Ana Leal - Estudos - Breves - Açao - Executiva PDF
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ESTUDOS DE EXECUÇÃO E
INSOLVÊNCIA
2016
Lisboa
2016
Ficha Técnica
Título:
Estudos de Execução e Insolvência
AAFDL – 2016
Autor:
Rui Pinto
Edição:
AAFDL
Alameda da Universidade – 1649-014 Lisboa
Março / 2016
A
presente obra reune um conjunto de trabalhos produzidos
por alunos de licenciatura em provas de melhoria em
Direito Processual Civil III (Processo Executivo).
Pretendemos, desse modo, mostrar o pensamento embrionariamente
criativo de juristas em formação. Adicionalmente, aproveitámos
este ensejo para dar à estampa dois curtos estudos nossos em
matéria de execução coletiva. Pensamos que uns e outros serão
úteis à comunidade jurídica.
RUI PINTO
Rਕਉ Pਉਔਏ
Í
Diogo Coelho – Factos Modificativos e Extintivos na
Oposição à Execução: – A Oposição à Execução como
“sombra”da Acção Modificativa? ................................. 8
Gonçalo Salas Nogueira – A impenhorabilidade dos bens
imprescindíveis a qualquer economia doméstica: entre
paradoxos e perplexidades ............................................. 47
João Serras de Sousa – Penhora de depósitos a
prazo enquanto penhora de direitos de crédito ............... 72
José Miguel Vitorino – Breve apontamento sobre a
oposição à execução com base em requerimento de
injunção .......................................................................... 106
Julio Venâncio – O exercicio do direito de voto
na participação social penhorada .................................... 122
Ligia Noronha Rocha – A Penhora de Bens
Imóveis e Registo .......................................................... 146
Madalena Narciso – Da admissibilidade da execução
de obrigações exlege em títulos judiciais ....................... 173
Paulo Simões Ramos – As impenhorabilidades atípicas
como reacção a restrições inademíssiveis de
direitos fundamentais ..................................................... 193
Ricardo Neves – A penhora de bens públicos:
Uma impossibilidade? .................................................... 222
Rui Pinto – Reclamabilidade no processo especial de
revitalização de crédito adquirido em cessão
de créditos sujeita a condinção suspensiva ..................... 255
6
Rui Pinto – Os terceiros garantes faces ao Processo
Especial de Revitalização (PER). Algumas notas ........... 273
7
F M E O
E : – A O E
“ ” A M ?*
Diogo Coelho
*
O presente trabalho foi realizado no âmbito da Oral de Melhoria de Direito
Processual Executivo no ano lectivo 2014/2015, sob a regência do Senhor Professor
Rui Pinto a quem agradecemos, desde já, o incentivo não só à publicação, como
também ao contributo prestado para que fosse possível a elaboração da presente
colectânea que ajuda, sem dúvida, a que o trabalho cientifico desenvolvido pelos
alunos de licenciatura da Faculdade de Direito de Lisboa seja valorizado.
8
1. Introdução
1
Doravante, “CPC”. Sempre que se indicar um artigo sem que se faça
menção a que Código pertence, dever-se-á considerar estar em causa o Código
de Processo Civil.
2
Neste sentido, prescrevendo como requisito de aplicação do respectivo artigo
o de que os factos em causa sejam posteriores a determinado momento pode ver-
se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/10/2005.
9
elevar a fundamento de oposição à execução baseada em sentença
a modificação das circunstâncias pressuposta no artigo 619º/2.
Por outro lado, ao circunscrever os fundamentos da oposição à
execução a factos novos, posteriores ao encerramento da discussão,
o artigo 729º, alínea g) parece atribuir à oposição à execução uma
função diversa da dos restantes meios de impugnação da decisão –
que seria, não a de verificar a legalidade da decisão ao tempo do seu
proferimento, mas a de verificar essa legalidade no tempo actual3
(e, por consequência, a subsistência do direito de execução) -, e,
consequentemente, atribuir-lhe uma função semelhante à função de
adaptação do título às novas circunstâncias, típica da acção modificativa4.
3
Neste sentido I A , Modificação do caso julgado material
civil por alteração das circunstâncias, Tese de Doutoramento, Lisboa, 2010, p. 671.
4
I A , Modificação do caso julgado, p. 672.
5
L S /C M /G I , Las Condenas de
futuro, Tapa Blanda, 2001, pp. 223-224.
10
Assim sendo, procurar-se-á indagar qual o campo de aplicação
de cada um dos instrumentos processuais referidos. Para tal, iremos
começar por caracterizar o instrumento processual da oposição
à execução. Num segundo momento a nossa atenção recairá
sobre o instrumento acção modificativa. Por fim, retiraremos
as nossas conclusões quanto ao desiderato dogmático a que nos
comprometemos.
6
L F , A Acção Executiva – À Luz do Código de Processo
Civil de 2013, Coimbra Editora, Coimbra, 6ª edição, 2014, p. 193; também neste
sentido, I A ,Modificação do Caso Julgado, p. 671; eR P ,
Manual da Execução e Despejo, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, p. 396.
7
L F , A Acção Executiva,pp. 193-194.
8
R P , Manual da Execução e Despejo, p. 392.
11
acção declarativa, a oposição à execução, constituindo, do ponto
de vista estrutural, algo de extrínseco à acção executiva, é dotada
do carácterduma“contra-acção”com o intuito de obstar à produção
dos efeitos do título executivo e (ou) da acção que nele se baseia9.
Para os casos que neste trabalho nos interessam, poder-se-á
dizer, de novo com L F que quando se veicula uma
oposição de mérito à execução, é visado um acertamento negativo
da situação substantiva (obrigação exequenda), de sentido contrário
ao acertamento positivo consubstanciado no título executivo, cujo
escopo é obstar ao prosseguimento da acção executiva mediante
a eliminação, por via indirecta, da eficácia do título executivo
enquanto tal10. No acórdão da RE de 5/6/2008 (925/08-2), declarou-
se que a oposição à execução “visa a extinção da execução”, não
sendo uma sentença de condenação, antes conduzindo, “se os
embargos forem procedentes, à extinção da acção executiva”11.
9
A C , A acção executiva singular, comum e especial,
Coimbra, Almedina, 3ª edição, 1977, p. 47. Contudo, isto não significa que,
sendo o título executivo uma sentença, esta seja atacada em si mesma, como
o seria no caso de se interpor recurso de revisão, mas apenas é atacada a sua
exequibilidade. No mesmo sentido, R P , Manual de Execução e Despejo,
p. 392-393. Acrescenta este autor que, no final, a sentença ditará a procedência ou
improcedência do pedido do autor-executado (parte passiva da execução). O que
se visa é destruir os efeitos do título executivo, por isso refere que “a oposição à
execução apresenta-se como uma acção declarativa funcionalmente acessória da
acção executiva”, na medida em que é justificada pela oposição de uma defesa
à dedução de uma pretensão executiva, devido à circunstância de sem execução
não haver oposição.
10
L F ,A Acção Executiva, p. 213.
11
Acórdão da Relação de Évora de 5/6/2008 (925/08-2).
12
garantias), a prescrição e, no que respeita às pretensões reais, as
causas de extinção e de modificação do direito em que se baseiam
(incluindo aquelas de que decorre a transmissão do direito real),
bem como a usucapião. Tratando-se, nesta alínea de um fundamento
substantivo, a eventual extinção da execução equivalerá, na opinião
de R P , à absolvição do pedido12. Quanto a esta alínea refere
R P que estes factos deverão ser “actuais” no momento
em que são invocados, “não podendo estar dependentes de um
evento futuro e incerto, maxime, sentença transitada em julgado”13.
Quanto aos factos modificativos refere R P que um deles
poderá ser, precisamente, a modificação do contrato por alteração
das circunstâncias, tanto na oposição à execução de sentença, como
em sede do artigo 731º, pois poderia ser deduzido na contestação,
assim como factos que consubstanciam a inexigibilidade da
obrigação, a substituição do objecto da prestação ou do direito real
ou a alteração de garantias14.
12
R P , Manual da Execução e Despejo, p. 397.
13
R P ,Manual da Execução e Despejo, p. 408.
14
R P ,Manual da Execução e Despejo, p. 408.
15
M T S , Acção Executiva Singular, Lex, Lisboa, 1998, p. 164.
16
R P , Manual da Execução e Despejo, pp. 412-413.
13
Quanto às restrições probatórias convém atentar, desde logo,
na sujeição aos artigos 395º e 351º do CC, que estipulam que as
partes do negócio titulado documentalmente não podem usar de
prova testemunhal ou presunção judicial, nos casos previstos nos
artigos 392º e 394º. Além disso há que atentar na circunstância de
que a al. g) do artigo 729º apenas admite prova documental dos
respectivos factos extintivos e modificativos. A lógica subjacente
a esta restrição parece estar, como afirma L F no
facto de “a certificação do direito feita em documento judicial
apenas poder ser também impugnada pela prova documental de
facto contrário ao facto nela enunciado”17/18. Consideramos estas
limitações bastante criticáveis. Desde logo, com M T
S , diríamos que, através de uma interpretação sistémica, a
exigência de prova documental só pode referir-se àqueles casos em
que esse meio de prova corresponda a uma imposição legal (como
a estabelecida nos artigos 394º e 395º do CC), ou em que, pelo
menos, ela seja usual no comércio jurídico”, como a prescrição ou
o cumprimento da obrigação de facere; caso contrário, estaremos
perante uma restrição inadmissível, porque não razoável, ao direito
de acesso à justiça do artigo 20º/1 da CRP19. De facto, também nos
17
L F , A Acção Executiva, p. 176, nota 18. O autor avança,
ainda, o dado de que tal circunstância não impede que os mesmos venham a ser
provados por o exequente os vir confessar no processo, como decorre do artigo
364º/2 do CC.
18
Na opinião de R P , Manual de Execução e Despejo, pp. 415-416,
esta restrição é “sistemicamente fundamentada pois é coerente com o sistema de
impugnação de sentença transitada em julgado em matéria de facto, pois neste
também apenas se admite prova documental a suportar o pedido de revisão de
sentença (artigo 696º, alínea c)”. Ou seja esta não seria uma opção particular da
oposição à execução, mas sim de todo o sistema. Conclui o autor considerando
que, “dentro do espírito da ratio, pode estender-se a prova admissível tanto à
confissão, como a meios de prova ainda mais seguros que o meio documental,
como sejam a inspecção judicial ou peritagem”. Como válvula de escape, restará
ao executado pagar o que não deve propor acção de restituição do indevido, na
medida em que este direito de acção não encontra limitações probatórias.
19
M T S , Acção Executiva Singular, pp. 178-179.
14
parece que o meio de prova deverá ter em conta o facto a provar.
Além disso, como realçaL F , ao exigir-se prova
documental destes factos, introduz-se um “desfasamento entre o
direito substantivo (em que só vigora a limitação do artigo 395º
do CC) e o direito processual executivo”20. De facto, este regime
conduz a resultados de injustiça material quando o executado dispõe
de outras provas mas não de prova documental. A melhor solução, e
mais à frente voltaremos a este ponto, seria, como indicia A
C , a de estender a excepção da prescrição à usucapião
bem como a casos semelhantes em que não é normal ou possível,
ou se apresenta desnecessária, a prova documental21.
20
L F , A Acção Executiva, p. 198.
21
A C ,A Acção Executiva Singular, p. 291.
22
L F ,A Acção Executiva, p. 206.
23
Questão que se tem discutido bastante na nossa doutrina e que está, ainda
que indirectamente, correlacionada com o nosso trabalho é a de saber se será
aplicável a restrição do artigo 729º, al. g) (quando este exige prova escrita do
facto extintivo ou modificativo da obrigação exequenda) à oposição a outros
títulos que não a sentença. A R , Processo de Execução, Coimbra
Editora, Coimbra, 1985, 3ª edição, vol. II, pp- 42-43 dá uma resposta negativa.
Na verdade, segundo o mesmo autor, o executado está em face da execução como
estaria perante a acção declarativa e, por isso, só não poderá provar por outro
meio o facto extintivo ou modificativo quando a lei civil lhe imponha a prova
por documento. Também nos parece ser de seguir a posição de A
R . Na verdade, a exigência de prova documental tem como fundamento não
ser muito verosímil, porque imprudente, a prática, após a condenação, dum acto
extintivo da obrigação não documentado, razão esta que não se verifica no caso
de a execução não se fundar em sentença. Há, porém, que atender aos artigos
15
o fundamento para o regime mais restritivo da oposição à execução
a títulos fundados em sentença é, segundo o acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça de 25/5/2000 (00B372) o “da tendencial
imutabilidade do caso julgado ou o principio da preclusão no
caso de injunção, que conduzem a não poder a oposição servir
para se discutir novamente o que se tenha decidido no âmbito da
acção judicial ou procedimento anterior”24. Por esta razão, como
realça R P , “há preclusão da alegabilidade dos factos que,
podendo sê-lo, não foram invocados na contestação e que, apesar
de supervenientes, não foram alegados nem conhecidos”25.
351º CC e 395º CC, que, entre as partes, impedem a prova testemunhal ou por
presunção judicial dos factos extintivos de obrigação cuja constituição se prove
por documento revestido de força probatória plena.
24
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/5/2000 (00B372)
25
R P , Manual de Execução e Despejo, p. 399.
26
C M , Direito Processual Civil, vol. III, Lisboa, AAFDL, 1987,
pp. 330-331.
