13 RHHJ v8n16 - Falando de Historia PDF
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Resumo Abstract
O artigo debate os sentidos da história The article discusses the meanings of
com base no conceito de consciência his- history based on the concept of histori-
tórica de Jörn Rüsen: a interpretação so- cal consciousness of Jörn Rüsen: the
bre a experiência temporal pode ser mo- interpretation of temporal experience
bilizada de modo a entender o presente e can be mobilized in order to under-
projetar o futuro. O ensino de história é stand the present and project the fu-
essencial, pois o conhecimento sobre o ture. The teaching of history acquires
passado atua como fator de orientação essential value, since knowledge about
temporal na vida prática. Com essa pre- the past acts as a factor of temporal ori-
missa, 82 alunos do Ensino Médio da ci- entation in practical life. From this
dade de Guarapuava (PR) foram questio- premise, 82 High School students from
nados a respeito de suas concepções de Guarapuava (PR) were questioned
história. A metodologia empregada utili- about their conceptions of history. We
zou critérios da grounded theory, no que concluded that the participants’ con-
diz respeito a modalidade de recolha e ception of history remains still an-
categorização das narrativas. Concluiu-se chored in an idea of history
responsible
que a concepção de história dos partici- for the study of the past and without
pantes permanece ancorada em uma any kind of link with present or future
ideia de história responsável pelo estudo issues. While most of these students
do passado, sem nenhum tipo de vínculo are constantly mobilizing knowledge
com questões presentes ou futuras. Em- from their temporal experience, they
bora estejam constantemente mobilizan- do not realize the meanings of history
do saberes provenientes de sua experiên- in their practical life.
cia temporal, a maioria dos alunos não Keywords: history teaching; historical
percebe os sentidos da história na sua vi- learning; historical consciousness.
da prática.
Palavras-chave: ensino de história; apren-
dizagem histórica; consciência histórica.
Este artigo tem por objetivo analisar as concepções de história entre alu-
nos do Ensino Médio de dois colégios estaduais da cidade de Guarapuava,
Paraná. A pertinência de tal investigação é calcada na necessidade de enfatizar
a validade do conhecimento histórico e, por consequência, a sua função de
orientação na práxis. Frente à crescente onda de pós-verdade que ameaça a
argumentação lógica e o diálogo livre, igualitário e baseado em razões da esfera
pública, entender o que é história e as suas vinculações com a vida prática
nunca foi tão urgente para aqueles preocupados com o ensino de história.
A primeira parte deste trabalho se volta para a discussão teórica acerca da
objetividade e da narratividade na ciência histórica. Em contraposição ao ce-
ticismo e ao relativismo pós-moderno, que prega a dissolução dos sentidos na
história, ressalta-se aqui sua função social e sua capacidade de fornecer orien-
tação para a vida prática. Na segunda parte são analisadas as ideias históricas
apresentadas pelos alunos em resposta às questões “O que é história?” e “Como
o historiador escreve a história?”.
De acordo com Jörn Rüsen, toda ação humana é pautada pela sua relação
com o tempo. Ao tecerem suas histórias, os homens não o fazem de maneira
instantânea ou completamente inédita, mas sob circunstâncias e possibilidades
atreladas ao passado. Os seres humanos precisam interpretar o mundo ao seu
redor e a si mesmos na relação com os outros para poder viver. E eles o fazem
por meio da formação de sentido, no qual a interpretação sobre a experiência
temporal pode ser mobilizada de modo a entender o presente e projetar o fu-
turo. Não um futuro longínquo ou teleológico, mas um futuro dinâmico, vin-
culado à sua práxis.
Essa habilidade é definida como consciência histórica e, segundo Jörn
Rüsen, é a “soma das operações mentais com as quais os homens interpretam
sua experiência de evolução no tempo do seu mundo e de si mesmos, de forma
tal que possam orientar, intencionalmente, sua vida prática no tempo” (Rüsen,
modo tal que seja possível atribuir pretensões tipicamente científicas ao conhe-
cimento histórico. É preciso entender que não é possível se anular frente ao
passado; toda narrativa histórica carrega consigo critérios de sentido provenien-
tes das carências de orientação cultural da vida prática. Por esse motivo,
sistemática sobre o material que vai recolhendo” (Pais, 2003, p. 88). Os con-
ceitos gerais adotados para organizar a pesquisa inicialmente assumem caráter
provisório e podem ser modificados e abandonados caso resultem irrelevantes.
