Interpretação Constitucional

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MÉTODOS E PROCESSOS DE INTERPRETAÇÃO

CONSTITUCIONAL
Guilherme Rodrigues

Erro de gráfica: faltando as págs. 146,147,150,151,154 e 155


148 M~TODOS E PROCESSOS DE INTE RPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

através de critérios científicos. KELSEN desmistifica a tentativa de se


encontrar uma fórmula única e infal ível de interpretação, dizendo o se-
guinte: "Não há absolutamente qualquer método - capazde ser classi-
ficado como de Direito positivo - segundo o qual, das várias significa-
ções verbais de uma norma, apenas uma possa ser destacada como 'cor-
reta' - desde que, naturalmente, se tratem de várias significações possí-
veis: possíveis no confronto de todas as outras normas da lei ou da or-
dem jurídica. (. . .) Todos os métodos de interpretação até hoje elabo-
rados conduzem sempre a um resultado apenas possível, nunca a um
resultado que seja o único correto" (ob. cit., p. 468).
3. A interpretação constitucional não foge aos princípios e métodos
da hermenêutica geral. No entanto, possui algumas características
próprias e que jamais podem ser esquecidas pelo hermeneuta, em face
da natureza especial da Constituição e sua posição ímpar na pirâmide
do ordenamento jurídico. .
A utilidade básica da interpretação constitucional traduz o ideal
de atualização do texto da Lei Maior em face de mudanças inevitáveis
da realidade a que ele se prende e à qual deve servir. PAULO BONAVI-
DES, citando SANTI ROMANO, afirma que o emprego da hermenêuti-
ca jurídica faz possível a alteração do sentido da norma constitucional,
sem necessidade de substitu í-Ia expressamente ou alterá-Ia pelas vias for-
mais da emenda constitucional (ob. cit., ps. 293 e 294). A tarefa da
substituição ou alteração pela via constituinte originária ou derivada
sempre é muito complexa e demanda extrema mobilização social e po-
I ítica.
Exemplo significativo desse processo de adaptação pela via herme-
nêutica é o sistema constitucional norte-americano, cuja Lei Fundamen-
tal possui quase 200 anos de existência e, ao longo desse tempo todo, ,I
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vem sendo adequada à real idade cotidiana através interpretação da Su- f,
prema Corte daquele pais.
Assim, mediante a interpretação de suas normas, as constituições I
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rígidas mantêm sua vida como instrumentos de progresso, segurança ~
e justiça social, amoldando-se naturalmente ao contexto nacional sobre
o qual se erigem. Ao contrário, a constituição que não sofra essesajus-
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tes acaba fossilizando-se no tempo e, fatalmente, termina desaparecen-
do vítima de brusco e violento choque revolucionário.
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11. COORDENADAS PECULIARES.

4. O Direito Constitucional é essencialmente um direito de conteúdo


político. Conquanto, sob o ponto de vista formal, a Constituição escrita
seja uma Carta jurídica, o que vem trazer certa segurança aos princípios
ali expressos, o seu conteúdo, assim como o seu ato de criação, são
eminentemente pol íticos.
O intérprete deve ter em conta certas peculiaridades inerentes às ~
normas constitucionais. Assim, independentemente do método ou
processo que utilize, certas premissas estarão constantemente atuantes
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e precisam ser consideradas. Tais premissas traduzem-se em coordena-


