidade volumar ρ pela densidade superficial ou linear, conforme o caso,
e as integrais volumares que acabamos de exibir são substituı́das pelas respectivas
integrais lineares e superficiais.
178 Capı́tulo 5 – Movimento de um sistema de Partı́culas
Capı́tulo 6
Teoria Newtoniana da
Gravitação
179
180 Capı́tulo 6 – Teoria Newtoniana da Gravitação
que haja quatro tipos de forças na natureza. As forças subnucleares chamadas forte
e fraca, e as forças eletromagnética e gravitacional. As forças subnucleares são de
curtı́ssimo alcance, e não se fazem sentir a distâncias macroscópicas tais como as que
estaremos considerando. Já as forças eletromagnética e gravitacional são de longo
alcance, teoricamente infinito, e se fazem sentir a distâncias macroscópicas. A força
eletromagnética pode ser identificada pelo seu modo de ação sobre corpos eletrica-
mente carregados, de modo que, em princı́pio, podemos nos certificar de que não há
forças eletromagnéticas entre partı́culas que pretendemos usar em um experimento.
Considerando-se várias partı́culas e medindo-se as forças gravitacionais entre elas
quando estãos em diversas posições, obtemos experimentalmente que a força grav-
itacional sobre uma partı́cula i de vetor-posição ri , exercida por uma partı́cula j de
vetor-posição rj , é dada pela expressão
Gij
Fij = − 2 r̂ij , (6.2)
rij
na qual rij2 e r̂ são o módulo e o unitário do vetor-posição relativa à partı́cula j, r =
ij ij
ri −rj , e Gij é uma constante de proporcionalidade positiva que depende apenas do par
(i, j) de partı́culas em consideração. Portanto, pelo resultado (6.2) fica estabelecido
que a força gravitacional entre qualquer par de partı́culas é atrativa, ao longo da
reta que passa pelas partı́culas, e varia com o inverso do quadrado da distância entre
elas. Além disso, verifica-se que as constantes de proporcionalidade associadas aos
pares de partı́culas satisfazem a duas propriedades. A primeira é a propriedade de
simetria Gij = Gji , para qualquer par (i, j) de partı́culas; ela confirma que as forças
de interação gravitacionais obedecem à Terceira Lei de Newton. A segunda é que,
para qualquer par (i, j) de partı́culas, as razões Gik /Gjk tem o mesmo valor qualquer
que seja a partı́cula k, i.e., todas essas razões são iguais a uma constante que depende
apenas do par (i, j). Denotando por αij uma tal constante, temos
Gik
= αij para qualquer partı́cula k . (6.3)
Gjk
Segue-se que αij = α−1 ji e αik αkj = αij , quaisquer que sejam as partı́culas i, j e k.
Escolhendo-se uma partı́cula padrão p, associamos a cada partı́cula i a quantidade
positiva mi′ = αip up , na qual up é o sı́mbolo da unidade em que mi′ é dada em virtude
da escolha da partı́cula p como padrão. Obtemos, de imediato, que αij = mi′ /mj′ .
Além disso, podemos escolher uma segunda partı́cula q, que chamaremos de padrão
secundário, e obter que a constante Gij em (6.2) é proporcional ao produto das
constantes mi′ e mj′ ,
Gij = G ′ mi′ mj′ , (6.4)
onde temos a constante G ′ , i.e., uma quantidade independente do par de partı́culas
(i, j). Portanto, (6.2) pode ser escrita como
′
mi′ mj′
Fij = −G 2 r̂ij . (6.5)
rij
Naturalmente, mi′ e mj′ são números reais positivos que medem a capacidade que as
respectivas partı́culas i e j tem de exercer e sofrer a força gravitacional. Tais números
são chamados massas gravitacionais das respecitivas partı́culas.
6.2 Força e campo gravitacionais 181
A força por unidade de massa m, Fm /m, não depende da massa m, mas apenas do
ponto do espaço onde supomos estar a massa. A razão Fm /m define, portanto, uma
182 Capı́tulo 6 – Teoria Newtoniana da Gravitação
mj
m2 r − rj
rj
P
m1
r
mN
Nem todos os sistemas fı́sicos são convenientemente descritos como uma distribuição
discreta de matéria com N corpos puntiformes. Há sistemas que são apropriadamente
descritos como uma distribuição contı́nua de matéria e os campos gravitacionais que
eles geram são dados pela definição (6.8), mas não pela expressão (6.9). Os campos
6.3 Potencial gravitacional 183
É evidente que (6.9) e (6.11) são equivalentes à equação (6.7), mas (6.9) e (6.11)
indicam uma maneira mais prática de se calcular forças sobre partı́culas postas em
presença das N partı́culas que exercem a força (a razão é muito simples, mas vale a
pena refletir sobre ela).
Até agora exploramos o fato da força gravitacional (6.6) ser proporcional ao produto
das massas das partı́culas interagentes. De fato, essa propriedade nos motivou a
definir o conceito de campo gravitacional. A seguir, prosseguimos no desenvolvimento
da teoria explorando também outras propriedades dessa força, como o seu caráter
central e sua proporcionalidade ao inverso do quadrado da distância entre as partı́culas
interagentes.
Em termos desse vetor temos que o campo gravitacional gerado pela j-ésima partı́cula
no ponto de posição r é dado por ψj (ξj ) ξ̂ , onde a função ψj é definida por ψj (ξj ) =
184 Capı́tulo 6 – Teoria Newtoniana da Gravitação
Obtemos, então,
N
X N
X
g(r) · dr = ψj (ξj )dξj = d Ψj (ξj ) , (6.14)
j=1 j=1
G : D −→ lR
: P 7−→ G(P ) , (6.16)
Notemos que a equação (6.15) mostra que as integrais de linha de g não dependem
do caminho escolhido. Desse modo, temos que o potencial gravitacional definido em
(6.15) pode ser escrito como
Z rp
G(r) = g(r ′ ) · dr ′ , (6.17)
r
e, conseqüentemente,
∇ × g(r) = 0 . (6.20)
6.3 Potencial gravitacional 185
Um campo cujo rotacional é nulo é dito irrotacional. A equação (6.20) nos garante
que o campo gravitacional é irrotacional.
Decorre também de (6.14) que
I
g(r) · dr = 0 , (6.21)
C
Nesse caso, o caráter irrotacional do campo gravitacional implica que sua circulação
é nula em qualquer curva fechada de seu domı́nio, i.e., (6.22) implica em (6.21) que,
por sua vez, garante a existência de um potencial para o campo gravitacional em
consideração. Em suma, se o campo gravitacional tem domı́nio simplesmente conexo,
ele tem um potencial caso seja irrotacional.
Agora, passemos a explorar o fato de que a força gravitacional entre duas partı́culas
é não apenas central, mas de um tipo muito especial, o inversamente proporcional ao
quadrado da distância que as separa, i.e., a função ψj em (6.13) é dada por
Gmj
ψj (ξj ) = − . (6.23)
ξj2
Como conseqüência dessa propriedade, temos que Ψj em (6.14) pode ser escrita como
Gmj
Ψj (ξj ) = . (6.24)
ξj
N
X mj
G(r) = − G , (6.25)
|r − rj |
j=1
N
X N
X
Gmj
g(r) · ndA = − ξ̂ j · ndA = − Gmj dΩj , (6.28)
j=1
ξj2 j=1
ξ̂j · ndA (r − rj ) · n
dΩj := = dA . (6.29)
ξj2 |r − rj |2
Seja agora uma região R em E cuja borda ∂R esteja no domı́nio D de g. Com essa
hipótese excluimos a possibilidade de algum ponto de ∂R coincidir com a posição
de uma massa puntiforme. Vamos orientar a superfı́cie fechada ∂R com a normal
n apontando de dentro para fora da região R. Temos que o ângulo sólido total
subentendido pela superfı́cie fechada ∂R é igual a 4π se o vértice do ângulo estiver
na região no interior à superfı́cie e, zero se estiver na região exterior, i.e.,
I (
4π se o vértice de dΩj ∈ R ,
dΩj = (6.30)
∂R 0 se o vértice de dΩj ∈/R ,
6.4 Lei de Gauss da gravitação 187
ξ̂j
dA
ξj n
r
dΩ
mj
rj
Vemos que o fato de que o campo gravitacional gerado por uma partı́cula ser propor-
cional à sua massa faz com que o membro direito dessa equação seja proporcional à
soma das massas das partı́culas que estão dentro da região R. Denotanto por mR a
massa total do subsistema contido na região R, obtemos a igualdade
I
g(r) · ndA = −4πGmR , (6.32)
∂R
ρ : M −→ lR
: P 7−→ ρ(P ) , (6.33)
dm = ρ(r)d3 r . (6.35)
σ : S −→ lR
: P −
7 → σ(P ) ,
λ : L −→ lR
: P −
7 → λ(P ) ,
ρ(r ′ ) d 3 r ′
r − r′
r′ P
O
M
Figura 6.3: Variáveis do cálculo de g(P ) ou G(P ) gerados por uma distribuição
contı́nua ρ na região M.
obtemos Z Z
∇ · g dV = − 4πGρ dV . (6.45)
R R
Como R é uma região arbitrária, concluı́mos que
∇ · g = −4πG ρ . (6.46)
∇2 G = 4πG ρ , (6.47)
Usando essa densidade na teoria desta seção reobtemos resultados das seções anteri-
ores para a distribuição discreta de N partı́culas.
6.5 Distribuições contı́nuas de massa 191
dA
r′
r − r′
θ′
O P
r
Z
σ(r ′ )
G(r) = − G ′|
dA ′ . (6.50)
S |r − r
Vamos usar um sistema de eixos com OZ ao longo de r, isto é, r = rẑ. Usando para
r ′ coordenadas esféricas neste sistema de eixos, obtemos que a distância entre um
elemento de massa da distribuição e o ponto de observação P é
p p p
|r − r ′ | = (r − r ′ )2 = r2 − 2r · r ′ + r ′ 2 = r 2 − 2ra cos θ ′ + a2 . (6.51)
O elemento de área no qual está o elemento de massa é dado por dA′ = r ′ dθ ′ r ′ sen θ ′ dϕ′ =
a2 sen2 θ ′ dθ ′ dϕ′ , e a casca toda é levada em consideração fazendo-se as variáveis de in-
tegração varrerem o domı́nido dado por 0 ≤ ϕ′ < 2π e 0 ≤ θ ′ ≤ π. Portanto, obtemos
Z 2π Z π
′ σa2 sen θ ′
G(r) = − dϕ dθ ′ G √ . (6.52)
0 0 r 2 + a2 − 2ar cos θ ′
O cálculo dessa integral não apresenta dificuldades,
Z θ′ =π
2πGσa2 π ′ 2ar sen θ ′ πGσa p 2
G(r) = − dθ √ =− 2 r + a2 − 2ar cos θ ′ ′
2ar 0 r 2 + a2 − 2ar cos θ ′ r θ =0
p p
2πGσa 2 2 2 2
2πGσa
=− r + a + 2ar − r + a − 2ar = − |r + a| − |r − a| .
r r
(6.53)
192 Capı́tulo 6 – Teoria Newtoniana da Gravitação
Temos, portanto, que uma casca de matéria esférica e homogênea gera na região
fora dela um campo gravitacional igual ao que toda a sua massa geraria se estivesse
concentrada no seu centro; na região interna à casca o campo gravitacional é nulo.
Observemos que é possı́vel fazer um cálculo que deixa perfeitamente claro que o campo
no interior da casca é nulo porque na fórmula da força gravitacional entre partı́culas
o expoente da distância entre elas é exatamente igual a 2.
X ∞ ′n
1 ′ r
= Pn (r̂ · r̂ ) . (6.62)
|r − r ′ | r n+1
n=0
Devemos observar que Mn (r̂) não depende da distância r, mas apenas da maneira
como a distribuição está orientada em relação a r (e, naturalmente, das caracterı́sticas
da distribuição e da origem em relação à qual definimos as posições das diversas partes
do sistema).
O polinômio de Legendre Pn é de ordem n e os 4 primeiros deles são dados por
1 1
P0 (x) = 1 , P1 (x) = x , P2 (x) = (3x2 − 1) e P3 (x) = (5x3 − 3x) . (6.65)
2 2
É imediato que Z
M0 (r̂) = ρ(r ′ ) d3 r ′ = M , (6.66)
M
M M1 (r̂) M2 (r̂)
G(r) = −G −G 2
−G − ··· . (6.67)
r r r3
O primeiro termo dessa expansão é o potencial gravitacional de uma partı́cula com
massa igual à massa total do sistema. É o termo dominante a grandes distâncias,
′ M
r >> rmax =⇒ G(r) ≈ −G , (6.68)
r
que é um resultado esperado. A expansão (6.63) é chamada expansão multipolar,
ou em multipolos, do potencial gravitacional. Essa expansão é particularmente útil
quando o cálculo do potencial exato (6.58) é por demais complicado, mas a soma de
194 Capı́tulo 6 – Teoria Newtoniana da Gravitação
alguns termos da série (6.63) é suficiente como uma boa aproximação do potencial.
Em muitas situações interessantes é suficiente truncar a série após o terceiro termo.
