A Sociedade Da Informação em Rede Aos Olhos de Manuel Castells - Comunidade Cultura e Arte

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A sociedade da informação em rede


aos olhos de Manuel Castells
por Lucas Brandão — 24 Junho, 2018 em Sociedade

Manuel Castells

Entre os mais importantes pensadores dos nossos dias, surge o sociólogo espanhol
Manuel Castells, que aborda muitas das questões contemporâneas, que surgem como
desa os na atualidade. O urbanismo e a sociologia urbana são os recintos em que se
mostra mais prestável e presente, no alto dos seus 76 anos. Membro da Universidade de
Berkeley, formou-se na Catalunha, em Barcelona, para uma investigação que integra as
várias transformações sociopolíticas e a evolução da Era da Informação. Este trabalho
resultou numa trilogia, “Era de la Información”, examinando as circunvoluções da
sociedade da informação, agora com o cruzamento da tecnologia na sociedade e no
imediatismo que esta suscita.

Manuel Castells Oliván nasceu em Hellín, em


Albacete, Espanha, no dia 9 de fevereiro de
1942. Foi na Universidade de Barcelona que se
licenciou, em Direito e Economia, na qual
ingressou em 1958. Por via da ditadura
franquista, exilou-se em Paris, no ano de 1962,
estudando sociologia. Com somente 24 anos,
tornar-se-ia professor na Universidade de Paris,
o mais novo dessa instituição académica, tendo
sido orientado pelo também sociólogo, o francês Alain Tourraine. Nesse meio, conviveu
com guras, como Daniel Cohn-Bendit, participando na discussão ativa e na idealização
do maio de 1968.

Após a concretização desse movimento de contestação, mudar-se-ia para os Estados


Unidos, no qual se entregou ao estudo das tecnologias da informação, em especial os
seus contornos sociais. Aqui, faria parte do Instituto Tecnológico de Massachusetts, assim
como na Universidade de Santa Clara, na Califórnia; para além das de Oxford e de
Cambridge, no Reino Unido, lecionando nestes lugares como professor visitante já no
século presente. Desde 2011, é investigador do Instituto Stellenbosch, abordando estudos
sul-africanos, sem deixar de ser exercer ensino em várias universidades por todo o
mundo, assim como doutoramentos honorí cos. Por isso, faz parte de várias academias
por todo o mundo, entre as quais a europeia, a britânica, a mexicana e a americana.

Politicamente, é membro do espanhol Partido X, que propõe um modelo de democracia


exercido diretamente pelo cidadão, numa participação integrada com as novas
tecnologias. Os objetivos desta solução partidária visam a transparência da gestão
pública, a minimização do controlo estatal, o poder legislativo no cidadão, onde possa
votar diretamente nas propostas efetuadas (numa plataforma denominada
wikidemocracia, onde os cidadãos possam criar, propor, votar e aprovar/anular essas
propostas), e os referendos vinculativos. A atividade deste partido dá-se,
maioritariamente, em ambiente digital, onde o nanciamento advém de crowdfunding, a
redação do programa é colaborativa, a organização é em rede e as listas de participantes
são abertas a qualquer cidadão, fazendo uso do software livre e da licença Creative
Commons, destinada ao acesso gratuito e ao intercâmbio de manifestações culturais.

Numa vida dividida entre a Califórnia e Barcelona, a sociologia que sempre preconizou
traz um cunho urbanista, com bases marxistas. Assim, abordou os movimentos sociais
como fulcrais nas transformações das paisagens urbanas, nos quais se enquadram os
consumos coletivos (desde o transporte público à residência pública), para lá daqueles
que visam a expressão da indignação e da crise relacional entre a sociedade e o Estado
(questões a oradas em “Redes de Indignação e Esperança” (2012) e em “Rutura: A Crise
da Sociedade Liberal” (2017, em Espanha, ainda sem edição portuguesa)). Estas dinâmicas
sociais foram transportadas, a seu ver, do recinto económico para o político, por via de
uma crescente intervenção estatal. O seu estudo desdobrou-se, daqui, para a emergência
das novas tecnologias na reconstrução estrutural da economia, na emergente “sociedade
da informação”, analisada primeiramente pelo japonês Yoneji Masuda. Surge, assim, o
conceito de “espaço dos uxos”, no qual se embrenham as componentes materiais e
imateriais das redes globais de informação. A economia torna-se coordenada por estas
redes, que se articulam em tempo real, tomando em conta as diferentes variáveis que as
constituem.

