O Legado Da Antropologia Brasileira PDF

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O legado da antropologia brasileira 361

O LEGADO DA ANTROPOLOGIA BRASILEIRA:


RELATO DE ROQUE DE BARROS LARAIA

Roque de Barros Laraia*


Universidade de Brasília – Brasil

Gostaria de começar a minha fala com um pequeno prólogo:


Nasci em um país muito distante. Distante no espaço porque, situado no
hemisfério sul, ficava muito longe do mundo civilizado. Distante no tempo,
também, porque todas as conquistas da modernidade chegavam com muito
atraso. O país em que nasci estava, assim, muito distante do Brasil de hoje:
estradas asfaltadas, águas encanadas, esgotos, eletricidade, telefonia eram pri-
vilégios de poucos e inexistentes na maior parte do país. Assim mesmo, o
pouco que existia deixava muito a desejar. Os cariocas cantavam: “Rio de
Janeiro, cidade que me seduz. De dia, falta água. De noite, falta luz.” E o Rio
era a nossa cidade maravilhosa, como ainda é.
Nasci em setembro de 1932, em uma pequena cidade do sul de Minas
Gerais, situada no piemonte da Serra da Mantiqueira, divisor de águas entre
o vale do Paraíba, no Estado de São Paulo, e o mineiro vale do Sapucaí. Nos
mapas do século XVIII, um pequeno ponto marca o vilarejo do Mandú, nome
de seu rio mais próximo. Mas, mesmo antes de se tornar cidade, em 1848, o
lugarejo já era chamado de Pouso Alegre. De fato, no passado era apenas um
pouso para os viajantes que, provenientes de São Paulo, se destinavam ao cen-
tro de Minas, geralmente em busca do ouro. Ninguém sabe quem foi o cansa-
do viajante que, repousando sob um céu estrelado, emoldurado pelas sombras
das escuras montanhas, resolveu denominar de alegre o seu modesto pouso.
Na época em que escrevi o meu pequeno livro – Cultura: um conceito
antropológico (Laraia, 1986) – encantei-me com uma afirmação de Geertz de
que “nascemos aptos para viver mil vidas e, no entanto, vivemos uma só”.

* Professor Emérito da UnB, Pesquisador Emérito do CNPq.

Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 20, n. 42, p. 361-376, jul./dez. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-71832014000200014
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Desde muito novo, eu o mais velho de sete irmãos, tendo como pai um via-
jante comercial, pensava muito o que eu queria ser, qual o caminho a seguir?
Cheguei a pensar em muitas possibilidades, ser padre, piloto militar, explora-
dor na África e, finalmente, engenheiro.
Considero, que para mim, o ano de 1939 foi muito importante, porque foi
o ano em que minha mãe me matriculou em uma escola primária. Nesse ano,
na Europa, um nefando messias dava inicio à Segunda Guerra Mundial. No
meu primeiro dia de aulas, fui jogado no meio de um roseiral, por um menino
maior chamado Messias. Voltei para casa todo arranhado, disposto a renegar
para sempre qualquer tipo de messias.
Aprendi a ler com rapidez. E não esqueço que o meu segundo livro esco-
lar denominava-se Pindorama (terra das palmeiras) e todas as suas persona-
gens eram pequenos índios.
No final daquele ano, meu pai introduziu-me em um mundo maravilho-
so: a livraria Rezende. Fiquei fascinado diante tantos livros e, principalmente,
do material de papelaria: cadernos, lápis de cores, tinteiros, etc. Fiquei orgu-
lhoso quando meu pai contou para o livreiro que eu estava começando a ler.
A partir de então Alcides Rezende sempre me mostrava os livros infantis, o
que levava o meu pai a comprar um deles Tenho certeza que foi a partir de
então que desenvolvi um incansável gosto pela leitura, o que orientou o rumo
da minha vida.
Costumo brincar que nasci sob o signo de Marte. De fato, nasci prematu-
ro de dois meses, porque minha mãe teve o meu parto precipitado, assustada
que foi com os tiros de canhões do 8º Regimento de Artilharia Montada, defen-
dendo a minha cidade de um ataque das forças paulistas, durante a Revolução
de 1932. Além disto, desde que o Brasil entrou na Guerra, em 1942, eu fi-
cava junto com meu pai ouvindo as noticias através de um barulhento rádio
Telefunken.
Nessa época, a prefeitura da cidade construiu um cercado em um canto
da praça principal da cidade. Destinava-se a recolher “ferro velho para o bem
do Brasil”. Isso fazia parte de um esforço de um país em guerra, desprovido de
uma indústria siderúrgica capaz de atender as suas demandas, tanto civis como
militares. Em todo o canto do país foram realizadas iniciativas como essa.
Não é preciso dizer que, como neto de italianos, eu tinha que demonstrar a
minha lealdade com o meu país. Assim, munido de um carrinho de duas rodas
percorri todos os terrenos vazios da cidade. Vasculhei até mesmo o depósito