Dessa forma, “são os próprios dados que indicam a trajetória a seguir, a pes-
quisa vai tomando forma conforme a atividade simultânea de coleta e análise
de dados vai ocorrendo” (Carvalho, 2017, p. 44-45).
A escolha dessa metodologia se deve à sua flexibilidade, mas também à
influência do interacionismo simbólico e da filosofia pragmática presente na
base de sua construção.2 O legado interacionista é visível na grounded theory
por esta considerar “os seres humanos como agentes ativos em suas vidas e em
suas esferas de vida, e não como receptores passivos de forças maiores”
(Charmaz, 2009, p. 21). A herança pragmática é observável, pois a grounded
theory concebe “o desenvolvimento da teoria como uma maneira de conhecer
e melhorar o mundo” (Corbin, 2004, p. 12). Dessa forma, a teoria elaborada a
partir de dados empíricos torna-se uma forma de providenciar material teórico
para promover transformações sociais.
Com essas premissas, a adoção da grounded theory entre os pesquisadores
do ensino de história não poderia ser mais pertinente. Não basta mapear as
ideias históricas apresentadas pelos alunos, é preciso também ponderar como
e sob quais condições essas ideias podem ser transformadas de modo a assumir
características cônsonas com a formação de sujeitos críticos e autônomos.
Conforme João Pedro da Ponte,
De forma geral, este estudo foi divido em três etapas, a saber: estudo
exploratório, estudo pré-piloto e estudo principal. Neste artigo são apresen-
tadas as análises realizadas durante o estudo exploratório, a partir das res-
postas obtidas às questões “O que é história?” e “Como o historiador escreve
a história?”.
– É a descoberta dos historiadores que tiveram que obter para entendê-la. (Adriana,
3º ano, Escola A)
– O registro do tempo. (João, 1º ano, Escola B)
– É um meio de saber como tudo começou, a história do país, as crises que ocorreu
durante os tempos e etc. (Matilde, 3º ano, Escola A)
– Para mim é um descobrir praticamente um novo mundo, por mais que esses fato
já tenham ocorrido, eles me fascinam muito. (Francisco, 2º ano, Escola A)
– É a ciência que estuda os tempos passados, praticamente tudo que já aconteceu,
desde a origem das coisas até os seus desenvolvimentos, história é algo que sempre
vai existir, conforme for passando o tempo, mais história existirá. (Íris, 3º ano,
Escola B)
– Que estuda o passado, os fatos importantes de antigamente. (Beatriz, 1º ano,
Escola B)
– É uma disciplina que estuda fatos acontecimentos que marcaram determinada
época, em algum lugar. Estuda também a formação das cidades e a política. (Hugo,
3º ano, Escola B)
– Aquilo que se passou e esta sendo desenvolvido novamente. (Jorge, 2º ano, Escola A)
– É passado aproveitar nos ensinar.4 (Lorena, 2º ano, Escola A)
– É o estudo da antiguidade que contém certas histórias com provas reais e algumas
que podem ou não ser mito. (Aline, 1º ano, Escola B)
– É a compreensão dos fatos que marcaram épocas e acontecimentos relevantes que
comprovam veridicamente a existência concreta de como se desenvolveu as formas
de vida humana. (Edgar, 3º ano, Escola B)
– História é um conhecimento que estuda as datas mais importantes, períodos,
fontes históricas, pré-História, as guerras mais importantes. (Yasmin, 1º ano,
Escola B)
– São fatos que ocorreram ou ocorre na humanidade, ou seja, é tudo onde um ser
está incluído. (Clara, 1º ano, Escola B)
– É a cultura de povos, tanto atuais como antigos. É onde se discute formas de go-
verno, características de vida e socializações. Pra mim isso é história. (Rute, 1º
ano, Escola B)
– É a matéria que estuda os acontecimentos da vida, estuda o que aconteceu no
passado e como foi o desenvolvimento até os dias de hoje. (Alice, 3º ano, Escola A)
– É a ciência que estuda a história da vida da sociedade, do mundo. Coisa que
aconteceu há milhares de anos atrás até os dias de hoje. (Noa, 3º ano, Escola A)
– Escreve de como foi a história de como foi vivido, de como sofreu no país, etc.
