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ISSN 2177-4005

Revista do Departamento de Educação Física e Saúde e do Mestrado em


Promoção da Saúde da Universidade de Santa Cruz do Sul / Unisc
>> Acesse; http://online.unisc.br/seer/index.php/cinergis
>> Ano 15 - Volume 15 - Número 2 - Abril/Junho 2014

ARTIGO ORIGINAL

Contribuições da periodização tática para o


desenvolvimento de uma identidade coletiva
em equipes de futebol
Contributions of tactical periodization for the development
of a collective identity in football teams
Paulo Henrique Borges1, Allana Antonello1, Vanildo Rodrigues Pereira1, Dourivaldo Teixeira1, José Ricardo de
Oliveira1, Wilson Rinaldi1
1
Universidade Estadual de Maringá (UEM), Maringá, PR, Brasil.

Recebido em: julho 2014 / Aceito em: agosto 2014


[email protected]

RESUMO INTRODUÇÃO
A Periodização Tática é uma nova metodologia de Segundo Stacey1 e Morin2, a ciência moderna
treinamento criada em Portugal especificamente para se baseou-se em métodos reducionistas para entender os
treinar futebol. Objetivo: estabelecer um levantamento de fenômenos complexos, tal qual o futebol. Essa lógica de
informações a respeito da Periodização Tática, buscando pensamento é frequentemente utilizada nos clubes e nas
perceber seus contributos para o desenvolvimento das metodologias de treinamento, onde pode ser observada a
equipes de futebol. Método: foram entrevistados três fragmentação das capacidades técnicas, táticas, físicas
treinadores portugueses da cidade do Porto, em Portu- e psicológicas, buscando na organização do treino, a
gal. Resultados: os resultados indicaram que a referida maximização de cada uma delas para obter um melhor
metodologia de treinamento apresenta uma sólida base rendimento esportivo.3,6 Contudo, as inúmeras interações
de apoio teórico e prática. Considerações finais: a Perio- entre os elementos constituintes de uma equipe de futebol
dização Tática permite a construção de uma identidade dão corpo a uma complexidade que não deve ser trabalha-
coletiva no processo de jogo e treino de futebol. da e entendida isoladamente.7,8
Palavras-Chave: Treinamento; Metodologia; Futebol. Reconhecendo a interação como uma característica
estrutural do jogo de futebol assim como a evolução na-
tural dos métodos de treinamento, as metodologias que
ABSTRACT privilegiam a separação das capacidades táticas, técnicas,
psicológicas e físicas devem ser superadas, tendo em vis-
The Tactical Periodization is a new training metho-
ta a complexidade do jogo.9,10
dology created in Portugal specifically to soccer practice.
Dentro desse contexto, a Periodização Tática,
Objective: the objective was to establish a collection of
metodologia criada pelo professor Doutor Vitor Frade,
information about the Tactical Periodization seeking to
considera as inter-relações da dimensão tática com as
understand their contributions to the development of soc-
outras dimensões do jogo, reconhecendo a importância
cer teams. Method: three Portuguese soccer coaches of
de se treinar tendo o jogo de futebol e a sua complexidade
Oporto in Portugal were interviewed. Results: The results
contemplados dentro do treino.11,12
indicated that such training methodology provides a solid
Na literatura existente no país, são escassos os estu-
foundation of theoretical and practical support. Final con-
dos que abordam as questões metodológicas do futebol.
siderations: Tactical Periodization allows the construction of
Em uma busca na base de dados do Scientific Electronic
a collective identity in the game and soccer training process.
Library Online (Scielo) não foram encontrados artigos
Keywords: Training; Methodology; Soccer.
publicados sobre a Periodização Tática em periódicos bra-
sileiros. Portanto, frente à necessidade de trazer ao meio

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CONTRIBUIÇÕES DA PERIODIZAÇÃO TÁTICA PARA O DESENVOLVIMENTO DE UMA IDENTIDADE COLETIVA EM EQUIPES DE FUTEBOL
Paulo Henrique Borges, Allana Antonello, Vanildo Rodrigues Pereira, Dourivaldo Teixeira, José Ricardo de Oliveira, Wilson Rinaldi.

