A Transposição Didática Do Conceito de Território No Ensino
A Transposição Didática Do Conceito de Território No Ensino
A Transposição Didática Do Conceito de Território No Ensino
LEVON BOLIGIAN
- Aos colegas Wanessa Pires Garcia Vidal e Rogério Martinez pelas discussões e
idéias sobre o ensino de Geografia;
ii
SUMÁRIO
Índice
..................................................................................................................................... v
Resumo
.................................................................................................................................. viii
Abstract
.................................................................................................................................... ix
Introdução
............................................................................................................................... 01
Capítulo 1
............................................................................................................................... .06
Capítulo 2
................................................................................................................................ 11
Capítulo 3
................................................................................................................................ 22
Capítulo 4
................................................................................................................................ 55
Capítulo 5
................................................................................................................................ 61
Capítulo 6
.............................................................................................................................. 109
Considerações finais
.............................................................................................................................. 126
Bibliografia
.............................................................................................................................. 128
Anexo 1
.............................................................................................................................. 135
Anexo 2
.............................................................................................................................. 136
iii
ÍNDICE
Introdução ..................................................................................................................... 1
iv
Capítulo 4 - O mapa conceitual do território: auxiliando
de Geografia ........................................................................................................ 85
v
Capítulo 6 – O conceito de território nos livros didáticos
6.1. Análise do conceito de território nos livros didáticos selecionados ................... 114
vi
RESUMO
vii
ABSTRACT
viii
Introdução
1
Nesse sentido, Almeida (1991, p.84), indica que
1
Neste trabalho será utilizado o recurso do texto itálico para destacar idéias e conceitos considerados relevantes.
2
escola. Legitimidade esta calcada no fato de ser, o saber científico, aquele
reconhecido socialmente como um conhecimento “verdadeiro”.
2
Arsac, G. L’evolution d’une théorie en didactique: l’exemple da transposition didactique. Recherches en
Didactique des Mathématiques. Grenoble: Editions La Pensée Sauvage, v. 12, n. 1, 1992.
3
Verret (1975) e Chevallard (1991) chamam este processo de transposição didática do saber.
3
Avaliando as considerações feitas até o momento, torna-se
possível fazer a seguinte colocação: ainda que o saber ensinado refira-se ao
saber transmitido pelo professor aos alunos, em sala de aula, esse saber é,
em grande parte, orientado pelos conteúdos selecionados e estabelecidos
pelos currículos oficiais e pelos conteúdos programáticos dos livros didáticos.
São esses elementos (currículos e livros didáticos) que ditam aos professores
“como” e “o que” do saber erudito se deve ser ensinado aos alunos. Portanto,
são eles que, de maneira geral, estabelecem os saberes a serem ensinados
no âmbito escolar.
5
de trabalho; capítulo 2 – discorre sobre o modelo de interpretação teórica da
transposição didática como instrumento de investigação; capítulo 3 –
apresenta uma análise relacional a respeito so significado teórico do conceito
de território apreendido na esfera acadêmica; capítulo 4 – apresenta uma
análise constitucional do conceito de território, elaborada com base no estudo
do capítulo 3, por meio do mapa conceitual; capítulo 5 – investiga a proposta
de transposição didática que os PCN de Geografia propõe para o conceito de
território; capítulo 6 – investiga a proposta de transposição didática que os
livros didáticos de Geografia de maior adoção no Brasil estabelecem para o
conceito de território; por fim, seguem as Considerações finais, a Bibliografia e
os Anexos (1 e 2) – onde encontram-se cópias de partes dos documentos
analisados.
6
Capítulo1 - Os conteúdos conceituais e o conceito de
território
5
Segundo Raffestin (1993), existe uma tendência recente em se conceder ao espaço o status de noção, e ao
território o status de conceito. Isso porque aos conceitos, é possível uma “(...) formalização e/ou uma
quantificação mais precisa” de seus significados do que às noções. Seguindo a lógica posta pelo autor, torna-se
possível, também, conceder à paisagem, ao lugar e à região o status de conceito. De acordo com Santos (1988),
as frações do espaço humano configuram-se epistemologicamente como os conceitos de paisagem, região,
território e lugar. São os “subespaços”. Para Corrêa (1995, p.16), esses subespaços “(...) guardam entre si forte
parentesco, pois todos se referem à ação humana modelando a superfície terrestre (...)”. São esses conceitos que
conferem “(...) à Geografia a sua identidade e sua autonomia relativa no âmbito das ciências sociais”. Por isso,
são consideradas categorias de análise próprias da ciência geográfica.
6
Ausubel, D.; Novak, J.; Hanesian, H. Psicologia educacional. Rio de Janeiro: Interamericana, 1980.
7
base em uma visão cognitivista da realidade. Essa vertente da Psicologia, o
cognitivismo, procura entender como o ser humano armazena, transforma e
usa a informação envolvida no processo de cognição, a fim de situar-se e
organizar-se no mundo em que vive (MOREIRA & BUCHWEITZ, 1993).
8
Dessa maneira, entendemos que os conceitos ou as categorias-
chave de cada ciência podem ser empregados como elementos “facilitadores”
do processo de aprendizagem, na medida em que passam a nortear os
conteúdos escolares, criando condições para que os processos pedagógicos
tenham maior sucesso no âmbito da sala de aula.
9
“(...) o professor das séries iniciais (...) continua, de modo geral, a ensinar
Geografia apoiando-se apenas na descrição dos fatos e ancorando-se
quase exclusivamente no livro didático.
11
Capítulo 2 – A viagem do saber e sua transposição
didática: do ambiente da academia científica aos bancos
escolares
9
“(...) la trop fameuse ‘relation enseignant-enseigné’, qui a obscurci, pendant deux décennies au moins, l’abord
des faits didactiques les plus immédiatement transparents.”
10
“(...) la didactique des mathématiques peut donc entreprendre de penser son objet.”
13
de investigar um fenômeno no campo da disciplina de Geografia, ou seja, a
transposição didática do conceito de território da esfera de conhecimento
geográfico científico para a esfera de conhecimento geográfico escolar. Nesse
processo, o conceito de território transforma-se, de objeto de saber
(científico), em objeto de ensino (escolar).
