GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal. A Casa de Montezuma - A Historiografia e A Corporação Dos Bacharéis.
GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal. A Casa de Montezuma - A Historiografia e A Corporação Dos Bacharéis.
GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal. A Casa de Montezuma - A Historiografia e A Corporação Dos Bacharéis.
eleitos graduaram-se nas primeiras turmas dos cursos de direito de São Paulo e de
Olinda (depois Recife), os grandes celeiros formadores da burocracia imperial. Além do
exercício da advocacia, os membros do primeiro Conselho Diretor do IAB também
serviam à magistratura, ou atuavam no Legislativo e no Executivo. Alguns desses vultos
faziam parte também dos quadros do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
(IHGB), reduto intelectual, instituído em 1838 e patrocinado por D. Pedro II, voltado
para a construção da memória nacional17. Tratava-se, portanto, de um elenco com perfil
bastante homogêneo, formado por homens empenhados com o processo político de
construção do Estado imperial, indivíduos que pertenciam à geração da Independência,
a exemplo de Montezuma (1794-1870), mais tarde agraciado por D. Pedro II com o
título de Visconde de Jequitinhonha e autor, dentre outras obras, de um panfleto
intitulado A liberdade das repúblicas, onde fazia a defesa intransigente do centralismo
monárquico, em oposição à propaganda federalista.
Nesse sentido, sem querer minimizar o idealismo jurídico dos seus fundadores, é
viável supor que a criação do Instituto dos Advogados Brasileiros esteve intimamente
articulada com o projeto político de consolidação do Estado monárquico. A premissa
aqui levantada adquire maior sustentação, quando se analisa a fala de Francisco Gê de
Acaiaba e Montezuma na inauguração do Instituto, à luz do contexto histórico de época.
Somente depois de frisar que a fundação do Instituto era apenas o passo inicial
para a constituição de uma entidade de classe, Montezuma trouxe à baila as pretendidas
aspirações corporativas25. Assim, após uma longa narrativa sobre a evolução histórica
do ofício de advogado, passou a exortar a importância da formação de um organismo de
classe, estribado nos exemplos da França, da Inglaterra e, mais recentemente, de
Portugal. Entretanto, ao cabo da erudita dissertação, ele voltaria a bater na tecla da
“utilidade pública”, para acentuar a relevância da atuação do IAB junto ao governo.
Desta feita, traçando um retrato sem retoque da organização jurídica do país:
20
Sobre o Conselho de Estado, ver Hamilton Leal, História das instituições políticas do Brasil. Rio de
Janeiro: Imprensa Nacional, 1962, p. 329-331.
2117
Machado de Assis, “O velho Senado”. In: ______, Obra completa , Rio de Janeiro: Editora Nova
Aguilar, 1994, v. II, p.636-645. (Coleção Biblioteca Luso-Brasileira).
22
Francisco Ge de Acaiaba e Montezuma, “Discurso proferido em 7 de setembro de 1843”, Revista do
Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros Rio de Janeiro, Ano I Tomo I, janeiro, fevereiro, março de
1862, p. 68.
23
Idem, p. 69.
24
Idem, p.70.
25
6
Por outro lado, as demandas por ele levantadas sugerem grande afinidade com o
ideário defendido pelo saquarema Paulino Soares de Sousa, futuro Visconde de
Uruguai, o principal mentor da centralização monárquica. Este sustentava a tese de que
(...) se a liberdade política é essencial para a felicidade de uma Nação, boas
instituições administrativas apropriadas às suas circunstâncias e convenientemente
26
Ver a esse respeito as observações de Manoel Álvaro de Souza Sá Vianna. Segundo Sá Vianna, nas
discussões preliminares para a criação do IAB, Montezuma manifestara-se contrário a idéia se fundar de
imediato a Ordem, em virtude da falta de organização jurídico institucional do país. Cf. Manoel Álvaro de
Souza Sá Vianna Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros – 50 anos de existência. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1894, p. 17.
27
Francisco Gê de Acaiaba e Montezuma, “Discurso proferido em 7 de setembro de 1843”, op. cit.,
p.111.
28
Cf. Keila Grinberg, O fiador dos brasileiros. Cidadania, escravidão e direito civil no tempo de Antonio
Pereira Rebouças. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 28.
7
desenvolvidas não o são menos. Aquela sem estas não pode produzir bons resultados 29,
a propósito da necessidade da organização e do funcionamento do Estado.
