5 NICOCELI Vanessa. Entre Planos Viagens e Projetos Idealizacao de Uma Colonia - 1846-1850 PDF

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 50

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

VANESSA NICOCELI

HERMANN BLUMENAU: UMA EXPERIÊNCIA DE COLONIZAÇÃO EM SANTA


CATARINA (1846-1884).

CURITIBA
2014
VANESSA NICOCELI

HERMANN BLUMENAU: UMA EXPERIÊNCIA DE COLONIZAÇÃO EM SANTA


CATARINA (1846-1884).

Dissertação apresentada como requisito


parcial à obtenção do grau de Mestre em
História, no curso de Pós-Graduação em
História, Setor de Ciências Humanas,
Universidade Federal do Paraná.

Orientadora: Profa. Dra. Joseli Maria Nunes


Mendonça

CURITIBA
2014

2
Catalogação na publicação

Fernanda Emanoéla Nogueira – CRB 9/1607

Biblioteca de Ciências Humanas e Educação - UFPR

Bull, Vanessa Nicoceli

Hermann Blumenau : uma experiência de colonização em Santa Catarina


(1846 -1844) / Vanessa Nicoceli Bull – Curitiba, 2014.

205 f.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Joseli Maria Nunes Mendonça

Dissertação (Mestrado em História) – Setor de Ciências Humanas da


Universidade Federal do Paraná.

1. Blumenau (SC) - Colonização - História. 2. Blumenau, Hermann Bruno


Otto, 1819-1899. 3. Migração - História - Santa Catarina. I.Título.

CDD 981.642

3
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 15

1 ENTRE PLANOS, VIAGENS E PROJETOS: IDEALIZAÇÃO DE UMA COLÔNIA – 1846-


1850 ...................................................................................................................................................... 28

1.1 “Um ou dois pares de meia de seda novos” para os negócios no Brasil. ....................... 28

1.2 A imigração e colonização alemã no Brasil: a “causa” de Sturz e Blumenau ................ 33

1.3 Brasil e Hamburgo: os “negócios” de Hermann Blumenau ............................................... 42

1.4 Para a emigração e colonização no Brasil: que haja “muito dinheiro” ............................ 49

1.5 O Brasil e os “caminhos abertos” para Hermann Blumenau ............................................ 53

1.6 Os termos de um projeto de colonização e sua aplicabilidade no sul do Brasil. ........... 61

1.7 “Aos pés do túmulo” de um projeto de colonização em Santa Catarina ......................... 66

2 UMA COLÔNIA PARTICULAR – 1850-1860 .............................................................................. 74

2.1 A província de Santa Catarina e as vantagens para negócios e colonização ............... 74

2.2 Nenhum real em moeda, mas um monte de terras ............................................................ 79

2.3 Um empreendimento particular: Blumenau & Hackradt no Vale do Itajaí. ...................... 85

2.4 Negociação e influência na distribuição de lotes coloniais ............................................... 90

2.5 Cartas, artigos e livros para atração de colonos ................................................................. 98

2.6 Para arregimentar “peixes mais gordos” ............................................................................ 107

2.7 Jornaleiros, empregados e proprietários............................................................................ 111

2.8 Escravos: trabalhadores “necessários” .............................................................................. 117

2.9 Empréstimos e dívidas: que o governo tome o negócio em suas mãos....................... 125

3 A COLÔNIA PÚBLICA IMPERIAL – 1860 -1882 ...................................................................... 132

3.1 Agora, quem “rege” é o Império ........................................................................................... 132

3.2 “Maneiras” e “práticas” da diretoria na Colônia Blumenau .............................................. 138

3.3 Nos cargos e funções, que permaneçam os mesmos nomes ........................................ 148

3.4 O “último sinal de vida” de um Conselho de Colonos ...................................................... 156

13
1 ENTRE PLANOS, VIAGENS E PROJETOS: IDEALIZAÇÃO DE UMA COLÔNIA –
1846-1850

Entre 1846 e 1850, Hermann Blumenau permaneceu no Brasil, onde buscou


estabelecer relações com autoridades brasileiras que o ajudassem a realizar seus
planos, mantendo-se em contato com políticos e empresários na Europa. Seu
interesse maior era se envolver com um empreendimento de imigração e
colonização alemã no país. Neste capítulo tratarei dos planos e estratégias de
Hermann Blumenau em relação à imigração e colonização, retomando sua atuação
tanto nos negócios do transporte de imigrantes quanto no projeto para criar um
núcleo colonial no sul do Império brasileiro.

1.1 “Um ou dois pares de meia de seda novos” para os negócios no Brasil.

Hermann Bruno Otto Blumenau, nascido na cidade de Hasselfelde, então


ducado de Brunswick25 na Alemanha, tinha 27 anos quando chegou ao Brasil pela
primeira vez em meados de 1846. Seu primeiro destino foi a cidade de Rio Grande,
na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, onde pôde observar a situação da
imigração e colonização alemã na região. Este seu interesse não era recente. Desde
184226, quando trabalhava como farmacêutico na cidade de Erfurt,27, ele fizera
contatos com intelectuais e políticos na Europa, entre ele os naturalistas Alexander
von Humboldt, Johann Friedrich Theodor Müller28 e Karl Friedrich Philipp von
Martius,29 que despertaram nele as ideias de emigrar.30

25
O ducado de Brunswick fazia parte da confederação alemã conforme estabelecido pelo Congresso
de Viena após a guerra de libertação da França (1813-1815). Cf: SEYFERTH, Giralda. A colonização
alemã no Vale do Itajaí Mirim. Porto Alegre: Garibaldi, 1974, p. 18.
26
AHJFS. BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta a Sturz, 29 de março de 1844”. In: VOIGT, André
F. Cartas reveladas..., p. 34.
27
Segundo Kiefer, neste período, o farmacêutico havia concluído seu estudo em Erfurt, e trabalhava
no Instituto Farmacêutico Hermann Tromsdorff. KIEFER, Sabine. Dr. Hermann Blumenau – Vida e
Obra. In: FERREIRA, Cristina; PETRY, Sueli Maria Vanzuita (Org). Um alemão nos trópicos: Dr.
Blumenau e a Política Colonizadora no Sul do Brasil. Blumenau: Cultura em Movimento, 1999, p. 27.
28
Johann Friedrich Theodor Müller, naturalista, doutor em filosofia e com grande atenção pela flora e
fauna, era natural de Windischholxhausen, aldeia na Turíngia, próxima a cidade de Erfurt, onde
Blumenau havia trabalhado em uma indústria de produtos químicos. Müller imigrou para a colônia

28
Parece que, em meio à influência de pessoas com quem se relacionou, seu
interesse pelo assunto da migração e colonização alemã foi somado à ideia de viajar
ao Brasil e acompanhar de perto seu desenvolvimento. O vínculo mais significativo
decorreu da relação estabelecida em uma viagem à Inglaterra e França em 184431
com o Cônsul Geral do Brasil na Prússia Johann Jacob Sturz,32 que declaradamente
apoiava a emigração alemã para as províncias do sul do Império.33 De acordo com
alguns biógrafos de Blumenau, foi por aconselhamentos do cônsul que ele
completou os estudos e doutorou-se na Universidade de Erlangen34 e passou a se
dedicar ao estudo da migração estrangeira, principalmente alemã, para o Brasil.35
Johann Jacob Sturz afirmou que o “jovem senhor Blumenau” havia
expressado interesse por informações sobre o assunto em um encontro em 1844 em
Londres, mas, além de registrar que Blumenau era “meio surdo e muito míope”,
considerou que ele ainda carecia de experiência nos “negócios transatlânticos”. Por
isto, como indicou, havia recomendado ao jovem farmacêutico que estudasse mais
sobre migração e assentamentos, em livros e brochuras, inclusive em seus próprios
escritos; também incentivou Blumenau a empreender uma viagem ao Brasil e para

dirigida por Blumenau em 1852. In: ZILIG, Cezar. Dear Darwin: a intimidade da correspondência entre
Fritz Müller e Charles Darwin. São Paulo: Sky/Anima Comunicação e Design, 1997.
29
SILVA, Jose Ferreira. História de Blumenau. 2. Ed. Blumenau: Fundação Casa Dr. Blumenau, 1988,
p. 26.
30
VOIGT, André Fabiano (Org). Cartas reveladas: a troca de correspondências entre Hermann
Blumenau e Johann Jacob Sturz. Blumenau: Cultura em Movimento, 2004, p. 18-19.
31
Segundo Kiefer, neste período, o farmacêutico havia concluído seu estudo em Erfurt, e trabalhava
no Instituto Farmacêutico Hermann Tromsdorff. KIEFER, Sabine. Dr. Hermann Blumenau – Vida e
Obra..., p. 27.
32
KORMANN, Edith. Blumenau, arte, cultura e as histórias da sua gente (1850-1985). Florianópolis:
Paralelo 27, 1994, p. 13.
33
Johann Jacob Sturz foi nomeado Cônsul do Brasil na Prússia em 1842. VOIGT, André F. Cartas
Reveladas..., p. 17.
34
A bibliografia consultada diverge sobre o período em que Hermann Blumenau cursou o doutorado
na Universidade de Erlangen. Alguns autores afirmam que foi em 1844, após recomendações do
Cônsul Johann Jacob Sturz. Segundo Kiefer, Blumenau matriculou-se no curso de doutorado em
Química em 1842, sem mencionar a influência de Sturz para esta escolha e teria tido acesso ao
diploma antes de viajar ao Brasil em 1846. Cf.: VOIGT, André F. Cartas reveladas...; SILVA, O Doutor
Blumenau; SILVA, História de Blumenau; BLUMENAU, Cristina. O Doutor Hermann Blumenau: um
colonizador alemão no Brasil. Blumenau em Cadernos, Tomo I, n. 5, mar, 1958; FOUQUET, Karl. Dr.
Hermann Bruno Otto Blumenau – Vida e Obra. Blumenau em Cadernos, Tomo 39, n. 10, out, 1999.
Cf.: KIEFER, Sabine. Dr. Hermann Blumenau – Vida e Obra...; Zimermann, por sua vez, acrescenta
que Blumenau conheceu Sturz em 1842, e a partir de suas recomendações concluiu o curso de
doutorado. Cf.: ZIMMERMANN, Tânia Regina. Johann Jacob Sturz e a Nova Alemanha nos Trópicos.
Dissertação de Mestrado. Programa de Pós Graduação da Universidade Federal de Santa Catarina.
Florianópolis, 2001.
35
SILVA, José F. O Doutor Blumenau..., p. 16.

29
isso o ajudaria, com recomendações que ele poderia apresentar a autoridades
brasileiras, como o Embaixador do Brasil na Prússia, Visconde de Abrantes.36
Apesar da inclinação de Blumenau por assuntos que envolvessem o
desenvolvimento da migração alemã e o processo de colonização, ele não recebeu
apoio financeiro nem aprovação dos pais para a viagem à América. Ele claramente
discordava da opinião de seus familiares sobre sua ida ao Brasil, pois declarou a
Sturz que enfrentava muitas “tormentas” em sua família devido a essa decisão. Do
pai, Karl Friedrich Blumenau,37 recebia “ameaças”, e de sua mãe, Christiane Sophie
Kegel, “pedidos”38 para que abandonasse seus planos de atravessar o oceano e
envolver-se com qualquer projeto de imigração e colonização. Apesar da oposição
da família, ele continuou com a ideia e em meados de 184639 viajou ao Brasil.
Hermann Blumenau tinha o propósito de trabalhar, se fosse necessário, como
químico, farmacêutico, ou até mesmo como professor no Rio de Janeiro.40
Certamente, estas áreas eram de interesse a Blumenau, pois Sturz afirmou que ele
havia decidido transferir-se para o Brasil para atuar como farmacêutico, e que
aproveitaria para apresentar suas ideias e posições sobre a imigração.41 Ele
projetava “fazer e ganhar” em sua área profissional durante sua estadia no Brasil,
pois considerava que em uma “terra tão rica”, havia carência de mão de obra nestes
setores. Em sua profissão, ele poderia viabilizar meios de encontrar lucros,42 como,
por exemplo, no investimento em uma fábrica de sabão na cidade de Rio Grande,
que poderia lhe garantir êxito profissional no Brasil.43

36
Texto escrito por Johann Jacob Sturz como capítulo do seu livro intitulado Die Deutsche
Auswanderung und die Verschleppung deutscher Auswanderer, em que reproduz as cartas que
Hermann Blumenau havia lhe enviado desde 1844. Cf: STURZ, Johan Jacob. “Os extratos das cartas
do Dr. Blumenau”. In: VOIGT, André F. Cartas reveladas..., p. 28.
37
O pai Karl Friedrich Blumenau era “Couteiro-Mor” Chefe das Guardas da Florestas e Minas do
Ducado. Cff: SILVA, José Ferreira. O Doutor Blumenau..., p. 13.
38
BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta a Sturz, Londres, 29 de março de 1844”. In: VOIGT,
André F. Cartas reveladas..., p. 32.
39
SILVA, J. F. O Doutor Blumenau..., p 16.
40
Antonio S. Mangrich considera que Hermann Blumenau foi um dos primeiros profissionais da
química a atuar no Brasil, tendo vindo ao Brasil em 1846 especialmente para assumir as cadeiras de
química e mineralogia no Rio de Janeiro. Objetivo que não foi concretizado. Cf: MANGRICH, Antonio
S. Presença química na implantação e desenvolvimento de um projeto de colonização durante o II
Império, da história de Blumenau – SC. In: Química Nova. 14 (1). 1991, p. 68 - 70.
41
STURZ, Johan Jacob. “Os extratos das cartas do Dr. Blumenau”. In: VOIGT, André F. Cartas
reveladas..., p. 28.
42
AHJFS. BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta a Götter, Rio de Janeiro, agosto de 1846”. Carta
07. Doc. 01 – 2.3.4.1.1, p. 29-32.
43
AHJFS. BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta a Götter, Rio de Janeiro, agosto de 1846”. Carta
07. Doc. 01 – 2.3.4.1.1, p. 29-32.

30
Desta forma, Hermann Blumenau tinha a intenção de se vincular à área da
farmácia e da química como uma alternativa para alcançar “sustento” no Brasil.44
Esta possibilidade de trabalho era uma de suas estratégias de atuação no país para
o qual pretendia se dirigir. Em uma carta de abril de 1846, ele comentou que havia
recebido o conselho do comerciante Friedrich Gültzow, que havia morado vários
anos na Bahia, onde exerceu função de cônsul hamburguês,45 de que se acaso não
fosse “bem sucedido” com a colonização, ele poderia seguir para a Bahia, ou ficar
no Rio de janeiro, para trabalhar em uma farmácia.46 Mesmo com planos
profissionais, parece que seu objetivo principal de era atuar nas atividades de
colonização.
A viagem de Blumenau ao Brasil teve início na cidade de Hamburgo, onde
permaneceu por alguns dias antes de embarcar. A experiência parece ter sido
agradável, pois ele lamentou não ter tido a oportunidade de permanecer na cidade
“pelo menos por um ano”, considerando que aprendeu muito no curto período em
que ali ficou.47 Porém, era com a viagem que parecia estar mais entusiasmado;
muito mais do que no trabalho na área da química ou farmácia, ele “tinha grandes
esperanças no Brasil”, em especial no desenvolvimento da imigração e colonização
alemã no Império, pois considerava que, caso ela “entrasse bem”, ou seja,
alcançasse êxito e se desenvolvesse, estaria garantido no negócio. Além disso,
demonstrou possuir expectativas e planos para o período que permaneceria no
Brasil, entre eles, estava o de comprar “um ou dois pares de meias de seda novas”,
para serem usadas com sapatos e causarem boa impressão nos futuros encontros
de negociação que empenhava fazer.48
Hermann Blumenau seguiu ao Brasil depois de firmar contatos que exerceram
alguma influência em sua decisão. Provavelmente os conselhos sobre o

44
KIEFER, S. Dr. Hermann Blumenau – Vida e Obra..., p. 29.
45
Segundo Richter, no período da criação da Companhia Adolph Schramm estava estabelecido em
Maroim, no Sergipe, mas deveria viajar para a corte pelos objetivos da Sociedade. RICHTER, K. A
fundadora Joinville..., p. 80. RICHTER, Klaus. Os primórdios da colonização sistemática alemã em
Santa Catarina – 1846-848. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina. 3°fase.
n.23, 2004, p 12.
46
AHJFS. BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Cartas aos pais, Navio Johannes, no Rio Elbe entre
Glueckstadt e Cuxhaven, 6 de abril de 1846. Carta 02. Doc. 01 – 2.3.4.1.1, p. 07-08.
47
AHJFS. BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta aos pais, Hamburgo, 30 de março de 1846”.
Carta 01. Doc. 01 – 2.3.4.1.1, p. 04-06.
48
AHJFS. BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta aos pais, Navio Johannes, no Rio Elbe entre
Glueckstadt e Cuxhaven, 6 de abril de 1846”. Carta 02. Doc. 01 – 2.3.4.1.1, p. 07-08.