O termo −GMn (r̂)/r n+1 na expansão multipolar (6.63) é chamado termo de
multipolo de ordem n ou termo de 2n -polo. Desse modo, o primeiro termo, que
descreve o potencial de uma massa puntiforme, é o termo de monopolo. A própria
massa puntiforme é chamada monopolo gravitacional. O termo seguinte, de dipolo,
é proporcional a
M1 (r̂) = r̂ · M R , (6.69)
1
M2 (r̂) = r · Q(r) , (6.70)
2r 2
onde definimos o operador linear
→
− →
−
Q : E −→ E (6.71)
por meio de
Z
3 ′ ′ ′ ′ ′ ′
Q(r) = d r ρ(r ) 3r (r · r) − (r · r )r . (6.72)
M
e podemos escrever
Além disso, a mesma simetria garante que Q11 = Q22 . Usando esse resultado na
segunda igualdade em (6.74), podemos escrever
1
Q11 = Q22 = − Q33 . (6.75)
2
Desse modo, no caso de distribuição de massa com simetria axial em torno do terceiro
eixo, Q33 determina completamente o operador de quadrupolo Q. O número Q33 é
chamado momento quadrupolar da distribuição de massa e pode ser representado
por Q se não houver perigo de confusão com o operador quadrupolar. Usando (6.75)
em (6.70), obtemos
2z 2 − x2 − y 2 3 cos2 θ − 1
M2 (r̂) = Q zz = Qzz , (6.76)
4r 2 4
onde θ é o ângulo entre OZ e r, ou seja, cos θ = ẑ · r̂. Conseqüentemente, a con-
tribuição do termo quadrupolar ao potencial na expansão (6.63), que denotaremos
por G2 , é
Qzz
G2 (r) = −G 3 (3 cos2 θ − 1) . (6.77)
4r
Para uma distribuição esfericamente simétrica temos Qzz = 0, um resultado esperado
e fácilmente obtenı́vel da expressão (6.73) para i = j = z,
Z
Qzz = d3 r ′ ρ(r ′ )(2x′32 − x′12 − x′22 ) . (6.78)
M
Com efeito, no caso esfericamente simétrico as integrais provenientes dos termos 2x′12 ,
x′22 e x′32 , se cancelam.
Agora, suponhamos que a distribuição de massa, além de axialmente simétrica, seja
uniforme. Nessas condições, temos Qzz > 0 se a distribuição for prolata e Qzz < 0
se a distribuição for oblata. No caso de um elipsoide de revolução, em torno do eixo
OZ, obtemos
2
Qzz = M (c2 − a2 ) , (6.79)
5
onde c é o semi-eixo do elipsóide ao longo de OZ e a é o semi-eixo ortogonal a OZ.
Esse resultado é particularmente importante porque a Terra é, aproximadamente, um
elipsóide de revolução oblato, cujo raio equatorial a excede o semi-eixo polar c por
cerca de 21, 5 km. Chamamos achatamento ou oblatura do elipsóide de revolução
a grandeza
a−c
ε := . (6.80)
a
O achatamento da Terra é aproximadamente 1/300. Se a Terra tivesse densidade
uniforme, seu momento quadrupolar seria dado por
2 4
Qzz = M⊕ (c2 − a2 ) ≈ − M⊕ a2 ε , (6.81)
5 5
onde M⊕ é a massa da Terra. Esse resultado para o momento quadrupolar da Terra
pode se melhorado se levarmos em conta que a Terra não é uma distribuição de
196 Capı́tulo 6 – Teoria Newtoniana da Gravitação
massa uniforme, pois é mais densa na sua parte central do que na superficial. Essa
inomogeneidade pode ser levada em conta usando, no lugar de (6.81), o seguinte
momento quadrupolar:
4
Qzz = − M⊕ a2 λ , (6.82)
5
onde λ é um número positivo menor do que ε, que devemos escolher de modo a obter
de (6.82) a melhor descrição possı́vel do momento quadrupolar da Terra.
para qualquer curva fechada C. De acordo com a teoria exposta na seção 6.3 podemos
associar à partı́cula no campo gravitacional uma energia potencial dada por
Z rp
U (r) = Fm · dr , (6.84)
r
onde rp é a posição padrão escolhida. Tal energia é o trabalho que seria realizado
pela força gravitacional Fm , se a partı́cula fosse deslocada da posição r em que se
encontra até a posição padrão rP .
Sabemos que, associado ao campo gravitacional g, há um potencial gravitacional
G dado por (6.17). Supondo que o ponto padrão desse potencial seja o mesmo usado
na energia potencial em (6.84), obtemos
encontram-se infinitamente afastadas entre si. Essa energia potencial pode ser obtida
somando-se o trabalho realizado quando a primeira partı́cula vai ao infinito com as
N − 1 restantes em repouso, com o trabalho realizado quando a segunda partı́cula
vai ao infinito com as N − 2 partı́culas restantes em repouso e assim sucessivamente,
até que somemos o trabalho realizado quando a N -ésima e última partı́cula vai ao
infinito. Desse modo, obtemos
N
X −1 N
X −Gmj
U (r1 , ..., rN ) = mi , (6.86)
|ri − rj |
i=1 j=i+1
∇ · (g G) = (∇ · g)G + g · ∇G , (6.90)
Cordas Vibrantes
199
200 Capı́tulo 7 – Cordas Vibrantes
u(r, t)
′
r
r
O
τu (x, t)
r′
u(x, t)
O r = xx̂ X
x
Figura 7.2: A figura mostra um trecho da corda na configuração de equilı́brio retilı́nea,
ao longo do eixo OX , e o mesmo trecho em uma configuração arbitrária no instante
t. No ponto r′ desse trecho está indicada a tensão τu (x, t) que a parte da corda à
direita de r′ exerce na parte à esquerda, no instante t.
vez que a corda é perfeitamente flexı́vel, a tensão tem exatamente a direção da corda
em cada ponto, i.e., a direção do vetor tangente unitário no ponto,
τu (x, t) = τu (x, t) t , (7.6)
202 Capı́tulo 7 – Cordas Vibrantes
onde denotamos por τu (x, t) o modulo da tensão. Quando a corda está em repouso
na configuração de equilı́brio, sua tensão é constante e a mesma em toda a corda;
supomos que seja uma tensão conhecida, representamos o seu módulo por τ e o
denominamos tensão de equilı́brio. A função-força que dá a tensão na corda para
pequenas elongações de seus elementos é a Lei de Hooke. Essa lei relaciona a
variação do módulo da tensão por unidade de área de seção reta em um elemento da
corda, (τu (x, t)−τ )/a, com a extensão desse elemento por unidade de seu comprimento
original, (|ds| − |dx|)/|dx|. A Lei de Hooke estabelece que essas duas variações são
proporcionais (ut tensio, sic vis)1
τu (x, t) − τ |ds| − |dx|
=E , (7.7)
a |dx|
onde E é o módulo de Young, a constante de proporcionalidade da lei, uma quanti-
dade que depende apenas do material de que é feita a corda. Levando em conta a
aproximação de pequenas oscilações, podemos usar (7.4) para escrever a Lei de Hooke
(7.7) na forma
τu (x, t) − τ ∂ux (x, t)
=E . (7.8)
a ∂x
Finalmente, usando (7.8) e (7.5) em (7.6), obtemos a função-força da tensão na aprox-
imação de pequenas oscilações,
∂ux (x, t) ∂uy (x, t) ∂uz (x, t)
τu (x, t) = τ + aE x̂ + τ ŷ + τ ẑ . (7.9)
∂x ∂x ∂x
τu (x + dx, t)
−τu (x, t)
u(x, t)
x x + dx X
Figura 7.3: Tensões exercidas no elemento de corda pelas porções contı́guas da corda.
ou seja,
∂ 2 u(x, t)
σ(x) dx = τu (x + dx, t) − τu (x, t) + f (x, t) dx , (7.11)
∂t2
donde obtemos
∂ 2 u(x, t) ∂ τu (x, t)
σ(x) = + f (x, t) . (7.12)
∂t2 ∂x
Substituindo nessa equação a expressão (7.9) para a tensão, temos
∂ 2 u(x, t) ∂ ∂ux (x, t) ∂uy (x, t) ∂uz (x, t)
σ(x) = τ + aE x̂ + τ ŷ + τ ẑ + f (x, t)
∂t2 ∂x ∂x ∂x ∂x
(7.13)
e, conseqüentemente,
∂ 2 ux (x, t) ∂ 2 ux (x, t)
σ(x) = aE + fx (x, t) , (7.15)
∂t2 ∂x2
∂ 2 ux (x, t) ∂ 2 ux (x, t)
σ = aE + fx (x, t) , (7.17)
∂t2 ∂x2
204 Capı́tulo 7 – Cordas Vibrantes
e o termo livre −f (x, t)/τ é chamado de termo de fonte da equação da onda in-
omogênea.
Dalambertiano é o operador diferencial definido por
∂2 1 ∂2
= − . (7.21)
∂x2 c2 ∂t2
Em termos do dalambertiano, a equação da onda (7.19) toma a forma
f (x, t)
u(x, t) = − . (7.22)
τ
7.1 Equação de movimento para uma corda vibrante 205
No caso particular em que não há forças externas, a equação (7.19) reduz-se à equação
da onda homogênea 2
∂ 1 ∂2
− u(x, t) = 0 . (7.23)
∂x2 c2 ∂t2
que descreve as possı́veis oscilações da corda sujeita somente à força de tensão.
Agora, vamos obter a solução geral da equação de onda homogênea, devida a
D’Alembert. Inicialmente, observamos que
2
∂ 1 ∂2 ∂ 1∂ ∂ 1 ∂
− u(x, t) = + − u(x, t) . (7.24)
∂x2 c2 ∂t2 ∂x c ∂t ∂x c ∂t
Essa fatoração do operador dalambertiano sugere o uso das variáveis ξ e η, definidas
por
ξ = x − ct e η = x + ct . (7.25)
Temos, então,
∂ 1 ∂ ∂ ∂ 1 ∂ ∂
+ =2 e − =2 . (7.26)
∂x c ∂t ∂η ∂x c ∂t ∂ξ
Portanto,
∂2 1 ∂2 ∂ ∂
− =4 . (7.27)
∂x2 c2 ∂t2 ∂η ∂ξ
Substituindo este resultado na equação de onda (7.23), obtemos,
∂ ∂u
=0. (7.28)
∂η ∂ξ
Essa equação afirma que ∂u/∂ξ não depende de η, o que nos permite concluir que
∂u
= h(ξ) , (7.29)
∂ξ
onde h é uma função arbitrária. Dessa equação, obtemos
para todo instante t do movimento. Uma tal condiçãov na qual a função de onda é
nula nas extremidades da corda, é chamada condição de contorno de Dirichlet.
Quanto à condição inicial, lembremo-nos de que a equação da onda para a corda
tensa é simplesmente a Segunda Lei de Newton aplicada aos elementos da corda.
Portanto, devemos esperar que as condições iniciais sejam dadas pelas posições e
velocidades de todos os elementos da corda no instante inicial, digamos t = 0. Rep-
resentando por u0 (x) e v0 (x) a posição inicial e a velocidade inicial do elemento da
corda em x, vamos considerar a seguinte condição inicial para a corda,
∂u(x, 0)
u(x, 0) = u0 (x) e = v0 (x) (x ∈ [0, ℓ]) . (7.33)
∂t
∂2u ∂2u
σ = τ + f (x, t) . (7.35)
∂t2 ∂x2
Passamos, agora, ao procedimento usual para demonstrar o teorema do trabalho-
energia. Começamos por multiplicar a equação anterior pela velocidade do elemento
de corda,
∂ 2 u ∂u ∂ 2 u ∂u ∂u
σ 2 =τ 2
+ f (x, t) . (7.36)
∂t ∂t ∂x ∂t ∂t
Temos " #
∂ 2 u ∂u ∂ 1 ∂u 2
σ 2 = σ (7.37)
∂t ∂t ∂t 2 ∂t
e
∂ 2 u ∂u ∂ ∂u ∂u ∂u ∂ 2 u
τ = τ −τ
∂x2 ∂t ∂x ∂x ∂t ∂x ∂x∂t
" #
∂ ∂u ∂u ∂ 1 ∂u 2
= τ − τ . (7.38)
∂x ∂x ∂t ∂t 2 ∂x
podemos escrever
Z xf
dE in (t) ∂u ∂u xf ∂u
=τ + f (x, t) dx . (7.42)
dt ∂x ∂t xi xi ∂t
Essa equação estabelece que a taxa de variação da energia interna da corda se deve à
potencia fornecida às extremidades da corda e à potencia fornecida pela força externa
ao longo da corda.
Na situação em que não há forças externas ao longo da corda, f = 0, a equação
anterior reduz-se a
Z " 2 #
d xf 1 ∂u 2 1 ∂u ∂u ∂u xf
σ + τ dx = τ . (7.43)
dt xi 2 ∂t 2 ∂x ∂x ∂t xi
Agora, vamos usar (7.44), a conservação da energia interna da corda, para mostrar
que a equação de onda (7.23) tem uma única solução que satisfaz à condição de con-
torno de Dirichlet (7.32) e à condição inicial (7.33). Inicialmente, devemos observar
7.2 Condições inicial e de contorno para a corda vibrante 209
que a equação da onda (7.23) é linear, i.e., se u1 e u2 forem duas soluções da equação,
então αu1 + βu2 , com α e β constantes, também será solução; expressamos essa pro-
priedade dizendo também que as ondas obedecem o princı́pio da superposição de
soluções. Consideremos duas soluções u1 e u2 que satisfazem à condição de contorno
de Dirichlet (7.32) e à mesma condição inicial (7.33). Pelo princı́pio da superposição,
a diferença w = u2 −u1 também será solução da equação de onda, satisfará à condição
de contorno de Dirichlet(7.32) e à seguinte condição inicial,
∂w(x, 0)
w(x, 0) = 0 e =0 (x ∈ [0, ℓ]) . (7.46)
∂t
Devido à condição de contorno de Dirichlet, o membro direito de (7.43) é nulo. Por-
tanto, temos para a solução w,
Z " #
d xf 1 ∂w 2 1 ∂w 2
σ + τ dx = 0 (7.47)
dt xi 2 ∂t 2 ∂x
e, portanto,
Z xf " # Z xf " #
1 ∂w 2 1 ∂w 2 1 ∂w 2 1 ∂w 2
σ + τ dx = σ + τ dx .
xi 2 ∂t 2 ∂x xi 2 ∂t 2 ∂x
t=0
(7.48)
Devido à condição inicial (7.46), o membro direito dessa equação é nulo e, conseqüen-
temente,
Z xf " #
1 ∂w 2 1 ∂w 2
σ + τ dx = 0 . (7.49)
xi 2 ∂t 2 ∂x
∂w ∂w
=0 e =0, (7.50)
∂t ∂x
em qualquer posição, em qualquer instante, i.e., w é uma constante. Tendo em vista
as condições iniciais e de contorno, a constante é nula, w = 0, ou seja, u1 = u2 , o que
vale dizer que só há uma solução para o problema.