15
Designado por Chevallard (op. cit.) como “savoir savant”, o
saber sábio refere-se ao conjunto dos conhecimentos gestados na esfera da
comunidade acadêmica ou científica por meio de pesquisas e/ou reflexões
teóricas. São aqueles conhecimentos aferidos e comprovados como lógicos e
verdadeiros por meio de métodos científicos e, por isso, considerados como
conhecimentos válidos e legítimos pela sociedade de maneira geral.
16
Há, assim, fluxos de saberes oriundos tanto da esfera científica
(saber científico) como da sociedade (saber cotidiano), os quais convergem
para o sistema de ensino. O esquema a seguir (figura 1) visa representar
esses fluxos, esferas de saber ocorre a transposição didática.
17
Figura 1 – A transposição didática segundo Chevallard (1991)
Esfera acadêmica
Saber
sábio
Saber a
Saber
ser
cotidiano
ensinado
Transposição Ambiente escolar ou
didática sistema de ensino
Saber
ensinado
Elaborado por Levon Boligian (2003)
18
• a fase entre o saber ensinado e o saber efetivamente adquirido pelo
aluno.
19
ao mesmo tempo, suficientemente distante do saber banalizado, do senso-
comum, no qual se baseiam, como vimos, as teorias cotidianas.
20
dialeticamente com a identificação e a designação de conteúdos de saberes
como conteúdos a ensinar”11 (grifo do autor).
11
“Tout projet d’enseignement et d’apprentissage se constitue dialectiquement avec l’identification et la
désignation d e contenus de savoirs comme contenus à enseigner.”
12
Marechal, Jean. La professionalité de l’enseignante: Nouveau Sésame pour lê systeme éducatif? La formation
aux didactiques. Cinquième Reencontre Nationale sur les Didactiques de la Géographie, des Sciences Sociales.
Paris, INRP, mars 1990, p.40.
21
No caso deste trabalho de pesquisa, levar-se-á adiante a
intenção de investigar se a preparação proposta pelos PCN e pelos livros
didáticos de Geografia de maior adoção no país (produtos intelectuais de uma
parte da noosfera brasileira) utiliza-se dos critérios mencionados
anteriormente ao transformar o conceito de território, um conteúdo de saber,
em objeto de ensino, por meio de sua transposição didática.
22
2.3. A transposição didática no contexto do estudo proposto
13
“(...) le passage de l’implicite à l’explicite, de la pratique à la théorie, du préconstruit au construit.”
23
Desta forma, a fim de alcançarmos nossos objetivos de
trabalho, propomos o desenvolvimento dos seguintes procedimentos de
pesquisa:
14
“L’exercice du príncipe de vigilance à la transposition didactique est l’une dês conditions qui commandent la
possibilite d’une analyse scientifique du système didactique.”
24
didático, que se acredita na realização de uma investigação criteriosa, em que
a ferramenta principal será o conceito de transposição didática.
25
Capítulo 3 - O conceito de território na esfera do saber científico
22
noções e conceitos são construções lógicas que estão em constante
reformulação, sendo redefinidos e aprimorados a cada novo avanço do
pensamento científico e filosófico.
15
A análise de uma realidade pode ter como ponto de partida a sua aparência. Contudo, nesse processo devemos
buscar como ponto de chegada, a descoberta da essência dessa mesma realidade.
No caso do processo ensin o-aprendizagem, trabalhar o conceito de concentração de renda, por exemplo,
apenas mostrando aos educandos a existência de uma gigantesca parcela da população que torna-se cada vez mais
pobre e uma parcela ínfima da mesma, que torna-se cada vez mais rica, isto é, apenas a aparência dessa realidade, e
não elucidar sobre quais os mecanismos do modo de produção capitalista geram expropriadores e expropriados, ou
seja, a essência dessa mesma realidade, é fazer os alunos permanecerem na condição do senso-comum, renegando-os
uma leitura científica da realidade.
Da mesma forma, para que o aluno compreenda o significado do conceito de território, os conteúdos
trabalhados em sala de aula, devem ser permeados pela explicação de como as relações de poder engendram e dão
forma aos territórios e às territorialidades. Deixaremos, assim, a aparência do fenômeno ou do processo e
vislumbraremos, então, a sua essência.
23
Coloquialmente a palavra poder significa ter força, influência,
posse, ou ainda, autoridade, soberania e domínio, definições que, inclusive,
freqüentam os dicionários da língua portuguesa mais utilizados no Brasil.
16
RUSSEL, B. Il potere: una nuova analisi sociale. Feltrinelli, Milano, 1972.
24
são difundidas, com o objetivo de exercerem influência sobre a conduta e a
formação de valores de outros sujeitos com fins específicos.
25
“(...) se tenho dinheiro posso induzir alguém adotar a um comportamento
que eu desejo, a troco de recompensa monetária. Mas, se me encontro só
ou se o outro não está disposto a comportar-se dessa maneira por nenhuma
soma de dinheiro, o meu Poder se esvanece. Isto demonstra que o meu
Poder não reside numa coisa (no dinheiro, no caso), mas no fato de que
existe um outro e de que este é levado por mim a comportar-se de acordo
com os meus desejos”.
17
ARENDT, Hannah. Da violência. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1985/1969.
26
Além da habilidade de influenciar indivíduos ou grupos de
indivíduos, manipulando-os de acordo com os seus interesses e desejos, o
poder do ator ativo deve estar, segundo Sack (1983), na sua capacidade de
criar a sua própria territorialidade, isto é, de delimitar e tomar controle sobre
objetos, pessoas e relacionamentos que se dão sobre uma determinada “área
geográfica”: o território.
27
Ainda segundo Raffestin (op.cit.), o território é sempre um
enquadramento do poder ou de um poder, em um determinado recorte
espacial. Por isso, podemos dizer que as relações de poder se dão em
diferentes escalas territoriais. A escala do território determina a escala dos
poderes. Existem poderes que interferem em diferentes escalas territoriais,
como é o caso do Estado. Contudo, há poderes que estão limitados à
determinadas escalas territoriais. Assim sendo, temos relações de poder em
diferentes escalas: local, regional, nacional, supranacional, etc., produzindo
uma multiplicidade de territórios, cada qual com uma territorialidade diferente,
ou seja, com uma dimensão própria, e um conteúdo específico, sendo
apropriado, apreendido e vivenciado de maneira singular pelos atores sociais.