31
comportamento que deveria ter e a vestimenta que deveria usar, ou sobre a área
profissional que poderia lhe garantir rendimentos, foram sugeridos pelas pessoas
que também lhe disponibilizaram algum dinheiro e cartas de recomendação, para os
contatos com autoridades no Brasil.49 Estas condições permitiam a Blumenau
possuir alguma segurança quanto às suas possibilidades em território brasileiro;
recebia cartas, livros e textos circulares de Johann Jacob Sturz que neste período
exercia a função de Cônsul, além das recomendações do Embaixador Visconde de
Abrantes.50
Ele se baseava nas relações que havia estabelecido com autoridades, tanto
em Berlim quanto em Hamburgo, que conheciam e sabiam sobre o Brasil e, assim,
podiam orientá-lo em seus primeiros passos em terras por ele desconhecidas.51 Até
mesmo suas acomodações ou hospedagem para o período em que estivesse na
cidade do Rio de Janeiro estavam garantidas por meio de uma troca de favores com
um comerciante, que lhe retribuiu com abrigo, o fato de Hermann ter trazido consigo
as cartas do irmão.52
Provavelmente por influência do Cônsul Sturz, quando de sua passagem por
Hamburgo, fez contatos com pessoas que haviam estado no Brasil, e que
mantinham vínculos comerciais efetuados pelo porto de Hamburgo, como Gültzow;
de quem ele comentou sua satisfação em ter conhecido, e recebido suas
“recomendações e conselhos”.53 O período em que conviveu com o comerciante foi
importante para que Blumenau considerasse satisfatória sua permanência em
Hamburgo e intensificasse seu entusiasmo pela viagem. Em uma carta que
escreveu aos pais em 1846, comentou que havia conversado também com a esposa
do Senhor Gültzow, e a senhora havia feito comentários sobre as maravilhas da
“terra e do clima”, vindos de sua experiência de vida na América.54

49
AHJFS. Hermann Bruno Otto. “Carta aos pais e parentes, Navio Johannes, no Rio Elbe entre
Glueckstadt e Cuxhaven de 6 de abril de 1846”. Carta 02. Doc. 01 – 2.3.4.1.1, p. 07-08.
50
RICHTER, Klaus. Os primórdios da colonização..., p 12.
51
Sturz havia trabalhado no Brasil em 1831 como funcionário de uma empresa de mineração de ouro
de Londres. Cf: VOIGT, André F. Cartas Reveladas..., p. 13.
52
AHJFS. BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta aos pais, Hamburgo, 30 de março de 1846”.
Carta 01. Doc. 01 – 2.3.4.1.1, p. 04-06.
53
AHJFS. BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta aos pais, Navio Johannes, no Rio Elbe entre
Glueckstadt e Cuxhaven, 6 de abril de 1846”. Carta 02. Doc. 01 – 2.3.4.1.1, p. 07-08.
54
AHJFS. BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta aos pais, Hamburgo, 30 de março de 1846”.
Carta 01. Doc. 01 – 2.3.4.1.1, p. 04-06.

32
Desta forma, quando seguiu ao Brasil, Blumenau já havia buscado se instruir
sobre as possibilidades dos negócios relativos à imigração e à colonização alemã no
Império, se dedicando a estudar o tema, e buscando criar vínculos com autoridades
políticas e econômicas ainda na Europa. Ele não se jogava em uma aventura
desamparado; os contatos que estabeleceu poderiam lhe garantir as expectativas
que tinha na concretização dos seus planos. Certamente a influência do Cônsul
Sturz, neste caso foi significativa.

1.2 A imigração e colonização alemã no Brasil: a “causa” de Sturz e Blumenau

Parece que, de fato, Jacob Sturz influenciou a formação das principais ideias
que Hermann Blumenau possuía sobre o processo da imigração e colonização
alemã no Brasil, pois a projeção de sua atuação nesta área se baseou, em grande
medida, na produção intelectual e posicionamento ideológico do Cônsul. Segundo
Voigt, Johann Jacob Sturz se envolveu com os assuntos da migração a partir de
1842, quando foi nomeado Cônsul do Brasil na Prússia. O cônsul se interessava
especialmente pela emigração alemã para as províncias do sul do Brasil, e
elaborava textos - publicados no Brasil, Londres e nos Estados alemães - em que se
posicionava contra a instituição da escravidão, e colocava a migração alemã como
alternativa inicial para a abolição. Em 1845 publicou as Ideias de uma sociedade
para a proteção e apoio aos imigrantes alemães no sul do Brasil. Neste texto, Sturz
reforçava a ideia de estabelecer ligações comerciais entre os Estados alemães e as
colônias de imigração alemã no Brasil.55 Sturz possuía um projeto que chamava de
“Nova Alemanha nos trópicos”,56 que previa a instalação de colonos imigrantes
alemães em empreendimentos coloniais na região sul do Brasil, com condições
climáticas e geológicas que correspondessem às da “velha pátria alemã”.57Para o
cônsul, o desenvolvimento da colonização alemã no Brasil seria uma forma de
combater o tráfico de trabalhadores escravos no país. A questão da propriedade de
terras, segundo ele, seria “condição básica” no objetivo, que primeiramente seria de

55
VOIGT, André F. Cartas reveladas..., p. 17.
56
Sobre o projeto da “Nova Alemanha nos Trópicos” e especificidades biográficas de Johann Jacob
Sturz. Cf: ZIMERMANN, Johann Jacob Sturz e a Nova Alemanha nos Trópicos...
57
VOIGT, André F. Cartas reveladas..., p. 17.

33
“quebrar” o contrabando de escravos para depois seguir para a abolição da
escravatura.58
Segundo as ideias de Sturz, a regulação da propriedade fundiária pelo
governo brasileiro59 seria o meio de alterar a situação: incentivaria a imigração e
teria como consequência o fim da escravidão. Blumenau demonstrou compartilhar
das ideias do cônsul sobre a colonização no Brasil ao comentar sobre a
possibilidade promissora de colonizar o Uruguai, pois se tratava do país “feito para
se tornar a Nova Alemanha”, atribuindo ainda, um tempo de dez anos para promover
uma grande colonização que abrangeria Rio Grande e Entre Rios na Província do
Rio Grande do Sul.60 Com isso, a ideia compartilhada entre os dois era de incentivar
e proporcionar a imigração alemã para a constituição de núcleos de colonização no
sul do Brasil. O ideal de desenvolver este projeto é constantemente tratado por Sturz
como “causa”, termo que Blumenau utilizou posteriormente em textos com que
apresentou sua própria proposta.
A ideia do projeto “Nova Alemanha no Brasil” ou a “causa” da imigração e
colonização alemã, para Seyferth, “pode conter o ideal nacionalista”, por estar
relacionado ao objetivo de fundar uma “pátria alemã” como uma construção
simbólica de “pertencimento nacional etnizado”, bastante comum em escritos de
outros alemães que estiveram no Brasil durante o século XIX.61 Contudo, o período
em questão é anterior a 1870, quando se intensificou a formação de ideais políticos
com base na etnicidade - no caso germânico. É provável que o ideal de Sturz e
Blumenau, estivesse mais próximo da sugestão do Cônsul Suíço na Bahia Augusto
Decosterd, que mencionou objetivos semelhantes em um relatório para a Sociedade
Suíça de imigração em 1845:

58
STURZ, Johann Jacob. “Os extratos das cartas do Dr. Blumenau”. In: VOIGT, André F. Cartas
reveladas..., p. 27.
59
Voigt parafraseando Canstatt, afirma que Johann Jacob Sturz desde 1846, teria contribuído com o
governo brasileiro, para a elaboração da Lei de Terras de 1850 (Lei n° 601). Cf: VOIGT, André F.
Cartas reveladas..., p. 18.
60
BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta a Sturz, agosto de 1846”. In: VOIGT, André F. Cartas
reveladas..., p. 39.
61
A autora analisa a palavra “Heimat” e considera que “seu conteúdo identitário remete à
especificidade cultural e linguística possível de cultivar/ manter em qualquer lugar”. A palavra deriva
de “Heim” (lar), “supondo que a pátria é aquele lugar onde alguém vive”. Cf.: SEYFERTH, Giralda. O
Vale do Itajaí e a política Imigratória do Império. Blumenau em Cadernos. Edição especial 50 anos.
Tomo XLVIII. Nov/Dez. n° 11-12, 2007, p. 79.

34
Quando se quer estabelecer uma colônia deve-se ter em vista dois objetos,
isto é, a sua fundação e a sua conservação. Deve ser um grande
estabelecimento nacional, que possa formar mais tarde uma província, não
com a ideia de querer fundar um Estado independente, mas com a de pôr-
62
se em condição de resistir á injustiças.

O cônsul suíço considerou como um aspecto importante para a colonização


suíça, uma característica bastante frisada pela “causa”: o local privilegiado para a
formação de colônias “nacionais”, ou seja, constituídas por imigrantes procedentes
da mesma região. Considerando o período de crise política e econômica que atingia
os Estados Alemães, é provável que o “caráter nacional” se referia à busca de
condições aos habitantes de liberdade política ou até mesmo justiça social.
Segundo Seyferth, no final da década de 1840, período em que Sturz se
posicionou pela colonização alemã e Blumenau se empenhou em viajar ao Brasil
buscando trabalhar neste objetivo, foram enviadas várias propostas de colonização
em caráter particular ao governo imperial, muitas delas mencionando a formação de
colônias baseadas na migração de determinadas regiões da Europa. Os motivos
estão ligados à tramitação da lei de terras de 1850 em votação no parlamento e pelo
interesse na fundação de novas colônias por meio dos incentivos do governo. 63
Ainda conforme a autora, a formação de colônias estrangeiras no sul do Brasil era
preocupação de todos envolvidos no processo.64
O cônsul Decosterd demonstrou tal inquietação, ao afirmar temer as
“injustiças” que os brasileiros poderiam acometer aos imigrantes, diante do
desenvolvimento favorável de colônias estrangeiras.65 Blumenau também afirmou
que o tema deveria ser tratado com maior cautela no Brasil, pois se tratava de um
assunto “sensível” por “causar desconfiança” entre os brasileiros.66 A preocupação
não parecia ser gratuita, pois o princípio de restringir a colonização dos núcleos a
imigrantes da mesma origem repercutiu opiniões contrárias. O comerciante de
Hamburgo, Adolph Schramm, que trabalhava para uma companhia de imigração e

62
DECOSTERD, Augusto. “Carta a Sociedade de Imigração Suíça – Relatório da Sociedade 1845”.
In: ABRANTES, Visconde de. Memórias sobre o meio de promover a colonização. Revista de
Imigração e Colonização. Ano II, n. 2/3, 1941, p. 876.
63
SEYFERTH, , Giralda. O Vale do Itajaí e a Política..., p. 79.
64
SEYFERTH, , Giralda. O Vale do Itajaí e a Política..., p.80.
65
DECOSTERD, Augusto. “Carta a Sociedade de Imigração Suíça – Relatório da Sociedade 1845”.
In: ABRANTES, V. Memórias sobre o meio de promover a colonização..., p. 876.
66
BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta a Sturz, Rio de Janeiro, 15 de agosto de 1846”. In:
VOIGT, André F. Cartas reveladas..., p. 37.

35
colonização daquela cidade, negociando com o governo brasileiro no Rio de
Janeiro,67 fez as seguintes considerações sobre a proposta de Blumenau:

É um desses projetos visionários do Sturz, que como todos os seus


anteriores, só poderá resultar em desfecho lamentável para os acionistas
(...). Ele é um homem [Blumenau] bom e honesto, porém um daqueles
entusiastas, cujo sonho principal é de introduzir 200 mil alemães na
província fronteiriça do Rio Grande do Sul e em seguida jogar fora os
68
brasileiros, criando uma república modelo para demagogos alemães.

O comentário de Schramm indica que as ideias de Blumenau eram vinculadas


ao cônsul Sturz, e não obtinham apoio dentre os envolvidos no processo de
colonização estrangeira no Brasil. O cônsul de Hamburgo no Brasil Hermann
Schröder também afirmou não apoiar as intenções de Blumenau:

Sendo esta a minha impressão, que a sua ideia principal é de instalar


grande número de imigrantes alemães em uma só província no Brasil, afim
de que ela se transforme dentro de alguns anos em um Estado Alemão,
criando assim lá uma Alemanha unificada que na Europa não se consegue
69
unificar.

Neste sentido, estas críticas diretas se referem a ideias consideradas


visionárias de Sturz, que Blumenau acatava nos seus projetos. Pela posição de
Schröder, por exemplo, é possível conceber que a pretensão movida pelo ideal
político de “unificação”, na época incabível para os estados alemães, seria
naturalmente impraticável no Brasil. Parece que Hermann Blumenau percebeu a
recepção negativa destas ideias, e passou a agir em relação ao posicionamento
ideológico de Sturz, solicitando ao cônsul que cuidasse com suas palavras em
relação à proposta e aos temas da escravidão e abolição:

Contudo, mais uma vez, deixe a questão da escravatura em paz! Queime as


minhas cartas. Todos os alemães aqui são contra a colonização, porque
eles se sentem envergonhados com os imigrantes e nada podem ganhar
com eles. A maior parte de suas circulares está na Germânia e nunca foi
lida. Os alemães todos xingam o país aqui e o Governo, tendo, realmente,

67
Segundo Richter, no período da criação da Companhia Adolph Schramm estava estabelecido em
Maroim, no Sergipe, mas deveria viajar para a corte pelos objetivos da Sociedade. RICHTER, K. A
fundadora Joinville... p. 80. RICHTER, Klaus. Os primórdios da colonização..., p 12.
68
SCHRAMM, Adolph. “Carta ao Dr. Sieveking, 28 de dezembro de 1846”. In: RICHTER, Klaus. Os
primórdios da colonização..., p. 18.
69
“Impressões de Hermann Schröder sobre Blumenau informada a Comissão em Hamburgo em 27
de novembro de 1846” Apud RICHTER, Klaus. Os primórdios da colonização..., p 17.

36
bastante razão para tanto, e induzem outros motivos para os seus esforços,
dos que o Sr. tem! (...) Quanto antes o Sr. deixar a causa, tanto melhor para
70
o Sr..

Blumenau também havia manifestado opiniões sobre a escravidão que


convergiam com o cônsul, porém após sua chegada ao Brasil, percebeu que as
opiniões de Sturz não eram de agrado de políticos influentes brasileiros, e até
mesmo dos comerciantes alemães que viviam no país. Ao deparar-se com esta
situação não indicou que mudara de posição, mas afirmou que a “escravidão e
abolição” não deveriam ser mencionadas. A estratégia de convencimento de
Blumenau era demonstrar a Sturz que os textos e circulares do cônsul não eram
lidos, e não recebiam menor consideração pelos próprios alemães. Por isso, eram
esforços perdidos numa causa sem apoio.
Enquanto Blumenau viveu no Rio de Janeiro, esteve ligado aos
acontecimentos da “Gesellschaft Germânia”, fundada em 1821 no Rio de Janeiro,
por comerciantes provindos de Estados Alemães, e países como Suíça e Bélgica. O
local era um espaço de sociabilidade e de negócios entre médicos, oficiais militares,
entre outros, também recebia viajantes, e fora do círculo central de associados, e
servia como espaço de convivência entre operários e colonos egressos de áreas de
colonizações.71 Desta forma, grande parte das pessoas que Blumenau inferiu serem
contrários às posições de Sturz e à imigração e colonização alemã, faziam parte da
comunidade e tinham com funções como de cônsules, ou eram comerciantes
influentes nos negócios de importação e exportação entre o Brasil e a Europa.
Blumenau buscou convencer o cônsul a não continuar com suas ideias, afirmando
que concordava com alguns membros do Germânia que lhe diziam que os “planos
titânicos” de Sturz não iriam mudar a situação de que o governo brasileiro não podia
e nem queria fazer em relação ao assunto.72
Tal posição pode ter se baseado também na posição “não favorável” em
relação às ideias de Sturz, do Ministro Antônio de Paula Holanda Cavalcanti, que

70
BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta a Sturz, agosto de 1846”. In: VOIGT, André F. Cartas
reveladas..., p. 39.
71
A autora afirma que a “comunidade Germania” foi a primeira associação de “pertencimento étnico
germânico” que surgiu no Brasil. SEYFERTH, Giralda. A imigração alemã no Rio de Janeiro. In:
GOMES, Angela Maria de Cartro (Org.). História de Imigrantes e de Imigração no Rio de Janeiro. Rio
de Janeiro: 7 letras, 2000, p. 12.
72
BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta a Sturz, agosto de 1846”. In: VOIGT, André F. Cartas
reveladas..., p. 39.