16
requisitos legalmente prescritos (uma verdadeira “contra-acção”),
afastando, dessa forma a presunção de existência da dívida
assente no título executivo, verifica-se, em bom rigor, que o efeito
alcançado de revogação do título executivo é uma consequência,
no plano formal, do efeito principal de declaração de inexistência
da dívida (plano material)”27. Também nos parece que em tais casos
(fundamentos de oposição relacionados com a relação de dívida),
que a oposição surge próxima da revisão de sentença do artigo
771º, na medida em que, no seguimento do entendimento do autor
previamente citado, vai “actualizar ou substituir o conteúdo da
sentença objecto de caso julgado, tal como na decisão recursória a
revogação da sentença recorrida é o efeito instrumental que permite
actualizar ou substituir o conteúdo da decisão recorrida”. Portanto,
tanto a sentença que decide a oposição, como uma eventual
sentença revisória “comungam do valor de coisa julgada material
da sentença inicial, ou seja, não pode deixar de se lhe dar um valor
de caso julgado material à sentença respectiva enquanto revogação
do que fora julgado”28.
27
R P , Manual de Execução e Despejo, pp. 449-450.
28
R P , Manual de Execução e Despejo, p. 450. Com esta conclusão,
acaba o autor por considerar que a oposição à execução é “uma acção de revogação
do título executivo por simples apreciação negativa da dívida ou dos seus termos”,
quando em causa estão fundamentos respeitantes à relação de dívida.
29
L F , A Acção Executiva,p. 220-221. O autor realça, contudo,
que tal só levaria à não formação de caso julgado se a parte conseguisse
demonstrar que as limitações de prova referidas a tinham impedido de fazer uso
de testemunhos que poderiam ter influído na decisão final.
17
“tornando-se indiscutível que faz caso julgado material a decisão
dos embargos sobre a existência da obrigação exequenda”30/31.
30
L F ,A Acção Executiva, p. 221.
31
R P , Manual de Execução e Despejo, p. 451. Em sentido contrário
defendia R P que a simplificação do procedimento de oposição não alterava
nada, na medida em que sendo assegurado o princípio do contraditório, prova e
apreciação judicial era respeitado o artigo 20º/4 da CRP.
32
M T S , Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex,
Lisboa, 1997, p. 587.
18
obrigação duradoura possa ser alterada em função de circunstâncias
supervenientes ao seu trânsito em julgado33.
L F / M M / R P
consideram também que o caso julgado constitui-se com referência
à situação de facto existente no momento do encerramento
da discussão, falando nos limites temporais da sentença (caso
julgado), sendo o nº2 do artigo 619º emanação dessa princípio37.
33
M T S , Estudos, p. 587.
34
R M , Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, Coimbra
Editora, Coimbra, 3ª edição, 2011, p. 702.
35
R M , Acção Declarativa,p. 704.
36
R M ,Acção Declarativa, p. 704.
37
L F /M M /R P , Código de Processo
Civil Anotado, Volume 2º, Coimbra Editora, Coimbra, p. 679-680.
19
Referem depois que o preceito tem incidência, em primeiro lugar,
no caso de condenação em prestações vincendas, na medida em
que o conteúdo da prestação seja afectado por uma alteração de
circunstâncias, sendo a sentença, nesse caso, alterável, acontecendo
tais situações em particular no caso de fixação de alimentos, quando
a necessidade deles ou a possibilidade de os prestar se altera (artigo
2012 do CC), ou no caso de denúncia do direito ao arrendamento
para habitação própria do senhorio, quando este faleça antes de
executado o despejo38.
Cabe, também, e por ser dos autores que mais aprofundou este
regime, apresentar o pensamento deC M . O autor
salienta que todas as sentenças se encontram sujeitas à cláusula
rebussicstantibus, pois que a alteração da causa de pedir torna
ineficaz o caso julgado, pelo que, “nem a sentença proferida nos
termos do artigo 619º/2 constituiria exemplo de uma categoria de
sentenças que seria especial em atenção à sua sujeição à cláusula
rebussicstantibus, nem este preceito versaria sobre o caso julgado
material, pois que, como norma sobre caso julgado material, seria
uma desnecessária repetição da regra segundo a qual o caso julgado
só é eficaz enquanto se não invoque alteração da causa de pedir”39.
38
L F /M M /R P ,Código de Processo
Civil, p. 680.
39
C M ,Direito Processual Civil, Vol. III, AAFDL, Lisboa, 2012,
pp. 25-26. Também M A , Noções Elementares de Processo
Civil, Coimbra Editora, Coimbra, Reimpressão, 1993, pp. 325-327, parece pugnar
pela inutilidade do preceito ao referir que “por via de regra, quando em novo
processo se sustente ou pretenda uma alteração superveniente daquela relação,
a inoperância do caso julgado já terá a sua plena justificação noutro motivo: a
diversidade da causa petendi”. Contudo, no entendimento do autor, por vezes,
casos haveria, em que no processo tendente à modificação se invocaria a mesma
causa de pedir, e aí o preceito já seria dotado de utilidade. O autor afirma ainda
que existiria uma vinculação do juiz da acção modificativa ao anteriormente decidido
20
regra da inalterabilidade do caso julgado material, dizendo que
“diversamente das normas reguladoras dos recursos extraordinários
de revisão e de oposição de terceiro, que excepcionalmente
permitiram a alteração do caso julgado material, para eliminar o
escândalo da injustiça, aquela norma possibilitaria tal alteração, em
atenção, especialmente, à índole instável da decisão, que assentaria
sobre um circunstancialismo especial susceptível de oscilação”40.
40
A R , Processo de Execução, pp. 167-169.
41
V S , Obrigação de Alimentos, in Boletim Ministério da Justiça, nº
108, Lisboa, p. 138.
42
V S , Obrigação de Alimentos,p. 138.
43
P C S , Estabilidade e Caso julgado no direito da obrigação
de indemnizar, in Estudos em Homenagem a Miguel Galvão Teles, Vol. II,
Almedina, Coimbra, pp. 302-303.
21
ainda P C S que a “discussão sobre um novo facto
juridicamente relevante para a obtenção dos efeitos jurídicos do
autor, ou, mais rigorosamente, a falta de verificação do estado de
coisas de que depende a produção dos efeitos jus-materiais da
decisão, constitui, em qualquer caso, uma modificação objectiva
da instância, fundada em factos supervenientes ao encerramento
da audiência de julgamento, podendo, por isso, afirmar-se que,
na teoria do caso julgado, e, em geral, no Direito, o tempo releva
apenas enquanto sucessão de modificações do estado das coisas”44.
Refere ainda a autora que “por um lado, o objecto da instância
extinta já não pode ser o mesmo, uma vez que o afastamento
ou modificação dos efeitos terá que partir de um dado da vida
verificado posteriormente – ou, pelo menos, desconhecido sem
culpa pela parte a quem ele aproveita – sendo possível afirmar que,
em certo sentido, o objecto do processo já não é o mesmo, mas um
outro; por outro lado, a alteração dos efeitos da decisão só pode
resultar da manutenção parcial dos enunciados que compunham
o objecto da acção anterior, uma vez que a alteração visada
supõe a verificação de factos que atingem a previsão da norma
que reconhece ou determina a produção dos efeitos pretendidos
pelo autor, ou de uma contranorma destinada a impedir, remover
ou adaptar aqueles efeitos”. Isto conduz a autora a afirmar que,
nesta segunda perspectiva, o objecto do processo em que os
factos ulteriores sejam discutidos “é, ainda, o mesmo objecto, se
bem que modificado”45. Para a autora, a acção modificativa teria
como finalidade“a apreciação de uma pretensão fundada na
verificação de factos que importam a modificação do objecto de
uma acção finda, por proferimento de uma decisão transitada em
julgado, restringindo-se o seu objecto à modificação objectiva de
um elemento de uma acção anterior, permanecendo tudo o resto
incólume, a coberto da intangibilidade do caso julgado”46.
44
P C S , Estabilidade e Caso Julgado,p. 308.
45
P C S ,Estabilidade e Caso Julgado, p. 308.
46
P C S , Estabilidade e Caso Julgado,p. 308-309.
22
Já quanto à problemática dos danos futuros, P C
S , refere “que a desconformidade entre o objecto do juízo de
prognose presente na decisão transitada em julgado e a decisão
que conheça do estado de coisas concretamente verificado num
momento posterior não constitui qualquer violação do caso julgado,
na medida em que o juízo de prognose sobre o estado de coisas
futuro não se encontra, ele próprio, compreendido pelo âmbito
material do caso julgado”47. Isto é, para a autora“os factos futuros
não integram o objecto do processo, pelo que a sua incoação e o seu
conhecimento não são precludidospelo proferimento da decisão,
podendo ser objecto de uma acção ulterior, sendo esta possibilidade
independente do acerto da decisão anterior acerca da previsibilidade
da verificação do dano ou do seu montante”48, devendo ser esta
situação a emanação de um principio geral.
47
P C S , Estabilidade e Caso Julgado,p. 323.
48
P C S ,Estabilidade e Caso Julgado, p. 323.
49
M F G , A Causa de Pedir na Acção Declarativa,
Almedina, Coimbra, 2004, p. 493-494.
23
no sentido em que este conceito é inequivocamente utilizado no
artigo 581º e que, dada a inserção sistemática, parece ser o sentido
que, também para os seus efeitos, é o relevante: o sentido do facto
jurídico50. Parece resultar do seu pensamento que a única certeza a
respeito das circunstâncias relevantes para a modificação é a de que
a sentença modificativa deve fundar-se em circunstâncias diversas
das que fundaram a decisão anterior, pois que é esse o sentido mais
imediato da referência à alteração das circunstâncias constante do
preceito, ou seja, e dito de outro modo, que circunstâncias idênticas
não devem justificar a modificação. Por fim, considera a autora que
a ratioda norma legal em causa, referindo-se a prestações periódicas
vincendas, relativas a obrigações duradouras cujo facto constitutivo
é, também ele, duradouro e variável, “é o de a tais sentenças
subjazer um juízo de prognose sobre a evolução futura desse facto,
sendo consequentemente maior a probabilidade de assentarem
numa errada decisão sobre a matéria de facto”51, entendimento
este reforçado pela autora devido à circunstância de, na medida em
que o preceito alude a conceitos indeterminados, tal facto implicar
um juízo de prognose do juiz, ainda que não discricionário52. A
autora avança ainda o argumento de que, havendo uma alteração
legislativa tal circunstância terá relevância para a aplicação do
artigo, sem que, contudo, se possa dizer que houve uma alteração
da causa de pedir subjacente pois não basta a mera alteração da
respectiva qualificação jurídica para que exista um facto diferente
do anterior53. A autora retira ainda da circunstância de no direito
português ser possível a utilização da acção modificativa quando
surjam danos imprevisíveis à data da primeira acção e que naquela
não foram considerados, para considerar que a acção modificativa
poderá ter uma finalidade secundária que não se consubstancie na
50
I A ,Modificação do Caso Julgado, p. 113.
51
I A , Modificação do Caso Julgado,p. 132.
52
I A , Modificação do Caso Julgado,p. 132.
53
I A ,Modificação do Caso Julgado, pp. 547-548.
24
quebra do caso julgado54.Em suma, a função deste meio processual
seria, portanto, a de corrigir os erros de previsão do juiz55.
54
I A , Modificação do Caso Julgado,p. 565.
55
I A , Modificação do Caso Julgado,pp. 648-650. Já quanto
aos títulos extrajudiciais deve entender-se, também seguindo a autoraI
A que, em especial, ao acordo ou transacção extrajudicial é, nos
termos gerais, aplicável o regime dos artigos 437º e ss do CC, não se colocando
diversamente do que sucede em relação à transacção judicial, a questão da
articulação com o regime do artigo 619º/2, a menos que se entenda que a acção
modificativa prevista neste último preceito pode destinar-se à modificação dos
títulos executivos diversos de sentença. O não ser aplicável a estes acordos a
acção modificativa resulta, aliás, da circunstância de a sua inserção sistemática
(nas disposições sobre os efeitos da sentença) que a acção modificativa não é a via
processual adequada para a modificação desses negócios (sendo de desconsiderar
a vontade das partes nesse sentido). Por outro lado, quando a lei pretende equiparar
a transacção extrajudicial à sentença fá-lo expressamente, não obstando, segundo
a autora, a esta conclusão o disposto no artigo 567º/2 do CC, que a propósito da
indemnização em renda, parece permitir a modificação do acordo nos mesmos
termos que a sentença: na verdade, este preceito não estabelece a via processual
a seguir para o efeito, estabelecendo apenas os pressupostos substantivos da
modificação. E, não cabendo aqui os títulos negociais não caberão, por maioria
de razão os extrajudiciais não negociais.
25
prevista naquele artigo 619º/2 à tutela obtida no momento próprio
(pois que só nesse momento ocorreram os factos que alicerçam o
direito que se pretende fazer valer), a causa de pedir dessas acções
é idêntica56.
56
R P , A questão de Mérito na Tutela Cautelar, Tese de Doutoramento,
Lisboa, 2007, pp. 356-359.
57
I A , Modificação do Caso Julgado,pp. 658-659.
58
O A , Onerosidade Excessiva por Alteração das Circunstâncias,
in Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa, 2005, vol. III, ano 65, p. 631.
59
P P V , Teoria Geral do Direito Civil, Almedina,
Coimbra, reimpressão da 7ª edição, 2012 pp., 373-374.
26
Não obstante o que foi referido, deve entender-se que o artigo
619º/2 que nem sequer exige aquele elemento qualitativo, remetea
exigência, ou sua não exigência, para o direito substantivo e, ao
remeter para o direito substantivo, o preceito parece considerar
suficiente, tanto a mera alteração das circunstâncias (2012º do CC
no caso dos alimentos), como a alteração sensível das circunstâncias
(no caso da indemnização sob a forma de renda – 567º/2 do CC),
como ainda qualquer outro nível de alteração a que outros preceitos
da lei substantiva confiram relevância60.