28
“(...) poder político cujo exercício no territorial tinha uma expressão pontual,
descontínua, passa-se a outro, que se caracteriza pelo contrário, quer dizer,
pela continuidade”.
18
Se observarmos a maioria dos mapas da Europa até aproximadamente o século XVII, não encontraremos
limites cartograficamente estabelecidos entre as nações. Visualizaremos apenas inscrições
com os nomes de reinos, principados, ducados, etc., além do nome de regiões e cidades importantes da época.
29
os limites entre os Estados-nação na história moderna e contemporânea, têm
sido mais mutáveis do que estáveis.
19
O autor usa o termo malha no sentido de divisão territorial; ou superfície territorial.
30
são contemporâneos à própria sistematização e legitimação da Geografia
como disciplina escolar e acadêmica, sobretudo na Alemanha e na França do
século XIX. Segundo Escolar (1996, p.65), a Geografia vem contribuir política
e ideologicamente com o surgimento, nessas nações européias, da
31
freqüentemente, confundia-se com o de apego ao território, mais
precisamente ao que esse geógrafo alemão chamava boden (solo pátrio).
Dessa forma, suas análises não levavam em conta as diferenças de classes e
grupos sociais, assim como as contradições internas da sociedade.
20
FOUCAULT, Michel. Histoire de la sexualité, 1. La volonté de savoir, 1976.
32
funções básicas, neste caso, a preservação da unidade nacional e da
integridade do território.
21
O conteúdo atribuído por Milton Santos ao conceito de território assemelha-se bastante ao conceito de espaço
geográfico e à categoria de análise estabelecida por este autor de formação sócio-espacial. Para Santos (1988), o
espaço, objeto de estudo da Geografia, deve ser entendido como um conjunto indissociável, um arranjo,
composto de objetos geográficos (naturais e sociais) e da dinâmica social, ou seja, daquilo que anima e dá vida a
esses objetos geográficos. No entanto, “(...) cada forma geográfica é representativa de um modo de produção ou
de um de seus momentos. A história dos modos de produção é também, e sob este aspecto preciso, a história da
sucessão das formas criadas a seu serviço. A história da formação social é aquela da superposição das formas
criadas pela sucessão de modos de produção, da sua complexificação sobre seu ‘território espacial’ (...)”.
(SANTOS, 1982, p. 15) Ainda, segundo esse autor, “os objetos geográficos aparecem nas localizações
correspondentes aos objetos da produção num dado momento e, em seguida, pelo fato de sua própria presença,
influenciam-lhes os momentos subseqüentes de produção”. (Santos, 1982, p. 18)
22
LEFEBVRE, Henri. De l’État 4. Les contradictions de l’État moderne. Paris, UGE, 1978, p. 259.
34
“(...) espaço físico, balizado, modificado, transformado pelas redes, circuitos
e fluxos que aí se instalam: rodovias, canais, estradas de ferro, circuitos
comerciais e bancários, auto-estradas e rotas aéreas, etc.”
35
que as redes geográficas23 manifestam-se, principalmente, por meio de uma
complexa rede urbana, que inclui as interconexões entre as chamadas
cidades globais, sedes das grandes corporações transnacionais e focos de
uma grande diversidade de fluxos.
23
De acordo com Corrêa (1997), por rede geográfica entende-se o conjunto das localidades geográficas
interligadas, podendo constituir-se, por exemplo, pela sede de um banco e suas agências; por uma usina
hidrelétrica, as redes de transmissão e as estações de distribuição de energia elétrica; entre outras formas de
organização hierárquica que, de alguma forma, apresentem uma configuração territorial.
36
domínio é estabelecido por diferentes atores, como pelo Estado, por
empresas e por grupos que representam as camadas mais abastadas da
sociedade. Basicamente são esses atores, ou seja, essa classe hegemônica,
quem irá gerir o território nacional.
37
de 1970, passaram a criar estratégias de monitoramento e de ocupação para
extensas áreas do país. Foi o que ocorreu com a criação de institutos de
pesquisa estatais (INPE, EMBRAPA, ITCF), com a abertura de estradas
(Transamazônica, Cuiabá-Santarém, etc.) e com a implantação de projetos
agrícolas e de mineração (Rondônia, Jari, Carajás, entre outros) nas regiões
Norte e Centro-Oeste, gestados por órgãos (SUDAM, SUDECO, etc.) e
empresas estatais com tal poder local e regional, que iam além dos limites
político-administrativos impostos pelos estados, criando uma verdadeira
sobreposição de territórios.
38
conceito de território, ainda que muitos deles tenham privilegiado o
entendimento desse conceito, apenas sob o enfoque do Estado-nação.
39
capital. Tudo isso orquestrado, em grande parte, pelo capital industrial e
financeiro.
40
Assim, criaram-se as condições necessárias para a expansão
do capitalismo em nível planetário, sobretudo com a proliferação de filiais de
empresas multinacionais ou transnacionais em praticamente todo o planeta
ou, ainda, com a terceirização da produção dessas grandes empresas,
principalmente em países do Terceiro Mundo. Houve, então, uma
fragmentação do processo produtivo, ou, como alguns especialistas preferem
dizer, uma flexibilização da produção, o que garantiu, também, a ampliação
do mercado consumidor para essas empresas. Esse fato proporcionou um
crescimento vertiginoso do poder econômico das transnacionais, fazendo com
que, segundo Andrade (1995), as mesmas lançassem seus “tentáculos” sobre
extensas áreas territoriais, desprezando as fronteiras políticas existentes.
41
transnacionais, que decidem sobre alocação de seus investimentos à luz da
comparação, ou seja, buscando lugares onde as condições de produção e a
obtenção de lucros sejam maiores.
24
IANNI, Octavio. Sociedade Global. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1992.
25
MARGOLIN, Jean-Louis. “Maillage Mondial, espaces nationaux, histoire.” In: Espaces-temps, nº 45-46,
1991, p. 95-102.
