Formacao de Mediadores de Educacao para Patrimonio

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Formação de

Mediadores de Educação
para Patrimônio

A diversidade
das“celebrações”
nosso patrimônio imaterial

Emmanuel Bastos
SUMÁRIO
1. Introdução .................................................................................. 83
2. O Círio de Nazaré........................................................................ 84
3. A Festa do Pau da Bandeira de Santo Antônio de Barbalha .... 86
4. A Festa de Iemanjá, Brasil afora ............................................... 88
5. Como patrimonializar uma celebração .................................... 91
6. Celebrar a diversidade .............................................................. 94

Referências bibliográficas ............................................................. 95


• A Festa do Senhor Bom Jesus do
Bonfim (BA);
• A Procissão do Senhor dos Passos de

1.
Santa Catarina (SC);
• Ritual Yaokwa do Povo Indígena Ena-
wene Nawe (MT);
• Romaria de  Carros de Bois da Festa
INTRODUÇÃO do Divino Pai Eterno de Trindade (GO);
ão nomeadas celebrações, as • Festa do Bembé do Mercado de Santo
festas e rituais que marcam a Amaro (BA).
vivência coletiva de um grupo
social, sendo consideradas im- Apresentaremos, neste módulo, alguns
portantes para a sua cultura, exemplos de celebrações, ressaltando a di-
memória e identidade.  Aconte- versidade cultural que elas representam.
cem em territórios específicos e Imagine quantos povos diferentes, com
podem estar relacionadas à reli- suas respectivas culturas, que aqui já esta-
gião, à prática de determinados vam ou chegaram nesse território que hoje
ofícios, aos ciclos do calendário etc. chamamos Brasil, contribuíram para a exis-
Essas celebrações são eventos de socia- tência dessas celebrações. Afinal, tradições
bilidade durante um determinado momento são inventadas, sustentadas e reinventadas
do ano, quando há mobilização e organiza- a partir das trocas culturais entre os indivídu-
ção dos indivíduos e grupos com regras di- os e grupos que recebem e repassam, oral e
ferenciadas, distribuição de papéis sociais, gestualmente, seus pensamentos e hábitos.
preparo e consumo de bebidas e comidas, Preparem-se conhecer algumas des-
produção de vestuário, trajetos e percursos. sas celebrações tradicionais que ilustram
Na lista de bens culturais já inscritos no nosso módulo.
Livro de Registro das Celebrações do Insti-
tuto Histórico e Artístico Nacional (Iphan),
como integrantes do patrimônio imaterial SE
brasileiro, estão:
LIGA!
• O Círio de Nossa Senhora de Nazaré (PA);
• O Complexo Cultural do Boi Bumbá
do Médio Amazonas e Parintins (AM);
Você conhece alguma das celebra-
• O Complexo Cultural do Bumba Meu
ções citadas? Leu sobre elas? Viu na
Boi do Maranhão (MA);
televisão ou no cinema? Assistiu a um
• A Festa do Divino Espírito Santo de documentário? Vivenciou de perto?
Paraty (RJ);  Conhece alguma outra celebração
• A Festa do Divino Espírito Santo de que não consta nesta lista?
Pirenópolis (GO); Compare seus conhecimentos
prévios com o que você está desco-
• As Festividades do Glorioso São Se-
brindo agora, neste módulo.
bastião na Região do Marajó (PA);
• A Festa do Pau da Bandeira de Santo
Antônio em Barbalha (CE);
• A Festa de Sant´Ana de Caicó (RN);

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2.
O CÍRIO
DE NAZARÉ
Círio de Nazaré ocorre
há mais de duzentos
anos na cidade de Be-
lém, estado do Pará. É
considerada uma das
maiores festividades
católicas das Américas.
Em razão de sua impor-
tância histórica, foi o
primeiro bem cultural
inscrito no Livro de Registro das Cele-
brações, pelo Iphan (2004). Depois, em
2013, foi considerado pela Unesco (Orga-
nização das Nações Unidas para a Educa-
ção, Ciência e Cultura) como Patrimônio
Cultural da Humanidade.
Humanidade
História e mito se fundem para contar
como a celebração começou. Por volta de
1700, o caboclo Plácido José dos Santos
encontrou, num igarapé, uma pequena
imagem de Nossa Senhora de Nazaré e a
levou para casa. No dia seguinte, ao acor-
dar, a imagem não estava onde ele havia
colocado. Foi até o tal igarapé, o local onde
ela havia sido encontrada, e lá estava ela. O
fato teria ocorrido novamente nas semanas
seguintes, até que a imagem foi levada à
sede do Governo do Pará e ficou protegida
por guardas. Ainda assim, ela teria voltado
ao lugar onde foi vista pela primeira vez. Go-
tas de orvalho e carrapichos em seu manto
eram a “prova” da sua longa caminhada.
Seu descobridor, então, construiu uma
pequena capela em homenagem à santa.