acadêmico informações relativas a esse novo modelo de sumir a coordenação de todo o processo de periodização
periodização, este artigo tem por objetivo explorar a or- desportiva no futebol. Para eles, o futebol deverá ter como
ganização conceitual dessa metodologia de treinamento. núcleo diretor a dimensão tática do jogo, porque é nela e
através dela que se consubstanciam os comportamentos
que ocorrem ao longo de uma partida.16
MÉTODO Para Carvalhal17 diversos treinadores proclamam a
necessidade de uma nova teoria dos jogos desportivos
A fim de melhor atender ao objetivo proposto,
coletivos, organizada e teorizada em função da Especifici-
realizou-se um estudo descritivo e exploratório de abor-
dade do desporto coletivo em causa, tendo a componente
dagem qualitativa, uma vez que esta possibilita maior
tática ocupando um lugar central em detrimento da di-
aproximação com o cotidiano e as experiências vividas
mensão física.
pelos próprios sujeitos. Para tanto, utilizou-se a entrevista
Tal como refere Oliveira7 se os Jogos Desportivos
semi-estruturada, que é compreendida por Minayo13 como
Coletivos são atividades fundamentalmente tático-
um formulário compostos de questões abertas que facili-
-técnicas, porque é que as planificações e periodizações
tam a obtenção de percepções do sujeito em relação ao
do treinamento são por vezes exclusivamente físicas?
fenômeno abordado na pesquisa.
Entende-se que deveriam ser tático-técnicas, com o
O presente estudo ocorreu na ocasião da participa-
acompanhamento constante e permanente da preparação
ção no Programa Ciência Sem Fronteiras realizada no ano
física, embora esta seja sempre subjugada e integrada.
de 2012. A amostra do presente estudo foi composta por
Nesse sentido, dentro da Periodização Tática a di-
três treinadores de futebol integrantes de categorias de
mensão Tática é complexa e se manifesta pela interação
base de equipes portuguesas participantes do Campeo-
de uma organização “intencionalizada” das outras dimen-
nato Nacional da I Divisão, que utilizam a Periodização
sões - que também são complexas. Segundo o entrevis-
Tática em seus treinamentos. Além do treinador “men-
tado (E1), o tático não é físico, técnico, psicológico nem
tor” da Periodização Tática, foram entrevistados outros
estratégico, mas necessita dos quatro para se manifestar.
dois treinadores totalmente identificados com a referida
Para desenvolver os jogadores, tendo a componente
metodologia. Ambos publicaram recentemente um livro
tática como núcleo diretor do processo de periodização,
sobre o tema. Os treinadores foram nomeados por E1, E2
a Periodização Tática se sustenta em três princípios me-
e E3, evitando a identificação dos mesmos. As entrevistas
todológicos fundamentais para o seu desenvolvimento:
tiveram, em média, duração de 2 horas.
Princípio da Alternância Horizontal em especificidade,
Para a coleta de dados, foi utilizado um gravador
Princípio das Propensões e Princípio da Progressão Com-
de voz Olympus vn-6800PC e posteriormente transcritas
plexa. Estes três representam pilares dessa metodologia e
integralmente, para preservar o sentido e as ideias dos
devem ser considerados em interação permanente duran-
entrevistados para fins de análise. A transcrição buscou
te os treinos.12,20
respeitar os termos utilizados pelos entrevistados, sendo
apresentados no português de Portugal. As entrevistas
Princípio da Alternância Horizontal em especificidade
aconteceram nas dependências da Faculdade de Desporto
As contrações musculares podem ser divididas em
da Universidade do Porto, no ano de 2012, após consenti-
três dominâncias: tensão, duração e velocidade.12,18 Para
mento dos entrevistados. Para realização das entrevistas,
não haver massificação das mesmas estruturas implica-
os indivíduos receberam esclarecimentos prévios acerca
das no jogo, é importante alternar a predominância de
do objetivo do estudo e, uma vez aceitando participar,
cada uma delas, durante as unidades de treino. Somente
foram agendadas as entrevistas de acordo com a dispo-
assim, garante-se que a recuperação e a aquisição sejam
nibilidade de cada um, sendo estas realizadas de modo
conquistadas. Para o entrevistado (E2):
presencial. O consentimento dos sujeitos foi obtido por
meio de um Termo de Consentimento Livre e Esclareci-
A necessidade da alternância surge da necessidade
do (TCLE) elaborado especialmente para essa coleta de
de salvaguardar que não há massificação das es-
dados, devidamente assinados pelos envolvidos e autori-
truturas, mas sem sair da especificidade, e isso é
zando a publicação do conteúdo.
válido para a contração muscular, para as dimensões
A análise dos dados teve como referencial metodo-
do jogar e a complexidade de jogar que tu estás a
lógico análise de conteúdo, que segundo Bardin14 permite
adquirir e a vivenciar pelos jogadores, é válido para
a análise de comunicações por meio de procedimentos
o tipo de padrão metabólico que tu vais implicar e
sistemáticos e objetivos que descrevem o conteúdo das
que tem que ter determinada frescura subjacente,
mensagens. Neste sentido trabalhamos especificamente
determinada dinâmica.
com a análise temática, que consiste em descobrir os
“núcleos do sentido” que compõe uma comunicação, no
De acordo com a entrevistada (E3), a alternância
qual a presença ou a frequência tenha um significado para
surge então para garantir que “em termos aquisitivos,
o objetivo analítico visado.15
físicos e fisiológicos haja um ajustamento daquilo que pre-
tendemos sem a fadiga”. Portanto, a Periodização Tática,
partindo dessa premissa utiliza os contextos de exercita-
RESULTADOS E DISCUSSÃO ção nas suas diversas possibilidades de configuração para
Apesar de algumas teorias do treinamento despor- alternar a predominância do padrão contrátil. Corroboran-
tivo apontarem para o aspecto físico como central no do com essa ideia, (E2), afirma que “face à configuração
processo de periodização, muitos treinadores e pesquisa- que nós criamos dos exercícios e da intervenção que nós
dores entendem que a componente tática é quem deve as- vamos tendo, ela vai pender mais para uma dominância