43
3.3.2. A ingovernabilidade da nação pelo Estado e a eclosão de novas
territorialidades
44
Nesse sentido, Souza (1995) e Corrêa (1997) citam alguns
exemplos de territorialidades que podemos encontrar no espaço urbano,
sobretudo das grandes metrópoles, em países desenvolvidos e
subdesenvolvidos. Entre os exemplos, temos: os territórios de prostituição
feminina e masculina, os territórios ocupados por ambulantes, os territórios
onde residem migrantes e os territórios ocupados pela contravenção (tráfico
de drogas, máfia, jogo do bicho, etc.). Acredita-se ser possível citar também
as territorialidades criadas pelos movimentos sociais camponeses na América
Latina, como as do MST, no Brasil, das FARC, na Colômbia, e do movimento
zapatista, no México.
45
ocorrer que em alguns pontos de ‘seu’ território comece a ‘perder’,
precisamente, esse território. Em outras palavras, a ausência do Estado em
certas funções (...) pode favorecer o surgimento de um ‘poder de fato’ e de
uma rede clientelista à margem do Estado.”
46
3.3.3. Território, desterritorialização e cidadania
47
É essa situação de permanecer “prisioneira das carências do
lugar”, segundo entende-se, que leva a underclass a se rebelar contra a
ordem vigente, criando, dessa forma, tensões sociais que só podem ser
controladas por meio do aparelho repressivo do Estado, como, por exemplo,
pela polícia militar ou pelo exército, que invade favelas a fim de aprisionar
delinqüentes e traficantes ou expulsa, por ordem judicial, os sem-teto de
áreas de ocupação urbana e os sem-terra de seus acampamentos em
fazendas ocupadas.
48
desprovidas de hospitais, postos de saúde, escolas, informação geral e
especializada, enfim, áreas desprovidas de serviços essenciais à vida social e
à vida individual. Os espaços sem cidadãos também correspondem às
periferias das cidades, onde os serviços essenciais são escassos ou, na
maioria das vezes, ausentes. São espaços sem cidadãos, pois são espaços
onde a cidadania não é respeitada.
49
Nesse sentido, os trabalhos desenvolvidos pela Geografia
Humanista – corrente de pensamento que surge concomitantemente à
Geografia Crítica, na década de 1970 – têm aberto a possibilidade do
entendimento da realidade atual, por meio do aporte teórico da
fenomenologia. No âmbito dessa corrente de pensamento, o território é
apreendido como o espaço das experiências vividas26, lugar onde as relações
entre os atores, e destes com o espaço, também podem ser relações de
ordem existencial ou simbólico-afetivas.
26
Segundo Holzer (1992), o espaço vivido apresenta-se como um espaço em movimento, lugar das experiências
contínuas, egocêntricas e sociais. Um espaço-tempo vivido que se refere aos laços afetivos, ao mítico e àquilo que está
no imaginário. Ainda segundo Isnard (1982) apud Corrêa (1995, p.32), “o espaço vivido é também um campo de
representações simbólicas, rico em simbolismos que vão traduzir ‘em sinais visíveis não só o projeto vital de toda a
sociedade subsistir, proteger-se, sobreviver, mas também as suas aspirações, crenças, o mais íntimo de sua cultura’.”
50
também deve ser reconhecida como uma identidade socioterritorial, ou
simplesmente territorial. Ainda segundo esse autor, os símbolos necessários
para que exista uma identidade territorial podem estar, por exemplo, nas
paisagens e nos monumentos históricos de um lugar, ou ainda no imaginário
coletivo de seus habitantes, isto é, naquilo que leva as pessoas a acreditarem
que fazem parte de um grupo social e que pertencem a um determinado
território, que pode ser, de acordo com o recorte espacial, desde a rua, o
bairro, a cidade, o estado, até o país onde moram, ou onde viviam
anteriormente.
51
Assim, segundo Haesbaert (1999, p.187), atualmente “(...)
convivem novas e antigas formas de identificação no/com o território”. No
caso das novas formas, tem-se, de acordo com ao autor, “(...) uma
proliferação de microespaços de identidade (...)” e um “(...) entrecruzamento
de traços culturais que produzem espaços híbridos (...)”.
27
“L’idée de culture, traduite em termes d’espace, ne peut être séparée de celle de territoire. C’est en effet par
l’existence d’une culture que se crée un territoire, et c’est par le territoire que se conforte et s’exprime la relation
symbolique existant entre la culture et l’espace.”
52
“A noção de território que possuem os esquimós decorre de uma ordem
concreta que faz referência aos laços afetivos que eles mantêm com a terra.
E dentro desta ordem, a terra é o lugar de sua cultura, onde aprendem a
28
viver e a prover suas necessidades.”
28
“La notion qu’ont les Innus du territoire découle d’un ordre contumier concret qui fait réference aux liens affectifs
qu’ils entretiennent avec la terre. Et dans cet ordre, la terre, c’est le lieu de leur culture, celui où ils ont appris à vivre et
à subvenir leur besoins.”
53
3.5. As correntes crítica e humanista: um certo pluralismo ao significado
de território
54
simbólica, que mostram como cada indivíduo relaciona-se, por meio de suas
experiências cotidianas, com os lugares e os objetos espacializados.
55
3.6. Considerações finais sobre o conceito de território na esfera do
saber científico
57
Capítulo 4 - O mapa conceitual do território: auxiliando a
análise da transposição didática
29
De acordo com Faria (1995), o “vê” epistemológico seria uma variante do mapa conceitual de Novak.
55
respeito da abordagem dispensada ao conceito de território pela noosfera. No
caso deste estudo, a noosfera é representada pelos elaboradores dos
Parâmetros Curriculares Nacionais para a área de Geografia (BRASIL, 1997a,
1998a) assim como pelos autores das coleções de livros didáticos de maior
adoção no país, também na área de Geografia.
30
De acordo com Ausubel (1980, p.48) apud Faria (1995), a proposição refere-se a “(...) uma idéia composta
expressa verbalmente numa sentença, contendo tanto um sentido denotativo quanto um sentido conotativo e as
funções sintáticas e relações entre palavras”. Para Faria (op. cit.), a proposição pode se constituir na definição de
um conceito, transmitindo uma idéia de forma concisa.
57
• priorizar os conceitos e proposições que possuem amplo
poder explicativo, de forma a possibilitar generalizações e
relações com os conteúdos que fazem parte do corpo da
disciplina.