O problema de achar uma solução para a equação de onda (7.23) que satisfaça à
condição inicial (7.33), em que são dados a configuração da corda e sua distribuição de
velocidades, é chamado problema de Cauchy para a corda vibrante. Acabamos de
demonstrar, portanto, que o problema de Cauchy para a corda vibrante sob condições
de contorno de Dirichlet (7.32) tem solução única, caso exista alguma solução. Para
demonstrar que existe uma solução, podemos recorrer à solução geral de D’Alembert
(7.31) e mostrar que ela é capaz de satisfazer à condição de contorno de Dirichlet
(7.32) e a qualquer condição inicial da forma (7.33). Entretanto, demonstraremos
essa existência encontrando a solução por um outro método, devido a Bernoulli, na
próxima seção. No momento, vamos nos limitar a discutir como a solução geral de
D’Alembert (7.31) se adapta à condição de contorno de extremidades fixas, i.e., à
condição de Dirichlet (7.32).
210 Capı́tulo 7 – Cordas Vibrantes
d2 X ω2
+ X=0 (7.57)
dx2 c2
e
d2 Θ
+ ω2 Θ = 0 . (7.58)
dt2
A solução geral da equação (7.57) é dada por
ωx ωx
X(x) = C sen + C ′ cos , (7.59)
c c
onde C e C ′ são constantes arbitrárias. A solução geral de (7.58) é
ωℓ
sen =0. (7.61)
c
Essa última condição é equivalente a ω = ωn , sendo n um inteiro e
πc
ωn := n (n ∈ Z) . (7.62)
ℓ
Então, (7.59) deve ser da forma
nπx
Xn (x) = Dn sen (n ∈ Z) . (7.63)
ℓ
e (7.60), da forma
nπct nπct
Θn (t) = Dn cos + Dn′ sen (n ∈ Z) , (7.64)
ℓ ℓ
Portanto, as soluções (7.55) da equação da onda são dadas por
Além disso, o conjunto formado por essas últimas é linearmente independente. Por-
tanto, dentre as soluções (7.65), basta reter
nπx nπct nπx nπct
un (x, t) = An sen cos + Bn sen sen (n ∈ N∗ ) . (7.66)
ℓ ℓ ℓ ℓ
onde N∗ = {1, 2, . . .}. Notemos que, no caso em que ω = 0, além da solução trivial
em (7.63), também temos a solução X(x) = C ′′ x + C ′′′ (C ′′ e C ′′′ constantes), obtida
diretamente da equação (7.57) com ω = 0; entretanto, essa solução também se reduz
à trivial no caso das condições de contorno (7.32).
As soluções (7.66) são chamadas modos normais da corda vibrante. Em um modo
normal todas as partes da corda oscilam com a mesma freqüência. As freqüências
ωn (n ∈ N∗ ) são chamadas freqüências normais de vibração da corda. Elas são
determinadas pelo comprimento da corda e pela velocidade de propagação das ondas
progressivas, de acordo com (7.62). As freqüências normais são todas múltiplos da
mais baixa, ω1 = πc/ℓ. O significado fı́sico dos valores discretos das freqüências
normais pode ser intuitivamente apreciado se considerarmos os comprimentos de onda
λn := 2πc/ωn das partes espaciais da solução (7.66),
2ℓ
λn = (n ∈ N∗ ) . (7.67)
n
Essa fórmula mostra que a corda só acomoda um dado comprimento de onda se o
comprimento da corda for um múltiplo do semi-comprimento de onda.
Uma solução da forma (7.66) pode satisfazer somente um tipo particuları́ssimo de
condição inicial, dada por
nπx nπc nπx
u0 (x) = An sen , v0 (x) = Bn sen . (7.68)
ℓ ℓ ℓ
Para satisfazer condições iniciais mais gerais usamos o princı́pio da superposição para
construir soluções dadas pela superposição de todas as soluções da forma (7.66), a
saber, soluções da forma
X∞
nπx nπct nπx nπct
u(x, t) = An sen cos + Bn sen sen , (7.69)
ℓ ℓ ℓ ℓ
n=1
e com elas gerar as soluções (7.59) e (7.60) que dão origem às ondas estacionárias
(7.66). Com as soluções (7.72) também podemos formar para a equação da onda as
soluções que são funções de x ± ct,
ω = ω(k) . (7.79)
corda de piano, por exemplo, tem relação de dispersão dada, aproximadamente, por
ω 2 = c2 k2 + αk 4 , onde α é uma constante relacionada com a rigidez da corda.
Qualquer valor fixo da fase kx−ωt das funções harmônicas (7.75) define a velocidade
com que propaga o ponto da onda que tem essa fase. De fato, dado um valor constante
ϕ para a fase, kx−ωt = ϕ, obtemos k(dx/dt)−ω = 0, i.e., (dx/dt) = ω/k. Chamamos
|dx/dt|, i.e., ω/|k| velocidade de fase das ondas harmônicas (7.75). Obviamente, a
velocidade de fase dessas ondas é idêntica à velocidade de propagação.
As ondas harmônicas (7.75) na corda vibrante propagam-se indefinidamente para
a direita ou a esquerda, com velocidade c = ω/k. Se houver condições de contorno,
essas ondas harmônicas podem não obedecê-las, mas superposições delas podem dar
origem a soluções que as obedecem. No caso da corda de extremos fixos, por exemplo,
os modos normais (7.66) podem ser escritos como a seguinte superposição das ondas
harmônicas (7.75),
An
un (x, t) = sen(kn x − ωn t) − sen(−kn x − ωn t)
2
Bn
+ cos(kn x − ωn t) − cos(−kn x − ωn t) , (7.81)
2
nas quais ±kn e ωn não somente satisfazem (7.76), como também estão restritos aos
valores discretos dados por kn = nπ/ℓ e ωn = nπc/ℓ (n ∈ lN).
Passemos ao caso idealizado de uma corda infinita, que podemos considerar sem
condições de contorno. As ondas nessa corda também são dadas pela solução genérica
de D’Alembert (7.31), à qual desejamos, agora, incorporar a condição inicial (7.33).
Impondo tal condição à dita solução, obtemos
Figura 7.6: Cone passado (I) e cone futuro (II) do ponto (x, t).
Observemos, finalmente, que a expressão (7.83) pode ser adaptada às situações em
que a corda está sob condições de contorno, como nos casos de um dos extremos fixos
ou ambos os extremos fixos.
Figura 7.7: Corda elástica tensa carregada de contas com massas iguais a m.
vez que a massa da corda é desprezı́vel, ela tem em qualquer instante a forma de uma
poligonal com vértices nas partı́culas. No modelo que estamos discutindo, a corda
apenas exerce a função de proporcionar um meio de interação entre as partı́culas e
implementar a condição de contorno.
A Segunda Lei de Newton nos fornece as seguintes equações de movimento para
esse sistema de partı́culas:
d2 uj 2τ τ
m + uj − (uj+1 − uj−1 ) = 0 (j = 1, 2, ..., N ) . (7.85)
dt2 h h
mh 2
cos p = 1 − ω . (7.89)
2τ
7.5 Oscilações transversais numa rede unidimensional 219
O membro direito dessa equação é menor do que 1. Além disso é maior do que −1 se
ω for menor do que r
4τ
ωc := . (7.90)
mh
Se ω > ωc então cos p < −1 e p não é um número real, sendo dado por
" #
ω 2
p = π ± i arcosh 2 −1 . (7.91)
ωc
Tal valor de p, quando substituı́do em (7.88), leva a uma solução em (7.86) que não
pode satisfazer à condição de contorno de que ambas as extremidades da corda estão
fixadas no eixo OX . Concluimos, portanto, que
ω ≤ ωc (7.92)
e que p é real; além disso, como p aparece somente na função exponencial em (7.88),
podemos restringı́-lo apenas ao intervalo (π, π]. Finalmente, o duplo sinal no ex-
poente de (7.88) nos dispensa de considerar valores negativos de p, de modo que
consideraremos apenas os valores de p tais que
0≤p≤π. (7.93)
Temos, finalmente, que as soluções reais construidas a partir de (7.86) e (7.88) são
produtos de senos e cossenos com argumentos pj e ωt. A solução mais geral de (7.85)
será, então,
uj (t) = A sen pj cos ωt + B sen pj sen ωt + C cos pj cos ωt + D cos pj sen ωt . (7.94)
Para satisfazer à condição de contorno de extremidades fixas,
u0 (t) = uN +1 (t) = 0 , (7.95)
devemos ter C = D = 0 e sen [p(N + 1)] = 0, i.e., p = nπ/(N + 1) (n ∈ Z), com
a restrição (7.93). Notemos que, embora os casos n = 0 e n = N + 1 não sejam
excluidos pela condição (7.93), eles obedecem à condição de contorno da corda com
extremos fixos no eixo OX somente se forem as soluções triviais. Os valores restantes
de p,
nπ
p = pn := (n = 1, 2, ..., N ) , (7.96)
N +1
levam às soluções linearmente independentes da forma (7.94). Substituindo os valores
permitidos (7.96) de p em (7.89), obtemos os valores permitidos para a freqüência,
pn
ωn = ωc sen (n = 1, 2, ..., N ) . (7.97)
2
Essas são as freqüências normais de vibração da rede. Finalmente, substituindo em
(7.94) todos esses resultados provenientes da condição de contorno (7.95), obtemos
os modos normais de vibração da rede,
ujn (t) = sen(pn j) An cos(ωn t) + Bn sen(ωn t) (j = 1, 2, ..., N ; n = 1, 2, ..., N ) .
(7.98)
220 Capı́tulo 7 – Cordas Vibrantes
2ℓ N +1
λn = = 2h (n = 1, 2, ..., N ) . (7.103)
n n
7.5 Oscilações transversais numa rede unidimensional 221
ω = ωc sen(h|k|/2) . (7.104)
Além disso, a corda ideal com extremos fixos e ω = c|k| possui uma infinidade de
modos com freqüências tão altas quanto se queira, (ωn = nπc/ℓ ; n ∈ lN∗ ), ao passo
que a fictı́cia suporta apenas os N modos dados por ωn = ωc sen(nhπ/2ℓ) (n =
1, 2, ..., N ), conforme ilustrado na figura 7.9 para o caso N = 8.
Fluidos
8.1 Introdução
Anteriormente, definimos uma distribuição contı́nua de matéria em uma região M
como um sistema fı́sico cuja configuração é dada por uma função que associa, a cada
ponto da região, o valor da densidade de massa do sistema no ponto. A densidade,
assim definida, descreve uma distribuição de matéria em repouso ou uma distribuição
de matéria em um único instante bem determinado. Agora, desejamos considerar
a possibilidade do sistema fı́sico estar em movimento. Nesse caso, a densidade de
massa em cada ponto pode mudar com o tempo e, desse modo, deve ser uma função
do instante do tempo em consideração, além de ser uma função do ponto em questão.
Apresentamos, pois, a definição genérica de distribuição contı́nua de matéria em
uma região M, durante um intervalo de tempo I, como sendo uma função contı́nua
ρ : M × I −→ lR
: (P, t) 7−→ ρ(P, t) , (8.1)
quantidade essa que pode mudar com o tempo. Em uma região infinitesimal δR
temos, em virtude da continuidade da distribuição,
É claro pois que, em uma distribuição contı́nua, uma partı́cula do sistema não pode
223
224 Capı́tulo 8 – Fluidos
Uma vez que supusemos que o ângulo entre −n e n ′ está entre zero e um ângulo θ0
(menor do que noventa graus), podemos considerar que n ′ pode ter qualquer direção
dentro de um cone de vértice em P e ângulo de abertura 2θ0 ; o cone tem o eixo
na direção de n e se estende no sentido oposto a n. Portanto, a equação (8.12) nos
permite concluir que o valor da pressão em P , na direção de qualquer n ′ dentro do
cone, é igual à pressão em P na direção de n. Dessa propriedade é muito simples
concluir que “a pressão em qualquer ponto de um fluido em equilı́brio não depende
da direção em que é considerada”, i.e., a equação (8.12) é válida para quaisquer n
e n ′ . Podemos, portanto, definir a pressão em um fluido em equilı́brio como uma
quantidade que depende apenas do ponto do fluido em consideração, i.e., como um
campo escalar
p : M −→ lR
: P 7−→ p(P ) . (8.13)
∂p(P )
= ŝ · f (P ) , (8.15)
∂s
o que nos permite escrever, em virtude das propriedades do gradiente,
ŝ · ∇p(P ) = ŝ · f (P ) . (8.16)
∇p = f . (8.17)
Nessa forma, a equação fundamental da estática dos fluidos torna-se ainda mais in-
tuitiva. Ela afirma que a resultante das forças de pressão sobre a superfı́cie de uma
porção do fluido equilibra a resultante das forças de longo alcance que atuam no in-
terior dessa porção. Consideremos o caso em que a força volumar se resume ao peso
e há um corpo imerso no fluido. A resultante das forças de pressão sobre o corpo é
chamada empuxo sobre ele. A porção do fluido que ocuparia a região imersa do corpo
é chamada fluido deslocado pelo corpo. O Princı́pio de Arquimedes afirma que
o empuxo sobre um corpo imerso em um fluido tem mesmo módulo, mesma direção
e sentido oposto ao peso do fluido deslocado e está aplicado no centro de gravidade
do mesmo. Se postularmos que na interface entre uma porçao e o restante do fluido
em equilı́brio a pressão não muda se a porção for substituı́da por qualquer corpo com
a mesma forma, obtemos o princı́pio de Arquimedes como conseqüência do resultado
(8.20).
Um fluido em equilı́brio tem uma certa distribuição de pressões (8.13) e uma certa
distribuição de matéria dada por uma função densidade
ρ : M −→ lR
: P 7−→ ρ(P ) . (8.21)
8.3 Cinemática dos fluidos 229
dV
dp = −B , (8.22)
V
onde B é o módulo volumétrico do material em consideração. Dessa lei, obtemos
a seguinte relação entre pressão e densidade,
dρ
dp = B , (8.23)
ρ
ou seja,
−→
p(P ) = p(P0 ) + ρ g · P0 P . (8.26)
Essa relação é conhecida como Lei de Stevin e é comumente escrita na forma
Como de costume, podemos escrever u(r, t) no lugar de u(P, t), se denotarmos por r
o vetor-posição do ponto P .