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A notícia do “milagre” se espalhou e a cada Já a imagem peregrina segue nas
ano aumentava o número de pessoas indo procissões de trasladação, antes do Círio
à cabana, ofertando ex-votos para reconhe- propriamente dito. O percurso tem aproxi-
cer as graças alcançadas. A partir de então madamente cinco quilômetros. Perpassa
a Coroa Portuguesa decidiu aproveitar as parte do centro histórico de Belém, por lu-
peregrinações e passou a estimular a reali- gares como o Mercado Ver-o-Peso. A santa
zação de grandes feiras, a fim de estimular a é conduzida em carreata, da Basílica até a
movimentação econômica para Belém. Igreja Matriz de Nossa Senhora das Graças,
A palavra círio tem origem no latim e sig- que fica em Ananindeua, município vizinho
nifica “vela grande”. de Belém. Lá, permanece durante a noite,
O primeiro Círio teria acontecido em junho acompanhada por uma vigília de fiéis.
de 1793. O então governador da província fi- Depois, a imagem segue em romaria flu-
cou doente e prometeu que se sobrevivesse vial pelo rio Guajará, até o porto de Belém,
faria uma procissão para conduzir a imagem acompanhada de barcos, canoas, jet skis,
do local mítico do seu achado até a igrejinha encontrando lá os moto-romeiros.
construída para a sua devoção, hoje transfor- Iluminados por velas, milhares de fiéis la-
mada na Basílica de Nazaré. Assim foi feito. vam a berlinda circundada por uma corda.
Como a procissão inicialmente era realizada O tamanho desta corda variou com o
à noite, usavam-se os círios, ou seja, as velas. tempo. Hoje, mede aproximadamente 450
Mestiços e indígenas de diversos gru- metros. Ao final da procissão, os devotos
pos vinham juntar-se aos colonos locais e se amontoam para retirar pedaços do sisal,
comercializar baunilha, tabaco, cacau, gua- que afirmam ser milagroso. Devotos seguem
raná, urucum, ceras, velas e outros artigos descalços, formando um grande cordão hu-
religiosos. “Apesar da iniciativa do primeiro mano. Cerca de dois milhões de pessoas se-
Círio ter partido de um governante, histori- guem a imagem até a Basílica de Nazaré.
camente a procissão representa o predo- A santa repousa durante uma semana, ex-
mínio de uma romaria de origem popular posta ao público, até que acontece o Recírio.
sobre as fórmulas tradicionais de origem A celebração possui sentidos sagrados,
oficial.” (Iphan, 2006 p.18). mas também profanos, numa performance
A festa inicia-se oficialmente na terça- que se interconecta. Um elemento essen-
-feira que antecede ao segundo domingo de cial é o arraial: ponto de encontro, local de
outubro, estendendo-se por mais 15 dias. A comércio, das brincadeiras, da comida, da
primeira atividade é a descida da imagem bebida e do jogo. É onde se encontram o
Recírio original, que permanece durante todo ano velho e o novo da festa.
Uma procissão
no altar da Basílica de Nazaré. Ela é colo- O almoço do Círio ainda é muito tradicional
de despedida,
com missa campal, cada num pedestal, no altar-mor, durante para os paraenses. O pato no tucupi e a mani-
que marca o retorno o restante da quadra nazarena, para ficar çoba são os pratos típicos servidos, num even-
da santa à redoma mais próxima dos devotos. No último dia da to que é prática religiosa e reunião familiar.
de cristal. festa, logo antes da missa do Recírio, é feita
a celebração da subida, quando a imagem
retoma seu lugar, até o ano seguinte.