58
4.3. O mapa conceitual do território
59
Capítulo 5 - O conceito de território nos PCN de Geografia:
análise da proposta de um saber a ser ensinado
31
O termo professor-leitor será utilizado para fazer referência aos docentes do Ensino Fundamental aos quais os
PCN se destinam, como elemento de orientação curricular.
61
5.1. Objetivos de elaboração e de implantação dos PCN: um projeto
neoliberalizante para o ensino brasileiro
62
De acordo com Barretto (2000), o documento “A educação, eixo
das transformações produtivas com eqüidade”, publicado em 1992 pela CEPAL
(entidade mantida pela ONU, outro organismo supra-nacional), tem servido como
referência para as reformas nas políticas educacionais em vários países latino-
americanos. Segundo a autora supracitada, o documento argumenta que
Para Barretto (op. cit.), é sob a ordem dessas novas demandas por
qualidade no ensino que surge a iniciativa de elaboração e implantação dos PCN
no Brasil.
32
Nossa reflexão terá como base as análises produzidas por especialistas que emitiram pareceres a respeito dos
PCN, sendo que, na época da publicação de algumas dessas análises, os documentos dos parâmetros ainda
encontravam-se em sua versão preliminar.
63
O texto de apresentação dos PCN, assinado pelo então Ministro da
Educação e do Desporto, no documento de Introdução, apresenta um discurso
claramente afinado com essa ideologia neoliberalizante. Seguem os seguintes
trechos dessa apresentação:
64
“César Coll foi um dos principais responsáveis pela proposição e
implementação da reforma curricular na Espanha (...), aceitou ser consultor
dos Parâmetros Curriculares Nacionais (...). Ler, em Psicologia e currículo
[seus capítulos] é, portanto, muito mais do que saber como os espanhóis
estão enfrentando essa tarefa de todos, que é a de formar na escola
fundamental os cidadãos de seu país. É conhecer, igualmente, uma das
principais fontes nas quais se fundamentou a elaboração de nossos
parâmetros.” (COLL, 1999, p.7-8)
65
emergentes. Diluem-se assim as questões das diferenças resultantes da
pertinência a grupos sociais ou classes.”
33
Apple, M. W. Consumindo o “outro”: branquidade, educação e batatas fritas. In: COSTA, M. (org.). Escola
básica na virada do século: cultura, política e currículo. Porto Alegre: FACED/UFRGS, 1995.
66
universal’ a educação fundamental e ampliar as oportunidades de
aprendizagem para crianças, jovens e adultos.”
67
Os parâmetros são compostos dos seguintes documentos:
Introdução, Ciências, Matemática, Língua Portuguesa, História, Geografia, Artes e
Educação Física. No caso do 1o. e 2o. ciclos , Geografia e História compõem um
único volume. Existem, ainda, os documentos referentes aos temas transversais, a
saber: Ética, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural, Orientação Sexual, Saúde e
Trabalho e Consumo.
• critérios de avaliação;
• bibliografia.
68
5.2.1. A concepção de ensino e aprendizagem adotada pelos PCN
69
Para os formuladores dos PCN, durante o processo de
aprendizagem, o conhecimento é criado, transformado e elaborado sucessivas
vezes, de forma que os educandos possam apreender os conteúdos escolares.
Dessa maneira, aquilo que um aluno pode assimilar em determinado momento da
escolaridade depende, segundo os elaboradores,
70
A seção “Os objetivos gerais para o ensino fundamental”
71
cognitiva, ética, estética e de sociabilização, de forma que os educandos possam
ter uma formação básica para o exercício da cidadania.
72
“Um desenho curricular pode ser, portanto, composto de uma pluralidade de
pontos, ligados entre si por uma pluralidade de ramificações ou caminhos, em
que nenhum ponto (ou caminho) é privilegiado em relação a um outro, nem
subordinado, de forma única, a qualquer um. Os caminhos percorridos não
devem ser vistos como os únicos possíveis; um percurso pode passar por
tantos pontos quantos necessários e, em, particular, por todos eles. Nem
sempre um caminho mais ‘curto’ é aquele que leva em conta o processo de
aprendizagem dos alunos. Trilhando percursos ditados pelos significados, há
condições de se fazer com que o estudo dos diferentes conteúdos seja
significativo para os alunos e não justificado apenas pela sua qualidade de
pré-requisito para o estudo de outro conteúdo.” (BRASIL, 1998b, p.75) (grifo
nosso)
73
O trabalho com tais conteúdos exige um tratamento transversal, ou
seja, não devem ter o status de disciplina, mas devem ser abordados
transversalmente aos conteúdos de cada área de conhecimento e ter um
tratamento interdisciplinar.
74
4o.ciclos – Brasil (1998a). Estes, por sua vez, estão divididos em duas partes, a
saber:
75
5.3.1. Paradigmas teórico-metodológicos adotados pelos PCN de Geografia
76
• Objetivos de ensino-aprendizagem
77
ao objeto de estudo da ciência geográfica. Para esses autores, a Geografia está
dividida em dois campos de conhecimento; o da sociedade e o da natureza.
78
grande vagueja e indeterminação poder-se-ia argumentar que essa disciplina
visa captar a dimensão espacial da realidade. Porém, faz-se mister explicitar
mais seu universo de indagação.
• Proposta didático-pedagógica
79
concepção construtivista, de forma a atender o modelo geral proposto pelo
documento introdutório.
80
documentos propõem, então, o trabalho com conteúdos atitudinais e
procedimentais dentro do contexto de ensino e aprendizagem da Geografia.
81
servir também de base, como será visto mais adiante, para a seleção e
organização dos conteúdos a serem ensinados em Geografia no Ensino
Fundamental.
34
Mais uma vez, transparece a visão positivista dos elaboradores dos PCN sobre o objeto de estudo da
Geografia, ao utilizarem a idéia de “ciência-ponte”, como visto em Moraes (2000, p.168-169).
82
De acordo com as considerações presentes nos PCN, todos esses
temas transversais possuem interface com a Geografia. Embora não devam
configuram como disciplina do currículo escolar, segundo os elaboradores, os
temas transversais devem ser trabalhados de maneira integrada aos estudos de
Geografia, pois são essenciais na formação do cidadão.