37
ocupava a pasta da Marinha no período.73 Além disso, Blumenau descreveu o que
parece ter sido uma ameaça de traficantes de escravos, que o preveniram em
relação a um “golpe grave” que poderia receber se continuasse a expor ideias
contrárias a escravidão. Na mesma ocasião declarou que abandonaria “a causa
toda” e iria trabalhar na farmácia ou química, se não tivesse seu pedido acatado.74
Não é possível saber se foi em tom ameaçador que o comentário foi feito, ou
se Blumenau buscou aumentar a tensão em suas palavras para convencer o cônsul
a parar de escrever sobre o assunto. Mas é certo que ele reforçava os problemas do
posicionamento do cônsul, preocupado com a falta de apoio para seus planos de
colonizar. Tanto, que revelou que exagerara nas cartas a Sturz por necessidade,
mas que não se preocuparia, pois o tinha “no bolso”, mais do que Sturz tinha a ele.75
A estratégia de Blumenau foi desvincular sua imagem das ideias relacionadas
a escravidão de Sturz, pois como um “estrangeiro” que procurava apoio para um
projeto particular de colonização, não era de seu interesse se envolver com as
discussões sobre a escravidão.76 Talvez por isso, que armou-se de inúmeros
argumentos para dissuadir Sturz a abandonar o tema no Brasil, já que se tratava de
uma área delicada. Parece que Blumenau percebeu a complexidade do assunto,
pois recomendou que o cônsul cuidasse nos textos, com os assuntos problemáticos
a ele: a escravidão e abolição em que o cônsul não deveria direcionar mais
nenhuma palavra, e a introdução de mão de obra livre por meio da imigração
estrangeira, que poderia ser tratada, mas com artigos calmos, e não ameaçadores
como os que Sturz costumava escrever.77
O ideal da causa era de que a imigração e colonização alemã deveriam se
efetivar com o povoamento pela pequena propriedade de terras;78 pressupunha a
criação de núcleos coloniais baseados no trabalho livre, que por sua vez,
alcançariam o objetivo de acabar com a escravidão. No entanto, o período era

73
BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta a Sturz, 16 de setembro de 1846”. In: VOIGT, André F.
Cartas reveladas..., p. 46-47.
74
BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta a Sturz, 16 de setembro de 1846”. In: VOIGT, André F.
Cartas reveladas..., p. 46-47.
75
AHJFS. BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta de 23 de setembro de 1846”. Carta 8. Doc. 01 –
2.3.4.1.1, p. 33-34.
76
SEYFERTH, Giralda. O Vale do Itajaí e a Política..., p. 73.
77
BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta a Sturz, 14 de setembro de 1846”. In: VOIGT, André F.
Cartas reveladas..., p. 40-42.
78
SEYFERTH, Giralda. O Vale do Itajaí e a Política..., p 74.

38
bastante conturbado em relação a estas mudanças, principalmente no que se refere
ao debate da substituição da mão de obra escrava pelo trabalho imigrante.
O debate se estabelecia de acordo com as posições dos deputados,
influenciadas por uma ideologia da elite latifundiária do período, que previa o
combate à colonização, pois ela implicava em uma “mudança de estrutura”
dominada por latifundiários. Enquanto a imigração espontânea, sem a “necessidade
de gastos” públicos, recebia apoio desses políticos, pois conferia aos fazendeiros a
possibilidade de solucionar os problemas da oferta de mão-de-obra de trabalhadores
escravos, por meio da importação de trabalhadores europeus.79
Neste sentido, a legislação produzida durante o período imperial reflete as
contradições da política imigratória brasileira.80 Alguns setores apoiavam a criação e
manutenção de núcleos coloniais com o objetivo de povoamento, enquanto em
outros se pleiteava a substituição do trabalho escravo nas lavouras. Petrone afirma
duas tendências bastante claras da legislação do período: “imigrante colono” para os
núcleos de pequena propriedade, ou “imigrante como braço” para o trabalho nas
lavouras. Havia, portanto, duas frentes no processo de imigração e colonização
estrangeira no Brasil. Não há como congelar em um aspecto único as atribuições do
governo no período: elas adequavam-se e eram movidas conforme os interesses
políticos e econômicos de cada província e de cada região.81 Certamente, trazia a
tona uma série de divergências entre posições políticas, daqueles que incentivavam
a introdução de colonos para a pequena propriedade e outros que consideravam a
imigração como meio de constituir mão de obra.
No final da década de 1840, desenvolvia-se a primeira experiência de
trabalho livre com imigrantes alemães e suíços na produção cafeeira em caráter
particular, empreendida pelo Senador Nicolau de Campos Vergueiro em 1847, na
fazenda Ibicaba em São Paulo.82 No caso se tratava da vinda de colonos para o
trabalho agrícola; o Senador Vergueiro era contrário à doação de terras a imigrantes,

79
LAZZARI, Beatriz Maria. Imigração. EST/UCS: Caxias do Sul, 1980.
80
IOTTI, Luiza Horn Imigração e colonização..., p. 21.
81
HOLANDA, S. B. Prefácio do tradutor. In: DAVATZ, Thomas. Memórias de um colono..., p. 22.
82
Segundo Stolcke e Hall, a negociação feita com os imigrantes era feita por meio do sistema de
parceria em que o fazendeiro investia financeiramente para o transporte dos colonos até o porto de
Santos, para depois ser ressarcido pelos imigrantes por meio da divisão dos lucros líquidos das
colheitas dos pés de café distribuído pelo fazendeiro. Cf.: HALL, Michael M; STOLCKE, Verena. A
introdução do trabalho livre nas fazendas de café de São Paulo. In: Revista Brasileira de História. São
Paulo, n. 6, Set. 1983, p. 83.

39
pois achava que este privilégio não era dado aos nacionais e as colônias em terras
concedidas por meio das sesmarias, não supria a necessidade maior do Império:
“braços” para o desenvolvimento “de sua riqueza agrícola”. Por isso considerava o
sistema de parceria como uma forma de adaptação dos colonos imigrantes, para se
tornarem “proprietários e foreiros”.83
Certamente, a política de colonização para a pequena propriedade era
subsidiária ao interesse de abastecer a mão de obra da grande lavoura. Mas não
explica o “volume e a continuidade” dos investimentos do governo para o
desenvolvimento da colonização em núcleos rurais, durante todo o século XIX.84 No
mesmo período, houve o incremento do desenvolvimento da colonização com o
aumento de iniciativas particulares,85 que buscavam recursos e apoio do governo
brasileiro, concomitante aos interesses da elite agrária que buscaram na imigração
de trabalhadores, de aumentar a oferta de mão de obra. Em uma carta de setembro
de 1846 enviada a Sturz, Blumenau indicou que as duas vertentes poderiam estar
atreladas ainda aos locais de chegada dos colonos:

Das famílias, alojadas no barracão, mais foram novamente ao Rio Grande,


depois de longas súplicas. Os restantes deverão ir todos – cerca de 150
cabeças – ao Espirito Santo. Todos eles vão, certamente, ao encontro de
sua ruína. (...) Mandar o pessoal para Minas é outro logro, o transporte para
lá é 11$000. Mas também a leva para São Paulo se espatifa novamente, e
tudo chega a descrédito e decadência. Vergueiro, em São Paulo, quer 400
escravos alemães em condições altamente desfavoráveis. Ele recebe
50$000 por cabeça. Kalkmann e Jack fazem propaganda para ele. Lembre-
86
se disto e escreva tão fortemente quanto possível contra isto, etc.

A descrição da situação de famílias imigrantes no Porto do Rio e Janeiro


revela a incerteza da direção que os colonos poderiam seguir. Além dos que já
vinham com destino certo, como São Leopoldo - no Rio Grande do Sul - e Nova
Friburgo - no Rio de Janeiro -, os estrangeiros recém-chegados poderiam ser

83
HOLANDA, S. B. Prefácio do tradutor. In: DAVATZ, Thomas. Memórias de um colono..., 22-23.
84
MACHADO, Paulo Pinheiro. A política de colonização do Império. Porto Alegre: Editora da
Universidade Federal de Santa Catarina/UFRGS, 1999, p. 12.
85
SEYFERTH, Giralda. O Vale do Itajaí e a Política..., p. 63.
86
BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta a Sturz, setembro de 1846”. In: VOIGT, A. F. Cartas
reveladas... p. 49; Kalkmann atuou como cônsul do Brasil em Bremen em 1828 e na década de 1840,
trabalhava na propaganda a agenciamento de imigrantes para o Brasil. Durante a pesquisa não foram
encontrados dados sobre de quem se tratava “Jack”. In: SCHRÖDER, Ferdinand. A imigração alemã
para o sul do Brasil. Trad. Martin Dreher. São Leopoldo/Porto Alegre: Ed. Unisinos/EDIPUCRS, 2003,
p. 69; BLUMENAU, “Carta de 11 de agosto de 1846”. In: VOIGT, André F. Cartas reveladas..., p. 34.

40
encaminhados ao interior de Minas, Espírito Santo ou para o trabalho nas fazendas
de café em São Paulo. Dependiam do ajuste realizado entre os negociadores,
agenciadores e até mesmo fazendeiros como Vergueiro. 87 No caso, parece que a
negociação envolvendo o Senado estava relacionada à atração de trabalhadores
para a substituição do trabalho escravo pelo livre e talvez tenha sido por isso que
Blumenau os referenciou como “escravos alemães”. Não é possível inferir se os
prêmios por imigrantes eram pagos por Vergueiro aos agentes, ou do governo ao
próprio fazendeiro, mas certamente indica o interesse financeiro que o negócio
poderia constituir.
Com a situação em que se encontrava o processo de imigração no Brasil, o
objetivo de promover a vinda de imigrantes alemães em larga escala, previsto pela
“causa”, não foi bem recebido pelas autoridades brasileiras. Na carta de 11 de
agosto de 1846, Blumenau comentou que não havia apoio entre os envolvidos, que
lhe haviam dito que não buscavam “colonos em massa”, mas trabalhadores
individuais para “colocar no lugar dos escravos”; enquanto outros afirmavam que até
“queriam colonos”, mas temiam que o grande número interferisse no controle do
governo sobre eles.88
As expectativas que Blumenau para sua atuação no Brasil, não parecem ter
sido alcançadas. A imigração e colonização era um tema complicado, conduzido em
meio a disputas políticas e uma legislação de contradições, principalmente em
relação à imigração para a constituição de núcleos coloniais baseados na pequena
propriedade. Contudo, apesar da complexidade da imigração e colonização no
Brasil, o processo se intensificou e os portos brasileiros receberam grandes levas de
imigrantes, que atravessavam o oceano saindo de Hamburgo, e de outros portos na
Europa, principalmente para o trabalho nas lavouras de café, mas também para
constituir núcleos de colonização. Essas pessoas irão compor as levas migratórias
que Blumenau se envolveu significativamente enquanto permaneceu em solo
brasileiro.

87
Segundo Richter, Vergueiro era representado pela firma Christian Mathias Schröder e Cia. em
Hamburgo, que angariava colonos alemães para o trabalho nos cafezais da colônia. Cf: RICHTER,
Klaus. A fundadora de Joinville: sociedade colonizadora de 1849 em Hamburgo. Revista do Instituto
Histórico e Geográfico de Santa Catarina. 3° fase. n. 4. 1982-1983, p. 83.
88
BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta a Sturz, Rio de Janeiro, de 11 de agosto de 1846”. In:
VOIGT, André F. Cartas reveladas..., p. 36-37.

41
1.3 Brasil e Hamburgo: os “negócios” de Hermann Blumenau

No século XIX uma parte significativa da população europeia se transferiu


para a América. Entre os migrantes que se deslocavam da Europa para o outro lado
do oceano estavam os que partiam dos Estados Alemães, em decorrência de
mudanças políticas sociais e econômicas,89 relacionadas à carência dos meios de
subsistência causada pelo crescimento demográfico que excedia a produção
agrícola, aos problemas da produção artesanal, com a ascensão da indústria, e as
condições de desequilíbrio nos setores da economia, tanto urbana quanto rural,
causando um empobrecimento sem precedentes em diversas camadas sociais da
população.90
A crise camponesa se desenvolveu de forma diversa em cada Estado,
Ducado ou Principado Alemão,91 pois cada um dele possuía orientações políticas
próprias. Segundo Seyferth, os problemas estavam relacionados às mudanças
agrícolas como a mecanização do campo, a diminuição do tamanho dos lotes
cultivados pelas famílias camponesas, o que ocorreu com a alteração da legislação
das heranças, que previu a divisão das propriedades entre os filhos homens, e as
altas taxas de impostos cobradas dos pequenos agricultores. Todos estes fatores
contribuíram para o crescimento do êxodo rural, enquanto nas cidades o processo
de mudança causada pela revolução industrial e o desenvolvimento do comércio
exterior criou uma classe de trabalhadores mal remunerados, sem qualificação, na
grande maioria, antigos camponeses fugidos da crise agrícola.92
Os fluxos migratórios em direção à América durante o século XIX variavam
conforme o período, havendo momentos de grande quantidade, e outros de
movimentação relativamente pequena. Nos anos entre 1846 e 1857 – período de
intensa emigração – o número de pessoas que saíram dos Estados alemães somou
1.266.500, principalmente das regiões oeste e sudoeste. Deste contingente, cerca
89
IOTTI, Luiza Horn. Imigração e Poder...p 19.KLUG, João. Imigração e Luteranismo em Santa
Catarina: a comunidade alemã do Desterro – Florianópolis. Florianópolis: papa livro, 1994.
90
RICHTER, Klaus. A fundadora de Joinville..., p. 76-77; KIEFER, Sabine. Dr. Hermann Blumenau –
Vida e Obra..., p. 29.
91
O processo de unificação e criação do Império Alemão ocorreu em 1871. KIEFER, Sabine. O
Doutor Blumenau – Vida e Obra..., p. 29.
92
SEYFERTH, Giralda. A colonização alemã no Vale do Itajaí Mirim: um estudo de desenvolvimento
econômico. Porto Alegre: Garibaldi, 1974, p. 18.

