Etnobotanica Historica de Plantas Do Maranhao PDF

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 4

Crossref

Similarity Check
Powered by iThenticate

ARTIGO DOI: http://dx.doi.org/10.18561/2179-5746/biotaamazonia.v8n3p15-18

Etnobotânica histórica das plantas do Maranhão no século XVII baseada na obra de


Cristóvão de Lisboa
1*
Jairo Fernando Pereira Linhares
2
Maria Ivanilde de Araujo Rodrigues
3
Patricia França de Freitas
Claudio Urbano Bittencourt Pinheiro4
1. Agrônomo (Universidade Estadual do Maranhão). Doutor em Agronomia (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil).
2. Farmacêutica (Universidade Federal do Maranhão). Doutora em Botânica (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho). Professora da Universidade Estadual
do Maranhão, Brasil.
3. Bióloga (Universidade Federal da Paraíba). Doutoranda em Botânica (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil).
4. Agrônomo (Universidade Estadual do Maranhão). Doutor em Biologia (City University of New York, EUA). Professor da Universidade Federal do Maranhão, Brasil.
*Autor para correspondência: [email protected]

Quando os colonizadores portugueses chegaram ao Brasil, ficaram impressionados com a diversidade de plantas e de
RESUMO

usos conhecidos pelos indígenas. O objetivo geral do estudo foi o de verificar os usos e procedências das plantas do
Maranhão no século XVII mediante análise documental da obra de Cristóvão de Lisboa, e mais especificamente;
identificar as plantas de acordo com a nomenclatura botânica atual. A metodologia do trabalho baseou-se na consulta
da edição fac-símile da obra 'História dos animais e árvores do Maranhão'. Da totalidade de plantas (n= 55) extraídas
da obra, 87,27% (n= 48) foram identificadas botanicamente pelo menos ao nível de família, e, 12,73% (n=07) não
foram identificadas. Quanto à procedência das espécies, 98,18% (n= 54) foi constituída por espécies nativas, e apenas
1,82% (n= 1) constituída por exótica. A importância alimentícia teve grande destaque entre os usos levantados
(74%). A mandioca (Manihot esculenta Crantz; Euphorbiaceae) e os maracujás (Passiflora spp.; Passifloraceae),
foram as espécies mais conhecidas entre os indígenas da época. Por fim, o número total de plantas contidas na obra
de Cristóvão de Lisboa (n=55), foi aquém do esperado para o Maranhão, área de contato entre os principais biomas
brasileiros.

Palavras-chave: Historiografia de plantas, análise documental, Flora do Maranhão.

Historical Ethnobotany of the plants of Maranhão in century XVII based on the work
of Cristóvão de Lisboa
When the Portuguese settlers arrived in Brazil, they were impressed by the diversity of plants and uses known to the
ABSTRACT

Indians. The general objective of the study was to verify the uses and provenances of the plants of Maranhão in
century XVII through documentary analysis of the work of Cristóvão de Lisboa, and more specifically; identify the
plants according to the current botanical nomenclature. The methodology of the work was based on the consultation
of the facsimile edition of the work 'History of animals and trees of Maranhão'. Of the total number of plants (n = 55)
extracted from the work, 87.27% (n = 48) were identified botanically at least at the family level, and, 12.73% (n = 07)
were not identified. Regarding the origin of the species, 98.18% (n = 54) was composed of native species, and only
1.82% (n = 1) consisted of exotic species. The importance of food was highlighted among the uses raised (74%). The
manioc (Manihot esculenta Crantz; Euphorbiaceae) and passion fruit (Passiflora spp.; Passifloraceae) were the best-
known species among the Indians of the time. Finally, the total number of plants contained in the work of Cristóvão
de Lisboa (n = 55) was lower than expected for Maranhão, an area of contact between the main Brazilian biomes.

Keywords: Historiography of plants; documentary analysis; Flora of Maranhão.