Durante todo o escoamento do fluido, ou seja, em qualquer instante t do movi-
mento, a variável u(P, t) é o vetor-posição de um mesmo elemento do fluido (aquele
que no instante t0 tem posição r). Variáveis como essa, que são propriedades de
um mesmo elemento do fluido durante todo o movimento, são chamadas variáveis
lagrangianas ou variáveis de Lagrange. Dizemos que a variáveis lagrangianas
“seguem o movimento de cada elemento do fluido”.
Para muitos propósitos, é mais simples e conveniente usar variáveis que descrevem
propriedades do fluido em um ponto fixo do espaço; essas variáveis são chamadas
variáveis eulerianas ou variáveis de Euler. Nesse caso, em diferentes instantes a
variável descreve a mesma propriedade para, em geral, diferentes partı́culas do fluido.
De fato, no ponto fixo em que ela descreve a propriedade, em um instante se encontra
8.3 Cinemática dos fluidos 231
Figura 8.4: A variável lagrangiana u(P, t) descreve em qualquer instante t uma pro-
priedade de uma mesma partı́cula do fluido, no caso, descreve a posição da partı́cula
que se encontra em r no instante t0 .
Φ : M × I −→ lR
: (P, t) 7−→ Φ(P, t) , (8.29)
que pode representar um campo escalar ou uma componente de algum campo vetorial
ou tensorial. Seja um deslocamento arbitrário dr, a partir do ponto P , e um intervalo
de tempo arbitrário dt, a partir do instante t. O diferencial de Φ que corresponde a
essas variações de r e t é dado por
∂Φ
dΦ = dt + dr · ∇Φ . (8.30)
∂t
dΦ(P, t) ∂Φ(P, t)
= + v(P, t) · ∇Φ(P, t) . (8.32)
dt ∂t
A velocidade v(P, t) nessa equação pode ser considerada como uma váriável euleriana,
dada pela função
v : M × I −→ T (E)
: (P, t) 7−→ v(P, t) . (8.33)
região do sistema por R(t). O volume ocupado pelo sistema, que chamamos volume
do sistema, é dado por Z
V (t) = dV . (8.35)
R(t)
Assim como em (8.32), aqui também se faz necessário o campo de velocidades (8.33)
para calcularmos a variação temporal de propriedades de uma porção móvel do fluido.
Usando o teorema da divergência de Gauss em (8.38), obtemos
Z Z
dV (t) d
= dV = ∇ · v dV , (8.39)
dt dt R(t) R(t)
em cada vizinhança, uma superposição de uma translação com uma rotação e uma
deformação, sendo a rotação dada por (8.44). Se o escoamento não tem vorticidade
em nenhum ponto, ele é dito irrotacional.
A circulação da velocidade de um fluido está relacionada com a vorticidade por
meio do teorema de Stokes,
I Z
v · t dℓ = ∇ × v · n dA . (8.45)
∂S S
É somente dentro das condições de validade deste teorema que podemos relacionar a
rotação global do fluido em uma região, dada pela circulação, com a rotação local em
cada ponto da região, dada pela vorticidade.
A conservação da massa de qualquer porção do fluido impõe ao escoamento um
vı́nculo que relaciona os dois campos fundamentais associados ao fluido, a saber, o
campo de densidades (8.1) e o campo de velocidades (8.33). Para obter essa relação,
consideremos, primeiramente, a expressão da quantidade de massa que atravessa du-
rante um intervalo infintesimal de tempo dt uma superfı́cie infinitesimal fixa de área
orientada n dA. Essa quantidade, que denotamos por d2 m ′ (t), é dada por
Esse resultado é obtido de uma maneira quase idêntica à usada para se obter (8.36),
e a figura que ilustra (8.46) é muito parecida com a figura 8.6. Tomando uma região
de controle R, e usando (8.46), obtemos que a quantidade de massa abandonando a
região por unidade de tempo é
I
dm ′ (t)
= ρv · n dA . (8.47)
dt ∂R
236 Capı́tulo 8 – Fluidos
A conservação da massa se expressa pela relação dm(t)/dt = −dm ′ /dt que, em virtude
de (8.48) e (8.47), assume a forma
Z I
d
ρ dV = − ρv · n dA , (8.49)
dt R ∂R
que é equivalente a Z I
∂ρ
dV = − ρv · n dA . (8.50)
R ∂t ∂R
Usando nessa expressão o teorema da divergência de Gauss e levando em conta que
a região de controle R é arbitrária, obtemos
∂ρ
+ ∇ · (ρv) = 0 , (8.51)
∂t
que denominamos equação da continuidade do fluido em consideração. Natural-
mente, ela é equivalente ao postulado de conservação da massa de qualquer porção
do fluido. Notemos que essa equação também pode ser escrita na forma
dρ
+ ρ∇ · v = 0 , (8.52)
dt
se usarmos a relação (8.34) entre derivada material e local. Muitas vezes chamamos
(8.51) equação da continuidade em forma local, ou diferencial, para distinguı́-
la de (8.49), que é chamada equação da continuidade em forma global, ou
integral.
Na dedução da equação da continuidade torna-se claro que, para analisar o escoa-
mento do fluido, é conveniente definir o campo
j = ρv , (8.53)
τ = −p(P, t; n) n , (8.57)
No caso estático, essa equação reduz-se à equação (8.9). Da equação (8.59), obte-
mos
dv(P, t)
ŝ · ρ(P, t) ε = ŝ · f (P + ŝ ε/2, t) ε − p(P + ŝε, t; n ′ ) + p(P, t; n) , (8.60)
dt
onde foi usado que ŝ · n ′ dA′ = dA. No limite ε → 0 obtemos, como no caso estático,
que p independe da normal n. Portanto, a pressão em um fluido ideal é dada por um
campo escalar positivo
p : M × I −→ lR
: (P, t) 7−→ p(P, t) . (8.61)
Naturalmente, o vetor Z
P= ρvdV (8.69)
R(t)
240 Capı́tulo 8 – Fluidos
é o momento linear da porçao de fluido na região R(t), de modo que (8.68) é uma
expressão da taxa instantânea de variação do momento linear dessa porção do fluido.
Usando na equação (8.68) a identidade (8.19), podemos escrever
Z Z I
d
ρvdV = f dV + (−pn) dA , (8.70)
dt R(t) R(t) ∂R(t)
que tem um significado claro, qual seja, a taxa instantânea de variação do momento
linear da porção de fluido em R(t) é igual à força externa total que age sobre a porção;
a volumar, que age no interior da região R(t), e a superficial que age na fronteira
∂R(t) da região. No membro direito dessa equação, podemos substituir a região do
sistema R(t) pela região de controle R, mas no membro esquerdo é necessário, antes
dessa substituição, calcular a derivada temporal que nele aparece.
Temos para um campo vetorial j qualquer
Z Z Z
d 1
j(P, t)dV = lim j(P, t + ∆t)dV − j(P, t)dV , (8.71)
dt R(t) ∆t→0 ∆t R(t+∆t) R(t)
donde obtemos
Z Z Z Z
d ∂j(P, t) 1
j(P, t)dV = dV + lim j(P, t)dV − j(P, t)dV .
dt R(t) R(t) ∂t ∆t→0 ∆t R(t+∆t) R(t)
(8.72)
Nessa igualdade, a integral na superfı́cie ∂R(t) não está sendo derivada e, portanto,
podemos usar a igualdade ∂R(t) = ∂R, válida no instante t, para obter
Z Z I
d ∂
j dV = j dV + j(v · n) dA . (8.74)
dt R(t) ∂t R ∂R
onde, agora, temos a energia potencial gravitacional ρδV (t)G incorporada ao membro
esquerdo da equação da energia.
O termo p∇ · vδV (t) em (8.84) depende fortemente das caracterı́sticas do fluido.
Usando a equação da continuidade (8.52) e a relação δV (t) = dm/ρ, temos para esse
termo
1 dρ dm p dρ
p∇ · vδV (t) = −p = −dm 2 . (8.85)
ρ dt ρ ρ dt
A condição para que esse trabalho por unidade de tempo seja uma derivada total,
digamos de uma função u,
p dρ du
= , (8.86)
ρ2 dt dt
é que a densidade seja função somente da pressão (ou, se preferirmos, que a pressão
seja função somente da densidade). Nesse caso, podemos escrever para u a expressão
Z p
p ′ dρ(p ′ ) ′
u(p) = dp , (8.87)
p0 [ρ(p ′ )]2 dp ′
onde p0 é uma pressão fixa de referência, na qual convencionamos que u tem valor
nulo. Portanto, supondo as condições para que exista uma tal função u, vale a equação
(8.86) que, usada em (8.85), nos fornece a igualdade
d
p∇ · v δV (t) = − ρu δV (t) , (8.88)
dt
9.1 Introdução
Um corpo rı́gido é definido como um sistema de partı́culas que mantêm entre si
as distâncias relativas constantes. Para quaisquer duas partı́culas i e j dentre as N
partı́culas do corpo rı́gido, com vetores-posição ri e rj , temos, por definição,
onde aij é constante. Um corpo rı́gido fica especificado pelas massas de suas partı́culas
e pelos valores dessas constantes. Muitas das afirmações sobre um corpo rı́gido
pressupõem que ele seja tridimensional, i.e., constituı́do por um mı́nimo de qua-
tro partı́culas que não sejam coplanares. Quando nos referirmos a um corpo rı́gido,
sem mais especificações, estaremos pressupondo que ele é tridimensional.
Todo corpo rı́gido pode ser considerado como um referencial, o que freqüentemente
se faz no estudo de seu movimento. Esse referencial é denominado referencial do
corpo rı́gido e, obviamente, em relação a ele, todas as suas partı́culas estão em
repouso. O conjunto formado por todos os pontos do espaço em repouso relativamente
ao referencial do corpo rı́gido é chamado corpo rı́gido estendido. Determinar o
movimento de um corpo rı́gido é equivalente a determinar o movimento do corpo
rı́gido estendido. Muitas vezes, quando nos referimos a um ponto do corpo rı́gido,
entendemos, pelo contexto, que pode ser um ponto do corpo rı́gido estendido, não
necessariamente do corpo rı́gido propriamente dito. Notemos que o corpo rı́gido
estendido é, de fato, todo o espaço, mas fixo em relação ao corpo rı́gido. O referencial
do corpo rı́gido não deve ser confundido com o referencial que está sendo usado para
descrever o movimento do corpo rı́gido; é a este que estamos nos referindo quando
falamos de referencial sem mais especificações.
A posição de um corpo rı́gido no espaço, i.e., a configuração das partı́culas que o
compõem, fica univocamente determinada por seis coordenadas. De fato, com três
coordenadas podemos especificar as possı́veis posições de um ponto do corpo, digamos
o ponto P1 . Observemos, então, que as posições possı́veis de um outro ponto do corpo,
digamos P2 , estão em uma superfı́cie esférica centrada em P1 , cujo raio é a distância,
fixa e dada, entre P1 e P2 . A posição de P2 nesta superfı́cie esférica é determinada
245
246 Capı́tulo 9 – Movimento de um corpo rı́gido
eixo de
rotação
r⊥
v=ω×r
ω
r
e3′
P
r r′ e2′
e3 O′
h
e1′
O
e2
e1
Mas ei′ · ej′ é constante, pois são constantes os comprimentos dos vetores ei′ e ej′ e
também os ângulos que fazem entre si. Conseqüentemente, as derivadas em (9.12)
são nulas,
ξik ek′ · ej′ + ξjk ei′ · ek′ = 0 . (9.13)
Na verdade, estamos usando bases ortonormais, de modo que os vetores da base B ′
obedecem às relações ei′ · ej′ = δij (i, j = 1, 2, 3). Com isso, (9.13) reduz-se a
ou seja, ξij é uma quantidade antissimétrica nos seus dois ı́ndices. Portanto, ape-
nas três dentre as nove coordenadas ξij (i, j = 1, 2, 3) são independentes. Podemos
escrever uma expressão para essas coordenadas que tornam explı́citas essas carac-
terı́sticas. Usando (9.14), obtemos
1 1 1
ξij = (ξij − ξji ) = (δim δjn − δjm δin )ξmn = εijk εkmn ξmn , (9.15)
2 2 2
ou seja,
ξij = εijk ωk′ , (9.16)
onde as três quantidades ωk′ (k = 1, 2, 3) são dadas pela definição
1
ωk′ = εkmn ξmn . (9.17)
2
Essas quantidades são univocamente definidas pelas relações (9.16), como é simples
de se verificar mostrando que (9.17) é a única solução de (9.16).
Substituindo (9.16) em (9.11), obtemos
dei′
= εijk ωk′ ej′ , (9.18)
dt
que, substituı́da em (9.10), nos fornece
dr ′ d ′r ′
= + ω × r′ , (9.19)
dt dt
onde ω é definido como sendo o vetor
−−→
onde h′ = OO” e ω ′ é a velocidade angular de rotação do corpo rı́gido em torno do
eixo que passa por O ′′ . Comparando as equações (9.24) e (9.26), obtemos
dh′ dh
+ ω ′ × r ′′ = + ω × r′ . (9.27)
dt dt
Os vetores-posição do ponto nos três referenciais são relacionados por
−−→
r ′ = r ′′ + O’O” (9.28)
dh′ dh −−→
= + ω × O’O” . (9.29)
dt dt
Substituindo (9.28) e (9.29) em (9.27), obtemos ω ′ × r ′′ = ω × r ′′ . Uma vez que r ′′
é arbitrário, chegamos a
ω′ = ω , (9.30)
i.e., um corpo rı́gido tem a mesma velocidade angular de rotação em torno de qualquer
um de seus pontos; por esse motivo dizemos, simplesmente, que ω é a velocidade
angular do corpo rı́gido. Com isso, temos que em cada ponto do corpo rı́gido podemos
considerar um eixo de rotação com a mesma velocidade angular ω .