60
Neste sentido, I A , Modificação do Caso Julgado,pp. 659-
660. Contudo, quanto aos alimentos realça a autora que a alteração não deve ser
momentânea, devendo ter uma certa estabilidade. Já para R M ,a
alteração pode ser irrepetível e extraordinária, no sentido de não ser permanente,
nem sequer sendo de exigir que a mesma seja grave ou substancial, bastando que
as circunstâncias que determinaram a sua fixação se modifiquem, em termos de
alterarem o equilíbrio inicialmente estabelecido entre as necessidades do menor
e as possibilidades dos obrigados, Algumas Notas sobre Alimentos (Devidos a
Menores), Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 111.
61
M L , Direito das Obrigações, vol. II, Almedina, Coimbra,
2015, p. 129..
62
Neste sentido, I A , Modificação do Caso Julgado,p. 670.
27
dado algumas pistas ao longo do texto, quanto à circunstância de
devermos, ou não, considerar que os juízos de prognose do juiz são
abarcados pela força de caso julgado.
63
I A ,Modificação do Caso Julgado, pp. 833-834.
64
I A , Modificação do Caso Julgado,pp. 837-838.
28
formação de caso julgado e da sua quebra, sendo que entendimento
diverso equivaleria a, como denota I A , considerar
que “estas sentenças não produzem sequer caso julgado material”,
isto é, que o artigo 619º/2 pretenderia introduzir uma excepção à
regra de que, após o trânsito em julgado, qualquer decisão sobre a
relação material controvertida produz caso julgado material, o que
não seria aceitável devido ao facto de as mesmas apenas poderem
ser modificadas quando se alterem as circunstâncias em que
assentaram65. Seguindo um posicionamento diverso chegaríamos
à conclusão de que este artigo do Código não seria dotado de
qualquer especificidade, ou, diga-se de outro modo, de utilidade.
65
I A ,Modificação do Caso Julgado, pp. 840-841. Num
sentido diverso, defende C M que tal especificidade estaria na
possibilidade de reabrir os processos, o que parece ser bastante questionável
atendendo a que tal faculdade encontra-se prevista em outros locais do Código.
Ver: C M , Direito Processual Civil, pp. 29 e ss.
29
Outra relevância da distinção que se vier a adoptar e que
demonstra, por outro lado, a importância da mesma é o facto de
a oposição à execução, ao contrário da acção declarativa, apenas
poder ser deduzida pelo devedor o que lhe confere, à partida um
tratamento mais favorável, pelo que se torna premente descobrir
critérios claros e equilibrados para esta questão. Não obstante,
como realça alguma doutrina, não deve olvidar-se a possibilidade
de existir uma cumulação subsidiária que resolveria, em parte e
caso se admita a mesma, os potenciais perigos resultantes desta
questão.66.
66
Além de poder suscitar problemas de competência do tribunal. Contudo,
na nossa opinião, não é de excluir a possibilidade de cumulação, nomeadamente,
subsidiária, dos dois pedidos.
67
Quanto à pretensão de alimentos, poder-se-á traduzir esta posição naquela
que considera, quanto àquela pretensão, que a oposição à execução deve ser o
instrumento utilizável aquando de circunstâncias que não relevam para a fixação
do montante ou da duração da pensão de alimentos e ainda aquelas que extinguem
definitivamente a pretensão para o futuro, enquanto que a acção modificativa
seria o instrumento a utilizar quando o que está em causa ou que se pretende
actuar processualmente é uma alteração das circunstâncias económicas, isto
é, e em termos mais simplistas, no campo de aplicação da acção modificativa
caberiam as situações em que a influências de considerações económicas
relativas às partes somente alterariam a prestação, enquanto que para a oposição
à execução ficariam remetidas as situações em que existe, não uma alteração, mas
uma extinção definitiva da obrigação subjacente.
30
de ângulos diferentes”68. Até porque, repare-se que não é pelo
facto de a oposição à execução aludir a excepções impeditivas e
extintivas que resulta que o preceito seja, nesses termos, aplicável
às prestações periódicas vincendas, e que os factos que fundam a
pretensão fiquem reservados para a acção modificativa, na medida
em que esta distinção não leva em linha de conta a caracterização
anteriormente feita dos fundamentos e finalidades da acção
modificativa. Além do mais,“a supressão superveniente de um
facto que funda a pretensão configura uma circunstância extintiva
da pretensão, para o futuro”69.
68
I A , Modificação do Caso Julgado,p. 676.
69
I A , Modificação do Caso Julgado,p. 676.
70
I A , Modificação do Caso Julgado,p. 680.
71
I A , Modificação do Caso Julgado, p. 681.
72
G , apud I A , Modificação do Caso Julgado, pp. 677-
678.
31
desta tese, ela não vinga na medida em quea lei prevê fundamentos
de modificação que são específicos do devedor ou do credor e que
devem ser feitos valer através da acção modificativa.Exemplos de
alguns factos que somente podem favorecer o réu são os indicados,
por exemplo, por L F /R M : “a al. g)
abrange as várias causas de extinção das obrigações, bem como
aquelas que as modificam (designadamente por substituição do seu
objecto, extinção parcial, alteração de garantias ou modificação
do esquema de cumprimento), a prescrição e, no que respeita às
pretensões reais, as causas de extinção e de modificação do direito
em que se baseiam (incluindo aquelas de que decorre a transmissão
do direito real), bem como a usucapião”73. Já I A
acrescenta que as circunstâncias em que se pode fundar a alteração
de garantias ou a modificação do esquema do cumprimento
podem, em abstracto, ser favoráveis tanto ao réu como ao autor da
primitiva acção tendo tal asserção como consequência, e seguindo
o entendimento da tese exposta, que tais circunstâncias deveriam
ser alegadas, não em sede de oposição, mas em sede de acção
modificativa74.
73
L F /R M , Código de Processo Civil Anotado,
volume 3º, Tomo I, Coimbra Editora, Coimbra, 2ª edição, 2008, pp. 150-151.
74
I A ,Modificação do Caso Julgado, p. 682. Este entendimento
teria a seu favor o facto de o artigo 567º/2 do CC prever a modificação de sentença,
por contraposição à oposição à execução, quando sofram uma alteração sensível
as circunstâncias em que assentou a dispensa ou imposição de garantias.
32
o devedor ir cumprir pontualmente), pelo que a acção modificativa
seria uma regra especial em face da oposição à execução, justificada
quer pela preocupação de tratamento igual do credor e do devedor,
quer pela necessidade de correcção do juízo de prognose em que
assentou a decisão modificanda75. Contudo, como defende I
A , daqui não se retira que a função de correcção do juízo
de prognose seja o critério de demarcação das circunstâncias que
se encontram nos dois institutos, pois que não é viável determinar,
em relação a cada tipo de circunstância – e exceptuada a hipótese
de cumprimento -, se ela podia ou não ter sido considerada pelo
juiz da primeira acção, pelo quedeve concluir-se que não é possível
distinguir os dois institutos com base no critério de que a acção
modificativa só pode fundar-se em circunstâncias que, se tivessem
sido previstas, teriam justificado outra decisão e a oposição em
circunstâncias que o juiz da anterior acção não podia nem tinha de
ter considerado, ainda que as tivesse previsto, pois não parece ser
possível identificar as circunstâncias que se encontram submetidas
à prognose do juiz76.
75
I A ,Modificação do Caso Julgado, p. 682.
76
Neste sentido,Modificação do Caso Julgado,I A , p. 683.
33
modificativo da obrigação, ainda é susceptível de abranger a não
verificação dos factos constitutivos da obrigações (que haviam sido
previstos na sentença), no ponto em que, também nesta hipótese,
a obrigação periódica se extingue para o futuro, nada impedindo
que seja qualificada como um facto extintivo do direito unitário do
credor, integrando a previsão da oposição à execução77
77
I A ,Modificação do Caso Julgado, p. 685.
78
I A ,Modificação do Caso Julgado, p. 687.
79
Neste sentido, I A ,Modificação do Caso Julgado, p. 688.
80
L F /R M , Código de Processo Civil Anotado,p.
316.
34
Não parece, do mesmo modo, viável adoptar como critério de
distinção remeter para a acção executiva os factos que em abstracto
apenas possam beneficiar o réu.Deve seguir-se, segundo melhor
opinião, a posição que I A que de forma elucidativa
refere que tal implicaria“inviabilizar a oposição em casos em que,
ao réu, também não é possível propor acção modificativa, pois
que a sentença a executar não cabe na previsão do artigo 619º/2,
não podendo constituir objecto da modificação aqui contemplada,
podendo ter essa consequência porque a partir do momento em
que se delimita o campo de aplicação do artigo 729º, alínea g)
de modo a excluir da sua previsão tudo o que é susceptível de
beneficiar qualquer das partes (é o caso das alteração das condições
de cumprimento), tal critério deve valer seja qual for a sentença a
executar, isto é, mesmo quando, em atenção à sentença a executar,
não seja necessário delimitar o campo de aplicação do artigo 729º,
al. g), face ao artigo 619º/2, porque essa sentença, em atenção à sua
natureza, nunca seria susceptível de modificação por alteração das
circunstâncias, nos termos deste último preceito”81.
81
I A ,Modificação do Caso Julgado, p. 688.
82
I A ,Modificação do Caso Julgado, p. 689.
35
o caso julgado, para invalidar o benefício que a sentença atribui
ao exequente e, bem assim, a de fazer corresponder a situação
jurídica apreciada e declarada pela sentença “à realidade jurídica
no momento em que se promove a acção executiva”83.
83
A R ,Processo de Execução, pp. 28-29.
84
I A ,Modificação do Caso Julgado, pp. 689-690.
85
Sobre o princípio da igualdade no direito processual declarativo, verL
F , Acção Declarativa Comum – À Luz do Código Revisto, Coimbra
Editora, Coimbra, 2013, 3ª edição, pp. 136-138. Ensina-nos o autor que o
principio da igualdade de armas constitui manifestação do principio da igualdade
36
modificativa poderá ser usado pelas duas partes processuais por
contraposição à oposição à execução que, como é perceptível pelo
das partes que implica, por si só, a paridade simétrica das suas posições perante
o tribunal, impondo um equilíbrio processual entre as partes ao longo de todo o
processo, na perspectiva dos meios processuais de que dispõem para apresentar
e vingar as respectivas teses. Avança ainda o autor que tal não implica uma
identidade formal absoluta de todos os meios, na medida em que a diversidade
de posições das partes assim o impossibilita, exigindo-se, contudo, por via de
tal principio, a identidade de faculdades e meios de defesa processuais das
partes e a sua sujeição a ónus e cominações idênticos, sempre que a sua posição
perante o processo seja equiparável, e deve exigir-se, de igual forma, um jogo
de compensações quando a desigualdade objectiva intrínseca de certas posições
processuais leva a atribuir a uma parte meios processuais não atribuíveis à outra.
Em suma: o princípio da igualdade de armas impõe um “estatuto de igualdade
substancial das partes”. Já quando nos colocamos no âmbito da acção executiva
a perspectiva muda e a controvérsia torna-se mais nítida. Desde logo, M
T S , Acção Executiva Singular, pp. 31-32, defende que a acção
executiva é dotada de um favor creditoris, na medida em que a execução visando
a satisfação da prestação exequenda, para atingir tal finalidade, a lei concede
uma especial importância à posição do exequente e dos outros credores que
venham a intervir na execução, sendo exemplos de tal principio quer o facto
de o recebimento dos embargos de executado não suspenderem, em principio, a
execução, quer a colocação das questões que mereçam um tratamento declarativo
fora da própria linha procedimental executiva e a sua contenção em processos
apensados, estruturalmente autónomos embora funcionalmente acessórios, como
a oposição à execução ou à penhora.M T S refere ainda que
na ponderação dos interesses do exequente e do executado, qualquer protecção
deste último pressupõe que os seus interesses devam ser sensivelmente mais
fortes do que o interesse do exequente na realização coactiva da sua pretensão.
Por seu turno, L F defende também que o principio da igualdade
de armas não tem, no processo executivo, o mesmo alcance de que é dotado
no processo declarativo e isto principalmente porque no processo executivo
está em causa apenas a actuação de uma garantia dum direito subjectivo pré-
definido o que leva a que o executado não goze de paridade de posição com
o exequente o que tem como consequência, por exemplo, que o direito à
contradição seja fundamentalmente assegurado expost, através, em especial para
o que aqui releva, da oposição à execução que constitui uma acção declarativa
estruturalmente autónoma relativamente ao processo executivo, concluindo que a
igualdade de partes é, no processo executivo, meramente formal. O autor conclui
referindo que, sempre que deva ter lugar na pendência do processo executivo uma
actividade de tipo cognitivo, tal deve acontecer em acção declarativa que corre
37
próprio nomeniuris e respectiva natureza, somente poderá ser
utilizada pelo executado e não pelo sujeito processual que assume
uma posição processual oposta à sua no processo.
38
atendido o propósito normal do autor, ainda para mais atendendo a
que, em regra, a acção modificativa representa o meio processual
mais vantajoso para o devedor de alimentos (daí ser este o meio, em
regra, a empregar)”86. Ou seja, quanto aos alimentos, por exemplo,
será de utilizar a acção modificativa quando esteja em causa a
desnecessidade dos mesmos, nomeadamente por ser possível
o ressurgimento daquela necessidade, ao passo que a morte do
obrigado a prestar alimentos, deverá, segundo o critério proposto
ser invocada aquando da oposição à execução. A utilização de um
ou outro meio processual deverá basear-se na consideração de ser,
ou não, possível no futuro a utilização do título em causa.
86
I A , Modificação do Caso Julgado,pp. 691.
87
L F , A Acção Declarativa Comum, pp.205-206.
39
contrário, parece-nos que a possibilidade de o processo “regressar”
à instância declarativa consubstancia, precisamente, uma situação
de adequação da tramitação processual às especificidades da
causa, não parecendo que exista um interesse relevante para que
seja adoptada a solução em sede de oposição à execução nem esta
se revela indispensável para a justa composição do litígio, como
vimos anteriormente pelas razões que aduzimos88.