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de entulhos que a minha avó calabresa guardava. Fiz várias viagens até o
centro de recolhimento de sucatas. Esse fato chamou a atenção de um capitão
médico do exército, que mantinha um programa patriótico na PRJ7 – Rádio
Clube de Pouso Alegre. Foi assim que ouvi – pela primeira vez – o meu nome
na mídia. De fato, eu não perdia uma oportunidade de deixar bem claro que,
apesar de minha ascendência, o meu país era o Brasil. Frequentemente, pla-
giando o título de uma reportagem publicada na revista americana Seleções,
repetia para mim mesmo “só o meu sangue é italiano”.
Quando fiz 15 anos, meu pai presenteou-me com um livro do Visconde
de Taunay. Demonstrei tanto entusiasmo com a leitura do mesmo que, nos dois
anos seguintes, já possuía mais de 20 livros do mesmo autor. Todos esses li-
vros faziam parte de um encalhe em uma livraria na cidade de Ipameri, Goiás,
cidade esta que fazia parte do itinerário comercial de meu pai. Eram livros
editados, na década de 1920, pela Companhia Melhoramentos. Finalmente, eu
tinha encontrado o meu autor. Admirava a sua imensa capacidade de descre-
ver a natureza e os homens do interior longínquo de nosso país. Acompanhei
as suas aventurosas viagens e principalmente sua participação na Guerra do
Paraguai. Li e reli muitas vezes a Retirada da Laguna (Taunay, 1874). Anos
depois eu encontrei as suas Memórias (Taunay, 1948), publicadas 50 anos
depois de sua morte. Alfredo d’Escragnolle Taunay, filho e neto de franceses,
não cansou de demonstrar o amor que sentia pelo seu país e a sua crença em
um grande futuro.
No começo de 1950, parti em um fumacento trem da Rede Mineira de
Viação para São Paulo. Doze horas depois cheguei a Estação da Luz. O meu
objetivo era completar o segundo grau, além de conseguir o meu primeiro
emprego.
No raiar dos anos 1950, procurar um emprego em São Paulo não era
uma tarefa difícil como agora. Alguém sugeriu que eu me dirigisse, de manhã
bem cedo, para a frente da redação do Diário Popular, que possuía inúme-
ras páginas de ofertas de trabalho. Assim fazendo eu já estaria em vantagem
sobre aqueles que aguardavam o jornal nas bancas distribuídas pela cida-
de. Enquanto aguardava a saída do mesmo, um jovem caminhou em minha
direção e perguntou se eu procurava um emprego. Disse que representava
o Laboratório Novoterápica, uma empresa produtora de medicamentos, cujos
escritórios estavam situados na rua 25 de Janeiro, uma travessa da avenida

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Tiradentes. Não me recordo se cheguei a comprar o jornal. O fato é que fui


rapidamente para o endereço indicado.
Esse foi o meu primeiro emprego. O meu chefe direto era um contador,
encarregado de fazer a cobrança dos clientes do laboratório. A mim coube
a árdua tarefa de procurar os maus pagadores. Todas as manhãs recebia um
pacote de duplicatas já vencidas e partia em busca dos farmacêuticos insol-
ventes. Foi então que fiz a minha primeira constatação sociológica: os maus
pagadores sempre estavam situados nos lugares mais longínquos, em ruas
não pavimentadas e distantes dos pontos de ônibus ou de bondes. Alguns me
recebiam simpaticamente, solicitavam um novo prazo ou pagavam uma parte
do débito. Outros ficavam ofendidos. Tratavam-me rispidamente, ignorando
que na minha volta para o escritório eu tinha instruções para deixar as suas
duplicatas no Cartório de Protestos. Andando, enfim, pela periferia, armado
com um mapa das ruas da cidade, fui me acostumando com lugares que os-
tentavam estranhos nomes: Pirituba, Freguesia do Ó, Jabaquara, Tucuruvi,
Limão, Casa Verde, etc. E, surpreendentemente, muito tempo depois, soube
que o Professor Florestan Fernandes – meu orientador de doutorado – tinha
trabalhado, como entregador de amostras, no mesmo laboratório, uma década
antes de mim.
Matriculei-me no turno da noite em um colégio particular no bairro da
Liberdade, o Colégio Anglo Latino, onde terminei o meu segundo grau.
Em setembro daquele ano, andando pela rua das Palmeiras, percebi uma
pequena multidão em frente a uma vitrine. Curioso, aproximei-me e vi, pela
primeira vez, um aparelho de televisão. Era a primeira transmissão de TV
realizada no Brasil, pela TV Tupi.
Logo no início do ano seguinte, graças à indicação de um amigo, con-
segui um emprego de repórter policial em um jornal sensacionalista, A Hora.
Na entrevista que fiz, pesou muito o fato de demonstrar que conhecia muito
bem a cidade. Hoje estou convicto que a contratação em um jornal mudou o
rumo de minha vida. Em primeiro lugar, porque o já combalido projeto de
fazer engenharia foi pouco a pouco sendo deixado de lado. A necessidade de
escrever rapidamente os textos das reportagens desenvolveu muito a minha
capacidade de redação. Se antes eu já gostava muito de ler, passei também a
ter prazer em escrever.
Havia outras compensações. Em um jornal pequeno como A Hora não
existia um sistema rígido de especializações. Um repórter policial poderia ser