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em termos contráteis, mas aquilo está sempre subordinado uma lógica negocial, no sentido de haver vasos co-
a um tema”. municantes em que a interacção avança, estagna,
Para (E1), o princípio metodológico da Alternância retrocede, porque perdes, porque há lesões, porque
Horizontal em especificidade tem como objetivo induzir tens castigos (suspensões), porque tens problemas,
adaptações nas diferentes escalas e respectivas intera- salários em atraso, porque por outro lado estás a
ções, através de uma lógica processual. Para ele, este ganhar e parece que a coisa anda sozinha... E tudo
princípio metodológico surge para “dosear” o esforço e isto é muito importante. Em suma, é muito importan-
a recuperação, uma vez que “ a gente cansa e precisa te saber o que se quer à priori, e depois saber gerir
descansar”. Esse princípio ocorre durante a semana, por- à medida que a “coisa” vai acontecendo, no aqui e
tanto horizontalmente ao longo de uma semana de treinos agora, por antecipação prever que algumas coisas
(Morfociclo) e é ele quem permite regular os esforços em te podem prejudicar, seja em termos de liderança ou
termos de exercitação e recuperação.9,12 de concepção de jogo, e sempre que possível limar
isso e até debelar isso para que não castre nem o teu
Princípio das Propensões jogar nem os jogadores (E2).
O Princípio das Propensões permite modelar os con-
textos de exercitação de acordo com as ideias que se tem A complexidade é uma característica humana e
para a equipe, ou seja, os comportamentos e atitudes que também está presente na interação dos exercícios (E1). A
se deseja evidenciar devem ser repetidos em um grande progressão complexa, nesse caso, faz menção ao caráter
número de vezes.12 progressivo de complexidade inerente a cada exercício
Para Oliveira19, este princípio metodológico tem proposto para a aquisição dos princípios subjacentes às
como objetivo criar contextos de jogo no treino em que ideias do treinador.9
a densidade dos princípios que se pretende treinar seja Quando me perguntam como vai estar a equipa da-
constante, de forma que o Modelo de Jogo pretendido se qui 3 meses, não sei. Porque isso é não linear, tendo
manifeste. (E1) refere que a “Especificidade, como não é em conta os jogadores, a natureza deles, aquilo que
uma coisa no vazio, abstrata. Para se garantir, tem de se é um processo de um sistema não-linear, as coisas
procurar atingir de determinada maneira. E então, através não são de “a” para “b” e “b” para “c” (E3).
de coisas que tenham a ver com isso: Propensões”.
Este princípio permite que o “caos” do jogo não seja A progressão é dada de maneira não linear, segundo
caótico e sim determinístico. Ou seja: dentro das inúmeras o enraizamento dos diferentes princípios em relação ao
respostas que os jogadores podem dar, eles serão orien- contexto evidenciado na equipe, ou seja, o processo é fei-
tados para algumas escolhas em detrimento de outras, to de maneira espiralada em razão de progressos e retro-
corroborando com a ideia de (E2): cessos em relação a um referencial que o determina.20,21

