A História Do Circo

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 97

Baú circo no beco 

Em 2003, artistas de variadas partes da América Latina uniram-se para realizar um espetáculo circense ao ar livre.
Escolheram como palco um beco inteiramente grafitado que dava acesso a uma praça, na Vila Madalena, em
São Paulo (SP). Como principal objetivo, tinham a valorização dos artistas de rua e a ocupação dos espaços públicos,
além de transformar o local em um verdadeiro palco aberto, no qual todos os interessados poderiam se apresentar.
Este livro apresenta uma pesquisa que reúne entrevistas com os fundadores e frequentadores, fotos, relatos e as
principais influências que o espaço criou. Conheça como esses artistas transformaram o espaço em um local de histórias de um picadeiro a céu aberto

histórias de um picadeiro a céu aberto


fomento da arte, numa escola informal e em um verdadeiro ponto de referência para circenses e artistas de rua.

ISBN: 978-85-60662-20-3

9 788560 662203
Anderson Spada, 2011
Bárbara Francesquine, 2012
histórias de um picadeiro a céu aberto

Giulia Cooper e Maria Fernanda Vieira


© Giulia Nina Cooper Kignel
© Maria Fernanda Vieira Carneiro

Coordenação de produção
Rita Masini
Edição e revisão de texto
Paulo Verano
Projeto gráfico, edição de arte
e diagramação
Marcello Araujo
Rafi Achcar
Assessoria Jurídica
Rodrigo Buchiniani
Impressão
Yangraf

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Bibliotecária Juliana Farias Motta CRB7- 5880

B337
Baú circo no beco : histórias de um picadeiro a céu aberto /
Organização Giulia Nina Cooper Kignel ; Maria Fernanda
Vieira Carneiro . – São Paulo : Arvoredo : Funarte, 2014.
96 p.: il. : color. ; 21x21 cm.

ISBN 978-85-60662-20-3

1. Circos – Brasil – História . 2. Vila Madalena – (São Paulo, SP)


– História. 3. Teatro de rua – (São Paulo,SP). 4. Imagens
forográficas. 5. Atores – (São Paulo, SP) – Entrevistas.
I Kignel, Giulia Nina Cooper, org, 1990-. II. Carneiro, Maria
Fernanda Vieira, org, 1982-. III. FUNARTE. IV. Título.

CDD 791.30981

Índices para catálogo sistemático:


1. Circos – Brasil – História
2. Vila Madalena – (São Paulo, SP) – História
3. Teatro de rua – (São Paulo,SP)
4. Imagens fotográficas
5. Atores – (São Paulo, SP) – Entrevistas

2014
Edições Arvoredo
um selo da A+ Desenho Gráfico e Comunicação Ltda.
Rua Fidalga, 154, cj. 3 – 05432 000 – São Paulo – SP
Tel (11) 3031 2734 – Fax (11) 3816 5113
E-mail: [email protected]
Rogério Piva, 2011

Roteiro
Respeitável público...  7
O espetáculo vai começar!  13
Aplausos!  37
Além do Beco  65
Por trás das cortinas...  78
Memórias reveladas  88
Referências/Agradecimentos  94
Créditos das fotos  95
Elias Ficavontade e
Emerson Noise, 2011

André Becker, 2011

Banda composta por integrantes do Circo Delírio e


The Pambazos Bros, 2013

Panfleto CnB, 2003


7

Respeitável público...
As luzes estão apagadas e o espetáculo já vai começar! A gambiarra logo vai se
acender. É melhor verificar se todos os refletores estão com lâmpada, senão va-
mos correndo comprar...
As comidas para o improvisado camarim dos artistas já estão colocadas sobre
uma toalha branca. O pano, um pouco desfiado, com letras das mais variadas estam-
pas que dizem “CIRCO NO BECO”, já está preso à grade que cerca a praça. Vendedo-
res de pipoca, cachorro-quente, bolinho hare krishna, sanduíche natural... Todos es-
tão chegando, como em um circo de lona, oferecendo seus produtos para o público.
A arquibancada de cimento está lotada, mas ainda há alguns lugares no chão
para aqueles que desejam ficar mais próximos dos artistas! Acendem-se as luzes!
O espetáculo começou! Logo chega um apresentador, enquanto a produção ainda
está fazendo os ajustes finais.
“— E agora, começamos mais uma edição do CIRCO NO BECO!”
O público aplaude. É o início do espetáculo! Um palco aberto! Este é o mo-
mento em que qualquer um do público pode se apresentar...
E é assim que vamos começar a apresentar nossa história!
Fazer um livro não é tarefa fácil. Ao longo do caminho, aprendemos que realizar
um registro de um movimento tão plural e coletivo é uma empreitada delicada. No
meio disso, nos perguntamos: então por que fazer um livro? Para que serve um livro?
O livro serve para contribuir na formação do mundo interior de todas as pessoas,
para imortalizar o mortal, para gerar a possibilidade de conhecer, de saber, de existir.
Um livro nos leva a lugares que podemos ter visitado, mas a capacidade de nos envol-
ver com as palavras traz sensações que perduram no tempo. Talvez ler um livro não
seja algo que aconteça tão comumente quanto deveria, pelo menos não no Brasil, e
isso não é por falta de escritores, e sim por falta de incentivo ao prazer da leitura.
8 

Os tempos atuais quiçá não sejam o melhor momento para se publicar um


livro. Com o desenvolvimento enlouquecido da internet e dos meios de comunica-
ção da era canibal, somos levados a ler e engolir coisas sem pensar. No entanto,
talvez por esta mesma razão, resolvemos quase que intuitivamente que devería-
mos retratar a história do Circo no Beco (CnB) em livro, registrar os dez anos de um
movimento contemporâneo, de 2003 a 2013, de uma maneira clássica, tornando-
-o permanente e reconhecendo-o como tal. Cá está nosso livro, que agora pode
chegar a tantos lugares!

Bilhetinhos deixados
Vamos começar contando um pouco do início dessa ideia... Em uma conversa
pelo público, 2005 informal, nós duas pensamos sobre a possibilidade de se registrar a história da
arte de rua circense no Brasil, afinal, apesar de as pesquisas sobre o circo estarem
constantemente crescendo em nosso país, ainda havia pouquíssimos escritos de-
dicados exclusivamente à arte de rua circense. O local em que nos conhecemos foi
justamente o Circo no Beco, onde também iniciamos nossas primeiras apresenta-
ções e produções de espetáculos.
Sendo assim, foi quase natural que decidíssemos que o foco de nossa pes-
quisa seria essa importante experiência que se deu no bairro paulistano de Vila
Madalena, já tão tradicionalmente afeito às artes (de rua, inclusive, como o graffi-
ti), caracterizando o CnB como um importante movimento da arte de rua circense
no Brasil. Inscrevemos nosso projeto e fomos contempladas no edital da Funarte
(Fundação Nacional de Artes) com o Prêmio Carequinha de Estímulo ao Circo.
E assim começamos a pesquisar... Sem saber muito por onde começar; afinal, a
história era longa e repleta de fatos diversos.
Procuramos Verônica Tamaoki, que nos mostrou alguns documentários e
textos sobre o tema. Esse encontro foi muito importante, pois Verônica, com sua
longa bagagem em pesquisas circenses, logo nos mostrou que a arte circense de
rua é muito mais antiga do que imaginávamos. Como veremos nas páginas do
livro, os primeiros circenses que chegaram ao nosso país logo ocuparam a rua!
Precisávamos antes de tudo juntar material fotográfico e iconográfico, pois
era importante que o livro contivesse fotos de todos os anos do CnB. Logo lan-
çamos um grande chamado na internet e fomos atrás de diversos fundadores e
pessoas que participaram em alguma época da história do movimento. Os textos,
9

fotos, registros de reuniões e outros documentos estavam espalhados nos mais


variados locais... Aos poucos, fomos juntando todo esse material para depois rea-
lizar uma seleção do que finalmente entrou no livro. Afinal, recebemos muitas
fotos desses dez anos de história!
Durante muito tempo, tudo foi debatido entre a comissão organizadora em
uma lista de e-mails na internet. Relemos os milhares de e-mails já trocados entre
os participantes da lista para que pudéssemos tentar elaborar uma linha do tempo
e verificar quem esteve presente durante os dez primeiros anos de história. Procura-
mos contatar fotógrafos que voluntariamente participaram dos espetáculos, pedin-
do as fotos em alta qualidade para serem utilizadas no livro. Felizmente, a maioria
demonstrou interesse em ajudar a registrar essa história e ter suas fotos publicadas.
Em seguida começamos as entrevistas. Primeiro elaboramos uma lista daque-
las pessoas que já sabíamos que era preciso entrevistar. Com alguns, conseguimos
marcar encontros presenciais, com outros, entrevistas por Skype. Ao longo desses
anos, algumas pessoas participaram mais do que outras, ou tiveram funções espe-
cíficas e bem importantes. Para esses, procuramos elaborar questionários individu-
alizados. Fora isso, também elaboramos um questionário geral que ficou disponível
durante um ano na internet para que todos os interessados pudessem responder.
Durante o período de entrevistas, fomos descobrindo mais pessoas que fizeram par-
te dessa história. Os próprios entrevistados nos indicavam outros que deveriam ser
contatados. Foi assim que entrevistamos pessoas que fizeram parte do CnB e hoje
estão espalhadas pelos mais variados países.
Felizmente, a participação e o interesse foram grandes, e tivemos mais de cem
entrevistados!
A história do Circo no Beco é, como dissemos, plural, variada e não possui uma
forte linearidade. A grande dificuldade do livro foi conseguir colocar nas páginas que
tínhamos os diversos momentos pelos quais o movimento passou, além de incluir o
maior número de pessoas em suas páginas, afinal, a história sempre foi escrita por di-
versas pessoas. Para alguns a quem mostramos o material, nos disseram que o ideal
era fazer três livros e não um! A vontade era a de fazer uma grande enciclopédia com
toda a pesquisa na íntegra, mas infelizmente não havia verba para isso... (E talvez,
quem sabe, este possa ser um desdobramento futuro, aí sim pelos mares da internet!)
10 

O que nos deparamos durante a pesquisa é que não há uma verdade sobre
o que de fato aconteceu em todas as edições do CnB, nem mesmo como afir-
marmos quais foram os melhores e os piores momentos de sua história. Cada
entrevistado tem uma visão diferente do que foi o CnB para a sociedade e também
para a própria formação e experiência. Partindo disso, procuramos incluir o maior
e mais variado número possível de depoimentos, respostas e fotos sobre o CnB
nas páginas que seguem. Tentamos ao máximo somente organizar essa história,
Mafê Vieira e Giulia Cooper, 2008 deixando que os artistas a fossem contando. Optamos, também, por deixar textos
que contam sobre as edições, escritos por quem viveu os momentos. É assim que
vocês podem ver o belíssimo depoimento de Rodrigo Pereyra logo no início do
livro. Quem viveu conta melhor do que ninguém como foi a situação!
Após reunirmos todas essas entrevistas e o material gráfico, entramos na
etapa da edição de arte, e conseguimos o artista gráfico que muito nos ajudou
na materialização do livro! Fizemos uma grande seleção das fotos e entrevistas.
Escrevemos alguns textos para dar linearidade ao livro. Ao final, não hesite em
registrar também suas próprias lembranças sobre o CnB.
Agora vamos parar por aqui, já está na hora de o Palco Aberto terminar, o
Cabaré com artistas convidados vai começar.
Assim como o Circo no Beco, algumas luzes da ribalta de nosso livro ainda
continuam queimadas e só serão acesas ao longo do caminhar desses anos, ou,
ainda, dentro da memória e imaginação de cada um... Convidamos todos vocês a
entrar no fundo do Beco e conhecer um pouco mais desse lindo trajeto!

Giulia Cooper e Mafê Vieira


Maria Druck, 2003 11

CnB edição “Dia dos Público no Beco, 2010


Namorados”, 2011
Guilherme Multisambafônico, 2010 Douglas Marinho e
Dudu do Circo, 2006

Beco, 2004

Encontro de Malabarismo, 2010


13

O espetáculo
vai começar!
Dos registros de pessoas jogando malabares nas pirâmi-
des do Egito Antigo, passando pelos grandes espetáculos
gregos, pelo nomadismo cigano que espalhou-se pelo
mundo, as primeiras trupes circenses e a chegada desses
artistas ao Brasil, que ocuparam esquinas, praças e par-
ques apresentando os mais variados números, faquires
que ficavam dias sem comer, vendedores de pomadas
milagrosas, contorcionistas e tantos outros que passaram
o chapéu ao final de suas apresentações como forma de
contribuição do público... Até o encontro entre amigos de
diversas partes do mundo que, a partir de um sonho cole-
tivo e um dia de chuva, decidiram realizar o primeiro espe-
táculo de variedades em um beco inteiramente grafitado,
um tanto esquecido no coração da Vila Madalena, em São
Paulo. E assim surgiu... O CIRCO NO BECO!
14 

O circo ganha o mundo


Descrever como se desenvolveu a história do circo é um ato tão ousado quanto
o de domar leões, fazer magias ou provocar o riso. Para que se possa encontrar
uma definição exata de uma atração singular repleta de pluralidades, é necessário
que se esqueça de fórmulas matemáticas e, tal como um contorcionista, se torne
o mais flexível quanto lhe seja possível.
A arte circense faz parte de um universo que possui características de muitos
lugares, povos e nações distintos. Por haver combinado em um só espetáculo di-
versas técnicas, não há como saber qual a verdadeira raiz de cada elemento que
compõe o circo.
São encontrados registros de malabaristas nas pirâmides egípcias; números
de contorção faziam parte de rituais sagrados na Índia; havia grandes espetáculos
na Grécia... Diversas culturas influenciaram os espetáculos circenses. O que se
sabe é que as variadas técnicas são encontradas nas mais distintas tradições.
Todo o saber foi transmitido oralmente, de geração para geração, passan-
do de pai para filho. A oralidade é então um dos valores mais importantes dos
artistas circenses. Os registros escritos começam a aparecer com mais força no
século XX, quando acadêmicos, estudiosos, pesquisadores e artistas começaram
a realizá-los.
O interesse por esse tema é relativamente crescente. Atualmente, é possível
encontrar diversos livros e pesquisas acadêmicas sobre o tema. O que se busca
© Google Images

com esses trabalhos é apontar em texto o valioso saber circense, que é oral por
natureza. Por essa razão, há muitas divergências em relação a datas exatas, fatos
e métodos; porém um ponto em comum é: a arte circense tem origens antigas em
Representação de malabaristas
diversas culturas e povos.
no Antigo Egito. Imagem
encontrada na 15ª tumba na Desde tempos imemoráveis que o circo ocupa um espaço privilegiado de
região deBeni Hassan e datada entretenimento entre todas as suas formas de diversão. Entre feiras e praças de
entre 1994 e 1781 a.C. todo o mundo, saltimbancos, ciganos, vendedores de unguentos, acrobatas, má-
gicos, telepatas, equilibristas, entre outros seres fantásticos, sempre foram vistos
mostrando seu trabalho, alegrando, encantando e trazendo mais brilho para os
olhos dos que os assistiam.
15

Os artistas circenses foram os primeiros a chegar às pequenas e grandes


cidades, ocupando terrenos vazios ou a praça principal com sua arte e transfor-
mando o espaço urbano. Uma arte itinerante, a partir da qual os artistas abriram
estradas, descobriram caminhos e percorreram o mundo todo. A arte circense
sempre foi se atualizando ao longo da história, adequando-se a cada cidade por
onde passava, incluindo fatos da época em seus espetáculos e aprimorando seus
números.
Os palhaços, por exemplo, devem estar sintonizados com as músicas que to-
cam no rádio, os fatos da novela ou aquilo que faz parte da vida cotidiana de seu
público. Tudo isso é importantíssimo para poder elaborar suas piadas e encher
de risos a plateia. O riso nasce, portanto, dessa “troca de opiniões” crítica entre
palhaço e público sobre o que acontece no dia a dia dos lugares.
O movimento dos espetáculos faz com que os artistas estejam sempre ante-
nados com a sociedade, buscando agradar ao seu público. A arte circense sempre
conteve dentro de seu espetáculo técnicas de dança, teatro e música. Eram os
circenses que faziam tudo no show, construíam instalações elétricas, cozinhavam,
pintavam placas para divulgar o circo, compunham músicas, subiam a lona, fa-
ziam segurança para números de risco, cada um tinha sua função e habilidade
para que o espetáculo fosse realizado com perfeição.

A chegada ao Brasil
Assim como encontramos dificuldade em registrar a história e origem do circo no
mundo, também é árdua a tarefa de dissertar sobre o momento exato da chegada
desses artistas, pois há fontes diversas mostrando que o circo chegou ao Brasil
em épocas variadas. Por não virem com contrato ou espaço fixo pré-agendado,
os circenses se apresentavam em espaços abertos, praças e ruas do país. Apesar
Pinturas rupestres na Serra da Capivara
de alguns preferirem ingressar em espetáculos de variedades que ocorriam em
(Piauí). Foto: Alice Viveiros de Castro/
espaços fechados, a verdade é que os teatros eram raros no Brasil do século XIX. Pesquisa Acrobatas na Pré-História
Porém, relatos dão conta de que já havia artistas circenses no país séculos antes.
Há quem diga que Diogo Dias fora o primeiro a praticar técnicas circenses, pois,
segundo relatos de Pero Vaz de Caminha em sua famosa Carta de achamento do
Brasil (1500), este interagiu totalmente com os nativos, fazendo-os rir e dançar.
Graffiti nos muros próximos ao
local onde é realizado o Circo no Os ciganos saltimbancos ou mambembes foram fundamentais para a forma-
Beco, na Vila Madalena, em
ção cultural brasileira devido ao seu movimento e à adaptabilidade com outras
São Paulo, 2003
formas de cultura; a despeito do preconceito que havia, e ainda há, encontraram
um ponto de culminância entre as diversas linguagens aportando para seus espe-
táculos as influências tanto indígenas, quanto africanas.
Números de contorção, malabarismo, acrobacias e até domínio de animais, que
em muitos casos não eram conhecidos no Brasil, tomavam praças e parques para
suas realizações. As ruas do país já eram ocupadas por artistas. Eram os famosos sal-
timbancos, que se adaptavam ao espaço, tempo, local, cidade e tudo aquilo que lhes
era proposto. Isto é, não esperavam os enormes pavilhões para poderem trabalhar, se
apresentavam onde havia espaço e iam aprendendo a cada show. Nas apresentações
na rua, ao final, o público contribuía voluntariamente no chapéu do artista.
Em algumas cidades, não eram permitidas as apresentações em praças pú-
blicas. O poder público alegava que isso se devia ao risco que poderia ocorrer com
os animais causando acidentes ao público. Apesar de os circenses continuarem se
apresentando sem os animais, os espetáculos não tinham o mesmo impacto. Isso
fez com que, aos poucos, fossem procurando locais fechados, em que a cobrança
de ingresso na entrada fosse compulsória. Em alguns locais, porém, trabalhavam
em troca de comida ou passavam o chapéu.
É importante salientar que a organização familiar está presente em todas
essas formas de realização de espetáculos. É ela quem possibilita a transmissão
de saberes, a estruturação e evolução dos integrantes dessa organização.
17

Utilizando o conhecimento tecnológico que já traziam do estrangeiro, além


da imensa criatividade que os circenses possuem até hoje, criaram uma das pri-
meiras formas de apresentação em espaços fechados: os tapa-becos. Qualquer
espaço vazio na cidade, terreno ou beco, era tampado na frente e ao fundo com
um grande pano, formando um espaço fechado. Dentro desse espaço, faziam um
picadeiro circular, desenhado com uma corda. Em alguns havia também estrutura
para números aéreos, construída com madeira. Os circenses dispunham de gran-
de conhecimento para construir todos os aparelhos e equipamentos. Faziam tudo
com muita cautela, pois o circo possui números muito arriscados.
Como os tapa-becos só eram fechados na frente e atrás, os espetáculos de-
veriam acontecer de dia, pois não havia iluminação, e também não haveria como
fazer debaixo de chuva. Ainda não existiam as gigantes arquibancadas para o
público se sentar, portanto este permanecia em pé, e quem queria levava uma
cadeira de casa.
“No início do circo de tapa-beco, quando ‘a praça estava ruim’, a entrada fi-
cava livre e lá dentro ‘corria o chapéu’ ou se trabalhava em troca de alimentação.”1
Para viajar, levavam apenas algumas partes da estrutura, pois outras acabavam
buscando em cada local que chegavam. Viajavam de carro de boi e também com
os próprios cavalos que faziam parte do espetáculo.
Além dos tapa-becos, outras formas de realizar espetáculos em locais fecha-
dos foram surgindo, como o circo de pau a pique, que ainda não tinha cobertura
e nem iluminação, somente um pano de algodão em volta, sustentado por uma
estrutura de madeira. Também não havia arquibancada, e os circenses não viaja-
vam com essa estrutura: deixavam-na no local, e algumas vezes era utilizada por
outro circo que chegava. As estradas eram precárias, e não era possível chegar a
todos os locais.
Outra forma surgida foi a do circo de pau fincado, que era construído de-
pendendo das condições financeiras da família. Variava o material que tampava
a volta do circo, podia ser de pano, zinco ou madeira, entre outros. Alguns até
possuíam cobertura, parcial ou total. Também eram utilizadas arquibancadas, que
abrigavam mais público e de modo mais confortável. Essa forma não eliminou

1 SILVA, Ermínia e ABREU, Luís Alberto de. Respeitável público… O circo em cena. Rio de Janeiro: Funarte, 2009; p. 124.
18 

as outras duas, a tapa-beco ou a pau a pique. Os circenses iam sempre se


Varieté / Cabaré adaptando ao que tinham, alguns ainda se apresentavam na rua quando era
preciso.
No circo, os cabarés, varietés ou es- A estrutura começou a se tornar cada vez mais permanente, o que fazia com
petáculos de variedades são shows
que as famílias acabassem viajando com ela. Os circenses começaram a encerar
que juntam em um só espetáculo
as coberturas de algodão com uma mistura específica, e que foi sendo aprimorada
artistas diversos. Estes geralmente
apresentam performances curtas,
durante o tempo, tornando-as mais impermeáveis.
de até 15 minutos, e há um apresen- Foi também no circo de pau fincado em que surgiram as primeiras for-
tador que realiza a “costura” entre mas de iluminação, utilizando-se candeeiros e lampiões. Alguns já possuíam
os números. Os cabarés podem energia elétrica, porém, quando não, era necessário utilizar as outras formas
agregar artistas das mais variadas de iluminação. Os artistas dormiam em barracas ao redor da lona ou conse-
técnicas: circenses, dançarinos, can- guiam alugar casas.
tores, entre outros. Foram inspira- Os circos foram crescendo, funções internas foram sendo definidas, como
dos em estabelecimentos populares
a do secretário, que chegava antes aos locais de apresentação, verificando um
da França do final do século XIX, na
bom terreno e data para o espetáculo, observando como estavam as estradas e
Belle Époque, que eram locais para
entretenimento das camadas mais
também lidando com o poder público.
altas da sociedade, onde ocorriam O circo americano, muito conhecido até hoje, também foi tomando lugar
diversos tipos de apresentações no Brasil, onde as famílias começaram a utilizá-los e fabricá-los a partir de 1940.
artísticas. Antes, era fabricado somente nos Estados Unidos. Esse tipo de circo facilitou
muito, pois a montagem era mais simples e ágil. Além disso, os artistas puderam
utilizar outros aparelhos no espetáculo, trazendo novas possibilidades cênicas.
Vale destacar que, por mais que o circo que conhecemos hoje tenha passado
por diversas transformações estruturais no decorrer do tempo, essas mudanças
sempre levaram intrínsecos os conhecimentos ancestrais somados às culturas
pelas quais passaram, o que fez com que cada circo, a seu modo, se tornasse
uma forma peculiar de transmissão de conhecimentos aliada à inventividade de
soluções para as situações mais adversas.