Vamos mostrar que, por uma escolha judiciosa de um ponto no corpo rı́gido, pode-
mos considera que, a cada instante, o movimento do corpo rı́gido é a composição
de um movimento de rotação em torno de um eixo que passa por esse ponto com
um movimento de translação na direção do eixo; essa composição é conhecida como
movimento helicoidal. Primeiramente, notemos que, de acordo com a equação
(9.25), todos os pontos do corpo rı́gido têm a mesma velocidade na direção do eixo
instantâneo de rotação, v · ω̂ = ḣ · ω̂ . Façamos a decomposição
v = ḣ⊥ + ω × r ′ . (9.32)
Nesse caso, existe um ponto O ′′ fixo no corpo, e no referencial Ref , com a propriedade
de que o movimento do corpo é uma pura rotação em torno de O ′′ . De fato, se r ′′
é o vetor de posição de um ponto qualquer do corpo rı́gido, em relação aos eixos
−→
O ′′ X1′′ X2′′ X3′′ , temos r ′ = ξ + r ′′ , onde ξ := O ′O′′ , e obtemos de (9.32)
v = ḣ⊥ + ω × ξ + ω × r ′′ . (9.33)
v = ω × r ′′ (9.34)
9.2 Noções de cinemática de um corpo rı́gido 253
ω × ḣ⊥
ξ= . (9.35)
ω2
Agora, voltemos à situação geral em que hk não é necessariamente nulo. Temos,
então, com a decomposição (9.31) em (9.25),
Exatamente como no caso em que hk = 0, podemos usar o vetor (9.35) para transferir
a origem de O ′ para O ′′ e eliminar ḣ⊥ em (9.36). Obtemos
v = ḣk′ + ω × r ′′ , (9.37)
onde também usamos que O′′ , como qualquer outro ponto, tem a mesma velocidade
que O′ na direção do eixo de rotação. A fórmula (9.37) mostra que o movimento mais
geral de um corpo rı́gido é a composição de uma rotação em torno de um eixo com
uma translação ao longo desse eixo, i.e., o movimento mais geral é um movimento
helicoidal. A quantidade 2πv · ω /ω 2 é chamada paço instantâneo do movimento
helicoidal. Quando as velocidades translacional v e angular ω são constantes no
movimento helicoidal, o passo é a translação sofrida pelo corpo durante uma rotação
completa.
Temos usado o referencial Ref ′ do corpo rı́gido para localizar as próprias partı́culas
do corpo rı́gido ou pontos fixos em relação e ele, i.e., pontos do corpo rı́gido estendido.
Agora, consideremos um vetor qualquer e as suas taxas de variação relativas a dois
referenciais Ref e Ref ′ . De um modo geral, a taxa instantânea de variação de um
vetor em relação a um referencial qualquer é a derivada do vetor com os unitários do
referencial considerados como constantes. Para um vetor qualquer A temos
dA dAi d ′A dA′i ′
= ei , = e , (9.39)
dt dt dt dt i
A relação entre as duas taxas em (9.39) é dada por
dA d ′ ′ dA′i ′ de ′
= Ai ei = ei + A′i i . (9.40)
dt dt dt dt
dA d ′A
= +ω×A. (9.41)
dt dt
254 Capı́tulo 9 – Movimento de um corpo rı́gido
dω d ′ω
= , (9.42)
dt dt
i.e., a taxa temporal de variação da velocidade angular do corpo rı́gido é a mesma em
relação a Ref e em relação ao próprio referencial Ref ′ do corpo rı́gido. A segunda é
que, se a velocidade angular de um referencial Ref ′ em relação a um referencial Ref é
ω , então a velocidade angular de rotação de Ref em relação a Ref ′ é −ω . A terceira é
que, se a velocidade angular do corpo rı́gido em relação a um referencial Ref ′ é ω 2 e a
velocidade angular de Ref ′ em relação a um referencial Ref é ω 1 , então a velocidade
ω do corpo rı́gido em relação a Ref é
ω = ω1 + ω2 . (9.43)
Essa igualdade determina em que sentido podemos dizer que velocidade angular é
uma grandeza aditiva.
d2 h dω
a = a′ + + ω × (ω × r ′ ) + 2ω × v ′ + × r′ , (9.47)
dt2 dt
onde a = d2 r/dt2 é a aceleração da partı́cula relativa a Ref e a ′ = d ′ 2 r/dt2 , a
aceleração da mesma partı́cula relativa a Ref ′ .
Em (9.46), a velocidade da partı́cula em relação a Ref é sua velocidade em relação
a Ref ′ mais as velocidades devidas à translação e à rotação de Ref ′ em relação a Ref ,
9.3 Referenciais não-inerciais 255
por meio de
N
X
IQ (x) = mk rkQ × (x × rkQ ) . (9.54)
k=1
9.4 Operador de inércia 257
Se o ponto Q estiver fixo no corpo, a equação (9.52) garante que a função IQ mapeia
o vetor velocidade angular ω no vetor momento angular LQ ,
LQ = IQ (ω ) . (9.55)
Para qualquer corpo rı́gido, tem particular importância o seu operador de inércia
relativo ao centro de massa. Representando por rk′ o vetor-posição relativo ao centro
de massa da k-ésima partı́cula do sistema, temos
N
X
Icm (x) = mk rk′ × (x × rk′ ) . (9.58)
k=1
temos
cm
IQ (x) = M rQ × (x × rQ ) , (9.60)
e podemos escrever (9.59) na forma
cm
IQ = Icm + IQ . (9.61)
obtemos
N
X X N
1 1
T = mk ṙ2kQ + M ṙ2Q + ṙQ · mk ṙkQ . (9.63)
2 2
k=1 k=1
Estando Q fixo no corpo, podemos usar no primeiro termo do membro direito dessa
igualdade a expressão ṙkQ = ω × rkQ , obtida em (9.51). Com isso, obtemos
X N
1 1
T = ω · IQ (ω ) + M ṙ2Q + ṙQ · mk ṙkQ . (9.64)
2 2
k=1
Há duas situações interessantes em que aplicamos essa fórmula. Na primeira, o ponto
Q está fixo não somente no corpo como também no referencial inercial em uso. Nesse
caso, o corpo rı́gido está em movimento de pura rotação em torno do ponto Q e (9.64)
reduz-se a
1
T = ω · IQ (ω ) , (9.65)
2
pois ṙQ = 0. Graças a esse resultado, identificamos a expressão quadratica na veloci-
dade angular, ω · IQ (ω )/2, como sendo a energia cinética de rotação do corpo rı́gido
em torno do ponto Q. A segunda situação de interesse é aquela em que o ponto Q é
o centro de massa, i.e., Q = cm, rQ = R e rkQ = rk′ . Nesse caso, o último somatório
P
na equação (9.64) é nulo, N ′
k=1 mk ṙk = 0, de modo que ela assume a forma
1 1
T = M Ṙ2 + ω · Icm (ω ) . (9.66)
2 2
Nessa fórmula, a expressão quadrática na velocidade angular ω · Icm (ω )/2, é deno-
minada energia cinética de rotação do corpo rı́gido em torno de seu centro
de massa. A energia cinética do centro de massa M Ṙ2 /2 é denominada energia
cinética de translação do corpo rı́gido. Daı́ descrevermos (9.66) dizendo que “a
energia cinética do corpo rı́gido é igual à soma de sua energia cinética de translação
com sua energia cinética de rotação em torno de seu centro de massa”. A energia
cinética de rotação em torno do centro de massa,
1
T = ω · Icm (ω ) , (9.67)
2
é também chamada energia cinética do movimento relativo ao centro de
massa. Entendemos por movimento relativo ao centro de massa o movimento rela-
tivo ao que chamamos referencial do centro de massa, qual seja, um referencial
9.4 Operador de inércia 259
com origem no centro de massa e com eixos que não possuem velocidade angular de
rotação relativamente ao referencial inercial em uso. O referencial do centro de massa
pode, perfeitamente, não ser inercial, devido à sua aceleração translacional em relação
ao inercial. Contudo, por hipótese, ele não tem movimento de rotação em relação ao
inercial. Nesse contexto, o referencial inercial costuma ser chamado referencial do
laboratório.
Usando o operador de inércia IQ do corpo rı́gido, relativo ao ponto Q, podemos
definir a função real de duas variáveis vetoriais
→ −
− →
BQ : E × E −→ lR
: (x, y) −→ BQ (x, y) , (9.68)
por meio de
1
BQ (x, y) = x · IQ (y) . (9.69)
2
Tal função é linear tanto na primeira variável,
BQ (x1 + x2 , y) = BQ (x1 , y) + BQ (x2 , y) e BQ (λ x, y) = λ BQ (x, y) (9.70)
→
−
(x1 , x2 , y ∈ E e λ ∈ lR), como na segunda,
BQ (x, y1 + y2 ) = BQ (x, y1 ) + BQ (x, y2 ) e BQ (x, λ y) = λ BQ (x, y) (9.71)
→
−
(x, y1 , y2 ∈ E e λ ∈ lR). Uma tal função é chamada forma bilinear. Forma, porque
transforma vetores em número e, bilinear, porque depende de duas variáveis vetoriais
e é linear em ambas. Formas bilineares também são conhecidas como tensores de
segunda ordem. Usando o tensor BQ podemos escrever a energia cinética de rotação
(9.65) como
T = BQ (ω , ω ) . (9.72)
de modo que
N
X
Iij = mk rk2 δij − (rk · ui )(rk · uj ) (i, j = 1, 2, 3) . (9.74)
k=1
260 Capı́tulo 9 – Movimento de um corpo rı́gido
(9.78) também é conhecido como teorema dos eixos paralelos para momentos e
produtos de inércia.
Agora, consideremos o caso particular em que o corpo rı́gido é plano e tomemos
um sistema de eixos OX1 X2 X3 com OX1 X2 no plano do corpo. Neste caso, obtemos
por cálculo direto
I33 = I11 + I22 . (9.79)
Esse resultado é conhecido como teorema dos eixos perpendiculares para mo-
mentos de inércia.
Dado o momento de inércia de um corpo rı́gido em relação a um eixo, a distância até
o eixo na qual podemos concentrar toda a massa do corpo, sem alterar seu momento
de inércia, é chamada raio de giração do corpo em relação ao eixo considerado.
Se Iii é o momento de inércia de um corpo rı́gido de massa M em relação ao i-ésimo
eixo, seu raio de giração relativo a esse eixo é, portanto, o comprimento kii dado por
Neste capı́tulo, temos considerado o corpo rı́gido como uma distribuição discreta de
matéria, constituı́da por N partı́culas. Contudo, as definições usadas e os resultados
obtidos podem ser adaptados, facilmente, às situações em que devemos considerar o
corpo rı́gido como uma uma distribuição contı́nua de matéria. Se, por exemplo, o
corpo rı́gido é dado pela distribuição volumar de massa
ρ : M −→ lR
: r 7−→ ρ(r) , (9.81)
onde
ei · ej = δij (i = 1, 2, 3) . (9.85)
Notemos que em (9.84), como no resto desta seção, não há soma implı́cita nos ı́ndice
repetidos.
Os eixos da base B de autovetores são chamados eixos principais de inércia e
a própria base pode ser chamada base principal de inércia. Obviamente, nessa
base, a matriz do operador de inércia I é diagonal e seus elementos diagonais são os
autovalores I1 , I2 e I3 . Naturalmente, esses autovalores são os momentos de inércia em
relação aos eixos principais dos unitários e1 , e2 e e3 , respectivamente. Os momentos
de inércia I1 , I2 e I3 são chamados momentos principais de inércia do corpo
rı́gido em consideração.
Usando os eixos principais de inércia (9.55) assume a forma
L = I1 ω 1 e1 + I2 ω 2 e2 + I3 ω 3 e3 (9.86)
1 1 1
T = I1 ω12 + I2 ω22 + I3 ω32 . (9.87)
2 2 2
Dessas duas últimas fórmulas obtemos um significado dinâmico para os momentos de
inércia. De acordo com (9.86), se um corpo rı́gido tem um dado momento angular,
quanto maior for o momento de inércia relativo a um eixo principal, menor será a
componente da velocidade angular do corpo rı́gido ao longo desse eixo. De acordo
com (9.87), dada a energia cinética do corpo, quanto maiores forem os momentos
de inércia relativos aos eixos principais, menor será a velocidade angular do corpo.
Fazendo uma analogia com a massa do corpo rı́gido, que descreve sua inércia no caso
de translações, podemos considerar que os momentos de inércia descrevem a inércia
do corpo no caso de rotações. Essa propriedade fica rigorosamente justificada quando
consideramos as equações de movimento do corpo rı́gido em rotação.
Os eixos principais de inércia estão relacionados com as simetrias do corpo rı́gido.
Não é difı́cil demonstrar as seguintes propriedades: (i) qualquer plano de simetria do
corpo é perpendicular a um eixo principal; (ii) qualquer eixo de simetria do corpo é
um eixo principal, sendo que, nesse caso, os outros dois eixos têm momentos de inércia
iguais e podem ser escolhidos em quaisquer direções que respeitem a ortogonalidade
do sistema de eixos. Naturalmente, também podemos afirmar que o centro de massa
do corpo rı́gido está em qualquer de seus planos ou eixos de simetria.
Para diagonalizar um dado operador de inércia I procedemos da maneira usual.
Procuramos soluções da equação de autovalores para I,
que é equivalente a
(I − λ id )ξ = 0 (λ ∈ lR, ξ 6= 0) , (9.89)
→
−
onde id é o operador indentidade no espaço vetorial E . Sua matriz em qualquer base
é a matriz unidade 1l. Não costuma causar confusão representar, tanto o operador
identidade, quanto a matriz unidade, simplesmente por 1.