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convocado para fazer outros tipos de reportagem. Como ter que escrever so-
bre o precário sistema de transporte da cidade; sobre o alto custo de vida;
mas também participar de um almoço promocional com uma platinada rum-
beira cubana, Ninon Sevilha, no restaurante Fasano, ainda na rua Vieira de
Carvalho. Ou ainda, nada melhor para um repórter de 21 anos, almoçar no
Estúdio da Vera Cruz com uma bela estrela que ainda não tinha chegado aos
30 anos, Tônia Carrero!
Em janeiro de 2013, o Brasil todo – e o Rio Grande do Sul – em particu-
lar – foi abalado pela tragédia de Santa Maria. A imprensa toda relembrou o
terrível incêndio ocorrido, em 1962, em um circo em Niterói. Ninguém, po-
rem, lembrou que na noite de 29 de julho de 1953, na rua Florêncio de Abreu,
em São Paulo, ocorreu em um clube de dança um incêndio que matou 53
pessoas. Eu fiz a cobertura desse acidente. Lembro que na época, os jornais se
referiram a um fato semelhante, ocorrido uma década antes em um cinema no
Brás, o Cine Oberdan, que matou muitas crianças. Refleti, então, como pode
ser curta a memória coletiva e que se torna menor ainda quando comparada
com a dimensão da negligência e da incompetência de nossas autoridades
quando se refere às questões de segurança.
Três anos depois, com uma sensação de ter perdido o tempo, resolvi res-
suscitar o projeto de estudar engenharia. Era muito difícil deixar o jornal.
Cheguei à conclusão que para isso o melhor seria sair de São Paulo, vol-
tar para a minha Minas Gerais, mudar para Belo Horizonte. Resolvi que o
melhor modo de fazer isso, desde que necessitava de um emprego, era fazer
um concurso público para o IAPI – Instituto de Aposentadoria e Pensões dos
Industriários – e pedir a transferência para lá.
Fazer um concurso público naquela época não era nada comparável com
os de hoje. O que fiz tinha cerca de 60 vagas para mais ou menos 300 candi-
datos. Fiz sem nenhuma preparação e fiquei entre os 30 primeiros aprovados.
Assim, em junho de 1954 entrei definitivamente no serviço público federal.
Somente no final de 1955 consegui minha transferência – por permuta – para
Belo Horizonte.
Resumindo esta introdução que já foi longe demais: em Belo Horizonte,
descobri o óbvio, que a engenharia não era o meu caminho, ruim demais que
sou em matemática, e por isso ingressei no curso de História da Faculdade
de Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais. Esse curso funciona-
va, então, do 19º ao 23º andar do edifício Acaiaca. Os alunos de engenharia

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costumavam zombar dizendo que de fato estudávamos na “Boite Acaiaca”,


que funcionava no subsolo do mesmo prédio.
Em dezembro de 1959, tornei-me bacharel em História e recebi o convite
para ser auxiliar de ensino na cadeira de Etnologia e Língua Tupi, fato esse
que jamais se concretizou.
No final da década de 1950, ainda predominava no Brasil a ideia de que
pessoas de bem estudam direito, engenharia ou medicina. Para os que tinham
pouco dinheiro restava o sacerdócio ou a vida militar. Muitos de meus familia-
res tinham estranhado a minha escolha pela Faculdade de Filosofia, mas ainda
não sabiam do pior.
No decorrer de minha carreira como antropólogo sempre tive que res-
ponder uma questão muito comum – que nunca se faz a um médico ou a um
advogado. Por que, entre tantas profissões, existem pessoas que escolhem um
oficio tão estranho como o nosso?
Essa questão foi muito bem trabalhada, entre outros, por nossa colega
Mariza Peirano (1992), em seu artigo “Artimanhas do acaso”. Ela nos remete
as suas entrevistas com Florestan Fernandes, Antônio Cândido, Darcy Ribeiro
e Roberto Cardoso de Oliveira. Segundo Peirano, o primeiro não teria escrito
sobre os Tupinambá se não tivesse aceitado um desafio de Alfred Metraux
para realizar um estudo sobre a organização social desses índios extintos no
século XVII. Antonio Cândido somente foi para a USP porque seu pai decidiu
mudar do Rio de Janeiro para Poços de Caldas: “Como o trajeto para São
Paulo era menos demorado do que para o Rio, Antonio Cândido formou-se
em São Paulo. No Rio”, segundo Peirano (1992, p. 11-12), “as coordenadas
geracionais e as matrizes e pensamento teriam naturalmente sido diferentes”.
Darcy Ribeiro não teria se interessado por temáticas nacionais se não tivesse
recebido uma bolsa para organizar um fichário sobre a bibliografia brasilei-
ra de interesse antropológico e social, quando era da Escola de Sociologia e
Política de São Paulo. E, finalmente, Roberto Cardoso de Oliveira, recém-
-formado em filosofia, teve um encontro com Darcy Ribeiro, promovido por
um amigo comum, quando esse fez uma conferência na Biblioteca Municipal
de São Paulo. Darcy estava procurando um assistente para um curso no Museu
do Índio e o convidou.
Foi também por uma artimanha do acaso que eu encontrei a antropolo-
gia. Em janeiro de 1960, quando me preparava para iniciar a minha vida como
historiador, resolvi fazer um lanche na cantina da Faculdade de Filosofia.