Com vocês, o Circo no Beco!


Um lugar, uma praça, a rua, um museu a céu aberto! Um esconderijo que foi des-
coberto, primeiro dentro de seres humanos livres (saltimbancos por natureza) e
depois nasceu para a grande São Paulo e, posteriormente, para o resto do país. E
19

segue crescendo, em direção ao resto do mundo; até hoje, no anseio de ser algo
Relato de Gaston Sanchez, que
feito pelas pessoas e para as pessoas.
atualmente vive em Barcelona e
Circo no Beco é o nome dado para um espetáculo que foi iniciado em 2003
foi um dos fundadores do CnB
por artistas de rua, malabaristas e circenses, pessoas que estavam cansadas
de fazer a mesma cena/função/roteiro nos semáforos da cidade e também não “Em 2003 viajei a São Pau-
encontravam espaço para se apresentarem entre os já consagrados grupos e lo (...). Encontrei-me com muita
teatros paulistanos. Dessa forma, resolveram buscar um lugar para elaborar um gente linda: Rodrigo, Joe, Markiño,
modelo incomum de espetáculo, chamando-o varieté ou cabaré. À semelhança Paula, Adrian, Leda, Marco, Nacho
com a história do circo, recuperaram os tapa-becos, demonstrando adaptabili- Noche, Duico, Du Circo, Maria...
dade e adequação ao local. Alguns treinavam na Academia OZ
No decorrer desta pesquisa, conseguimos conversar com diversas pessoas e outros apenas eram amantes do
que foram responsáveis pela fundação do Circo no Beco. Relatos emocionantes circo e das artes.
dos protagonistas dessa história, que nos contam, após dez anos, porém man- O Circo no Beco nasceu da

tendo a mesma excitação do início, como se deram as primeiras reuniões e es- necessidade de muitos de nós de
mostrar/expor/compartilhar nosso
petáculos. Tentamos organizar, a partir desses relatos, uma forma de conhecer
trabalho. (...) Começamos a nos or-
como se deu a descoberta do Circo no Beco.
ganizar. Preparamos o espaço, lim-
pamos, ordenamos, instalamos luz
e nos autogestionamos.. Fico muito
Relato de Duico Vasconcelos, o palhaço Pistolinha, de como feliz em saber que o Circo no Beco se-
foi o encontro com o espaço e com quem já o habitava gue funcionando tantos anos depois
que muitos amigos passaram por aí!
“(...) Em um dia de chuva, dois malabaristas param bem em frente à Felicidades por muitos anos!”
casa do Projeto Aprendiz (ONG responsável pela administração do local) para
se abrigar, e, como estavam lá mesmo, resolveram entrar para conversar e
propor sua ideia. Nem precisa dizer que o projeto foi aceito de pronto e uma
reunião urgente foi marcada com as pessoas interessadas, já que o primeiro
espetáculo se daria dali a duas semanas.
Foram realizadas reuniões em uma casa ali mesmo, na Vila Madalena,
onde moravam três malabaristas, e onde fora definido o nome do espetáculo
— CIRCO NO BECO —, bem como a forma em que ocorreriam as apresentações.
Em 27 de março de 2003, dia do Circo no Brasil, foi realizado o 1o CIRCO
NO BECO...”
20 

Algumas questões foram tratadas nessa reunião prévia, marcada com urgên-
cia, antes que ocorresse o primeiro espetáculo, e um dos fundadores do CnB,
Rodrigo Pereyra, feliz em saber que essa história estaria sendo registrada neste
livro, nos deixou seu divertido relato em contribuição a esse material.

Relato de Rodrigo Pereyra sobre a reunião que antecedeu ao primeiro espe-


táculo do Circo no Beco, em 2003

“Parece-me incrível que o que começou há dez anos, como uma inicia-
tiva de um grupo que buscava principalmente uma desculpa para se juntar e
‘fazer algo’, acabou ganhando um corpo, perdurando tanto tempo e merecen-
do, inclusive, o reconhecimento da Funarte.
Sobre o que o Beco acaba sendo, a quantidade de artistas que se apre-
Rodrigo Pereyra e braços do
Esteban Hetsch, 2003 sentaram ali, seus espetáculos, de quanta gente que se iniciou nesses cantos.
Desde esse beco praticamente instransitável, se pôde reivindicar a arte de rua
como um espetáculo digno. Creio que devem atentar-se a quem deu conti-
nuidade a este projeto, quem fez dessa iniciativa maior, quem fez crescer (e
cresceu) com o Beco. A todos eles, em boa hora, espero que em algum dia nos
encontremos ou reencontremos aqui ou acolá.
O que eu posso contar é como se gestou o Beco e suas origens, pois fui
testemunha de tudo em primeira pessoa. E por que não dizer? Também de-
sempenhei algum papel...
A questão é que o Beco estava ali, com todos seus graffitis e tudo, há duas
quadras de onde morávamos... Um dia estava com Gaston [Ricardo Gaston
Sanches] em frente ao Beco e ele me diz:
— Aqui se pode fazer algo...
E eu:
— Não sei, por aqui não passam pessoas...
E ele:
— Nós vamos buscar...
E eu:
21

— Teríamos que pedir permissão, não? Aprendiz


Alguns dias mais tarde, nos encontrávamos comendo em um restau-
rante na rua Alves Guimarães e comentando o que nos incomodava em não Fundada em 1997, a Cidade
encontrar o ‘jeito’ de trabalhar na rua em São Paulo. Escola Aprendiz tinha como precei-
Mas o que nos apetecia fazer era um espetáculo popular, fresco, onde to a ideia de que as mudanças so-
fôssemos nós que decidíssemos como, quando e por quê. ciais tinham que começar dentro do
Da onde estávamos podíamos ver a porta do local do Projeto Aprendiz, próprio bairro. Realiza variados pro-
jetos sociais que começaram com
então Niki Launcha me diz:
um site, “com uma redação-escola
— ‘Che’, e se vamos e pedimos permissão?
para alunos de escolas públicas e
Fomos.
privadas, que se propunha à disse-
Fomos, falamos, nos receberam bem, o ‘Frete’ [Jorge Gonçalves Perei-
minação de temas relacionados à
ra, carroceiro que tinha como apelido o seu veículo de trabalho — BMW], educação para a cidadania”, como
que era um trabalhador do projeto, se colocou à nossa disposição e meia diz Rubem Alves no livro Aprendiz
hora mais tarde, enquanto voltávamos para casa, fomos nos dando conta de de mim — um bairro que virou esco-
que o que se havia posto em movimento podia ser muito grande. la (Papirus, 2004).
Quando começamos a contar a Esteban Hetsch a conversa que tivemos
com a diretora do Projeto Aprendiz, passamos a definir o que queríamos
fazer, de maneira intuitiva, porque ninguém havia se posto a pensar o que
queria exatamente, o curioso é que em pouco tempo foram chegando Duico
Vasconcelos com Marquinhos [Antonio Marcos Pires Gil], que voltavam do
trabalho no farol, Marcos e Paula [Cia. Zirkacid], que nos visitavam diaria-
mente, e não me lembro de quem mais, todos se uniam automaticamente
à discussão. Já não me lembro bem do que falamos, mas falamos durante
muito tempo e chegamos a algo:
• Que o Beco, por estar na rua, teria que ser um espaço que reivindi-
casse os espetáculos de rua;
• Que devia ser um espaço aberto, onde tivessem oportunidade não
só os espetáculos de rua, mas qualquer artista que quisesse utilizar
esse espaço;
• Que, se fosse acontecer num espaço aberto, não podia nascer limita-
Desenho de uma aluna de
do pelo pequeno grupo que estava reunido, senão que, antes de se- Projeto Aprendiz que retrata
guir avançando, devíamos fazer uma reunião com aquelas pessoas o Circo no Beco
22 

que nos parecia que por alguma ou outra coisa estariam interessadas
em compartilhar conosco essa experiência para definir entre todos
como se daria o funcionamento do Beco.
Felizmente, entre os reunidos, tínhamos conhecidos entre as escolas de
Circo OZ e Picadeiro (a maioria das pessoas treinava em uma ou outra, ou
então nas duas), a Nau de Ícaros (onde íamos aos encontros de malabares e
assistíamos a algum curso pontual), a Central do Circo (onde assistia as aulas
de circo do Sandro e o ajudava com os malabares), além de outros conhecidos
que trabalhavam por conta própria.
Foi surpreendente a resposta que tivemos: a todos os convidados parecia
interessante, sobretudo quando (o que mais nos assustava dizer) confessa-
mos que intencionalmente não havíamos definido nada.
— Tem um espaço, temos vontade de fazer algo, nos juntamos e vemos
no que dá?

A primeira reunião
Foi uma loucura...
O apartamento onde vivíamos tinha uma sala minúscula, a porta para o
corredor estava fechada, porque a reunião teve que ser às altas horas da noite
para coincidir com a agenda de todos... As pessoas se aglomeravam para po-
der enxergar a todos... Éramos muitos, e parecíamos mais...
Não sei se esqueci alguém, ou coloquei alguém que não estava presen-
te, mas creio que estávamos: Duico e Marquinhos (na época tinham o grupo
Tentáculos), Marcos e Paula (Cia. Zirkacid), Joe, Esteban, Gaston, Sandro, que
trouxe Emanuela e Sandra, que acabaram sendo fundamentais sobretudo no
começo, contribuindo com um pouco de sanidade a essa loucura toda, Du Cir-
co, que sempre esteve envolvido (e creio que está) com tudo o que está rela-
cionado com circo em São Paulo e desde o primeiro momento abraçou a ideia,
Adrian Pagliano, Maria Druck, Tum Aguiar e Marian Del Castillo (a primeira
fez um número de arame com sua parceira, e as outras duas, aerelistas, tive-
ram que esperar bastante para poder se apresentar, apesar de que apoiaram a
‘parada’ desde o primeiro momento).
23

Num total de umas 20 pessoas amontoadas num apartamentinho na


Vila Madalena, pensamos em:
• Fazer do Beco um espaço aberto para poder apresentar números;
• Ser um espaço dinâmico onde as pessoas pudessem se integrar em
qualquer momento, no qual ninguém seja imprescindível;
• Fazer um ‘circo no beco’, mas que não possuíamos nada (som, luzes,
aparato técnico);
• Seria realizado a cada 15 dias (nem todos poderiam participar do pri-
meiro) e, para garantir espaço a todos, quem tivesse se apresentado no
primeiro cederia seu lugar a quem quisesse atuar no seguinte;
• Os números não poderiam ser repetidos;
• Seria passado o chapéu, não só pelo desejo de arrecadação monetária,
senão para reivindicar a arte de rua, não somente como arte, e sim
como profissão para passar a mensagem de que a arte de rua tem um
valor intrínseco, independente de se manifestar num museu, num cir-
co ou mesmo na rua.

O primeiro Circo no Beco


Foi outra loucura, nada de equipamentos, nada de luzes, nada de verba,
somente uma vontade muito grande de fazer coisas.
Começamos o espetáculo no fim da tarde, já adentrando a noite, ilumi-
návamos com tochas e corríamos de uma ponta do Beco a outra com uma fita
cassete e metros e metros de cabo; assim mesmo tudo foi um êxito (ou pelo
menos não tivemos que lamentar nenhuma desgraça humana, o que já é o
bastante para agradecer).

Elenco do primeiro
Circo no Beco, 2003
24 

O que é Atuaram Joe e Niki Launcha com um número de Dandy’s, Maria e


o Circo no Beco Vanderleia com um número de arame que deu o tom ‘clássico’ e distinto
do espetáculo, Du Circo, com malabares, fazendo uma entrada épica com
“Perguntinha difícil, né? Eu vejo que uma minúscula bicicleta e uma bomba ninja que lhe custou uma contu-
é um grupo amorfo com algumas são, Pistolinha e Petecada (Duico e Marquinhos) representaram um número
pessoas que mantêm a fogueira em que Bin Laden enfrentava o Superman (dois super-heróis dessa época),
quente. O Circo no Beco é mais Smoking’s (um combinado que montamos com Adrian, Marcos e Gaston,
como um projeto que se insere especialmente com Niki Launcha), e um menino chamado Paulo César (PC),
num movimento que é maior que
que não sei bem como apareceu, mas apresentou um número de equilíbrio
ele. Reúne pessoas interessadas
em uma corrente que nos deixou boquiabertos, e somou ao primeiro Beco
na arte, no circo, na rua, na ‘de-
o espírito street que correspondia a um cenário com essas características.
mocracia’ (não me agrada muito o
Dos meandros dos demais números, não me recordo muito bem, mas
termo, mas é o melhor que encon-
tro para comunicar nesse caso), na
sim o que me lembro é o que fizemos com os meninos e o que quase nos acon-
bagunça... Reúne essas pessoas tece (não são todos os dias que uma pessoa tem a oportunidade de quase
todas e as coloca com a mão na morrer abraçado em tão boa companhia);
massa, e da ação de uma porção Foi assim:
de apaixonados dispostos sai um Debaixo do Beco corre um braço de rio entubado (ou pelo menos foi
espetáculo que atualmente é men- o que me disseram), comunicando-se ao tubo uma grade bastante gran-
sal e tem algumas características de que se encontra no solo do Beco, abaixo das grades tem um quadrado
específicas, mas que não são fixas... que uma pessoa pode estar ali de pé meio agachada; nossa ideia era que,
O Circo no Beco é um projeto que vestidos de exploradores de minério, nos esconderíamos sob a grade, e o
acontece num espaço fixo, mas que público acima, estrategicamente; voluntários se situaram entre o publico,
tem escancaradamente um trânsito
que no momento indicado afastaram as pessoas para os lados para poder
de ideias com fluxo intenso... É um
começar.
projeto que depende da demanda
Então Marcos cuspia fogo debaixo e depois, cobertos de fuligem e com as
e acontece efetivamente porque
tochas nas mãos, iríamos saindo um a um.
a demanda existe e as pessoas se
mobilizam. São tantas coisas, meu O que não me alertaram é que ali embaixo também viviam muitos ‘ani-
Deus!!!!” maizinhos’ (aprendemos a sempre jogar uma tocha acesa para espantar os
Emanuela Helena roedores) e que o rio cresce.
No dia da estreia o rio cresceu, não o suficiente para deixarmos de entrar
debaixo da grade, mas sim o necessário para que tivéssemos que ficar todos
no pequeno quadrado e utilizar o espaço de maneira que tínhamos que apoiar
25

o pé em cada lado do quadrado (só cabiam três pés); era uma loucura... Só
conseguíamos apoiar nossos pés à medida que pisávamos no pé do outro além
de cada um ter que apoiar uma das mãos para manter o equilíbrio e fazíamos
uma espécie de cruz.
Para ficar ainda mais engraçado, creio que Adrian tinha que segurar as
12 tochas para que os demais conseguissem subir e, como ele também pre-
cisava de uma mão para poder se equilibrar, não podia colaborar (e Marcos
tinha que cuspir fogo!!!). As pessoas foram subindo e, enquanto se levanta-
vam, acendemos as tochas e juntamos todas num ponto médio (mas cada
um segurava a sua), e a coisa começou a esquentar. Acima de Marcos (e de
todos), começamos a rir e fazíamos sinais de que assim Marcos não con-
seguiria cuspir fogo; depois de um momento de incerteza, Marcos colocou
o combustível na boca, nos agachamos como pudemos (muito menos do
que estava programado e do que aconselha o senso comum) e ele cuspiu
CnB 5, 2003
um considerável sopro de fogo que desde fora se viu como uma explosão e
desde dentro... Também.
Mais carbonizados e cheios de fuligem do que era previsto fomos saindo
do Beco.”

Nesse crescente de ideias criativas e pessoas interessadas, um universo dis-


tinto foi criado, transformando a cidade de São Paulo, e mais precisamente a Vila
Madalena, num dos pontos conhecidos pelos espetáculos circenses de rua orga-
nizados por pessoas que ousaram fazer diferente.

Formatos
O Circo no Beco engloba primeiramente três coisas: espetáculos realizados no
espaço praça-beco pelo coletivo que o organiza; os encontros semanais de ma-
labarismo e o Festival de Circo e Espetáculos de Rua. Essas três ações ocorrem
no mesmo local, que também é conhecido como “Circo no Beco”. Vamos explicar
cada uma dessas ações.
26 

O espetáculo e suas edições


“Circo no Beco” é o nome dado a um espetáculo de variedades que engloba três
momentos que estão descritos a seguir. Após a primeira edição, em 2003, o CnB
teve edições mensais nos primeiros anos, e algumas vezes até quinzenais. Não há
uma regra que diz quando deve acontecer uma edição do CnB, quem decide é o
grupo que está à frente na época em que é realizado. A vontade desses artistas
fundadores de encontrar um local para se apresentar era tanta que a maioria das
edições concentrou-se nos primeiros anos. Cada edição do CnB é única, na qual o
coletivo organizador convida artistas dos mais variados estilos para compor o es-
petáculo. Os espetáculos do CnB podem ocorrer qualquer dia da semana, inclusi-
ve dentro do Encontro Paulista de Malabarismo, às segundas-feiras. Já ocorreram
mais de 60 edições.
Circo Amarillo, CnB 5, 2003
Palco Aberto
Espaço onde o público tem a oportunidade de se apresentar enquanto aguarda
o espetáculo pré-agendado. Conta com um apresentador convidado (diferente
daquele que apresentará o CnB em seguida), que trará números da plateia, onde
algumas vezes são oferecidos prêmios. Esse apresentador deve estar atento ao
público, e saber a hora de fazer seu próprio número, para com isso conseguir in-
centivar as apresentações dos espectadores. Marca o início do espetáculo, quan-
do o público ainda está se aquecendo para a próxima fase.
Cenário “Descotidiano”
(Cia. do Relativo), 2013
27

Cabaré de Variedades
Banda
Há um apresentador que faz a “costura” e apresentação dos números. Geralmente
o espetáculo conta com uma média de oito números, e em muitos casos é itine- Nas primeiras edições do CnB, tam-
rante, ou seja, ocupa não só a praça de entrada, como também o fundo do beco, bém havia uma banda para encerrar
o espetáculo. São convidados músi-
onde, conduzido por um apresentador, o público é levado a assistir aos números
cos que tenham algum aspecto em
em diferentes espaços. A princípio, os espetáculos eram temáticos. Esses temas
comum com a proposta oferecida
eram debatidos e escolhidos em reuniões prévias, e os organizadores muitas ve-
por esse evento, e que favoreça a
zes decoravam o espaço, criavam números para o tema, ensaiavam bailados de arte de rua e seus meandros. Esse
abertura, entre outras iniciativas. é o momento no qual artistas e
público interagem e têm a possibili-
dade de trocar ideias, informações,
Mapa que truques, paqueras e, para os mais
indica faceiros, até uns beijinhos... Atual-
como mente, não acontecem apresenta-
chegar ao ções de banda após os espetáculos,
CnB devido ao fato de o barulho inco-
modar a vizinhança. Mesmo assim,
diversas bandas aparecem no
Encontro Paulista de Malabarismo
para fazer um som ao vivo.

Encontro Paulista de Malabares (ENPAUMA)


Ocorre no mesmo “bat-local” dos espetáculos, porém, esse dia é mais destinado
ao treino, não isentando a possibilidade de haver espetáculos, como tem ocor-
rido nos últimos anos. A escolha do dia é porque no mundo artístico circense,
segunda-feira, tem-se o dia de folga. O evento acontece desde 2003 todas as
segundas, das 18h às 22h.
28 

Festival de Circo e Espetáculos de Rua (FECER)


O FECER teve sua primeira edição no aniversário de três anos de existência dessas
duas formas de Circo no Beco explicitadas anteriormente, e, pensando num ama-
durecimento artístico, optou-se em criar mais uma novidade.
Foram cinco edições do Festival, e mais de dezenas de grupos circenses já
passaram pelos palcos do Beco. As cinco primeiras edições do Festival de Circo
e Espetáculos de Rua duraram de três a cinco dias e traziam grupos de diversas
partes do Brasil, e também de fora do país, onde todos se apresentavam pela
contribuição ao chapéu. Parte se destinava à manutenção dos equipamentos e
afins que são de usufruto do Circo no Beco.
Desde 2012, os Festivais tomaram outro formato e não levam mais o nome
de “Festival de Circo e Espetáculos de Rua”; em 2013, aconteceu com outro nome:
“Festival CnB 10 anos”, e ocorreu às segundas-feiras nos encontros de malabares,
mas sempre com a iniciativa de “entrada ao chapéu”.

