Libnize, Sobre A Origem Última Das Coisas

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Retirado de Textos e Problemas de Filosofia,

org. Aires Almeida e Desidério Murcho


(Lisboa: Plátano, 2006)

G. W. Leibniz (1646–1716)
Leibniz foi um dos mais influentes filósofos e cientistas de sempre. Nasceu
em Leipzig, na atual Alemanha, e foi o grande rival de Isaac Newton (1642–
1727), tendo descoberto ao mesmo tempo do que ele o cálculo infinitesimal.
Contra Newton, defendia que o tempo não era absoluto. Defendia uma filo-
sofia racionalista, segundo a qual as verdades de razão desempenham um
papel fundamental no conhecimento. Formulou o chamado princípio da razão suficiente,
segundo o qual para toda a verdade contingente há uma razão para a sua existência. Em filoso-
fia da religião, apresentou um tratamento muito famoso do problema do mal, que foi caricatu-
rado por Voltaire (1694–1778), pois segundo Leibniz vivemos no melhor dos mundos possíveis.
Em lógica, ainda hoje se usa a Lei de Leibniz: se duas coisas são idênticas, então têm exata-
mente as mesmas propriedades. As suas obras mais importantes incluem a Teodiceia (1710), a
Monadologia (1714) e Novos Ensaios sobre o Entendimento Humano (1765).

Texto 15: Por que há Algo em Vez de Nada


Suponhamos que o livro Elementos de Geometria era eterno, e que cada exemplar tinha sido
sempre copiado de um exemplar anterior. É evidente que apesar de se poder dar uma razão
para a existência do livro atual, com base no anterior, nunca se chega a uma razão completa
correndo um número qualquer de livros em sucessão, em direção ao passado. Pois pode-se
sempre perguntar por que razão tais livros sempre existiram; por que razão foram escritos; e
por que razão foram escritos como foram. O que se diz dos livros pode-se igualmente dizer
dos estados do mundo. Pois o que se segue é de algum modo copiado do precedente (apesar
de o ser de acordo com certas leis da mudança). E portanto, por mais que recuemos para
estados anteriores do mundo, nunca se encontra nesses estados uma razão completa para a
questão de saber por que há mundo em vez de nada, nem por que razão o mundo é como é.
Logo, mesmo que admitamos que o mundo é eterno, existirá apenas uma sucessão de
estados e em nenhum deles encontraremos uma razão suficiente; nem se avançará um só
passo em direção a uma razão por mais estados que se admita existirem. É evidente que tem
de se procurar a razão noutro lado. Pois nas coisas que são eternas, ainda que não exista cau-
sa, alguma razão tem de se discernir. Esta razão, nas coisas permanentes, é a própria neces-
sidade ou essência; mas na série de coisas impermanentes (se pensarmos por hipótese que se
prolonga indefinidamente) será apenas uma prevalência de inclinações, pois neste caso as
razões não acarretam necessidade (em termos de uma necessidade absoluta ou metafísica, na
qual o contrário implica contradição). Daqui é evidente que mesmo ao supor que o mundo é
eterno não podemos escapar à razão última, e para lá do mundo, das coisas: Deus.
Assim, as razões do mundo estão em algo para lá do mundo, diferente da cadeia de esta-
dos, ou séries de coisas, cujo agregado constitui o mundo. E por isso temos de passar da
necessidade física ou hipotética, que determina as coisas subsequentes do mundo com base
nas que as antecederam, para algo que seja de necessidade absoluta ou metafísica, para a
qual nenhuma razão se pode dar.
G. W. Leibniz, “Sobre a Origem Última das Coisas” (1697), pp. 149–150.
Contextualização
 Recorrendo a um dicionário de filosofia, estude os seguintes conceitos: razão suficiente, neces-
sário/contingente, essencialismo e contradição.
 Informe-se, numa enciclopédia, sobre o livro Elementos, de Euclides.

Interpretação
1. Os diferentes exemplares do livro Elementos de Geometria são uma analogia com o quê?
2. “O que se segue é de algum modo copiado do precedente,” afirma Leibniz. Que quer isto dizer?
3. “Por mais que recuemos para estados anteriores do mundo, nunca se encontra nesses estados
uma razão completa para a questão de saber por que há mundo em vez de nada,” afirma Leib-
niz. Que argumento sustenta esta ideia?
4. Qual é a razão de ser das coisas impermanentes?
5. Qual é a razão de ser das coisas permanentes?
6. Formule explicitamente a versão mais plausível que conseguir do argumento de Leibniz.

Discussão
7. “Cada estado do mundo pode ser explicado recorrendo ao estado anterior que o causou; mas a
totalidade de estados do mundo não pode ser explicado desse modo.” Concorda? Porquê?
8. Poderá Deus ser uma boa explicação para a existência do mundo? Porquê?
9. Admitindo que Deus existe e que é um ser necessário, a sua existência poderá ser explicada
como indica Leibniz? Porquê?

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