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Vi, então, o edital de um curso de Teoria e Pesquisa em Antropologia Social a


ser realizado no Museu Nacional. Fiz o concurso e ganhei uma das seis vagas
oferecidas. Talvez não teria sido um antropólogo se não estivesse decidido a
comer um “misto quente” naquela tarde quente do verão de Belo Horizonte.
No meu caso, o acaso com suas artimanhas armou uma teia maior: fui aluno
de Roberto Cardoso de Oliveira e anos depois Florestan Fernandes foi o meu
orientador de tese de doutorado.
Mariza discutiu muito bem o fato de seus quatro informantes não aceita-
rem a ideia de um destino preestabelecido. Buscam no acaso, um fator inde-
terminado por definição, a explicação para as suas escolhas. Todos os acima
citados, com certeza, jamais buscariam explicações do tipo “estava escrito
nas estrelas”, “foi feita a vontade do Senhor”, tão de agrado daqueles que
acreditam em carma do tipo indiano, útil para explicar tanto o sucesso como o
insucesso. O interessante como acentua a autora é não enfatizarem o papel do
inegável esforço individual de cada um na obtenção de seus objetivos.
Mas a explicação do acaso é inevitavelmente tautológica: ela vale sem-
pre, ou então, pelo contrário não vale nada, pois tudo poderia ser explicado
pelo mesmo. Como afirmam os historiadores, o se não existe. Talvez, como
eu disse, não teria sido um antropólogo se não tivesse ido a cantina e visto o
edital, mas eu fui e isso é o que vale. Da mesma forma, Napoleão não teria
ido para Santa Helena se não tivesse sido derrotado em Warteloo, mas ele foi.
O que nos resta então para explicar a nossa escolha? Quem nos dá a
resposta é Tocqueville: “O acaso só produz o que estava preparado anterior-
mente.” A leitura do edital do concurso no Museu Nacional só me chamou a
atenção porque eu tinha um interesse – ainda que não manifesto – pela antro-
pologia, o que não foi verdadeiro para os meus colegas de história que não se
interessaram pelo anúncio.
De fato, no decorrer do curso, os temas antropológicos sempre me cha-
mavam a atenção, apesar da cadeira de antropologia, na época, estar ocupada
por um professor que nada sabia do assunto. Marco Antônio Coelho (2000,
p. 46), em sua autobiografia, Herança de um sonho, escreveu “Cheguei a as-
sistir as aulas preparatórias no curso de Sociologia, a fim de fazer o vestibu-
lar. Mas logo fiquei horrorizado com o professor dessa matéria, […] médico
dermatologista, líder católico ultra reacionário, incapaz de satisfazer minhas
inquietações e perguntas. Conclui que seria perda de tempo fazer ciências
sociais, pois a sociologia era o cerne desse curso. Por isso desisti, resolvendo