A importância do chapéu
O Circo no Beco tem também como princípio promover a ideia do que é e
como se mantém a arte de rua, fazendo do chapéu um meio de arrecadar fun-
dos, ou seja, todo, ou parte do dinheiro colocado no chapéu, é dividido entre
os artistas e a produção, que guarda o valor em um “caixa” a ser revertido para
as próximas edições.
Esse valor recebido no chapéu é destinado à manutenção dos equipamentos
de luz e som utilizados durante as apresentações, bem como para a compra de
lanche para o camarim dos artistas.
A elaboração e produção desses espetáculos contou, e ainda conta, com a
disponibilidade e parceria de pessoas interessadas em divulgar a arte de rua, as
artes circenses e os diversos tipos de arte que são englobados nesse aspecto,
como música, dança e teatro.
29

Pra encerrar: o chapéu!


Em 2005, Emanuela Helena, então integrante do Circo no Beco, escreveu um texto
que reflete muito bem a visão que se tem do trabalho dentro do núcleo de pro-
dução do CnB.
Nada mais adequado para fechar este primeiro capítulo, portanto, do que
“passarmos o chapéu”...

Joséfa Iskándara,
2013

O CHAPÉU
Emanuela Helena

Caramba! A corda no pescoço e a palavra na corda bamba. O chapéu. Eita


coisa difícil de explicar! Mas, difícil por que, oras? Só porque estamos num
Brasil onde os investimentos na cultura ficam muito aquém do mínimo dese-
jável? Nada... Pra tudo nesse mundo basta bom senso e boa vontade. Vamos
lá. Começando bem do simples, pois não quero fazer discurso de frases boni-
tas. Todavia, não pretendo me furtar de nenhuma explicação visando à mera
objetividade. Vou explicar tim-tim por tim-tim para que as pessoas, tanto as
muito inteligentes como as nem tanto, possam entender, assimilar e aprender
a valorizar a arte de rua e o que aqui queremos explicar — esse fenômeno que
denominamos: a cultura do chapéu.
30 

Para facilitar o entendimento geral, dividi o denso assunto em quatro


tópicos:
1. O que é um chapéu?
2. Por que os artistas são importantes para a sociedade?
3. Quanto vale o show?
4. Conclusão geral total para compreender de vez!

1. O que é um chapéu?
Cortina CnB, 2004
Um chapéu é um objeto com aba, corpo (ou copa) e buraco no meio
que é usado para cobrir a cabeça das pessoas com diversas finalidades.
O.k., então vejam nossa primeira ideia: o chapéu cobre a cabeça das pes-
soas. Então, ele guarda o conhecimento, a sabedoria; ele está ali junti-
nho com as ideias, conhece as criações mirabolantes antes mesmo delas
tornarem-se reais, o chapéu esconde a razão e a loucura das pessoas,
protege os pensamentos, compartilha os sonhos. Quantas coisas cabem
num chapéu? Pergunte a um mágico! Obterás infinitas respostas! Muitas
coisas entram e saem dos seus chapéus, coisas que aparecem e desapare-
cem. Já por aí o chapéu é um algo curioso, um objeto mágico e poderoso
que pode ser usado com diversas finalidades, entre elas a de adorno cê-
nico, figurino, fantasia...
Ó, mas que peça interessante essa que eu posso sacar das minhas ideias
para fazer sair e entrar coisas! Quantas coisas cabem num chapéu? A minha
vida cabe num chapéu, a minha família, a minha arte, a minha fé cabe num
chapéu. Todos os nossos sonhos cabem num chapéu.
Devo confessar que a ideia não foi nossa, é uma ideia antiga. Foi al-
guém há muito tempo que teve a ideia de compartilhar sua arte e seu sonho
com os transeuntes, os avisados e os desavisados e esperar destes um reco-
nhecimento para sua sobrevivência, para sua subsistência, para sua vivên-
cia, para seu pão, sua casa, sua luz e sua continuidade. A vida se alimenta de
sonhos, de maravilhas, de vontades... A cultura e a humanidade precisam
de arte, de delírios... O estômago não, o estômago tem fome de matéria, co-
mida de verdade.
31

2. Por que os artistas são importantes para a sociedade?


Um povo sem cultura, sem história, sem a sua identidade não se conhe-
ce; não enxergando seus próprios conflitos, não tem como evoluir. Além do
fato de que um povo deve ter visão de futuro e muitas vezes não consegue
olhar para si e prever-se no futuro. A Arte faz tudo isso!
O artista é aquele que se dedica às artes e/ou que faz delas profissão.
Artista é aquela pessoa que revela sentimento artístico, demonstra engenho
ou talento no desempenho de suas tarefas, desenvolve habilidades especiais
para se exibir, se mostrar, entre tantas outras características. Cada vez que nos
Panfleto CnB 46, 2008
referirmos a artistas, falaremos daqueles que produzem efetivamente, com
seu próprio corpo e através de instrumentos como a música, a literatura, a
pintura, o teatro, algo que represente a arte e a identidade de algum grupo ou
de alguém. Esta arte que interfere e interage com a sociedade; que, de algu-
ma forma, marca presença com a sua existência, seja representando valores
presentes no seio de determinada sociedade, seja criticando esses valores ou
formulando novos, renovando-os. Falamos daqueles que se dedicam integral
ou parcialmente à produção de algo que inevitavelmente escapa das mãos de
seus próprios autores. Mesmo que atualmente a arte possa ter sido travestida
de mercadoria, trata-se de uma produção que, assim como tudo que surge e
ocorre no dia a dia das sociedades, porém mais explicitamente, só é e só pode
ser compreendida de acordo com seu contexto. Levemos em consideração que
o artista é um indivíduo e carrega seus interesses individuais perante a uni-
versalidade de seu povo.
A arte, assim como a religião e a ciência, são formas de transcender os
limites do inexplicável. E o artista pode ser compreendido como aquele que
consegue, através das limitadas ferramentas de que dispõe, exprimir algo que
vai além do campo físico, sensitivo. As obras de arte são, portanto, uma repre-
sentação da união entre o particular e o universal, como um fator histórico,
determinado por seu contexto e espírito, que eleva o povo a ideias univer-
sais. Um artista pode ser visto como um grande homem, aquele que enxerga
o princípio universal e o traduz com sua arte. Assim, o povo se reconhece e se
32 

identifica com aquela obra. Mas um povo se identifica com determinada obra
de arte se ele se enxerga nela, se identifica nela algo de seu. O artista é aquele
que sabe traduzir essa identidade geral. Além disso, através do conhecimento
daquilo com o qual se identifica, um povo — ou indivíduo — passa a se conhecer
ainda mais. Explicando melhor, digamos que quando alguém se reconhece em
determinada obra de arte ele está se reconhecendo e conhecendo a si próprio.
A questão fundamental, a função e o papel do artista parecem dessa for-
ma dissolver-se na ideia de que a existência do artista se faz pela necessida-
de de traduzir, identificar e, de certa forma, resumir o princípio de seu povo.
Além de construir visões de mundo futuras, que seu tempo ainda não enxer-
ga. A sua arte é ferramenta de identidade e de construção da mentalidade. E
o artista existe porque o reconhecem, em algum momento, por sua obra. Ao
mesmo tempo em que ele reflete, concretizando a identidade já existente, ele
conscientiza e esclarece essa identidade, fazendo com que os passos no cami-
nho da meta de uma sociedade se adiantem. Pois ele mostra os passos que já
Emanuela Helena,
CnB 12, 2004 foram dados e propicia a continuidade no caminho.

3. Quanto vale o show?


Um show de rua, como o que é apresentado no Circo no Beco, requer
reuniões semanais, logística, divulgação, infraestrutura, iluminação, admi-
nistração, organização, produção, enfim... Envolve em média 25 pessoas por
espetáculo, chegando a mais de 40 em alguns. Pessoas que trabalham porque
acreditam no projeto, porque compartilham do sonho de querer ser devida-
mente reconhecidas e valorizadas.
Assim, fácil: eu, artista, lhe digo o que quero dizer da forma mais bela,
mais linda, mais tecnicamente bem executada. Ensaio meses, anos e anos,
horas a fio para lhe transmitir com perfeição o que a condição humana me
permite, aquilo em que eu acredito e você, espectador observante, ser pensan-
te participante, consciente de que eu também preciso procriar a minha laia,
deposita o seu reconhecimento, a sua parte, a sua responsabilidade, a sua
gentileza, seu respeito, deposita sua educação, sua possibilidade, deposita al-
guma fé na minha ideia. Deposite alguma matéria no meu chapéu.
33

Gostou da ideia, gostou da criação, então aposte nela, pois ela só irá cres-
cer se for regada, adubada e fomentada. Demonstrar o gosto e reconhecer o
valor de um artista não se opera somente no campo verbal e filosofal, é preci-
so trazer à prática, agir, pague o que acha que vale! E aqui não estamos falan-
do de qualquer artista, mas de alguns que optam pela liberdade de dizer o que
se sente, acredita e pensa, daquele que optou por equilibrar-se sobre a tênue
linha da insegurança ao invés de encontrar-se seguro e comprometido com
um discurso que não é de sua autoria, que não lhe pertence. Artistas que não
Coletivo Nopok, 2007
se subjugam às necessidades mercadológicas, mas que vivem neste mesmo
mundo cão capitalista selvagem pós-contemporâneo — do instante milésimo
de segundo que ainda vai chegar e já não é seu, plim-plim.
Recapitulado: o show não vale hipocrisia, gostou? Valorizando com
retorno de valor real. Me exauri de escutar dos engraçadinhos: “Não tenho
trocados!”. Ah, não tem trocados? Pois muito bem, eu ensaiei, me preparei
por bastante tempo, escolhi um figurino, uma música, ensaiei mais, vim aqui,
trabalhei para montar tudo, me preparei me concentrei, fui e me apresentei
por inteiro, com o melhor de mim! Eu, e outras pessoas também, e você se
tiver coragem de me dizer que não tem trocados, por favor, seja bem-vindo
sempre, mas pense em respostas menos ofensivas para dizer que não quer
contribuir com a (minha) arte. Se lhes apresentássemos sobras, esperaríamos
trocados... Mas fazemos o melhor possível para realizar um show com quali-
dade e esperamos reconhecimento. Quanto se gasta para ir ao teatro? Quantas
megaproduções por aí não cobram os olhos da cara para que as pessoas pos-
sam entrar para assistir?

4. Conclusão geral total para compreender de vez!


Depois de explicações práticas e filosóficas e de um discurso: por favor,
também precisamos de grana. Só vou esclarecer mais algumas coisas bem
simples. O Circo no Beco não recebe patrocínio financeiro de nenhuma insti-
tuição, temos apoios, poucos. O Projeto Aprendiz nos permite utilizar o espaço
do Beco e da casa nos dias de apresentação. A Central do Circo nos disponibili-
zou espaço para realizarmos as reuniões semanais e os amigos em geral cola-
34 

boraram com a divulgação dos espetáculos. A Cia. de Estripulias, na figura de


seu ilustre fundador Gilberto Caetano, nos cedeu a trave para apresentação de
números aéreos. Todo o material de iluminação que temos hoje foi comprado
com o dinheiro arrecadado do chapéu durante o ano de 2003, a aparelhagem
de som utilizada no espetáculo é do Duico, nós consertamos uma potência
que ele tinha e hoje a utilizamos nas apresentações. E para tudo vamos nos
virando, que ninguém é quadrado. O projeto começou sem nenhum centavo e
por isso temos muita fé. Mas nem por ter fé que queremos viver na pindaíba
todo o tempo, né?
Então, por que não cobramos ingresso? Porque dentro da ideia do pro-
jeto existe a vontade de democratizar a cultura, ocupando espaços públicos
— aquele beco e aquela praça, apesar de estarem sob responsabilidade do Pro-
Emanuela Helena, 2004 jeto Aprendiz, são espaços públicos. Democratizar a arte também permitindo
acesso a todos, pois nem todos têm como pagar, verdadeiramente, mas todos
têm direito a ter algum entretenimento de qualidade. Então, esperamos que
de boa vontade aqueles que têm disponibilidade de pagar para assistir um
bom espetáculo, que paguem, e os que não têm, que assistam mesmo assim.
Acreditamos mesmo no bom senso. Sabemos que precisamos do público que
justifica nossa existência, e respeitamos todos, sem discriminação. Sejam to-
dos sempre bem-vindos. E sempre que puderem, contribuam com o chapéu,
não com esmolas, com reconhecimento.

Rita Masini passando o


chapéu, 2007
Trupe Irmãos Atada, 2011
Duico Vasconcelos e
Antonio Marcos Pires
Gil, 2010

Reunião Circo no Beco, 2010

Joe Moura e Gaston


Sanchez, 2003

Leda Lorenzo e Paulo


Andringa, CnB 2, 2003
37

Aplausos!
A partir de algumas prosas feitas durante esta pesquisa,
muitos reencontros e novos encontros aconteceram, res-
plandeceram e fizeram com que surgissem muitas histórias
complementando uma só, a do Circo no Beco — um movi-
mento que se criou quando não havia muitos meios onde
se pudesse imortalizar a história, como fotos digitais, víde-
os e todas essas parafernálias que hoje não vivemos sem.
Tudo isto está registrado neste bloco da forma mais verídi-
ca possível, contado por quem viu, viveu e que agora pode
compartilhar conosco! Desfrutem!
38 

Antônio Marcos Pires Gil


Paulista, nasceu em 1981. Artista circense (palhaço, malabarista e
acordeonista) e produtor cultural (editor da revista Palco Aberto e
colaborador de diversos eventos como o Circo no Beco e a Convenção
Nacional de Circo). Quem levantou o pano de roda pela primeira vez para
ele entrar no circo foi o malabarista Prego Lins. Trabalhou no Marcos Frota
Circo Show, Circo da Arabia e Academia Brasileira de Circo. Atualmente
trabalha com a Cia. Irmãos Becker. É hexacampeão da categoria informal
Duico Vasconcelos e Antônio de monociclo na Maratona Internacional de São Paulo e duas vezes
Marcos Pires Gil, 2003 segundo colocado. Inicia um grande projeto de ocupação circense em
Embu das Artes.

Vocês viviam só do dinheiro do chapéu (quando começaram


a se apresentar na rua)?
(...) O chapéu está intrínseco ao trabalho na rua mesmo a gente não tendo muitos
exemplos. Quando a gente começou a fazer roda, eu nunca tinha visto uma roda
parecida à que eu fiz. A arte de rua com o circo é muito rentável, comparada a
outras que eu conheço, teatro na rua, por exemplo. Sempre foi muito sedutor o
chapéu porque sempre vimos cifras altas, tivemos a influência de bons artistas
que ganhavam bem na rua, então sempre vimos o chapéu funcionando.

E qual a importância do chapéu na sua vida?


(...) A importância do chapéu na minha vida é ser profissional de uma forma autô-
Sandra Nunes, Antônio Marcos
noma, não trabalhar pra alguém ou pra uma empresa.
Pires Gil e Emanuela Helena,
2005 Muitas pessoas citaram você como um dos responsáveis a manter o Beco
fluindo hoje em dia. Como você vê essa função?
É uma função que eu gosto muito de fazer, e não tem nada certo no Beco, um líder,
e pela ausência, por não ter, eu acho que sempre cumpri essa função. E fui aceito,
de certo modo, por ocupar essa função.

E como você descreve essa função atualmente?


A minha função atualmente é deixar o Beco quente em banho-maria, não fritando
ele. (...) Vejo que a minha função é deixar ele quente como tá, convidar grupos,
toda segunda-feira, realmente eu me dedico toda segunda-feira, vou lá quando tem
39

apresentações. Porque eu vi que não tem pressa pra crescer. (...) Porque eu tenho
essas ideias mirabolantes, de transformar o Beco numa profissão mesmo, porque é
um trabalho profissional que a gente faz, mas não é a primeira profissão de ninguém
Cabaré Três Vinténs
o Beco. Eu queria ser um produtor como se o meu primeiro trabalho fosse o Circo
No dia 10 de junho de 2013 o Cabaré
no Beco. Se me perguntassem: “Onde você trabalha?” “Trabalho no Circo no Beco”.
Três Vinténs se apresentou no Puxa-
Qual a importância dessa função? dinho da Praça. Antes de começar
Eu gosto de ter a ideia que se eu não fizesse alguém faria o que eu faço, então nosso show, estávamos prontos
eu não sou importante, mas em muitos momentos eu vejo que não tem ninguém, e com os instrumentos em mãos,
quando decidimos arriscar uma par-
então se eu não estivesse talvez não acontecesse... (...) Modéstia à parte, sei que
ticipação no Circo no Beco. Fomos
ninguém é insubstituível, eu acho que fui ali... As pessoas realmente dispersaram
conversar com os organizadores,
muito, depois dos anos sem ganhar dinheiro; eu acho que eu fui um dos pouco que receberam a gente superbem e
que persisti, mas sinto que agora tem uma nova fase, que tem pessoas com esse colocaram um microfone na minha
mesmo ímpeto que eu, de não deixar a peteca cair. (...) mão. Anunciei o grupo e em alguns
minutos a gente começou a tocar
Você já foi o tesoureiro do CnB, como eram divididas essas funções?
para umas 200 pessoas, que deram
Foi muito interessante separar estas quatro fases do Beco:
risada de nossa esquete e acom-
Primeira fase: panharam nosso blues de rua com
O começo. palmas calorosas naquela noite
Segunda fase: fria. Um detalhe: foi uma edição
Fase clássica, quando ele cresceu e teve uma organização, já tinha o método especial de Circo no Beco no Dia
de fazer o Beco ali que definiu isso. dos Namorados, e a música que
apresentamos fala justamente de
Terceira fase:
um “Desquite”...
Continuou com apresentações, mas sem nenhuma organização.
Henrique Mendonça
Atual fase:
Músico e compositor
Agora estão se redefinindo os cargos.

Por que você acha que diminuiu o número dos espetáculos no molde “Circo
no Beco”?
Não diminuiu, mudou. A ideia inicial era fazer uma apresentação mensal, mais ou
menos, e foi até mais de uma vez por mês. Daí, quando começou o Encontro, o en-
contro virou um dia de muita apresentação também, mantínhamos regular, cada
bimestre um cabaré grande, mas às segundas começou a ter muitas apresenta-
ções e uma demanda muito grande. Tanto é que, na terceira fase, quando acabou
40 

um pouco a organização, cresceu muito o Encontro, cresceu muito a frequência de


PALCO ABERTO apresentações nele e diminuiu muito o Circo no Beco como cabaré. Foi a mudança
da segunda fase pra terceira, quando a gente pensou que a coisa andava por si só,
A revista Palco Aberto é uma publi-
ela andou pro lado que ela queria, que era só pra segunda-feira.
cação independente com o tema de
“malabares, circo e arte de rua”. Já Quando surgiu a ideia de fazer a revista Palco Aberto?
teve mais de 15 edições e é divulga- (...) A ideia original surgiu quando eu desenhei alguns tutoriais de malabares por-
da em escolas de circo, encontros que eu estava dando aula, então era como montar bolinha, os primeiros truques,
de malabares e festivais.
como montar claves; eu fiz uns desenhos e mostrei pro Duico: “Olha, acho que,
com todos esses desenhos que eu fiz eu poderia fazer um livro, meio juvenil, in-
fantojuvenil. Então o Duico olhou e falou que com aquele material dava pra fazer
uma revista, e daí falamos: “Vamos tentar!”; não tinha nome ainda. Mais ou menos
em 2005. (...) Existe uma coisa que é anterior ao circo, a performance, a arte que
eu acho que é o malabares. Dá pra entender como uma coisa separada. A inten-
ção era falar sobre essa trilogia “malabares, circo e arte de rua”. Eu considero o
malabares muito mais antigo que o circo, milênios a mais.

Qual a importância da revista para a disseminação da arte de rua e do circo?


(...) A importância dela é muito grande, porque eu acho que mesmo com a internet
ainda são pouco divulgados tais temas, e uma das coisas que é difícil conceber é
que a internet é só o que dissemina e não o que produz.
Produzir conteúdo de malabares, circo e arte de rua é complexo e ninguém
conseguiu na internet. Ao meu ver, tem pouquíssimos sites, alguns internacionais,
como o El Circense; no Brasil tem o Panis e Circus.
A revista te obriga a estar produzindo conteúdo enquanto na internet te obri-
ga a só disseminar. É importante porque tem poucos.

Quais mudanças você vê ocorrendo hoje na organização do CnB que o


diferem do que era no passado?
Eu tive uma grande luz, hoje, agora quando eu pensei nessas fases que o Beco
teve, foi uma coisa que eu só concebi agora. Dá pra ver bem claro, começou de
uma forma espontânea e a gente tinha uma demanda grande, que era produzir
um espetáculo quase mensal e tinha uma reunião semanal. A organização tinha
uma demanda muito grande. Daí entrou nessa fase clássica que a gente começou
41

a definir como se organizava, durante essa fase fazíamos reunião toda semana e
conversávamos muito pela internet.
E depois, quando paramos de fazer reunião, o CnB andou por si só e poderia
andar infinitamente por si só; ele funciona do modo que tá, mas sinto que agora
tem uma necessidade de fazer um tipo de organização que nunca teve, isso de
considerar como um trabalho. Eu acho que esta é que vai ser a real importância,
porque se a gente continuar sem nenhuma organização ele continua com o suces-
Público no Beco, 2010
so pra sempre, vamos nos divertir toda segunda, vai ter show, de vez em quando
um cabaré. A minha necessidade é de transformar em um trabalho, ser o “primeiro
trabalho” pra mim, e para várias pessoas.