Introdução impressa apenas em 1967, produzida concomitantemente quan-


O surgimento de novas sociedades formadas a partir da ex- do o missioná rio desenvolvia seu trabalho de evangelizaçã o dos
pansã o colonial europeia resultou na construçã o de novas formas ın
́ dios (PEIXOTO; ESCUDEIRO, 2010).
de dominaçã o, dentre elas, a de coletar e controlar as informaçõ es Sé culos mais tarde, Lé vi-Strauss (1989), ao estudar como os
sobre os usos e potencialidades dos vegetais (GESTEIRA, 2013). povos primitivos classificavam as plantas e os animais, concluiu que
No sé culo XVII, apó s a tomada de Sã o Luıś pelos franceses e a as espé cies vegetais e animais nã o seriam conhecidos se nã o fossem
instalaçã o da França Equinocial em terras do Maranhã o, os frades ú teis ou nocivas para os grupos humanos considerados primitivos.
capuchinhos Claude D'Abbé ville em 1614 e Yves D'Evreux em A classificaçã o de animais e plantas feitas na é poca obedecia a
1615, registraram a histó ria natural e a etnografia da regiã o, e crité rios utilitá rios ou aristoté licos, tais crité rios, respondiam aos
apó s a expulsã o dos franceses, o franciscano portuguê s Cristó vã o interesses da peleteria, tinturaria, culiná ria e mé dica, entre outros
de Lisboa foi enviado ao Maranhã o (AVILA-PIRES, 1992). (AVILA-PIRES, 1992). Dessa forma, o resgate dos estudos realiza-
Quando chegaram ao Brasil, os colonizadores portugueses dos pelos portugueses, referentes à histó ria natural do Brasil, em
ficaram impressionados com a diversidade de plantas e a infini- especial, do Maranhã o, se faz necessá rio tornar pú blico, principal-
dade de usos dados pelos povos indıǵenas na Amé rica portuguesa mente aos estudiosos relacionados à biodiversidade, botâ nica
(APOLINARIO, 2013). No Maranhã o, o registro desse conheci- econô mica, etnobotâ nica e á reas afins, visto que, outras naçõ es
mento foi feito pelo franciscano Cristó vã o de Lisboa. A Obra do europeias se notabilizaram no campo da histó ria natural, fazendo
missioná rio Cristó vã o de Lisboa, “Histó ria dos Animais e Arvores com que o conhecimento da flora preté rita e de seus respectivos
do Maranhã o”, escrita presumivelmente, entre 1624 e 1627, foi usos, seja desconhecida na atualidade, pelo menos em parte.

Biota Amazônia ISSN 2179-5746 Macapá, v. 8, n. 3, p. 15-18, 2018


Esta obra está licenciada sob uma Licença
Disponível em http://periodicos.unifap.br/index.php/biota
Creative Commons Attribution 4.0 Internacional Submetido em 09 de Setembro de 2017 / Aceito em 14 de Agosto de 2018
Nesse sentido, a pesquisa documental contribui com questõ es
importantes sobre a utilizaçã o da flora brasileira e extra Brasil em 16
sé culos passados atravé s de aná lise minuciosa das fontes

LINHARES, J. F. P. et al.
de Cristóvão de Lisboa
Etnobotânica histórica das plantas do Maranhão no século XVII baseada na obra
documentais, trazendo essa informaçã o à luz do conhecimento
botâ nico atual (MEDEIROS, 2009).
O objetivo geral do estudo foi o de verificar os usos e proce-
dê ncias das plantas do Maranhã o no sé culo XVII mediante aná lise
documental da obra de Cristó vã o de Lisboa, e mais especificamen-
te; identificar as plantas de acordo com a nomenclatura botâ nica
atual.