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trilhar o caminho da Faculdade de Direito.” (No final dos anos 1950 o re-
ferido professor passou a ministrar as aulas de Antropologia Biológica e
Antropologia Cultural.)
No meu caso – ao contrário de Marco Antônio Coelho – comecei a ga-
rimpar por debaixo das aulas mal dadas, buscando respostas para as minhas
inquietações. Frequentava a pequena biblioteca da faculdade em busca de li-
vros de antropologia. O primeiro que encontrei foi O homem, de Ralph Linton
(1943), talvez o primeiro manual traduzido para o Brasil. Descobri logo que
Casa-grande e senzala (Freyre, 1933) não era apenas um texto sociológico, e
foi, em seu prefácio, que pela primeira vez ouvi falar de Franz Boas.
Em 23 de fevereiro de 1960, parti para o Rio de Janeiro em um voo mui-
to tumultuado. O avião demorou muito para aterrissar, além de atravessar a
cada momento zonas de turbulências. Naquele dia, próximo ao Pão de Açúcar,
um avião de passageiro se chocou com uma aeronave militar americana que
transportava a Banda do Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos, que
fazia parte da comitiva do presidente Eisenhower, em visita ao Brasil. Foi,
portanto, em um clima de tragédia que desembarquei no Rio para tentar um
passo decisivo em minha vida.
No dia seguinte, pela primeira vez, entrei no edifício do Museu Nacional,
na Quinta da Boa Vista. Caminhei por estreitos corredores, ladeados de ve-
lhas vitrines repletas de ossos humanos e de estranhos aparelhos de antropo-
metria. Encontrei-me com os outros candidatos, não eram muitos. Um deles
se aproximou: “Lembra-se de mim?” No ano anterior, eu o tinha visto no
Primeiro Encontro Nacional de Estudantes de História, realizado na Faculdade
Nacional de Filosofia. Eu fazia parte da delegação mineira, ele representava a
Faculdade de Filosofia de Niterói. Soube, então, o seu nome: Roberto Augusto
da Matta. Foi esse o momento inicial de uma duradora amizade.
Pouco tempo depois, fui entrevistado pelo coordenador do curso: Roberto
Cardoso de Oliveira. Lembro-me do jovem e sisudo professor de apenas 31
anos de idade, sem as barbas que adotaria na década seguinte, trajando o seu
jaleco branco, como era o uniforme dos pesquisadores do Museu Nacional,
então denominados naturalistas.
Os seis alunos que constituíram a primeira turma do curso de
Especialização em Antropologia Social foram; Alcida Rita Ramos, Edson
Soares Diniz, Hortência Caminha, Onidia Bevenutti, Roberto Augusto da
Matta e Roque de Barros Laraia.

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Gostaria de salientar a importância desse curso em um momento, ini-


ciado na década anterior, em que a antropologia brasileira estava passando
por uma grande transformação. Era o início de um período em que os antro-
pólogos autodidatas estavam sendo substituídos por pessoas com a adequada
formação. Nos dois últimos anos da década anterior, Darcy Ribeiro promoveu,
no Museu do Índio, um curso de formação de indigenistas. Mas, na primeira
edição do mesmo, nem o curso de graduação foi um requisito.
Em 1960, o Museu Nacional era uma instituição vinculada ao Ministério
da Educação e Cultura. Somente no inicio de 1961 seria vinculado à
Universidade do Brasil. A realização do curso teve um respaldo institucional e
financeiro do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Brasil.
Todos os seis alunos eram bolsistas de tempo integral. As manhãs eram
ocupadas por aulas e seminários. As tardes eram destinadas às leituras dos tex-
tos recomendados, a quase totalidade deles era em inglês. Éramos obrigados a
trabalhar também durante a noite para pode complementar as nossas leituras.
O ambiente do Museu Nacional, repleto de austeridade e de tradição
científica, aliado ao entusiasmo de Roberto Cardoso de Oliveira, refletiu de
maneira positiva sobre o grupo de jovens estudantes, proporcionando um cli-
ma de solidariedade, disposição para o trabalho, além de um nível adequado
de competitividade.
O conjunto de leituras, além dos clássicos da antropologia, tinha também
espaço para sociólogos como Talcott Parsons, Marion Levi Jr., Robert Merton
e, naturalmente, Florestan Fernandes. A utilização do termo antropologia so-
cial indicava também uma priorização da antropologia britânica.
O projeto, elaborado por Cardoso de Oliveira, “Grupo doméstico, fa-
mília e parentesco: ideias para uma pesquisa em antropologia social” serviu
para o treinamento dos alunos junto aos índios terena, no sul do então Mato
Grosso. Esse fato teve, para mim, um significado especial. Como admirador
e leitor do Visconde de Taunay pude conhecer muitos dos lugares que ele
descreveu e, sobretudo esse povo admirável, os Terena, que tanta admiração
lhe causou.
Quando o curso terminou, o Museu Nacional que não contratava novos
pesquisadores há mais de uma década, resolveu admitir em seu quadro os três
primeiros colocados: Alcida Ramos, Roberto DaMatta e Roque Laraia. Foi
com tristeza que recebemos a noticia que Alcida era portuguesa e, portanto,
não podia ser contratada.

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No inicio de 1961, já então como pesquisador do Museu Nacional, de-