Você se sente um dos criadores, senão o criador do que conhecemos hoje


como Palco Aberto?
Talvez, eu lembro do primeiro Palco Aberto, não era uma coisa certa que ia ter,
mas teve uma necessidade por problemas técnicos e não começava o espetáculo.
Por instinto, eu fui e olhei o público, que ali no espaço do Beco o público sempre
contou com muitos artistas, comecei a “encher linguiça” e surgiram apresenta-
ções interessantes da platéia. (...)

Quais foram seus principais aprendizados no CnB?


O principal, acho que foi este último que eu tive, que depois de estar dez anos
Antônio Marcos Pires Gil apresentando
juntos pensando como um plano B da minha vida, eu falei: “Vou transformar ele Palco Aberto, 2013
no plano A”. Pensei isso ano passado, quando eu até me desliguei de outros tra-
balhos, porque eu trabalhava para circos dos outros, eventos dos outros. Pensei:
“Acho que tenho condição de fazer uma coisa por mim mesmo”, mas daí eu des-
cobri que só as minhas qualidades e defeitos não bastam, eu tenho que ter as
qualidades e defeitos de várias pessoas, o CnB tem que ter! (...) Meu principal
aprendizado foi esse, entender que a gente precisa do defeito e da qualidade dos
outros. Mas aprendi muitas outras coisas, e ainda estou aprendendo a ser um ar-
tista. Comecei no Beco. A primeira vez que encarei públicos grandes, foi no Beco.

Algo mais que você gostaria de dizer?


Sim, o porquê de termos começado no Beco. A gente ficava indignado de só ver
artistas trabalhando no sinal, artistas bons trabalhando no sinal. Não que tenha
42 

algum problema, mas a indignação era quando todo mundo contava que viajava
pelo mundo e via praças lotadas de apresentações e aqui a gente não via isso.
Então falamos: “Vamos começar a fazer um evento CnB que vai favorecer isso”.
E até hoje, pra mim, a gente se divertiu muito, mas a cidade de São Paulo não
evoluiu nesse sentido, não é uma cidade conhecida pela arte de rua; talvez es-
teja mudando. Por exemplo, há mais ou menos 20 anos ninguem conhecia São
Paulo como a cidade do graffiti, não existia expressão artística no graffiti, hoje já
tem nomes que viajam o mundo inteiro e falam: “Sou grafiteiro de São Paulo”.
Isso é um reconhecimento, eu acho que as mesmas coisas acontecem com a arte
performática de rua. (…) Vi isso, que a gente não precisa ter pressa, estamos nos
divertindo assim. Pode demorar 15 ou 20 anos, mas a ideia do Beco é que São
Paulo seja conhecida como a cidade da arte de rua, performática ou não. Mais ou
Du Circo, CnB 10, 2003
menos isso, a ideia toda.

Du Circo
Paulista, nasceu em 1973. Artista circense, palhaço e malabarista. Atua
com trabalho solo e também com os grupos Namakaca e Fundo Falso.
Integrante dos Doutores da Alegria desde 1995.

Qual a importância do CnB e do ENPAUMA para você e para o fomento da


arte circense e de rua?
O CnB é o local de maior força de encontro dos malabaristas e artistas de rua de
São Paulo. Há 10 anos toda segunda-feira tem um grande número de artistas e
simpatizantes de arte circense e especialmente de malabarismo. (...) Muitos artis-
tas se formaram, ganharam experiência com o público, testaram seus números e
seguiram suas carreira. Vejo o CnB como algo muito importante para a formação
de muitos artistas e do público.
Paula e Du Circo, CnB 4, 2003
De quais espetáculos do CnB você participou? Gostaria de falar de algum
em especial?
Foram muitos... (...) Lembro que algo que me marcou foi ter sido o “costureiro” dos
números e espetáculos dentro do FECER, onde fiz dez entradas com personagens
43

diferentes, passei o dia apresentando e trabalhando para tapar os buracos e mo-


ver o público de local. Foi muito divertido.

O que você entende sobre “circo”?


O circo é uma linguagem milenar que nunca vai acabar, terá sempre altos e
baixos. Vejo que o mundo está vivendo uma alta circense, onde o circo está
dentro de muitas empresas, das famílias, em escolas e academias e não só
mais dentro das lonas. (...)

Você acha que o CnB influencia na criação e no surgimento de novos artistas?


(...) Lá muitos curiosos chegaram e depois de um tempo se tornaram profissionais;
acredito que o Circo no Beco abriu muitas portas e revelou grandes talentos.

Quais foram seus principais aprendizados no CnB?


Trabalhar com o coletivo, trabalhar pelo amor à arte e não pelo dinheiro, superar Duico Vasconcelos, CnB 6, 2003

intrigas e diferenças entre a equipe. Evoluir ao assistir e ser formador ao apre-


sentar. (...)

Duico Vasconcelos
Paulista. É o Palhaço Pistolinha. Malabarista, equilibrista e músico, trabalha
como palhaço na Academia Brasileira de Circo e nos Doutores da Alegria.
Atuou na companhia norte-americana Cirque Dreams e na Unicirco. Foi um
dos idealizadores do Circo Gaia e do Circo Rizorama. É criador e integrante
do trio de palhaços Los Tabacudos. Foi também coordenador e professor
de circo e expressão corporal para crianças de 4 a 16 anos na Escola da
Praça do Projeto Aprendiz.

A reunião que antecedeu o primeiro espetáculo, à qual Rodrigo Pereyra se refere


em seu relato, aconteceu na casa onde também morava Duico. Foi lá que tudo
começou.
“(...) Os malabaristas de rua, as pessoas de circo eram muito malvistos...
Como a gente trabalhava em sinal, cada um tinha seu ponto. Eu chegava lá no
lugar e o cara que estava lá, ele saía, respeito, porque ele já tinha um respeito
de que eu já havia começado aquele ponto, era um ponto que eu ia há três anos.
44 

Teve uma hora que sentei no meio-fio, e me perguntei: ‘Quando é que eu vou sair
daqui, pra onde que eu vou agora? Três anos aqui todo sábado e domingo, pra
onde é que eu vou?’.
(...) Eu posso até não ter aquela puta grana, casa na praia e carro importado,
mas eu tenho pessoas de meu convívio, graças ao Circo no Beco, que foi o que
abriu tudo, o lugar que me fez artista.
Porque não tem curso. Se você vai falar ‘Teve curso?’, não teve curso, o curso
era botar a cara para bater, e pirando. Era todo mundo pirando junto e fazendo
Duico Vasconcelos e Antonio Marcos reunião. (...)
Pires Gil, 2004 (...) O Circo no Beco começou na Argentina, foram os argentinos que chega-
ram, dominaram o sinal e a gente começou a ver o que era isso. A gente começou
a fazer sinal, e aí a gente viu que o sinal não estava mais dando para a gente,
porque você começa a buscar coisa artística mesmo, pois não adianta só chegar
lá e fazer malabares, tem que conquistar o cara do carro e foi aí que eu comecei a
entender o que era a arte, que eu entrava no sinal, o cara passava, ele estava puto
no carro... Aí eu fazia meus malabares, quando eu terminava o cara já estava com
o dinheiro de fora para me dar. Aqui eu conquistei esse cara. Não existia isso... O
paulista é carrancudo por natureza, então para você fazer sinal na cidade de São
Paulo, e saber conquistar um cara que tá dentro do seu carro, é uma vitória. Só
que a gente queria mais, eu queria mais. Os caras que vinham de outros países já
faziam rua. (...)
(...) Coincidentemente, no dia 27 de março ia ter o cinema, ele (Rodrigo Pe-
reyra) falou isso numa quarta e era na próxima quinta, vamos aproveitar esse
grupo. Beleza, começamos a divulgar... Aí quando a gente foi fazer o primeiro
(CnB) não tinha ninguém, todo mundo tinha ido embora do cinema, a gente nem
maquiado estava e não havia ninguém na praça, falamos ‘Vamos lá e fazemos pra
gente mesmo’. Tínhamos ido no dia anterior ensaiar lá no Beco (...) o CnB começa-
va na praça, passava pelo meio, ia pro fundo e voltava para a praça. (...)”

Mas aí acabaram chegando as pessoas?


Quando saímos falando de se maquiar, a gente tinha umas tochas, não tinha luz,
era fita cassete, um walkman, megafone... Quem não fazia número segurava as
tochas. Quando voltamos com tudo pronto, tinha uma galera de circo, muita gente
45

de circo tradicional, despertou a curiosidade. (...) Depois de dez anos eu ainda


não sei o que é o Circo no Beco. É uma coisa que funciona sozinha. Nós (o grupo
que se formava) não queríamos dinheiro de fora, a gente queria que fosse o cha-
péu, queríamos que as pessoas entendessem que a arte de rua é chapéu, não é
você mendigar. Você está trabalhando e deixa de ganhar dinheiro. Na verdade
põe dinheiro seu para entender que o chapéu é importante para o artista. Não é
sobrevivência, é vivência. (...)
Eu lembro a primeira vez que eu apresentei o cangaceiro, estava tenso, ner-
voso, porque era mostrar um novo lugar. E todo mundo comprando junto. Ali era
todo mundo junto, era um grupo, então você se sentia responsável pelo outro, se
um número fosse ruim não era só para um, era pro todo, pra mim também, mas
era muito mais pro todo do que pra mim. E foi o Rodrigo que me trouxe essa coisa
do fazer, não só artisticamente em cena, mas o fazer fora de cena como pessoa,
isso me trazia responsabilidade, então me deixava mais nervoso.

Emanuela Helena Emanuela Helena, 2006

Nasceu em 1982 em São Paulo, onde vive até hoje. Acrobata, historiadora,
arte-educadora e fagotista. Fundadora e artista do CnB, também trabalhou
na Central do Circo e fez parte do NEC (Núcleo de Estudos do Circo).

O que você entende por arte de rua?


Arte de rua é todo tipo de manifestação artística que acontece na rua, vai muuuuui-
to além de Circo no Beco etc. e tal. Graffiti, hip-hop, repentista, pastor evangélico...
é TUDO arte de rua. Que, basicamente, se expressa na rua e tal. E em algumas
instâncias, que parte, surge da rua e ganha o mundo.

Qual a importância do chapéu na sua vida hoje?


A mesma de sempre, tem um potencial ideológico e transformador inquestionável. Emanuela Helena e Gilberto Caetano, 2004
46 

Esteban Hetsch
Argentino, nasceu em 1980. Começou a jogar malabares em 1997 e logo
depois a apresentar-se na rua. Estudou na Escola Municipal de Berazategui
e na Escola del Circo Criollo, em Buenos Aires, e na Oz Academia Aérea e
na Picadeiro Circo Escola, em São Paulo. Atualmente vive em São Paulo
e integra a Cia. Circo Delírio e a The Bigosty Shows.

Conte um pouco de sua experiência nas apresentações da rua em outros


países da América Latina (Argentina, entre outros) que você tenha passado
antes de vir ao Brasil.
Antes de ir ao Brasil, eu só trabalhei na Argentina. (...) Foi muito duro no começo,
dormíamos na estrada e não fazíamos nem um real, ninguém gostava do nosso
malabares. Aí começamos a conhecer gente linda que nos ajudou muito. Tentáva-
mos fazer shows nas praças e não tínhamos noção de nada, sem microfone, sem
som, sem figurino.
Circo Delírio, 2009
Sabe-se que você foi um dos fundadores do Circo no Beco. Conte-nos um
pouco como foi e por que ou de onde surgiu essa ideia?
Foi com o Rodrigo Pereyra, antes do Gaston chegar. (...) Treinávamos na OZ Acade-
mia Aérea de Circo, começamos a nos apresentar, ganhar dinheiro, e conhecemos
o Circo Amarillo. Os caras faziam shows, tinham espetáculos de circo e de teatro,
já tinham experiência. Era tudo muito novo, e com Rodrigo pensei: “Temos que
fazer show na rua”. Eu já tinha feito muito no parque do Ibirapuera com Adrian, Ro-
drigo Pereyra e Rodrigo Peruano, mas copiando o Chacovachi e outros. Aí, quando
vimos o Circo Amarillo, percebemos outro tipo de show. Logo eu fui embora para
o Rio de Janeiro fazer uma reciclagem na escola de circo. O Gaston foi me visitar
no Rio, o Joe (que hoje mora em Barcelona) ficou morando no meu lugar na casa
laranja, que eu morava com Duico. Muitas pessoas passaram por lá, era a casa dos
artistas da época, era ocupada por artistas novos, emergentes, nada a ver com eli-
te. A internet era uma novidade, era tudo vídeo (com os truques de malabarismo e
apresentações) e os caras que tinham os vídeos não emprestavam.
47

Qual a importância do chapéu em sua vida?


Vivi muito disso, me deu de comer, me deu amigos, me deu a possibilidade de
conhecer mais de 16 países. Acho que foi o melhor que me aconteceu na vida,
passei chapéu em 16 países (risos).

Tem algo mais que gostaria de dizer?


Não podemos esquecer que a arte de rua tem uma raiz muito forte ligada à arte de
lona e de teatro também, e temos que respeitar os mais velhos, pois são aqueles
que nos ensinaram tudo e algum dia nós iremos ensinar também. Então muito
cuidado em dizer que a rua é diferente e não sei o quê... O circo é o circo, não
importa onde você o faz! Leda Lorenzo, 2003

Leda Lorenzo Montero


Nasceu na Espanha em 1977. Formada em Biologia e doutora em Ecologia.
Atualmente não tem atuação na área de artes circenses, mas também foi
uma das fundadoras do CnB. Vive no Brasil.

Como você conheceu o Circo no Beco?


Eu participei da construção do CnB desde o começo, quando não havia ribalta e a


gente usava uns paus de vassoura com lâmpadas penduradas para fazer a ilumi-
nação. A nossa ideia era fazer um espetáculo de rua bem bonito para encantar as
pessoas e trabalhar a valorização da arte de rua no Brasil, pois vários malabaristas
que trabalhavam na rua ficavam chocados com tal falta de valorização. Naquele
momento era mais fácil trabalhar no sinal do que no parque e nós decidimos pro-
curar um espaço bonito para enchê-lo de arte procurando fortalecer essa cultura
underground.

O que você entende por arte de rua?


No caso específico do Brasil (sou espanhola), acho bastante importante, pois falta
apropriação do espaço público por parte da população de modo geral. O espaço
público é nosso, é de todos e devemos nos posicionar como quem tem o direito
de melhorar e encher de vida e cultura esse espaço.
48 

Você já viveu somente do dinheiro que ganhava com o chapéu nas apresen-
tações de rua? Você acha possível viver só dele ainda hoje?

Já vivi do chapéu quando estava viajando, na Europa antes de o CnB existir.
Acho possível sim, mesmo hoje em dia, mas depende do tipo de vida que você
pretenda ter. Acho bom para levar uma vida “alternativa”, um pouco diferente dos
padrões sociais da Globo [referindo-se a rede de televisão]. (...) Acho uma fonte de
renda para bancar uma vida mais fluida, pois permite maior liberdade.

Luiz Fernando Moura (Joe)


Nasceu em 1985 em São Paulo. Atualmente vive na Espanha. Artista de
circo, trabalha em diversos festivais de circo europeus, cabarés, circos
Alessandro Azevedo e tradicionais, eventos e produções de espetáculos pela Europa. Esteve
Renato Paio, 2006
presente na fundação do CnB.

Qual a importância do Circo no Beco e do Encontro Paulista de Malabaris-


mo para você e para o fomento da arte circense e de rua?
Um espaço de magia e de encontros, doador de arte e amor, de paixão ao circo e
à arte de rua, onde todo mundo é igual, onde em teoria o dinheiro não é o mais
importante, onde da união nasce a arte, um palco aberto brasileiro e eterno pau-
listano! Onde todo mundo está convidado a divertir-se e a desfrutar das novas e
velhas criações desses artistas, tudo a critério de pagar ao chapéu o que cada um
crê que vale e seu bolso permite pagar!

Qual a importância do chapéu na sua vida hoje?


Me fez criar personagens, ganhar dinheiro, sobreviver em momentos difíceis e
convencer as pessoas de que o que eu faço vale de verdade muito mais do que
eles imaginam.

Você teria algo a dizer para as pessoas que estão começando hoje com as
artes de rua ou as artes circenses?

Que têm que viver a rua! Dedicar-se e criar sem parar, devagar e sem pausa! Acre-
ditar na magia e na arte que elas te salvam de tudo! Pesquisar, estudar e profis-
sionalizar-se o máximo que puderem, ver e rever espetáculos, treinar com muita
49

disciplina, para que a mente flutue junto com sua imaginação. SER RESPONSÁVEL.
COMER O CIRCO, digo, E IR PRA RUA PROVAR MUITO.

Marcelo Lujan
Argentino, nasceu em 1976. Atualmente vive em São Paulo, onde trabalha
com circo, teatro e música. Formado em Artes Plásticas. É diretor da Cia.
Circo Amarillo e diretor musical do Circo Zanni, além de ser integrante
de ambos.
Circo Amarillo, CnB 6, 2003
Como você conheceu o Circo no Beco?
Eu fiz parte das primeiras pessoas que pensaram a ideia e incentivei a fazer
acontecer porque acreditava que a cidade de São Paulo precisava de um espa-
ço como esse. Aliás eu estava na tarde em que o Rodrigo Pereyra falou de fazer
espetáculo no Beco, estávamos dentro do Beco fazendo malabares e falamos
disso.

Marco Napuri (Markiño Peruano)


Peruano, nasceu em 1979. É artista de rua há mais de 12 anos, morou no Brasil
de 1998 a 2003 e após isso foi para a Europa, onde vive, até hoje, na Espanha.
Ao lado de sua companheira Paula Mackenzie, formam a companhia Zirkacid. Circo Amarillo, 2003
Ambos estiveram presentes nas primeiras edições do CnB.

Como começou o Circo no Beco?


O Circo no Beco começou pela necessidade de fazer espetáculos e apresentar
números que tínhamos vontade. (…) Nesse tempo somente se podia assistir a um
espetáculo se pagasse as entradas e sempre eram companhias já consagradas no
mundo do circo paulistano. E também na Argentina tinha entrado com força o mo-
delo Varieté de Circo, assim resolvemos pôr isso tudo em marcha... E funcionou!
Éramos alguns “gringos”… Juntos falamos no Beco, depois com os malabaris-
tas de São Paulo também nos reunimos e resolvemos pedir permissão ao Projeto
Aprendiz. (…) E graças a eles que deu pra fazer tudo aquilo, as reuniões aconte-
ciam ali no local deles. (…) Armamos o roteiro, as luzes e o som com muita vontade
de fazer por amor a arte. Me lembro que no primero Circo no Beco, a maioria das
50 

crianças eram do Projeto Aprendiz, o nosso primero público! Acho que essa magia
foi a chave de tudo.... Esse primeiro público!

Você foi fundador?


Sim… Não fomos fundadores, fomos um grupo de amigos que sempre andávamos
juntos falando de circo, armando rotinas, treinando, trabalhando e vivendo juntos.

Você ainda faz rua? Como é fazer rua no Brasil e no mundo atualmente?
Sim, sempre faço rua, é meu estilo de vida. Fazer rua no Brasil dez anos atrás era
Público na praça no CnB, s/d
difícil, mas a gente fazia igual. Na Europa é melhor, tem uma cultura em que o
público respeita e o artista é valorizado. Atualmente o único problema para um
artista de rua é a sociedade, que não valoriza a sua cultura e também as leis
do sistema, que vão contra os artistas de rua. Em alguns países colocam muitas
fechaduras para tudo, para o espaço, permissões, som etc. Por essa razão os festi-
vais de rua são os lugares onde o público e o artista convivem em paz e harmonia.

Qual a importância do chapéu na sua vida?


É a importância de saber que eu estou fazendo bem as coisas.

O que você entende por arte de rua?


Arte de rua é uma definição de uma cultura, um movimento que nunca dorme e
que está vivo porque a gente o mantém assim. Enquanto houver menos cultura,
terá sempre a arte de rua para podermos nos expressar livremente. É um direito
do ser humano. (…)

Pablo Nordio,
2009
51

Maria Druck
Paulista, nasceu em 1977. Sua principal formação é Equilibrismo e tem
graduação em Artes Cênicas pela ECA-USP. Esteve desde o princípio no
CnB, integrando a Comissão de Aéreos. Também trabalhou com o Circo
Delírio e o Galpão do Circo. Atualmente é iluminadora cênica e light
designer para diversos espetáculos.

Maria Druck, Du Circo e


Qual a importância do Circo no Beco e do Encontro Paulista de Malabaris- Marian Del Castillo, 2003
mo para você e para o fomento da arte circense e de rua?
O fato (...) de terem crescido e se mantido por dez anos representa uma vitó-
ria. Nossa ideia era mesmo abrir um espaço para que artistas jovens pudessem
mostrar seus trabalhos e experimentar suas linguagens, trocar experiências,
criar... Penso, no caso do Circo no Beco, que o espetáculo adquiriu uma espé-
cie de forma ou estrutura fixa, como um espetáculo circense tradicional, o que
artisticamente não era o meu anseio particular, mas tenho certeza que isso fa-
cilita a sua realização e abrange a possibilidade de receber um maior número
de artistas e de público. O Encontro de Malabares, por sua vez, cresceu e se es-
tabeleceu de maneira a ganhar vida própria, ao ponto de a pracinha da Belmi-
ro Braga hoje ser conhecida como “praça dos Malabaristas” e não mais “praça
do Aprendiz” como antigamente. Aliás, o batismo oficial da praça deveria ser
reivindicado junto à Prefeitura: Beco dos Grafiteiros e Praça dos Malabaristas! O
Circo no Beco, como obra de arte viva, tem a possibilidade de unir essas artes.
Afinal, o Circo no Beco e o Encontro de Malabarismo, agora com dez anos de
bagagem, são uma tradição e uma referência para a arte circense de rua, assim
como o beco o é para o graffiti: encubadoras de artistas além de galeria e sala de
espetáculos a céu aberto.