83
De qualquer maneira, fica registrada a necessidade de se avaliar a
viabilidade de uma proposta pedagógica como a que foi reunida nos documentos
dos PCN para a área de Geografia.
84
Além disso, os documentos são categóricos ao colocar que os
conteúdos de Geografia selecionados para o Ensino Fundamental também devem
contemplar temáticas de relevância social, essenciais na formação dos alunos
como cidadãos.
85
longo da escolaridade, os alunos devem aprender a observar, descrever, registrar
e documentar, além de realizar representações, analogias, explicações e síntese
de idéias a respeito de fatos e processos naturais e sociais.
86
A seguir, será apresentada a estrutura de organização dos
conteúdos dos PCN em blocos e eixos temáticos.
• Tudo é natureza
• Conservando o ambiente
• O lugar e a paisagem
87
• Informação, comunicação e interação
88
• A evolução das tecnologias e as novas territorialidades
em redes
89
entre o sujeito (quem observa, descreve, registra, etc.) e o objeto de investigação
– idéia que, ao contrário, é completamente afastada pelo método de investigação
da fenomenologia, no qual se baseia a corrente da Geografia Humanista. No caso,
a fenomenologia propõe “(...) uma investigação objetiva do mundo individual e, em
oposição às aproximações positivistas, enfatiza a individualidade e a subjetividade,
e não a replicabilidade e a verdade.” (HOLZER, 1992, p.321)
90
a revisão bibliográfica apresentada no capítulo 3 e o mapa conceitual elaborado
no capítulo 4.
91
Pela sua importância como objeto de análise, será apresentada a
seguir o trecho em questão, da maneira como foi apresentado no documento para
o 1o. e o 2o. ciclos, acrescido dos trechos sobre o conceito de territorialidade
apresentados apenas no documento de 3o. e 4o. ciclos.
92
diversidade de tendências, idéias, crenças, sistemas de pensamento e
tradições de diferentes povos e etnias. É reconhecer que, apesar de uma
convivência comum, múltiplas identidades coexistem e por vezes se
influenciam reciprocamente, definindo e redefinindo aquilo que poderia ser
chamado de uma identidade nacional. No caso específico do Brasil, o
sentimento de pertinência ao território nacional envolve a compreensão da
diversidade de culturas que aqui convivem e, mais do que nunca, buscam o
reconhecimento de suas especificidades, daquilo que lhes é próprio.
93
De agora em diante, serão analisadas partes do trecho citado
anteriormente, pontuando-se e tecendo-se considerações, visto que, por meio da
leitura realizada, foi possível detectar problemas de toda ordem - epistemológicos,
semânticos e morfológicos - em relação ao conceito de território.
94
espaço identificada pela posse. É dominado por uma comunidade ou por um
Estado”. A explicação dos autores sobre quais atores dominam um espaço, ou
seja, que possuem poder sobre um território, mostra-se restrita, faltando
mencionar-se as empresas que criaram suas territorialidades nas últimas décadas,
ameaçando e, muitas vezes, sobrepondo-se ao poder de muitos Estados
nacionais.
95
social”; sem diferenciar esses conceitos. Em segundo lugar, a conceitualização
apresentada afasta-se daquela apreendida da Geografia Crítica, segundo a qual o
território é entendido como a base espacial onde estão dispostos objetos, formas e
ações construídas pelos atores e historicamente determinadas, segundo as regras
do modo de produção vigente em cada época, ou seja, pelas relações sociais de
produção.
35
A idéia desse terceiro parágrafo dos PCN, ao que parece, busca adequar o discurso dos elaboradores, àquele
adotado pelos PCN, de maneira geral, a respeito das mudanças ocorridas nas últimas décadas, no conceito de
democracia no âmbito da educação. Segundo BARRETTO (2000, p.18),
“Historicamente, o conceito de democracia tem recebido significados diferentes, ora
privilegiando o atendimento do interesse geral, entendido como interesse da maioria,
ora destacando o direito das minorias a serem atendidas. Em tempos de
desregulamentação, como os nossos, o entendimento de democracia tem pendido
para a valorização dos interesses das minorias, mesmo quando interpretadas como
maiorias tradicionalmente silenciadas. O discurso da igualdade é substituído pelo
discurso das diferenças. Se antes o democrático era buscar a igualdade básica, agora
o democrático é respeitar as diferenças.”
Assim, pode-se dizer que esse discurso do “respeito às diferenças” é um dos eixos centrais e um dos principais
objetivo que norteiam os conteúdos propostos nos PCN.
97
Já o quarto e o quinto parágrafos parecem reservados a elucidar
as diferenças entre território e territorialidade. Vale mencionar que a discussão
levantada nos parágrafos imediatamente anteriores deveria fazer parte das
explanações a respeito desses dois conceitos, já que a questão dos sentimentos
de pertencimento e de identidade territorial é essencial para a construção do
significado de territorialidade. No entanto, os autores parecem ignorar esse
aspecto, tecendo uma explicação retórica que, segundo entende-se, não foi capaz
de esclarecer as diferenças entre os significados de território e de territorialidade.
98
estreita relação entre os conceitos de território e paisagem, basta saber que o
território reduz-se a um “conjunto de paisagens”?
99
de se estabelecerem os limites e as fronteiras desses fenômenos, sua
extensão e tendências espaciais. São, portanto, fenômenos localizáveis e
concretos. Isso facilita sua representação cartográfica.
100
estudo da Geografia, estabelecendo e organizando os elementos móveis e imóveis
construídos pela sociedade, os fluxos e as redes, definindo fronteiras, etc.
101
sociopolíticas como os Estado-nacionais e cidade-campo.” (BRASIL, 1998a,
p.53) (grifo nosso)
102
possibilidade de leitura e compreensão do mundo”. Neste, os autores dizem o
seguinte:
103
é produto da interação desses dois níveis de sua realidade, e que as análises
específicas deverão sempre resgatar a unidade desse espaço como resultado
daquela interação.” (BRASIL, 1998a, p.56-57) (grifo nosso)
Vários são os temas e itens que poderão ser desdobrados desse eixo.