diquei-me a preparar o meu primeiro trabalho de campo autônomo. Entre os
Terena, no ano anterior, eu era apenas um aluno, auxiliar de pesquisa. A minha
primeira escolha foi os índios fulniô, no interior de Pernambuco. Tinha lido
o livro de Estevão Pinto (1956), Etnologia brasileira (Fulniô – os últimos
dos Tapuias), além de um manuscrito de Marx Boudin que fornecia dados
interessantes sobre o sistema de parentesco fulniô. Foi quando surgiu Frei
Gil Gomes, um frade dominicano residente em Marabá. Visitando o Museu
Nacional, ele nos falou dos Suruí, um grupo tupi-guarani do sudeste do Pará,
que ele tinha contatado um ano antes. Considerei este um desafio mais pro-
vocador: trabalhar com um grupo com nenhum falante de português e que
conservava ainda todos os seus padrões culturais.
O grande desafio era a preparação de um projeto que pudesse fazer parte
de dois grandes projetos de pesquisas, coordenados por Roberto Cardoso de
Oliveira e financiado pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade do
Brasil. É fácil imaginar a dificuldade de fazer um projeto sobre um grupo
totalmente desconhecido, nunca antes visitado por outro pesquisador. A es-
tratégia correta teria sido a realização de um survey, ou seja, empreender
uma viagem exploratória até os mesmos e regressar ao Museu Nacional para
elaborar um projeto de pesquisa. Mas naquela época esse seria um empreen-
dimento impossível. As verbas de pesquisas eram pequenas e Marabá estava
muito distante, ligada por um sistema aeroviário caro e que demorava mais
de um dia para percorrer o trajeto Rio-Marabá. E a aldeia estava situada,
como aprendi depois, a uma penosa viagem de mais de três dias dentro da
mata amazônica.
Assim, o projeto, indispensável para a obtenção de recursos para a via-
gem e para a autorização de pesquisa por parte do Museu Nacional, foi ela-
borado a partir de uma série de hipótese que poderiam ter sido aplicadas a
qualquer outro grupo. Considero hoje que foi uma audácia ter apresentado
esse projeto como comunicação à 5ª Reunião Brasileira de Antropologia, rea-
lizada em Belo Horizonte, 1961.
Não é possível, no espaço desta conferência, apresentar o teor do mesmo,
mas gostaria de me referir apenas a uma das hipóteses. Uma análise superficial
que empreendi, então, demonstrava que todos os grupos tupi – até então estu-
dados – possuíam termos de tios do tipo fusão bifurcada. Esse fato nos levou
ingenuamente a adotar como correta uma hipótese de Leslie White (1939)

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que considerava como válida a existência de uma segmentação como clã em


sociedades que possuem termos de tios desse tipo.
Gostaria agora ocupar um pouco do nosso tempo para dar uma ideia do
que era fazer uma pesquisa etnográfica, meio século atrás:
Em julho de 1961, saímos do Rio de Janeiro em um DC-3, da Real
Transporte Aéreos, com destino a Goiânia, onde pernoitamos. Digo partimos,
porque éramos quatro pesquisadores. Fui acompanhado de um estudante da
segunda turma do curso de especialização, Marcos Magalhães Rubinger, que
seria meu assistente entre os Suruí. E Roberto DaMatta que se destinava aos
índios gavião, também na região de Marabá, ia acompanhado de outro estu-
dante, Julio Cezar Melatti.
De Goiânia, partimos bem cedo, na manhã seguinte, com destino à
Marabá, onde chegamos por volta das 15h. Antes fizemos várias escalas:
Niquelândia, Pedro Afonso, Porto Nacional e Tocantinópolis. As pistas de
pouso eram de terra, algumas praticamente dentro da área urbana, ao lado
mesmo de uma rua. Os passageiros aguardavam a chegada do avião protegi-
dos pela sombra de uma árvore. As paradas eram demoradas em função das
dificuldades de acomodar a bagagem dos viajantes, sempre constituídas de
vários e complicados volumes.
A primeira impressão de Marabá foi desoladora. O aeroporto estava situ-
ado na margem esquerda do rio Itacaiunas, próximo a um pequeno aglomerado
de casebres. Ficamos aliviados ao saber que Marabá estava do outro lado do rio.
Finalmente, chegamos à cidade que, apesar de pequena (constituída ape-
nas pelo que hoje é chamado de Cidade Velha), era bem urbanizada, com ruas
calçadas e uma praça central. Nos hospedamos na Pensão Central, considera-
da a melhor da cidade, o que nos levou a imaginar como seria a pior.
À espera do barco, que nos devia levar rio acima, demorou nove mo-
dorrentos dias. Na manhã do dia da partida, acomodamos as nossas coisas na
embarcação “Pau Ferrado”, mas o proprietário do mesmo disse que tinha que
fazer algumas coisas na cidade, por isso só partimos às 16h. Logo depois do
pôr do sol, a embarcação encostou em um barranco, onde passamos a noite,
revirando nas redes, assediados por uma legião de mosquitos.
No dia seguinte, após uma acidentada travessia na corredeira de Mãe
Maria, chegamos ao inicio da tarde em Apinagés, quase na confluência
do rio Tocantins com o Araguaia. Logo em seguida, amontoados em um velho
jipe, partimos para São Domingos das Latas, onde pernoitamos.