[...] o Princípio das Propensões é aquele que de fato Matriz conceitual


permite que o caos seja determinístico. É aquele Para colocar em prática os princípios metodológicos
princípio metodológico que te permite modelar os e dar corpo ao processo de treino no futebol, é preciso
contextos em função daquilo que tu queres que que o treinador tenha uma concepção de jogo bem de-
aconteça e da intencionalidade que tu queres que finida para fazê-la emergir em sua prática, uma vez que
esteja subjacente àquilo que acontece. a configuração das distintas formas de se jogar futebol
podem ser diversas e assumir contornos variados. Saber
De acordo com (E3), o treinador deve saber onde qual será essa configuração é muito importante para que
pretende chegar para modelar os contextos em função os estímulos do treino sejam congruentes com a ideia de
das propensões desejadas. Para ela, os contextos de exer- jogo e para que a especificidade seja alcançada. Face a
citação “são contextos que fazem com que aconteçam essa demanda, a matriz conceitual da Periodização Tática
muitas vezes aquilo que queres, tu é que tens que saber envolve os momentos do jogo, as escalas de organização
o que queres”. da equipe e os princípios de jogo e respectivas escalas.
Alguns treinadores de futebol22,23 consideram que o
Princípio da Progressão Complexa jogo de futebol possui quatro momentos: o momento da
O Princípio da Progressão Complexa tem como organização ofensiva, transição ataque-defesa, organiza-
objetivo distribuir as “ideias” relativas ao modelo de jogo ção defensiva e o momento da transição defesa-ataque,
criado de acordo com a assimilação dos conteúdos por que reforçam a idéia de Valdano24 quando diz: “...as equi-
parte dos jogadores, consoante a evolução da equipe e pes devem saber atacar e defender. Algumas sabem algo
dos problemas que aparecem. Os exercícios devem ir ga- mais: fazer transições”.
nhando complexidade crescente conforme a compreensão Para (E1), o modo como queremos jogar é uma “coi-
dos jogadores, assim como os princípios e sub-princípios sa inteira”. Essa ideia leva-nos a concluir que no treino
necessitam ser hierarquizados na sua vivenciação para os treinadores devem reproduzir essa característica, com
que os problemas apresentados pela equipe se resolvam.12 todos os momentos do jogo presentes nos exercícios
propostos.
[...] depois é ter noção de que se trata de um A esse respeito, os diferentes momentos do jogo
processo que se vai desenrolando, e que tem esta apresentam comportamentos que podem se manifestar
característica processual, daí que seja uma realidade em diferentes escalas: coletivas - toda a equipe, inter-
com dinâmica não linear, uma Progressão Complexa. -setoriais - envolvimento de jogadores de diferentes seto-
O jogador dá, tu recebes, isto tem muito a ver com res (como por exemplo o lateral e o volante), grupais (que