88
L F , A Acção Declarativa Comum, p. 222.
89
L F /I A , Código de Processo Civil – Anotado,
Volume 1º - Artigos 1º a 361º, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, 3ª edição,
pp. 536-539. Os autores colocam ainda em questão se devido à finalidade de
realização do direito, que é própria da acção executiva, não deve levar a que,
40
ao contrário da 1ª parte do mesmo número, dar-se a suspensão da
acção executiva por pendência de acção autónoma, como defende
A R 91.
sempre que possível, uma deslocação para a sua esfera da apreciação das questões
que possam ser tratadas em processo declarativo apenso (que tem uma função de
concentração conforme ao princípio da economia processual), só admitindo a
suspensão com fundamento na pendência de causa prejudicial quando tal não seja
possível (em face, nomeadamente, da forma de processo declarativo a observar).
Os autores avançam que é necessário evitar que, pela via da suspensão duma
acção declarativa apensa à execução, se consiga o mesmo resultado que procuram
evitar preceitos como os dos artigos 839º-1-d (a acção de reivindicação pode
levar à anulação da venda executiva, mas não suspende a execução) e 702º (a
pendência de recurso de revisão não impede a execução da sentença).
90
L F /I A ,Código de Processo Civil – Anotado,
p. 537.
91
A R , Comentários ao Código de Processo Civil, Volume III,
Coimbra Editora, Coimbra, 1960, 2ª edição, pp. 275-276.
92
R P , Manual de Execução e Despejo, p. 1008.
93
R P , Manual de Execução e Despejo, p. 1009. Acrescenta o autor
que, de modo contrário, obter-se-ia um efeito de suspensão da execução por
fundamento de mérito fora dos casos admitidos em sede de oposição à execução.
Assim sendo, pela mesma razão, a pendência ou a mera expectativa de pendência
41
Mas bastará admitir a suspensão nestes termos, em especial
quando o “motivo justificado” seja a especialidade da acção de
modificação face à subsidiariedade (nos termos apontados) da
oposição à execução? Preferimos tentar indagar se o sistema nos dá
alguma pista no sentido da idoneidade da solução por nós proposta,
devendo sempre ter presente as conclusões acima enunciadas, em
especial a natureza declarativa da oposição à execução.
de causa prejudicial também não pode ser considerada como “outro motivo
justificado” para o juiz ditar a suspensão
94
P C S , Anulação e Recursos da Decisão Arbitral, Relatório
de Mestrado do Seminário de Direito Processual Civil, Lisboa, 1987, pp. 893 e
965. Repare-se que quanto à acção executiva (e não, depreendemos nós, quanto
à oposição à execução que reveste natureza declarativa), P C S
realça ainda a circunstância de a LAV não instituir um regime de prejudicialidade
entre a acção de anulação e a acção executiva, podendo, de tal forma, correr em
simultâneo uma acção de anulação e um acção executiva relativamente a uma
decisão arbitral, não ocorrendo, portanto, uma suspensão da acção executiva
devido à instauração de uma acção de anulação.
42
acção de anulação, devendo esta ser reservada para casos em que
haja uma justificação séria95.
95
P G P , “Fundamentos de anulação da sentença arbitral:
perspectivas de iure condito e de iurecondendo”, in O Direito, Lisboa 2010,
A.142, nº5 (2010), p. 1060.
96
R P , Manual de Execução e Despejo, p. 417.
97
R P , Manual de Execução e Despejo,p. 455.
43
circunstância susceptível de afectar a exequibilidade do título
executivo ou da obrigação exequenda, não sendo, contudo, os
únicos meios processuais que podem basear-se nessas mesmas
circunstâncias, dando o autor o exemplo, precisamente, da acção de
alteração da obrigação alimentar ou de outra obrigação duradoura
(artigo 619º/2 do CPC), ou seja, a acção modificativa98.
98
M T S ,Acção Executiva Singular,p. 165.
99
R P , Manual de Execução e Despejo, p. 452.
100
M T S ,Acção Executiva Singular, p. 165.
101
M T S , Acção Executiva Singular,p. 165.
44
na medida em que quando previstos os requisitos por nós elencados
para distinguir os dois meios processuais e quando se conclua pela
aplicabilidade do meio processual acção modificativa, os pedidos
são diferentes: ali a adaptação do título ao novo circunstancialismo
fáctico mediante a correcção do juízo de prognose do juiz; na
oposição à execução a não produção de efeitos daquele mesmo
título, na medida em que está em causa neste tipo específico de
oposição à execução a pretensão de afectar a exequibilidade do
título executivo ou da obrigação exequenda de forma definitiva, isto
é, quando já não se torna possível a adaptação do título executivo
e portanto o que se visa é, isso sim, a extinção da execução.De
facto, na medida em que na oposição à execução se pretenderá
questionar e extinguir a exequibilidade da obrigação exequenda
torna-se premente, em primeiro lugar, determinar no que consiste,
actualmente, tal obrigação (que, entretanto, foi alterada por via da
correcção do juízo de prognose do juiz), pelo que, assim sendo,
deverá haver uma suspensão da instância executiva quer mediante a
aplicação do artigo 272º/1, 1ª parte (relação prejudicial, na medida
em que previamente à intenção de extinção da pretensão executiva
e da inexequibilidade da obrigação subjacente se torna premente
entender no que consiste essa obrigação entretanto alterada),
quer, e aqui de forma clara, mediante a aplicação da 2ª parte
desse mesmo número, na medida em que é por demais justificado,
como pretendemos demonstrar ao longo do nosso trabalho, que a
acção modificativa deverá ter, pelas razões aduzidas, precedência
aplicativa sobre a oposição à execução, sendo que tal suspensão
cessará quando estiver definitivamente julgada a acção declarativa
modificativa.
45
modificativa na eventualidade de já ter sido intentada uma acção
executiva.
46
A
:
*
47
1. Introdução
1
Sobre o tema, entre nós, vide A R , Processo de Execução,
Coimbra, 1985, pp. 348 e ss., A F , Curso de Processo de Execução,
12ª edição, Coimbra, 2010, pp. 179 e ss., A C , A acção executiva
singular, comum e especial, Coimbra, 1973, pp. 111 e ss., B L ,A
penhora, Coimbra, 1968, pp. 17 e ss., C M , Direito processual civil:
acção executiva, Lisboa 1971, pp. 74 e ss., J C G , A esfera de
bens impenhoráveis e o status do devedor. Breves notas, in Estudos dedicados ao
Prof. Doutor Luís Alberto Carvalho Fernandes, Vol. II, Lisboa, 2011, pp. 401 e ss.,
J B , Acção Executiva, Lisboa, 2004, pp. 126 e ss., L F ,A
acção executiva – à luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª edição, Coimbra,
2014, pp. 236 e ss., L F , Código de processo civil: anotado, Vol. III,
Coimbra, 2003, pp. 342 e ss., L -C , Manual da acção executiva: em
comentário às disposições respectivas do código de processo civil, Lisboa, 1987,
pp. 290 e ss., R M , Curso de processo executivo comum à face do
código revisto, Coimbra,1998, pp. 172 e ss., R P , A efectivação da
responsabilidade patrimonial na execução para pagamento de quantia certa e
seus limites, Dissertação de Mestrado UC, 2014, pp. 53 e ss., R P , Manual
da Execução e Despejo, Coimbra, 2013, pp. 501 e ss., T S , Acção
executiva singular, Lisboa, 1998, pp. 207 e ss.
2
Para uma resenha da evolução legislativa, e sem prejuízo de ulterior análise
desta questão, vide R P , op.cit., pp. 53 e ss., e ainda L
F , Código…, pp. 173 e ss.
48
este tema, e que nos motivam a abandonar a postura acrítica e
perfunctória que tem caracterizado a análise desta problemática.
3
Neste sentido, M L , Garantia das Obrigações, 4ª edição,
Coimbra, 2012, pp. 21 e ss., “já que primariamente no Direito Romano, o devedor
não respondia com o seu património, mas antes com a sua própria pessoa (…) o
credor poderia legitimamente apoderar-se do devedor e inclusivamente vendê-lo
como escravo ou matá-lo”.
49
de crédito moderno”4. Para a efectivação desta responsabilidade –
e consequentemente a satisfação do direito do credor – concorrem
regras substantivas e processuais que fundamentam e limitam a
mesma. É neste contexto que surge a penhora.
4
A expressão é de P C , Da garantia nas Obrigações, Vol. I, Lisboa,
1938, p. 25.
5
Cfr. R P , op.cit., p. 477. O autor – numa posição que acompanhamos
– entende que esta definição é de preferir a outra, mais corrente, que apresenta
a penhora como um “acto de apreensão judicial de bens” (secundando esta
definição, por todos, L F , A acção…, p. 234), na medida em que
o termo apreensão não representa de forma correcta aquilo que sucede no plano
dos efeitos, e o termo bens é susceptível de criar equívocos quanto ao objecto
da penhora. Ademais, e densificando a definição apresentada, poderá dizer-se
que o acto de penhora corresponde a uma manifestação do poder coercitivo do
tribunal que ante uma situação de inadimplemento, priva o executado dos poderes
de disposição e oneração de determinado bem, que não obstante continuar a
pertencer ao devedor, fica “sujeito à finalidade última de satisfação do crédito do
exequente” – neste sentido L F , A acção…, p. 232.
6
Neste sentido R P , op.cit., p. 479, referindo que “o acto de penhora
tem por objecto toda e qualquer situação jurídica activa disponível de natureza
patrimonial, integrante da esfera jurídica do executado, cuja titularidade possa
ser transmitida forçadamente nos termos da lei substantiva”. Sem prejuízo de
o objecto mediato – isto é, o bem sobre o qual incide – ser particularmente
determinante para determinar o procedimento de penhora a seguir.
50
Assim, na senda de RUI PINTO, poderemos perspectivar um
objecto de penhorabilidade máximo ou potencial – que decorre do
princípio supra enunciado – mas que terá, forçosamente, que ser
sujeito a uma delimitação concreta em função dos limites impostos
pela lei substantiva, e das exclusões objectivas especiais resultantes
da lei processual. Bem como pela necessidade de observância dos
princípios da proporcionalidade e da adequação7.
7
Cfr. R P , op.cit., p. 479, em suma, os desvios apresentados levam
a que se possa definir o objecto concreto da penhora como “[todos] os bens do
devedor que respondendo substantivamente pela dívida, não estejam abrangidos
por cláusulas especiais de exclusão, e que, num plano global, componham uma
penhora proporcional na extensão e adequada na qualidade”
8
Porém, como acentua L F , A acção…, p. 21, as normas
delimitadoras do objecto da penhora, ainda que constantes da lei processual, não
perdem – por isso – a sua natureza substantiva. É ao direito substantivo que cabe
a definição dos regimes de responsabilidade patrimonial e da sujeição dos bens à
execução. No mesmo sentido R P , op.cit., p. 503. Para uma referência às
impenhorabilidades resultantes dos artigos 736.º e 737.º como impenhorabilidades
processuais, vide, por todos, A R , op.cit., p. 349.
9
Cfr. T S , op.cit., p. 207.
51
de os bens não poderem em qualquer circunstância ser penhorados
(no caso da impenhorabilidade absoluta), ou poderem sê-lo em
circunstâncias especiais, para o pagamento de determinadas dívidas
(no caso da impenhorabilidade relativa)10.
2. Enquadramento
10
Cfr. R P , op.cit., p. 47.
11
Cfr. J C G , op.cit., pp. 408 e ss., salientando que
“independentemente da bondade da distribuição dos bens impenhoráveis,
feita pelo legislador processual (…) se constata - mesmo no campo dos bens
absolutamente impenhoráveis – uma diferença entre bens cuja impenhorabilidade
é, digamos, natural ou intrínseca, estando-lhes “estampada no rosto”, e bens cuja
impenhorabilidade não é estabelecida com a estrita e objectiva identificação dos
bens em si, exigindo, ainda, um juízo de relação ou de conexão específica entre
trais bens e uma determinada utilização”.
52
Esta concretização da impenhorabilidade relativa surge no
artigo 737.º/3 do CPC, do qual resulta que os bens imprescindíveis
serão impenhoráveis salvo quando “se trate de execução destinada
ao pagamento do preço da respectiva aquisição ou do custo da sua
reparação”.
12
Cfr. R P , op.cit., p. 54.
13
Cfr. A R , op.cit., p. 352, defendendo o autor que estas razões
“fazem com que 8se] subtraia à penhora, qualquer que seja a natureza ou origem
da dívida, aquilo que é absolutamente indispensável à vida do executado e da sua
família”. No mesmo sentido, vide igualmente A F , op. cit., p. 186.
14
Cfr. L F , Código…, p. 349.
53
2.2. Do CPC de 1939 ao CPC de 2013: entre a
impenhorabilidade absoluta e a impenhorabilidade relativa
15
Segundo A R , op.cit., p. 355, entram nesta noção “os
utensílios de cozinha ou os utensílios necessários para preparar a comida, mas
não entram unicamente estes. Tudo quanto possa reputar-se indispensável a uma
economia doméstica está salvaguardado pelo n.º 11 do artigo 822.º”.
16
Como nota R P , op.cit., p. 54, a eliminação da referência autónoma a
esses bens não prejudica a inclusão de parte deles na noção de “bens imprescindíveis”.
Salientando, igualmente, a introdução da al.g) referente aos “instrumentos
indispensáveis aos deficientes e os objectos destinados ao tratamento de doentes”.