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3.
A FESTA DO PAU DA BANDEIRA
DE SANTO ANTÔNIO DE BARBALHA
contece em Barbalha, mu- Marca também o início das festas juni-
nícipio do Cariri cearense, nas, tão tradicionais no Brasil. É o período
na primeira quinzena de ju- do solstício de inverno, quando acontecem
nho, encerrando-se no dia as colheitas, a renovação e a preparação da
13 de junho, data atribuída terra para as atividades agrícolas vindouras.
à morte do santo português. Treze dias antes do dia 13 de junho,
A festa é registrada como acontece a trezena de santo Antônio,
patrimônio imaterial bra- momento organizado pela Igreja Matriz da
sileiro, desde 2015. No ano cidade, que motiva os fiéis a refletir na fé do
de 2018, aproveitando os es- santo padroeiro da cidade. Logo após, no
tudos utilizados no dossiê do Iphan, recebeu dia 13, acontece a procissão, quando a ima-
também da Secretaria Estadual da Cultura o gem percorre as ruas da cidade no carro-
registro de patrimônio imaterial do Ceará. -andor, levado pelos fiéis.
É a celebração da narrativa da vida e obra Há também o outro lado da festa, o
de santo Antônio de Lisboa ou santo Antônio profano, cujo corte do “pau” para o haste-
de Pádua, nascido no século XIII. Reconheci- amento da bandeira de santo Antônio, em
do por sua oratória, reunia fiéis eruditos e frente à Igreja Matriz, acontece 15 dias antes
populares. Foi muito importante na coloni- das festividades litúrgicas.
zação africana pelos portugueses, sendo in- Foi em 1928 que a prática se instituciona-
corporado pelas culturas congo-angolanas, lizou, a partir da doação de um mastro pelo
bakongos e luandas. Sua figura recebeu di- capitão João Teles, que era retirado do sítio
versas patentes militares e, como tal, foi de- São Joaquim, mas já acontecia há muito
votado por essa categoria profissional. tempo. A derrubada é empreendida com um

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Depois do carregamento, quando che-
gam ao local da Igreja Matriz, ocorre o has-
teamento e a amarração da bandeira, que é
confeccionada pelos devotos. A bandeira fica
flamulando até o fim das festividades que se
espalham por toda cidade com apresentação
de grupos tradicionais e shows musicais. Aliás,
esta celebração é a mistura de muitos folgue-
dos, ritmos e sons ocupando o espaço público
de Barbalha, numa festividade onde o sagra-
do e o profano caminham de braços dados.
Outro evento que marca a festa é a “mis-
sa regional”, com a participação de poetas,
repentistas e violeiros que improvisam
cânticos para o santo. Os integrantes dos
grupos tradicionais (reisados, bandas ca-
baçais, lapinhas, penitentes, incelências
etc.) participam do ofertório.
A música, em especial os instrumentos
usados pelas bandas cabaçais, como o pife
(pífano) e a zabumba, cumprem papel fun-
ato de louvor. Os cortadores vão em carava- damental nas atividades. Acompanham a
na e selecionam a madeira. O cortador e car- missa matinal e “batem música” pela cidade,
regador mais experiente é eleito capitão do na zona rural e urbana. Há ainda as famosas
“pau”. É ele quem faz o primeiro corte sim- quermesses, sempre presente nas festas ju-
bólico da derrubada e dá orientações para o ninas, aquecendo desde cedo o comércio
trabalho seguir até o fim do carregamento. local e a vida noturna, após a missa.
Na poeira avermelhada que se levanta, sur-
gem as brincadeiras e disputas corporais. Os
carregadores dançam, bebem e se divertem.
O consumo tradicional da pinga por vezes pro-
PARA OS
voca acidentes e acende o frequente debate CURIOSOS
acerca dos valores morais desses carregado-
res. Opinam Igreja e o poder público, mas os
protagonistas da atividade reafirmam sua vi-
vacidade com o esforço do carregamento. No seu bairro, cidade ou estado
O percurso do carregamento é de quase 7 existem indivíduos ou grupos que
quilômetros, indo da zona rural até a praça da se expressam por meio dessas
Matriz. As mulheres não participam do corte, manifestações culturais ou por
mas se tornam alvo do evento, às vezes sem outras semelhantes?
consentimento, arrastadas para o contato
com o “pau”. Esfregar-se nele e entoar os cânti-
cos e orações para arrumar um bom casamen-
to é um dos papéis femininos correntes.