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podem ser inter-setoriais ou setoriais), setoriais - envolve a Especificidade, porém com muita descontinuidade para
a participação de jogadores de um mesmo setor do campo que os jogadores possam recuperar (E3).
(como por exemplo laterais e zagueiros) e individuais (E2).
É importante entender a funcionalidade destas di- Quarta-feira
mensões, uma vez que durante a execução do Morfociclo Em entrevista a Silva20, José Guilherme Oliveira diz
Padrão, dependendo do dia semanal e da dinâmica dese- que neste dia incide sobre os “aspectos não tão coletivos,
jada, algumas escalas serão preferidas em detrimento de mas, sobretudo ao nível dos comportamentos interseto-
outras para que determinados princípios sejam trabalhados riais e setoriais”, e para isso os exercícios devem possuir
e para que não sejam recrutadas as mesmas estruturas uma configuração especial, pois não faz sentido incidir
nos diferentes dias (E3). num sub-princípio com uma situação 10x10, que compre-
Os princípios são materializados por meio de con- ende uma dimensão mais coletiva. Por isso, os exercícios
textos de exercitação específicos (Propensões), seguindo devem possuir um número de jogadores relativamente
uma lógica aquisitiva e recuperativa (Alternância Horizon- pequeno (3x3, 4x4, entre outros), espaços reduzidos e a
tal em especificidade) enquadrados dentro de um período duração dos exercícios também.
entre dois jogos (Morfociclo Padrão). As preocupações neste dia tem de ter em conta que
a três dias da competição (considerando o jogo ao domin-
Morfociclo Padrão go) os jogadores não estão completamente recuperados
Enquanto outras metodologias chamam este período (E2). Por isso, as incidências do treino não podem recair
temporal de “microciclo”, na Periodização Tática chama- sobre os grandes princípios de jogo e sobre a dimensão
-se Morfociclo, justamente porque está preocupada com o mais coletiva do jogar, uma vez que este tipo de atividade
desenvolvimento de uma forma de jogar enquadrada den- requer muita concentração e aproxima-se das exigências
tro de determinada Especificidade, uma vez que Morphé, do jogo (E3). Portanto, para respeitar a recuperação física
de origem Grega, significa dar forma. De acordo com (E1), e emocional dos jogadores, fraciona-se o “jogar” numa
o termo também remete ao desprendimento teórico das dimensão mais reduzida onde as exigências são diferentes
metodologias convencionais que utilizam o “físico” como da competição tendo em vista também os desempenhos
guia do planejamento. individuais (E1).
Portanto, para colocar em prática os conceitos
relativos à matriz metodológica e matriz conceitual, foi de- Quinta-feira
senvolvido o Morfociclo Padrão, que se refere ao período A quinta-feira, por ser o dia mais distante do jogo
de treinos entre dois jogos.20 A seguir exemplicaremos um anterior (4 dias) e do próximo jogo (3 dias), permite aos
morfociclo considerando jogos aos domingos. treinadores trabalharem em escalas “Macro”, ou seja,
mais próximas do jogo (E3). Em entrevista a Silva20, José
Segunda-feira Guilherme Oliveira, afirma que trabalha na quinta-feira
A segunda-feira representa o dia imediatamente privilegiando os grandes princípios de jogo, ou algum sub-
após o jogo, no qual sugere-se folga. De acordo com (E3) -princípio que esteja muito relacionado com os grandes
“se faço uma situação, um jogo ao domingo, eu não posso princípios, onde para isso treina a articulação dos setores
jogar na segunda-feira, eu até posso jogar na segunda-fei- com toda ou quase toda a equipe. Portanto, neste dia
ra mas não vou ter disposição para fazer com qualidade”. devem-se privilegiar exercícios em espaços grandes, com
Além disso, os jogadores após os jogos estão excitados e um aumento de duração comparativamente aos demais
muito fatigados, com viagens longas e cansativas. Tudo dias, corroborando com a ideia do (E2), de que a quinta-
isso pode levá-los a ter dificuldades em adormecer. Reco- -feira é o dia que mais se assemelha ao jogo e é onde
nhecendo a importância do sono para a recuperação dos conseguimos trabalhar escalas mais globais do jogar, po-
esportistas, Mello e Tufik25 apontam que exercícios que ul- dendo incidir mais diretamente na modelação da equipe.
trapassam 1 hora de duração podem influenciar a redução
do sono, levando a um período de recuperação corporal Sexta-feira
inadequado. Portanto a qualidade do sono não é boa e, por Em entrevista a Martins26, o professor Dr. Vítor Frade
isso, torna-se importante estender esse descanso em um diz que esta unidade de treino deve contemplar situações
ambiente de maior afetividade e tranquilidade, conseguido que solicitem a velocidade de contração muscular. E sa-
normalmente em suas casas (E2; E3). lienta que este tipo de contração é menos desgastante
do que as contrações excêntricas, o que é benéfico se
Terça-feira considerarmos a proximidade do jogo seguinte.
Os contextos de exercitação propostos neste dia A sexta-feira deve incidir ao nível dos sub-princípios
devem possuir similaridade com as estruturas e vias me- onde ocorre o desenvolvimento do trabalho, sobretudo em
tabólicas implicadas no jogo de futebol em consonância termos setoriais. José Guilherme Oliveira, em entrevista à
com o Modelo de Jogo. De acordo com (E1), “a melhor Silva20 diz que “a grande preocupação é que nos exercí-
recuperação que há, contrariamente ao que se diz. É re- cios haja uma grande velocidade de decisão por parte dos
cuperando, ou descansando. Só que eu posso não fazer jogadores, que sejam rápidos a decidir e a executar”. Para
nada fazendo alguma coisa. Fazendo o quê? A mesma coi- isso, são realizados exercícios com uma oposição reduzi-
sa que me levou a cansar”. Portanto, a recuperação deve da. Nessa unidade de treino deve existir pouco “estorvo”
ter a mesma lógica do desempenho, só que a densidade (poucos adversários) justamente para a propensão das
implicada é que irá diferir entre elas (E2). Para isso, as contrações ser de velocidade e não de tensão. Assim, o
ações tático-técnicas e “físicas” contempladas neste dia tempo de duração dos exercícios é reduzido e a sobrecar-
de recuperação devem indicir sobre o jogador respeitando ga emocional deve ser pequena (E2; E3).