42
de 90% se dirigiram aos Estados Unidos,93 o restante seria dividido entre outros
países da América do Sul e Austrália.94
A partir de 1845, devido à crise econômica nos Estados Alemães, não houve o
interesse em restringir a emigração por parte de nenhum governo alemão. 95 Em
alguns casos, as autoridades financiavam o transporte de emigrantes considerados
“marginais”, estimulando-os a migrarem para os países receptores.96 Em outros,
dado o pauperismo de muitas regiões, as autoridades alemãs colaboraram com
agentes na arregimentação de emigrantes, adiantando somas para cobrir as
passagens e sustento durante a viagem.97 Não havia, portanto uma política de
imigração própria dos governos alemães, devido a isto, coube a particulares
encontrar soluções para impulsionar e desenvolver a emigração nos diversos
Estados.
Entre os anos de 1840 e 1850, foram fundadas cerca de 30 sociedades ou
companhias emigratórias e colonizadoras,98 que por iniciativa particular negociavam
a arregimentação e transporte de migrantes. Suas sedes se localizavam em pontos
estratégicos, nas regiões portuárias com grande capacidade de escoamento de
produtos e, consequentemente, de um número considerável de pessoas que
desejavam emigrar. Hamburgo, por exemplo, possuía localização privilegiada e
potencial portuário para este fim. Certamente, devido a isto que Hermann Blumenau
antes mesmo de viajar ao Brasil buscou instruir-se dos possíveis negócios
viabilizados por aquele porto. À época em que esteve em Hamburgo, as relações
comerciais entre a cidade e o Brasil já eram antigas99 e se realizavam por firmas ou

93
RICHTER, Klaus. A fundadora de Joinville..., p. 76.
94
Segundo Seyferth, a preferência pelos Estados Unidos decorria de melhores condições de
travessia, baixo custo financeiro, propaganda mais eficiente, e um modelo de colonização mais
atraente. SEYFERTH, Giralda. O Vale do Itajaí e a política..., p. 60.
95
Esta situação foi alterada em algumas regiões, como na Prússia, no final da década de 1850, com
o Restrito Von der Heydt, que “colocava obstáculos” para a imigração para o Brasil. Segunfo Klug, na
década de 1860, em alguns núcleos houve o aumento da introdução de imigrantes. Machado afirma,
que o decreto foi revogado para as três províncias do sul em 1896. Cf.: KLUG, João. Imigração no Sul
do Brasil.In: Grinberg, Keila e Salles, Ricardo(orgs.). O Brasil Imperial. Volume III: 1870 - 1889. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p 211; MACHADO, Paulo P. A política de colonização... p. 33-34.
96
RICHTER, Klaus. A fundadora de Joinville..., p. 77.
97
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Prefácio do Tradutor. In: DAVATZ, Thomas. Memórias de um
colono..., p. 28.
98
RICHTER, Klaus. A fundadora de Joinville..., p. 77.
99
Schröder afirma que tais relações tiveram início com a abertura dos portos, em 1808, tendo um
aumento entre os anos de 1814 e 1818, em que o número de navios provenientes do Brasil – que
atracaram naquele porto cresceu de dois para 30. Richter, por sua vez, considera que as relações
comerciais entre Hamburgo e o Brasil se intensificaram após a Independência, e atingiram

43
casas comerciais que se instalaram no país100 importando manufaturados e
exportando produtos como café e açúcar.
Hamburgo possuía o maior porto dentre os Estados e Cidades Livres e
Hanseáticas Alemãs e também dispunha de condições de promover o deslocamento
transatlântico de migrantes.101 Devido aos interesses de armadores e exportadores
que negociavam por aquele porto, houve uma disputa pela hegemonia das
negociações, com comerciantes de outras cidades portuárias interessados na
emigração. Em 1844, Hermann Blumenau demonstrou interesse pela situação dos
portos – neste caso não sobre Hamburgo – quando mencionou que estava
observando “as novidades do movimento migratório” de portos alemães. 102 O que o
interessava então, era saber qual dos dois portos que observara – Bremen e
Baviera103 – seria mais propício à emigração. Blumenau buscou especialmente
“encontrar de algum modo condições de número, com os quais se podiam contar” 104
para saber da capacidade de emigrantes que os locais comportavam e da garantia
do transporte em larga escala. A preocupação de Blumenau indica que as condições
dos portos eram importantes para o negócio de envio de migrantes, que ele
almejava se envolver.
No ano de 1846, comerciantes da cidade de Bremen haviam iniciado
negociações relacionadas à emigração com o Brasil. Bremen era cidade vizinha e
rival de Hamburgo, disputando a proeminência dos negócios que se viabilizavam
pelo porto, e buscava atrair a maioria dos emigrantes alemães para serem

proporções importantes em meados do século XIX. Cf: SCHRÖDER, Ferdinand. A imigração alemã...,
p. 33; RICHTER, Klaus. A fundadora de Joinville..., p. 77.
99
RICHTER, Klaus. A fundadora de Joinville..., p. 77.
100
SCHRODER cita as primeiras firmas: R. Groning & Co, J. CV. F. Hagedorn, Berenberg, Gossler
&Co., Sillem, Benecke & Co, C.F.Bauer, M. J. Haller, C. M. Schröder & Co, Lutteroth & Co, Stresor &
Gries, Pitcairu, Brodies & Co, Schwartz Gebr., N.B. Eybe e outras mais. In: SCHRÖDER, Ferdinand.
A imigração alemã para o sul do Brasil..., p. 33.
101
RICHTER, Klaus. A fundadora de Joinville..., p. 77.
102
A carta de 29 de março de 1844 foi transcrita por Johann Jacob Sturz no capítulo “Die Auszüge aus
Herrn Blumenau’s Briefen” (Os extratos das cartas do Dr. Blumenau) publicado no livro do mesmo
autor “Die Deutsche Auswanderung und die Verschleppung deutcher Auswanderer” em 1868. Na
página 33 ao se referir às observações feitas por Blumenau dos portos de Bremen e Baviera, há o
seguinte parêntese: (aqui algumas anotações de Bremen e da Baviera no ano de 1843). Essas
observações não foram transcritas pelo autor, e consequentemente não foram traduzidas no livro
organizado e traduzido por André Fabiano Voigt. Cf: VOIGT, André F. Cartas reveladas...
103
Convém mencionar que a região da Baviera não possui porto marítimo. Contudo, Hermann
Blumenau se refere ao “Porto da Baviera” quando se refere a locais propícios para envio de
imigrantes.
104
BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta a Sturz, 29 de março de 1844”. In: VOIGT, André F.
Cartas reveladas..., p. 33.

44
embarcados aos Estados Unidos.105 Um comentário sobre este aspecto foi feito pelo
Visconde de Abrantes em 1846, então embaixador do Brasil em Berlim. Interessado
na atração de “colonos úteis”,106 Abrantes compôs um estudo sobre mudanças que
iriam corroborar com a emigração para o Brasil. Segundo ele, em termos
econômicos era mais viável ao Brasil efetuar o embarque de colonos nos portos com
maiores relações comerciais como Hamburgo e Bremen.107 A fala do embaixador
confirma assim, que os dois locais concorriam pelo predomínio do transporte de
emigrantes.
Hermann Blumenau parecia estar atendo a tais condições, em especial as de
Hamburgo. Durante o período em que esteve na cidade, procurou se envolver com
pessoas interessadas em promover o transporte de emigrantes por aquele porto.
Como ele mesmo afirmou, seus planos iam ao encontro dos interesses de
“senhores” da cidade, entre eles, comerciantes abastados e políticos influentes, pois
estes queriam “fazer alguma coisa” pelo desenvolvimento dos negócios pelo porto.

Para a colonização e emigração o interesse começa a despertar agora. Eu


falei muito a este respeito com senhores daqui, estes querem fazer alguma
coisa, mas não querem começar, dizem que o início tem que vir de Berlim e
Londres. Mas o que o comodismo e a apatia estraga, a inveja para com
Bremen novamente iguala. Eu creio que feito primeiro o começo, o negócio
108
vai à frente.

Blumenau considerou que o assunto da emigração estava sendo pouco


discutido em Hamburgo devido ao “comodismo e apatia” dos comerciantes e
políticos da cidade, mas em contrapartida, a “inveja” para com Bremen poderia
impulsionar o processo. Como já comentado, as duas cidades disputavam
comercialmente o transporte de emigrantes por seus portos, e o porto hamburguês
possuía capacidade de expedir grandes levas migratórias,109 no entanto, Blumenau
ressaltou o estado apático da cidade para com a emigração, o que pode ter relação
com o baixo número de migrantes embarcados naquele porto. Segundo Abrantes, no
ano de 1844, enquanto Bremen ficou responsável pelo envio de 19.836 migrantes, o

105
RICHTER, Klaus. A fundadora de Joinville..., p. 80.
106
Visconde de Abrantes também cita Antuérpia como porto viável. Cf: ABRANTES, Visconde de.
Memórias sobre o meio de promover a colonização..., p. 865.
107
ABRANTES, Visconde de. Memórias sobre o meio de promover a colonização..., p. 835.
108
AHJFS. BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta aos pais, Hamburgo, 30 de março de 1846”.
Carta 01. Doc. 01 – 2.3.4.1.1, p. 04-06.
109
RICHTER, Klaus. A fundadora de Joinville..., p. 77.

45
porto hamburguês embarcou 1.774 pessoas.110
Blumenau interessou-se pelo desenvolvimento da emigração para o Brasil via
Hamburgo, considerando que o negócio tomaria “frente” e só necessitava do impulso
inicial. Por meio deste envolvimento recebeu atenção de pessoas também
interessadas no negócio. No entanto, os “senhores” com que falou em Hamburgo
pareciam tentar contornar o assunto do transporte de emigrantes pelo porto, pois
diziam que deixariam a cargo de Berlim e Londres as primeiras iniciativas para o
desenvolvimento da emigração.
Embora seja difícil afirmar que Blumenau não tenha conseguido realizar
nenhum negócio mais concreto com os comerciantes hamburgueses, é certo que o
interesse pelo processo de envio de migrantes pelo porto da cidade não era tão
pequeno. Ainda mais porque, em abril de 1846 – enquanto ele viajava ao Brasil –,
era constituída na cidade a “Sociedade de Proteção aos Emigrados Alemães do Sul
do Brasil”, composta por comerciantes e armadores da cidade, com objetivo de
promover a emigração para o Brasil a partir daquele porto.111 A formação de uma
empresa interessada em fomentar o processo indica que os comerciantes,
caracterizados por Blumenau pelo pouco interesse no negócio, não estavam tão
desinteressados como ele havia descrito.
Em uma carta que escreveu em 1846 quando se encontrava em Rio Grande,
dirigida a Johann Jacob Sturz, Blumenau se referiu às disputas entre as cidades e à
maneira como ele requisitou de João Lins Vieira Cansanção de Sinimbu, que fosse
favorecido no sentido de “puxar a emigração” daquelas cidades para o Brasil. Como
informou Blumenau, Sinimbu era redator do Correio Oficial da Província do Rio
Grande do Sul.112 Havia também exercido a função de Ministro Residente na
República Oriental do Uruguai, de Presidente da Província do Rio Grande do Sul e
também ocupou as pastas dos Estrangeiros em 1859.113 Ele contava a conversa que
havia tido com Cansanção narrando a Sturz que:

Ao mesmo tempo eu lhe expliquei que, se se quisesse contrair comigo ou,


ao mesmo, me conceder a preferência, pois se Bremen e Hamburgo

110
ABRANTES, Visconde de. Memórias sobre o meio de promover a colonização..., p. 835.
111
RICHTER, Klaus. Os primórdios da colonização... p. 12.
112
BLUMENAU, Hermann Bruto Otto. “Carta a Sturz, 11 de agosto de 1846”. In: VOIGT, André F.
Cartas reveladas..., p. 35.
113
Disponível em http://www.fazenda.gov.br/portugues/institucional/ministros/dom_pedroII030.asp.

46
também começassem, e que cada cidade passe a cuidar só de si e de sua
navegação e excluir os outros, que então surgirão na Alemanha – como
aqui – ciumeiras e denúncias, o que impediria a realização de uma
colonização eficaz; que Bremen, se for negligenciada, dirigir-se-á totalmente
à América do Norte, e Hamburgo sozinho, porém, não conseguiria puxar a
emigração; por isso uma concentração sob os meus cuidados seria o
caminho mais seguro, etc. Eu aí também transportaria através de Antuérpia
114
e Havre.

Além de ter evidenciado a disputa que havia entre as cidades alemãs,


Hermann Blumenau deixava claro seu interesse no assunto. Ele buscou, por meio
de seus contatos com autoridades brasileiras, negociar sua atuação em um projeto
de imigração em larga escala. Para isto, se colocava na posição de pacificador das
disputas entre as cidades alemãs, com a proposta de viabilizar o escoamento de
migrantes por Bremen, Hamburgo e até Antuérpia e Le Havre. Contudo, parecia que
seu maior interesse era que as concessões fossem entregues a Bremen e
Hamburgo, pois como vimos, ele conhecia melhor estes dois centros: além de ter
estado em Hamburgo, onde tratou de negócios da emigração com comerciantes e
políticos que formariam a já mencionada “Sociedade de Proteção”;115 ele havia
também realizado observações nos portos de Bremen em 1844.116 Blumenau se
dispôs a embarcar pessoas de vários portos; considerando que sem ele, dadas as
“ciumeiras e denúncias” das disputas entre as companhias e agentes que atuavam
nas cidades, haveria apenas uma cidade que enviaria migrantes ao Brasil, o que
para ele, impediria “a realização de uma colonização eficaz”. Ele se propunha,
justamente, a evitar que isso acontecesse.
Em setembro de 1846, um mês depois de ter feito suas considerações sobre
as disputas entre os portos do norte da Europa, Hermann Blumenau se referiu a
outra conversa que tivera com Sinimbu. Desta vez parece que ele deixava mais claro
suas pretensões à transferência de migrantes:

Nesta oportunidade, primeiramente eu ressaltei em favor da minha


proposta, que se quisesse me dar uma concessão, eu conseguiria reunir

114
BLUMENAU, Hermann Bruto Otto. “Carta a Sturz, 15 de agosto de 1846”. In: VOIGT, André F.
Cartas reveladas..., p. 37.
115
Hermann Blumenau manteve contatos com autoridades políticas e comerciantes em Hamburgo,
como Friedrich Gültzow, Christian Mathias e Hermann Schröder que estiveram envolvidos na
fundação da “Sociedade de Proteção aos Emigrados do Sul do Brasil” em 1846. Cf: RICHTER, Klaus.
Os primórdios da colonização...; RICHTER, Klaus. A sociedade colonizadora Hanseática...
116
BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta a Sturz, 29 de março de 1844”. In: VOIGT, André F.
Cartas reveladas... p. 33.

47
todos os interesses especiais de todos os concorrentes, portanto a
esperança existiria para uma imigração maior do que se fosse dar uma
concessão aos outros; eu poderia transportar através de Hamburgo,
Bremen e Antuérpia, enquanto que os outros sempre só queriam transportar
através de seus portos e, portanto, não seria possível pensar em uma
grande imigração, pois então os menos privilegiados se iriam decidir por
Texas e a América do Norte. Porém, se não quiserem me dar uma
concessão, então teriam que dar uma a Hamburgo, e esta precisa ser a
primeira, porque ela tem o maior comércio por aqui, a América do Sul,
117
enquanto que Bremen e Antuérpia possuem bem menos.

São claras as intenções de Hermann Blumenau em relação à concessão do


transporte de imigrantes para o Brasil. Parece que ela não foi dada nem a ele nem a
nenhuma companhia em especial, todas realizavam o agenciamento e transporte por
sua conta.118 Entretanto, é evidente que ele aspirara empreender a migração em
massa para o Brasil, se colocando em disputa com companhias, empresas ou
agentes estabelecidos nestes locais. Se ele conseguisse a concessão para operar
em Hamburgo poderia, inclusive, se tornar concorrente da Sociedade formada na
cidade, com a qual vinha estabelecendo vínculos. Ou, de outro lado, tal permissão
poderia ser uma moeda de troca para que ele se tornasse sócio da Companhia,
como almejava. Isso se pode depreender do pedido que mencionou a Sturz, em
setembro de 1846, em que Blumenau pedia que lhe fossem dados “40 até 50 ações
e um emprego condizente”119 por serviços que seriam prestados à Sociedade.
Os vínculos que mantinha com os “hamburgueses”, como ele denominava os
membros da Sociedade, são constantemente caracterizados por Blumenau como
indefinidos e incertos. Entretanto, segundo ele próprio informou, em setembro de
1846, quando já se encontrava no Rio de Janeiro, teria resolvido aceitar a proposta,
feita pela Companhia,120 de remuneração, resgates das custas das viagens e
hospedagem, e a possibilidade de colocação em um cargo pela confecção de
relatórios da situação da imigração e colonização no sul do Brasil. 121 Parece que

117
BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta a Sturz, sem local, 14 de setembro de 1846”. In: VOIGT,
André F. Cartas reveladas... p 43.
118
Na bibliografia consultada não foi encontrada referência sobre a entrega de concessões à
Companhias ou Agentes dadas, neste período, pelo Governo Brasileiro, para agenciar o transporte de
migrantes nos portos europeus.
119
BLUMENAU, Hermann Bruto Otto. “Carta a Sturz, 14 de setembro de 1846”. In: VOIGT, André F.
Cartas reveladas..., p. 45.
120
AHJFS. BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta aos pais, Rio de Janeiro, 16 de setembro de
1846”. Carta 07. Doc. 01 – 2.3.4.1.1, p. 29-32.
121
BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta a Sturz de 14 de setembro de 1846”. In: VOIGT, André
F. Cartas reveladas..., p. 45.

48
significava muito para Blumenau ser beneficiado com um cargo pela Sociedade. Em
cartas que enviou aos pais e familiares costumava se referir ao emprego como algo
eminente ao seu trabalho,122 e quando previu que não seria recompensado com a
função, podendo ser colocado em um cargo subordinado, afirmou que iria “exigir o
lugar do primeiro, ou no mínimo do segundo diretor, com um salário decente”. 123
Certamente, a exigência de uma função elevada era parte de seus objetivos de
manter-se em posição privilegiada nos negócios da imigração e colonização no
Brasil.
Ainda na Europa, Hermann Blumenau já estava envolvido – mesmo que por
aspirações – nos negócios da migração de portos alemães para o Brasil. Em terras
brasileiras, manteve-se ligado ao processo e buscou com autoridades brasileiras
meios de conduzir suas pretensões de dirigir a migração em massa para o Império.
Além disso, estabeleceu vínculos com uma sociedade migratória almejando alcançar
alguma função de destaque para a imigração ou colonização. Desta forma,
Blumenau esteve ligado às negociações que se estabeleciam entre Companhias,
seus sócios e agentes, e o processo de desenvolvimento de projetos de colonização
estrangeira alemã no Brasil.