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4.
A FESTA DE IEMANJÁ,
BRASIL AFORA
partir da década de 1980, Desde 2011, a festa realizada nas praias
acontece uma transforma- cariocas da cidade do Rio de Janeiro é regis-
ção na sociedade brasileira. trada como patrimônio imaterial estadu-
Motivados pelas lutas de re- al. Sua imagem é lembrada especialmente
sistência à ditadura civil-mi- no dia 31 de dezembro, quando assistimos
litar, com acúmulo teórico e ao já famoso ritual de pular as ondas durante
prático de estudos sobre as a virada do ano.
culturas afro-brasileiras e Uma das mais famosas festas de Ieman-
organizados em movimen- já é a da cidade da Salvador, no dia 2 de fe-
tos reivindicatórios, ativis- vereiro. Na capital baiana, Iemanjá é sincre-
tas iniciam o reconhecimento da cultura tizada com Nossa Senhora dos Navegantes
afro-brasileira e indígena como depositá- (Candeias), a “protetora dos pescadores”.
rias da memória de significativa parcela da O antigo Mercado dos Peixes do Rio Ver-
Orixá população nacional. melho é o ponto de encontro de milhares
Palavra em iorubá, Foi a primeira vez, em 1986, dentro da de devotos e turistas que chegam para agra-
que significa: ori- Fundação Pró-Memória, hoje Iphan, que um decer as graças alcançadas, ofertando pre-
cabeça; xá-deus. templo afro-brasileiro foi tombado e passou sentes que seguirão de barco para o mar.
Em outras palavras,
a ser reconhecido como herança cultural na- Recentemente, em 1º de fevereiro de 2020,
o deus/deusa que
protege sua cabeça. cional: o Ilê Axé Nassô Oká. Também conhe- a celebração foi registrada como patrimô-
Trata-se de uma cido como Casa Branca, esse é o primeiro nio imaterial municipal.
designação genérica espaço de culto afro-brasileiro onde se reco- Numa reelaboração do simbolismo das
para divindades nheceu “o valor do acervo de bens culturais águas, a festa também é realizada em lo-
cultuadas por povos
neles encerrados” (SERRA, 2005 p.171). cais onde não há mar. É o caso da Festa de
africanos trazidos
para o Brasil, aqui Uma das principais manifestações da Iemanjá no Lago Paranoá, em Brasília, que
incorporadas por cultura afro-brasileira é a celebração à Ie- tornou-se patrimônio distrital, no ano de
outras matrizes manjá, considerada a mãe de todos os ori- 2018. Em Belo Horizonte, capital mineira, a
religiosas. xás, que habita as águas salgadas dos oce- celebração foi registrada pelo munícipio em
anos. Esta divindade é adorada Brasil afora, 2019 e acontece às margens da Lagoa da
em várias cidades e, desde a última década, Pampulha, em um parque arborizado.
as festividades em torno dela vêm sen- Em Fortaleza, Ceará, os festejos para a
do reconhecidas como patrimônio cul- orixá também foram patrimonializados pela
tural em diferentes locais do país. Secretaria Municipal de Cultura (SecultFOR).

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Ela acontece há pelo menos cinquenta anos, Umbanda
na Praia do Futuro, no dia 15 de agosto, em- Religião originalmente
bora desde 2014 também se realize na Praia brasileira que nasceu
da miscelânea entre
de Iracema, no dia 14. A aprovação do Com- os cultos tradicionais
phic (Conselho Municipal de Proteção ao indígenas (como a
Patrimônio Histórico e Cultural de Fortaleza) jurema sagrada, o
ocorreu em 2017, ratificando o trabalho de terecô maranhense,
pesquisa etnográfica para compor o dossiê a pajelança etc.), os
cultos às divindades
do registro, elaborado entre 2016 e 2017. Se-
africanas, vindos
gundo Ismael Pordeus (2002), desde a década especialmente da
de 1950, Mãe Júlia Condante se estabeleceu Bahia e do Rio de
em Fortaleza e institucionalizou a Umbanda, Janeiro, com forte
criando um local para cultuar Iemanjá, con- inspiração bantu, o
forme foi ensinado no Rio de Janeiro. catolicismo popular
e o espiritismo (como
A União Espírita Cearense de Umbanda referências cristãs).
(Uecum), entidade fundada por Mãe Júlia,
é a principal responsável pela organização
da cerimônia.
No dia 14 à noite, os umbandistas se
põem a dançar, tocar e cantar na Praia de Praia de Iracema
Iracema, maior polo turístico da capital. É, Área considerada
sobretudo, um espírito de comunhão que “Bem de Relevante
tenta quebrar barreiras do racismo arraiga- Interesse Cultural”,
por meio do
do na sociedade brasileira. Patrimônio Histórico
A Umbanda representa uma religiosida- e Cultural da Secretaria
de de acolhida dos excluídos e marginaliza- da Cultura de Fortaleza
dos, tal como Iemanjá, a mãe de todos, que (SecultFOR).
não deixa ninguém desamparado.