Quais foram seus principais aprendizados no Circo no Beco e no Encontro


Paulista de Malabarismo?
Trabalhar em grupo, exercício de diálogo, produção artística, oportunidade de
olhar para o espaço público com uma óptica diferente da cotidiana, buscar o fazer
artístico nessa relação, da mesma forma relacionar a arte cênica com o graffiti (...).
52 

Como você vê o Circo no Beco no passado, e como você o vê hoje?



Como já disse anteriormente, vejo que o Circo no Beco enquanto espetáculo as-
sumiu uma forma fixa de ser. No primeiro ano, nós experimentamos bastante,
tanto no formato, quanto nos temas, e tínhamos a proposta de cada integrante
assumir um personagem que tivesse a ver como o tema que dava uma identidade
ao evento, uma unidade. Hoje vejo que ele assumiu a forma de show e espetáculo
de variedades que acredito ser uma forma que simplifica sua realização, mas que
artisticamente perde um pouco na minha opinião, mas entendo ser difícil conse-
Du Circo e Marian Del Castillo, 2003 guir manter a inovação sem nenhum incentivo.

Você já viveu somente do dinheiro que ganhava com o chapéu nas apresen-
tações de rua? Você acha possível viver só dele ainda hoje?

(...) Terá que trabalhar com regularidade e escolher pontos estratégicos, criar um
público em cada espaço, além do que o valor recolhido no chapéu é diretamente
proporcional à qualidade do que você apresenta. Na rua o público é ainda mais
exigente, pois tem a liberdade de ir e vir mais do que em outros espaços.

Marian Del Castillo


Panamense, nasceu em 1981. Atualmente vive em São Paulo. Artista aérea
desde 1998, participou de diversas escolas de circo pelo Brasil e trabalhou
em diferentes circos e festivais de artistas de rua pelo mundo. Como artista
aérea e como assistente de direção de criação trabalhou no Cirque du
Soleil. É formada em Cenografia e Figurino na Itália.

Como você conheceu o Circo no Beco?


Eu estava desde antes de ser Circo no Beco. Fui umas das fundadoras se assim se
pode dizer... Éramos sempre aquele “grupito” de amigos internacionais... e lembro
que a gente queria muito um lugar pra fazer cabaret porque os grupos grandes
sempre chamavam os mesmos artistas para fazer... E como a maioria dos meninos
eram malabaristas já ficava na pracinha porque era perto da casa do Duico, Rodri-
go, Esteban; o Gastón veio com a ideia de fazer lá, então começamos a nos reunir
na casa do Duico, e foi daí que surgiu o Circo do Beco.
53

Mateus Bonassa
Nasceu em Osasco em 1985. Foi integrante do Circo Zé Brasil, atualmente
é palhaço e diretor de circo do Teatro Mágico e palhaço, ator e auxiliar
em cenografia no Circo Vox. Em 2011, fundou o projeto Ponte do Circo, em
Osasco. Também foi integrante da organização do CnB.

Como você começou a jogar malabares?


Quando eu tinha 13 anos (final de 1999). (...) Lembro que voltei da escola e está- Marcelo Lujan e Mateus Bonassa, 2005
vamos eu e um primo meu, Bruno, assistindo esse programa (Eliana), e ficou a
tarde inteira mostrando malabarismo. (...) E uma hora ele (o malabarista da TV)
fez e explicou mais ou menos como era. E a gente foi tentando, e eu lembro de
já ter visto em circo fazendo com lenço, e aí a gente tentou com a bolinha e não
conseguiu, aí pegamos o lenço de assoar nariz do meu pai e começamos a tentar
fazer e no mesmo dia saiu um movimento de cascata, né?

Você já tinha visto malabarista no farol?


Não. (...) Só via no circo ou na tevê. Começa uma expansão logo depois... Nessa
época a internet era muito difícil ainda, o acesso a informação era muito difícil.
Isso mais ou menos em 2001, Natan (meu vizinho) nos levou para conversar com
o casal (que era o JrMalabaris, casado com a Paula, que é irmã do Natan). Nessa
época eles se encontravam no Ibirapuera para treinar e vender materiais, aí eu
conheci o Junior e o Paulinho Ygar, toda essa galera que fazia malabares. Logo
depois fui conhecendo vários outros encontros. (...)

Você falou que o Beco é uma escola. Qual foi seu maior aprendizado?
Nossa! O maior? A rua. É a melhor escola para o artista na minha opinião, e aqui
(CnB) a gente trazia muita coisa para testar, dar a cara a tapa. Então, na questão
da criação do meu palhaço, do meu artista, o CnB foi uma grande escola nesse
sentido. (...) A questão de improvisar, e não improvisar só cenicamente, impro-
visar com material: se queimar a luz, você conseguir verba para comprar uma
lâmpada, gerenciar artistas num espetáculo, enfim. Isso foi uma grande escola
aqui no Circo no Beco.
54 

Foi você quem fez o maior chapéu da história do CnB?


Impressões das Sim, no III Festival. Era um misto de várias ideias, muitas delas testadas na minha
meninas da experiência com o Beco, é o “charla”, o charlatão, ou seja, falar pra caramba. (...)
Comissão de Aéreos E uma coisa que eu aprendi... (...) Não basta você ter um bom número; você pode
sobre Nacho Noche ser bom em técnicas, mas não ser comunicativo. Você pode ser carismático e não
ter uma boa técnica. Então tem diversas formas para se chegar a uma equação de
Maria: (...) Um que era importantís-
um bom chapéu. A grande discussão é: vamos valorizar a arte de rua.
simo nessa fase dos personagens
era o Nacho Noche, ele fez o Ho- Qual a importância do CnB para o fomento da arte de rua?
mem Gelo, o Homem Churrasco, Beco é a mãe, São Bernardo surge daqui. A potencialização do encontro deles é
o Homem Cuspido (ele cuspia daqui porque as ribaltas do Circo no Beco foram usadas por eles durante muito
nas pessoas). tempo. (...) Todo mundo que está num grande expoente no Brasil na atualidade
Tum: O Homem Colorido, quando
já passou pela praça do Beco: La Mínima, Madame Blanche, a galera do Jogando
ele quis se aproximar das crianças.
no Quintal, Circo Amarillo, diversos malabaristas, o Jesus Fornies que veio recente.
Elas tinham medo dele. Aí ele fez
(...) Então é um lugar de experimentação, um polo cultural da cidade de São Paulo,
um número que deixava as crianças
desenharem nele, pra ele se reapro- de discussão. Em certos momentos está mais em alta, em outros abaixa, estagna,
ximar das crianças. mas faz parte do processo do espaço, não digo nem do coletivo: mas do espaço;
Maria: Ele era performer. No Ho- o espaço é uma fluidez de acontecimentos.
mem Gelo ele passou o espetáculo
inteiro dentro de um carrinho de Nacho Noche
gelo, depois ele fez o Homem Chur-
Nasceu na República Dominicana em 1974. Pescador, performer e
rasco, foi cozido vivo.
trabalhador social.
(...)

Como você conheceu o CnB?


Dividia casa com Gastón e pelo meu amigo Rodrigo Pereyra, eles já faziam esse
tipo de cabaré na Argentina anteriormente.

Você já viveu somente do dinheiro que ganhava com o chapéu nas apresen-
tações de rua? Você acha possível viver só dele ainda hoje?

Sim! Só fazendo.
Nacho Noche, 2004
55

Paulo Andringa
Nasceu em Portugal em 1978. Designer/programador web. Joga diabolô
desde os 16 anos. Esteve presente na fundação do CnB e foi responsável
pelo material gráfico durante os primeiros anos.

Qual a importância do Circo no Beco e do Encontro Paulista de


Malabarismo para você e para o fomento da arte circense e de rua?
Paulo Andringa, 2005
Desde o início do projeto um dos principais objetivos (além de nos divertirmos, cla-
ro) foi sempre a “valorização e divulgação da arte de rua”, e penso que o CnB teve
um papel importantíssimo no crescimento dessa área, não apenas em São Paulo,
onde se realizou, mas no Brasil, através das pontes estabelecidas com outros artis-
tas e pesquisadores das áreas do circo, malabarismo, manipulação, performance,
música etc. Os encontros de malabares, ao abrir espaço e tempo para essa prática
bem no meio da cidade, vieram fortalecer também essa dinâmica, dando a conhe-
cer, criando amizades, permitindo evolução técnica e cruzamento de disciplinas.

Como você participou do Circo no Beco?


Participei no Circo no Beco como transportista, lanterninha, designer, programa-
dor, português-de-serviço, aprendiz-de-eletricista, carregador, montador de cená- Leda Lorenzo e Paulo Andringa, 2004
rios e estruturas... Devo estar me esquecendo de algo...

Em quais espetáculos do Circo no Beco você participou?


Os primeiros Becos, porque eram os primeiros, porque tudo surgiu ali, pela beleza
de ver público aparecer naquele lugar que antes estava muitas vezes deserto, ver
crianças e adultos admirar as pinturas pela primeira vez junto com o circo propria-
mente dito, aliado ao prazer dos artistas que faziam tudo por amor à arte. Mais
puro não há. (...) Ajudar Nacho Noche com os seus números, desde transportar a
fogueira para “El Hombre Churrasco”, a ajudar a controlar a multidão durante os
surtos por ele causados. (...) Embora não tenha sido um “Beco” propriamente dito,
a festa de aniversário naquele teatro na Consolação foi inesquecível!... à porta
o preço era 10 reais ou 5-mais-um-quilo-de-alimento-não-perecível. Eu sei que
transportei mais de 400 “um-quilo-de-alimento-não-perecível” da entrada para a
56 

sala. (...) Durante muito tempo muita gente me disse que era das melhores festas
que tinha na memória!
Tive a sorte de me encontrar no mesmo espaço-tempo que o surgimento
do Circo no Beco, onde estive envolvido desde a primeira hora (ou hora-e-meia),
como artista e aprendiz de feiticeiro, além de colaborar na divulgação, tanto web
como papel, participando em centenas de sempre intermináveis e agradáveis re-
uniões, transportando, fazendo acontecer, correndo atrás e imaginando em geral.

O que você entende por arte de rua?


Rodrigo Buchiniani, 2004
A capacidade da rua, com um mínimo de meios, criar situações que permitam
distrair, divertir e/ou questionar quem passa.
Normalmente, por questões de sobrevivência e contenção de despesas, pas-
sa-se um chapéu antes, durante e/ou depois da atuação, para conseguir dinheiro
para comer, pagar contas, comprar coisas etc. Em alguns casos extraordinários,
faz-se pelo prazer da arte, ou para arrecadar fundos para uma causa justa ou no-
bre. No caso do Circo no Beco, ambas as explicações se aplicavam. (O prazer era
todo nosso, o dinheiro ficava para comprar um equipamento melhor, para ter mais
prazer ainda no próximo espetáculo, e se sobrasse muito, fazia-se um churrasco.)

Rodrigo Buchiniani
Nasceu em São Paulo em 1979, onde vive até hoje. Advogado, circense e
capoeirista. Pós-graduado em Direito Tributário e mestrando em Direito
Constitucional pela PUC-SP. Artista circense com foco em corda lisa,
malabarista, palhaço, monociclista, pirofagista e contrarregra.

Qual a importância do CnB e do ENPAUMA para o fomento do circo e da


arte de rua?
Possibilitaram pra uma série de pessoas que passaram por esses locais, seja
como: artistas, produtores e organizadores destes eventos, um primeiro contato
com a produção de espetáculos de circo na rua. (...) Identifico (...) como escolas de
circo na sociedade atual, como modelos, em que pessoas apaixonadas pelo circo,
sejam elas artistas ou não, que abraçaram a ideia como forma de dar continuida-
de de como desenvolver o circo na rua.
57

Você já fez farol? Qual foi a importância na sua vida?


Já, dou grande importância ao período em que fiz farol, pois aprendi e busquei Depoimento de
aprimorar que eu devo ter um começo, meio e fim, que tenho que ter uma apre- Frederico Jorge,
sentação, que devo desenvolver uma abordagem, um corpo. “Ninguém Dorme”
O que você entende por arte de rua?
O Beco influênciou não só esse
Uma possibilidade de comunicação por meio da linguagem artística em que o
desenho do Paulo e da Leda* mas
palco é a rua e o transeunte, seu público, tendo no chapéu o elo entre a liberdade
toda minha vida.
de expressão com a realidade dos metais colocados no chapéu.

Você sendo um dos únicos, senão o único homem envolvido na Comissão


de Aéreos, tem algo especial que gostaria de dizer?
Todas as mulheres que passaram pelo Circo no Beco e participaram de alguma
forma da Comissão de Aéreos são mulheres guerreiras e empreendedoras, pois
esta linguagem circense exige estrutura de aéreos, aparelhos e colchões de se-
gurança; e, no coletivo de maioria masculina, assumir essa manifestação circense
foi de considerável importância para que o Circo no Beco não fosse reconhecido
apenas como circo de malabaristas.
*referência ao graffiti, que represen-
A primeira trave que o Circo no Beco usou foi emprestada por um homem, ta Paulo Andringa e Leda Lorenzo,
Gilberto Caetano, e a Comissão de Aéreos aprendeu com este a instalar, espiar ambos integrantes do Circo no Beco
e utilizar com segurança durante os espetáculos. O fato de eu ser talvez o único
homem a auxiliar na Comissão de Aéreos se deve pela curiosidade e por diversas
possibilidades artísticas que podem existir com os pés no ar.
Por envolver um cuidado maior em relação aos espetáculos em que houve
apresentações aéreas, a montagem e a desmontagem desses equipamentos sem-
pre foram realizadas por poucas pessoas de um coletivo de mais de 15 pessoas,
ou seja, com o tempo, pelo pouco envolvimento de todos os colaboradores em
auxiliar nas montagens e desmontagens numa fase recente os números de aéreo
foram diminuindo.

Rodrigo Racy, voluntário e


Thiago Cintra, 2003
58 

Tum Aguiar
Vive atualmente na cidade de São Paulo. É trapezista e especializou-se em
acrobacias performáticas aéreas. Formou-se na Circo Escola Picadeiro e
atua há mais de 15 anos na área. Contribuiu em diferentes grupos e circos
no Brasil e na Europa. Atualmente é parceira do grupo ARES, e da dupla Luli
& Tul. Além de atuar como artista, Tum Aguiar também é diretora técnica
de montagens circenses e Rigger, ministra aulas e oficinas regularmente.

Quando foi seu primeiro contato com circo, malabares ou arte de rua?
Fui uma das fundadoras do Circo no Beco, participando desde a 1ª reunião. Fiz
parte da 1ª comissão de aéreos, que visava a possibilidades de ter aéreos no
Beco, no qual fomos bem-sucedidos.

Você acha que o Circo no Beco influencia na criação e no surgimento de


novos artistas? De que forma?
Marian Del Castillo e Tum Aguiar
(Super e Bela), 2003 Com certeza! Na troca que ocorre nos encontros realizados e na fácil acessibilida-
de que a população tem em relação ao Circo no Beco.

Quais foram seus principais aprendizados no Circo no Beco e no Encontro


Paulista de Malabarismo?
Com o Circo no Beco aprendi que, quando se quer alguma coisa, existe união e, se
se organizar bem pra isso, tudo é possível.

Qual a importância do chapéu na sua vida hoje?


Uma lembrança boa!

Tem algo a mais que você gostaria de dizer?


Viva a arte de rua!!
59

Vicky Justiniano
Nasceu em São Paulo em 1983. Atriz formada em Artes Cênicas e Circenses.
Começou a trabalhar com circo na OZ Academia Aérea de Circo, em São
Paulo, e depois na Escola Nacional de Circo da Funarte, no Rio de Janeiro.
Trabalhou em espetáculos variados.

Qual era sua função no CnB?


A cada momento um estava em uma função diferente, tínhamos os artistas con-
Emanuela Helena na perna de pau
vidados a cada espetáculo. Porém, do coletivo que encabeçava o Beco do qual
e seguranças, 2003
eu fazia parte, éramos de tudo um pouco e dividíamos muito bem as funções a
cada necessidade dos espetáculos. Uma das coisas que sempre discutíamos e
batalhávamos para que acontecesse era que o Circo no Beco se tornasse inde-
pendente das pessoas que o fundaram, andasse pelas pernas próprias, criasse
uma estrutura que pudesse ter o revezamento de diferentes artistas e continuasse
acontecendo. (…) Com muito orgulho vejo que isso realmente aconteceu. (…)

Algo mais que gostaria de contar?


Um dos primeiros espetáculos do Circo no Beco, eu nunca vou me esquecer…
Quando ainda não tínhamos iluminação mais profissional (…) decidimos improvi-
sar (…), muito mambembe por sinal, colocamos algumas lâmpadas com extensão
presas em cabos de vassoura e nós da organização do Beco dividíamos quem car-
regava. Então estávamos apresentando números e íamos revezando com a função
de carregar a iluminação (…). E, como o espetáculo era itinerante, tínhamos que
sair andando com as lâmpadas em extensão. É óbvio que aconteciam grandes
contratempos nisso, como por exemplo os artistas chegarem ao local de apre-
sentar seu número seguidos pelo apresentador do dia e ainda estar escuro! E a
iluminação correndo, se enroscando nos fios e no público. (…) Às vezes a lâmpada
caía do cabo de vassoura e consertávamos ali mesmo durante as apresentações.
Era tudo muito criativo, improvisado e alto-astral nas nossas gambiarras para fazer
acontecer os espetáculos.
60 

E para finalizar...
Um verdadeiro exemplo da importância do Circo no Beco para o fomento das
artes circenses, o eterno garoto-revelação....

Anderson Pereira da Silva


Nasceu na Bahia em 1991, mas vive em São Paulo desde pequeno. Eterno garoto
revelação no malabarismo, já ganhou 16 troféus no mundo do circo. Trabalhou
no Circo dos Sonhos, Turma da Mônica no Mundo do Circo, e já foi convidado de
diversas convenções de circo, como as do Peru e Equador.
Anderson Pereira da Silva, 2011 Anderson Pereira da Silva, mais conhecido como “Neguinho” ou “Anderson
Malabarista”, é um dos muitos profissionais que você encontra todas as segundas-
feiras como assíduo frequentador do Encontro Paulista de Malabarismo. Mais do
que isso, ele é um exemplo para o fomento das artes circenses e de rua.
O Beco comumente conhecido foi um dos lugares onde Anderson começou a
aprender a técnica e a se profissionalizar. Apresentou ali naquela praça seus laborio-
sos números em diversos Palco Abertos e edições do Circo no Beco. Trabalhou tanto
em circos de lona fixos e itinerantes, como no farol e abrindo rodas em praças.
O garoto prodígio considera todas as experiências já vivenciadas essenciais
para sua formação. Sempre que tem algum truque novo, sobe ao palco para mos-
trar, além de estar sempre disponível para ajudar e treinar junto com malabaristas
ou entusiastas que frequentam o Encontro.
Anthony Gatto Atualmente Anderson é considerado um dos melhores malabaristas do Brasil.
O que você entende por arte de rua?
Anthony Gatto é um malabarista
A arte de rua é o futuro.
americano que quebrou diversos
recordes mundiais de resistência de O que você entende de circo?
malabarismo. Foi o único malaba- Eu trabalhei seis anos no circo. Então conheço as duas coisas, arte de rua e circo.
rista do mundo a ganhar o prêmio Ambos são diferentes, mas são iguais. (...)
Golden Clown, no Festival Inter-
nacional de Circo de Monte Carlo, Você já viveu do dinheiro que ganhava no chapéu?
que é como o Oscar do Circo, onde Sim, até hoje eu vivo. Aliás, eu voltei a fazer farol. (risos)
jogou 11 aros. Atualmente integra o Você parou de trabalhar no circo e voltou a fazer farol?
Cirque du Soleil.
Sim, na verdade eu já estava há muito tempo, quatro anos e meio trabalhando na
Barra Funda, fixo (circo de lona fixo). Daí rolou um projeto de viajar com o circo, eu
61

viajei, mas chegou uma hora que eu queria viver outras ondas, ir para as Conven-
ções de Malabares, e assim foi.

Você tem algum ídolo ou alguém que o motivou dentro das artes circenses?
Tenho. Foi o Igor em primeiro lugar e uma pessoa que eu me inspiro muito que é
o Anthony Gatto, hoje um dos melhores malabaristas do mundo.
Mas uma pessoa que eu admiro muito aqui, muito, e que sempre está do
meu lado, é o Marquinhos. Antônio Marcos Pires Gil. Inclusive foi o Marquinhos
que me levou no circo, pro Circo dos Sonhos.

E quanto tempo você levou vivendo a vida do chapéu?


Vivi três anos direto. Aí depois veio o circo, mas sempre que eu tinha uma folgui-
nha trabalhava no sinal, porque gosto muito. Ou fazer barzinho, fazer rua, essas
coisas.

Você sabe da influência que tem na vida de muitas pessoas que frequen-
tam aqui, tendo você como ídolo?
Na verdade eu nem sei. Mas eu gosto muito daqui, gosto da galera, me sinto bem
Anderson Pereira da Silva, 2012
aqui. É uma família. Fico muito feliz. Aqui no Beco eu me sinto em casa.

Você se sente um filho do Circo no Beco?


No começo era Neguinho, agora sou Negão, cresci, estou mais forte. (risos)

Como você vê esse encontro no passado, como você vê ele hoje e o que
você diria para as pessoas que estão começando?
Esse é o Encontro mais famoso que tem. Inclusive até o Thomas Dietz, que é um mala-
barista alemão muito bom, conhece esse encontro. Esse encontro mudou minha vida,
quando conheci o Beco, encontrei com coisas que não tive, conheci pessoas legais.

Qual a importância do chapéu na sua vida hoje?


É um reconhecimento do artista de rua. Não estamos pedindo dinheiro, estamos
mostrando nosso talento.

É possível viver só do dinheiro do chapéu?


Com certeza! Tem muita gente que viaja o mundo vivendo do chapéu, isso é o
máximo, a melhor coisa que tem.
62 

Com quantos anos você começou no farol?


Na verdade antes (de jogar malabares) eu vendia bala no trólebus em Diadema
(...) com cinco anos, então sempre vivi na rua. (...) Vendi até os 12. Eu chegava no
trólebus, tinha tanta amizade com o motorista, que eu chegava e ele já abria a
porta do meio. (...) E até hoje eu entro no trólebus e me lembro.