54
da al.f), referente aos bens imprescindíveis, o seguinte trecho:
“salvo se deverem considerar-se bens de elevado valor ou se se
tratar de execução destinada ao pagamento do preço da respectiva
aquisição ou do custo da sua reparação”. Ora, independentemente
da “não translação” desta alínea para o preceito referente às
impenhorabilidades relativas, o certo é que um tal acrescento
provocou a “relativização” desta impenhorabilidade, até então
absoluta. Ao contrário do que sucedia até à reforma de 1995/96, a
penhora de bens imprescindíveis a qualquer economia doméstica
passou a ser possível – ainda que excepcionalmente – se estivesse
em causa a execução de dívida relacionada com a aquisição ou
reparação desses bens.
55
do imprescindível para a satisfação das necessidades básicas do
devedor e da sua família17. Estão expressamente abrangidos por
esta disposição os bens indispensáveis para cozinhar alimentos,
mas também os bens imprescindíveis para os aquecer (o fogão, o
forno, entre outros).
17
Nesse sentido, L R , Zwangsvollstreckungsrecht, 2010, pp. 958
e ss., apud R P , op.cit., p. 62.
18
Cfr. F D J ., Curso de Direito Processual Civil, Vol. 5, Execução,
6ª edição, 2014, pp. 550 e ss., refere a propósito da densificação jurisprudencial
deste preceito que “o STJ já considerou impenhoráveis aparelhos de televisão a
cores, mesas de centro, passadeira, gravador, micro-ondas, ar-condicionado, um
freezer, um microcomputador com acessórios, uma impressora, etc. Poderão ser
penhorados, porque ultrapassam o padrão-médio, aparelhos de TV de PLASMA
ou LCD, o segundo aparelho de televisão, a segunda geladeira, aparelhos de
ar-condicionado que são verdadeiras peças de design, móveis antigos que se
transformam em peças de decoração, faqueiro de prata, adega climatizada, (…) ”.
56
RIBEIRO PEREIRA19 a legislação espanhola atribui uma margem
de discricionariedade ao tribunal para aferir quais os bens in casu
imprescindíveis, estando, todavia, um tal juízo limitado pelo
princípio da dignidade humana.
19
Cfr. R P , op.cit., p. 63.
20
Segundo C B , L’insaisissabilité, Les voies d’exécution, 5ª
edição, Paris, 2009, pp. 34 e ss, o conceito de bens imprescindíveis abrange
“vestuário, roupa de cama, produtos e objectos que visam a manutenção do lar,
alimentos, utensílios domésticos necessários para a confecção e conservação dos
alimentos, os aparelhos de aquecimento, mesas e cadeiras para tomar refeições,
alguns electrodomésticos, livros, entre outros”.
21
Cfr. G C , Voies d’exécution, Paris, 2001, pp. 34 e ss.
57
2.4. O conceito de imprescindibilidade
22
Por todos, R P , op.cit., p. 59.
23
A expressão é de J R N , Direitos Sociais, Coimbra, 2012,
p. 308. Ainda sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, vide para
uma visão geral J S S , Políticas públicas de Direitos Sociais,
Coimbra, 2010, pp. 579 e ss., J R N , Os princípios estruturantes
constitucionais estruturantes da República Portuguesa, Coimbra, 2011, pp. 51 e
ss., V A , Os direitos Fundamentais na Constituição portuguesa
de 1976, Coimbra, 2012, pp. 93 e ss.,
58
Assim, já se entendeu que não seriam imprescindíveis “os
electrodomésticos – televisão, frigorífico, máquina de lavar – e
certos móveis com uma alegada comodidade acima do básico –
sofás, candeeiros”24. Uma tal interpretação, que reduz ao mínimo
dos mínimos, o conceito de imprescindibilidade, não parece ser
aceitável. A tal conclusão tem chegado a doutrina, partindo de um
critério objectivo que assenta no “recurso a um padrão mínimo de
dignidade social”, que deve atender ao carácter dinâmico deste
princípio – ao qual já fizemos alusão – não devendo, portanto, ser
aferido “em função dos casos marginais (…) mas em função do
que, na sociedade actual, é humanamente exigível”25.
24
Cfr. R P , op.cit., p. 506.
25
Cfr. L F , op.cit., p. 249. No mesmos sentido aponta a
jurisprudência recente, vide para o efeito o Acórdão do Tribunal da Relação
de Lisboa de 16/11/10, disponível em www.dgsi.pt, do qual decorre que “para
efeitos de impenhorabilidade, o conceito de “bens imprescindíveis à economia
doméstica” deverá aferir-se perante as condições sociais económicas médias,
sendo o padrão de dignidade ou de necessidades essenciais evolutivo”, assim
“actualmente, a televisão, o frigorifico, o computador, a mesa da cozinha, a mesa
de sala e as cadeiras onde o agregado se senta diariamente para fazer as suas
refeições, ou até mesmo a cómoda onde são guardadas as roupas do agregado
constituirão bens essenciais à economia doméstica, só se encontrando-se excluída
tal essencialidade se tratarem de objectos valiosos ou decorativos, e sem utilidade
na satisfação das necessidades básicas, como, por ex., uma vitrine de exposição
de objectos ou colecções, um sofá ou móveis existentes num compartimento só
utilizado quando há visitas, o mobiliário de um escritório, etc”.
59
vindo a ter acolhimento jurisprudencial – constitui um importante
passo para a correcta delimitação dos bens abrangidos por este
regime de impenhorabilidade, e para a necessidade de respeitar o
elemento teleológico da norma26.
26
Referindo-se, neste contexto, ao “espírito da lei”, A R , op.cit.,
p. 353.
27
Quanto a esta expressão, diz A R , op.cit., p. 355, que esta
implica que não se deve “atende[r] à economia doméstica do executado, tal como
se achava montada: atende-se a qualquer economia. Quer dizer, não se excluem
da penhora os utensílios de que o devedor careceria para continuar a viver no luxo
e conforto em que provavelmente vivia; só se excluem aqueles utensílios que são
absolutamente indispensáveis a uma economia doméstica elementar”.
28
No que concerne a esta expressão, remetemos para as considerações de
L F , A acção…, p. 248, que acompanhamos.
60
Um primeiro grau – que podemos denominar de absoluto – e que
corresponde aos bens absolutamente imprescindíveis para uma vida
condigna. Isto é, todos aqueles bens que independentemente das
concepções sociais da época, e dos condicionalismos financeiros,
nunca deixarão de ser vistos como imprescindíveis a qualquer
economia doméstica. No fundo, este grau de imprescindibilidade
identifica-se com o limiar inferior da dignidade da pessoa humana,
com aquele reduto que a doutrina tem vindo a identificar como
constituindo o “mínimo existencial”29, sem o qual a pessoa fica
colocada numa situação de “penúria material que não lhe permite
as condições mínimas de autodeterminação pessoal”30. Será o caso
dos alimentos, do vestuário, da cama, entre outros bens.
29
Quanto ao conceito de mínimo existencial, vide por todos, M
N B , O ordenamento constitucional português e a garantia de
um nível mínimo de subsistência, in Estudos em Memória do Conselheiro Artur
Maurício, Coimbra, 2014, p. 1098.
30
Cfr. J R N , Direitos…, p. 308.
31
Cfr. J R N , Direitos…, p. 206.
61
um tal princípio poderia implicar. Seria inusitado, e até ilógico,
ancorar um critério de impenhorabilidade na dignidade humana e
de seguida ignorar os contributos da moderna doutrina dos Direitos
Fundamentais sobre esta questão. Assim, importa transpor esses
ensinamentos para este ramo do direito, procurando reflectir os
mesmos no processo de interpretação, aplicação, e conformação
legislativa, das normas processuais.
62
pelo que se poderia julgar uma imprescindibilidade relativa como
uma contraditio in terminis. Se algo é imprescindível pressupõe-se
que não possa ser prescindindo, dada a sua essencialidade.
63
a necessidade de garantir um mínimo de condições para a
subsistência do executado, que não proscrevam as condições
materiais que permitam garantir a autodeterminação deste, fica
por explicar como é que, atendendo à ligação que se estabelece
entre um dado bem imprescindível e um dado direito de crédito,
se permite a penhora destes bens imprescindíveis. E note-se que
se permite esta penhora não diferenciado aqueles bens que visam
garantir um “mínimo vital”, daqueles bens que garantem para lá
desse mínimo, ou seja, tratando de forma indistinta aquilo que é o
limiar inferior e o limiar superior da imprescindibilidade.
32
Questão diversa será saber se ainda que se apresente como racionalmente
justificável esta possibilidade de “relativizar” certos bens imprescindíveis a
qualquer economia doméstica, se a mesma não padece de inconstitucionalidade
atendendo a redundar numa prevalência (ainda que residual) do direito de crédito
sobre a dignidade da pessoa humana.
64
no artigo 736.º do CPC estão subtraídos ao universo de bens
potencialmente penhoráveis. Assim, este preceito procede a uma
delimitação negativa absoluta dos bens penhoráveis em concreto.
Ora, analisando o elenco deste preceito vemos que – e concentrando
a nossa atenção apenas nestes – o legislador consagrou como
bens absolutamente impenhoráveis “os objectos especialmente
destinados ao exercício de culto público” (al.d)).
65
paralelo no direito de retenção (artigo 754.º do Código Civil)33
– o legislador confere a estes uma posição privilegiada face aos
demais credores, atribuindo-lhes uma garantia decorrente da
imprescindibilidade do bem.
2.6. Solução
33
Sobre a “conexão material” enquanto pressuposto do exercício do direito de
retenção vide J G , Do Direito de Retenção (arcaico, mas eficaz…), in
Cadernos de Direito Privado, n.º 11, 2005, pp. 12 e ss., e ainda M L ,
op.cit., pp. 211 e ss. Embora sempre se diga que a posição em que ficam investidos
os titulares do crédito de aquisição ou reparação de bens imprescindíveis
tenha igualmente semelhanças com os titulares de um crédito com reserva de
propriedade.
34
Aprofundando este ponto, poderá questionar-se se a “conexão material”
existente entre o direito de crédito daqueles credores justifica, por si só, que estes
sejam os únicos que beneficiem da relativização da impenhorabilidade dos bens
imprescindíveis. Por outras palavras, se fruto dessa conexão fará sentido que o
credor fique colocado numa posição qualitativamente distinta dos demais, que
lhe permita fazer ceder o princípio da dignidade da pessoa humana ante o seu
crédito. A resposta é, em nosso entender, negativa, uma vez que essa posição
qualitativamente distinta além de não ser apta a fazer ceder o princípio da dignidade
da pessoa humana (nas suas manifestações mais intensas, v.g bens absolutamente
imprescindíveis), não parece encontrar reflexos no que concerne aos demais bens (não
imprescindíveis). De facto, e independentemente dessa conexão causal entre o
crédito e a coisa, a verdade é que o mesmo (afora as hipóteses do direito de
retenção e reserva de propriedade) não releva para efeitos de concurso com os
demais credores, face à execução de todos os bens (que não os imprescindíveis).
66
esbarrar nessa realidade. Assim, só do ponto de vista do direito
a constituir é que poderíamos – potencialmente – fazer vingar
as nossas considerações, propondo uma diferenciação entre os
bens absolutamente imprescindíveis (porque relacionados com o
“mínimo existencial”, decorrente da dignidade da pessoa humana),
e os bens relativamente imprescindíveis (atendendo à sua relação
com o “mínimo social”, enquanto limiar superior do “mínimo”
imposto pela dignidade da pessoa humana). Sendo que aos
primeiros deveria corresponder um regime de impenhorabilidade
absoluta, e aos segundos impenhorabilidade relativa. A par disso,
poder-se-ia defender uma concretização casuística (embora
balizada) do conceito de imprescindibilidade, como ocorre
na legislação espanhola, abandonando a ideia de “qualquer
economia” (que remete, como vimos, para uma padrão médio de
imprescindibilidade) para atender à imprescindibilidade dos bens
naquela economia em concreto (atendendo desta forma à idade do
executado, à composição do agregado familiar, às suas condições
de vida, entre outros factores).
67
determinada subcategoria de casos que, reconduzível muito embora
à previsão normativa, escapa à teleologia do preceito. Esta operação
permite, ao excluir uma determinada hipótese de uma previsão
normativa que prima facie a abrangeria, detectar a existência de
uma lacuna oculta35.
35
Cfr. K L , Metodologia da Ciência do Direito, Lisboa, 1997, p. 556.
36
Cfr. O A , Interpretação das Leis. Integração das Lacunas.
Aplicação do princípio da analogia, in ROA, ano 57, pp. 913 e ss.
68
semelhança, de resto, com uma hipótese semelhante, derivada
do princípio da dignidade da pessoa humana, e que se encontra
plasmada na al.f) do artigo 736.º).
37
Princípio que, de resto, foi recentemente aplicado pelo Tribunal
Constitucional, vide Acórdão do TC n.º 413/2014, disponível em www.dgsi.pt.
38
Cfr. R P , op.cit., p. 562. Desenvolvendo esta ideia de proporcionalidade,
P C S , As garantias do executado, in Themis, n.º 7, 2003, pp.
199 e ss., realça que “a tensão entre o direito à satisfação efectiva do direito do
credor e o direito do devedor à integridade do seu património há-de resultar um
princípio geral: o sacrifício do património do devedor só é admissível desde que
absolutamente necessário à satisfação do direito do credor.”, “A propriedade do
executado sobre os seus bens só deve ser afectada na medida imposta pela tutela
constitucional do crédito do exequente”.
39
Cfr. R P , op.cit., p. 562.
69
Este subprincípio parte de uma análise das “consequências
objectivas na esfera jurídica do afectado”40, neste sentido,
a verificação da existência de desrazoabilidade centra-se na
prespectiva do titular do direito, de tal modo que se considerará
existir uma violação da proibição do excesso quando “os afectados
[fiquem colocados] numa situação pessoal intolerável, desrazoável,
à luz dos padrões de um Estado de Direito”41.
3. Conclusão
40
Cfr. J R N , Direitos…, p. 308.