Material e Métodos
Para coleta dos dados, foi consultada a ediçã o fac-sım ́ ile da
obra do missioná rio Cristó vã o de Lisboa – 'Histó ria dos animais e A B
á rvores do Maranhã o', esta se constitui na fonte documental pri-
má ria para elaboraçã o do có dice das plantas maranhenses no sé c.
XVII, doravante chamadas de referê ncia direta (RD).
Os etnô mios encontrados na obra, relativos aos nomes das
plantas, foram transcritos conforme achados na referê ncia direta,
mantendo-se assim, a versã o paleográ fica das fontes primá rias.
Como a primeira lın ́ gua nativa que os missioná rios que aqui che-
garam aprenderam foi o Tupi-Guarani (MELATTI, 1980), buscou-
se a elucidaçã o das identidades botâ nicas a partir de consultas aos
trabalhos de Miranda (1942); Edelweiss (1969); Betts (1981).
Sendo assim, a utilizaçã o dos etnô mios exige um esclarecimen-
to. Por um lado é indispensá vel para caracterizaçã o das espé cies,
por outro lado, pode suscitar erros, uma vez que o mé todo adotado
pelo autor da obra pesquisada foi o auditivo, o que pode variar em C D
funçã o da extensã o geográ fica pesquisada, e tornar sujeitas as in- Figura 1. Algumas das ilustraçõ es contidas na obra de Cristó vã o de Lisboa retratando
terpretaçõ es pessoais dos povos que deram as informaçõ es. plantas conhecidas na é poca. A) Mandioca. B) Maracujá . C) Caju. D) Amendoim. Sé culo XVII.
/ Figure 1. Some of the illustrations contained in Cristó vã o de Lisboa work depicting plants
De posse do mé todo adotado pelo autor da obra para a coleta known at the time. A) Manioc. B) Passion fruit. C) Cashew. D) Peanut.
das informaçõ es (auditivo), inferimos a possibilidade da existê ncia
de corruptelas, e a partir daı,́ comparou-se as caracterıśticas das A nomenclatura botâ nica empregada foi atualizada tendo como
plantas contidas nas obras de referê ncia, com as descriçõ es base de dados The International Plant Names Index – IPNI (2006),
contidas em manuais de identificaçã o de plantas da atualidade, em Missouri Botanical Garden's VAST (VAScular Tropicos) nomencla-
especial dos manuais sobre plantas maranhenses, quando as tural data-base – W3 Tropicos (2006) e em literatura especializada.
informaçõ es existentes assim permitirem, ou seja, nomes e A abreviatura dos nomes dos autores das espé cies seguiu Brumitt
caracterıśticas morfoló gicas que guardem semelhanças. & Powell (1992).
Outra forma encontrada para auxiliar na identificaçã o botâ - Contudo, é digno de nota, que nem todos os etnô mios estã o
nica da referê ncia direta foi atravé s das descriçõ es, origens e usos acompanhados de ilustraçõ es na obra consultada.
encontrados na RD. Os usos atribuıd ́ os à s referê ncias diretas, somente foram
A origem das plantas foi definida mediante informaçõ es conti- registrados aqueles colocados na obra de forma explicita, muito
das na pró pria obra, pois algumas referê ncias diretas mencionam embora seja presumıv́el a sua utilidade. Pois de acordo com Lé vi-
a origem. Outra forma utilizada foi a partir da identificaçã o das Strauss (1989), o homem primitivo, define, classifica, e descreve
plantas e da pesquisa bibliográ fica. As Referê ncias Diretas com somente aquilo que lhes fossem ú til, ou nocivo.
etnô mio de origem Tupi-Guarani que nã o puderam ser identi- A discussã o dos resultados com trabalhos produzidos na atua-
ficadas botanicamente foram consideradas de origem nativa, já lidade, só foram feitas quando havia relaçã o direta com o assunto.
que a introduçã o de espé cies exó ticas se intensificou a partir do Alé m, é claro, de cumprir com o principal papel do resgate histó rico
sé culo XIX (NOGUEIRA, 2000). As referê ncias diretas citadas de informaçõ es, para interpretar e atualizar a informaçã o de modo
utilizadas como medicinais, foram deliberadamente destituıd ́ as as a dar utilidade ao conhecimento resgatado.
suas propriedades, uma vez que os termos empregados, mudam
de acordo com o contexto e a é poca em que foram produzidos, Resultados e Discussão
merecendo, portanto, estudo complementar. As referê ncias diretas extraıd́ as das obras de Cristó vã o de
Outro recurso importante que integrou a pesquisa documental Lisboa foram dispostas em tabela contendo informaçõ es sobre: a
referente à identificaçã o botâ nica, foi a utilizaçã o das iconografias famıĺia botâ nica, nome cientıf́ico, RD, usos, e quanto à origem das
existentes na obra (Figura 1a-d). espé cies botâ nicas (Tabela 1).