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Em tempos de crescimento de deno-
minações religiosas que demonizam essas
religiões de matriz indígena e africana, a
estratégia do “povo de santo” é aparecer na
esfera pública e tentar reafirmar sua influên-
cia na cultura nacional.
Esses grupos têm denunciado o racis-
mo religioso (não apenas a intolerância
religiosa, termo bastante usado até pouco
tempo). Em outras palavras, a questão não
é tolerar uma religião diferente. O problema
Nas primeiras horas da manhã do dia 15, é que as agressões, em geral, são desferi-
da sede da Uecum, no centro da cidade, sai das especialmente contra as religiões de
um cortejo em carro aberto até a Praia do matriz afro-indígenas, diferente do que
Futuro, com a imagem de Iemanjá. Quem acontece com outras denominações que
consegue segui-lo, escuta os tambores sin- não são alvo desses agressores.
copando a marcha, enquanto mães e pais de Além das dificuldades originadas no ra-
santo entoam as cantigas dos orixás, cabo- cismo de feição religiosa, os organizadores
clos, pretos velhos e outros guias espirituais. da Festa de Iemanjá sofrem também com
Os participantes levam consigo as ofertas questões práticas do cotidiano da cidade.
que serão entregues para a orixá numa jan- Algumas dessas situações estão rela-
gada que irá percorrer o trajeto mar adentro. tadas no dossiê do registro, que prevê
Ao longo do dia, revezam-se as músicas sugestões e indicações para dirimir os pro-
na extensa faixa de areia. Os tambores, as blemas que dificultam a realização da festa.
maracas e agogôs criam a orquestra semioló- Mesmo com algumas precariedades, é per-
gica para evocar as entidades, compartilhan- ceptível a singularidade e a originalidade da
do conhecimento e conforto com os fiéis. Festa de Iemanjá em Fortaleza.

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5.
COMO PATRIMONIALIZAR
UMA CELEBRAÇÃO
pós ilustrarmos nosso mó-
dulo com a descrição de al-
gumas dessas celebrações
– esperamos que vocês pro-
curem conhecer as demais
–, vamos entender como é
possível patrimonializá-las.
Muitas manifestações
culturais do povo brasilei-
ro só ganharam status de
patrimônio cultural após a publicação do
Decreto nº 3.551/2000, do Iphan, que re-
gulamentou o artigo 216 da Constituição Fe-
deral Brasileira de 1988, definindo o conceito
de patrimônio cultural imaterial, discipli-
nando o seu registro e criando o Programa
Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI).
O PNPI,, posteriormente, foi regulamen-
tado pela Portaria Iphan nº 200/2016, que
criou uma Política de Salvaguarda do Pa-
trimônio Imaterial.
Antes dos anos 2000, somente a dimen-
são material do patrimônio nacional (edifi-
cações, monumentos, coleções) era oficial-
mente reconhecida e salvaguardada pelo
Estado brasileiro, por meio do instrumento
de tombamento, que poderia ser solicitado
por qualquer pessoa física ou jurídica, de
forma voluntária ou compulsória.
A partir do Decreto nº 3.551/2000, ape-
nas pessoas jurídicas,, como associações
da sociedade civil, instituições vinculadas ao
Ministério da Cultura e Secretarias de Cultura
(estaduais, municipais e do Distrito Federal),
com a anuência dos detentores das refe-
rências culturais de caráter imaterial, po-
dem solicitar o registro dessas referências.

Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 91


Nesse sentido, a solicitação de regis-
tro deve estar acompanhada de infor-
mações históricas sobre o bem (textos, PARA OS
fotografias, ilustrações, vídeos, gravações
sonoras etc.), além de declaração formal
CURIOSOS
da comunidade expressando seu conhe-
cimento sobre os trâmites do registro.
Quando o Iphan se certifica da anuência Para saber mais detalhes sobre
da comunidade, seus técnicos iniciam a ela- a Política de Salvaguarda do
boração de um dossiê detalhado, mapeando Patrimônio Imaterial, leia o do-
as informações e estudos acerca da mani- cumento Saberes, fazeres, gingas e
festação cultural indicada. Depois, o dossiê celebrações: ações para a salvaguar-
é apresentado ao Conselho Consultivo do da de bens registrados como patri-
Patrimônio Cultural, órgão colegiado de mônio cultural do Brasil, 2002-2018,
decisão máxima dentro da instituição, for- disponível em: portal.iphan.gov.br/
mado por especialistas de diversas áreas do uploads/publicacao/sfgec.pdf
conhecimento, que representam órgãos go-
vernamentais e da sociedade civil organiza-
da. Apenas após o aceite do dossiê, por parte
do Conselho, é que o bem pode ser registrado
em um ou mais Livros de Registro (Saberes;
Formas de expressão; Celebrações; Lugares).
Posteriormente é elaborado um plano
de salvaguarda para o bem registrado.
Esse plano tem o objetivo de possibili-
tar condições de continuidade ao bem, lis-
tando iniciativas e ações a serem tomadas
pelo poder público, a sociedade civil e os
seus legítimos detentores.
De acordo com as regras do Iphan, após
dez anos do registro realizado, é necessário
revalidar esse registro, com o objetivo de
analisar as mudanças e permanências
da atividade enquanto referência cul-
tural, avaliando se ela continua a ser im-
portante e quais as novas questões de sus-
tentabilidade que se colocam depois desse
período de tempo. O Círio de Nazaré, por
exemplo, foi revalidado em 2016.
Além do registro, há outros instrumen-
tos de valorização do patrimônio imate-
rial, que tanto o Estado, como os próprios
grupos sociais detentores, pode realizar.

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São os Inventários dos Bens Culturais,
experiências cada vez mais participativas
e protagonizada por agentes comunitários
de um determinado território. Importante
atentar ao seu papel em sua comunida-
de na observância de novos possíveis bens
culturais de natureza imaterial.
O Iphan estabeleceu uma metodologia,
tanto para inventários, quanto para orientar
os estudos dos dossiês de registro que são
aprovados. É o Inventário Nacional de
Referências Culturais (INRC) que serve
de base para obtenção de dados históricos,
socioantropológicos e ambientais, com os
quais se avaliará quais as melhores ações
patrimoniais a serem tomadas.
O Iphan não é o único órgão respon-
sável pela preservação do patrimônio
cultural no Brasil. Os estados e municípios
brasileiros também possuem instituições
responsáveis pela preservação patrimo-
nial, que muitas vezes replicam, adequam
ou aperfeiçoam a legislação federal apre-
sentada, de acordo com a realidade local.
Nesse sentido, muitos bens culturais
podem não ser patrimonializados em âm-
bito nacional, mas podem conseguir reco-
nhecimento e proteção nas esferas estadu-
ais e municipais. Há casos, como vimos, de
bens que “acumulam” essa proteção, em
diferentes níveis, no país.
Aliás, vimos ainda nesse fascículo que
há bens que são representativos não ape-
nas para determinados grupos sociais de
um munícipio, estado, região ou nação.
São representativos para a história da
humanidade. Nessas circunstâncias, a
Unesco é a instituição internacional que se
encarrega dos procedimentos necessários
para a sua preservação, junto aos países
detentores desse patrimônio.

Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 93


SE
LIGA!

Após ler esse fascículo, pense: no


seu bairro, município ou estado
existem celebrações que poderiam

6.
ser elevadas à categoria de pa-
trimônio imaterial brasileiro?
Ou registradas como patrimônio
imaterial estadual ou municipal?
Como você poderia contribuir para o
CELEBRAR AS debate acerca da patrimonialização
DIVERSIDADES dessas celebrações? Mãos a obra!