1.4 Para a imigração e colonização no Brasil: que haja “muito dinheiro”

As companhias de emigração pareciam se constituir de maneira mais ou


menos semelhante: eram compostas por empresas ou particulares que adquiriam
ações de determinado valor e, juntas, formavam o capital total da companhia. A
“Sociedade de Proteção aos Emigrados Alemães no Sul do Brasil” era formada por
20 casas comerciais de Hamburgo, muitas delas com atividades comerciais no
Brasil. Segundo Richter, cada uma das casas depositou em um fundo comum a
quantia de três mil marcos, enquanto a Deputação do Comércio de Hamburgo
contribuiu com a quantia de mil marcos, com intuito de formar um capital suficiente

122
Cf: AHJFS. BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. Carta n. 05, n. 07, entre outras, da pasta 01 -
2.3.4.1.1.
123
BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta a Sturz, Rio, fins do ano de 1846”. In: VOIGT, André F.
Cartas reveladas..., p. 45.

49
para dar início a suas atividades.124 Em 1848, Hermann Blumenau comentou que o
fundo de ações no valor de 60 mil marcos125 da Companhia de Hamburgo havia sido
formado por empresas respeitáveis, bem conhecidas e de “honesta reputação”.126
Algumas empresas se envolviam essencialmente com o comércio de
mercadorias e produtos por meio da exportação e importação, e muitas vezes
possuíam uma frota de navios, ou alugavam embarcações para realizar o transporte
destes bens. Havia ainda, casas comerciais que agenciavam negociações entre
compradores e vendedores dos produtos e mercadorias nos dois países. Dysarz, em
seu estudo sobre os suíços da Colônia Superagui, no litoral do Paraná, afirma que
as casas de comissão suíças eram companhias de exportação e importação de
mercadorias a atacado, retiravam seu lucro no agenciamento entre compradores e
vendedores de várias partes do globo, recebendo comissão sobre as vendas. Além
disto, funcionavam geralmente com duas sedes, uma na Europa e outra no Rio de
Janeiro, no caso do Brasil, e se mantinham com forte caráter familiar. 127
Uma das casas comerciais que se destacou neste sentido foi a Christian
Mathias Schröder e Cia, fixada em Hamburgo. A firma pertencia ao Senador
Christian Mathias Schröder em sociedade com seus filhos, e atuou como casa
comercial e companhia de navegação, desempenhando um papel importante nas
relações entre Brasil e Hamburgo.128 Richter afirma que a empresa passou a
transportar emigrantes para o Brasil a partir de1840, quando houve uma redução da
frota de navios devido ao declínio das transações comerciais.129 O negócio parece
ter se intensificado, pois a Casa Schröder participou ativamente na formação da
“Sociedade de Proteção aos Emigrados Alemães do Sul do Brasil” em 1846 e nos
124
RICHTER, Klaus. A fundadora de Joinville..., p. 80.
125
O valor das ações da Companhia informado por Blumenau está de acordo com Richter, que indica
que o fundo comum de ações possuía um capital de 60 mil marcos, chegando posteriormente ao
total de um milhão de marcos. Segundo Richter, no final do século XIX, a quantia de 63.530 marcos
era o equivalente a 80:000$000. Cf: RICHTER, Klaus. A sociedade colonizadora Hanseática.... p. 22;
RICHTER, Klaus. Os primórdios da colonização..., p 14.
126
AHJFS. “Requerimento e projeto para a Assembleia da Província de Santa Catarina”. 1848. Fundo
Blumenau - Colônia Particular 1846-1860. Pasta 02.6. Doc. 62.
127
DYSARZ, Caiubi Martins. Os suíços de Superagui: colonização e imigração no Paraná do século
XIX. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós Graduação em História da Universidade Federal do
Paraná. 2013, p. 16.
128
Segundo Richter, as negociações iniciaram em 1778 com Portugal, com o transporte em veleiros
próprios e alugados de produtos coloniais brasileiros; após 1830 se dedicou a importar açúcar da
Bahia e do Rio, efetuando quatro a seis viagens por ano, e em 1846, foi a primeira em Hamburgo a
desenvolver o transporte de emigrantes para o Brasil. RICHTER, Klaus. A fundadora de Joinville..., p.
82.
129
RICHTER, Klaus. A fundadora de Joinville..., p. 83-84.

50
projetos de colonização em terras brasileiras por meio da Companhia. Além disso,
depois do fim desta sociedade, se envolveu com a formação, também em
Hamburgo, de outra empresa da mesma natureza em 1849,130 obtendo grande parte
de suas ações. Fez parte ainda, das negociações de doação de terras do Príncipe
de Joinville, que deram origem à Colônia Dona Francisca no norte da Província de
Santa Catarina.131
Portanto, na década de 1840 e 1850 os negócios da migração já eram
tratados como investimento comercial, com o transporte de emigrantes que eram
agenciados por estas empresas nos portos de origem, ou na fixação dos imigrantes
no Brasil. Hermann Blumenau estava atento às negociações e sabia que o
transporte de pessoas e os projetos de colonização no Brasil eram fomentados pelas
companhias. Neste sentido, ele procurou, por meio de Johann Jacob Sturz, no fim de
1846, investimentos financeiros para desenvolver seus planos de colonização. Ele
pedia que o cônsul negociasse em Hamburgo e na Prússia para obter “muito
dinheiro” para “colonizar no Rio Grande e o Uruguai”. 132 Blumenau considerava que
a formação de uma associação de investidores, formada “por intermédio do príncipe
da Prússia”, por exemplo, seria a solução para conseguir impulsionar a emigração
ao Brasil.133 Os investimentos privados eram importantes para o desenvolvimento
dos projetos de emigração e colonização, no caso de Blumenau, que de certa forma
buscava iniciar um projeto próprio, eram essenciais.
O plano de obter recursos financeiros para a colonização no sul da América
por meio de algum membro da nobreza não se concretizou, mas Blumenau parecia
espelhar-se em outra experiência de colonização deste período. O Visconde de
Abrantes, no texto publicado em 1846, comentou sobre a constituição de uma
sociedade patrocinada pelo Príncipe Carlos, irmão do Rei da Prússia, para a
formação de uma “colônia compacta” na Costa dos Mosquitos, no Golfo do

130
Segundo Richter, a Sociedade Colonizadora de 1849 em Hamburgo foi a única empresa alemã a
introduzir colonos no Brasil, trazendo 17.408 indivíduos para Colônia Dona Francisca, localizada em
Santa Catarina. RICHTER, Klaus. A sociedade colonizadora Hanseática..., p. 15
131
RODOWICK-OSWIECIMSKY, Theodor. A colônia Dona Francisca no Sul do Brasil. Florianópolis:
Ed. da UFSC, 1992; RICHTER, Klaus. A sociedade colonizadora Hanseática...
132
BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta a Sturz, rio, fins e ano de 1846”. In: VOIGT, André F.
Cartas reveladas..., p. 57.
133
BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta a Sturz, rio, fins e ano de 1846”. In: VOIGT, André F.
Cartas reveladas..., p. 57.

51
México.134 Blumenau estava a par deste acontecimento, pois comentou em uma
carta de setembro de 1846 o temor que havia na imprensa alemã em relação à
influência da “pena tão temida de Sturz” para o “fim ao logro do Mosquito”. 135 Mesmo
considerando o caso como um “logro”, Blumenau parecia considerar conveniente a
formação de fundos de ações das Sociedades para o investimento em projetos de
colonização no Brasil.
O estatuto da “Sociedade de Colonização de 1849” de Hamburgo, por
exemplo, previa que os acionistas136 tinham que investir o valor de 200 marcos por
ação da companhia,137 ou 100 Thaleres (moeda prussiana).138 Por este pagamento,
o investidor tinha direito a adquirir na futura colônia criada em terras brasileiras – no
caso, a Colônia Dona Francisca em Santa Catarina –, um terreno de 12,5 hectares,
por ação adquirida.139 Se fosse de interesse do sócio ficar com as terras, deveria
efetivar em dois anos a colonização do lote, com no mínimo uma família
imigrante.140
Certamente, Hermann Blumenau estava interessado na constituição societária
das companhias de imigração e colonização. Além disso, possuía interesse próprio
em ações da “Sociedade de Proteção aos Emigrados Alemães” em troca de seus
serviços. O número de “40 até 50 ações” correspondia a um valor bastante alto,
ainda mais para alguém como ele, que não era comerciante, nobre ou uma pessoa
com grandes recursos financeiros. Cada ação desta sociedade equivalia ao valor de
três mil marcos, o valor de 50 ações que requisitou chegaria a 150 mil marcos. Uma
cifra significativa levando em consideração que ultrapassava os 60 mil Marcos que
constituíram o fundo inicial desta Sociedade.
Uma condição favorável às companhias autorizada pelo governo brasileiro era

134
ABRANTES, Visconde de. Memórias sobre os meios de promover a colonização..., p. 842.
135
BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta a Sturz de 29 de setembro de 1846”. In: VOIGT, André
F. Cartas reveladas..., p. 46.
136
RICHTER e RODOWICK-OSWIECIMSKY divergem sobre a quantidade de ações que foi
disponibilizada pela Companhia. O primeiro afirma que seriam Mil ações e o segundo indica o número
de Mil e Quinhentas. No entanto, eles coincidem no valor determinado de cada ação. Cf:
RODOWICK-OSWIECIMSKY, Theodor. A colônia Dona Francisca no Sul do Brasil...; RICHTER,
Klaus. A fundadora de Joinville...
137
RICHTER, Klaus. A fundadora de Joinville... p. 85.
138
RODOWICK-OSWIECIMSKY, Theodor. A colônia Dona Francisca no Sul do Brasil..., p. 12.
139
Tratava-se da Colônia Dona Francisca no norte da Província de Santa Catarina. Em 1851, 25
acionistas já eram moradores da recém fundada colônia. RICHTER, Klaus. A fundadora de Joinville...,
p. 88.
140
RICHTER, Klaus. A fundadora de Joinville..., p. 85.

52
a dedução dos impostos de ancoragem dos navios que trouxessem colonos
imigrantes. Tal privilégio era garantido pelo decreto número 356 de 26 de abril de
1844, que previa a redução do valor do imposto de ancoragem nos portos conforme
o número de colonos que a embarcação havia trazido. O valor máximo descontado
por colono não poderia ultrapassar 60$000, e os donos de navios ou os capitães
deveriam reportar uma lista contendo a quantidade de colonos que estavam
transportando.141 Este regulamento permitia que os comerciantes que utilizassem
dos navios para o comércio de outras mercadorias e produtos, juntamente ao
transporte de imigrantes, alcançassem um lucro maior nas negociações com o
desconto nos impostos por número de colonos transportados.
Por fim, mesmo prestando serviços a Companhia de Hamburgo, ele não
chegou a receber ações como desejara. Porém seu impulso em fazer parte da
sociedade estava relacionado ao fato de que associar-se a companhias de
emigração e colonização parecia se configurar num negócio rentável para os
investidores. A compra de ações previa retorno aos acionistas, desde os lucros da
venda de passagens para os emigrantes, lotes de terras nas colônias, previstos
conforme o número de ações, e finalmente os lucros financeiros da venda de terras
para os colonos imigrantes nas colônias no país receptor.
Por meio do envolvimento de Hermann Blumenau com acionistas – pessoas
com recursos financeiros, firmas comerciais e de navegação – e as Sociedades
formadas por estes investidores, com o objetivo de fomentar os projetos de
emigração e colonização, nota-se como o agenciamento, transporte e fixação de
migrantes podia ser um bom negócio para quem os empreendia. Certamente, o
vínculo com alguma sociedade significava muito a ele, pois permitia que ele se
mantivesse a par dos acontecimentos de tal processo.

1.5 O Brasil e os “caminhos abertos” para Hermann Blumenau

141
BRASIL. Coleção das leis do Império do Brasil de 1844. Tomo VII. Parte II. Rio de Janeiro:
Tipografia Nacional, 1845. Disponível em:
http://www.camara.gov.br/Internet/InfDoc/conteudo/colecoes/Legislacao/legimp-30/Legimp-30_13.pdf.
A autora, Luiza Horn Iotti organizou a legislação imperial referente à colonização e imigração Cf:
IOTTI, Luiza H. (Org). Imigração e colonização: legislação de 1747 – 1915. Caxias do Sul/Porto
Alegre: EDUCS/ Assembleia Legislativa do Estado do RS, 2001. Neste trabalho, se optou em
consultar a fonte original.

53
No início de setembro de 1846, quando já estava há quase dois meses no
Brasil, Blumenau decidiu aceitar a proposta de prestar serviços para a Sociedade de
Proteção aos Emigrados Alemães no Sul do Brasil, de Hamburgo.142 Esta companhia
tinha o objetivo de transportar emigrantes alemães e estabelecê-los em grandes
colônias no sul do Brasil. Para isto, demandava do governo brasileiro a concessão
das terras necessárias para o empreendimento.143 Segundo Richter, as primeiras
negociações para a formação da sociedade foram encabeçadas, em março daquele
ano, pelo já mencionado comerciante hamburguês Friedrich Gültzow, com quem
Blumenau se relacionou quando permaneceu na cidade de Hamburgo. O
comerciante havia se reunido com o Presidente da Deputação do Comércio (Câmara
do Comércio de Hamburgo),144 para solicitar que este órgão tomasse providências
para aumentar os esforços de atração de emigrantes.145
Em abril de 1846, a Câmara do Comércio de Hamburgo comunicou a Karl
Sieveking, senador responsável pelas relações exteriores da cidade,146 sua intenção
de negociar com o governo brasileiro a transferência de migrantes pelo porto de
Hamburgo. No mês seguinte foi formada uma associação composta por armadores e
comerciantes hamburgueses, a exemplo de “H. J. Merck & Cia.”, “Christian Matthias
Schröder & Cia”, e “C. J. Johns filhos”,147 com o objetivo de arregimentar mais sócios
investidores para formar o capital da futura “Sociedade de Proteção aos Emigrados
Alemães do Sul do Brasil”.148
Blumenau tinha uma ligação com Gültzow desde sua estadia em Hamburgo,
por isso, provavelmente sabia da formação da Sociedade. Além disso, outros
contatos e recomendações de comerciantes e autoridades da cidade poderiam
142
Em correspondências aos pais e ao cônsul Sturz, não mencionou a data precisa do acordo com a
companhia, no entanto, segundo Richter o vínculo foi efetuado em 10 de setembro. Cf: RICHTER,
Klaus. Os primórdios da colonização..., p. 14.
143
RICHTER, Klaus. Os primórdios da colonização..., p. 14.
144
RICHTER, Klaus. Os primórdios da colonização..., p. 11.
145
O comitê, ou comissão de investidores e comerciantes foi denominado “Associação Provisória
para a Proteção aos Emigrados Alemães no Sul do Brasil”, com o objetivo de angariar fundos para
formar a “Sociedade de Proteção aos Emigrados Alemães do Sul do Brasil”. RICHTER, Klaus. Os
primórdios da colonização..., p 11.
146
O senador negociou o primeiro tratado comercial entre o Império do Brasil e a três cidades livres e
independentes da Alemanha do Norte (Hamburgo, Bremen e Lubeck) e desde 1841 se manifestava
favorável à instalação de colônias agrícolas no Brasil. RICHTER, Klaus. A fundadora de Joinville..., p.
79.
147
RICHTER, Klaus. Os primórdios da colonização..., p. 14.
148
RICHTER, Klaus. A fundadora de Joinville..., p. 80.