41
Ibidem
70
legislativa que atribui uma especial protecção a determinados
bens, considerados imprescindíveis para uma vida condigna, que
decorre directamente do princípio da dignidade da pessoa humana.
Contudo, uma tal protecção é afastada em certas circunstâncias
– mormente, quando a dívida exequenda respeitar à aquisição ou
reparação desse bem imprescindível. Esta aparente contraditio in
terminis representada por uma imprescindibilidade que em certos
casos é relativizada, é acentuada pelas opções do legislador, que
parece sobrepor o valor da liberdade religiosa ao valor da dignidade
da pessoa humana.
***
71
P
*
72
aquisição?; 3.1. A obrigação de restituição do capital mutuado;
3.2. A obrigação de pagamento de juros; 3.3. O caso especial da
mobilização antecipada nos depósitos a prazo; 4. Conclusões
1. Introdução
1
R P , Manual da Execução e Despejo, Coimbra, Coimbra Editora,
2013, p. 638, identifica também a questão dos limites à nomeação de conta
bancária e a compatibilidade com o sigilo bancário.
2
Aprovada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.
3
Algumas críticas a este preceito são apontadas por R P , referindo-se
à supressão da necessidade de despacho judicial prévio e a alteração do sistema
de preparação e consumação da penhora dos saldos, por meio de comunicação
do agente de execução. Para além disso, o autor chama também à atenção da
utilização imprópria do termo “bloqueio” (artigo 780.º, n.º 6 do Código de
Processo Civil) e de “penhora” (artigo 780.º, nº 5 do Código de Processo Civil).
R P , Manual, cit., pp 638-639.
73
do executado perante o banco. O objecto será, antes, o direito
de crédito do executado sobre o banco decorrente de um saldo
disponível numa conta bancária4. Para além disso, a identificação
será feita no momento de indicação de bens à penhora, ou seja, no
requerimento executivo (alínea i) do n.º 1 do artigo724.º do Código
de Processo Civil). Caso a identificação não tenha sido feita de
forma correcta, o artigo 780.º, n.º 2do mesmo diploma legal,
permite que possa ser penhorada a parte do executado nos saldos de
todos os depósitos existentes nas instituições de crédito notificadas/
comunicadas com respeito pelos limites de impenhorabilidade
parcial (artigo738.º, n.ºs 4 e 5 do Código de Processo Civil) e do
princípio da proporcionalidade (artigo735.º, n.º 3 do Código de
Processo Civil).
4
Neste sentido, J C G , “Penhora de direitos de crédito.
Breves notas”, in Themis, ano IV, n.º 7, Coimbra, Almedina, 2003 e Rui Pinto,
Manual, cit., p. 639.
5
O Decreto-Lei 430/91, de 2 de Novembro prevê, no seu art. 1.º as
modalidades de depósitos de disponibilidades monetárias nas instituições de
crédito, devendo revestir a modalidade de depósito à ordem, com pré-aviso, a
prazo, não mobilizáveis antecipadamente e constituídos em regime especial.
Como nos interessa, em especial, as modalidades de depósito a prazo e de
depósito a prazo não mobilizável antecipadamente, transcrevemos os n.ºs 4 e 5
que definem este tipo de depósitos bancários:
“Artigo 1.º
(…)
4 - Os depósitos a prazo são exigíveis no fim do prazo por que foram
constituídos, podendo, todavia, as instituições de crédito conceder aos seus
depositantes, nas condições acordadas, a sua mobilização antecipada.
5 - Os depósitos a prazo não mobilizáveis antecipadamente são apenas
exigíveis no fim do prazo por que foram constituídos, não podendo ser
reembolsados antes do decurso desse mesmo prazo.”.
74
mobilização antecipada, nas condições acordadas; nos depósitos
a prazo não mobilizáveis antecipadamente, não se admite esta
antecipação. Quanto a estes, parece que o legislador se manifestou
no sentido de não permitir que seja encurtada a relação contratual,
pretendendo prosseguir as finalidades do mútuo clássico, mas
também interesses públicos, possivelmente ligados a uma política
de protecção e incremento do aforro6.No que diz respeito a estas
modalidades de depósito, a doutrina tem considerado que estamos
perante verdadeiros mútuos7.
6
Avançando estas justificações C L B , Ensaio sobre
Natureza Jurídica do Contrato de Depósito Bancário, Lisboa, Faculdade de
Direito da Universidade de Lisboa, 1993, p. 280.
7
Neste sentido, em monografia especialmente dedicada ao tema, C
L B , Ensaio sobre Natureza Jurídica do Contrato de Depósito
Bancário, cit., pp 273 e ss., onde o autor evidencia que se esfuma a característica
do depósito à ordem, onde a entrega do dinheiro ao banco tem a finalidade
primeira de guarda e disponibilidade do mesmo. No caso dos depósitos a prazo,
não há a possibilidade de a todo o tempo o depositante reaver o tantudem (traço
típico que leva a qualificar os depósitos à ordem como depósitos irregulares).Em
suma, funcionalmente os depósitos a prazo exercem o escopo típico do mútuo
(crédito), e estruturalmente, adaptam-se ao esquema típico do empréstimo de
coisa fungível. Os depósitos a prazo são, neste sentido, verdadeiros mútuos. Em
sentido divergente, cfr. M C , Manual deDireito Bancário, 5.ª
edição, Coimbra, Almedina, 2014, p. 482. O autor considera que não se deve
cindir dogmaticamente a figura dos depósitos bancários. Mas o autor centra-se
apenas na figura dos depósitos a prazo (deixando de lado os depósitos a prazo
não mobilizáveis antecipadamente). Ora, questiona o autor, nas hipóteses em
que seja acordada a mobilização antecipada, o mútuo transformar-se-ia em
depósito irregular? O autor mantém, por isso, o tratamento do depósito como
figura unitária, típica, autónoma e próxima, historicamente, do depósito irregular.
Apesar de percebermos a preocupação do Professor, entendemos que a sua
análise não é suficiente para afastar a natureza de mútuo dos depósitos a prazo, na
medida em que a sua crítica não está apta a abranger o caso dos depósitos a prazo
não mobilizáveis antecipadamente.
75
n.ºs 1 e 2 do artigo 3.ºdo Decreto-Lei430/91, de 2 de Novembro.
Dispõem estes preceitos da seguinte forma:
“Artigo 3.º
8
Note-se que é o objecto mediato dos direitos que determina o procedimento
de penhora. Neste sentido R P , Manual, cit., p. 479.
76
2. O título nominativo representativo de depósitos a prazo
e a prazo não mobilizáveis antecipadamente como
reconhecimento de dívida (artigo 458.º do Código Civil)
9
R M , “A penhora de créditos na reforma processual de 2003”,
in Themis, ano V, n.º 9, Coimbra, Almedina, 2004, p. 167.
10
Esta falta de vencimento em nada afecta a instância executiva. Não se
trata de falta de vencimento da obrigação que encontra nos seus pólos activo e
passivo o exequente e executado. Sobre a exigibilidade enquanto pressuposto de
exequibilidade intrínseca, cfr., por todos R P , Manual, cit., pp. 229 e ss.
77
entidade depositária, de um título nominativo representativo do
depósito pode causar algumas confusões que pretendemos resolver,
designadamente quanto à sua natureza.
11
O que desenvolveremos infra: ponto 3.
12
Sobre as características dos títulos de crédito J E A , Os
Títulos de Crédito, 2.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2012, pp. 14 e ss; V
S , “Títulos de Crédito”, in Boletim do Ministério da Justiça, 59, 1956 pp.
3-350; O A , Direito Comercial, III (Títulos de Crédito), Lisboa,
1992; P F , Títulos de Crédito, Coimbra, Almedina, 2000; P P
V ,Direito Comercial – Títulos de crédito, Lisboa, AAFDL, 1988.
13
Cfr. J E A , Os Títulos de Crédito, cit., p. 14.
78
anterior ao da emissão do título nominativo representativo do
depósito, que será o da celebração do contrato de depósito a prazo
ou a prazo não mobilizável antecipadamente14. Assim, parece claro
que se incorpora um direito de natureza privada, o que não carece
de grandes desenvolvimentos.
14
Caso contrário existiria uma duplicação de obrigações de restituição e de
pagamento de juros por parte da instituição de crédito. Note-se que estas são
operações que surgem sempre associadas a uma abertura de conta, de tal modo que,
aquando da sua efectivação, o banqueiro já deu o seu assentimento genérico, ou
seja, esse último já nada pode fazer do que aceitas as mais diversas manifestações
da sua concretização. Assim, M C , Direito Bancário, 5.ª edição,
Coimbra, Almedina, 2014, pp. 612-613.
15
Assim, J E A , Os Títulos de Crédito, cit., p. 17.
79
de facilitar a sua circulação e para que possa “circular [de forma]
célere e seguramente de mão em mão”16.
16
A expressão é de J E A , Os Títulos de Crédito, cit., p. 17.
17
J E A , Os Títulos de Crédito, cit., pp. 20-21.
18
Cfr. J E A , Os Títulos de Crédito, cit., pp. 24-26.
80
em análise, impossibilita, desde logo, a possibilidade de existirem
portadores sucessivos.
19
Sobre a causalidade enquanto princípio de direito das obrigações, veja-se,
por todos, M C , Tratado de Direito Civil, VI, 2.ª edição, Coimbra,
Almedina, 2012, pp. 70-73.
20
Para uma contraposição entre causalidade e abstracção, cfr. Tratado de
Direito Civil, VI, cit., p. 71.
21
Neste sentido, M C , Tratado de Direito Civil, VII, Coimbra,
Almedina, 2014, p. 692.
81
prova22. Facilita-se assim a prova da existência da obrigação, uma
vez que é presumida, bastando ao beneficiário a apresentação do
documento de onde consta o reconhecimento da dívida, cabendo
ao devedor demonstrar que a dívida não existe. Note-se ainda que
não será necessário que o reconhecimento resulte de forma directa
e expressa do documento que o contenha, podendo ser extraídas
de documentos que visem fins diversos, mas que, de certo modo,
o revelem23, apesar de não ser esta a situação, no caso em apreço.
22
É exactamente por isto que se tem criticado a inserção sistemática do
preceito, na medida em que, nesta secção o Código ocupa-se dos negócios
jurídicos unilaterais como fonte das obrigações, o que não é o caso, como supra
se verificou, antes o de lhe atribuir uma mera eficácia declarativa de inversão
do ónus da prova. Cfr. M L , Direito das Obrigações, I, 12.ª edição,
Coimbra, Almedina, 2015, p. 248 e I G T , Direito das
Obrigações, 7.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 1997, p. 181. Pelo contrário,
M C reconhece-lhe ainda uma eficácia constitutiva afirmando:
“Para além do decisivo aspecto da prova, devemos ter consciência de que a
dívida reconhecida nunca é precisamente a preexistente: bastaria a dispensa da
“causa” para a tanto conduzir. Além disso, há uma pequena revolução nos deveres
acessórios…”, M C , Tratado de Direito Civil, VII, cit., p. 693.
23
Partilhamos do ponto de vista e dos argumentos de M
C ,Tratado de Direito Civil, VII, cit., p. 695.Assim, se da declaração
resultar a existência de uma dívida, deve funcionar a presunção do art. 458.º.
Deve ter-se presente que em Portugal se atravessa uma crise de descrédito em que
todos os fundamentos são razoáveis para protelar o cumprimento de obrigações.
A questão tem sido debatida na Jurisprudência, pronunciando-se neste sentido
os Acs. STJ de 11/05/1999, STJ de 29/1/2002 e RPt de 06/03/2007. Em sentido
diverso pronunciaram-se os Acs da RLx 11/10/2001, RPt de 21/10/2003 e RLx
de 23/02/2006.
82
No seguimento desta conclusão e após uma pequena análise
do regime e das vantagens decorrente de estarmos perante um
reconhecimento de dívida, deve acrescentar-se uma outra vantagem
(também ela de carácter processual), ainda que esta tenha sido
suprimida pela reforma do Código de Processo Civil de 2013.
Assim, parece que o sentido do regime consagrado no Decreto-Lei
430/91, de 2 de Novembro tinha como finalidade a atribuição de
um título executivo ao beneficiário do título de reconhecimento de
dívida, já que os documentos particulares simples, i.e., aqueles que
não foram sujeitos a qualquer acto de certificação por uma entidade
administrativa, revestiam o carácter de título executivo, nos termos
da anterior alínea c) do n.º 1 doartigo 46.ºdo Código do Processo
Civil24. Ora, esta vantagem deixou de existir com a reforma de
2013 que retirou do cardápio de títulos executivos os documentos
particulares (artigo 703.º do Código do Processo Civil), uma vez
que o número de títulos executivos, desde a reforma de 1995-1996,
aumentou exponencialmente25.
24
Para além destes requisitos pode apontar-se a assinatura pelo devedor (que
deixou de ser exigida pela reforma de 1995-1996 e o facto de importarem a
constituição ou o reconhecimento de uma obrigação pecuniária, cujo montante
seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com
as cláusulas dele constantes. Neste sentido R P , Manual, cit., pp. 182-183.
25
Assim, R P , Manual, cit., p. 184. Acrescenta o autor que no plano da
tutela, melhor será, a montante, o credor precaver-se promovendo a autenticação
por termo, do documento particular, nos termos do art. 150.º do Código do Notariado.
26
Ac. TC 480/2015 de 23/09/2015 (M F M -M ),
disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20150408.
83
de Processo Civil, então exequíveis por força da já referida alínea
c) do n.º 1 do artigo 46.º do anterior Código de Processo Civil.