Como você define o circo em uma palavra?


Panfleto
Minha vida. CnB 5, 2003

O QUE FALARAM SOBRE O anderson NAS ENTREVISTAS:

Samer Ali Zahra Iak “Tive o prazer de ajudar o Anderson (“o André Carvalho (Montanha) “Com o Anderson, foi assim, no
Neguinho”) quando estava bem no começo, e ele sequer tinha começo, ele queria saber como eram as convenções europeias.
claves ainda. Até me emociono em contar, era uma criança (...) Fui um dos muitos que doaram claves para o Anderson
muito determinada e aparentemente sem nada na vida. Doa- poder treinar e não interromper uma carreira tão promissora. E
mos algumas bolinhas e umas claves velhas... Ele dizia que ia o mais louco que o maior ídolo dele era o Anthony Gatto, e ele
ser melhor que o Anthony Gatto! Pegava sete bolas e as atirava queria ser igual ao cara, em tudo, e eu dizia: ‘Você não precisa
para cima (ele nem conseguia jogar quatro na época), e pergun- imitar ele’ (falava isso porque achava que ele nunca chegaria
tava ‘Estou melhorando, né?’. Não jogava nem três dessas sete perto da lenda ‘Gatto’), mas o Anderson é tão especial, que ele
bolas. Brincávamos com ele e o incentivávamos a treinar mais. treinou muito, e chegou lá. Hoje ele faz quase todos os truques
Fiquei muito tempo afastado do Beco. Um belo dia volto e tem do cara e mais alguns. (...) Agora é ele quem ensina a todos.”
esse mesmo Anderson jogando oito aros! (...) Foi lindo.”

Nacho Noche, 2003


Ajoelhado à frente: Gonzalo Caraballo. Ao fundo:
Banda Circo Delírio e The Pambazos Bros, 2013
Giro no queixo, pessoa
não identificada, 2003

Ailyn Evelyn
e Fernando
Proença, 2010

Graffiti, 2012

Guilherme Leandro Calado e


Multisambafônico e Lolo Miolotolo, 2007
Emanuela Helena, 2006
65

Além do Beco
Pela vontade de incluir números aéreos nas apresentações
do CnB, formou-se a Comissão de Aéreos, que ampliou o
movimento com apresentações em trapézios, tecidos e
cordas, que, no ar, sobrevoam o público e ampliam as pos-
sibilidades do espetáculo.
O Encontro Paulista de Malabarismo (ENPAUMA), que
ocorre semanalmente desde 2003, se espalhou pelo Bra-
sil, contagiando outros a também ocuparem praças de
suas cidades com encontros.
E mais, a partir de um e-mail nada pretensioso, surgiu o
primeiro Festival de Circo e Espetáculos de Rua. Tudo isso
organizado pelo coletivo Circo no Beco. Conheça os outros
pilares dessa história!
66 

Comissão de Aéreos =
união de gente-pássaro

A destreza e a presença, duas qualidades que acompanham lado a lado


um acróbata aéreo, são, sem dúvida, determinações imprescindiveis para o
êxito na realização de um número dessa modalidade circense.
Os cuidados aos mínimos detalhes de que necessitam esses “pássaros
-atletas” perpassa pelo caminho de estarem bem preparados física, emocional e
psicologicamente, porque qualquer passo em falso, ou melhor, voo sem seguran-
ça, estaria fadado ao insucesso. Por isso, a criação da C.A. foi um ato não só de
ousadia e criatividade, senão de muita cautela e respeito.
Ao se unirem ao Circo no Beco, as pessoas que compuseram e criaram a
Jade Gouveia e C.A. determinaram-se primeramente a um momento de espera, pois a rua, mes-
Maira Campos, 2003 mo sendo uma forma democrática de “alçar voo”, surgia naquele momento ali
no Beco como uma nova proposta para esses artistas, pois precisavam de uma
estrutura para suas apresentações. Logo aguardaram avidamente para botar suas
“asinhas de fora” e poder mostrar sua arte.
A proposta de ter uma C.A. era discutida em reunião, opiniões divergiam, o
voto era sempre a forma de chegar a um consenso, e a C.A. sempre saía desprivi-
legiada por ser minoria, porém, seus participantes nunca deixaram que a ideia es-
friasse, e seguia a tentativa de que o coletivo tivesse uma organização e estrutura
para os números de aéreos que se apresentariam em futuros espetáculos.
Os que encabeçavam a sugestão tinham claro que era questão de tempo
para que a C.A. fizesse uma noite inédita só de número de aéreos e que se con-
seguisse com o dinheiro do chapéu comprar uma trave. Exigiu-se dos envol-
vidos muita determinação, durando uns dois anos para que se concretizasse
a contento.
A primeira trave do CnB foi apelidada carinhosamente de “elefantinho”, é
Projeto de Trave do CnB, 2009 facil imaginar o porquê, afinal só se leva um nome desses algo realmente de peso.
67

Muitas das montagens e desmontagens da estrutura de aéreos eram feitas


juntamente com o público, o qual contribuía com força física, tornando aquele mo-
mento algo único e desafiador. Além de desfrutes de um belo espetáculo na rua, de
números que muitas vezes eram inéditos, havendo sido criados para aquele espetá-
culo em especial, como é o caso da “Super e Bela” e “As Cariátides”.
Vamos seguir essa história com relatos de quem fez acontecer.

Entrevista coletiva com: Emanuela Helena, Maria Druck, Marian Del Castilo e
Tum Aguiar

Montagem da trave no
Comissão de aéreos CnB 14, 2004

Maria: Nós nunca éramos convidadas pros cabarés que aconteciam na época.
(...) Foi por isso que a Comissão de Aéreos se formou, porque tínhamos a espe-
rança de um dia se apresentar num cabaré nosso. Uma coisa criada no Beco.
Teve um fluxo pra além dos aéreos que era trocar de números, não ter sempre
o mesmo número. O primeiro ano foi bonito.
Tum: O legal era isso, nós nos encontrávamos durante a semana, durante o
mês pra criar o número pra apresentar no Beco. Isso aconteceu muito com
muita gente. Criar uma coisa para o Beco. O primeiro ano inteiro foi assim,
com todos nós, cada Beco tinha um número novo. E era um espaço pra teste
também, tipo “Tenho uma ideia mas não sei se funciona”. O Beco estava ali
pra você ver, pra testar.
Maria: Tinha o lance dos personagens que no 1o ano funcionou, os chapeleiros
se caracterizavam, tinha o segurança que era a Tum. Como os espetáculos
variavam de tema, os personagens eram variáveis, a não ser o segurança que
era sempre o segurança.
Panfleto de uma edição especial
do CnB, que foi realizada em
outro local, no Páteo do Colégio,
em 2004
68 

Sabendo que vocês em princípio não teriam a possibilidade de apresentar


as partes que sabiam mais dentro do circo (especialidades) como os aéreos
(...). Como vocês sentiam esse momento?
Manu: No primeiro momento todo mundo tinha noção, ideia, vontade de que
um dia ia rolar. Não tinha: “Ó não podemos, mandemos assim, ó a gente pode,
é só uma questão de tempo”.
Maria: A gente precisa arrumar uma trave...

Manu: (...) Mas a primeira trave que a gente usava era uma trave do Gil [fa-
zendo referência a Gilberto Caetano...] a trave dele ficava na chácara dele, na
central às vezes (...).
(...)

Tum: A primeira vez em que montamos a trave, fizemos dentro do Beco ou na


Tum Aguiar, 2003 praça? Porque o projeto inicial era pra montar dentro do Beco.
(...)

Marian: Foi a gente que se apresentou, Super e Bela.

Tum: Foi Super e Bela a primeira, foi na praça. Tem as fotos!

(...)

Tum: Eu lembro que a gente montou poucas vezes dentro, aí depois se viu que
era muito mais fácil montar na praça.
Maria: (...) E lá na praça tinha aquela arquibancadinha, dava pra acomodar
melhor o público do que dentro, e também porque começou a crescer muito o
público, teve uma época que começou a vir muita gente.
Mafê: No 6o já tinha trave?

Tum: Sim, foi o primeiro. (...) Depois o CnB comprou uma trave.

Maria: Quem pagou a trave?

Todas: Chapéu!
(...)
69

SOBRE O CHAPÉU
Maria: Lembro que tínhamos essa inspiração da arte de rua europeia, a gente ti-
nha essa ideia de fazer uma coisa de qualidade e que o chapéu seria o reflexo dis-
so. Que a gente só conseguiria que o chapéu melhorasse quanto melhores fossem
os espetáculos. O dia em que o espetáculo era bom, o chapéu era muito melhor.
Marian: Aqui também a galera é bem diferente. (...) Eu acho que não é que
chegou com eles (argentinos de Mar del Plata), mas eles tinham mais essa
Jade Gouveia, Maíra Campos, Marian Del
liberdade. Castillo e Tum Aguiar, CnB 8, 2003
Maria: O que tinha muito naquela época aqui em São Paulo é que estavam
CHEGANDO os malabaristas de rua.
Tum: É, foi quando começou a coisa do farol...

Maria: Mas eles estavam cansados de trabalhar só no farol.

Marian: Sim, mas eles já tinham mais essa coisa de rua do que a galera aqui
do Brasil. Uma coisa que eu lembro nas reuniões que a gente falava, o público
brasileiro é diferente do público argentino, chileno ou uruguaio, que já está
acostumado ver artista na rua...
Lembro que tinha muito essas discussões filosóficas que o público bra-
sileiro está muito acostumado a dar esmola, então vamos tirar essa cara. (...)
Depois dessa discussão lembro que a gente melhorou muito a nossa
qualidade, porque é exatamente essa coisa que a Maria estava falando, que
quando o espetáculo é capenga o chapéu também é capenga.
(...)

Manu: Não sei se tínhamos a fase em que a gente já tinha o próximo espetácu-
lo marcado de divulgar no próprio espetáculo?
Todas: Tinha, quando fazíamos a cada 15 dias então a gente divulgava no pró-
prio espetáculo.
Maria: Era a cada três semanas, porque a gente achava de 15 em 15 muito
perto e de mês em mês muito longe.
Edição especial do CnB: “Laboratório
Arranha-Céu”, a primeira noite de aéreos,
2005
70 

Encontro Paulista de Malabarismo


Antes do surgimento do Encontro Paulista de Malabarismo, alguns praticantes da
área reuniam-se em diversas praças e parques da cidade de São Paulo para trei-
nar. Muitos se conheceram no Galpão Nau de Ícaros1, (fundado em 2000), local
que diversos malabaristas entrevistados apontam como importante disparador na
criação de um evento desse tipo.
“Foi divertido. Fizemos o encontro dentro do beco mesmo, onde hoje
em dia montamos a trave [no fundo do Beco]. Aí, poucos dias depois teve
uma reunião e resolvemos fazer um dia com apresentações para passarmos
o chapéu e iniciarmos o Circo no Beco. Logo na sequência do primeiro Beco
já começamos a realizá-los às segundas-feiras”, conta Du Circo.
As Cariátides (Tum Aguiar, “O 1º encontro, o Marquinhos fazia faculdade (...), ele tinha feito Insti-
Marian Del Castillo, Maria Druck tuto Universal Brasileiro de coisas eletrônicas, ele ligou a luz e a gente fez.”,
e Jade Gouveia), CnB 8, 2003
diz Duico.
O ENPAUMA possibilitou para pessoas de distintas áreas a oportunidade de
conhecer essa arte milenar, nessa praça (Beco) a prática se dá de maneira infor-
mal na troca entre os participantes.
A organização acontece desde 2003 no mesmo local do Circo no Beco, e é
composta por interessados dispostos, os quais montam luz e som para o deleite
daqueles que estão afeitos a um bom treino.
Além dos malabaristas, o evento também atrai interessados em geral, que
ficam sentados na arquibancada observando o treino dos demais. Um ótimo local
para se aprender a jogar malabarismo, já que os frequentadores estão sempre
dispostos a ensinar e a trocar conhecimento. Por essa razão, diversos circenses
consideram o movimento uma verdadeira escola. Muitos começaram a frequentar
o espaço apenas como admiradores e hoje são grandes malabaristas. Foi lá que
aprenderam e desenvolveram sua arte.
Dia do circo no Centro de
Memória do Circo. Antônio “Tinha que ser aberto pra juntar o máximo de pessoas que pudesse. (...)
Marcos, Duíco Vasconcelos, Por ano você coloca dois ou três que ascenderam, então viu-se que o espaço
Rita Masini, Giulia Cooper e
Du Circo, 2011
1 No final de 2002, a escola mudou de nome e passou a se chamar Galpão do Circo.
71

Encontro de Malabarismo no CnB, 2010


realmente tinha essa importância. Para um crescimento de um coletivo, ou
para a técnica que aquele coletivo desenvolve, tem que ter regularidade no
encontro”, relata Mateus Bonassa.
O movimento de malabarismo no Beco ocasionou diversas outras dinâmicas
de malabares e circo pelo Brasil.

Relatos de fundadores de outros encontros

Ponte do Circo (Osasco)


Mateus Bonassa, fundador, nos conta um pouco melhor:

“Surge dia 18 de maio de 2011. Houve vários motivos que nos levaram
a montar (...) em Osasco: primeiro (…) não tinha nada, eu tive que sair de lá
para aprender alguma coisa. Existem vários artistas que vivem em Osasco
mas não produzem lá, (...) a cidade não dá o incentivo, não tem uma vitrine
para produzir.” (...)

Encontro de Malabarismo da Praça Roosevelt (SP)


Jorge Ribeiro descreve como e de que maneira funciona:
II Festival de Circo e Espetáculos de Rua,
“O encontro na praça Roosevelt acontece todas as 5as feiras, das 18h às
2006, Douglas Diou e Dudu do Circo
22h. (...) A vontade é de trazer o mesmo que o Circo no Beco oferece, só que
72 

em mais de um dia por semana. O espaço é adequado, já tem luz, tem um


som, chão plano e liso. Oferece muitas possibilidades.”

Encontro de Malabarismo do ABC


Otávio Fantinato, fundador:
“Ele existiu de 2004 a 2007. Chegou a ter um público médio de cem
pessoas. Tiveram muitos frutos do malabarismo que surgiram ali, como
Encontro de Malabarismo no CnB, 2013 o Anderson (Neguinho). Foi como um espelho do Circo no Beco, com a
mesma função.”

E por todo o Brasil também foram surgindo outros


Encontros....
Muitos foram os frutos que essa grande árvore chamada Circo no Beco gerou,
além de possuir raízes profundas que o mantém vivo até hoje. Uma verdadeira
escola informal, cheia de pessoas dispostas a compartilhar, treinar junto, ensinar
e aprender.
Vida longa às pessoas que se uniram para trocar desde truques de mala-
barismo até informações, favores e, sobretudo, amizade; ao ENPAUMA, que, re-
Equilíbrio de uma clave- Encontro de Ma- conhecendo a importância do evento, procurou manter as relações na hora de
labarismo no CnB, 2009
emprestar (e pedir emprestado) equipamentos, fomentando diversos encontros
espalhados pelo Brasil.
Quantos grupos e trupes surgiram, quanta gente se conheceu, quantos fo-
ram os malabares lançados no espaço do Encontro Paulista de Malabarismo?! E
quantos malabares será que já caíram no chão? Quantas claves já foram trocadas
em fabulosos passes dando piruetas pelo ar?

Jorge Ribero, 2010


73

hoo Grupos
FESTIVAL DE CIRCO E ESPETÁCULOS
https://br.groups.yahoo.com/neo/search?query=circo no beco
DE RUA (FECER)
Mail NotíciasPartindo do
sonho
Esportes de realizar
Finanças Tempoum festival
Jogos dedicado
Grupos a espetáculos
Respostas de circo de
Screen rua Celular
Flickr Mais

em São Paulo, a equipe do CnB incluiu o terceiro feito em suas realizações (o pri-
Buscar em Grupos Buscar na Web giulia_ki… Mail
meiro foi o Circo no Beco e o segundo o Encontro de Malabarismo).
A vontade dos organizadores de realizar um festival era muito grande, pois
Encontro de Malabarismo no CnB, 2009
esse evento seria praticamente a comemoração de tantas conquistas já alcança-
das pelo grupo. Além de espetáculos, a ideia era incluir cortejos, cabarés, palco
abertos, shows, oficinas e bate-papos.
Partindo do grande objetivo do CnB, que é valorizar a arte de rua e ocupar
espaços públicos, acreditavam que com um Festival atrairiam um maior número
de pessoas e incluiriam mais artistas.
Circo No Beco
Os festivais de circo na rua já eram muito populares na Europa, porém no
Grupo público, 118 membros
nosso país ainda eram uma grande novidade. Foi a partir de um e-mail de um
dos Conversas
fundadores, Marco Fotos Napuri (Markiño
Arquivos Peruano),
Sobre Mais que todos se animaram, pois Associação
este dizia que somente o CnB poderia realizar um Festival de rua em São Paulo
(vide e-mail abaixo). Exibir Responder

33 RE: [circonobeco]proposta!!!

marco antonio elduende 25 de ago de 2004

Exibir fonte

vcs sabian que existen festivais de arte de rua ,ao menos aqui na europa
tem
un monte de tuduuuuu circo ,arte de rua,musica`,payasos ufffff muitooo cada
mes numa ciudade defernte iso e legal si vc quiseren visitar site de
festivais na españa e
www.festivales.com,,,,,estos festivales a maioria de veces e organizado por
uma galera de artistas ,mais e auspiciado pelo ayuntamiento da cidade,i ai
que vai a proposta porque nao se animam y facen o 1 festival de arte de
rua!!!!!!!!!!!!!!! no sao paulo ein so vcs poden .....iso pode acontecer una
ves cada ano i asim facer um proyecto ...acho que seria muitooo legal vean
un pouco mais de informaciuones de festivales espero que vc ayan gostado
da
ideia ...y fazan seu primer festival de arte de rua ....so vc oden facer elo
seu sao paulo ya que vc son !!!! abrasoso .......markito Panfleto do CnB 19, 2004
_________________________________________________________________
Charla con tus amigos en línea mediante MSN Messenger:
upos http://messenger.latam.msn.com/
74 

Tudo aconteceu na metodologia já conhecida do grupo, a produção se deu


nas tradicionais reuniões no espaço do Projeto Aprendiz. De maneira informal,
cada organizador foi assumindo um cargo mais específico: tesouraria, divulgação,
produção, montagem, entre outras. Como não havia financiamento externo, a
ideia era convidar grupos que já trabalhassem com espetáculos de rua e, ao final
de cada apresentação, seria passado o chapéu, que se dividiria entre os artistas
participantes e o CnB, responsável pela organização.
Com a força e vontade de todos, conseguiram realizar o I Festival de Circo e
Bate papo no II Festival de Circo e Espetáculos de Rua em abril de 2005.
Espetáculos de Rua, 2006 Dessa forma, descobriram mais uma grande possibilidade de ocupar o
espaço do Beco e seus entornos. O coletivo seguiu adiante e logo no ano seguin-
te, em 2006, realizou o II Festival de Circo e Espetáculos de Rua.
A partir dos aprendizados com a primeira edição, a produção foi atrás de
apoio para alimentação nos supermercados e padarias próximos ao Beco. Além
disso, houve uma assessoria de imprensa voluntária, que divulgou o Festival nas
principais mídias de São Paulo, guias de programação cultural, sites e jornais.
Também foi lançado um site específico (infelizmente, o site se perdeu e não
encontram-se registros).
Todo o evento foi gratuito, exceto a festa de abertura que ocorreu em um
espaço fora da praça. Ao final dos espetáculos, os artistas passaram o chapéu,
que fora sempre entregue ao CnB, para ser dividido entre todos e com uma por-
centagem para a organização. Todos os gastos com luz, som, divulgação e produ-
ção foram pagos com o dinheiro do chapéu.
Após a realização das duas edições do Festival, sem nenhum incentivo que
não fosse a colaboração pontual de algumas pessoas, e claro, o chapéu, o coletivo
desejou dar um passo mais adiante.
Continuaram com as reuniões semanais e ao final do ano de 2006, para a
realização do III Festival de Circo e Espetáculos de Rua, consideraram inscrever
o projeto em um edital público.
Como a proposta de editais era algo bastante novo, tanto no país quanto
para o coletivo, o projeto começou a ser escrito, mas não chegou a ser concluído
Tássio Folli, 2010 e enviado.
75

Apesar disso, o festival não deixou de acontecer. Foi realizado em 2007 e,


assim como nos anos anteriores, organizado pelo próprio coletivo e financiado
principalmente com o dinheiro arrecadado no chapéu.
O IV Festival de Circo e Espetáculos de Rua foi realizado em 2008 e co-
memorou os cinco anos do CnB, além do Dia Nacional do Circo (27 de março).
O evento contou com apresentações de grupos de todo o Brasil e estrangeiros.
Foram 13 companhias apresentando seus espetáculos, participando do cortejo,
Palco Aberto, Circo no Beco, Renegados, Noite de Gala, oficinas, competições e
exposição fotográfica (“O Beco” do fotógrafo Mário Moreno, que registrou durante II Festival de Circo e Espetáculos de Rua,
um ano o ENPAUMA e o CnB). Além disso, contou com bandas, DJs, confraterniza- 2006. Dudu do Circo e Douglas Diou

ções, encontros, reencontros, muito divertimento e, principalmente, a valorização


do artista de rua.
Para a realização do V Festival de Circo e Espetáculos de Rua, o coletivo
decidiu inscrever o projeto em editais que pudessem auxiliar no financiamento do
evento. Os organizadores uniram-se ao grupo Namakaca e juntos escreveram um
projeto que fora enviado para dois editais, mas, infelizmente, não foi contemplado.
No entanto, a V edição ocorreu como de costume, e os grupos que se
apresentaram mais uma vez contaram apenas com as contribuições espontâneas
depositadas no chapéu.
As edições do CnB e do ENPAUMA continuaram acontecendo, e o Festival
ocorreu novamente em 2011, porém em um novo formato. Dessa vez, foi realizado
Panfleto CnB 35
simultaneamente com o ENPAUMA, no qual durante um certo período, além dos
tradicionais treinos de malabarismo, haviam espetáculos pré-agendados, que
atraíram grande público.
Desde essa edição, foram realizados outros pequenos festivais e diversos
espetáculos que ocuparam o picadeiro a céu aberto do Beco e da praça,
principalmente nas segundas-feiras. É muito comum, grupos que não residem
em São Paulo, ao passarem pela cidade, procurarem o Beco para realizar uma
apresentação naquele espaço. De fato, é um público muito especial que com-
parece para assistir e uma praça que já tornou-se símbolo dos artistas de rua
do mundo todo. Além disso, os artistas que residem na cidade, sempre que
têm oportunidade, apresentam-se lá ou então comparecem para assistir, treinar 8 anos de CnB, 2011
76 

e reencontrar os amigos. Em todo espetáculo realizado no Beco, é passado o


chapéu ao final, como fomento à arte de rua e maneira de valorizar e contribuir
com o trabalho do artista.
É pertinente lembrar que a equipe de organização do CnB não é fixa, sem-
pre foi recebendo novos integrantes, assim como alguns também foram saindo,
pois passaram a dar prioridade a outros trabalhos. A organização ocorre de ma-
neira horizontal, onde todos podem opinar nas reuniões, e, dessa forma, apesar
de aspirações distintas que surgem, os Festivais sempre atraíram interessados
I Festival de Circo e Espetáculos
que estavam dispostos a ajudar e a conhecer mais sobre a arte de rua. Todas as
de Rua, 2005
edições geraram grande satisfação tanto das famílias que ali frequentaram, como
dos artistas e produtores que dedicaram seu tempo e criatividade para enriquecer
ainda mais essa experiência.
Atualmente, o CnB ainda recebe espetáculos, que são pré-agendados com a
organização, divulgados e ocorrem normalmente às segundas-feiras.