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Sábado coletiva se apresenta ou se mostra, como eu costu-


O sábado, na proposta do Morfociclo Padrão, deve mo referir...(E1)
contemplar a recuperação ativa dos jogadores em face da
semana de treinos e pré-ativá-los para o jogo de domingo. Devemos saber para onde o processo deve ir (lado
Para isso, os exercícios devem ser curtos, com muita “Macro”), mas sem fechá-lo aos detalhes, sem perder o
descontinuidade. Esclarecendo essa idéia, José Guilherme que os jogadores podem dar de positivo (lado “Micro”)
Oliveira, em entrevista à Silva20 diz que pretende neste dia para a concretização do Modelo de Jogo.
relembrar alguns aspectos treinados durante a semana,
mas sem grandes esforços, até mesmo sem oposição, [...] o modelo tem de ter uma configuração, tem
com um esforço muito mais reduzido, com tensão e velo- que estar balizado por aquilo que são as coisas
cidade elevadas, mas a uma densidade pequena. que quero, em termos globais. Depois como é que
a coisa se vai concretizar, as nuances que vai ter
Modelo de Jogo em termos de pormenor, eu acho que a ideia tem
Dentro do Morfociclo, serão trabalhados aspectos do de estar receptiva (E2).
modelo de jogo. O modelo de jogo não deve ser entendido
apenas como a tática usada pelo treinador, mas sim um Deve-se ter a noção de que o “processo que se vai
conjunto de ações, pensamentos e princípios seguidos pe- desenrolando, e que tem esta característica processual,
la equipe27. O jogo de futebol que uma equipe produz não daí que seja uma realidade com dinâmica não linear, uma
é um fenômeno natural e sim resultado de um fenômeno Progressão Complexa” (E2). O Modelo de Jogo deverá,
construído, onde o treinador contratado chega com suas ainda, ser capaz de englobar cada indivíduo (Auto) de
idéias de jogo (condicionado pelo futebol que viu e que determinada equipe (Eco) dentro de uma engendração,
viveu) e tenta operacionalizá-las, transportá-las à cabeça onde os diferentes jogadores (Hetero) deverão constituir
dos jogadores por meio dos treinamentos para colocarem um coletivo forte e que caminhe em um sentido comum.
em prática durante o jogo12.
A criação de um modelo de jogo acontece numa Portanto, este lado da Auto-Hetero-Eco engendra-
relação dialética entre treinador e jogadores. Em função ção, porque é uma engendração entre diferentes
das experiências distintas, cada jogador possui uma forma “eus” que têm que constituir um Nós, mas num de-
diferente de entender cada situação. Portanto, a criação terminado contexto particular, em que as coisas acon-
do modelo de jogo visa criar e desenvolver dentro da equi- tecem, em que há uma história do clube, há pressão
pe uma lógica interna comum (hábitos), onde as decisões da imprensa, resultados, calendário competitivo, há
sejam interpretadas numa mesma perspectiva (E3). um sem número de coisas... Há uma história de uma
De acordo com Tamarit12 “el modelo de juego es determinada forma de jogar...e é isto que vai permitir
uma visión futura de lo que pretendemos que el equipo que a ideia vá surgindo...(E2).
manifieste de forma regular em los diferentes momentos
del juego”. (O modelo de jogo é uma visão futura do que Convém ressaltar que o cumprimento adequado
pretendemos que a equipe manifeste de forma regular nos dos Princípios Metodológicos da Periodização Tática, os
diferentes momentos do jogo). treinamentos em Especificidade, a eleição de uma matriz
Assim, o desenvolvimento do modelo de jogo com- de conceitos para ser treinada tendo o Morfociclo Padrão
preende a organização comportamental em momento como referência, levarão a equipe ao encontro da constru-
defensivo, ofensivo, da transição defesa-ataque e da tran- ção de uma identidade coletiva.
sição ataque-defesa. Apesar de ser possível diferenciar
estes momentos de jogo, eles sucedem-se continuamente
sem uma ordem definida20. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O primeiro passo para se criar um modelo é pensar
nas características que se pretende desenvolver em cada Os resultados evidenciaram que para uma equipe de
um dos momentos que o jogo apresenta. Isso implica futebol se desenvolver segundo os preceitos da Periodiza-
em definir uma série de comportamentos, chamados de ção Tática, é preciso que o treinador crie um modelo de
princípios e sub-princípios do modelo de jogo, assim como jogo, gerindo os grandes princípios e sub-princípios dentro
a articulação entre eles (E2). do Morfociclo Padrão. Depois, para operacionalizá-los é
Os princípios são criados para servirem de guia no preciso que sejam cumpridos os Princípios Metodológicos
processo de jogo e de treino e são importantes para o bom da Periodização Tática: Princípio Metodológico das Pro-
funcionamento do “jogar” de uma equipe. Alguns com- pensões (aquele que modela os contextos de exercitação
portamentos são padrões que podem ser visualizados de para que o caos seja determinístico), Princípio Metodo-
acordo com a característica do grupo, da filosofia do clube lógico da Alternância Horizontal em especificidade (que
e do treinador, das condições físicas, entre outros. Vale alterna o tipo de contração e solicitação dominante em
lembrar que todas essas características estão imersas em cada dia da semana para respeitar o binômio esforço/recu-
um sistema de grande complexidade.8 peração) e o Princípio da Progressão Complexa (entender
O modelo de jogo pode ser entendido como: a não-linearidade do processo e eleger as prioridades para
se trabalhar em decorrência do jogo anterior e prevendo
[...] condicionar a temporalidade existencial de um os problemas que o próximo adversário pode apresentar).
grupo à vivenciação de determinadas coisas no Assim sendo, a metodologia de treinamento de-
sentido de que o subconsciente ou o não-consciente nominada Periodização Tática apresenta uma base de
seja responsável pela espontaneidade, os automatis- sustentação sólida que a permite ser aplicada em equipes
mos onde uma particularidade dessa funcionalidade de futebol, apresentando diversos elementos coerentes