54
colaborar para firmar relações de negócios com os hamburgueses. A situação se
evidencia, com o já comentado empenho de Blumenau em viabilizar negócios
relativos à emigração naquele porto. Tais conexões eram importantes para seus
planos: em uma carta enviada aos pais, enquanto iniciava a viagem ao Brasil, ele
revelou o quanto considerava importante as “recomendações” e “simpatia” do
comerciante, ao solicitar que os pais e familiares que ainda viviam na região do Harz
– onde Blumenau nasceu – acolhessem e recebessem da melhor maneira o
comerciante Gültzow, se acaso ele empreendesse uma viagem ao local.149
Quando Blumenau percebeu a intenção de Gültzow de visitar o lugar, pediu a
seus familiares que o recepcionassem e o acolhessem durante a viagem de outono;
a satisfação do convidado poderia favorecer a relação de negócios que estava se
firmando entre eles, além disso, agradar o comerciante era importante para que ele
viabilizasse os planos que tinha em relação aos hamburgueses. Blumenau
considerava que o vínculo com Gültzow, por exemplo, seria “revertido em benefício”
a ele, pois o comerciante apoiava seu projeto, e falaria a seu “favor” junto aos sócios
da Sociedade em formação.150 Assim, o episódio revela quanto as relações pessoais
e o acolhimento de indivíduos que perambulavam em suas atividades empresariais
poderiam ser importantes para o sucesso do tipo de empreendimento que ele
pretendia. Blumenau parecia estar mesmo convicto de que as indicações do
comerciante reverteriam a seu favor em seus planos e futuros negócios no Brasil.
No Rio de Janeiro, o Cônsul Geral de Hamburgo no Brasil, Hermann
Schröder, terceiro filho do já mencionado Senador Christian Mathias Schröder,
chefiava a filial da firma da família naquela cidade.151 Além disso, possuía as
atribuições de representante da Sociedade, como a observação das atividades de
sociedades de imigração de Bremen no Império. De acordo com Richter, a partir da
primeira instrução dada pela Sociedade, em maio de 1846, o cônsul recebeu a
autorização para agir na mediação das questões de interesse da Companhia com o
Governo Imperial.152 O fato de haver envolvimento do cônsul de Hamburgo em uma

149
AHJFS. BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta aos pais, Navio Johannes, no Rio Elbe entre
Glueckstadt e Cuxhaven, 6 de abril de 1846”. Carta 02. Doc. 01 – 2.3.4.1.1, p. 07-08.
150
AHJFS. BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta aos pais, Navio Johannes, no Rio Elbe entre
Glueckstadt e Cuxhaven, 6 de abril de 1846”. Carta 02. Doc. 01 – 2.3.4.1.1, p. 07-08.
151
RICHTER, Klaus. A primeira viagem do Dr. Blumenau para Santa Catarina em abril de 1847.
Blumenau em Cadernos. Edição especial 50 anos. Tomo XLVIII. Nov/Dez. n° 11-12, 2007, p. 83
152
RICHTER, Klaus. Os primórdios da colonização..., p 15

55
sociedade de imigração e colonização no Brasil pode estar relacionado à
possibilidade de retorno financeiro previsto no decreto imperial 356 de 26 de abril de
1844. Segundo este regulamento, os cônsules e vice-cônsules que atuassem no
desenvolvimento da emigração para o Brasil, seriam remunerados por serviços
prestados.153
Como representante da Companhia no Brasil, foi Hermann Schröder quem
contratou Hermann Blumenau para fornecer informações sobre a situação em que
os projetos de imigração e colonização estavam sendo colocados em prática,
principalmente no sul do Brasil. Blumenau e Schröder já haviam tido contato quando
o farmacêutico passou por Hamburgo. Isso pode se depreender da indicação de
endereço para correspondência dada aos pais em março de 1846: em Hamburgo
deveriam lhe escrever endereçando as missivas ao Senador Christian Mathias
Schröder, dono da casa comercial de mesmo nome, com sede na cidade; no Rio de
Janeiro deveriam enviar a Hermann Schröder.154 A própria instrução dada pela
Comissão da Sociedade ao cônsul Schröder confirma que ele e Blumenau tinham se
relacionado quando da passagem de Blumenau por Hamburgo. O texto menciona
que era decisão da Sociedade que o “já conhecido” Hermann Blumenau, fosse
designado para colher informações para auxiliar nos objetivos da Companhia.155
Desta forma, as relações com autoridades políticas e econômicas que ele tanto
prezava, ainda em Hamburgo, foram importantes na negociação com a Companhia.
A ordem de que Hermann Blumenau deveria fornecer “relatórios” à Sociedade
foi dada pela comissão, antes mesmo de chegar ao porto de Rio Grande em 20 de
junho de 1846,156 após 80 dias de viagem157 pelo Atlântico. Apesar de Blumenau já
ter se relacionado com membros da Companhia, como Gültzow e Schröder, parece
que ele esperava, mas desconhecia os planos que a Sociedade tinha para ele. As
cartas que Hermann escreveu aos pais no período detalham minúcias de sua

153
BRASIL. Coleção das leis do Império do Brasil de 1844. Tomo VII. Parte II. Rio de Janeiro:
Tipografia Nacional, 1845. Disponível em:
http://www.camara.gov.br/Internet/InfDoc/conteudo/colecoes/Legislacao/legimp-30/Legimp-30_13.pdf.
154
AHJFS. BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta aos pais, Hamburgo, 30 de março de 1846”.
Carta 01. Doc. 01 – 2.3.4.1.1, p. 04-06.
155
“Instruções dadas pela Comissão da Companhia em Hamburgo para Hermann Schröder”. Apud
RICHTER, Klaus. Os primórdios da colonização..., p 15. (Grifo meu)
156
RICHTER, Klaus. Os primórdios da colonização..., p 15.
157
AHJFS. BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta aos pais, Rio Grande do sul, 26 de junho de
1846”. Carta 04Doc. 01 – 2.3.4.1.1, p. 09-10.

56
viagem, como os contatos que havia feito e reuniões com o presidente da Província
do Rio Grande do Sul; mas não mencionavam até aquele momento qualquer
possibilidade de realizar trabalhos para a Sociedade. Somente em julho, quando já
estava no Rio de Janeiro, teve conhecimento das incumbências que recebeu,
informado que foi por Schröder.158
Desta forma, quando deixou Hamburgo em direção ao Brasil, Blumenau
possuía expectativas para os negócios da imigração e colonização, mas o vínculo
com a Companhia formou-se após ele já ter realizado a primeira viagem ao sul do
Império. Blumenau deveria se ater aos detalhes que indicassem as possibilidades de
estabelecer colônias de grande porte, nas províncias do Rio Grande do Sul e em
Santa Catarina.159 Os membros da Sociedade tinham bastante interesse na região, e
provavelmente levavam em consideração a experiência e o conhecimento adquirido
por ele; os relatórios sugeridos permitiam à Companhia direcionar a continuidade da
negociação e andamento de projetos de colonização com imigrantes alemães no
Brasil meridional.
Para Hermann Blumenau, a prestação de serviços para a Sociedade
Hamburguesa era uma opção de trabalho para sustento em sua viagem, e
oportunidade de manter-se vinculado a projetos de colonização no sul do Brasil.
Mas, apesar da proposta da companhia, parece que Blumenau não tinha
conquistado a simpatia de todos os membros, entre eles, do cônsul Hermann
Schröder. Numa carta de 4 de agosto enviada à Comissão de associados que
administrava a Sociedade em Hamburgo, Schröder revelou que pretendia manter “a
amizade do Dr. Blumenau pela causa hamburguesa”, mas que ele deveria continuar
com seu próprio projeto e não ser informado sobre as decisões do cônsul pela
Companhia.160 A opinião obtinha apoio de Adolph Schramm,161 que considerava que,
como o projeto de Blumenau visava terras para iniciar a colonização com imigrantes,
poderia ser prejudicial ao projeto da Companhia,162 além disso, era contrário ao

158
BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta a Sturz, Rio, 11 de agosto de 1846”. In: VOIGT, André F.
Cartas reveladas..., p. 34.
159
RICHTER, Klaus. Os primórdios da colonização..., p 14.
160
SHRÖDER, Hermann. “Informe a Sociedade Hamburguesa, 4 de agosto de 1846”. Apud
RICHTER, Klaus. Os primórdios da colonização..., p. 17.
161
Segundo Richter, no período da criação da Companhia Adolph Schramm estava estabelecido em
Maroim, no Sergipe, mas deveria viajar para a corte pelos objetivos da Sociedade. RICHTER, Klaus.
A fundadora Joinville..., p. 80. RICHTER, Klaus. Os primórdios da colonização..., p 12.
162
SCHRAMM, Adolf. “Carta a Sieveking, 28 de dezembro de 1846”. Apud Richter, Klaus. Os

57
pagamento de salário a Blumenau e qualquer vínculo mais estreito, mas apoiava sua
viagem ao sul pela Companhia, ação que segundo ele, interromperia os planos
particulares de Blumenau.163
As considerações nada elogiosas, de fato, revelam uma má vontade muito
grande de pessoas influentes em relação a Blumenau. Revelam também que mesmo
em terras brasileiras, Blumenau tinha de lidar com as disputas estabelecidas na
Europa, em torno de ideias e projetos de migração e colonização. As perspectivas de
Blumenau sobre seu trabalho com a Sociedade pareciam não coincidir com os
planos que a Companhia tinha para ele. Blumenau previa ganhos financeiros com a
possibilidade de um futuro emprego, e também tinha intenção de estar a par das
iniciativas colonizadoras daquela Sociedade; enquanto isso, alguns membros da
Sociedade não concordavam com qualquer acordo de maior vulto com Blumenau.
Contudo, Sturz e Gültzow, aliados de Blumenau em suas pretensões, não
convergiam com essa opinião, e pareciam argumentar em favor de Blumenau, fato
que pode ter interferido na forma de Schröder o tratar:

Conhecendo ele [Blumenau] melhor, cheguei a apreciá-lo cada vez mais.


Além disto, percebi pelas cartas dos senhores Friedrich Gültzow e Sturz,
que me apresentaram que estes senhores estavam convencidos de que nós
dois teríamos causa em comum. Ademais, preciso de alguém que me
assiste. Daí, entrementes, cheguei a conclusão que é do nosso interesse
vincular o Dr. Blumenau ao nosso empreendimento. Por isto, combinei com
ele que se dedique unicamente a nós, se bem que não de maneira direta.
Se por enquanto continuar com o seu próprio projeto, causará efeito indireto
bem melhor para nós. Está disposto, a qualquer momento que eu pedir, de
164
desistir do seu projeto e de tomar o nosso partido abertamente.

Para Richter, este fragmento indica que a concepção de Hermann Schröder


sobre Blumenau havia mudado. Talvez convencido por Sturz e Gültzow, o cônsul
resolveu vincular Blumenau ao empreendimento, no dia 10 de setembro de 1846.165
É provável que Schröder tenha sentido a necessidade dos serviços de Blumenau
para viabilizar seu trabalho pela Sociedade. Mesmo ele tendo se mostrado solícito

primórdios da colonização..., p. 18-19.


163
A comissão da Sociedade de Proteção aos Emigrados Alemães do Sul do Brasil redigiu a instrução
de que Blumenau recebesse por seus serviços remuneração, não desejando que fosse pago salário
fixo mensal. Não promovendo mais nenhuma obrigação para com ele, e que mantivesse o projeto
colonizador de Blumenau em separado. Cf: RICHTER, Klaus. Os primórdios da colonização..., p. 18.
164
SHRÖDER, Hermann. “Carta a Sociedade Hamburguesa, 11 de setembro de 1846” Apud
RICHTER, Klaus. Os primórdios da colonização..., p. 17.
165
RICHTER, Klaus. Os primórdios da colonização..., p. 17.

58
para desistir de sua iniciativa própria junto ao governo, a decisão de Schröder ainda
era mantê-lo vinculado de forma indireta, de acordo com as necessidades da
empresa.
Parece que Blumenau tinha consciência de que o cônsul necessitava dos
seus serviços para a continuidade dos projetos da Sociedade, pois afirmou em uma
carta ao cônsul Sturz que poderia estabelecer algumas condições no acordo:

Eu pedi as condições: resgate das custas de viagem em Rio Grande e aqui,


incluindo as minhas despesas de estadia aqui e da soma que me custarão
viagens eventuais a Santa Catarina e Rio Grande. Além disso, a tanto para
aqui poder viver decentemente; para tanto, Schröder fixou a soma de 200
mil reis mensais. (...) Eu poderia ter condicionado ainda mais, pois Schröder
precisa de mim, se ele quiser que a causa seja gerenciada, pois ele sozinho
166
nada pode fazer.

Hermann Blumenau previa benefícios com o ajuste com a Companhia, que


viabilizariam sua permanência no Brasil; ele se amparava na Sociedade para levar a
cabo seus planos específicos de manter-se envolvido no processo de imigração e
colonização alemã, em especial nas províncias do Rio Grande do Sul ou de Santa
Catarina. Atuando no interesse da Sociedade liderada por Schröder, ele poderia ter
um rendimento e até mesmo um cargo, mas ele não havia abandonado a ideia de
realizar um projeto particular de colonização, negociando junto ao governo. Segundo
registrou, seu projeto possuía maiores chances de receber aprovação, e isso o
tornaria “o senhor de todo o assunto” no Brasil. Esta situação ainda o ajudaria a
negociar com a Companhia Hamburguesa, com a qual poderia ser mais exigente.167
A proposta da Sociedade de Hamburgo não parecia garantir total estabilidade
para Blumenau, ainda mais com as posições controversas de alguns membros
acerca de sua contratação. Talvez seja por isso que ele declarou que havia decidido
168
refletir com mais calma sobre aceitar o trabalho para a Companhia. Naqueles
primeiros meses que viveu no Rio de Janeiro, ele cogitava alternativas de colocação,
também envolvendo a imigração e colonização no Brasil. Pelo menos é o que se
infere a partir da carta que escreveu aos pais em 2 de agosto de 1846, poucos dias

166
BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta a Sturz, 14 de setembro de 1846”. In: VOIGT, André F.
Cartas reveladas..., p. 45.
167
AHJFS. BLUMENAU, Hermann Bruno Otto “Carta a Göetter, Rio de Janeiro, 16 de setembro de
1846”. Carta 07. Doc. 01 – 2.3.4.1.1, p. 29-32.
168
AHJFS. BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta aos pais, Rio de Janeiro, 3 de agosto de 1846”.
Carta 06. Doc. 01 – 2.3.4.1.1, p. 17-27.

59
após ter chegado ao Rio de Janeiro:

Meus assuntos aqui vão razoavelmente, tenho perspectiva de conseguir


pelo menos alguma coisa referente à colonização. Recebi duas ofertas de
partes diferentes - uma do governo, de acompanhar uma comissão para
conhecer as condições relativas a colonização nos trópicos, mas com a qual
por hora não quero concordar, uma outra de uma sociedade, que quer
devolver todos os meus gastos, fornecer uma soma para a viagem e
perspectiva de um emprego.
Ainda não me decidi, porque por conta própria, talvez eu vá melhor o que
logo saberei, porém deixei ambos os caminhos abertos, mas não são más
169
as ofertas.

Pode ser que, com estas notícias, ele quisesse tranquilizar ou impressionar os
pais. Porém, a carta sugere que ele estava em situação bem confortável, com duas
ofertas de emprego. Uma delas, segundo ele, fora feita pelo governo. Ele não
explicita a que âmbito de governo se referia – provincial ou geral –, mas revelou que
não tinha intenção de aceitar a proposta de “acompanhar a comissão”. Esta função
talvez não lhe agradasse, pois ele não teria garantia de obter um cargo remunerado
ou reconhecido, ou até mesmo vantagens significativas para realizar negócios
futuros que aparentemente já tinha em vista. A segunda oferta parecia ser mais
vantajosa, pois lhe oferecia a devolução de todos os gastos com viagens e
hospedagem no Brasil, além de uma soma para outra viagem e a perspectiva de
emprego. Esta proposta possivelmente provinha da Sociedade Hamburguesa,
representada por Hermann Schröder, pois as condições já mencionadas sugeridas
estão de acordo com a ordem dada ao Cônsul.170
Além destas duas propostas, Hermann Blumenau, tinha esperanças de que
seu projeto próprio fosse fomentado pelo governo. Ele havia enviado ao Governo
Imperial uma proposta de colonização que se efetivaria no sul do Brasil, e neste
período aguardava a análise dele pela Câmara.171 E ainda cogitava a formação de
outra sociedade colonizadora em Berlim, que poderia financiar seu projeto:

Quero ver agora que notícias receberei de Berlim onde uma sociedade
colonizadora se formou com 2 mil Thaler de capital. Se a mesma se formou

169
AHJFS. BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta aos pais, Rio de Janeiro, 2 de agosto de 1846”.
Carta 05. Doc. 01 – 2.3.4.1.1, p. 16. (Grifo da fonte).
170
SCHRÖDER, Hermann. “Instruções da Companhia Colonizadora de Hamburgo” Apud RICHTER,
Klaus. Os primórdios da colonização..., p 15; AHJFS. BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta aos
pais, Rio de Janeiro, 3 de agosto de 1846”. Carta 06. Doc. 01 – 2.3.4.1.1, p. 17-27.
171
RICHTER, Klaus. Os primórdios da colonização..., p 15.

60
definitivamente e se enviarão para mim dinheiro suficiente. No entanto
conservo e levo adiante com calma meu trabalho iniciado e para o qual vejo
sucesso. Os trabalhos já foram iniciados, o que verifiquei através dos papéis
de Hamburgo que talvez se unam aos berlinenses, o que só pode ser bom
172
para o projeto como para mim também.