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Contratamos, então, Raimundo Cabral, com a sua tropa de burros, para


nos levar até a aldeia. Viajamos, então, um dia inteiro, marchando vagarosa-
mente por estreitas picadas dentro da mata, até atingirmos o rancho de João
Bispo. Na manhã seguinte, após mais de dez horas de viagem, chegamos ao
barracão, denominado Cajueiro, de propriedade de um senhor Durval, onde
passamos a última noite de viagem.
A viagem até a aldeia durou três horas. O senhor Cabral descarregou os
nossos bens no meio da praça e partiu rapidamente de volta, incomodado com
a presença dos “selvagens”.
Não é possível, no tempo de que dispomos, descrever o que foi a minha
primeira pesquisa. Mas acho importante fazer uma síntese da minha experi-
ência. Quando Cabral e sua tropa de burros sumiu na picada aberta na mata
senti que, de fato, estava me desligando do mundo. Uma pesquisa de campo,
então, significava isolamento completo, sem nenhuma notícia do resto do país.
Logo de inicio, um homem aproximou fumando um grande cigarro.
Entremeando palavras incompreensíveis soltou algumas baforadas de fuma-
ça sobre nós. Soube depois que não era um ato de boas vindas, mas uma
defumação para espantar os maus espíritos que, por ventura, tivessem nos
acompanhados. Era ele Kuarikuara, o morobixawa e também pai’é da aldeia.
Mas, apesar disso, a acolhida era amistosa. As pessoas sorriam e falavam ao
mesmo tempo. Algumas delas alisavam os pelos de meus braços. Crianças nos
olhavam com seus olhinhos espantados. Junto à aldeia existia uma pequena
casa, a de frei Gil. Ali armamos as nossas redes e depositamos a nossa baga-
gem. Entregamos para Kuarikuara os presentes que levamos e ele procedeu a
distribuição dos mesmos.
Os resultados dessa pesquisa foram publicados em Índios e castanheiros
(Laraia; Da Matta, 1967) e em alguns artigos. Por isto, me limito a apenas
falar mais da experiência existencial de um trabalho de campo.
De começo, a nossa grande dificuldade era a comunicação oral. Como
fazer uma pesquisa sem saber a língua dos informantes? Decidi então por
começar por um levantamento topográfico da aldeia: a disposição das casas,
os caminhos para a roça, para o igarapé; a localização das redes dentro das
casas; etc.
Finalmente, descobrimos que estávamos sempre acompanhados de um
simpático kunumi, aparentando 11 ou 12 anos: Tiwaku. Soubemos que ele fre-
quentava a casa de um casal de sertanejos que frei Gil colocara nas imediações

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da aldeia. Tiwaku possuía um pequeno vocabulário português. Tornou-se,


então, o nosso intérprete, mesmo porque não tínhamos outra escolha.
Aprendemos muito com ele.
Quando terminamos o nosso curso de especialização no Museu Nacional,
e escolhemos trabalhar com populações indígenas, o nosso objetivo era de
produzir uma monografia tendo como modelo Malinowski, Radcliffe-Brow
ou Firth. Mas o que encontramos no campo foi uma pequena sociedade viven-
do o trauma dos acontecimentos relativos ao seu primeiro contato. Uma vez
encontrei Kuarikuara, o chefe, chorando em sua rede.
As genealogias que coletei mostraram que, cerca de um ano antes, eles
eram 126 pessoas. Uma semana depois do contato, acometidos pela primeira
gripe, estavam reduzidos a 40 pessoas: 7 homens, 14 mulheres e 19 crianças.
Por isso, não escrevi uma monografia, mas um livro sobre as consequências
do encontro de uma sociedade indígena com uma frente pioneira extrativista.
Na conclusão de minha parte no livro Índios e castanheiros, de 1967,
escrevi expressando o meu pessimismo: “Será este o epílogo de um longo
processo de fricção interétnica?” No prefácio da segunda edição, em 1978, já
pude escrever:

Finalmente, gostaríamos de repetir (eu e Da Matta) que erramos em nossos


prognósticos. Os nossos informantes nos ensinaram que o valor e a capacidade
de resistência de um povo não se mede pela sua dimensão demográfica: uma pe-
quenina sociedade humana pode continuar resistindo, não importa a que preço,
enquanto estiver viva a crença nos seus valores, apesar dos brancos e da persis-
tente tradição predatória destes. (Laraia, 1978, p. 17).

Em 1996, 30 anos depois de minha última ida, voltei à aldeia. Parei


diante da casa do encarregado do posto indígena, que era um Suruí. Antes
mesmo que eu dissesse alguma coisa, ele estendeu a mão e disse com um
sorriso: “Você é o Roque?” Soube então que era Tiremé, o irmão mais novo
de Tiwakou, o menino que falava português. Os outros Suruí se aproximaram.
Agora são muitos, mais de 200 pessoas. Dos 34 que encontrei em 1966, re-
encontrei 27. Todos os demais nasceram depois. Parti com a certeza que eles
afastaram para sempre o fantasma da extinção.
Cada experiência de campo é única. Depois dos Suruí, trabalhei com
os Akwawa-Asurini, no baixo Tocantins; com os Kamayurá, no Alto Xingu;