das de interpretação constitucional, que podem ser resumidas em: a)
inicialidade fundamental; b) conteúdo essencialmente pol ítico; c) lin-
guagem sintética e coloquial; d) rigidez formal; e} predominância de
normas de estrutura ou de organização - destinadas ao legislador.
5. A inicialidade fundamental impõe que os preceitos constitucionais
sejam tratados como de superior categoria hierárquica e fundamento
de validade para toda a ordem jurídica. Não sofrem, portanto, subordi-
nação a qualquer outro ramo do ordenamento e tampouco a qualquer
outra situação jurídica pretérita. Sob este prisma, as normas constitu-
cionais são a própria razão de ser das demais situações jurídicas.
6. O conteúdo essencialmente político da Constituição implica em
que suas normas, quer destinando-se à organização e controle do Poder,
quer estabelecendo e conferindo identidade aos direitos e garantias
individuais, devem ser interpretadas segundo essas finalidades. Isto faz
com que elementos assistemáticos incidam no processo de interpreta-
ção. Havendo conteúdo pol ítico ínsito à Lei Fundamental, é inevitável
que os aspectos ideológicos devam ser enfrentados pelo intérprete, se
este não quiser empreender atividade formal e estéril.
Compondo o mosaico político das constituições, inscrevem-se os
valores culturais, éticos, sociais e até morais, que sejam adotados por
um povo em determinada época de sua história. Tais fatores, de formu-
lação concreta na vida social, adquirem significado real e influem de
maneira decidida as relações e o processo pol ítico das sociedades, de-
vendo ser atendidos pelo intérprete.
7. Outro fator essencial, que influi como premissa, é a linguagem sin-
tética e coloquial do texto da Constituição. Sendo uma carta destinada
a todos os cidadãos, não pode vir vazada em termos de compreensão
estrita a um grupo de iniciados numa qualquer semântica especial; mas
deve apresentar - e na realidade apresenta - uma estrutura de sintaxe e
vernáculo comum e acessível aos padrões gerais da linguagem.
Por outro lado, na medida em que se destina a assentar os princí-
pios reitores de todo ordenamento jurídico, a Constituição não vai a
pormenores e, simplesmente, limita-se a apontar genérica, mas segura-
mente, os princípios maiores. Esse aspecto é enfatizado por CELSO R1-
SEI RO SASTOS e CARLOS AYRES DE SRITO, que afirmam: IIpreci-
puamente voltada para a indicação de fins a alcançar e deveres a cum-
prir (por parte dos órgãos e agentes públicos), a Lei Suprema costuma
omitir-se quanto à explicitação dos correspectivos meios. Daí a formu la-
ção da célebre doutrina cjos poderes impt ícitos, de matriz norte-ameri-
cana, que tem em Story um de seus qualificados arautos." (Interpreta-
ção e Aplicabilidade das Normas Constitucionais, ed. Saraiva, São Pau-
lo, 1982, p. 23). Além do exemplo citado, ainda na construção da juris-
prudência da Suprema Corte norte-americana, de formulação mais re-
cente que os poderes impl ícitos, temos os penumbral rights, dentre os
quais avulta o direito à privacidade. Exatamente considerando que a
linguagemconstitucional é genéricae não técnica, a Suprema Corte,
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legis, a mens legislatoris, enfim, a vontade da lei assim que ela nasce);
c) lógico (considera a vontade atual da norma, no momento em que ela
se vai aplicar, enfim, a ratio legis em contrapartida à occasiolegis, e a
mens legis em oposição à mens legislatoris).
O método lógico pode, ainda, ser decomposto em diversas varian-
tes, estando entre as mais significativas: a) sistemática (coerência da
norma com o sistema jurídico em que ela se inscreve); b) histórico-te-
leológica, evolutiva ou progressiva (a mais amplamente utilizada -
indaga a finalidade atual em face do momento presente da aplicação, le-
vando em conta a evolução da norma e aspectos sociais, pol íticos, éti-
cos, morais, ideológicos, etc.); c) voluntarista (atribu ída a KELSEN -
parte do pressuposto de que existe mais de uma alternativa ã inter-
pretação, todas limitada por uma moldura geral, que seria a norma. Ao
intérprete, segundo sua vontade, cabe escolher qual dos resultados pos-
síveis deve ~er aplicado); d) de direito-livre (.entregaao intérprete toda
discricionariedade, sem limites e absoluta, na fixação do conteúdo nor-
mativo) .
Como não exegéticos mencionem-se: a) Integrativo ou científico-
espiritual. Surgiu na Alemanha, durante este século, e sua formulação
deve-se a SMEND. Buscou uma reação aos padrões exegéticos manipula-
dos por juristas bismarckianos de modo formal-positivista. Parte do
pressuposto de que a Constituição há de ser interpretada como um todo
e de que o Direito Constitucional não pode ser decomposto num agre-
gado de normas e institutos isolados entre si e alheios à realidade. As-
sim, a partir da realidade da vida, da concretude da existência, compre-
endida pelo que tem de espiritual, através de um processo unitário, re-
novador da própria realidade, integra-se a norma no conjunto da Consti-
tuição (PAULO BONAVIDES, ob. cit., ps. 317 e ss.) Note~secomo tal
método possui inúmeros pontos de contato com o lógico-sistemático e
o progressivo. b) Concretização - Este método gravita em redor de
três princípios básicos: a norma que se vai concretizar, a compreensão
prévia do intérprete e um problema concreto a ser resolvido. Onde hou-
ver obscuridade, o intérprete virá determinar o conteúdo material da
Constituição, examinado-o diante de um problema concreto e a partir
de uma compreensão prévia e não arbitrária. Assim, para esse método,
a Constituição não é um sistema hierárquico-axiológico (segundo os in-
tegrativistas) e nem lógico-axiomático (para os positivistas), mas deve
ser ater ao princ ípio da estabilidade social, que será garantida pela sa-
tisfação das necessidades institucionais, pol íticas, sociais, ideológicas,
etc., através do processo de interpretação da Lei Fundamental. A cada
momento a solução necessária e adequada será concretizada, segundo
este método (PAULO BONAVIDES, ob. cit., p. 321 e ss.).
Estes dois últimos métodos surgiram na Alemanha, durante este
século, para corrigir os excessos do esp írito positivista, que não hesita-
va em sacrificar as mais profundas realidades sociais e pol íticas no al-
tar do exercício dogmático de uma lógica fria de dissecação formal da
Constituição, como se o substrato nacional nada significasse.
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14. Seja, afinal, qual for o método ou processo hermenêutico utiliza-