Assim, Blumenau não descartava a possibilidade de atuar em projetos


colonizadores no Brasil por meio da união com esta sociedade de Berlim. Esta
alternativa pode ter se definido a partir dos contatos que fez com o Cônsul Sturz e o
Embaixador do Brasil naquela cidade, Visconde de Abrantes. As conjecturas do
acordo com esta sociedade podem também ter sido influenciadas pelas notícias que
chegavam a ele, no Rio de Janeiro, e até mesmo pelas informações que conseguia
da Sociedade Hamburguesa. Esta Companhia, segundo Blumenau, também poderia
se unir com a aquela formada em Berlim, não deixando de trazer boas perspectivas
para seus planos.
Enquanto permaneceu entre Rio Grande e o Rio de Janeiro, cogitava algumas
propostas de trabalho; manteve-se em negociação com a Sociedade Hamburguesa
em busca de garantir um cargo efetivo, ao mesmo tempo em que depositava
esperanças na proposta de colonização particular que havia enviado ao governo.
Tantos “caminhos” indicam os meios de atuação de Blumenau para sua permanência
no Brasil, todos permitiam a ele constituir negócios relacionados à imigração e
colonização no país.

1.6 Os termos de um projeto de colonização e sua aplicabilidade no sul do Brasil.

As correspondências de Blumenau para familiares e para o cônsul Sturz, e


alguns pronunciamentos e instruções de membros da Sociedade, indicam as
estratégias que Blumenau utilizava para viabilizar os planos que trouxera em sua
bagagem quando, cruzando o Atlântico, aportou no Rio Grande em meados de 1846.
Ele buscou ficar envolvido com a Sociedade de Hamburgo, mas não deixou de
esperar pela resposta do governo para sua própria proposta. Quando Blumenau
chegou ao Império, estava munido com as recomendações de autoridades e

172
AHJFS. BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta aos pais, Rio de Janeiro, 3 de agosto de 1846”.
Carta 06. Doc. 01 – 2.3.4.1.1, p. 17-27.

61
comerciantes europeus, mas principalmente trazia consigo as instruções do cônsul
Sturz, que se referiam ao modo que Blumenau deveria agir quando chegasse ao
Brasil, até mesmo ao conteúdo de seus planos de colonização.
Desde o desembarque no Brasil, Blumenau buscou se inteirar sobre o
andamento do processo de imigração e colonização no Império. Como seu primeiro
destino foi a província mais ao sul do Império, ele registrou as impressões daquela
região. Blumenau descreveu aspectos da natureza de Rio Grande e Pelotas,
comentando sobre o clima e a paisagem, a alimentação e os hábitos considerados
peculiares dos habitantes com quem teve contato. Mas, principalmente, demonstrou
estar satisfeito com a experiência, pois havia conseguido adquirir “conhecimento
valioso sobre produtos da terra, agricultura e valor das propriedades, etc”.173 Ele
parecia estar atento às características que favoreciam o desenvolvimento da
colonização alemã, como a oportunidade de terra para o trabalho dos imigrantes.174
Devido a um conselho do Presidente da Província Patrício José Correia da
Câmara que lhe prometera mais “recomendações” para o governo do Rio de Janeiro,
a visita para o interior da província durou apenas três dias. Apesar do curto período
de estadia naquela região, ele aproveitou para buscar angariar apoio político para o
projeto de colonização que pretendia aplicar:

Achei a região entre Rio Gonçalves e Pelotas especialmente boa para a


colonização. As terras lá vão subir vertiginosamente, quando tiverem
arrumado a Barra e construído uma casa de alfândega. Existe muito minério
de ferro na província, também carvão de pedra, e já me mostraram bonitos
degraus de minérios de cobre. Dizem que tem ouro nos rios. Convidado por
alguns ricos fazendeiros de Pelotas, esbocei uma petição em favor da
minha causa às câmaras. Pode-se adquirir terras bonitas a 7 léguas de
Pelotas ao preço de 1 conto de légua, e lá ainda se devem encontrar 28
175
léguas de terras devolutas.

Hermann Blumenau buscou encontrar aspectos importantes para o


desenvolvimento da colonização na região, como a possibilidade de exploração de
minérios, e principalmente a facilidade de conseguir terras devolutas ou a um preço
acessível. Perante a situação considerada propícia, Blumenau enviou uma “petição”
173
AHJFS. BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta de 03 de agosto de 1846”. Carta 06. Doc. 01 –
2.3.4.1.1, p. 17-27.
174
AHJFS. BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta de 26 de junho de 1846”. Carta 04. Doc. 01 –
2.3.4.1.1. p. 09-10.
175
BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. Carta a Sturz, 11 de agosto de 1846”. In: VOIGT, André F.
Cartas Reveladas..., p. 34-35.

62
em que divulgava suas ideias, visando conseguir do governo a distribuição de terras
devolutas para colonização. Na oportunidade, Blumenau encontrou as primeiras
resistências ao seu projeto. O ministro Antônio de Paula Holanda Cavalcanti, diante
de seu requerimento, considerou que para Rio Grande “já iam pessoas demais”,
mais do que ele parecia gostar, pois para ele, os colonos deveriam ser mantidos sob
os olhos do governo.176 Ele também recebeu comentários favoráveis que procurava
das autoridades naquela província. No entanto, afirmou que não se prendia com
esperanças a elas, pois no Brasil, era costume “prometer muito”, mas não “gostavam
de cumprir”.177 Em relação a esta proposta Blumenau não logrou êxito.
Contudo, logo depois de chegar ao Rio de Janeiro, em 13 de julho de 1846,178
encaminhou seu projeto ao Governo Imperial, aquele mesmo que se tornou sua
segunda opção enquanto negociava com a Sociedade de Hamburguesa. Em uma
carta enviada a Sturz em 11 de agosto de 1846, Blumenau indicou mais detalhes do
conteúdo da petição, produzida a partir de termos discutidos entre ele e o cônsul
Sturz, adequadas às circunstâncias específicas encontradas no Brasil, e por isso,
esperava que os pontos da proposta recebessem seus aplausos:

Duração do contrato: 20 anos; cessão de 20 milhas quadradas = 400 léguas


nas províncias do Rio Grande e Santa Catarina por 30:000$000, juntos ao
qual o Governo se compromete por todas as dúvidas, de que reclamações
só podem ser dirigidas a ele e se compromete de não doar terras destas
províncias, nem jamais vendê-las por preços mais baixos. Concessão de
um prêmio-terra e 1 légua quadrada para cada um de 80 cabeças de
imigrantes, que eu trouxer além do número estipulado. Entrega o mais
rápido possível das listas de terras devolutas, das quais primeiramente
publico inicialmente ¼ e após decorrer um ano, mais ¾, espaço de tempo
no qual não pode mais acontecer nenhuma venda, nem donativo, etc. Os
colonos são dispensados do serviço de Guarda Nacional fora de suas vilas,
usufruem todos os direitos de cidadãos brasileiros e elegem os seus juízes
de paz e seus árbitros entre o seu próprio pessoal. Padres, pastores e
professores são colocados á disposição pelos próprios colonos, da mesma
forma constroem igrejas onde e como quiserem. Após 20 anos, o Governo
terá que assalariar os pastores evangélicos e os professores. Não é
permitida a escravatura nas terras concedidas e após três anos nenhum
escravo deveria ser usado na colônia mais de três semanas, sem ser
alforriado. O colono que fizer um escravo trabalhar em sua colônia, por sua
conta, terá que pagar o quíntuplo do valor do salário diário como multa, e
todo o salário do dono vai para a caixa da colônia para passagens livres.
Cada comprador de terras do Governo terá que se submeter às mesmas

176
BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta a Sturz, Rio, 11 de agosto de 1846”. In: VOIGT, André F.
Cartas reveladas..., p. 34-37.
177
BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta aos pais, Rio de Janeiro, 03 de agosto de 1846”. Carta
06. Doc. 01 – 2.3.4.1.1, p. 17-27.
178
RICHTER, Klaus. A primeira viagem do Dr. Blumenau..., p. 83.

63
condições da referido província. Visto de passaporte dos colonos de
179
graça(...).

Alguns dos termos mencionados indicam seus posicionamentos, como a


preocupação com a liberdade e direitos dos colonos imigrantes e a permissão de
agirem com autonomia na escolha de autoridades políticas e eclesiásticas, ou não
precisarem exercer serviços na Guarda Nacional, e a proibição do trabalho escravo,
prevendo multas significativas para o colono responsável. Além disso, a proposta
previa a distribuição de lotes devolutos para colonização. Não necessariamente
como cessão, mas como venda em prestações pelo governo. Richter afirma, que se
acaso o projeto fosse aprovado, Blumenau se comprometia ainda a introduzir:

[...] um total de 30 mil pessoas na colônia no prazo de 20 anos de vigência


do contrato, depositando como garantia pelo cumprimento desta cláusula 10
– 15:000$000 em apólices no Banco do Rio. Introdução no primeiro
quinquênio de 500 por ano, no segundo 1000, no terceiro 2000, e no quarto
2500. Propriedade irrestrita das terras para o Dr. Blumenau, depois do
180
pagamento das somas e da introdução dos colonos.

Com isso, Blumenau propunha promover a migração em massa alemã para o


núcleo de colonização, com a introdução de até 2500 pessoas por ano. Além disso,
ele confirmava seu interesse em terras cedidas pelo governo, com preferência na
região sul do Brasil, e também no oferecimento de prêmios em léguas de terras para
a determinada quantidade de imigrantes, que trouxesse além do número estipulado.
Segundo Seyferth, as propostas colonizadoras do período tinham em vista a
concessão de terras, a preços módicos.181 As sociedades de imigração estrangeiras
foram responsáveis por parte destes projetos, que tinham como um dos objetivos
centrais o recebimento de terras para a colonização. No caso de Blumenau também
se configurava como parte de sua proposta, da mesma forma que compunha o
requerimento da Sociedade Hamburguesa, que também aguardava aprovação do
governo brasileiro. O projeto de colonização da Companhia foi entregue pelo cônsul
geral de Hamburgo Hermann Schröder ao Ministro do Império Joaquim Marcellino de
Brito, em 3 de agosto de 1846, nos seguintes termos:

179
BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta a Sturz, Rio, 11 de agosto de 1846”. In: VOIGT, André F.
Cartas reveladas..., p. 34-37.
180
RICHTER, Klaus. Os primórdios da colonização..., p. 15-16.
181
SEYFERTH, Giralda. O Vale do Itajaí e a Política..., p. 76.

64
Concessão gratuita e segura de vastas extensões de terras contíguas,
apropriadas para a agricultura e comércio, no Rio Grande do Sul e em
Santa Catarina, benção dos impostos de tonelagem e ancoragem para os
navios trazendo mais de 80 emigrados. Concessão de um prêmio de
15$000 por cada colono introduzido maior de 10 anos. Livre importação das
provisões durante o primeiro ano, assim como dos materiais de construção
e utensílio agrícolas. Isenção de todas as contribuições diretas para todos
os emigrados, pelo tempo de 10 anos depois da instalação deles. Isenção
do serviço militar durante a vida inteira, excetuando o da Guarda Nacional
para proteger as colônias. Liberdade do culto nas colônias, incluindo
construção das igrejas protestantes da mesma forma como as católicas.
182
Concessão de livre constituição municipal ás colônias.

Em contrapartida, a Sociedade se comprometia a constituir-se numa empresa


com um milhão de marcos em ações; se responsabilizava a preparar e demarcar os
terrenos para pelo menos dois mil colonos, inicialmente; disponibilizar passagem
livre para aqueles que adquirissem um terreno no valor de 60 Táleres ou mais; e
hospedar e alimentar os imigrantes. Também se comprometia a empregar 20% do
rendimento líquido da venda dos lotes em obras como escolas, igrejas e hospitais, e
10% para distribuição de passagens livres.183
As duas propostas comparadas apresentam pontos comuns: a preocupação
em garantir os direitos civis dos imigrantes e o interesse central em terras
localizadas nas províncias de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. No entanto,
Blumenau colocou entre os termos a compra de terras pelo valor de 30:000$000,
com um longo prazo de pagamento para o governo, enquanto a proposta da
sociedade previa a concessão gratuita de terras para a administração da companhia.
Apesar de Blumenau futuramente usufruir dos prêmios por imigrantes, nesta ocasião
ele previa que o excedente de pessoas trazidas deveria ser beneficiado com
prêmios em terras, enquanto a Sociedade pedia 15$000 por cada colono introduzido
no empreendimento.
Em 1846, o Visconde de Abrantes afirmou que a concessão de terras á
Companhias seria conveniente, desde que estas se obrigassem a estabelecer nas
terras de colônia um número estipulado de indivíduos e famílias.184 Como visto as
duas propostas se comprometiam a trazer grande quantidade de imigrantes, e
contava com a concessão das terras pelo governo, entre outras atribuições. Os
182
RICHTER, Klaus. Os primórdios da colonização..., p. 22-23.
183
RICHTER, Klaus. Os primórdios da colonização..., p. 22-23.
184
ABRANTES, Visconde de. Memórias sobre o meio de promover a colonização..., p. 848.

65
projetos indicam que os objetivos das sociedades, ou particulares, eram manterem-
se com certa autonomia em relação ao governo, prevendo que a distribuição dos
terrenos entre os colonos ficaria sob a responsabilidade do proponente e
administrador da colônia.
Em uma carta enviada à Sociedade de Imigração Suíça, em 1843, o cônsul
suíço na Bahia – Augusto Decosterd – teceu comentários sobre a interferência do
governo brasileiro no processo de colonização com imigrantes europeus.

Quanto menos o Governo se entremeter (sic) neste negócio, quanto menos


tivermos de tratar particularmente com os empregados subalternos, melhor
será. O Governo sempre esteve pronto á fazer doação de terrenos; ele foi
mesmo muito além do que devia; por quanto aventureiros que lhe
submeterão os seus belos planos tiveram grande concessões de terrenos
185
que se acham agora como perdidos.

Segundo o cônsul, melhor seria para as sociedades uma diminuta


interferência do governo nas negociações, mas que ele continuasse a conceder
terras, mesmo tendo dado concessões anteriores que não tiveram grande êxito para
colonização. Apesar disto, era de interesse das Companhias que o governo
atribuísse, além das terras, a redução de taxas de transporte e de ancoragem dos
navios e o oferecimento de prêmios por imigrantes trazidos. Com isso, os projetos de
colonização propunham o agenciamento e transporte de imigrantes, bem como a
distribuição e venda de terrenos para os colonos e a instalação destes nos lotes,
indicando que a concessão de terras para companhias ou particulares, como
Blumenau, era um meio de dar forma aos negócios da imigração e colonização no
Brasil. Com isso, parecia ser vantajoso para os administradores de núcleos coloniais
receberem terras do governo e outras vantagens financeiras, enquanto
desenvolviam a colonização por meio da venda de lotes para os futuros colonos.

1.7 “Aos pés do túmulo” de um projeto de colonização em Santa Catarina

Hermann Blumenau e a Sociedade Hamburguesa mantinham projetos


colonizadores distintos juntos ao Governo Geral, aguardando aprovação. Enquanto
185
DECOSTERD, Augusto. “Carta a Sociedade de Imigração Suíça Decosterd” apud ABRANTES,
Visconde de. Memórias sobre o meio de promover a colonização..., p. 873.

66
isso, Blumenau fornecia à Sociedade relatórios informativos sobre o
desenvolvimento da colonização e imigração das províncias do sul do Brasil. De
acordo com Richter, ele escreveu sete relatórios detalhados até novembro de 1847 e
neste intervalo de tempo, realizou outra viagem ao sul do Brasil, com subsídios da
Companhia.186 Parece, no entanto, que nenhuma das iniciativas recebeu apoio do
governo. A proposta de colonização da Companhia Hamburguesa, mesmo após
várias alterações, chegou ao fim do ano de 1847, recebendo respostas negativas. A
Sociedade deveria abandonar o formato de projeto que apresentara e escolher
entre: comprar terras privadas, obter concessões de terras provinciais, ou então
desistir da proposta de uma vez.187
Ficava cada vez mais perceptível para os envolvidos em projetos de
colonização no Brasil que as terras não seriam facilmente disponibilizadas pelo
governo. Blumenau comentou sobre isto em uma carta em fins do ano de 1846,
quando se referiu à concessão de terras solicitada ao governo imperial nos termos
de sua proposta de colonização e que as extensões de terras não seriam recebidas
como esperado. Para ele, a única saída deste problema seria a compra de terras, e,
neste caso, parecia que ele considerava o Uruguai como o local onde se havia de
efetuar o negócio, se não encontrasse investidores na Europa para fomentar a
colonização nas províncias do sul do Brasil.188
A preferência pelo sul do Brasil já era clara nos objetivos colonizadores, tanto
de Blumenau quanto da Companhia. Hermann Blumenau elogiava as condições das
regiões de São Leopoldo no Rio Grande do Sul, Vale do Itajaí, região do interior de
Santa Catarina, e ainda Antonina nas redondezas de Paranaguá, na Província de
São Paulo.189 Em uma carta de setembro de 1847 ao cônsul Sturz, ele afirmou que
se possuísse dinheiro, já teria se dirigido a alguma dessas câmaras provinciais para
“fechar contratos de colonização”. Para ele, era imperdoável que a Companhia de
Hamburgo, que possuía fundos, não agisse da mesma maneira.190
Hermann Blumenau estava convicto que obteria êxito se tivesse o valor

186
RICHTER, Klaus. A primeira viagem do Dr. Blumenau..., p. 84
187
RICHTER, Klaus. Os primórdios da colonização..., p. 26.
188
BLUMENAU, Hermann Bruno. “Carta a Sturz, Rio de Janeiro, fins do ano de 1846”. In: VOIGT,
André F. Cartas reveladas..., p. 55-56.
189
RICHTER, Klaus. Os primórdios da colonização..., p. 33.
190
BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta a Sturz, Rio de Janeiro, 20 de setembro de 1847”. In:
VOIGT, André F. Cartas reveladas..., p. 59.