29
Cf. Visconde do Uruguai, Ensaio sobre o Direito Administrativo. Rio de Janeiro, 1862, t.1, p. IV
30
Revista do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros Rio de Janeiro, Ano I Tomo I, janeiro,
fevereiro, março de 1862, p. 113.
8
A classe dos supranumerários seria formada pelos bacharéis que viessem a ser
admitidos após aquele prazo estipulado no Regimento, ou ainda por aqueles que não
possuíssem dois anos de prática forense. Seu acesso ao quadro efetivo ficava
condicionado à morte ou ao afastamento de um titular. A admissão ao quadro dos
honorários restringia-se apenas aos advogados residentes nas províncias e aos
jurisconsultos nacionais e estrangeiros, que não exercessem o ofício. Contudo, o
Estatuto previa a promoção automática à categoria de honorário do membro efetivo que
entrasse para a magistratura.
A proposta de ingresso, para qualquer das três classes, deveria ser apresentada
por escrito, acompanhada da chancela de três membros do Conselho Diretor. A seguir,
submetida à aprovação da assembléia geral por escrutínio. Aos candidatos, além dos
requisitos já mencionados, requeria-se probidade, bons costumes e conhecimentos
profissionais, embora não houvesse exigência de prova de suficiência acadêmica. No
ato da posse, os advogados firmavam diante dos Evangelhos e do presidente da Casa a
seguinte promessa: (...) Juro ser fiel à Constituição, ao Imperador, e aos deveres do
meu ministério31. Após proferir o solene juramento, o bacharel estava habilitado a
assinar o termo do Livro de Matrícula. No início de cada ano, o Conselho Diretor
deveria fazer o inventário dos advogados matriculados, guardadas as alterações
ocorridas no exercício anterior, e providenciar sua publicação, a fim de que o mesmo
fosse colocado nas salas de audiência dos tribunais da Corte, na secretaria do Ministério
da Justiça e demais repartições afins.
Outro aspecto que merece registro, na parte relativa aos direitos e obrigações dos
associados, era o caráter assistencial do grêmio, uma vez que permitia aos associados
(...) requisitar do Instituto socorros de beneficência caso venham a cair em desgraça. E
caso morra neste estado de desgraça, à sua viúva e filhos legítimos menores poderá o
Instituto fazer extensivo este mesmo direito 32. A propósito dessa prerrogativa, a
31
IAB, “Regimento Interno”. Revista do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros Rio de Janeiro,
Ano I Tomo I, nº 1, janeiro, fevereiro, março de 1862, p. 11.
32
Idem, p.14.
9
pesquisa nas atas disponíveis revela apenas um caso de associado que recorreu à
assistência ao IAB, o do juiz de direito Luiz Paulino da Costa Lobo, por motivo de
cegueira e pobreza. Porém, ao invés de adotar uma solução institucional, de acordo com
o disposto no Regimento, o Conselho Diretor decidiu, por caridade, abrir uma
subscrição pública para minimizar os sofrimentos do juiz Costa Lobo33.
de terem assento dentro dos cancelos dos tribunais, desde que no exercício de seu
ofício.
O Instituto, por sua vez, também evidenciava a intenção de estreitar ainda mais
os laços de cooperação com os poderes constituídos. O presidente Montezuma, a
propósito da passagem do primeiro aniversário do grêmio, apresentou proposta para a
criação de cursos livres de Direito, a serem oferecidos graciosamente aos funcionários
administrativos do Fórum, a fim de aperfeiçoar seus conhecimentos e melhorar os
serviços ali prestados. As aulas, ministradas por associados, contemplariam as seguintes
disciplinas Prática Civil e Criminal, Direito Comercial e Direito Administrativo. O
projeto foi aceito pelo governo imperial e começou a ser posto em prática em 1845.
Ao lado dessas iniciativas, retomou-se a discussão a respeito das reformas do
ordenamento jurídico nacional. Na sessão comemorativa do segundo aniversário do
Instituto, houve, inclusive, uma conferência sobre o tema, pronunciada por Francisco
Inácio Carvalho Moreira, mais tarde Barão de Penedo. Erudito e fluente, utilizando
sólida argumentação jurídica, justificou a urgência da revisão geral e da codificação das
leis civis e do Processo. Porém, ao concluir, chamou a atenção para um impasse, cuja
solução estava fora da alçada do IAB. No seu entender, se por um lado não havia
dúvida de que a entidade era o locus ideal para levar a cabo a tarefa de preparar o ante-
projeto das reformas, por outro, uma iniciativa dessa natureza só poderia (...) partir de
mais alto34. No fundo, Carvalho Moreira passara um recado às autoridades presentes,
ou seja, de que promover as pretendidas reformas implicava sobretudo em uma questão
de vontade política.