II Festival de Circo e Espetáculos


de Rua, 2006

IV Festival de Circo e Espetáculos V Festival de Circo e Espetáculos


de Rua, 2008 de Rua, 2009
77

Sobre as fábricas de malabarismo


Quando surgiram no Brasil, as fábricas de malabarismo também foram importan-
tíssimas para o fomento da arte, pois facilitaram o acesso ao material circense.
Antes, era necessário fabricar o próprio malabares ou então comprá-lo no exterior.
Karen Moraes, proprietária da DYM Malabares, nos conta um pouco como
surgiu essa ideia, até fundarem a fábrica:
“Eu e Paulo Ygar (…) tivemos acesso à primeira bolinha de malabaris-
mo, (…) fomos para o Circo-Escola Picadeiro. Não conhecíamos nada. Lá foi
que o Paulo percebeu que não havia o material, pois só haviam as claves
que eram importadas ou dos tradicionais1. E aí ele começou a construir e
III Festival de Circo e Espetáculos de
fazer, pesquisando para ele mesmo. Esse processo durou anos. (...) Essa
Rua, 2007
pesquisa começou em 1998”.
Alexandre Hryhorczuk, proprietário da loja “Sr. Palhaço”, apresenta as carac-
terísticas das lojas de materiais circenses:
“O circo sempre teve como característica marcante a itinerância (...).
Quando viajamos e levamos a loja para cidades e localidades distantes ve-
mos o quanto é divertido e importante nosso trabalho (...) mostrar ao públi-
co em geral o que é cada um desses equipamentos é muito importante sim
para fomentar ainda mais a arte circense (...)”.
Paula Toleto, proprietária da JrMalabaris, explica sobre o fomento dos ma-
terias circenses: Paulo Caverna, 2007

“Acredito que isso (as fábricas) pode levar a um maior interesse pelo
circo por parte dos praticantes, mas, considerando que os circos em si não
são grandes consumidores de malabares, não acredito que se possa afirmar
que isso fomenta a atividade circense se pensarmos atividade circense como
circo tradicional, mas se pensarmos como atividades circenses as ONG’s, os
Projetos Sociais e as Escolas de Circo aí sim posso afirmar que as fábricas de
malabares representam um papel importante no fomento dessa atividade”.

Irmãos Becker, 2007

1 Dos malabaristas de famílias tradicionais circenses, que fabricavam o próprio equipamento.


78 

Por trás das O que você entende sobre


circo?

cortinas... “Ohhh lá lá... Nesse momento acho


que seria até mais fácil descrever o
que eu entendo sobre física quântica.”
Um local que pode parecer uma praça qualquer, um lugar que para
Tássio Folli
muitos artistas é de muito respeito, um palco sagrado.
Quem ali se apresenta, iluminado pelas ribaltas e pelo varal de “Para mim o circo tem o encantamento
luz, tem muito a compartilhar conosco. Conheça um pouco do que das luzes, do brilho, pensando em ca-
pensam sobre isto alguns dos vários artistas que já passaram por sas fechadas, e a superação dos limi-
tes, que é a principal característica do
trás e pela frente dessas cortinas. Eles têm muitas histórias para
artista de rua.”
contar!
Renato César Paio

“É minha vida, minha forma de expres-


são, paixão, arte, trabalho. Além do
enorme respeito que sinto pelo tradi-
cional, pelas famílias, pelos animais
que são bem tratados.”
Tum Aguiar

“O desafio das possibilidades huma-


nas.”
Mi Chan Tchung

“O espetáculo mais antigo e mais mo-


derno de todos os tempos.”
Victor Avalos Tomate
Rhena de Faria, 2003
“A valorização do diferente, todo mun-
do é bem-vindo e ‘cabe’ no circo.
Circo é vida, é família.”
Chino Mario
79

“A palavra circo vem de círculo, redon- “Artista de rua é esse que vive do di- De quais espetáculos do
do que nem o mundo.” nheiro dos chapéus, que consegue CnB você participou?
Maria Druck transformar qualquer espaço público
em um palco, em um teatro improvisa- “Apresentei por diversos anos o Circo
“O circo sempre está ligado ao risco, à do. Os pedestres viram público. A cal- do Beco. Sempre foram espetáculos
virtuose, mesmo que essa virtuose seja çada, plateia. A rua é a pista de circo bacanas do ponto de vista artístico.
o ato de conquistar o público e não so- mais alta do mundo.” Um espetáculo que me lembro em es-
mente a habilidade física.” pecial foi num dia em que acabou a luz
Jesus Forniés
Anderson Spada e continuamos a apresentar no escuro
“Um estilo de vida.” mesmo. Para o público foi uma experi-
“O maior espetáculo da Terra, mesmo ência única e para nós também.”
Marcelo Lujan
quando é circo de pulgas.”
Marcio Ballas
Marcilio Moura “É a cova dos leões.”
Cesar Lopes “Eu participei desde o início e fiquei todo
“Circo é uma expressão cultural e artís- o primeiro ano. Participei dos primeiros
tica do corpo que contempla três ele- “A rua é generosa e verdadeira. (...) seis meses como organizadora/produto-
mentos básicos: a virtuose, o risco e a Apenas 5% da população das gran- ra (...). Como artista tive que desenvolver
originalidade.” des capitais frequentam os teatros, o meu clown, né?! Porque eu sou artista
Cesar Lopes artista de rua atende a todos os 100%. aérea, e a trave só veio depois de seis
Pensando nas localidades que não se meses de Circo no Beco. E isso foi muito
O que você entende por encontram nas regiões metropolitanas bom porque o desenvolvimento pesso-
ainda é mais importante. Cria público, al foi enorme. Também nos virávamos
arte de rua?
educa o consumo artístico e cultural, como podíamos. Lembro que costurei a
“Arte livre e democrática. A rua não vê ca- apresenta a vanguarda dos fatos e su- cortina do circo (que talvez deve existir
racterísticas sociais, (...) é acessível para gestões.” até hoje), com a Maria. Fazíamos bolo
todos os tipos de público. As contribui- Ben-Hur Pereira e vendíamos, sempre precisávamos de
ções voluntárias colocadas nos chapéus dinheiro pra uma ribalta (risos). Muito
são dadas de coração, por amor verda- “É aquele que pede licença pra en- bom, o início foi excelente. Lembro de to-
deiro à arte e ao trabalho do artista.” trar e agradece na hora de ir embora. das as ideias que tínhamos, nossos por-
Não faz concessão, se faz necessária quês, nossos sonhos... Eu mantinha um
Lucas Gardezani Abduch
ao momento em que se materializa. diário meu que ia escrevendo a evolu-
“Como artista a rua, é o palco mais im- O tempo de uma função é suficiente ção do Circo no Beco e escrevia todas as
portante nas nossas vidas, te faz traba- para que ela transforme e seja trans- minhas ideias, sobretudo números, ceno-
lhar muito o seu ego.” formada.” grafia, figurino, tempo, coordenação etc.”
Marian del Castillo Hernandez Alexandre Roit Marian del Castillo Hernandez
80 

“Participei de dois espetáculos no Circo “O CnB foi o meu berço. Fui parido em
no Beco, um deles foi o de nono aniver- um Beco dos namorados e educado du-
sário, foi a primeira vez que apresentei rante o encontro semanal de malaba-
lá. Foi a maior fonte de energia que já res. (...) Mudou completamente o rumo
recebi na minha vida.” que minha vida estava tomando, e ago-
Rogério Piva ra, após nove anos da primeira vez que
eu passei a cerca verde, eu continuo es-
tudando muito do que aprendi lá. Tenho
Qual a importância certeza que a iniciativa do encontro se-
André e Duba, “Irmãos Becker”, 2003
do Circo no Beco e do manal, e também da Revista Palco Aber-
Encontro Paulista de to, fizeram uma forte influência para que
Malabarismo para você outras cidades criassem também seus
e para o fomento da arte próprios encontros regionais.”

circense e de rua? Tassio Folli

“O Circo no Beco é uma ótima oportu- “As pessoas que faziam o Beco me in-
nidade de desenvolvimento autoge- fluenciaram. Comecei trabalhando no
renciado do movimento das artes da farol. (...) O Circo No Beco é o evento
mais famoso de circo e arte de rua,
rua e do circo. Um espaço alternativo
Grupo Parisada, 2009 muitas pessoas de todo mundo conhe-
em uma cidade em que o imperativo é
cem ou já se apresentaram no Beco.”
o mercado e o lucro. No meio da cida-
de de São Paulo, encontrar um espaço Duba Becker
gratuito que incentive a cultura e arte “Eu viajei os 27 estados do país! (...) O
é de extrema importância.” Beco no Brasil é a grande referência! (...)
Rodrigo Mallet Duprat O Circo no Beco influenciou muita gente
a montar Encontro, tipo, eu faço parte do
“Viajo muito e sempre que encontro
Encontro de Malabares lá de Natal; os
pessoas afins com o circo elas conhe-
meninos vieram aqui no Beco e ficaram
cem o Circo no Beco. (…) Entendo o
doidos! Tem essa referência do espaço
Beco com uma ‘Descola’: uma escola
mais antigo, né?! Muito massa!”
descolada, um tempo e um espaço
Emerson de Souza Rodrigues
para aprender/ensinar, compartilhar,
Raphael Cardoso, “Multiartista”, 2013 se inspirar, se divertir.” “Claro, numa cidade como São Paulo,
Mi Chan Tung em que a arte de rua ainda está enga-
81

tinhando, o Circo no Beco participou, “Sem dúvidas. Ao colocar pessoas incrí- “Totalmente. É um espaço democrático
talvez, do surgimento dela.” veis juntas, coisas incríveis acontecem.” que abre as portas para os mais consa-
Otavio Fantinato Lucas Gardezani Abduch grados artistas como para os mais ini-
ciantes e experimentais. (...) É uma ‘Des-
“O Beco é um espaço sagrado, porque cola’. (...) Arte é prática, e o Beco abre
Você acha que o Circo no as pessoas que lá vão para encontrar um espaço incrível de prática, constante
Beco influencia na criação as expressões artísticas conseguem e inspirador. É um ambiente que pro-
e no surgimento de novos desenvolver novos projetos e conhecer porciona muita sociabilização, e assim é
artistas? De que forma? parceiros, o que reforça o caráter cata- fácil encontrar um parceiro, trocar ideias,
lisador do espaço, além do acolhimento treinar e ensaiar juntos, e ainda se apre-
“Voilá! Eu sou uma criação CnB! Vejo das pessoas no local: um espírito do sentar para um público super aberto e
como funcionou comigo no passo a local, um espírito de justeza e honesti- de quebra faturar uns mangos.”
passo: dade como vi em poucos lugares! Um Mi Chan Tchung
1. Mostrar que existe: lugar de gente ‘olho no olho’!”
“O Circo no Beco é a melhor escola de
Fazer apresentações abertas ao pú- Theresia-Louise
malabares do Brasil e acredito que
blico com a acessibilidade para todos, “Eu acho que a nossa primeira propos- uma das melhores do mundo.”
passando o chapéu. Nessas, após os ta de fazer um cabaré mensal, o Circo no Rogério Piva
espetáculos temos a oportunidade Beco, em si, era pra motivar artistas emer-
de conversar com os artistas, ven- “O Circo no Beco está muito aberto
gentes, para ter um palco onde pudes-
do que é um meio de vida possível. para todos. (...) Existem oficinas e as
sem estrear... E uma das ideias era tam-
2. Incentivar: pessoas estão abertas para ajudar aos
bém de ser a referência para os artistas
Convidar a participar do encontro se- outros e, acima de tudo, organiza espe-
de rua latino-americanos. Eu acho que
manal, para aprender, ensinar e com- táculos de todos os níveis!”
conseguimos, é um ponto de referência,
partilhar de maneira livre e espontânea. queríamos criar um lugar onde TODO
Hans Vanwynsberghe
3. Dar o espaço para começar a vida MUNDO PUDESSE SE APRESENTAR.”
profissional:
Marian del Castillo Hernandez
Com convites para começar a ingres-
sar em uma cena com o Palco Aberto, “A arte chama a arte, então, se surge
e abrindo a porta do mundo profissio- um lugar onde tem espetáculos e se
nal tendo a oportunidade de partici- reúnem periodicamente artistas, o na-
par como artista convidado para uma tural é que ao seu redor vá se articulan-
noite de espetáculo Circo no Beco. do uma rede de artistas (...) onde todos
(passei por todas etapas!!).” influenciam e são influenciados.”
Tássio Folli Carlos Rodrigo Pereyra
82 

Quais foram seus “A amizade que fizemos e a simplicida-


principais aprendizados de com que tantos artistas e malabaris-
tas se dedicam aos menos experientes.
no Circo no Beco e no
Acabamos, em meio ao século XXI,
Encontro Paulista de criando uma família, uma família cir-
Malabarismo? cense diferenciada, sem laços de san-
“Compartilhar de forma livre o conhe- gue, mas com laços de amizade, cari-
cimento para que cada um encontre nho e respeito.”
sua própria forma de usá-lo.” Rodrigo Mallet Duprat
Tassio Folli “O Circo no Beco é sempre uma surpre-
“Além de novos truques de malabaris- sa e um local cheio de generosidade e
mo, aprendi sobre produção de espe- de riqueza humana.”
Paulo Ygar, 2011
táculos e eventos, formação de público, Tropa Trupe
elaboração de projetos culturais para
“O grande ensinamento que me foi
leis de incentivo e tudo isso de manei-
passado não foi um ensinamento, mas
ra muito informal, oral e espontânea.”
sim uma forma de entender o fazer ar-
Lumineiro tístico: ‘Faça voce mesmo!’.”
“A mais importante acredito que é a Paulo Ygar
construção de uma comunidade/famí-
“Busco ensinar mais os valores de com-
lia, com todas as pessoas unidas por
partilhar, de harmonia, de igualdade e
um mesmo ideal.”
depois dou uns toques no malabares.”
Lucas Gardezani Abduch Rogério Piva
“(...) A comunidade que se criou brilha
“O trabalho em grupo, a autogestão, o
pela troca de conhecimentos. Hoje, já
amor pela arte e pelo fazer coletivo.”
estamos em outra fase, mas quando
Carimbó
era adolescente e o movimento era ini-
ciático, pude sentir a honestidade, hu- “O trabalho em equipe. A persistência
mildade, paixão, dedicação, disciplina em torno de um objetivo comum. A ca-
e ausência de preguiça nessa classe pacidade de atuar em rede. A gestão
beco-circense!” compartilhada.”
Theresia-Louise Alessandro Azevedo
83

“Todos são aprendizes e professores.” com o mesmo tanto de tempo para trando a necessidade do mesmo e o
Danielle de Siqueira Vasconcelos se dedicar. A cidade já não é a mes- compromisso das pessoas que, em
ma, porém o Circo no Beco continua, um ou outro momento, se viram re-
“Determinação e coordenação foram e não vai parar nunca!!! Todas as se- lacionadas de uma ou outra maneira
as coisas que mais aprendi...” gundas tem gente, gente nova e gen- ao projeto.”
Juliana Gusmão te velha, a fim de se encontrar, prati- Carlos Rodrigo Pereyra
car, conversar e trocar. O espírito é o
“Antes tinha o cheiro da novidade, mui-
Como você vê o Circo no mesmo, guardadas as proporções.”
to entusiasmo, querer fazer, descobrir,
Beco no passado, e como Theresia-Louise
criar, estar, participar. Hoje é algo ins-
você o vê hoje?
 talado, sólido, que já faz parte da ci-
“No passado o Circo no Beco era uma
“Um ciclo de pessoas. O Circo no Beco coisa quase familiar, durante os pri- dade. Quinta-feira tem feira na minha
sempre tem a cara de quem o produz e meiros meses nos parecia estranho rua e segunda tem Beco na praça. Já
das pessoas frequentadoras e, de tem- quando vinham pessoas que não é quase um ‘bem público’. O espírito
po em tempo, estas pessoas mudam.” conhecíamos muito, o que não era se manteve. As famosas reuniões da
Douglas Marinho do Amaral ruim, porque era o que buscávamos e quarta à noite não... Os panfletinhos
a sobrevivência do projeto dependia divertidos estão, a galera se renova
“Vejo o Beco no passado como um um pouco disso. O que não éramos mas a velha guarda visita, as luzes não
local mais cheio de engajamento conscientes é de que podiam se inte- são tão mambembes como antes...
por parte de muitos jovens talento- ressar pelo projeto, pessoas de fora Hoje dá vontade de crescer mais, de
sos, que tendo aquele local como do nosso círculo de relações circen- movimentar algo de grana. Pero sin
compromisso semanal, presencial e ses. Nesse sentido, é muito caminho perder la ternura jamás.”
sagrado, construíram um espaço ca- andado, o Beco conseguiu abrir um Mi Chan Tchung
talisador de pessoas do mundo todo espaço no cenário circense de São
interessadas em música, graffiti e “No passado: um pontapé inicial como
Paulo, e se converteu numa referên-
principalmente MALABARES. Hoje espaço de troca artística. No presente:
cia em relação à arte de rua; iniciou
vejo um movimento cuja safra da como um espaço de referência e com
numerosos artistas no mundo circen-
geração passada se dedica às suas muito mais possibilidades artísticas.”
se e ajudou o Projeto Aprendiz a rea-
carreiras e não vê mais naquele es- bilitar este espaço da Vila Madalena Pedro Muccioloco
paço um compromisso inadiável, e gerando atividades para a vizinhan-
sim um espaço de origem, deixando, ça; em todo este processo, os inte-
assim, o espaço aberto e livre para grantes do projeto, os colaboradores,
as gerações mais novas ocuparem. os artistas, foram mudando mais o
No entanto, as gerações mais novas projeto, porém continuou (com seu
não têm o mesmo volume de gente altos e baixos) crescendo, demos-
84 

