A - Miguel Torga
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A - Miguel Torga
TEXTO DE APOIO
Miguel Torga
“Deus não é uma palavra morta na poesia de Miguel Torga. Digamo-lo sem
rodeios, este homem, de expressão voluntariosa e forte, vive crucificado numa
contradição e dela germina “como um joio imortal” a sua angústia e desespero.
Que contradição? A de um homem que escreve deuses e pensa Deus, que
escreve Deus e não sabe ao certo se não pensa Nada. Mas esse Nada o inquieta como
se fosse Deus. (...)
A ambiguidade da situação religiosa de Torga, tal como se reflecte nas suas
obras, é ainda mais acentuada que a de José Régio que, parecendo jogar sempre em
dois tabuleiros ao mesmo tempo na realidade, jogou preferentemente no tabuleiro de
Deus. Miguel Torga, ao contrário, joga no tabuleiro de Deus e do Homem, um homem
que ele não concebe a maioria das vezes senão como o opositor de Deus, mas o seu
jogo é desconcertante porque não joga nos dois tabuleiros ao mesmo tempo, mas
sucessivamente. No combate de Régio com o seu Anjo é o Anjo que põe questões a
Régio e daí provém que no grande diálogo orgulhoso da sua poesia irrompe e vença o
acento de uma humildade natural do autor das Encruzilhadas de Deus que não
encontra lugar no autor de O Outro Livro de Job. Como o seu modelo mítico, Torga
parte da sua experiência humana, do desastre dela, e aí se firma para questionar Deus.
Mas ao contrário do grande patriarca objector momentâneo do seu Deus, Torga
questiona-o sem verdadeiramente crer que esteve questionando Deus. Esta é a raiz da
sua ambiguidade, aqui nasce o equívoco emprego da palavra “Deus” não só na sua
poesia como em toda a sua obra, mas daqui se origina também parte do seu atractivo,
do seu dramatismo e da sua ressonância.”
“O que eu dava para me levantar cedo esta manhã, ir à missa, e voltar da Igreja
com a cara que trazia o meu vizinho... Queria era sentir-me ligado a um destino extra
biológico, a uma vida que não acabasse com a última pancada do coração.”
Diário I (1941)