ocê já percebeu que a cons-


trução de um patrimônio
cultural não ocorre do dia
para noite. É necessária sua
consolidação na memória Essa diversidade de visões de mundo é a
coletiva de um expressivo riqueza da cultura brasileira. É a inovação so-
contingente da sociedade. O ciotécnica que nos permitiu viver e sobreviver
tempo é fator fundamental em meio a dificuldades do nosso território.
nesta equação, aliado a uma Por mais que o Iphan tenha sido fundado
ação coletiva dos sujeitos, que dá o tom em 1937, somente décadas depois que os
do que vai servir de referência, do que ele- monumentos e símbolos negros e indíge-
gemos para ser lembrado. nas tornaram-se, então, objetos de pre-
Sempre que imaginamos uma “festa”, servação. Deste modo, o Estado começou
pensamos em momentos de lazer ou des- a reconhecer a importância da herança que
canso. Imaginamos uma perspectiva de esses povos imprimiram à formação da so-
oposição ao trabalho. Entretanto, as ativida- ciedade brasileira.
des ligadas às celebrações significam mais Para Laura Cavalcanti (2019), o conceito
do que isso. São momentos de reorgani- de patrimônio cultural imaterial, do qual
zação social, de congregação e renova- as celebrações fazem parte, foi o instrumen-
ção dos laços fraternais. Há os momentos to sensível para a incorporação de amplos
oficiais, de tom formal e racional, quando o e diversos conjuntos de processos culturais
sagrado se expressa nas orações, nas cami- nas políticas públicas relacionadas à cultura
nhadas. Mas há também momentos de brin- e à construção de referências de identidade
cadeira, euforia e crítica às condições precá- e memória para diferentes grupos sociais.
rias de vida de boa parte dos envolvidos. A oralidade, as formas do conhecimento
Em razão de nossa colonização católica tradicional, os sistemas de valores, os mo-
portuguesa, as manifestações dessa origem dos de vida, as expressões festivas e artís-
já chegaram sedimentadas, mas a influên- ticas estão agora inclusas nas políticas pa-
cia indígena e negro-africana nas práticas trimoniais. É o reconhecimento, finalmente,
culturais, religiosas ou não, estão presentes que somos grupos e sujeitos plurais,
em boa parte do nosso cotidiano. múltiplos e diferentes.

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REFERÊNCIAS AUTOR
Emmanuel Bastos de M. Lopes
ABREU, Regina. Patrimonialização das IPHAN. Dossiê de registro do Círio
é mestre em Antropologia pela
diferenças e os novos sujeitos de direito. In: de Nazaré. Rio de Janeiro: Ministério
Universidade Federal de Pernambuco
Patrimônios. Marseille: OpenEdition Press, da Cultura, 2006. Disponível em http://
(UFPE), doutorando em Antropologia
2015, p. 67-93. portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/
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_______. Patrimônio cultural: tensões PatImDos_Cirio_m.pdf
(UFBA), membro do Observatório
e disputas no contexto de uma nova PORDEUS JR, Ismael. Umbanda. Ceará em de Vulnerabilidades da Baía de
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Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 95


Este fascículo é parte integrante do projeto
Formação de Mediadores de Educação
Patrimonial, em decorrência do Termo de
Fomento celebrado entre a Fundação Demócrito
Rocha e a Secretaria Municipal de Cultura de
Fortaleza, sob o nº 02/2019.

Todos os direitos desta edição reservados à:

Fundação Demócrito Rocha


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Tel.: (85) 3255.6037 - 3255.6148 - Fax (85) 3255.6271
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EXPEDIENTE:
FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA (FDR)
João Dummar Neto
Presidente
André Avelino de Azevedo
Diretor Administrativo-Financeiro
Marcos Tardin
Gerente Geral
Raymundo Netto
Gerente Editorial e de Projetos
Emanuela Fernandes
Analista de Projetos

UNIVERSIDADE ABERTA
DO NORDESTE (UANE)
Viviane Pereira
Gerente Pedagógica
Marisa Ferreira
Coordenadora de Cursos
Joel Bruno
Designer Educacional
Thifane Braga
Secretária Escolar
CURSO FORMAÇÃO DE MEDIADORES
DE EDUCAÇÃO PARA PATRIMÔNIO
Raymundo Netto
Coordenador Geral, Editorial e Revisor
Cristina Holanda
Coordenadora de Conteúdo
Amaurício Cortez
Editor de Design e Projeto Gráfico
Miqueias Mesquita
Diagramador
Daniel Dias
Ilustrador
Thaís de Paula
Produtora
ISBN: 978-85-7529-951-7 (Coleção)
ISBN: 978-85-7529-957-9 (Fascículo 6)

Apoio

Universidade
Estadual do Ceará

Realização

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