Manuel Castells - O poder da juventude é a autocomunicação

“La Era de la Información”

Destes estudos, foi lançada, nos anos 90, a obra “La Era de la Información”, tripartida em
“La Sociedad Red” (1996), “El Poder de la Identidad” (1997) e “Fin de Milenio” (1998); onde
revê o papel da informação na sociedade contemporânea, sociedade esta que se
transforme na informacional, por via das redes estabelecidas entre as suas caraterísticas
sociais, económicas e políticas, ligadas pela tecnologia e pela informação. As alterações
estruturais da economia mundial são desencadeadas por essas articulações em rede, no
qual a informação e o conhecimento são pilares fundamentais nas dinâmicas laborais e
empresariais. Estes dois conceitos, na forma de meios concretos, materializam-se com o
recurso à tecnologia, o que leva a que, à sua existência, esteja relacionada a polarização e
a exclusão de países que não dispõem de tanta acessibilidade e, por isso, de tanta
informação. A globalização acaba por não servir como solução a esta contingência, não
resolvendo questões associadas às distribuições desiguais de meios e fundos, levando a
uma menor competitividade de quem sai prejudicado destas distribuições.

Para a prossecução deste estudo, o espanhol analisa estatísticas relacionadas com as


alterações sentidas nas estruturais laborais, evidenciando as limitações geográ cas e de
mobilidade dos trabalhadores, por mais que estes estejam munidos de competências
diferenciadas ao nível do know-how e da formação obtida. Este “informacionalismo” traz
instabilidade nos regimes de trabalho, que passam, substancialmente, a vínculos parciais
e temporais, ao invés da estabilidade de outrora. Em paralelo, Castells analisa os media e
as tecnologias de comunicação sustentadas em redes, numa alteração que considera
cultural, naquilo que é a “virtualidade real”. O “espaço dos uxos” e o “tempo atemporal”
(tempo sem tempo) sustentam esta nova realidade, em que as redes globais de
informação não dependem da variável do tempo.

A produção, o poder e a experiência são as dimensões que norteiam os passos


subsequentes da obra, onde se analisa a organização económica de um país e do seu
Estado, forças motrizes de ações coletivas que criam essas dinâmicas sociais. Assim, o
desenvolvimento da internet desconstrói o poder estatal, assim como a sua in uência na
constituição de movimentos sociais e no estabelecimento de formas de desenvolvimento
e de comportamento empresarial.

Em suma, Castells de ne a sociedade da informação como um período histórico


caraterizado por uma revolução tecnológica, movida pelas tecnologias digitais de
informação e de comunicação. O seu funcionamento advém de uma estrutura social em
rede, que envolve todos os âmbitos da atividade humana, numa interdependência
multidimensional, que depende dos valores e dos interesses subjacentes em cada país e
organização. Este percurso da história humana gera uma multiplicidade de opções para a
vontade humana se concretizar. Entre esta noção e a de “sociedade informacional”,
existem algumas diferenças, em que a sociedade da informação destaca a importância
desta nas dinâmicas sociais, de um modo transversal, em qualquer período do tempo.

Por sua vez, o termo “informacional” quali ca uma organização social, na qual a
produção, processamento e transmissão de informação se tornam cruciais na
produtividade e no exercício do poder. O desenvolvimento tecnológico surge, nesta
sociedade, como a formação das ferramentas de produção e de desenvolvimento de uma
dada atividade. Na agrícola, a quantidade e qualidade dos recursos é uma métrica que
permite avaliar a produtividade, enquanto na industrial são as fontes de energia e a sua
disponibilidade para os processos operativos de uma empresa. A fonte da produtividade
situa-se na tecnologia associada à produção de informação e da criação e interpretação
de conhecimento.