A fundamentação desta declaração de inconstitucionalidade situa-
se no princípio da protecção da confiança dos cidadãos, ínsito no
princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo
2.º da Constituição da República Portuguesa. Para concluir neste
sentido o Tribunal aplicou os testes para concluir do conteúdo
normativo preciso do princípio da protecção da confiança. Os
primeiros testes destinam-se ao escrutínio da consistência e
legitimidade das expectativas dos cidadãos afectados pela alteração
normativa. Esta consistência existe quando: i) o Estado (rectius,
o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar
nos cidadãos expectativas de continuidade; ii) estas expectativas
sejam legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; iii) e estes
cidadãos tenham feito planos de vida tendo em conta a perspectiva
de continuidade do comportamento estatual. A estes junta-se um
outro, relativo ao princípio da proporcionalidade em sentido estrito,
no sentido da verificação da existência de um interesse público
que se sobreponha às expectativas legítimas dos particulares (no
sentido apurado pelos três testes anteriores).
84
Tribunal considerou que através das sucessivas reformas na acção
executiva (sempre no sentido da ampliação da exequibilidade dos
documentos particulares, justificada com o desiderato constitucional
de evitar o recurso desnecessário a acções declarativas de
condenação), o legislador encetou um comportamento susceptível
de gerar expectativas de continuidade nos cidadãos, consistindo
esta eliminação dos documentos particulares do elenco de títulos
executivos num volte-face nesse comportamento. No que respeita
ao segundo requisito, o Tribunal Constitucional entendeu que
há razões suficientes para conferir legitimidade, consistência e
validade a estas expectativas na imediata exequibilidade do título,
na medida em que – e, assim entramos na análise do terceiro
requisito -, se a lei nova estivesse em vigor no momento em que
o credor teve acesso ao documento privado, ele teria adoptado
uma outra diligência ou precaução no sentido de se munir de um
título executivo. O Tribunal cita a propósito M J G
T 27
, que afirma que “se, à data da celebração do negócio ou da
constituição da relação jurídica, aquele documento não revestisse a
força de título executivo, o credor não teria porventura formado a
sua vontade nos termos em que a formou, podendo presumir-se que
só não requereu a autenticação do documento particular porque tal
formalidade não era necessária para que aquele documento fosse
um título executivo”.
27
M J G T , “A reforma do Código de Processo Civil:
A supressão dos documentos particulares do elenco dos títulos executivos, in
Julgar, Setembro de 2013 (disponível em http://julgar.pt/a-reforma-do-codigo-
de-processo-civil/).
85
XII28, que deu origem à Lei n.º 41/2013, justificou a supressão
dos documentos particulares do elenco de títulos executivos com
o combate ao risco de proliferação de acções executivas injustas.
Ora, este risco já teria sido concretizado no aumento exponencial
de acções executivas, a maioria das quais sem ser antecedida de
um controlo sobre o crédito invocado (e, por esse motivo, sem
contraditório). Considerou o Tribunal relativamente à situação em
apreço que o peso relativo do interesse público em análise deve
atender-se a que este tem vindo a ser contrabalançado por várias
soluções legislativas, de onde se destacam a possibilidade de
dedução de oposição à execução (antigo artigo 816.º e actual artigo
731.º do Código de Processo Civil), na possibilidade de o juiz, na
sequência da oposição à execução poder suspender a execução,
caso seja alegada a falta de autenticidade do documento particular
e seja apresentado documento que constitui indicio de prova da
viabilidade da oposição à execução (antigo artigo 818.º e actual
artigo 733.º do Código do Processo Civil), e ainda a possibilidade
de penalização do exequente caso este actue sem a prudência
exigível (antigo artigo 819.º e actual artigo 858.º do Código de
Processo Civil). Neste sentido, ainda que a mudança seja imposta,
em si mesma, por um objectivo legítimo, o que se deve questionar é
se esta solução seria a menos lesiva das expectativas legítimas dos
cidadãos, ou seja, se havia margem para o acautelamento destas
expectativas e, se sim, se a protecção obedece aos ditames da “justa
medida”. Ora, nesta caso, poderia invocar-se que o particular não
ficaria totalmente limitado relativamente à sua possibilidade de
reacção, podendo obter um título executivo pela via declarativa
ou por via simplificada do procedimento de injunção. No que diz
respeito a estas possibilidades, entendeu o Tribunal Constitucional
que não se pode ignorar que, no caso do recurso à acção declarativa,
o credor pode ser colocado em dificuldades sérias de efectivar
28
Disponível em https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/paginas/
detalheiniciativa.aspx?BID=37372.
86
o seu crédito, atendendo à volatilidade da garantia patrimonial
do devedor (que propicia estratégias que podem deixar o credor
sem objecto de execução). Quanto ao procedimento de injunção,
o Tribunal chamou à atenção para o facto de que a sua garantia
de máxima celeridade e simplicidade (com dispensa de processo
declarativo) está nas mãos do devedor, que mediante oposição
ao requerimento de injunção pode forçar a existência de um
processo declarativo (mesmo que simplificado). Nesta senda, fica
claro que o particular fica prejudicado pela maior morosidade na
satisfação do crédito, pelo que das normas em análise não resulta
uma acomodação ajustada dos interesses em presença. Conclui-se,
assim, que o interesse público subjacente à remoção dos documentos
particulares do elenco de títulos executivos não demonstra ter uma
superioridade relativa às legítimas expectativas dos particulares,
passando a melhor solução (a menos lesiva destas expectativas)
pela consagração de um regime transitório para os documentos
particulares constituídos em data anterior à da entrada em vigor da
lei nova. Foi com estes fundamentos que o Tribunal Constitucional
declarou com força obrigatória geral a inconstitucionalidade das
normas dos artigos 703.º e 6.º, n.º 3 da Lei 41/2013, no que respeita
à sua aplicação a documentos particulares emitidos em data
anterior à sua entrada em vigor, por violação do princípio da tutela
da confiança (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa).
87
3. Penhora de depósitos a prazo e a prazo não mobilizáveis
antecipadamente como penhora de direitosou de
expectativas de aquisição?
29
M C , Tratado de Direito Civil, IX, Coimbra, Almedina,
2014, p. 208.
30
M C , Tratado de Direito Civil, IX, cit., pp 220-221.
88
Como é sabido, cabe à lei substantiva fixar o regime relativo aos
direitos que, embora dentro do comércio jurídico, são indisponíveis
ou que, ainda que sejam disponíveis, sejam intransmissíveis inter
vivos, quer objectiva quer subjectivamente31. Ora, os direitos que
surjam como intransmissíveis através de um acto inter vivos, são
impenhoráveis, pelo que a penhora destes direitos é ilegal, podendo
constituir fundamento de oposição à penhora ao abrigo da alínea a)
do n.º 1 do artigo 784.ºdo Código de Processo Civil.
31
Neste sentido, R P , Manual, cit., p. 497 e Lebre de Freitas, A Acção
Executiva – à luz do Código de Processo Civil de 2013, 6.ª edição, Coimbra
Editora, 2014, pp. 232 e ss.
32
Neste sentido também D S , “Penhora de Saldos Bancários”,
in JusJornal, n.º 993, WoltersKluwer, 2010, disponível em www.jusjornal.
wolterskluwer.pt.
33
R M , “A penhora de créditos na reforma processual de
2003”, cit., p. 168.
89
da posição jurídica do executado): resta saber em que termos se
fará esta penhora. Face ao exposto, e no sentido de facilitar a nossa
visão acerca do assunto, parece-nos relevante distinguir, neste tipo
de operações, a obrigação de restituição do capital mutuado e a
obrigação de pagamento de juros.
34
Sobre este regime, cfr. R P , Manual, cit., pp. 620 e ss.
90
(artigo 749.º do Código de Processo Civil) pode requerer ao
terceiro devedor as informações que considere relevantes para
a individualização do crédito: sujeitos, montante, garantias,
vencimento do crédito. A penhora efectiva-se com a notificação35
do debitordebitoris de que o crédito fica à ordem do agente de
execução, nos termos do artigo 773.º, n.º1 do Código de Processo
Civil. Consumada a notificação, o debitordebitorisnão poderá, com
eficácia, praticar actos que extingam o crédito, como decorre do
artigo 820.º do Código Civil.
35
Esta notificação é feita com as formalidades da citação pessoal (artigos 228
e ss e 246.º do Código de Processo Civil, com ressalva do artigo 229.º do mesmo
diploma legal). No que diz respeito ao conteúdo da citação, o terceiro devedor,
além de ser notificado de que o crédito fica à ordem do agente de execução é
ainda informado do prazo para reconhecer se o crédito e da cominação em que
incorre se nada disser (artigo 227.º do Código de Processo Civil). Cfr. R P ,
Manual, cit., p. 621.
36
No mesmo sentido, M B B , O Mútuo Bancário – ensaio
sobre a estrutura sinalagmática do contrato de mútuo, Coimbra, Coimbra
Editora, 2015, pp. 75 e ss (em especial).
91
ficando esta com um direito à concretização da atribuição); ii) a
limitação imanente da vinculação(cada uma das partes obriga-se
se e só se a outra atribuição se concretizar); iii) carácter finalístico
(cada uma das obrigações é estabelecida para quea outra atribuição
se concretize)37.
37
Neste sentido, M L P /P M , “Sobre o
conceito e extensão de sinalagma”, inEstudos em Homenagem ao Prof. Doutor
Oliveira Ascensão, vol. I, Coimbra, Almedina, 2008, p. 414. Os autores concluem
neste sentido após criticarem as teses da limitação imante e da estrutura
final, uma vez que cada uma delas, só por si, não é suficiente para explicar a
relação sinalagmática. Optam, nesta senda, por uma teoria mista, absorvendo
o conteúdo de ambas as teses para explicar esta relação, M L
P /P M , “Sobre o conceito e extensão de sinalagma”, cit., pp.
408 e ss. Em sentido contrário R F , Direito das Obrigações, vol.
I, Coimbra, Almedina, 1987, p. 225; P J , Direito das Obrigações,
1.º, Lisboa, AAFDL, 1975/1976, p. 160 (nota 1); e M L , Direito
das Obrigações, vol. III, 10.ª edição, Coimbra, Almedina, 2015, pp. 351-352.
A qualificação, para estes autores, do mútuo como contrato unilateral deriva do
cariz real quoadconstitutinem do mútuo, não havendo, por parte do mutuante
qualquer obrigação relativa à entrega das coisas mutuadas, visto passarem para a
propriedade do mutuário.
38
A questão coloca-se relativamente à forma como o Código Civil concebe
a relação sinalagmática, conforme nos dá nota M B B , O Mútuo
Bancário, cit., pp. 83 e ss. Explicita o autor que a palavra “prestação” é utilizada
no Código Civil identificando-se sempre com um comportamento de um sujeito,
que é qualificado como devido pelo negócio jurídico ou pelas normas relativas à
fonte das obrigações. Apenas estes deveres podem ser cumpridos, realizados ou
rejeitados. É por esta razão que não é possível atribuir aos preceitos do Código
Civil (designadamente, os artigos 397.º e 428.º) um âmbito de aplicação mais
amplo do que aqueles que propugnam uma concepção tradicional de sinalagma:
estas normas apenas se aplicam quando haja uma interligação específica entre
obrigações, na acepção utilizada pelo Código. Mas o sentido destas normas deve
ser apurado, de forma a abranger as situações em que as partes trocam vantagens
não correspondentes a obrigações. Parece, neste sentido que a construção de
nexos de sinalagmaticidade entre obrigações é produto da vontade das partes,
ainda que esta visão não seja pacífica (contra esta visão cfr. designadamente,
92
de uma estipulação negocial, parece-nos, com M L
P e P M , que ele (o vínculo sinalagmático)
constituir-se-á sempre que cada uma das partes atribuir à outra
qualquer vantagem se e para que a outra parte lhe faz uma atribuição
de sinal contrário. Repare-se que tem neste caso o significado de
atribuição“toda a estipulação contratual que qualifique como
satisfatório para uma parte (o atributário) -i.e., como vantajoso para
esta - um acontecimento que seja imputável à sua contraparte (o
atribuinte)”39, que podem corresponder à constituição, modificação,
ou extinção de situações jurídicas, ou seja nos efeitos que podem
ser contratualmente estabelecidos. Assim, e nos termos formulados
por P M , deverá ser considerada como atribuição tudo
aquilo, e só aquilo, que, através do conteúdo do contrato, for
qualificado pelas partes como vantagem atribuída por uma à outra40.
93
uma situação jurídica nem um efeito jurídico42) “corresponde à
vantagem atribuída pelo mutuante ao mutuário através da dilação
temporal entre o momento de disponibilização do capital e o
momento de vencimento da obrigação de reembolso”43. Nesta
medida, a atribuição contratual do depositante ao depositário é a
disponibilização do capital, à qual corresponde a vantagem de não
ser obrigado a reembolsar o capital transferido durante o período
estipulado. Assim, o depositante disponibiliza o capital se e só se
o depositário se obrigar a pagar juros e para que o mutuário pague
esses juros, enquanto o mutuário se obriga a pagar juros apenas
se o mutuante lhe disponibilizar o capital e para que o depositante
lhe disponibilize o capital44. O tempo tem assim uma relevância
constitutiva no escrutínio do conteúdo e da extensão da atribuição
do depositante ao depositário (o juro). Consoante o prazo seja mais
ou menos extenso, a disponibilização do capital será mais ou menos
valiosa (o que terá impacto no montante da obrigação de pagamento
94
do juro). O tempo assume, portanto, uma relevância que vai para
alémda determinação do momento que as obrigações de juro devem
ser cumpridas, sendo um factor constitutivo das mesmas45. Esta
dimensão constitutiva do tempo na conformação desta atribuição
é em tudo análoga à que se verifica nas obrigações duradouras,
podendo-se afirmar que estamos perante uma “atribuição duradoura
de satisfação continuada”46.
45
M B B , O Mútuo Bancário, cit., p. 134 e ss.