Tabela 1. Referê ncias diretas (RD) citadas nas obras de Cristó vã o de Lisboa das plantas maranhenses no sé c. XVII, seguidas das respectivas identi icaçõ es botâ nicas, em nıv́el de famıĺias, e
de espé cies, bem como de seus usos: alimentaçã o humana (1), medicinal (2), utensıĺios (3), corante (4), tó xica (5), vestuá rio (6), construçã o (7), ó leo (8), madeira (9), fumo (10) e quanto à
origem: nativa ou exó tica. / Table 1. Direct references (RD) cited in the works of Cristó vã o de Lisboa of the Maranhã o plants in the 19th century. (1), medicinal (2), utensils (3), dye (4),
toxic (5), clothing (1), clothing (6), construction (7), oil (8), wood (9), smoke (10) and origin: native or exotic.
Origem
Família Botânica Nome Cientí ico RD Uso
Nativa Exótica
Anacardiaceae Anacardium sp. quaiu 1 X -
Anacardiaceae Spondias mombin L. caia 1,2 X -
Annonaceae Duguetia sp. biriba 1 X -
Apocynaceae Hancornia speciosa Gomes mangauaeira 1 X -
Arecaceae Astrocaryum vulgare Mart. tuqum 1 X -
Arecaceae Mauritia lexuosa L. f. morety 1 X -
Arecaceae Maximiliana maripa (Aubl.) Drude naia 1 X -
Arecaceae Orbignya phalerata Mart. pindobaite 1,7 X -
Bignoniaceae Crescentia cujete L. cuiite 1,3 X -
Bixaceae Bixa orellana L. oroquu 4 X - Cont.

Biota Amazônia ISSN 2179-5746


Tabela 1. Referê ncias diretas (RD) citadas nas obras de Cristó vã o de Lisboa das plantas maranhenses no sé c. XVII, seguidas das respectivas identi icaçõ es botâ nicas, em nıv́el de famıĺias, e
de espé cies, bem como de seus usos: alimentaçã o humana (1), medicinal (2), utensıĺios (3), corante (4), tó xica (5), vestuá rio (6), construçã o (7), ó leo (8), madeira (9), fumo (10) e quanto à
origem: nativa ou exó tica. / Table 1. Direct references (RD) cited in the works of Cristó vã o de Lisboa of the Maranhã o plants in the 19th century. (1), medicinal (2), utensils (3), dye (4),
17
toxic (5), clothing (1), clothing (6), construction (7), oil (8), wood (9), smoke (10) and origin: native or exotic.

LINHARES, J. F. P. et al.
de Cristóvão de Lisboa
Etnobotânica histórica das plantas do Maranhão no século XVII baseada na obra
Cont. Origem
Família Botânica Nome Cientí ico RD Uso
Nativa Exótica
Bromeliaceae Ananas comosus (L.) Merr. ananas 1 X -
Bromeliaceae Neoglaziovia variegata (Arruda) Maz caraguoaatha 5 X -
Burseraceae Protium heptaphyllum (Aubl.) Marchand sequeriba 3 X -
Cactaceae Cerejus jamacaru DC. comanacaru 1 X -
Caricaceae Carica papaya L. mamã o 1 X -
Clusiaceae Platonia insignis Mart. paquori 1 X -
Convolvulaceae Ipomea sp. gitica 1 X -
Cucurbitaceae Citrullus lanatus (Thunb.) Matsum. & Nakai hubahem 1 X -
Cucurbitaceae Cucurbita maxima Duchesne yeremu 1 X -
Cucurbitaceae Indeterminado yha 1 X -
Dioscoreaceae Dioscorea alata L. cara 1 X -
Euphorbiaceae Manihot esculenta Crantz iuruquo 1 X -
Euphorbiaceae Manihot esculenta Crantz mandioqua ata 1 X -
Euphorbiaceae Manihot esculenta Crantz mandioqua ati 1 X -
Euphorbiaceae Manihot esculenta Crantz mandioqua aguoa 5 X -
Euphorbiaceae Manihot esculenta Crantz maquaxeira 1 X -
Fabaceae Arachys hypogea L. mendoim 1 X -
Fabaceae Phaseolus vulgaris L. comenda 1 X -
Fabaceae Cajanus cajan (L.) Mills comemdagura 1 X -
Asteraceae Clibadium
Euphorbiaceae Euphorbia cotinifolia timbo 2,5 X -
Fabaceae Tephrosia sp.
Asteraceae Clibadium
Euphorbiaceae Euphorbia cotinifolia timbo do Para 5 X -
Fabaceae Tephrosia sp.
Lecythidaceae Lecythis sp. anhauba 1 X -
Lecythidaceae Lecythis pisonis Cambess. sapuquaia 1 X -
Malpighiaceae Byrsonima sp. morecim 1 X -
Malvaceae Gossypium arboreum L. manoiu 6 X -
Malvaceae Pachira aquatica Aubl. ibomguiua 1 X -
Musaceae Musa paradisiaca L.
pacoueira 1 - X
Musaceae M. sapientum L.
Myrtaceae Psidium kennedyanum Morong arasa 1 X -
Myrtaceae Psidium sp. aracarainha 1 X -
Myrtaceae Psidium sp. arasa asu 1 X -
Myrtaceae Psidium sp. arasa una 1,4 X -
Passi loraceae Jaracatia Marcgr. ex Endl. iaraquatia 1 X -
Passi loraceae Passi lora sp. maracuia 1 X -
Passi loraceae Passi lora sp. maracuiahi 1 X -
Passi loraceae Passi lora sp. maraguomerim 1 X -
Passi loraceae Passi lora sp. maraquiaia 1 X -
Rubiaceae Genipa americana L. genipapo 1,3,4 X -
Solanaceae Capsicum sp. quiinha 1 X -
Indeterminada Indeterminado amingua 1 X -
Indeterminada Indeterminado ereitiuna 3 X -
Indeterminada Indeterminado tamotarana 1 X -
Indeterminada Indeterminado ubapeua 1 X -
Indeterminada Indeterminado vuaxainha 1 X -
Indeterminada Indeterminado yuambu 2 X -
Indeterminada Indeterminado ynambucaru 1 X -
Total 55 54 01