34
Francisco Inácio de Carvalho Moreira, “Da revisão geral e codificação das leis civis do Processo no
Brasil”. Memória lida em sessão geral do Instituto dos Advogados Brasileiros a 7 de setembro de 1845.
Revista do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros Rio de Janeiro, Ano I Tomo I, nº 1, janeiro,
fevereiro, março de 1862, p. 147-169. (Edição fac-similar).
35
Ver, por exemplo, Eduardo Spiller Pena, Pajens da casa imperial.Jurisconsultos, escravidão e a lei de
1871. Campinas (SP): Editora da UNICAMP, 2001.
11
Quanto à divulgação, uma vez que o Instituto ainda não dispunha de um boletim
informativo ou de periódico especializado, o que só veio a se concretizar em 1862, com
a criação da Revista do Instituto da Ordem dos Advogados, na gestão de Agostinho
Marques Perdigão Malheiro38, resolveu-se que qualquer filiado poderia obter certidões
dos pareceres científicos, desde que o pedido recebesse a chancela do presidente do
Conselho. Além disso, adotou-se um selo para timbrar os documentos oficiais da
instituição, cujo modelo recebeu a anuência do Ministério da Justiça39.
Por essa mesma época, a corporação também iniciou gestões para ramificar-se
pelas províncias. Na sessão de 22 de março de 1848, Francisco Inácio Carvalho
Moreira, ao regressar de viagem de Alagoas, fez um relato aos confrades das sondagens
que empreendera para a abertura de filiais na Bahia e em Pernambuco40. De um modo
geral, a proposta recebera acolhida favorável. Entretanto, no Recife, os bacharéis
deram-lhe a entender que tencionavam estabelecer uma agremiação similar, desde que
sem vínculo com a matriz do Rio de Janeiro. Vale notar que a passagem de Carvalho
36
Cf. Revista do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros Rio de Janeiro, Ano I Tomo I, nº 2, abril,
maio, junho de 1862, p. 49-53. (Edição fac-similar).
37
IAB, Revista do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros Rio de Janeiro, Ano I Tomo I, nº 3,
julho, agosto, setembro de 1862, p. 127-128.
38
Integravam a primeira comissão de redação do periódico os associados Urbano Sabino, Joaquim J.osé
Teixeira, Nabuco de Araújo, Lafayette Rodrigues Pereira, Busch Varella, João da Rocha Miranda e Silva,
Caetano Alberto Soares e Joaquim Inácio Álvares de Azevedo.
39
Portaria de 29 de maio de 1849, assinada pelo Ministro da Justiça Euzébio de Queiroz Matoso.
40
IAB, “Ata da sessão de 22 de março de 1848. Revista do Instituto da Ordem dos Advogados
Brasileiros Rio de Janeiro, Ano I Tomo I, nº 3 , op. cit, p. 127.
12
Moreira por Pernambuco se dera meses antes de eclodir a revolução Praieira 41. A idéia
de instituir uma sucursal do IAB no Recife, por certo, deve ter sido identificada como
mais uma ação da política centralizadora da Corte, em detrimento das chamadas
franquias provinciais. A prova disto é que sufocada a revolta, a resistência do Leão do
Norte arrefeceu. Três anos mais tarde, na sessão de 2 de junho de 1851, chegava ao
grêmio uma participação oficial de que o (...) Instituto Filial de Pernambuco já se
encontrava instalado42.
Para agilizar os trabalhos, ele mesmo redigiu as bases que deveriam orientar a
representação à Assembléia Geral do Império, a saber: instituição de matrícula
obrigatória de todos os advogados do Império, precedida do cumprimento de
formalidades, a começar pela exigência da prática do ofício em escritório de advogado
conceituado no período mínimo de um ano; incompatibilidade da profissão com o
exercício dos cargos de polícia, de secretários de tribunais, de juízes, procuradores,
45
Faziam parte também deste Gabinete Manuel Felizardo de Sousa e Melo e Manuel Vieira Tosta
titulares respectivamente dos ministérios da Guerra e da Marinha.
46
Cf. Francisco Gê de Acaiaba e Montezuma, “Discurso”. Revista do Instituto da Ordem dos Advogados
Brasileiros Rio de Janeiro, Ano I Tomo I, nº 3 julho, agosto, setembro de 1862, p. 182-183.