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os Urubu-Kaapor, no Gurupi, limite do Pará com o Maranhão. Cheguei a fa-


zer um estudo das relações interétnicas entre os Xerente e a comunidade de
Tocantínia (TO). Por vários motivos, fiz curtas visitas às aldeias dos Xavante,
Karajá, Gorotire, Javaé, Awá-Canoeiro, Kaiwoá, Gavião, Guajajara, Potiguara
e Makuxi. Mas a primeira experiência de campo é a mais marcante e a que
define o nosso rumo.
Desde que me tornei antropólogo, considerei importante participar da
Associação Brasileira de Antropologia, Participei, pela primeira vez, da
5ª RBA realizada em Belo Horizonte, sob a presidência de Darcy Ribeiro.
Foi quando fui admitido como sócio colaborador e apresentei a minha pri-
meira comunicação. Realizada em uma colônia de férias na periferia da ci-
dade, não contou com mais de 30 ou 40 participantes. Trinta anos depois,
em 1992, como presidente da ABA, tive o prazer de organizar, no prédio da
Faculdade de Filosofia da UFMG, a 18ª RBA, que contou com a participa-
ção de 700 inscritos. Na última RBA, em São Paulo, o número de partici-
pante chegou a 4000!
Desde 1978 comecei a participar dos Encontros da Anpocs. Sempre con-
siderei importante ter um canal de comunicação com as outras disciplinas
das ciências sociais. No ano de 2000, fui eleito presidente da Anpocs. Foi
uma grande experiência e sempre sou grato à minha amiga, a socióloga Maria
Arminda Arruda do Nascimento, que exerceu com eficiência e brilho a secre-
taria da Anpocs naquele período.
Nunca me arrependi da escolha que fiz. Podia viver tantas vidas, mas
escolhi a de ser um observador dos homens. A antropologia me proporcionou
a possibilidade de viver em outros países e conhecer – como disse o poeta –
lugares nunca antes imaginados.
Não posso deixar de me referir ao privilégio de ter conhecido pessoal-
mente as figuras tutelares de nossa disciplina: Heloisa Alberto Torres, Herbert
Baldus, Charles Wagley, Oswaldo Cabral, Roger Bastide, Eduardo Galvão,
Egon Schaden, Gilberto Freyre, Manuel Diégues Junior, Thales de Azevedo,
Nunes Pereira, Luiz de Castro Faria, Florestan Fernandes e Roberto Cardoso
de Oliveira.
Gostaria de concluir esta minha fala relembrando um momento im-
portante na história da antropologia brasileira. Na 6ª Reunião Brasileira de
Antropologia, realizada em São Paulo e presidida por Herbert Baldus, foi

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eleito Eduardo Galvão, como o novo presidente, que deveria realizar a 7ª


RBA, em Brasília, em 1965. Com o golpe militar de 1964, Galvão foi exo-
nerado da Universidade de Brasília e retornou ao Museu Emilio Goeldi, em
Belém. Iniciou-se assim um período de semiclandestinidade da ABA. A 7ª
Reunião foi realizada, em Belém, em 1966, durante um grande encontro
comemorativo do 1º centenário do Museu Goeldi. Nessa reunião foi eleito
Manuel Diégues Junior como presidente da ABA. Somente cinco anos depois,
em 1971, à sombra do Encontro Internacional de Estudos Brasileiros, realiza-
do na USP, foi possível a realização da 8ª RBA. Coube a tarefa da organização
a Egon Schaden e João Batista Borges Pereira. Em função do pequeno número
de participantes não foi realizada a eleição para presidente, continuando a
presidência com Manuel Diégues Junior.
Foi o meu querido e saudoso amigo, Silvio Coelho dos Santos, juntamen-
te com Manuel Diégues Junior que realizaram em Florianópolis, em 1974, a
9ª Reunião Brasileira de Antropologia. Eram esperados cerca de 60 partici-
pantes para essa reunião, que marca o renascimento da ABA. Mas algo de
novo estava ocorrendo, para a surpresa dos organizadores. Ônibus repletos de
estudantes chegavam de todas as partes do Brasil. O número de participantes
ultrapassou a cifra dos 400. Enfim, os primeiros programas de pós-graduação
em antropologia estavam apresentando os seus resultados. Thales de Azevedo,
o mais velho antropólogo presente, foi eleito presidente e a nova reunião, mar-
cada para 1976, em Salvador. Daí em diante nunca mais a ABA deixou de se
reunir a cada biênio.
Pois foi nesse mesmo ano de 1974, a razão para que estejamos aqui reu-
nidos. A Universidade Federal do Rio Grande do Sul deu inicio ao seu bem-
-sucedido Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. Foi para mim
uma grande satisfação e uma honra participar desta comemoração. No decor-
rer dessas quatro décadas, tive inúmeras oportunidade de visitar este progra-
ma, seja como consultor da Capes, da Finep, ou como docente participando de
bancas de doutorado ou de concursos para professores. Aqui encontrei colegas
que se transformaram em grandes amigos. É assim, com imensa alegria, que
participo desta festa no momento em que o programa comemora os seus 40
anos e a sua merecida nota sete. Obrigado.

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Referências
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LARAIA, R. de B. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar,


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