Da totalidade de plantas (n= 55) extraıd ́ as das referê ncias dire- aos estudos botâ nicos (NOGUEIRA, 2000).
tas contidas na obra de Cristó vã o de Lisboa, 87,27% (n= 48) foram Portanto, devido à s dificuldades encontradas por Cristó vã o de
identificadas botanicamente pelo menos ao nıv́el de gê nero, ou de Lisboa em descrever com maior riqueza de detalhes as espé cies
famıĺia, e, 12,73% (n=07) ficaram indeterminadas devido a poucos levantadas, e por nem todas as plantas foram retratadas na obra
elementos que pudessem levar a identificaçã o botâ nica de acordo em pranchas, acabou ocasionando complicadores para revelar a
com as normas nomenclaturais atuais. identidade botâ nica dentro dos crité rios cientıf́icos atuais.
Por ter sido, Cristó vã o de Lisboa, um religioso, nã o possuıá for- Em vista dessas especificidades, os estudos etnolinguıśticos se
maçã o em botâ nica, alé m do mais, na é poca que foi gerado os da- tornam importantes ferramentas no auxıĺio da identificaçã o
dos, o Brasil se encontrava totalmente sob o monopó lio portuguê s. botâ nica, notadamente em pesquisas utilizando de textos antigos
Desta forma, o acesso a obras que permitissem a identificaçã o da onde as regras botâ nicas nã o vigoram. Por outro lado, existe um
flora, era escasso. Esta situaçã o começou a se reverter a partir de complicador quando se recorre apenas aos estudos etnolinguisti-
1808 com a vinda da famıĺia real para o Brasil, e a abertura dos cos na identificaçã o botâ nica, pois na maioria das vezes, esses
portos à s naçõ es estrangeiras, com isso, vá rias expediçõ es cientı-́ nomes correspondem a um conjunto de espé cies com caracterıśti-
ficas envolvendo botâ nicos de naçõ es aliadas, permitiram avanços cas semelhantes, como por exemplo, no presente estudo, o timbó .

Biota Amazônia ISSN 2179-5746


Quanto à procedê ncia das espé cies, 98,18% (n= 54) das refe- A importâ ncia alimentıćia teve grande destaque entre os usos
rê ncias diretas foi constituıd́ a por espé cies nativas, e apenas 1,82% levantados (74%). Segundo Ramos (1971), vá rias frutas serviam 18
(n= 1) referê ncia constituıd ́ a por espé cie exó tica. A seguir, grá fico para a preparaçã o de cauim (bebidas fermentadas) como o