Você já viveu somente E o chapéu muitas vezes atua como


do dinheiro que ganhava um repelente de público. Você tira o
chapéu, todos fogem. O que o povo
com o chapéu nas
precisa aprender a diferenciar é artista
apresentações de rua? de rua de oportunista que vai lá pedir
Você acha possível viver só dinheiro usando da arte. Vivemos essa
dele ainda hoje?
 vida, nos dedicamos horas e horas por
dia para isso e o povo não percebe e
“É possível viver somente do dinheiro do
não valoriza.”
chapéu, conheço muitas pessoas que
vivem. Já vivi por muito tempo só de es- Samer Ali Zahra Iak
Lumineiro, 2011 petáculos de rua e isso me abriu portas “A rua te dá muitas alegrias e contatos
para me apresentar em festivais e even- e paga as contas também... Tem que
tos em outros estados que atualmente ter disposição e desapegar, fazer por
são a minha maior fonte de renda.” amor para não ser chato, assim como
Douglas Marinho do Amaral todo trabalho (...) não tem horário,
nem patrão, então é preciso ter disci-
“Eu acho que é possível, mas você tem
plina e ser o seu próprio patrão.”
que saber que não vai ficar rico, Atu-
almente eu trabalho quase exclusiva- Guilherme Folco
mente na rua.”
“No início do meu trabalho o chapéu era
Carlos Rodrigo Pereyra o meio mantenedor das minhas despe-
sas. Todos os dias, umas cinco rodas por
“Sim! Mais de nove anos... Acho possí-
dia. Atualmente, não conseguiria. Não
vel, mas é difícil no Brasil... Em outros
temos uma tradição forte. Muita proibi-
países é possível e fácil.”
ção para o uso do espaço público.”
Chino Mario
Alessandro Azevedo
“Eu já vivi só do chapéu sim, e acho
totalmente viável, porém a cultura do Qual a importância do
chapéu no Brasil é muito malvista. Já
chapéu na sua vida hoje?
está mudando, mas vejo que para a
sociedade, a princípio, você é um va- “Fomento. Hoje no Brasil já existe al-
gabundo, depois um pedinte e, por gum reconhecimento da contribuição
último, talvez um cara que faz algo no chapéu ser a resposta do que você
legal. É assim que a maioria nos vê. está assistindo e não uma esmola ou
85

algo similar. Mas ainda é uma peque- mesmo não fazendo mais tanta parte a paixão não é suficiente). Como dis-
na parcela da população que vê o cha- do meu cotidiano profissional, quando se um amigo profissional do circo há
péu desta forma, por isso eu e vários tenho oportunidade resgato o ‘artista muitos anos: ‘Não são todos os dias
outros artistas de rua, mesmo com o de rua’ e vou demonstrar a minha arte, que eu quero dar um mortal às nove
espetáculo sendo contratado e sendo em troca do reconhecimento pago no da manhã’.”
pago cachê, fazemos o discurso do meu chapéu.” Tassio Folli
chapéu e o passamos para a conscien- André Russo Becker
tização e fomento.” “Dê o seu melhor e coisas fantásticas
Douglas Marinho do Amaral “O chapéu foi minha única fonte de acontecerão!”
renda durante muitos anos, me ajudou
“O prazer de ter um ofício, de saber que Lucas Gardezani Abduch
a terminar meus estudos e me ensinou
onde e como eu estiver eu posso me a trabalhar na rua e a desenvolver a “Não desistam. É trabalho duro, árduo
virar e me divertir com isso. Autonomia linguagem que hoje em dia trabalho.” mas altamente recompensador.”
é a palavra mesmo.”
Daniel Ernesto Poittevin Pijuan Alexandre Jungermann
Mi Chan Tchung
“Liberdade.” “Que para tudo existe o lugar e o pú-
“Acho que o chapéu é o coração de
Paulo Gustavo Moraes blico adequado. Se não dá certo, não
cada pessoa depositado ali, o retorno
do sentimento que entregamos. É o si- insista no erro, que é muito frustrante e
nal do respeito e da liberdade, de doar Você teria algo a dizer desgastante. É realmente preciso mui-
ou não doar, no chapéu cabe dinheiro, para as pessoas que estão ta força de vontade para dar as caras
na rua, começar a se apresentar assim,
porém, cabem sorrisos, olhares, lágri- começando hoje com as
mas, sentimentos, cabem vidas.” do nada, sem ninguém esperando por
artes de rua, ou as artes
Rogério Piva isso (o oposto de um teatro onde o pú-
circenses?
 blico está ali sentadinho te esperando,
“Hoje torço para que ele crie força, e já até pagaram inclusive). Então, se
“Converse muito com artistas profis-
enquanto tradição e meio de sobre-
sionais ou que estão em começo de o número não estiver resultando, pri-
vivência. Mas para mim é uma forma
carreira, para saber realmente como meiro prove mudar de lugar e esteja
de acessibilidade, é democrático e não
funciona. Soa muito bonito dizer que aberto aos acasos, que te guiarão às
impeditivo, não capitalista.”
se vive de arte, que sua profissão é dis- condições propícias.”
Alessandro Azevedo
seminar a alegria e que fugindo com o Mi Chan Tchung
“O chapéu ajudou na minha formação circo encontramos a liberdade. Porém
como artista. Com ele comprei minhas não é nada fácil, e é quesito necessário “Que abandonem! Que continuem so-
primeiras claves, paguei meus pri- estar apaixonado pelo trabalho para mente se não podem evitar.”
meiros anos de profissão. Ainda hoje, realizá-lo (e, mesmo assim, às vezes Victor Avalos Tomate
86 

“Sim, para acreditarem, correrem mui- Você ainda faz rua? Como
to atrás do sonho, nunca deixarem de é fazer rua no Brasil
pesquisar e estudar, ficar com o mes- atualmente?
mo número de celular para sempre,
fazer contatos, ter cartão e site, atender “Existem muitas maneiras de fazer rua.
bem seus clientes, quanto estiver ca- Tem a rua diariamente como ganha-
pacitado, dar aulas, abrir várias frentes -pão. O farol, que também pode funcio-
de trabalho para não ficar numa fonte nar da mesma maneira. Existe a tem-
de renda só, fazer eventos, festas infan- porada de verão; e existem os festivais
tis, festas familiares, ir nas convenções de rua. (...) Em festivais normalmente
Trupe 1 kg e meio, 2011 de circo, ser frequentador do Encontro o público é caloroso e tem sede de ver
de Malabarismo, participar de cabarés os espetáculos, participar e contribuir,
sem ganhar e, se tiver oportunidade, o que resulta em bons chapéus.”
do Palco Aberto ou mesmo dos espe- Fernando Nicolini
táculos do Circo no Beco...”
“Legal. Eu sempre vou gostar de fazer
Du Circo
rua, pois é o que eu gosto de fazer. Se
“O que eu digo para meus alunos acho você gosta do que faz, a consequência
que se estende à arte em geral: vejam, sempre é boa, você vai fazer um traba-
vejam, vejam muito. Assistam a tudo lho bonito...”
Palhaço Tomate, 2012 quanto é tipo de manifestação artística. Jorge Ribeiro
Sejam curiosos. O artista nasce da curio-
sidade. Artista sem curiosidade é artista
Tem algo a mais que você
morto. ‘Colem’ em quem sabe mais e
aprendam com a observação. (Digo isto
gostaria de dizer?
sem nenhuma soberba, pois seguirei fa- “O Circo no Beco e o Encontro Paulista
zendo isto até o final dos meus dias).” de Malabares representam educação,
Rhena de Faria encontro, cultura urbana, coletivo, co-
munidade e memória afetiva do bairro
“Que acreditem nas suas ideias por
da Vila Madalena e de São Paulo, reco-
mais loucas que pareçam!”
nhecido e imitado pelo Brasil e fora.“
Nadia Funes
Julieta Zarza
Nadia Funes, 2013
“Quero contar que vi coisas incríveis no
Beco, espetáculos, números, artistas,
87

graffiti e histórias de vida. A arte transfor- “Vida longa a tudo que é de bom com- “Agradecer a energia dos que acre-
ma e o Beco transformou muita gente!” partilhado pela sociedade.” ditaram e acreditam até hoje nessa
Thiago Cintra Marcio Douglas iniciativa do Beco, que traz artistas do
mundo inteiro para que se surpreen-
“Parabéns a todos que estão e que es- “Uma das minhas lembranças mais dam, como uma referência mundial do
tiveram neste projeto, fazendo a roda fortes do Circo no Beco foi de quando circo de rua.”
girar. Projeto lindo que colore um pou- eu fui Mestre de Cerimônias. Lembro-
Raphael dos Santos Cardoso
co mais nossa cidade.” -me que o chapéu estava muito fraco,
Camila Danieletto havíamos arrecadado muito pouco.
Então, lá pela penúltima passada de
“Sou fã do Circo do Beco desde o prin- chapéu, eu decidi leiloar uma das mi-
cípio! Vida longa!!!” nhas joias, que nada mais era do que
Marcio Ballas uma bijuteria bem sem-vergonha, um
colar, uma pulseira, não me lembro.
“O Beco é das coisas mais revolucioná-
‘Uma legítima 25 de março’, eu disse.
rias que conheço.”
Aí eu sugeri o lance mínimo de 50 cen-
Mi Chan Tchung tavos e as pessoas começaram a dar
“Agradecer a todos que já passaram lances mais altos, até que alguém ar-
pelo Circo no Beco, que ajudaram a rematou a tal ‘joia’ e o dinheiro foi pro
segurar esse projeto por tantos anos chapéu. Foi muito legal.” Douglas Diou, CnB 24, 2004
e parabenizar a vocês pela conquista Rhena de Faria
desse prêmio para deixar registrado
“Fico muito feliz pelo esforço coletivo que
num livro esses dez anos de Circo no
vocês estão realizando para juntar todos
Beco.”
estes depoimentos. É muito legal ter par-
Du Circo ticipado da construção desse processo e
“Parabéns! O movimento é admirável, saber que o coletivo, os espetáculos e
tem força e é referência! Talvez não seja encontros continuam acontecendo hoje,
possível ter ideia de como isso tenha tantos anos depois. O Circo no Beco é
mudado a vida de algumas pessoas.” maior do que o conjunto dos seus parti-
cipantes, que era a ideia. Viva o Circo no
Gabriela Winter
Beco! Viva a arte de rua! Viva o espaço
Otavio Fantinato, 2010
“Parabéns à equipe que sempre man- público cheio de alegria, de arte, cultura
teve a chama das artes de rua acesa.” e pessoas que riem e sorriem.”
André Arruda de Carvalho Leda Lorenzo Montero
88 

Memórias
reveladas
Alguns cliques reunidos, mostrando a
pluralidade de técnicas e artistas que já
pisaram nesse palco tão especial.
De boas lembranças vivem as
memórias reveladas.

Gonzalo Caraballo, 2009

Ronaldo Aguiar, 2010 Rhena de Faria, 2003


89

Du Circo e César Lopes,


“Renegados”, 2007

Namakaca, 2007

Guilherme Multisambafônico, 2010

Reunião da organização do CnB, 2004


90 

“Macho Menos”
(Los Circo Los e
The Pambazos Bros), 2005

PC, CnB 4, 2003

Guga Morales, 2011

Caterina Castro, 2005


91

Paulo Caverna, Du Circo e


Cesar Lopes, 2007

Emanuela Helena, CnB 4, 2003


92 

Espetáculo Circo no Beco 9 anos


São Paulo, 18 de março de 2012. mãe, minha irmã, minha amada Ana e muitos ami-
gos. Estava muito empolgado e ansioso.
O Beco é algo que não se pode definir com pa- Eu era o último a me apresentar, estava um pouco
lavras, a energia que é partilhada entre todos que tenso, pois apresentar para aquela turma de gente
frequentam é deslumbrante, valores para se viver em apaixonada por arte é uma realização (...) senti cada
harmonia plena. palma, cada sorriso, cada vibração; a música rolava
Um encontro aonde chegam os apaixonados pela enquanto eu fazia meus aparelhos irem ao ar como
arte, pessoas que estão em busca da simplicidade, em uma harmonia de notas musicais.
da harmonia, da amizade, da fraternidade (...) a arte A adrenalina estava muito forte, em determinada
reina e a arte nos livra de tudo o que nos aprisiona parte, quando realizei uma evolução e cumprimen-
(...) nos faz entender o significado da vida. tei o público, sorrindo e dançando, a apresentadora
Onde ninguém é melhor, onde todos são um; uni- palhaça pulou em mim, como se me abraçasse com
fica-se aquele lugar para um universo de sabedoria, as pernas e eu caí no chão com ela, ela dançava por
de pessoas loucas, que não desejam ser normais, cima de mim e em seguida me deu beijo na boca.
pois na verdade loucos são os que são normais. A galera aplaudia e gritava, eu levantei e segui
Normal a uma sociedade capitalista é seguir a moda, dançando e aproveitando o calor do público (...) fan-
é se importar com a aparência (...). Ser normal é ser tástico, muitos se levantaram para aplaudir, foi uma
mais um no meio da multidão, mais um que deixará energia inexplicável, um dia fabuloso.
a vida passar sem lutar por nada (...). Meu pai e minha mãe estavam juntos assistindo
No Beco eu encontro pessoas assim (...) loucos (...) creio que orgulhosos de tudo. Naquele lugar de
aos olhos de outros loucos, mas normais aos olhos tanta simplicidade, puderam presenciar a quantida-
daqueles que enxergam a essência. O Beco é isso e de de amor que reina entre todos, acho que devem
muito mais. ter pensado que estou no caminho certo.
Era o aniversário de 9 anos, e eu fui convidado a
apresentar, foi fantástico. Ali estavam meu pai, minha Rogério Piva
93

Suas memórias
Registre aqui suas lembranças do Circo no Beco.
Você também pode compartilhar conosco: [email protected].
94 

Referências

Livros SILVA, Ermínia; ABREU, Luíz Alberto de. Respeitável público... O


circo em cena. Rio de Janeiro: FUNARTE, 2009.
CASTRO, Alice Viveiros de. Meninos eu vi. Disponível em:
<http://acrobatasmentais.blogspot.com.br/2010/04/ SILVA, Ermínia. A linha do tempo das artes circenses.
meninos-eu-vi.html>. Acesso em 3 de junho de 2013. Disponível em: <http://www.circonteudo.com.br/index.
php?option=com_content&view=article&id=1910%3Aa-
GASPAR, Lúcia. Ciganos no Brasil. Disponível em: <
linha-do-tempo-da-artes-circenses&Itemid=424>. Acesso
http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.
em 19 de março de 2013.
php?option=com_content&view=article&id=914:cigan
os-no-brasil&catid=38:letra-c&Itemid=1>. Acesso em 25 de TORRES, Antônio. O Circo no Brasil. Rio de Janeiro: Funarte,
março de 2013. 1998.

MILITELLO, Dirce Tangará. Picadeiro. São Paulo: Guarida, 1978. Filmes


NEPOMUCENO, Luiz. Vai, vai vai começar a brincadeira: Em meios MR. Abrakadabra!. Direção: José Araripe Junior. Produção: Moisés
a uma gargalhada tradicional, algumas notas histórias Augusto. Bahia, 1996. Ficção, 13’. Colorido. Formato: 35mm.
do desenvolvimento do circo no Brasil (notas prévias de Disponível em: <http://portacurtas.org.br/filme/?name=mr_
pesquisa). Disponível em: <www.cchla.ufrn.br/interlegere/05/ abrakadabra> . Acesso em 29 de março de 2013.
pdf/pe04.pdf>. Acesso em 3 de março de 2013.
O Circo. Direção: Arnaldo Jabor. Rio de Janeiro, 1967.
RUIZ, Roberto. Hoje tem espetáculo? As origens do circo no Documentário. Disponível na midiateca do Itaú Cultural,
Brasil. Rio de Janeiro: Inacen, 1987. São Paulo-SP. Consultado em 27 de março de 2013.

Agradecimentos
Muitos contribuíram para que essa pesquisa pudesse ser fotografados, aos que buscaram em seus “baús” as lembranças
realizada e publicada. que hoje poderão se encontrar expressas aqui neste livro.
Em primeiro lugar, gostaríamos de agradecer a FUNARTE, que, Aos que contribuíram com o que tem de melhor, aos artistas
através do Prêmio Petrobrás Carequinha de Estímulo ao Circo, de circo de lona, de rua, ou do teatro; que sigam assim
possibilitou a produção de todas as etapas desta pesquisa. proliferando sua arte e exercendo sua função e ofício.
Este é um verdadeiro reconhecimento para anos de trabalho Ao Beco por resistir enquanto espaço público, e às pessoas
realizados no CnB. que nesse lugar seguem resistindo com ele, criando e
Agradecemos também a todos os entrevistados e integrantes transformando-o a cada dia, e que assim se possa chegar a
desse gigante coletivo que é o CnB, aos fotógrafos, aos mil anos, para que muitas histórias sejam contadas...
95

Créditos das fotos


Capa, (acima), © Clarissa Monteiro / © Clarissa Monteiro / © Circo no Beco / © © Paulo Andringa / Pág. 49 (abaixo a direita), © Paulo Andringa / Pág. 50 (acima),
Emanuela Helena, (abaixo), © Renan Miguel / © Clarissa Monteiro / © Clarissa © Emanuela Helena / Pág. 50 (abaixo), © Lilian Higa / Pág. 51 (a esquerda), © Tum
Monteiro / © Lilian Higa / 4a Capa, (acima), © Emanuela Helena / © Paulo Andringa Aguiar / Pág. 51 (a direita), © Emanuela Helena / Pág. 52, © Tum Aguiar. / Pág. 52, ©
/ © Peterson Galvão / © Clarissa Monteiro, (abaixo), © Marian Del Castillo / Marian Del Castillo / Pág. 53 (a esquerda), © Camila Danielleto / Pág. 53 (a direita),
© Emanuela Helena / © Circo no Beco / © Clarissa Monteiro / Pág. 1 © Clarissa © Emanuela Helena / Pág. 54, © Paulo Andringa / Pág. 55 (todas), © Paulo Andringa
Monteiro / Pág. 2 © Renan Miguel / Pág. 5 © Clarissa Monteiro / Pág. 6 (acima a / Pág. 56 (a esquerda), © Rodrigo Buchiniani / Pág. 56 (a direita), © Paulo Andringa
esquerda), © Clarissa Monteiro / Pág. 6 (acima a direita), © Clarissa Monteiro / Pág. / Pág. 57 (acima), © Paulo Andringa / Pág. 57 (abaixo), © Emanuela Helena / Pág.
6 (abaixo a direita), © Bruna Serena / Pág. 6 (acima a esquerda), © Clarissa Monteiro 58 (a esquerda), © Marian Del Castillo / Pág 58 (a direita), © Paulo Andringa / Pág.
/ Pág. 10, © Rubens Kignel / Pág. 11 (acima), © Paulo Andringa / Pág. 11 (abaixo a 59, © Emanuela Helena / Pág. 60, © Renan Miguel / Pág. 61, © Renan Miguel /
esquerda), © Acervo Circo no Beco / Pág. 11 (abaixo a direita), © Peterson Galvão / Pág. 62, © Paulo Andringa / Pág. 63, © Bruna Serena / Pág. 64 (acima a esquerda),
Pág. 12 (acima a esquerda), © Peterson Galvão / Pág. 12 (acima a direita), © Rodrigo © Emanuela Helena / Pág. 64 (abaixo a esquerda), © Emanuela Helena / Pág. 64
Buchiniani / Pág. 12 (abaixo a direita), © Paulo Andringa / Pág. 12 (abaixo), © Diego (acima a direita), © Peterson Galvão / Pág. 64 (centro a direita), © Renan Miguel /
Fachini / Pág. 14, © Google Images / Pág. 15, © Alice Viveiros de Castro / Pág. 16, Pág. 64 (abaixo direita), © Camila Danieletto / Pág. 66, © Emanuela Helena / Pág.
© Paulo Andringa / Pág. 19, © Peterson Galvão / Pág. 20, © Paulo Andringa / Pág. 67, © Paulo Andringa / Pág. 68, © Paulo Andringa / Pág. 69, © Tum Aguiar / Pág.
23, © Acervo Circo no Beco / Pág. 25, © Paulo Andringa / Pág. 26 (acima), © Paulo 70 (acima), © Tum Aguiar / Pág. 70 (abaixo), © Circo no Beco / Pág. 71 (acima), ©
Andringa / Pág. 26 (abaixo), © Renan Miguel / Pág 27, © Emanuela Helena / Pág. 29, Diego Fachini / Pág 71 (abaixo), © Rodrigo Buchiniani / Pág. 72 (acima), © Bruna
© Renan Miguel / Pág. 30, © Paulo Andringa / Pág. 32, © Paulo Andringa / Pág. 33, Serena / Pág. 72 (centro), © Circo no Beco / Pág. 72 (abaixo), © Peterson Galvão /
© Isabella Costa / Pág. 34 (acima) , © Emanuela Helena / Pág. 34 (abaixo), © Acervo Pág. 73, © Circo no Beco / Pág. 74 (acima), © Rodrigo Buchiniani / Pág. 74 (abaixo),
Circo no Beco / Pág. 35, © Clarissa Monteiro / Pág. 36 (acima), © Peterson Galvão / © Peterson Galvão / Pág. 75, © Rodrigo Buchiniani / Pág. 77 (centro), © Lilian Higa
Pág. 36 (abaixo a esquerda), © Acervo Circo no Beco / Pág. 36 (no centro a direita), / Pág. 77 (abaixo), © Rodrigo Buchiniani / Pág. 78, © Paulo Andringa / Pág. 80
© Paulo Andringa / Pág. 36 (abaixo a direita), © Paulo Andringa / Pág. 38 (acima a (acima), © Paulo Andringa / Pág. 80 (centro), © Lilian Higa / Pág. 80 (abaixo), ©
esquerda), © Paulo Andringa / Pág. 38 (abaixo a esquerda), © Paulo Andringa / Pág. Raphael Cardoso / Pág. 82, © Clarissa Monteiro / Pág. 84, © Clarissa Monteiro /
38 (a direita), © Peterson Galvão / Pág. 39, © Henrique Mendonça / Pág. 41 (acima), Pág. 86 (acima), © Clarissa Monteiro / Pág. 86 (centro), ©Rogério Piva / Pág. 86
© Peterson Galvão / Pág. 41 (abaixo), © Bruna Serena / Pág. 42 (acima a esquerda), (abaixo), © Nadia Funes / Pág. 87 (acima), © Paulo Andringa / Pág. 87 (abaixo), ©
© Paulo Andringa / Pág. 42 (abaixo a esquerda), © Paulo Andringa / Pág. 42 (a Peterson Galvão / Pág. 88 (esquerda), © Peterson Galvão / Pág. 88 (direita acima),
direita), © Camila Danieletto / Pág. 43 (a esquerda), © Peterson Galvão / Pág. 43 © Lilian Higa / Pág. 88 (direta abaixo), © Paulo Andringa / Pág. 89 (esquerda acima),
(a direita), © Paulo Andringa / Pág. 44, © Emanuela Helena / Pág. 45 (a esquerda), © Camila Danieletto / Pág. 89 (esquerda no meio), © Camila Danieletto / Pág. 89
© Paulo Andringa / Pág. 45 (a direita), © Emanuela Helena / Pág. 46 (a esquerda), (esquerda abaixo), © Paulo Andringa / Pág. 89 (direita), © Acervo Circo no Beco /
© Lilian Higa / Pág. 46 (a direita) © Paulo Andringa / Pág. 47 (a esquerda), © Paulo Pág. 90 (esquerda), © Paulo Andringa / Pág. 90 (direita acima), © Emanuela Helena
Andringa / Pág. 47 (a direita), © Emanuela Helena / Pág. 48 (a esquerda), © Alan / Pág. 90 (direita ao meio), © Peterson Galvão / Pág. 90 (direita abaixo), © Emanuela
Soares / Pág. 48 (a direita), © Paulo Andringa / Pág. 49 (acima a esquerda), © Paulo Helena / Pág. 91 (acima), © Camila Danieletto / Pág. 91 (abaixo), © Emanuela
Andringa / Pág. 49 (abaixo a esquerda), © Marco Napuri / Pág. 49 (acima a direita), Helena / Pág. 96, © Clarissa Monteiro
Agradecimento final, 2011

Você também pode gostar