47
J. Capistrano de Abreu, Ensaios e estudos: crítica e história. 2ª série, nota preliminar de José Honório
Rodrigues. 2ª edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1976, p. 17.
48
Cf. IAB, “Ata da sessão extraordinária de 28 de fevereiro de 1850”. Revista do Instituto da Ordem dos
Advogados Brasileiros Rio de Janeiro, Ano I Tomo I, nº 3 julho, agosto, setembro de 1862, p. 182-183.
(Edição fac-similar).
14
55
Idem.
17
Desta feita, todavia, os dirigentes do IAB resolveram adotar uma outra estratégia
de ação. Ao invés de dirigirem o pleito ao Legislativo, serviram-se de um atalho que
lhes pareceu mais conveniente. Melhor dizendo, menos arriscado do que as sinuosas
vias parlamentares. Assim, o documento foi encaminhado diretamente ao Conselho de
Estado - o cérebro da monarquia na expressão de Joaquim Nabuco, o órgão de
aconselhamento do monarca, encarregado de elaborar e formar pareceres a respeito de
questões técnicas, sobre as quais o governo devia decidir e atuar como tribunal
administrativo.
56
Ver dentre outras, IAB, “Ata da sessão de 13 de maio de 1852”. Revista do Instituto da Ordem dos
Advogados Brasileiros Rio de Janeiro, Ano I Tomo I, nº 3 julho, agosto, setembro de 1862, p. 182-183. p.
62-63.
57
Idem, sessão de 18 de maio de 1865, p. 191-192.
18
58
Diário do Rio de Janeiro, nº290. Rio de Janeiro, de 24 de outubro de 1957, p.1.
59
Diário do Rio de Janeiro, nº291. Rio de Janeiro, de 25 de outubro de 1957, p.1.
60
Brasil, Imperiais Resoluções, v. II, p. 1259.
19
Bacharel em Direito, após concluir o curso na cidade de São Paulo (1850), José
Martiniano de Alencar transferiu-se para o Rio de Janeiro, exerceu a advocacia e
também se dedicou ao magistério, dando aulas de direito comercial. Graças à sua
amizade com importantes lideranças do Partido Conservador, como Euzébio de Queiroz
e Nabuco de Araújo, alcançou o posto de chefe e consultor da Secretaria de Estado dos
Negócios da Justiça. Em 1860, elegeu-se deputado pela província do Ceará, sua terra
natal, tendo o mandato renovado por sucessivas vezes. Na política, além da atuação
parlamentar, publicou diversos ensaios, a exemplo das Cartas de Erasmo, onde discutia
de modo irônico a questão da representatividade e o sistema eleitoral do Império.
De qualquer modo, o voto de Alencar foi acompanhado por seus pares sem
qualquer objeção. A Sessão de Justiça do Conselho de Estado julgou o projeto do
Instituto deficiente. No veredicto final, os conselheiros ainda aproveitaram a
oportunidade para passar uma reprimenda no Instituto, assinalando que quaisquer outras
petições do gênero não deveriam ser submetidas ao Conselho, mas sim à apreciação da
Assembléia Geral do Império62.
63
Cf. Joaquim Nabuco, op. cit., v.1, p. 642.
64
Brasil, Actos do poder executivo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1880, p. 591-599.
65
IOAB, Regulamento do Instituto da Ordem dos Advogados, 1888, art. 1º.
21
66
Como já se viu, anteriormente, os Estatutos de 1843 dispunham que a finalidade do Instituto era (...)
organizar a ordem dos advogados, em proveito da ciência da jurisprudência. Cotejando ainda os dois
diplomas legais, percebe-se que também fora suprimido o caráter beneficente do Instituto.
67
IAB, “Ata da sessão de 13 de maio de 1888”. Revista do Instituto da Ordem dos Advogados
Brasileiros, op. cit., tomo IX, p. 167.
68
Cf. Joaquim Nabuco, op. cit., p. 1017.
22
Seguindo essta linha de raciocínio, Campos Coelho deduz, ainda, que o governo
imperial dificilmente estaria disposto (...) a conceder aos advogados a autonomia
corporativa que reivindicavam, vencendo a desconfiança que sempre nutrira pelas
associações civis e abdicando da paternal autoridade que mantinha todas elas
dependentes de suas graças69.
69
Edmundo Campos Coelho, op. cit., p. 189-190.
70
Brasil, Imperiais Resoluções, op. cit, p. 1259.
71
Diário do Rio de Janeiro, nº291. Rio de Janeiro, de 25 de outubro de 1957, p.1.