(Yara, 3º ano, Escola B)
– De forma que se possa compreender a sociedade mais antiga do que a que esta-
mos. (Matias, 3º ano, Escola B)
Nível 2 – Erudição
– Ele primeiro descobria sobre a História e depois que ele descobria tudo ele acha
intereçante e escrevia para o povo saber mais sobre o que tinha antigamente.
(Mariana, 2º ano, Escola A)
Nível 3 – Factual/Documental
(Martin; Bourdé, 2000, p. 114). Sob essa ótica, para que a história seja consi-
derada legítima é necessária uma cisão completa entre sujeito e objeto, o his-
toriador apenas relata o que os fatos históricos a priori apresentam.
– Pesquisando em fontes seguras, por meios de muitos estudos até chegar a “verda-
de”. (Frederica, 2º ano, Escola A)
– Ele escreve os acontecimentos baseados em “provas” encontradas por ele, que
comprovam um devido acontecimento histórico. (Alice, 3ºano, Escola A)
– Escreve relatando os fatos. (Murilo, 3º ano, Escola A)
– Por meio de fotos, roupas, objetos, desenhos que é encontrado, e vai dando ori-
gem a nossa historia, pessoas que viveram ou que tem parentes que viveram o
corrido também são importantes. (Beatriz, 1º ano, Escola B)
– Relata os acontecimentos de uma forma imparcial; escreve como acontecia, como
eram as pessoas, os objetivos, os lugares, a cultura etc. (Luna, 3º ano, Escola B)
– A partir do momento em que ele analisa e fala a verdade, transcreve a história com
transparência, espontaneidade e conhecimento podemos dizer que ele realmente está
deixando um legado dentro do ramo histórico, essencial para a vida futura. Fora
disso, são meros diplomas sem função diferencial. (Edgar, 3º ano, Escola B)
– Através dos fatos que ocorrem e por métodos de pesquisa. (Matilde, 3º ano, Escola A)
– Ele busca ir a fundo sobre um assunto em particular, entender primeiro os acon-
tecimentos que marcaram algum acontecimento histórico, para então depois, come-
çar alguma tese ou algo do gênero. (Giacomo, 1º ano, Escola B)
– Atraves das fontes históricas, tem a analise de cada historiador, exemplo são as
diversas teses para um único tema. Mais a historia so pode ser escrita com fontes,
com documentos, com objetos que provem ela. (Tomás, 1º ano, Escola B)
Considerações finais
REFERÊNCIAS
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tóricamente: retos para la historia en el siglo XXI. Revista Tempo e Argumento,
Florianópolis, v. 6, n. 11, p. 5-27, 2014.
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MARTIN, Hervé; BOURDÉ, Guy. As escolas históricas. Trad. Jacyntho Lins Brandão.
Lisboa: Ed. Europa-América, 2000.
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28, n. 2, p. 217-239, 2013.
PAIS, M. José. Culturas Juvenis. 2. ed. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda,
2003.
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RICOEUR, Paul. Hermenêutica e ideologias. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2013.
RÜSEN, Jörn. História viva. Teoria da história: formas e funções do conhecimento
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SILVA, Marília da Piedade M. A construção de sentidos na escrita do aluno surdo. São
Paulo: Plexus, 2001.
WHITE, Hayden. Trópicos do Discurso: ensaios sobre a crítica da cultura. São Paulo:
Edusp, 1994.
NOTAS
1
Estas turmas foram selecionadas, primeiramente, porque o critério de seleção previa que
elas, no decorrer de sua trajetória escolar, já tivessem estudado o tema fascismo italiano e,
não menos importante, porque os professores dessas turmas aceitaram disponibilizar suas
aulas para realização da pesquisa.
2
Sobre a influência do interacionismo simbólico e da filosofia pragmática na Grounded
theory ver: FISHER; STRAUSS, 1978; FISHER; STRAUSS, 1979; MARTINS, 2013.
3
Todos os nomes utilizados são ficcionais.
4
Em um primeiro momento, a narrativa dessa aluna foi inserida no nível 1, mas, após con-
versar com a intérprete de libras da sala, ficou claro que a forma como os alunos com defi-
ciência auditiva se expressam de forma escrita é diferente daquela dos alunos sem deficit
auditivo. Segundo Sueli Fernandes, a flexão de tempo e pessoa dos verbos, a ordem das
palavras na oração, a concordância nominal ou verbal, não correspondem às regras da lín-
gua portuguesa (FERNANDES, 2006, p. 2). Portanto, a frase foi inserida no segundo nível
de categorização. Ver também: SILVA, 2001.