Sendo x 6= 0, torna-se necessário que o operador (I − λid) não possua inverso, o
que é equivalente a
det(I − λid ) = 0 . (9.90)
A expressão det(I − λid ) é um polinômio na variável λ, dito polinômio carac-
terı́stico do operador I. A equação (9.90) é chamada equação caracterı́stica do
operador I; suas raı́zes são os autovalores do operador I.
Para calcular o determinante (9.90) e resolver a equação (9.88) vamos usar ma-
trizes em uma base ortonormal BT = (u1 , u2 , u3 ) que chamaremos base de tra-
balho. Nosso objetivo, naturalmente, é encontrar uma base principal de inércia
B = (e1 , e2 , e3 ). Denotando por [I] a matriz do operador de inércia na base de
trabalho, podemos escrever a equação caracterı́stica (9.90) como
forma (9.94), que fornecerão como soluções três autovetores ξ (1) , ξ (2) e ξ (3) . Eles são
mutuamente ortogonais porque I é simétrico. Se as raı́zes não forem distintas, tere-
mos menos do que três sistemas de equações, mas nesse caso os sistemas disponı́veis
também terão soluções suficientes para determinar três vetores ortogonais ξ (1) , ξ (2)
e ξ (3) . Uma base principal será dada, finalmente, por
d
L = Nex . (9.97)
dt
d
I(ω ) = Nex . (9.98)
dt
Agora, nosso objetivo é transferir para a velocidade angular ω a derivada temporal
que, nessa equação, age sobre I(ω ). Essa transferência requer cuidado porque a
derivada temporal é relativa ao referencial inercial, em relação ao qual há movimento
do corpo rı́gido. De acordo com a definição (9.54) de operador de inércia, aqui relativo
ao ponto O ′ fixo no corpo, temos
N
X
I(ω ) = mk rk′ × (ω × rk′ ) , (9.99)
k=1
dI(ω )/dt = I(dω /dt). Dito isso, podemos usar a relação (9.41) entre as derivadas
relativas aos dois referenciais e escrever para o membro esquerdo da equação (9.98),
′
d d′ dω
I(ω ) = I(ω ) + ω × I(ω ) = I + ω × I(ω ) (9.100)
dt dt dt
ou seja,
dT
= Nex · ω . (9.105)
dt
Esse é o teorema do trabalho e energia cinética para o movimento de rotação do corpo
rı́gido. No caso em que T é a energia cinética total, de translação e rotação, conforme
dada em (9.66), obtemos
dT
= Fex · Ṙ + Nex · ω . (9.106)
dt
Agora, consideremos o sistema de eixos O ′ X1′ X2′ X3′ , fixo no corpo rı́gido, como sendo
o sistema de eixos principais de inércia, com sua base principal de inércia (e1′ , e2′ , e3′ ).
Decompondo a equação vetorial de Euler (9.102) ao longo desses eixos principais,
obtemos as três equações
dω1
I1 + (I3 − I2 )ω2 ω3 = N1ex ,
dt
dω2
I2 + (I1 − I3 )ω3 ω1 = N2ex e
dt
dω3
I3 + (I2 − I1 )ω1 ω2 = N3ex . (9.107)
dt
I1 = I2 . (9.108)
I3 − I1
β= e Ω = β ω3 , (9.109)
I1
9.6 Equações de Euler 267
ω3 = ω30 (9.111)
ω1 (t) = ω10 cos(Ωt) − ω20 sen(Ωt) e ω2 (t) = ω20 cos(Ωt) + ω10 sen(Ωt) . (9.114)
X3′
ω3
αc
O′
A X2′
X1′
Observemos que essa última equação mostra que |ω | é constante, pois A e ω3 o são,
como estabelecido em (9.111) e na primeira igualdade em (9.116).
Podemos dizer que o corpo rı́gido gira com velocidade angular cujo módulo é cons-
tante e cuja direção gira uniformemente em torno do eixo de simetria do corpo,
varrendo um cone fixo no corpo, chamado cone do corpo. O cone do corpo é gerado
pelo movimento do eixo instantâneo de rotação. Em suma, o corpo rı́gido precessa
uniformemente em torno de seu eixo de simetria.
Consideremos como a mudança do vetor ω é vista do referencial inercial. Em
relação a este, o vetor momento angular total L do corpo rı́gido é constante, já que,
por hipótese, o torque externo total sobre o corpo rı́gido é nulo. A direção constante
de L provê uma direção natural de referência no referencial inercial. O ângulo αe que
ω faz com L é dado por
ω·L
cos αe = . (9.119)
ωL
Uma vez que não há forças nem torques externos, podemos usar (9.106) para obter
que ω · L é constante. Como os módulos ω e L também são constantes, concluimos
que o ângulo αe é constante. Portanto, ω está sempre em um cone de semi-ângulo
αe , fixo no referencial inercial; dizemos que esse cone está fixo no espaço e nos
referimos a ele como cone do espaço. Fazendo-se o produto misto dos vetores ω , L
e e3′ , e levando-se em conta que o pião é simétrico em torno do eixo de e3′ , obtemos
que a velocidade angular do pião, seu momento angular e seu eixo de simetria estão,
a cada instante, em um mesmo plano. Uma vez que ω gira no cone do corpo em
9.6 Equações de Euler 269
torno do eixo de simetria, temos que, no referencial inercial, o plano citado, além de
conter o eixo de L, está girando em torno dele, conforme indicado na figura 9.4. É
evidente que o cone do corpo e o cone do espaço estão em permanente contato ao
longo de ω , pois ambos são gerados como varreduras de ω . No referencial inercial
vemos, portanto, o cone do corpo rolando na superfı́cie do cone do espaço. Uma vez
que os pontos do cone do corpo que estão ao longo de ω estão instantaneamente
em repouso, o cone do corpo rola sem deslizar sobre a superfı́cie do cone do espaço.
Esse rolamento sem deslizamento determina completamente o movimento do pião
simétrico, pois sendo o cone do corpo fixo no corpo, seu movimento em relação ao
referencial inercial determina completamente o movimento do corpo rı́gido em relação
a esse referencial.
X3′
L
Cone ω
do corpo
Cone
do espaço
O′
X2′
X1′
Figura 9.4: O cone do corpo rola sem deslizar sobre o cone do espaço. O sistema de
eixos do corpo O ′ X1′ X2′ X3′ e o próprio corpo movem-se junto com o cone do corpo.
relação ao eixo O ′ X3′ . Com isso, temos ω1 e ω2 muito menores do que ω3 . Nessas
condições, podemos desprezar o termo que contêm o produto ω1 ω2 nas equações de
Euler (9.107) e obter, em primeira aproximação, as equações
dω1 dω2 dω3
I1 + (I3 − I2 )ω2 ω3 = 0 , I2 + (I1 − I3 )ω1 ω3 = 0 e I3 = 0 . (9.120)
dt dt dt
ω3 = ω30 , (9.121)
Notemos que, se p ∈ lR, é suficiente tomar p positivo, pois o caso negativo apenas
muda o sinal de fases constantes nas expressões finais de ω1 e ω2 . Substituindo as
expressões anteriores nas duas primeiras equações diferenciais em (9.120), obtemos o
par de equações
Esse sistema de equações tem solução não-trivial para A1 e A2 se, e somente se, o seu
determinante é nulo,
na qual A e θ são duas constantes reais. Usando essas expressões e o resultado (9.125)
em (9.122), obtemos
p p
ω1 = ℜA I2 (I3 − I2 ) ei (βω3 t+θ) e ω2 = ℜA I1 (I3 − I1 ) ei (βω3 t+θ−π/2) , (9.129)
9.7 Ângulos de Euler 271
ou seja,
p p
ω1 = A I2 (I3 − I2 ) cos(βω3 t + θ) e ω2 = A I1 (I3 − I1 ) sen(βω3 t + θ) . (9.130)
ϕ = X\ ′ \ ′
1 O Ξ 1 = X2 O Ξ 2 . (9.131)
ψ = Ξ\
′ ′ ′ \′ ′ ′
1 O X1 = Ξ 2 O X2 . (9.133)
Resta na fórmula (9.134) apenas o vetor e3 para ser expresso em termos dos vetores
da base (e1′ , e2′ , e3′ ). Novamente, com o auxı́lio da figura 9.5, obtemos
′ ′
e3 = ξ̂ 3 cos θ + ξ̂2 sen θ , (9.137)
274 Capı́tulo 9 – Movimento de um corpo rı́gido
ω = ϕ̇(e1′ sen θ sen ψ+e2′ sen θ cos ψ+e3′ cos θ)+ θ̇(e1′ cosψ−e2′ senψ)+ ψ̇ e3′ , (9.139)
donde obtemos
Figura 9.6: Pião simétrico com ponta fixa em campo gravitacional uniforme.
ele aponta ao longo do eixo nodal e, conseqüentemente, não tem componente ao longo
do eixo O ′ X3′ . Portanto, temos a quantidade ω3 conservada e, usando a terceira
equação em (9.140), obtemos a sua expressão em termos de ângulos eulerianos, ω3 =
ψ̇ + ϕ̇ cos θ. Vamos preferir trabalhar com a quantidade conservada obtida como o
produto de ω3 pelo momento de inércia I3 , qual seja, a quantidade Lψ definida por
Vimos que o torque externo total aponta na direção do eixo nodal. Ele é per-
pendicular não somente ao eixo O ′ X3′ , mas também ao eixo O ′ X3 . A ausência de
componente do torque externo total ao longo do eixo O ′ X3 do referencial inercial
implica em ser constante a componente do momento angular do corpo ao longo desse
eixo, como nos garante (9.3). Temos, portanto, a terceira constante de movimento,
independente das duas anteriores, dada por e3 · L. Denotando-a por Lϕ , temos
Lϕ = e3 · I1 ω1 e1′ + I2 ω2 e2′ + I3 ω3 e3′ (9.146)
onde usamos a expressão (9.86) do momento angular em uma base principal de inércia
e levamos em consideração que essa base no presente contexto é a base (e1′ , e2′ , e3′ )
do sistema de eixos O ′ X1′ X2′ X3′ fixo no corpo. Para obtermos a expressão de Lϕ em
termos de ângulos eulerianos, utilizarmos em (9.146) a expressão (9.138) de e3 na
base ortonormal (e1′ , e2′ , e3′ ) e as expressões (9.140) das componentes de ω nessa base.
Obtemos
2
Lϕ = I1 ϕ̇ sen θ + I3 ψ̇ + ϕ̇ cos θ cos θ . (9.147)
2
1 2 2 2 1
E = I1 θ̇ + ϕ̇ sen θ + I3 ψ̇ + ϕ̇ cos θ + mga cos θ ,
2 2
Lψ = I3 (ψ̇ + ϕ̇ cos θ) e
2
Lϕ = I1 ϕ̇ sen θ + I3 ψ̇ + ϕ̇ cos θ cos θ . (9.148)
Agora, definimos um potencial efetivo Uef e uma nova constante E ′ , por meio de
1 2
E′ = I1 θ̇ + Uef (θ) . (9.153)
2
Essa é uma equação de um problema unidimensional, cuja solução reduz-se à quadratura
Z θ r
dθ ′ 2
p = (t − ti ) , (9.154)
θi
′ ′
E − Uef (θ ) I1
Mecânica Analı́tica
10.1 Introdução
As forças da Mecânica Clássica são definidas como funções dadas das possı́veis
posições e velocidades das partı́culas interagentes, e também do tempo, se o sistema
não for isolado. No caso de um sistema de N partı́culas, tais posições e velocidades
formam um conjunto de 6N variáveis reais que, como de costume, representamos
por r1 ,..., rN , ṙ1 ,..., ṙN . A situação mais simples, pressuposta ao enunciarmos os
Princı́pios da Mecânica, é aquela em que as 6N variáveis são independentes. Por
independentes entendemos que são definidas em uma conjunto aberto de lR6N . Mais
especificamente, consideramos que o domı́nio das configurações do sistema, i.e., das
N -uplas de posições das partı́culas do sistema, é um aberto U 3N de lR3N e o domı́nio
das distribuições de velocidades é o próprio lR3N . Portanto, o estado dinâmico do
sistema é definido em U 3N × lR3N e as força sobre as partı́culas do sistema são funções
dadas do estado dinâmico e do instante considerado. Escrevemos
→
−
Fk : U 3N × lR3N × I −→ E
: (r1 , . . . , rN , ṙ1 , . . . , ṙN ; t) 7−→ Fk , (k = 1, . . . , N ) (10.1)
279
280 Capı́tulo 10 – Mecânica Analı́tica
hα : U 3N × I −→ lR
: (r1 , . . . , rN ; t) 7−→ aα (α = 1, 2, . . . ν; ν < 3N ) . (10.2)
Por hipótese, essas ν funções são independentes, i.e., o posto da matriz ν×3N definida
pelas derivadas parciais das funções (10.2) em relação às variáveis de U , [∂hα /∂rk ], é
maximal, ou seja, igual a ν,
∂hα
posto =ν. (10.3)
∂rk
Vı́nculos que são descritos por relações obtidas pela condição de que os valores aα
das funções (10.2) sejam constantes, aα =constante (α = 1, . . . , ν), são chamados
vı́nculos holônomos; todos os outros tipos de vı́nculos são ditos não-holônomos.
Notemos que não há perda de generalidade se definirmos vı́nculos holônomos im-
pondo que os valores constantes de aα (α = 1, . . . , ν) sejam nulos, pois qualquer
vı́nculo holônomo da forma hα (r1 , . . . , rN ; t) = aα = constante pode ser substituı́do
pelo vı́nculo holônomo equivalente h′α (r1 , . . . , rN ; t) = 0, onde h′α (r1 , . . . , rN ; t) =
hα (r1 , . . . , rN ; t)−aα . Portanto, podemos afirmar que vı́nculos holônomos são definidos
por equações
nas quais hα (α = 1, 2, . . . ν) são funções da forma (10.2). Uma vez que as funções
são independentes, também dizemos que (10.4) são vı́nculos independentes.
Um vı́nculo é dito reônomo quando depende do tempo e esclerônomo quando
não depende. Por exemplo, os vı́nculos holônomos, definido em (10.2), são reônomos
se ∂hα /∂t 6= 0 para algum α, e esclerônomos se ∂hα /∂t = 0 para α = 1, . . . , ν.