LINHARES, J. F. P. et al.
de Cristóvão de Lisboa
Etnobotânica histórica das plantas do Maranhão no século XVII baseada na obra
com distribuiçã o das frequê ncias das referê ncias diretas quanto à ananá s, banana, jenipapo, mangaba, jabuticaba, muito embora, a
origem (Figura 2). mandioca doce, uma raiz, fosse a preferida para a produçã o da
referida bebida.
2%
Por outro lado, as plantas tó xicas (6%), conhecidas generica-
Nativa mente como timbó tem importâ ncia na aquisiçã o de fontes de
Exó tica proteıń a animal. O processo de pesca por intoxicaçã o mediante
sumo de raıźes e caules dessas plantas, maceradas, socadas e
batidas n'á gua, tonteando os peixes, que sobem à tona e sã o
apanhados com a mã o (VERISSIMO, 1970 apud RIBEIRO, 1987).
98%
Conclusão
As plantas alimentıćias tiveram participaçã o destacada na obra
Figura 2. Origem das referê ncias diretas no sé culo XVII. / Figure 2. Origin of direct refe-
rences in the 17th century. de Cristó vã o de Lisboa. A mandioca (Manihot esculenta Crantz;
Euphorbiaceae) e os maracujá s (Passiflora spp.; Passifloraceae),
A pacoueira (Musa paradisiaca L.; M. sapientum L.; Musaceae), foram as espé cies mais conhecidas entre os indıǵenas da é poca. A
foi a ú nica espé cie exó tica catalogada na obra. E uma das plantas baixa ocorrê ncia de plantas exó ticas já era esperada, uma vez que a
mais antigas cultivadas pelo homem, originá ria da Asia, muito circulaçã o de plantas foi-se intensificando tempos mais tarde,
embora já houvesse registro de sua ocorrê ncia no sé culo XVI, no quando D. Joã o em 1808 instituiu o Jardim da Aclimaçã o. Por esse
Rio de Janeiro (HOHENE, 1937 apud RIBEIRO, 1987). motivo é que a manga (Mangifera indica; Anacardiaceae), fruteira
A baixa frequê ncia de referê ncias diretas citando plantas exó - das mais populares no Maranhã o, nã o foi mencionada na obra. Por
ticas já era esperada para o inıćio da colonizaçã o, uma vez que a fim, o nú mero total de plantas contidas na obra de Cristó vã o de
circulaçã o de plantas foi-se intensificando entre as colô nias Lisboa, foi abaixo do esperado para o Maranhã o, á rea de contato
portuguesas ao longo do tempo. A introduçã o de espé cies exó ticas entre os principais biomas brasileiros.
teve um incremento em 1808 quando D. Joã o instituiu o Jardim da
Aclimaçã o, que mais tarde passou a chamar-se de Real Horto, Jar- Referências Bibliográficas
dim Botâ nico do Rio de Janeiro, e por ú ltimo, Instituto de Pesquisas APOLINARIO, J. R. Plantas Nativas, indıǵenas coloniais: usos e apropriaçõ es
do Jardim Botâ nico do Rio de Janeiro, onde a noz moscada, câ nfora, da flora da Amé rica Portuguesa. In: Loreai Kury. (Org.). Usos e
manga, abacate e espé cies de palmeiras, foram as primeiras Circulação de Plantas no Brasil. 3ed. Rio de Janeiro: Kakobsson,
espé cies introduzidas (NOGUEIRA, 2000). Daı ́ justifica-se que no 2013, v. 1, p. 323.
AVILA-PIRES, F. D. Mamıf́eros descritos na Poranduba maranhense de frei
levantamento das plantas feito por Cristó vã o de Lisboa no sé culo Francisco dos Prazeres. Revista Brasileira de Zoologia, v. 9, p. 203-
XVII, nã o constar uma das frutas mais conhecidas e populares do 213, 1992.
Maranhã o, a manga (Mangifera indica L.; Anacardiaceae). BETTS, L. V. Dicionário Paritintin. Sociedade Internacional de
Das referê ncias diretas de origem nativa, teve destaque para as Linguıśtica/Departamento de Programas Linguıśticos, Cuiabá , p. 231.
variedades de mandioca (Manihot esculenta Crantz; Euphorbia- 1981.
ceae), sã o elas: iuruquo, mandioqua ata, mandioqua ati, mandou BRUMITT, R. K.; POWELL, C. E. Authors of Plant Names: a list of authors
aguoa, maquaxeira. A mandioca era e ainda é , a principal planta of scientific names of plants, with recommended standard forms of
