A Dialética Invertida e Outros Ensaios

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DOI: 10.5585/cpg.v17n1.

7655

A DIALÉTICA INVERTIDA E OUTROS ENSAIOS,


DE EMÍLIA VIOTTI DA COSTA

SÃO PAULO: UNESP, 2014. 239 P.

Vinicius Carlos da Silva


Mestrando em História. Universidade Estadual Paulista – Faculdade de ciências e
letras de Assis, São Paulo, SP – Brasil
[email protected]

A obra A dialética invertida e outros ensaios, de Emília Viotti da Costa,


configura-se como um trabalho à parte na já vasta e impecável
bibliografia da autora. Versátil, o livro se constitui de um registro de variados artigos,
que foram elaborados em diversos momentos da carreira da historiadora, e que, por
isso mesmo, abarcam temas distintos, de questões metodológicas - caras ao ofício de
qualquer historiador - à assuntos específicos, vinculados a objetos de trabalhos de Viotti
anteriormente publicados.

São ao todo 10 artigos, que visam, nas palavras da própria historiadora:

[...] manter vivos a realidade histórica e o reconhecimento de que são os homens


e as mulheres que fazem a história, embora não a façam em condições por eles
escolhidas, pois atuam sobre uma realidade que já encontram definida pelos
antepassados – e é a partir dessa realidade, tal como a percebem, que atuam, cabendo

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ao historiador, portanto, recuperar tanto quanto possível esse processo. (VIOTTI,


2013, p.07)

No primeiro capítulo, a autora de A Abolição, se utiliza do emblemático Maio


de 1968 francês, tanto para problematizar as dimensões deste importante evento
histórico, como para chamar a atenção dos historiadores quanto aos questionamentos
historiográficos que ocorreram a partir daquele momento; em especial daqueles que
trabalham no campo da história do trabalho. A autora advoga pela existência de duas
grandes vertentes que se formaram, grosso modo, depois de 1968: a primeira composta
pelos historiadores receosos das novas mudanças que estavam ocorrendo, justamente
pelo fato destas advirem “do calor momento”, ofertadas pelos questionamentos
trazidos à tona no Maio de 68. Já a segunda vertente correspondia àqueles que
propunham abolir as antigas metodologias e estruturas do saber, levantando novas
bandeiras e questionamentos para o campo historiográfico pelo simples fato destes
serem novos.

Ao explanar estes dois lados opostos, Viotti se coloca como inimiga de tal
polarização que, no seu entendimento, são igualmente equivocados. Enquanto um
acaba por recusar ou diminuir mudanças históricas importantes, o outro apenas se foca
na sua originalidade, sem problematizá-lo de maneira mais rica, podendo por isso
mesmo, assemelhar-se e muito aos modelos históricos mais tradicionais. Ou seja, Viotti
aponta para o fato de que ocorreu apenas uma mudança de postulados metodológicos,
que são igualmente insatisfatórios, na medida em que buscam em grande parte se
sobrepor um ao outro, desprezando tanto a complexidade dialética como a teoria da
práxis. Em seu entendimento, a síntese dessa disputa seria a substituição de ambos os

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reducionismos, tanto do econômico quanto do cultural ou linguístico, uma vez que esse
processo apenas inverte os termos do discurso historiográfico.

Os demais capítulos possuem temáticas das mais variáveis possíveis: o caráter


constituinte dos primeiros povoadores do Brasil, seus atributos e os motivos pelos
quais tais indivíduos foram enviados para cá; o tráfico negreiro, no contexto do
colonialismo brasileiro, com destaque para a participação fundamental da religião e do
direito português para a existência legítima da instituição da escravidão de acordo com
os preceitos religiosos e da constituição lusitana; a complexa questão da representação
histórica versus a realidade histórica dos representados, cujo enfoque aqui são os
escravos brasileiros, desde o início da colonização até a Abolição; o movimento
operário na Primeira República, que não era homogêneo, em absoluto, uma vez que
existiam diversas vertentes do anarquismo, por exemplo, e uma importante participação
feminina nas lutas operárias; os novos questionamentos para a historiografia do
movimento operário na América Latina surgidos a partir dos anos 1980; a influência da
cultura francesa em São Paulo no século XIX brasileiro, perceptível através dos autores
lidos pela nossa intelligentsia; e, por fim, o papel o historiador na sociedade em que ele
está inserido.

Merece destaque o quinto ensaio, no qual a autora aborda a rebelião de escravos


de Demerara, ocorrida no ano de 1823, trabalho apresentado primeiramente em 1988,
estendido e publicado posteriormente sob o título Coroas de glória, lágrimas de sangue: A
rebelião de escravos em Demerara em 1823, em 1998, pela Companhia das Letras, que vem
sendo reeditado deste então. Uma das mais importantes caraterísticas deste estudo foi
a ampla documentação arquivística utilizada para a reconstituição do citado evento que,
aliado ao excelente trabalho metodológico da autora, tornaram o livro referência em

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diversos processos de seleção nos programas de pós-graduação em História espalhados


pelo país.

Trabalho de vigor, cuja leitura se caracteriza por prazerosa e, ao mesmo tempo,


didática e instrutiva, A dialética invertida e outros ensaios se torna mais uma referência no
campo do fazer historiográfico, em especial aos novos historiadores, sem, contudo,
excluir os mais experientes; muito pelo contrário, aliás: possui o mérito de dialogar com
todos os públicos interessados nos meandros e ditames da história e/ou historiografia.

Aos mais novos, a empreitada de Viotti se faz uma referência fundamental, um


exemplo a ser seguido, uma amostra do ofício do historiador numa época em que
muitas análises se focam mais nos discursos historiográficos do que nos grupos e
indivíduos que os produziram, esquecendo-se que a história é o estudo dos homens no
tempo e, por mais tautológica que seja essa afirmação, faz-se necessária repeti-la, uma
vez que, ao se deslocar a análise para o discurso e não para os grupos sociais envolvidos,
ou seja, de seu verdadeiro objeto, esvazia-se a história de todo seu sentido e senso
crítico.

Aos historiadores de carreira, A dialética invertida e outros ensaios constitui-se


também como referência e, muito provavelmente, deve suscitar outro tipo de prazer: o
de poder ser apreciado em seus pormenores, do início ao fim, com destaque para a
habilidade invejável da historiadora de englobar diversos temas, com propriedade e
conhecimento de causa em todos os assuntos que se dispõe a tratar.

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