do, deve-seter em conta que atitudes excessivamenteliberais de inter-
pretação, em matéria constitucional, podem levar ao autoritarismo do
intérprete, que passaria, em tais casos, a agir como se o próprio poder
constituinte originário lhe pertencesse, isto é, sem conhecer limite
algum. Tal colocação afronta o princípio de segurança que deve inspi-
rar a tarefa de aplicação das normas jurídicas. Nesse caso aberrante,
estaríamos diante de nítida usurpação de funções por parte de tal es-
pécie de hermenêutica discricionária.
O reverso da moeda também é válido. Uma dogmática e um for-
malismo excessivos inibiram a evolução e necessária adaptação do texto
constitucional ao progresso e câmbio social. Em decorrência, a Lei
Fundamental seria logo transformada em documento antiquado e opres-
sor, constituindo-se em relicário, cuja teimosia em não se atualizar ou
abrir espaço para a demanda da evolução, terminaria desestabilizando
toda a ordem jurídica, que fatalmente sofreria um golpe revolucionário.
15. Caso o resultado da atividade de interpretação iguale-se ao signifi-
cado Iiteral da norma, diz-se que a interpretação é declarativa, quanto
à sua extensão. OJando for ampliado, fala-se em interpretação extensi-
va; quando diminuido, será restritiva. Se o significado literal for negado
pela interpretação, ela será conceituada como ab-rogàhte.
Em matéria constitucional admitem-se resultados declarativos, ex-
tensivos e restritivos. A ab-rogação de normas constitucional pela via
hermenêutica, em princ ípio, não é poss ível. Para tanto, o intérprete te-
ria de estar investido por poderes constituintes originários,pois só a tal
Poder é dado revogar seus atos. Assim, para os sistemas de constitu ições
rígidas, pelo menos, não se admitiria esse modo de ab-rogação. Somente
quando a norma apresentasse visível e flagrante contradição com ó res-
tante da própria Constituição é que poderia se admitir sua ab-rogação.
Neste caso, o intérprete não estaria exercendo poder constituinte origi-
nário, mas declarando uma impossibilidade colocada pelo próprio cons-
tituinte, ou seja, a insubsistência de preceito contraditório ao resto do
Diploma. Mas a admissão de tal hipótese leva a supor que o constituinte
originário possa ser v ítima de contradição.
16. Retidão e certeza do direito são aspectos que devem ser atendidos
por uma correta hermenêutica. Assim, o intérprete deve considerar a
busca do sentido mais justo e oportuno da norma (retidão) e zelar para
que o resultado de seu ato mantenha uniformidade e eqüidade com as
aplicações anteriores do direito (certeza). Uniformidade que não signi-
fica identidade, o que transformaria o direito em algo estático e imutá-
vel, mas que tem o sentido de coerência e segurança, que se antepõe às
mutações bruscas do arb ítrio inaceitável.
17. Há duas vertentes fundamentais em matéria hermenêutica. A pri-
meira consiste na interpretação que cria direito, isto é, aquela processa-
da por órgão encarregado da aplicação das normas. E a outra, aquela
que não cria dirieto, ou seja, as análises e conclusões da ciência do di-
reito, da doutrina, e a interpretação que cada indivíduo dá às normas
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156. Mt:TODOS E PROCESSOS DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

tampouco, entendida quanto aos direitos e garantias individuais que a


Carta assegura e admite, expl ícita e implicitamente.
21. Outro problema é saber se existe um costume constitucional e se
ele pode ou não ser aplicado em se tratando de interpretação constitu-
cional. GEORGES BU RDEAU responde afirmativamente, mas não ad-
mite que o costume possa derrogar o texto ou sobrepor-se ao mesmo.
O autOf acrescenta que o reconhecimento do costume é importante e
será muito útil IIpour ajouter à un texte insuffisant ou POur I'interpré-
ter, mais non POur le corrigier". (Droit Constitutionnel et Institutions
Politiques, ed. L. G. D. J., Paris, 1980, p. 66).
22. A solução das lacunas no texto da Lei Maior demanda o concurso
da hermenêutica constitucional. Com efeito, neste campo influem deci-
didamente os processos de interpretação, já que os claros eventuais da
Carta Magna não podem ser resolvidos por elementos jurídicos infra-
tconstitucionais, dada a inicialidade da Lei Maior sobre o restante do or-
denamento jurídico. Não procede, tampouco, que o constituinte origi-
nário, ao não inscrever certa matéria no texto constitucional, tenha-na
deixado para os níveis do legislador ordinário ou constituinte derivado.
Isto pode acç>ntecer,mas não se dá necessariamente. O exemplo do con-
trole da constitucionalidade das leis pela Suprema Corte norte-america-
na é caso típico. Esse poder não estava expresso na Constituição e tam-
pouco em qualquer de suas emendas (situação que persiste até hoje). !
No entanto, ele vem sendo exercido desde 1803, o que reforça a idéia I
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