Porém, dois têm se revelado como grandes temas motrizes das principais
forças humanas capazes de gerar profundas transformações no processo de
interação entre a sociedade e a construção do seu território. São eles: a
velocidade e a eficiência dos transportes e da comunicação como novo
paradigma da globalização e a globalização e as novas hierarquias urbanas.
Ninguém poderá trabalhar as novas territorialidades que se vislumbram nos
polêmicos e controvertidos discursos da globalização sem passar por esses
dois grandes temas nas análises sobre a dinâmica das transformações do
espaço geográfico e conseqüentemente em suas paisagens.” (BRASIL,
1998a, p. 100-101)
104
“Para o professor, mais importante do que ficar estudando a genealogia da
globalização, o que não significa deixar de explicar aos alunos seu
significado, é procurar ajudá-los a compreender como a globalização veio
redefinindo uma nova territorialidade do espaço, principalmente quando se
verifica o que aconteceu com a estruturação e o conceito de redes urbanas,
tema de grande interesse para a Geografia.
105
majoritárias com os quais não se identificam e acabam desencadeando,
muitas vezes, lutas sangrentas para adquirir sua autonomia territorial.
106
que os autores desejaram dar à discussão teórica, o que acabou se
caracterizando como um ecletismo sem rigor conceitual.
107
e “região”. Porém, a maneira como os conteúdos de Geografia são apresentados
ao professor-leitor foge da proposta maior de desenho curricular apresentada
como parâmetro no documento de Introdução, para o qual, segundo os autores, os
conteúdos deveriam ser apresentados como uma grande rede, apontando suas
intersecções e desdobramentos, e não de forma linear, como uma grande tabela
de temas elencados, que foi o que se constatou.
108
semanticamente míope. Por outro lado, encontra-se adequado à tônica
despolitizada e, de certa forma, acrítica que permeia os PCN de maneira geral.
Ou seja, há uma preocupação maior com a dimensão sociocultural das relações
humanas, do que com as questões de ordem econômica, política e ideológica,
como já havia sido apontado no início deste capítulo.
109
“Seria necessário reconhecer a complexidade das posições diferenciais dos
diversos agentes na sua intervenção ao seio da noosfera – onde as
competências são finalmente delimitadas, os registros determinados, as
matemático [ao intervir num trabalho da noosfera] não pode aí ter os mesmos
propósitos que um professor: ele pode lembrar o que deveria ser o saber a
ensinar, e, por uma dedução que já não lhe pertence mais, e que pode
somente sugerir, o que deveria ser ensinado; ele não pode por causa da
ilegitimidade de seu papel – aí se promover pedagogo, e dizer como deveria
ensinar.”37 (grifo nosso)
36
“Il faudrait ainsi rendre justice de la complexité des positions différentielles des divers agents dans leur
intervention au sein de la noosphère – où les compétences sont finement delimites, les registres assignés, les
responsabilités départagées, les pouvoirs circonscrits.”
37
“Un mathématicien ne peut certes pas y tenir les mêmes propos qu’un enseignant: il peut rappeler ce que
devrait être le savoir à enseigner, et, par une déduction qui déjà ne lui appartient plus et qu’il peut seulement
suggérer, ce que devrait être le savoir enseigné; il ne peut pas – pour cause d’illégitimité dans ce rôle – s’y
promouvoir pédagogue, et dire comment il faudrait l’enseigner.”
110
leigos (professores sem formação acadêmica) e de profissionais de outras áreas
do conhecimento que atualmente lecionam Geografia nas escolas brasileiras.
Dessa forma, o que deveria ser um material de apoio e de atualização do trabalho
docente em sala de aula, sob nosso ponto de vista, poderá colaborar para
aprofundar ainda mais o “abismo” existente entre o conhecimento geográfico
científico e conhecimento geográfico escolar, caso não seja realizada brevemente
uma revisão desses documentos.
111
Capítulo 6 - O conceito de território nos livros didáticos de Geografia
38
STRAY, Ch. Quia nominor leo: Vers une sociologie historique du Manuel em Histoire de l´Éducation
(Manuels scolaires, États et societés, XIXe. – XXesiècles), n. 58, 1993, pp. 71-102..
39
“(...) encargados de dar a conocer el saber qué hay que enseñar , de ‘presentar’ el currículum oficial, tanto a
profesores como a alumnos. No olvidemos que los manuales escolares constituyen un producto cultural que
ofrece una versión pedagógica supuestamente rigurosa elaborada a partir de un saber científico reconocido.”
110
Nos meses de setembro e outubro de 2002, surgiu a
oportunidade de aferir essa realidade, por meio de um questionário aplicado a
98 professores participantes de cursos de orientação pedagógica promovidos
pela Editora Saraiva em quatro cidades brasileiras: Porto Alegre, Salvador,
Belo Horizonte e Juiz de Fora. A pergunta principal do questionário era a
seguinte: “Além do livro didático, que tipo de material paradidático você utiliza
em sala de aula?”40 O gráfico 1, apresentado a seguir, mostra as respostas
obtidas.
Livros paradidáticos
11%
Revistas
10%
Jornais
8%
Músicas
Somente o livro didático 4%
61%
Vídeos
4%
Internet
2%
40
As respostas para es sa questão foram de natureza dissertativa e não optativa.
111
didático. Já 61% dos entrevistados revelaram utilizar somente o livro didático
em sala de aula.
41
“(...) cuando la entrevista se centra en la elección de lo que se enseña, en los progresos, la organización del
curso escolar, etc., los programas y las instrucciones oficiales se evocan poco o incluso jamás. Cuando lo son, es
de forma negativa, puesto que se juzgan demasiado ambiguos, inadecuados, abstractos, demasiado alejados del
curso, o por deseo de conformidad, como si hiciese falta justificar las propias elecciones en relación con la
institución. En tal caso, es sorprendente comprobar que los docentes casi no los conocen.”
42
“Sean cuales fueren las modificaciones en los contenidos enseñados, permanece lo que llamamos
epistemología práctica de los docentes. Aquí predomina el realismo, especialmente en el tratamiento de los
documentos cuya presencia en clase es constante.”