Manuel Castells – Indivíduo e coletividade

A sociedade informacional em rede e as suas visões

Para o espanhol, um dos melhores exemplos práticos da sociedade informacional, em


que se assiste ao bem-estar social, é o da Finlândia, analisado por Castells e pelo
investigador nlandês Pekka Himanen. A relação entre o Estado e a sociedade surge
como profícuo, numa distribuição homogénea dos benefícios advindos das tecnologias de
informação e comunicação por toda a sua população. Ao contrário de casos evidenciados
nas grandes potências socioeconómicas do mundo, a identidade da cidadania nlandesa
está consolidada, assim como a capacidade do Estado a compreender e a promover nas
relações com setores público e privado, uma identidade que abrange os indivíduos e os
seus grupos. Esta é uma antítese daquilo que é uma realidade sociotecnológica marcada
pela formação de elites globalmente articuladas através das tecnologias que dominam,
estando desligadas das identidades previamente existentes. A sua absorção é colocada
como hipótese pelo investigador espanhol, que as compara às identidades indígenas
tribais existentes nas reservas.

Este paradigma tecnológico introduzido pelo informacionalismo surge, assim, de uma


evolução social, que deriva do uso e da capitalização feita das tecnologias de informação
e de comunicação. A sociedade em rede é uma estrutura social, que pauta relações de
produção, consumo e experiência, para além das variáveis já enumeradas. As redes
sociais são transportadas para essas plataformas, sendo já seculares, cujo lastro se
evidencia na história política, social, económica e cultural da humanidade. As novas
tecnologias permitem uma coordenação diferenciada, que esvai a importância do
conceito do tempo, já assinalada atrás, coordenação efetuada pelas redes e pelos seus
nós, que se vão recon gurando consoante os proveitos e os benefícios que trazem para
os integrantes da sociedade. Quanto mais relevante é a informação, e mais capacitada
está a capacidade de a reter, de a transportar e de a usar, mais pertinente se torna a sua
inclusão na rede, que vê outros mecanismos excluídos nesta dinâmica quase binária.

No entanto, a existência de valores é parca e dispersa, perante a existência de metas


essencialmente quantitativas e estatísticas, orientadas para os objetivos. As redes sociais
são, assim, programadas pelos seus protagonistas e pelas instituições que as norteiam e,
de um modo ou de outro, as controlam. Assim que aplicadas, as suas lógicas são
impostas nos componentes humanos dessas redes, com as alterações a gerarem
elevadas despesas sociais e económicas, tanto pelas transformações valorísticas e
educacionais que acarretam, mas também pelos custos subjacentes às tecnologias
exigidas pelos contextos.

“Um dos indicadores de uma sociedade informacional passa também pela relação
entre essa sociedade e os seus media, no que toca à liberdade dos meios de
comunicação expressarem livremente as notícias e as opiniões mas também à
relação entre os fruidores e produtores de informação.”

Manuel Castells in: “A Sociedade em Rede: Do Conhecimento à Acção Política” (2005)

A construção desta sociedade da informação é um processo que vem sendo estudado e


olhado pelas instituições nacionais e internacionais com especial detalhe, pelas
implicações sociais, económicas, culturais e legais que acarretam. As questões
levantadas foram sendo respondidas com a base material que o quotidiano foi adotando,
essencialmente na forma como os indivíduos passaram a desempenhar as suas tarefas
mais correntes. As tecnologias de informação e de comunicação vieram, paulatinamente,
substituir muitos meios e mecanismos de funcionamento das relações pessoais e
interpessoais, formais e informais, materiais e imateriais. A globalização efetiva-se com
uma maior presença através da capacidade destes recursos interligarem diversos pontos
de todos os lugares do mundo, de forma abrupta demais para muitos o incorporarem no
seu entendimento. Muitos das proezas tecnológicas que desencadearam esses processos
de ligação do mundo descartam vários setores populacionais, para os quais, propõe
Castells, que se procurem espaços de desenvolvimento criativo para evitar
consequências devastadoras para quem é marginalizado.
Manuel Castells apresenta-se como um dos sociólogos mais notáveis dos tempos
contemporâneos, na explanação do paradigma informacional da sociedade atual. As
tecnologias de informação e de comunicação, consubstanciadas na criação e utilização
da Internet, surgem como cada vez mais determinantes nas relações interpessoais
estabelecidas nos mais diversos contextos, desde os pro ssionais até aos pessoais,
individuais e coletivos. As suas disposições e consequências históricas surgem como
linhas de estudo e de discussão, que surgem e nutrem um legado que cada vez se
evapora mais, num acesso que, por mais democrático e desregulado, se perde em
informações cada vez mais desinformadas.

Manuel Castells - Movimentos sociais para mudar o mundo

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