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para a sua aplicação prática em diferentes contextos e fenomenotécnica. A singularidade da intervenção do treinador
lugares. Como limitação do estudo, indicamos que a como a sua impressão digital. Pontevedra: MCsports, 2008.
aplicação dessa metodologia de treinamento carece ser 12. Tamarit X. ¿Que es la periodización táctica? Vivenciar el
melhor investigada do ponto de vista fisiológico. Diante juego para condicionar el juego. Pontevedra: MC Sports,
disso, sugere-se a necessidade de realização de pesquisas 2010. Arruda M, Bolaños MAC. Treinamento para jovens
no âmbito da fisiologia, visando explorar essa lacuna. futebolistas. São Paulo: Phorte Editora, 2010.
13. Minayo MCS. Pesquisa social: teoria, método e criatividade.
19º ed. Petrópolis: Vozes, 2001.
AGRADECIMENTOS 14. Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: M. Fontes, 1977.
15. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa
À Faculdade de Desporto da Universidade do Porto e
qualitativa em saúde. Rio de Janeiro: Hucitec, 1993.
ao Programa Ciência sem Fronteiras.
16. Garganta J. Modelação táctica do jogo de futebol. Estudo da
organização ofensiva em equipas de alto rendimento. Tese de
doutorado: FCDEF, 1997.
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Ciências Empresariais. Lisboa: Bertrand, 1995.
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concepto-metodológica. Tabalho de conclusão de curso:
Instituto Piaget, 2008.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013.
3. Frisselli A, Mantovani M. Futebol: teoria e prática. São Paulo:
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não para fins de citação

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