Em nosso estudo introdutório da Mecânica Analı́tica somente consideraremos vı́nculos
holônomos, para os quais enunciaremos o princı́pio de D’Alembert.
vı́nculos sobre o sistema e que são a priori desconhecidas; denotemos por Rk a força
vincular total sobre a k-ésima partı́cula. Sobre o sistema agem as forças dadas, que
são funções conhecidas da configuração (r1 , . . . , rN ) do sistema, de sua distribuição
de velocidades (ṙ1 , . . . , ṙN ) e do tempo t. Entretanto, o domı́nio de configurações
e velocidades não é mais um aberto U 3N × lR3N de lR6N , como em (10.1), mas o
subconjunto de lR6N que obedece os vı́nculos (10.4); denotemos por Fk a força dada
total sobre a k-ésima partı́cula. A Segunda Lei de Newton aplicada às partı́cula do
sistema nos fornece as equações de movimento
mk r̈k = Fk + Rk (k = 1, . . . N ) . (10.5)
O problema a ser resolvido consiste em, dada qualquer condição inicial compatı́vel
com os vı́nculos (10.4), determinar para ela o movimento do sistema e as reações
vinculares que satisfazem as equações de movimento (10.5) e os vı́nculos (10.4).
Para investigar as restrições que os vı́nculos impõem às coordenadas, consideremos,
em um instante fixo, deslocamentos infinitesimais δr1 ,... ,δrN em R3N que sejam com-
patı́veis com os vı́nculos (10.4). Eles não estão sujeitos a nenhuma outra restrição e
são ditos deslocamentos virtuais porque não precisam ser deslocamentos que as
partı́culas do sistema de fato sofrem ao realizar um de seus movimentos reais, i.e.,
um dos movimentos que satisfazem às equações de movimento (10.5). Os desloca-
mentos infinitesimais reais das partı́culas serão representados, como de costume, por
dr1 ,... ,drN ; eles ocorrem em um certo intervalo de tempo dt e, por serem reais, são,
por definição, compatı́veis com os vı́nculos. Por brevidade, também nos refimos aos
deslocamentos virtuais infinitesimais instantâneos compatı́veis com os vı́nculos como,
simplesmente, deslocamentos virtuais.
Em um intervalo de tempo dt, os deslocamentos reais infinitesimais e compatı́veis
com os vı́nculos (10.4), realizados pelas partı́culas, são os deslocamentos dr1 ,...,drN
que satisfazem às equações
N
X ∂hα ∂hα
· drk + dt = 0 (α = 1, . . . ν) , (10.6)
∂rk ∂t
k=1
Para resolver o problema que nos ocupa nesta seção, vamos usar a hipótese devida
a D’Alembert, de que as forças vinculares satisfazem à condição
N
X
Rk · δrk = 0 , (10.9)
k=1
onde (q̇1 , . . . , q̇n ) assume quaisquer valores em lRn . De fato, as coordenadas gen-
eralizadas são independentes e podemos definir para elas variações independentes e
velocidades independentes que, por construção, levam a velocidades das partı́culas que
satisfazem os vı́nculos holônomos que estamos considerando. Como, por hipótese não
há outros vı́nculos, as velocidades q̇1 ,... ,q̇n são variáveis independentes que podem
assumir quaisquer valores reais. As variáveis q̇1 ,... ,q̇n são chamadas velocidades
generalizadas. O número de velocidades generalizadas independentes é chamado
número de graus de liberdade do sistema de partı́culas e será representado por ℓ.
Como acabamos de discutir, para sistemas sob vı́nculos exclusivamente holônomos, o
número de velocidades generalizadas é igual ao número de coordenadas generalizadas,
i.e., o número de graus de liberdade do sistema de partı́culas é igual à dimensão de
seu espaço de configurações, ℓ = n.
Os deslocamentos virtuais infinitesimais instantâneos compatı́veis com os vı́nculos
são obtidos variando-se (10.11),
ℓ
X ∂rk
δrk = δqi (k = 1, . . . , N ) , (10.14)
∂qi
i=1
284 Capı́tulo 10 – Mecânica Analı́tica
onde δq1 ,... ,δqℓ são variações infinitesimais arbitrárias e independentes das coorde-
nadas generalizadas. Podemos chamar essas variações independentes deslocamentos
virtuais infinitesimais generalizados. O número desses deslocamentos é, obvia-
mente, igual ao número de graus de liberdade do sistema de partı́culas sujeito a
vı́nculos exclusivamente holônomos.
Agora, voltamos à expressão (10.10) para expressá-la em termos de deslocamentos
virtuais generalizados. Para o trabalho virtual dado em (10.10) temos, em virtude de
(10.14),
XN Xℓ
Fk · δrk = Qi δqi , (10.15)
k=1 i=1
onde as quantidades Qi (i = 1, . . . , ℓ) são definidas como funções de coordenadas
generalizadas, de velocidades generalizadas e do tempo, por meio de
N
X ∂rk
Qi (q1 , . . . , qℓ ; q̇1 , . . . , q̇ℓ ; t) = Fk · (i = 1, . . . , ℓ) . (10.16)
∂qi
k=1
Essas quantidades são chamadas forças generalizadas (embora o mais das vezes
não sejam componentes de forças e não admitam qualquer interpretação nesse sen-
tido). Para escrever o somatório em (10.10) que envolve acelerações, seguimos o
procedimento descoberto por Lagrange. Começamos por usar (10.14) para escrever
N ℓ N
!
X X X dṙk ∂rk
mk r̈k · δrk = mk · δqi , (10.17)
dt ∂qi
k=1 i=1 k=1
onde
dṙk ∂rk d ∂rk d ∂rk
· = ṙk · − ṙk · . (10.18)
dt ∂qi dt ∂qi dt ∂qi
O ponto essencial do procedimento consiste em reconhecer as seguintes identidades
devidas a Lagrange,
∂rk ∂ ṙk d ∂rk ∂ ṙk
= e = . (10.19)
∂qi ∂ q̇i dt ∂qi ∂qi
Para demonstrar essas identidades, devemos ter em mente que, coordenadas gener-
alizadas, velocidades generalizadas e o tempo são variáveis independentes e que, de
acordo com (10.11), rk não depende das velocidades generalizadas. Derivando (10.13)
em relação a q̇i obtemos a primeira das identidades em (10.19). Para obter a segunda,
calculamos a derivada temporal total de ∂rk /∂qi e escrevemos
Xℓ X ℓ
d ∂rk ∂ ∂rk dqj ∂ ∂rk ∂ ∂rk ∂rk
= + = q̇j + . (10.20)
dt ∂qi ∂qj ∂qi dt ∂t ∂qi ∂qi ∂qj ∂t
j=1 j=1
A expressão entre parênteses no último termo é, de acordo com (10.13), a velocidade
ṙk , de modo que resulta de (10.20) a segunda identidade de Lagrange em (10.19).
Estando demonstradas as identidades de Lagrange, podemos usá-las em (10.18) para
obter
dṙk ∂rk d ∂ ṙk ∂ ṙk d ∂ 1 2 ∂ 1 2
· = ṙk · − ṙk · = ṙ − ṙ . (10.21)
dt ∂qi dt ∂ q̇i ∂qi dt ∂ q̇i 2 k ∂qi 2 k
10.2 Princı́pio de D’Alembert e equações de Lagrange 285
XN XN XN
∂rk ∂rk ∂rk ∂rk 1 ∂rk ∂rk
Aij = mk · , Bi = mk · e T0 = mk · .(10.25)
∂qi ∂qj ∂qi ∂t 2 ∂t ∂t
k=1 k=1 k=1
Notemos que Aij = Aji e que Bi e T0 são nulos quando a função (10.11) não depende
explicitamente do tempo, i.e., quando ∂rk /∂t = 0.
Finalmente, podemos escrever a equação (10.10) em termos de coordenadas, veloci-
dades e deslocamentos virtuais generalizados. Substituindo nela as expressões obtidas
em (10.22) e (10.15), obtemos
ℓ
X
d ∂T ∂T
− − Qi δqi = 0 . (10.26)
dt ∂ q̇i ∂qi
i=1
Supomos que sejam equações normais, i.e., equações nas quais podemos isolar as
derivadas de ordem máxima em função das derivadas de ordem inferior, das próprias
funções incógnitas e da variável independente. Devemos pois supor
2
∂ T
det 6= 0 . (10.29)
∂ q̇i ∂ q̇j
10.3 Lagrangiano
Consideremos a situação em que as forças dadas sobre o sistema de particulas
sejam forças conservativas. Nesse caso, elas são forças que dependem apenas da
configuração do sistema e existe para ele uma energia potencial, i.e. uma função U ,
também depende apenas da configuração do sistema, para a qual
∂
Fk = F k (r1 , . . . , rN ) = − U (r1 , . . . , rN ) , (10.30)
∂rk
onde Fk é a força dada total sobre a k-ésima partı́cula do sistema. Usando as funções
(10.11), que expressam a configuração do sistema em termos de coordenadas gener-
10.3 Lagrangiano 287
Nesse caso, podemos escrever as forças generalizadas como derivadas parciais da en-
ergia potencial expressa como função das coordenadas generalizadas. Com efeito,
usando (10.16), obtemos
N
X X ∂U ∂rk N
∂rk ∂U
Qi = Fk · =− · =− (i = 1, . . . , ℓ) , (10.32)
∂qi ∂rk ∂qi ∂qi
k=1 k=1
ou seja,
∂
Qi (q1 , . . . , qℓ ; t) = − U (q1 , . . . , qℓ ; t) (i = 1, . . . , ℓ) . (10.33)
∂qi
Substituindo esse resultado nas equações de movimento lagrangianas (10.27), cheg-
amos a
d ∂T ∂(T − U )
− =0 (i = 1, . . . , ℓ) . (10.34)
dt ∂ q̇i ∂qi
Levando em conta que U não depende das velocidades generalizadas, temos ∂U/∂ q̇i =
0, de modo que (10.34) pode ser escrita como
d ∂L ∂L
− =0 (i = 1, . . . , ℓ) , (10.35)
dt ∂ q̇i ∂qi
onde usamos a função L definida por
Naturalmente, essa definição usa o fato de que já foram obtidas as expressões das
energias cinética e potencial em função das coordenadas e velocidades generalizadas
e do tempo, tal como explicitado em (10.24) e (10.31). A função L definida em
(10.36) é chamada lagrangiano do sistema de partı́culas em consideração. Também
as equações (10.35) são chamadas equações de movimento lagrangianas, ou
equações de movimento de Euler-Lagrange.
Para que as equações lagrangianas (10.27) assumam a forma (10.35), não é necessário
que as forças dadas sejam conservativas. De fato, a condição mais geral para que as-
sumam essa forma, com um lagrangiano dependente de coordenadas e velocidades
generalizadas e do tempo, é que exista uma função U dessas mesmas variáveis e que
as forças generalizadas sejam dadas por
d ∂ ∂
Qi (q1 , . . . , qℓ ; q̇1 , . . . , q̇ℓ ; t) = − U (q1 , . . . , qℓ ; q̇1 , . . . , q̇ℓ ; t)
dt ∂ q̇i ∂qi
(i = 1, . . . , ℓ) . (10.37)
No caso geral, essa função não tem o significado de energia potencial e não leva neces-
sariamente à conservação da quantidade T − U . Vamos chamá-la função potencial
do sistema de partı́culas. Obviamente, um caso particular da função potencial é dado
288 Capı́tulo 10 – Mecânica Analı́tica
pela energia potencial do sistema com forças aplicadas conservativas, caso em que a
função potencial não depende das velocidades generalizadas.
As equações lagrangianas (10.35) nos fornecem as equações de movimento ao faz-
ermos as identificações qi = qi (t) e q̇i = dqi (t)/dt (i = 1, . . . , ℓ), após tomarmos
as derivadas parciais indicadas nas equações. Naturalmente, as funções qi (t) (i =
1, . . . , ℓ) são as funções procuradas como solução das equações de movimento la-
grangianas. Fazendo nessas equações as derivadas indicadas, chegamos às seguintes
equações diferenciais para as funções qi (t) (i = 1, . . . , ℓ),
ℓ
X ℓ
∂ 2 L d2 qj (t) X ∂ 2 L dqj (t) ∂2L ∂L
2
+ + − =0 (i = 1, . . . , ℓ) , (10.38)
∂ q̇i ∂ q̇j dt ∂ q̇i ∂qj dt ∂ q̇i ∂t ∂qi
j=1 j=1
que também são equações diferenciais ordinárias de segunda ordem, que supomos
normais, i.e., o lagrangiano deve satisfazer a propriedade
2
∂ L
det 6= 0 . (10.39)
∂ q̇i ∂ q̇j
d ∂Ξ ∂Ξ
− =0 (i = 1, . . . , ℓ) . (10.40)
dt ∂ q̇i ∂qi
Perguntemos, então, sob que condições essas equações são meras identidades para as
funções incógnitas qi (t) (i = 1, . . . , ℓ), i.e., os membros esquerdos dessas equações
são nulos para quaisquer valores de acelerações, de velocidades e de coordenadas
generalizadas. Nesse caso (10.40) não estabelecem nenhuma relação efetiva entre as
acelerações, velocidades e coordenadas generalizadas. É fácil verificar que as equações
(10.40) são identidades se Ξ for a derivada temporal total de uma função apenas das
coordenadas generalizadas e do tempo, i.e., denotando essa última função por Λ,
obtemos que Ξ dada por
d
Ξ(q1 , . . . , qℓ ; q̇1 , . . . , q̇ℓ ; t) = Λ(q1 , . . . , qℓ ; t) (10.41)
dt
torna (10.40) uma identidade para funções qi (t) (i = 1, . . . , ℓ). É também possı́vel
demonstrar, embora seja um pouco mais difı́cil, que (10.41) é a condição necessária
para que (10.40) seja um identidade. Portanto, (10.41) é a condição necessária e
suficiente para que (10.40) seja um identidade. Com esse resultado em mãos podemos
determinar uma condição para que dois lagrangianos dêem origem às mesmas equações
de movimento para um dado sistema fı́sico. Eles devem diferir por uma derivada
temporal total de uma função apenas das coordenadas generalizadas e do tempo e,
10.3 Lagrangiano 289
d
L 7−→ L ′ = L + Λ (10.43)
dt
pode ser chamada uma transformação de calibre do lagrangiano. Pelo que
vimos, um sistema fı́sico determina seu lagrangiano a menos de transformações de
calibre. Dizemos que uma transformação de calibre do lagrangiano não altera a
dinâmica do sistema que ele descreve.