112
levantamentos feitos pela autora, mais da metade dos professores
entrevistados assumiu não seguir nenhum programa curricular oficial - nem o
da secretaria estadual de educação nem os PCN. Já com relação aos livros
didáticos, foi unânime a afirmação de utilização assídua. A autora menciona,
ainda, que grande parte dos entrevistados, revelaram atrelar seus
planejamentos anuais, assim como os conteúdos e objetivos educacionais a
serem atingidos, com a seqüência do livro didático adotado na escola.
113
A seleção das coleções supracitadas foi baseada no fato de
estas terem sido as mais adotadas e/ou vendidas no país no ano de 2001 (ver
gráfico 2), além de fazerem parte do Guia Nacional do Livro Didático – MEC,
sendo as obras de Adas (1995) e de Vesentini e Vlach (2001) as que
obtiveram melhor avaliação no PNLD (Programa Nacional do Livro Didático),
em 2002.
Melhem Adas
8%
Elian A. Lucci
14%
Outras coleções
(29 coleções)
59%
J. W. Vesentini & V.
Vlach
19%
114
6.1. Análise do conceito de território nos livros didáticos selecionados
115
O que se conclui sobre o volume de 5ª série é que o
autor privilegia o desenvolvimento das noções de orientação e
localização, e de elementos cartográficos (ainda que em somente uma
unidade) e dos conceitos de natureza e trabalho. As temáticas ligadas
às relações/interdependências entre as atividades econômicas e
processos e fenômenos naturais também são privilegiadas, porém,
desvinculadas de uma discussão sobre como ocorrem no território.
116
Conclui-se que, na 6ª série, grande ênfase é dada ao
desenvolvimento de noções demográficas, sociais e econômicas, assim ao
processo de urbanização brasileiro. O autor também destina a maior parte
do volume para temáticas ligadas a cada uma das grandes regiões
brasileiras, adotando a regionalização do IBGE.
117
• Melhem Adas, volume 4 (8ª série) - título: “O quadro político e
econômico do mundo atual”
118
• José William Vesentini e Vânia Vlach, volume 1 (5ª série) - título: “O
espaço natural e a ação humana”
119
território (Anexo 2, p. 142). Porém, verificou-se na leitura específica, que
muitos deles apresentam incorreções ou imprecisões conceituais.
120
esses meios e vias influenciam na organização e configuração territorial de
regiões e países.
121
• José William Vesentini e Vânia Vlach, volume 4 (8ª série) - título:
“Geografia do mundo industrializado”
122
Conclui-se, então, que nesse volume de 5ª série o conceito
de território não permeia nenhum dos conteúdos propostos. Das três obras
escolhidas para esta análise, a de Elian A. Lucci é a que segue uma linha
mais tradicional. Devido a essa característica, enfatiza os conteúdos
ligados à Geografia física (clima, hidrografia, relevo, vegetação, etc.) e os
conteúdos cartográficos, demográficos e econômicos. Apenas uma
pequena parte inicial do livro é destinada ao trabalho com conteúdos
conceituais, como paisagem e lugar.
123
O capítulo 2 - “A formação do território brasileiro” (Anexo 2,
p. 146) traz um histórico sobre a maneira como o espaço brasileiro foi
ocupado, a sua configuração territorial, a conquista e o estabelecimento
das fronteiras e limites nacionais.
124
• Elian Alabi Lucci, volume 3 (7ª série) - título: “O capitalismo, as
condições de desenvolvimento, os blocos econômicos e o espaço
americano”
125
• Elian Alabi Lucci/ volume 4 – 8ª série/ título: “As relações
internacionais e a organização do espaço geográfico mundial”
126
conceituais nestas coleções, não somente com relação ao conceito de
território, mas aos demais conceitos básicos da Geografia.
127
CONSIDERAÇÕES FINAIS
126
Para tanto, há a necessidade de um esforço maior por parte das
pessoas que pensam o ensino de Geografia (professores do ensino Médio e
Fundamental, profissionais da área da didática, acadêmicos, burocratas dos
órgãos oficiais, etc.). Isso significa dizer que a noosfera geográfica precisa
promover um diálogo entre a ciência geográfica e as disciplinas da educação,
promovendo uma “didatização” e uma “pedagogização” das teorias e dos
conteúdos relacionados ao saber geográfico.
127
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131
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133
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Política. Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília, 1991.
VESENTINI, José William. Para uma Geografia crítica na escola. São Paulo: Ática,
1992.
134
ANEXO 1
135
ANEXO 2
136
ADAS, Melhem. Geografia, volumes 1, 2, 3 e 4. 3ª edição. São
Paulo: Moderna, 1995.
137
ADAS, Melhem. Geografia, volumes 1, 2, 3 e 4. 3ª edição. São
Paulo: Moderna, 1995.
138
ADAS, Melhem. Geografia, volumes 1, 2, 3 e 4. 3ª edição. São
Paulo: Moderna, 1995.
139
ADAS, Melhem. Geografia, volumes 1, 2, 3 e 4. 3ª edição. São
Paulo: Moderna, 1995.
140
VESENTINI, José William; VLACH, Vânia. Geografia Crítica,
volumes 1, 2, 3 e 4. 15ª edição. São Paulo: Ática, 2001.
141
VESENTINI, José William; VLACH, Vânia. Geografia Crítica,
volumes 1, 2, 3 e 4. 15ª edição. São Paulo: Ática, 2001.
142
VESENTINI, José William; VLACH, Vânia. Geografia Crítica,
volumes 1, 2, 3 e 4. 15ª edição. São Paulo: Ática, 2001.
143
VESENTINI, José William; VLACH, Vânia. Geografia Crítica,
volumes 1, 2, 3 e 4. 15ª edição. São Paulo: Ática, 2001
144
LUCCI, Elian Alabi. Geografia: homem e espaço, volumes 1,
2, 3 e 4. 16ª edição. São Paulo: Saraiva Editores, 2000.
145
LUCCI, Elian Alabi. Geografia: homem e espaço, volumes 1,
2, 3 e 4. 16ª edição. São Paulo: Saraiva Editores, 2000.
146
LUCCI, Elian Alabi. Geografia: homem e espaço, volumes 1,
2, 3 e 4. 16ª edição. São Paulo: Saraiva Editores, 2000.
147
LUCCI, Elian Alabi. Geografia: homem e espaço, volumes 1,
2, 3 e 4. 16ª edição. São Paulo: Saraiva Editores, 2000.
148