67
necessário para investir na compra de terras para a colonização. Segundo ele, as
províncias do sul do Brasil iriam fazer o possível para incentivar a colonização em
seus territórios.191 Porém, parece que sua situação financeira não permitia que ele
negociasse com as províncias para encabeçar sozinho o projeto de colonização em
grande escala. Talvez por isso tenha continuado ligado à Sociedade Hamburguesa,
pois por meio dela ele poderia tratar com os governos provinciais tais propostas. De
fato, no final do ano de 1847, Hermann Blumenau foi incumbido pela Sociedade de
negociar contratos de colonização com os governos de São Paulo, Santa Catarina e
Rio Grande do Sul; tais contratos deveriam estipular a compra de terras na base de
60$000 a légua quadrada.192
Mesmo com outras províncias que lhe poderiam ser favoráveis, em meados
de 1848, Hermann Blumenau, como representante da Sociedade, enviou para a
Província de Santa Catarina um requerimento contendo uma proposta de
colonização. Para ele, Santa Catarina possuía terras propícias para o
desenvolvimento colonial, pois ela disponibilizava “mais de mil léguas quadradas
devolutas”. Por isso, previa que para o êxito do projeto de colonização da
Sociedade, deveria solicitar terras devolutas e às Câmaras de Santa Catarina, ou em
segundo plano, comprar terras particulares naquela província.193
A escolha por Santa Catarina não era somente propícia aos objetivos da
Companhia, mas também para os interesses particulares de Blumenau. Segundo
Richter, ele manteve-se no serviço remunerado pela Sociedade, enquanto montava
uma empresa particular de agricultura e indústria na região do Vale do Itajaí em
Santa Catarina.194 Provavelmente, o vínculo com a empresa lhe garantia a
permanência na província por ele escolhida, e assim ele poderia atuar em seu
benefício. Se um projeto em grandes proporções era inviável a Blumenau, ele
projetava investir em uma empresa de pequeno porte, voltada à produção agrícola e
industrial (produção de bens de consumo como açúcar e farinha de mandioca ou
extração de madeira e minérios) baseada na colonização de imigrantes alemães.
Como afirmou em uma carta de setembro de 1846, ele tinha planos de investir em
191
BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta a Sturz, Rio de Janeiro, 20 de setembro de 1847”. In:
VOIGT, André F. Cartas reveladas..., p. 59.
192
RICHTER, Klaus. Os primórdios da colonização..., p. 33.
193
BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. Relatório 11 de janeiro de 1847. Apud RICHTER, Klaus. A
primeira viagem do Dr. Blumenau..., p. 84.
194
RICHTER, Klaus. Os primórdios da colonização..., p. 34.

68
um negócio que envolvesse a compra de um “pedaço de terras”, que tivesse acesso
às comunicações marítima e fluvial, que lhe trouxesse lucros com madeira ou
minérios. Contudo, ainda iria analisar melhor suas possibilidades, até mesmo em
relação ao melhor local para aplicar o plano – neste período ele tinha maior interesse
pelo Rio Grande do Sul.195
No entanto, a escolha do local para seu negócio próprio voltou-se para o
interior de Santa Catarina, mais precisamente na região do Vale do Itajaí,
principalmente devido aos contatos importantes que ele estabeleceu na província, o
que facilitaria seus objetivos de negócio.196 Desta forma, Hermann Blumenau em
meados de 1848, se associou ao ecônomo Ferdinand Hackhadt, que teria sido
apresentado a ele por intermédio do cônsul Sturz,197 e, juntos, compraram terras na
região do Vale do Itajaí.
Assim, Blumenau continuou trabalhando para a Companhia ao mesmo tempo
em que procurava viabilizar um projeto próprio de colonização na região do Itajaí,
como a compra das terras junto com Ferdinand Hackradt evidencia. Enquanto ele
representava a Sociedade junto ao governo da província, colocava em prática seus
planos particulares. Em uma carta aos pais de 21 de abril de 1848, escrita da cidade
de Desterro, na Província de Santa Catarina, ele comentou sua atuação ambivalente
e a separação que fazia nos negócios pessoais e dos hamburgueses:

Com os meus negócios particulares estou satisfeito, mais ou menos.


Compramos um complexo de terras de bom tamanho, que representa uma
aquisição vantajosa. São duas partes, das quais 5.400 alqueires formam
uma superfície só, estando localizadas a margem sul do (rio) Itajaí,
começando um pouco além do salto, estendem-se até uma hora de viagem,
198
mais ou menos, abaixo do mesmo.

Parecia a Blumenau que seus negócios particulares tomavam o rumo


previsto, e ele demonstrava estar satisfeito com o seu “primeiro objetivo”, que era o
de submeter o projeto Hamburguês à Câmara Provincial. Em carta que escreveu aos
pais em abril de 1848, ele registrou as dificuldades que enfrentava nas tarefas que

195
BLUMENAU, Hermann Bruno Ottto. “Carta a Götter, 16 de setembro de 1846”. Carta n. 07. Doc. 01
– 2.3.4.1.1, p. 29-32.
196
RICHTER, Klaus. A primeira viagem do Dr. Blumenau..., p. 90.
197
STURZ, Johann Jacob. “Os extratos das cartas do Dr. Blumenau”. In: VOIGT, André F. Cartas
reveladas..., p. 25.
198
AHJFS. BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta aos pais, Desterro, 21 de abril de 1848”. Carta
09. Doc. 01 – 2.3.4.1.1, p. 35-45.

69
realizava para a Companhia: além do desgastante e cansativo trabalho de redigir a
proposta e aguardar sua aprovação, teve que dispor de propinas com dinheiro
próprio.199
A proposta enviada à Província de Santa Catarina, na qual Hermann
Blumenau assinava como agente autorizado para contratos da Sociedade de
Proteção aos Emigrados Alemães do Sul do Brasil,200 era composta por 23 artigos
que contemplaram as atribuições da Companhia e da província. O documento,
201
idêntico ao enviado ao ministro do Império em 1847 , foi remetido à Comissão de
Colonização da Província em março de 1848, que julgou os artigos propostos e
proferiu uma representação à Assembleia Legislativa.
A proposta previa a concessão de duas datas de terras em tamanho de cinco
léguas quadradas, devolutas ou que estivessem caídas em comisso, que seriam
pagos com o foro anual de 60$000 a légua quadrada. A companhia se prontificava a
demarcar os terrenos em lotes em até 12 meses e trazer cerca de 1500 imigrantes
anualmente, em até 10 anos. Além disso, disponibilizaria aos colonos recepção
adequada, com alimentação e os cuidados de saúde necessários e ficaria
responsável pela construção de benfeitorias para o desenvolvimento colonial como
pontes, estradas e meios de comunicação, de acordo com as ingerências dos
governos, provincial e imperial.
O projeto requeria do governo provincial a isenção de taxas e impostos sobre
os trâmites da venda e compra de terras pelos colonos, a ancoragem dos navios,
bem como sobre os produtos e utensílios para trabalho transportados pelos
imigrantes. Além da naturalização destes como cidadãos brasileiros, com ou sem
posse de lotes de terras. Enquanto esperava do Governo Imperial, a garantia do
pagamento das despesas da colonização com a quantia de 2$000 anuais para cada
colono introduzido nos primeiros dez anos, e a quantia de 1$000 nos cincos anos
seguintes.202
A proposta também indicava a proibição da presença de trabalhadores

199
AHJFS. BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta aos pais, Desterro, 21 de abril de 1848”. Carta
09. Doc. 01 – 2.3.4.1.1, p. 35-45.
200
AHJFS. “Requerimento e projeto para a Assembleia da Província de Santa Catarina”. 1848. Fundo
Blumenau – Colônia Particular 1846-1860. Pasta 02. Doc. 06.
201
RICHTER, Klaus. Os primórdios da colonização..., p. 34.
202
AHJFS. “Requerimento e projeto para a Assembleia da Província de Santa Catarina”. 1848. Fundo
Blumenau – Colônia Particular 1846-1860. Pasta 02. Doc. 06.

70
escravos em terras concedidas pelo governo, e determinava que o trabalho de
imigrantes pobres no interior da colônia, em obras públicas ou para colonos
abastados, seria atribuição da administração da Sociedade. Além disso, estabelecia
que os contratos de compra de lotes com os colonos fossem realizados na forma da
lei provincial 49 de 15 de junho de 1836, que determinava que houvesse a liberdade
de escolha dos imigrantes de aceitarem ou não os termos do contrato.203
A comissão de Colonização da província, presidida por Alvim Mendes Ayres
enviou um parecer à Assembleia Legislativa de Santa Catarina, contendo os termos
do projeto que eram condizentes com as atribuições legislativas dos deputados.
Como alguns termos do projeto fugiam da alçada da Assembleia, o redator do
documento condensou em 10 artigos as disposições consideradas como pertinentes
para a Câmara legislar.204 Os artigos tratavam da concessão de duas sortes de
terras e a divisão dos lotes convenientes para a Companhia. A Sociedade teria
direito a vantagens e privilégios concedidos pelo governo a outras companhias. Os
contratos com colonos seriam feitos na forma da lei 49 de 1836, enquanto o artigo
dois, que regulava o tamanho dos lotes coloniais, seria revogado. Seria proibida a
posse indiscriminada de lotes de terras pelos colonos e a presença de trabalhadores
escravos em terras cedidas pela província, e permitida a expulsão de sujeitos
considerados indesejáveis.
A Assembleia Legislativa, por sua vez, encaminhou a proposta ao Presidente
da Província Antero José Ferreira de Brito que negou a sanção da lei proposta, pois
considerava que os artigos, apesar de interessantes, não eram suficientemente
claros, gerando dúvidas sobre sua aplicabilidade.205 Novamente, a proposta foi
encaminhada para uma Comissão formada para legislar sobre os artigos e
pareceres já feitos sobre o projeto, que indeferiu as duas versões, considerando a
primeira “inadmissível”, “incoerente”, “absurda”206 e a segunda por inferir a
revogação do artigo dois da lei 49 de 1836. O artigo previa que as terras escolhidas

203
AHJFS. “Requerimento e projeto para a Assembleia da Província de Santa Catarina”. 1848. Fundo
Blumenau – Colônia Particular 1846-1860. Pasta 02. Doc. 06.
204
AHJFS. “Requerimento e projeto para a Assembleia da Província de Santa Catarina”. 1848. Fundo
Blumenau – Colônia Particular 1846-1860. Pasta 02. Doc. 06.
205
AHJFS. “Requerimento e projeto para a Assembleia da Província de Santa Catarina”. 1848. Fundo
Blumenau – Colônia Particular 1846-1860. Pasta 02. Doc. 06.
206
A comissão foi assinada pelo Deputado Falcão Caldeira Sarmento Paiva. AHJFS. “Requerimento e
projeto para a Assembleia da Província de Santa Catarina”. Fundo Blumenau – Colônia Particular.
1848. Pasta 02. Doc. 06, p. 17.

71
pelos empreendedores deveriam ser divididas conforme as seguintes proporções:
200 braças de frente para cada colono solteiro; 250, sendo casado sem filhos, 350,
sendo casado com um até três filhos.207 Com a revogação deste artigo a Companhia
colonizadora teria poder irrestrito na distribuição das sortes de terras para os colonos
imigrantes. A Comissão foi contra a aprovação dos termos da proposta e proferiu a
seguinte resolução:

(...) fazendo desaparecer toda a certeza, toda a segurança da garantia aos


colonos, por parte do Governo Provincial, bem como toda espécie de direito
ás sortes que lhes forem distribuídas, torna-os inteiramente dependentes,
inteiramente escravos da companhia, contra o que a comissão
absolutamente se pronuncia, sendo, portanto, de parecer, que se rejeita, no
208
todo, o projeto em questão.

Parece que, em grande medida, foram os termos da proposta que permitiam à


Companhia plenos poderes de discriminar os lotes de terras que geraram a questão
central do argumento de oposição ao projeto. Mas, para alguns membros da
Companhia, não era de se esperar o contrário. Adolph Schramm, por exemplo, no
final do ano de 1847 já não tinha esperança de que a proposta fosse aprovada,
porém havia decidido permitir que Blumenau a apresentasse, arriscando a sorte com
a Província de Santa Catarina, apenas para “levantar os espíritos” dele.209 A resposta
do governo parece ter decepcionado Blumenau, como comentou em uma carta aos
pais de 1848:

Aqui eu me encontro também humilhado aos pés do túmulo dos meus


planos, e das minhas esperanças em prol de uma colonização em grande
estilo pela Sociedade Hamburguesa. A questão foi rejeitada na Assembleia,
devido intrigas e porque não tive dinheiro para conceder propinas às
pessoas indicadas. Esperei instruções e respectiva autorização até a última
hora pelo último navio de Hamburgo, mas não me veio resposta neste
sentido, e eu não pude arriscar mais dinheiro ainda, já que o agente no Rio
de Janeiro isentou-se de responsabilidade sob qualquer ponto de vista. Foi
indeferido, portanto, o grande projeto por culpa dos Hamburgueses, e em
210
prejuízo deles mesmos.

Hermann Blumenau declarou ter entregado o valor de 350$000 e um relógio

207
SANTA CATARINA (Prov.). Coleção de Leis da Província de Santa Catarina. [s.l.]: [s.n.], p. 89-91.
208
AHJFS. “Requerimento e projeto para a Assembleia da Província de Santa Catarina”. 1848. Fundo
Blumenau – Colônia Particular 1846-1860. Pasta 02. Doc. 06, p. 18.
209
RICHTER, Klaus. Os primórdios da colonização..., p. 34.
210
AHJFS. BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta aos pais, Desterro, 21 de abril de 1848”. Carta
09. Doc. 01 – 2.3.4.1.1, p. 35-45.

72
de ouro, ao deputado Ayres211 pelo apoio da proposta na Comissão de
Colonização.212 Segundo ele, seria necessário dispor ainda de mais dinheiro, se a
Companhia quisesse dar continuidade ao projeto na Câmara. Mas parece que ele
deixou de receber instruções da Companhia, e preferiu não investir mais de seu
próprio bolso. Enquanto isso em Hamburgo, antes mesmo do indeferimento do
projeto, em 25 de março de 1848, a Sociedade de Hamburgo havia sido liquidada.213
Agora, restava a Blumenau esperar melhores resultados do empreendimento
próprio na região do Vale do Itajaí. Segundo ele, este empreendimento poderia ser
desenvolvido em “menor escala”, se recebesse do Presidente da Província de Santa
Catarina oito milhas quadradas de terras, localizadas próximas às que já havia
comprado, em sociedade com Hackradt.214 Sobre a concretização deste ideal
empreendedor, trataremos no próximo capítulo.

211
Alvim Mendes Ayres fez parte da Comissão de Colonização e remeteu uma representação à
Assembleia Legislativa Provincial. Richter cita o deputado Ayres da Serra Carneiro como o membro
da Comissão, quem na qual Blumenau se referia Cf: AHJFS. “Requerimento e projeto para a
Assembleia da Província de Santa Catarina”. 1848. Fundo Blumenau – Colônia Particular 1846-1860.
Pasta 02. Doc. 06; RICHTER, Klaus. Os primórdios da colonização..., p. 42-43.
212
BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta ao representante hamburguês no Rio de Janeiro, 7 de
abril de 1848” Apud RICHTER, Klaus. Os primórdios da colonização..., p, 42.
213
RICHTER, Klaus. Os primórdios da colonização..., p. 47.
214
AHJFS. BLUMENAU, Hermann Bruno Otto. “Carta aos pais, Desterro, 21 de abril de 1848”. Carta
09Doc. 01 – 2.3.4.1.1, p. 35-45.

73

Você também pode gostar