Para resolvermos um problema no formalismo lagrangiano, o primeiro passo con-
siste em determinar as coordenadas generalizadas a serem usadas para descrever as
configuraçoes do sistema vinculado. Normalmente, não há necessidade de começar
pelas coordenadas cartesianas e inverter as equações de vı́nculo (10.4) para eliminar
parte das coordenadas e obter apenas as coordenadas independentes que denomi-
namos coordenadas generalizadas. Esse método foi usado para entendermos sob que
condições e como funciona o formalismo lagrangiano. Na prática obtemos por in-
speção do sistema vinculado as relações (10.11) entre as coordenadas cartesianas e as
coordenadas generalizadas. Então, usamos essas relações nas expressões das energias
cinética e potencial em termos de coordenadas cartesianas para obter essas mesmas
energias em termos de coordenadas generalizadas. Com essas últimas escrevemos o
lagrangiano do sistema que, se quizermos, pode ser modificado por uma relação de
calibre. Na verdade, há lagrangianos com termos que são, manifestamente, derivadas
totais de funções que dependem apenas das coordenadas generalizadas e do tempo;
nesse caso, é óbvia a tranformação de calibre que elimina tais termos e resulte em
um lagrangiano que pode ser mais simples. De posse do lagrangiano obtemos as
equações de movimento de Lagrange para resover o problema em tela. Nisso consiste
o que podemos chamar método lagrangiano para a solução de problemas dinâmica.
Finalmente, observemos que, por meio de exemplos, podemos aprender diversos pro-
cedimentos que atalham esse método.
290 Capı́tulo 10 – Mecânica Analı́tica
∂L
pi = (i = 1, . . . , ℓ) . (10.44)
∂ q̇i
dpi ∂L
= (i = 1, . . . , ℓ) . (10.45)
dt ∂qi
ℓ ℓ
dL X ∂L ∂L dq̇i ∂L X d ∂L ∂L dq̇i ∂L
= q̇i + + = q̇i + + , (10.47)
dt ∂qi ∂ q̇i dt ∂t dt ∂ q̇i ∂ q̇i dt ∂t
i=1 i=1
10.4 Teoremas de conservação no formalismo lagrangiano 291
onde a expressão entre colchetes é a derivada temporal total de (∂L/∂ q̇i )q̇i , de modo
que obtemos !
ℓ
d X ∂L ∂L
q̇i − L = , (10.48)
dt ∂ q̇i ∂t
i=1
que é uma expressão invariante sob transformações de calibre do lagrangiano, i.e., ela
permanece válida se trocarmos o lagrangiano que nela aparece por qualquer outro
obtido dele por uma transformação de calibre. A quantidade que aparece entre
parênteses em (10.48) é uma função das coordenadas e velocidades generalizadas
e do tempo; denotando-a por E, temos
X ℓ
∂L(q1 , . . . , qℓ ; q̇1 , . . . , q̇ℓ ; t)
E(q1 , . . . , qℓ ; q̇1 , . . . , q̇ℓ ; t) = q̇i −L(q1 , . . . , qℓ ; q̇1 , . . . , q̇ℓ ; t).
∂ q̇i
i=1
(10.49)
Usando essa definição podemos escrever (10.48) na forma
dE ∂L
= . (10.50)
dt ∂t
Conseqüentemente, se o lagrangiano não depender explicitamente do tempo, E é uma
constante de movimento,
∂L
= 0 =⇒ E = constante . (10.51)
∂t
Um sistema autônomo é, por definição, um sistema que pode ser descrito por um
lagrangiano não depende explicitamente do tempo. Conseqüentemente, todo sistema
autônomo possui uma constante de movimento E da forma definida em (10.49). No
caso em que a energia cinética é uma função quadrática das velocidades generalizadas,
i.e., em que Bi = 0 (i = 1, . . . , ℓ) e T0 = 0 em (10.25), e a função potencial U
definida em (10.37) é uma energia potencial, i.e., depende apenas das coordenadas
generalizadas, E coincide com a energia mecânica usual, E = E = T + U . Mesmo
quando isso não acontece é comum denominar E energia do sistema.
Notemos que, no formalismo newtoniano, para obter grandezas conservadas deve-
mos investigar se as forças sobre o sistema possuem certas propriedades como, por
exemplo, serem conservativas ou centrais, e a partir disso determinar as grandezas
conservadas como, por exemplo, energia ou momento angular. No formalismo la-
grangiano, podemos obter grandezas conservadas inspecionando caracterı́sticas mer-
amemente algébricas do lagrangiano do sistema, como não depender de uma certa
variável. Notemos, além disso, que a propriedade do lagrangiano não depender de
uma certa variável pode ser associada a simetrias do lagrangiano e, portanto, do sis-
tema em consideração. De fato, consideremos um primeiro exemplo em que efetuamos
uma translação δqi na coordenada generalizada qi . Se o lagrangiano não depende dela,
ele permanece invariante sob a transformação de coordenada qi 7→ qi + δqi . Portanto
o sistema, é simétrico sob essa transformação que, por esse motivo, é dita uma trans-
formação de simetria do sistema; dizemos que o sistema é simétrico sob a translação
qi 7→ qi + δqi . De acordo com (10.46), essa simetria implica que a derivada parcial do
292 Capı́tulo 10 – Mecânica Analı́tica
ℓ
X ℓ
X
∂ 2 L dq̇j (t) ∂2L ∂2L ∂L
=− q̇j − + ,
∂ q̇i ∂ q̇j dt ∂ q̇i ∂qj ∂ q̇i ∂t ∂qi
j=1 j=1
dqi
= q̇i (i = 1, . . . , ℓ) . (10.52)
dt
Tais equações apresentam um aspecto desproporcionalmente assimétrico. As ℓ primeira
equações são incomparavelmente mais complicadas que as ℓ últimas. Equações mais
simples e simétricas são obtidas mudando-se as variáveis velocidades generalizadas
para as variáveis momentos conjugados e, também, usando uma nova função no lugar
do Lagrangiano para expressar as equações de movimento.
Explicitando a dependência funcional do lagrangiano na definição (10.44) de mo-
mento conjugado, temos as seguintes relações com qi e q̇i (i = 1, . . . , ℓ),
Elas podem ser consideradas como as funções de mudança das variáveis q̇1 ,..., q̇ℓ
para as variáveis p1 ,..., pℓ , pois a condição de que tais funções possam ser inver-
tidas, det[∂pi /∂ q̇j ] 6= 0 é idêntica à já suposta condição (10.39) de que o sistema em
10.5 Equações canônicas de Hamilton 293
onde a expressão final foi obtida usando-se a definição de momento conjugado (10.44)
e as equações lagrangianas na forma (10.45). Os diferenciais independentes dessa
expressão, dqi , dq̇i (i = 1, . . . , ℓ) e dt, deixam claro que o lagrangiano L é uma função
das variáveis qi , q̇i (i = 1, . . . , ℓ) e t. Agora usamos na expressão final de (10.54) a
identidade pi dq̇i = d(pi q̇i ) − q̇i dpi e obtemos
ℓ
! ℓ
X X dpi dqi ∂L
d pi q̇i − L = − dqi + dpi − dt . (10.55)
dt dt ∂t
i=1 i=1
ou seja
ℓ
X
H(q1 , . . . , qℓ ; p1 , . . . , pℓ ; t) = pi q̇i − L(q1 , . . . , qℓ ; q̇1 , . . . , q̇ℓ ; t) , (10.57)
i=1
Com essa definição a derivada temporal (10.65) pode ser escrita como
dA ∂A
= [A, H] + . (10.67)
dt ∂t
Quando a função não depende das variáveis dinâmicas o seu colchete de Poisson com
o hamiltoniano,ou com quaquer outra função, é nulo. Nesse caso a evolução temporal
da função não depende da evolução temporal do sistema e é dada por sua dependência
explı́cita no tempo. Naturalmente, essa dependência é devida a fatores externos ao
sistema. Em contrapartida, o colchete de Poisson da função com o hamiltoniano
determina a evolução temporal da função devida ao movimento do sistema. A taxa
total de variação da função é devida à ação conjunta desses dois fatores, como descrito
pela equação (10.67).
O colchete de Poisson de duas função é linear em cada uma delas, i.e., é uma função
bilinear do par de funções. Além disso, goza das propriedades de antissimetria,
dqi dpi
= [qi , H] e = [pi , H] (i = 1, . . . , ℓ) . (10.73)
dt dt
Essas equações diferenciais ordinárias de primeira ordem podem ser chamadas equações
de movimento poissonianas.
296 Capı́tulo 10 – Mecânica Analı́tica
qi = fi (q1 , . . . , qℓ ; p1 , . . . , pℓ ; t) e pi = gi (q1 , . . . , qℓ ; p1 , . . . , pℓ ; t)
(i = 1, . . . , ℓ) .
(10.74)
e que deixam invariantes os colchetes de Poisson. Um caso particular dessas trans-
formações é dada pelas transformações de contato (10.12). A ampla liberdade de
mudar de variáveis dinâmicas proporcionada pelas transformações canônicas torna
o formalismo hamiltoniano poderoso para tratar problemas complicados. A teoria
das transformações canônicas é apresentada em estudos mais avançados de Mecânica
Analı́tica.
movimento ϕ, e escrever
Z t2
S(ϕ) = L(ϕ(t), ϕ̇(t), t) dt . (10.77)
t1
Uma função como S, que transforma funções em números, costuma ser chamada
funcional. Assim, S é chamado funcional de ação ou, simplesmente, ação do
sistema fı́sico entre os instante t1 e t2 . Naturalmente, levando em conta também a
dependência da ação dos instantes t1 e t2 , podemos dizer que a ação é um funcional
do movimento e uma função desses instantes. Os instantes t1 e t2 do intervalo de
integração [t1 , t2 ] podem ser chamados instantes extremos do intervalo, ou da ação.
Agora, consideremos uma função ϕ′ infinitesimalmente próxima de ϕ, no sentido
de que δϕ(t) = ϕ′ (t) − ϕ(t) é infinitesimal para qualquer t no intervalo de tempo
considerado. A quantidade δϕ(t) é a variação do valor da função ϕ no instante t, de
modo que escrevemos δq = δϕ(t). A variação da função ϕ é representada por δϕ, de
modo que, com ela ocorre a seguinte mudança infinitesimal de função
ϕ 7−→ ϕ′ = ϕ + δϕ . (10.78)
Façamos a restrição de que ϕ′ (t1 ) = ϕ(t1 ) e ϕ′ (t2 ) = ϕ(t2 ), i.e., não hája variação da
função nos instantes extremos,
A variação de função com essa propriedade é chamada variação com extemos fixos.
Se a função ϕ sofre uma tal variação infintesimal δϕ, a ação sofre uma variação
δS(ϕ) = 0 . (10.81)
Uma vez que essa equação funcional determina os movimentos possı́veis do sistema,
também podemos chamá-la equação de movimento do sistema; é difı́cil imaginar que
possa haver uma forma mais simples de equação de movimento.
Calculemos a variação da ação (10.80) sob a variação de função infinitesimal de
movimento com extremos fixos. Temos, para (10.80),
Z t2
d
δS(ϕ) = L(ϕ(t) + δϕ(t), [ϕ(t) + δϕ(t)] , t) − L(ϕ(t), ϕ̇(t), t) dt . (10.82)
t1 dt
Mas, por construção, são nulas as variações da função-movimento nos extremos, como
explicitado em (10.79); logo, o último termo na expressão (10.86) é nulo, de modo
que podemos escrever
Z t2
∂L(ϕ(t), ϕ̇(t); t) d ∂L(ϕ(t), ϕ̇(t); t)
δS(ϕ) = − δϕ(t) dt . (10.87)
t1 ∂ϕ(t) dt ∂ ϕ̇(t)
Aplicamos nessa variação da ação o princı́pio da ação (10.81), que afirma que essa
variação é nula para qualquer variação de movimento δϕ nula nos extremos. Obtemos
Z t2
∂L(ϕ(t), ϕ̇(t); t) d ∂L(ϕ(t), ϕ̇(t); t)
− δϕ(t) dt = 0 . (10.88)
t1 ∂ϕ(t) dt ∂ ϕ̇(t)
Usando a arbitrariedade da variação infinitesimal δϕ no integrando dessa expressão,
concluı́mos que o restante do integrando deve ser nulo, i.e.,
∂L(ϕ(t), ϕ̇(t); t) d ∂L(ϕ(t), ϕ̇(t); t)
− =0. (10.89)
∂ϕ(t) dt ∂ ϕ̇(t)
que escrevemos também na notação mais comum,
∂L(q, q̇; t) d ∂L(q, q̇; t)
− =0. (10.90)
∂q dt ∂ q̇
Essa é a equação de movimento lagrangiana para o sistema de um grau de liberdade
que estamos considerando. Portanto, ficou demonstrado que o princı́pio da ação
implica a equação de movimento lagrangiana. É fácil inverter a demonstração e
obter o princı́pio da ação a partir dessa equação. Com isso, podemos concluir que o
princı́pio da ação, considerado como equação de movimento, é equivalente à equação
de movimento lagrangiana.
Agora, consideremos o caso geral de um sistema com ℓ graus de liberdade e volte-
mos à notação em que representamos cada coordenada generalizada e sua função-
movimento pelo mesmo sı́mbolo, qi = qi (t) (i = 1, . . . , ℓ). Com essa notação devemos
10.6 Princı́pio da ação 299
δS(q1 , . . . , qℓ ; t1 , t2 ) = 0 . (10.93)