cultivada pelos povos Tupi-Guarani e populaçõ es rurais, sendo à their names, including abbreviations. Royal Botanic Gardens, Kew, p.
732, 1992.
base da alimentaçã o, conheciam duas espé cies, doce e amarga
EDELWEISS, F. G. Estudos Tupis e Tupis-Guaranis: confrontos e
(Manihot dulcis e Manihot utilíssima) perfazendo 24 variedades revisões. Livraria Brasiliana Editora, Rio de Janeiro, p. 299, 1969.
(RAMOS, 1997). O “complexo mandioca” é para os Tupi-Guarani, o GESTERA, H. M. A Amé rica portuguesa e a circulaçã o de plantas Sé culos
equivalente ao “complexo do milho” para os ın ́ dios norte- XVI-XVIII. In: Kury, L. (Org.). Usos e Circulação de plantas no Brasil
americanos (RAMOS, 1997). Séculos XVI-XIX. 1 ed. Andrea Jakobson Estú dio Editorial Ltda., Rio de
As espé cies de maracujá s (Passiflora spp.; Passifloraceae), tam- Janeiro, 2013, 324p.
bé m eram relativamente bem conhecidas, haja vista reconhece- LEVI-STRAUSS, C. A ciê ncia do concreto, p.15-49. In: O pensamento selva-
rem vá rias espé cies: maracuia, maracuiahi, maraguomerim, gem. Editora Papirus, Campinas, 1989, p. 315p.
LISBOA, F. C. de. História dos animais e árvores do Maranhão. Arquivo
maraquiaia, perfazendo 4 espé cies.
Histó rico Ultramarino/Centro de Estudos Histó ricos Ultramarinos,
Nã o obstante, o colono portuguê s trouxe consigo há bitos ali- Lisboa, p. 735, 1967.
mentares e desde muito cedo foram introduzidos o cultivo de MEDEIROS, M. F. T. Etnobotânica histórica: princípios e procedimen-
legumes, verduras e frutas nã o apenas originá rios da Europa, mas tos. NUPEEA/Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia,
també m os cultivos já aclimatados ao continente, como a romã zei- Recife, p. 84, 2009.
ra, trigo, espé cies de laranjas, couves, limã o, salsaparrilha, abó bora, MELATTI, J. C. Índios do Brasil. Editora Hucitec, Brasıĺia/Instituto Nacio-
couve-flor, lentilha e bananas (GESTEIRA, 2013). nal do Livro. Ministé rio da Cultura, p 220, 1980.
Por outro lado, o colono portuguê s, incorporou ao seu há bito MIRANDA, V.C. Estudos sobre o Nhê engatú . In: Rodolfo Garcia. Exotismos
alimentar a mandioca, a batata doce e o milho da terra (GESTEIRA, franceses originários da Língua Tupi. Volume LXIV. Anais da
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, p. 307, 1942.
2013).
MISSOURI BOTANICAL GARDEN'S VAST (VAScular Tropicos) nomenclatu-
Quanto aos usos das referê ncias diretas, foram distribuıd ́ as em ral data base – W3 Tropicos. Disponıv́el em: http://mobot.mobot.org;
sete categorias de uso, como pode ser observado no grá fico a se- W3T/Search/vast.html. Acesso em: 28 de abril de 2017.
guir (Figura 3). NOGUEIRA, E. Uma história brasileira da botânica. Paralelo 15 – [Sã o
Paulo]: Marco Zero, [Brasıĺia], p. 255, 2000.
5% Alimentaçã o humana PEIXOTO, A. L.; Escudeiro, A. Pachira aquatica Aubl. (Bombacacae) na obra
6%
Construçã o “Histó ria dos Animais e Arvores do Maranhã o” de Frei Cristó vã o de
6% Lisboa. Rodriguesia, v. 53, p. 123-130, 2002.
Vestuá rio RAMOS, A. Introdução à antropologia brasileira: as culturas indígenas.
2% 5%
Corante Livraria-Editora Casa do Estudante do Brasil, Rio de Janeiro, p. 316,
2%
Utensıĺios 1971.
RIBEIRO, B. G. O ıń dio na cultura brasileira. Rio de Janeiro: Ed. Revan, p. 185,
Medicinal 1987.
74%
Tó xica SILVA, M. F. Nomes vulgares de plantas amazônicas. INPA, Belé m, p. 22,
1977.
Figura 3. Usos das referê ncias diretas no sé culo XVII. / Figure 3. Uses of direct references THE INTERNATIONAL PLANT NAMES INDEX – IPNI. http://www.ipni.org/
in the seventeenth century ipni/plantnamesearchpage.do. Acesso em: 28 de abril de 2017.

Biota Amazônia ISSN 2179-5746

Você também pode gostar