46
Assim pode ler-se em M B B , O Mútuo Bancário, cit.,
p. 137. O autor desenvolve, seguidamente, as consequências da qualificação do
mútuo como contrato sinalagmático.
47
Esta definição pertence aC M P , Teoria Geral do Direito
Civil, Coimbra Editora, 1996, p.180. No entanto, a definição da doutrina em geral
não se desvia muito da noção apresentada. É assente que se traduz numa posição
de expectação à qual o direito confere protecção jurídica, ou seja, que interessa
ao direito proteger. Veja-se, a título de exemplo, I G T ,
“Expectativa Jurídica”, algumas notas, in O Direito, ano 90.º, p. 3; C
F , Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, AAFDL, 1983, p. 47 eR
M , Curso de Processo Executivo Comum, Almedina, 2000, p. 230. Essa
protecção aparece através de permissões atribuídas ao sujeito expectante, em
ordem à defesa da probabilidade de efectivação do seu desejo (ou seja, do seu
direito a haver) R R , “Da Expectativa Jurídica”, in Revista da Ordem dos
Advogados, ano 54, Lisboa, 1994, p.151. É o caso, por exemplo, do comprador
sob condição suspensiva (artigo 273.º do Código Civil); do herdeiro legitimário
95
cuja constituição ou aquisição é de gestação demorada; leva tempo
a operar-se”48. No entanto, surgem como fundamentais as precisões
de R R que se refere a um “sujeito expectante” e a uma
“posição de expectação à qual o Direito confere protecção”49,
sendo aquilo que caracteriza a expectativa jurídica “a ausência
de disponibilidade ou de liberdade dos envolvidos em relação
à eventual efectivação em relação à eventual efectivação do
direito do expectante”50. Ora, como supra se avançou, no caso
do depósito a prazo, a disponibilização do capital corresponde a
uma atribuição duradoura de satisfação continuada, ou seja, a uma
atribuição positiva que se traduz em deveres positivos e negativos
continuados51. Desta forma, parece-nos que estamos perante um
direito de aquisição que surgirá findo o período pelo qual foi
convencionada a disponibilização do capital (retius, “crédito
futuro”, nos termos avançados por R M ).
96
de penhora aplicável. Estas diferenças não existem relativamente
ao crédito de restituição do capital mutuado, na medida em que o
artigo 778.º do Código de Processo Civil, aplicável à penhora de
“créditos futuros” – tal como formulado por R M -ou
de expectativas de aquisição, não inclui no seu âmbito aplicativo
a penhora de direitos ou expectativas de aquisição de natureza
obrigacional52 – e aqui subsistem as divergências com R
M 53
. Nesta senda, tanto o direito ao reembolso das quantias
depositadas, como o direito ao pagamento de juros são penhoráveis
nos termos gerais da penhora de créditos: artigos 773.º e ss. do
Código de Processo Civil.
52
Neste sentido, R P , Manual, cit. p. 660 (nota 1717 com indicações
jurisprudenciais), onde o autor explica que o objecto desta penhora são situações
jurídicas activas que afectam em termos reais um bem. É que, nestes casos, a
titularidade desse bem ainda permanece na esfera de terceiro, e, sendo anterior à
penhora, não caducou, face ao disposto no artigo 824.º, n.º2 a contrario.
53
Divergências relativas ao facto de não se aplicar o artigo respeitante à
penhora de direitos ou de expectativas de aquisição e relativamente ao facto de,
por consequência, não haver qualquer tipo de conversão da penhora, uma vez que
o art. 778.º, n.º 3 do Código de Processo Civil não é aplicável.
54
M C , Direito Bancário, cit., p. 614.
55
Repare-se que o que determina a perda de juros é o facto de estes não se
terem constituído. Não se trata, portanto, de uma verdadeira “perda”.
97
depósito, embora este último mereça um tratamento mais cuidado.
Assim, salientou-se que depósitos a prazo são exigíveis no fim do
prazo por que foram constituídos, podendo, todavia, as instituições
de crédito conceder aos seus depositantes, nas condições acordadas,
a sua mobilização antecipada. Decorre da definição legal que, tal
como nos depósitos a prazo não mobilizáveis antecipadamente, o
direito de crédito respeitante à restituição do capital vence-se findo
o prazo por que foi constituído. Ainda assim, há a particularidade
de se poder acordar a sua mobilização antecipada, pelo que há,
neste caso “perda” do direito aos juros. Note-se que o tempo surge
como facto constitutivo deste direito, pelo que constituídos estão só
e apenas os juros correspondentes ao período relativamente ao qual
o capital esteve disponibilizado. Assim, é possível ao executado,
na qualidade de depositante, pedir a mobilização antecipada, ao
contrário do que sucede nos depósitos a prazo não mobilizáveis
antecipadamente.
56
“Bloqueio” é a terminologia legal adoptada pelo legislador, mas é utilizada
em sentido impróprio para significar “apreensão preparatória da penhora”. Neste
sentido,R P , Manual, cit., p. 639.
98
Por fim, deve colocar-se a questão de saber se, havendo acordo
entre o depositante/executado e depositário/banco no sentido da
mobilização antecipada das quantias monetárias depositadas, é
possível que o exequente exija esta mobilização antecipada. Trata-
se de uma questão de renúncia ao benefício do prazo (1194.º do
Código Civil). Ficando o crédito à ordem do agente de execução
(artigo 773.º, n.º 1 do Código de Processo Civil), é este que
renuncia ao benefício do prazo, requerendo a restituição imediata
das disponibilidades monetárias, ainda que tal procedimento
implique a perda de juros57. No que respeita a esta possibilidade, a
jurisprudência tem-se pronunciado no sentido da sua admissibilidade
(discutindo o problema quanto aos Planos Poupança– que abrange
os planos poupança-reforma, os planos poupança-educação e os
planos poupança-reforma/educação)58.
57
No sentido de que o agente de execução pode requerer a restituição imediata
das disponibilidades monetárias, R M , “A penhora de créditos na
reforma processual de 2003”, cit., pp. 168 e 169.
58
Dando nota desta questão R P , Manual, cit., pp. 651 e ss.
59
Ac. RPt de 23-10-2006 (F R ), disponível em http://www.dsgi.
pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/0f1772bfc67080ae802572170
04ece24?OpenDocument.
99
desvio inaceitável às finalidades da constituição de tais Planos”60.
Conclui-se, nesta medida, que “(…)um PPR, pode ser penhorado
a qualquer momento, sendo depositado o valor de resgate do
mesmo, ainda que em momento anterior à data da sua duração
contratualmente fixada, pois, para além dos casos normais de
reembolso do valor dos planos de poupança previstos no n.º 1 do
artigo 4º do DL n.º 158/2002 de 02/07, é também possível exigir-
se o reembolso do valor de um PPR a qualquer tempo, apenas
com consequências a nível fiscal, conforme decorre do n.º 5 do
citado artigo 4º. Assim, sendo possível resgatar um PPR nos termos
expostos e com um valor certo, é também possível a penhora, num
dado momento, desse mesmo PPR, pelo valor que o mesmo teria
caso fosse resgatado pelo seu tomador”61.
60
Ac. TRLx de 23-06-2005 (A V ), disponível em http://www.
dsgi.pt/jtrl.nsf/0/701e2461d962e1fd80257077003bc8a6?OpenDocument.
61
Ac. TRG de 18-06-2015 (A C D ), disponível emhttp://
www.dsgi.pt/JTRG.NSF/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/d6304be11524
2ad080257eb3005562c4?OpenDocument.
62
Pensamos, ainda assim, que esta possibilidade de reembolso (no caso dos
planos poupança) e de mobilização antecipada (no caso dos depósitos a prazo)
não deve ocorrer de forma imediata e automática a partir do momento em que
são colocados à ordem do agente de execução. Esse reembolso ou mobilização
antecipada só devem ter lugar caso o exequente o venha a solicitar. Caso contrário,
estaríamos a atribuir um benefício ao exequente que ele poderá até não desejar e
a perpetrar um dano ao executado (perda de juros) que poderá ser desnecessário.
Em sentido diverso parece apontar a jurisprudência, designadamente, Ac. TRLx
de 19-09-2007 (S C ), disponível em http://www.dsgi.pt/jtrl.nsf
/33182fc732316039802565fa00497eec/55c6d75f0c90dd3e8025737e003c7e4a?
OpenDocument.
100
previstas nos n.ºs 4 e 5 do artigo 21.º do Estatuto dos Benefícios
Fiscais (que determinam a perda de benefícios ficais atribuídos a
estas operações). No nosso caso, a situação é idêntica, na medida
em que, caso haja mobilização antecipada, a exigência dessa
mobilização implicará a “perda” do direito ao pagamento de juros
(os que efectivamente não se vieram a constituir). No que respeita
aos depósitos a prazo mobilizáveis antecipadamente, parece que
está vedada esta possibilidade, na medida em que por expressa
estipulação das partes, a mobilização foi afastada.
63
Questionando se o resgate imediato com perda de benefícios fiscais obedece
ao princípio da proporcionalidade, R P , Manual, cit. pp. 652 e 653.
64
R P , Manual, cit. pp. 562 e 563.
65
R P , Manual, cit. p. 563.
101
si, na medida em que será o executado o responsável último pelo
seu pagamento. Assim, nos termos do artigo 721.º do Código de
Processo Civil, estas despesas são suportadas pelo exequente,
sendo que estes gastos irão integrar as custas de parte que aquele
tenha direito a receber do executado (artigo 533.º, n.º2), caso não
haja possibilidade de serem pagos precipuamente pelo produto
da venda, de acordo com o disposto no artigo 541.º do Código de
Processo Civil.
66
O recurso à proporcionalidade é assim feito por diferente via, visto o
princípio da proporcionalidade não nos parecer apto a resolver a questão em
apreço. Sobre a problemática do desequilíbrio no exercício jurídico, cfr., por
todos, M C , Da Boa Fé no Direito Civil, Coimbra, Almedina,
1997 (reimpressão), pp. 853 e ss.
67
Com conclusão idêntica, ainda que com fundamentação diversa, R P ,
Manual, cit. p. 653.
102
4. Conclusões
103
No respeitante à penhora do direito de restituição do montante
disponibilizado a título de depósito a prazo não mobilizável
antecipadamente, aplicar-se-á o regime da penhora de créditos
(artigo 773.º do código de Processo Civil), na medida em que
estamos perante um direito de crédito pecuniário que apenas não
se encontra vencido;
104
analógica da cativação ou bloqueio (artigo 780.º, n.º 2 do Código
de Processo Civil), na medida em que o seu efeito essencial será
impossibilidade de praticar actos de disposição ou de oneração do
crédito penhorado (artigo 820.º do Código Civil). O executado fica,
assim, impedido de pedir a mobilização antecipada do depósito a
prazo, assegurando-se o efeito útil da penhora;
105
B
*
*
A presente exposição corresponde à oral de melhoria da cadeira de Direito
Processual III com a regência do Professor Doutor Rui Gonçalves Pinto a quem
agradecemos pelo incentivo à publicação deste breve artigo.
**
Aluno do 4.º ano da Licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa.
1
Cit. RUI PINTO, Manual da Execução e Despejo, Coimbra Editora, 2013,
pág. 471
106
1. O processo de injunção:
2
São títulos judiciais impróprios, entre outros, as certidões extraídas dos
títulos de cobrança relativas a tributos e outras receitas do Estado e as decisões
definitivas das autoridades administrativas que apliquem coimas. Para um elenco
exaustivo: Cfr. FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, Curso de Processo de
Execução, 12ª edição, Almedina, 2010, pág. 43 e seguintes.
3
As taxas de portagens devidas à Brisa, através do contracto de adesão ao
sistema de Via Verde constituem obrigações pecuniárias que emergem de contrato
e que, por isso, podem ser alvo de processo de injunção. Cfr. Acórdão da Relação
de Lisboa de 28 de outubro de 2004 (CJ, ano XXIX, tomo IV, pág. 118).
4
O Decreto-Lei n.º 269/91 de 1 de setembro, no seu artigo 3.º alínea a), define
transação comercial como “qualquer transação entre empresas ou entre empresas
e entidades públicas, qualquer que seja a respetiva natureza, forma ou designação,
que dê origem ao fornecimento de mercadorias.” Note-se que esta alínea b) foi
introduzida em 2003 com o Decreto-Lei n.º 32/2003 de 17 de fevereiro.
5
Cfr. RUI PINTO, Ob. cit. pág.208.
107
injunção apresenta várias características, nomeadamente o exercício
do direito de ação com a obtenção do título por parte do autor, o
conhecimento do procedimento de formação do título através da
citação, bem como o direito de defesa do autor. Para além destas
últimas – organicamente – o título incorpora um ato de autoridade
judiciária ou de uma entidade administrativa com possibilidade de
recurso para um juiz e – materialmente – o comando de atuação ao
réu é uma decorrência por este ter confessado a dívida, de forma
expressa ou tácita.
108
Ainda com relevância de tramitação processual, devemos
considerar, ainda que sucintamente, o Regulamento n.º 1896/2006
do Parlamento Europeu e do Conselho, que cria um procedimento
europeu de injunção de pagamento e que permite que, uma vez
adquirida a força executiva no Estado-Membro de origem, a
injunção de pagamento europeia seja reconhecida e executada
no outro Estados Membro, sem necessidade de uma declaração
de executoriedade e sem possibilidade de contestação do seu
reconhecimento, nos termos do seu artigo 19.º
6
“Enquanto o modelo probatório considera indispensável uma proteção
mínima do requerido através de uma intervenção judicial, o modelo não probatório
coloca a tónica na responsabilidade do próprio requerido, tendo, portanto, de ter
especiais preocupações com a sua notificação.” Cit. JOÃO PEDRO PINTO-
FERREIRA e MARIANA FRANÇA GOUVEIA, «A Oposição à Execução
Baseada em Requerimento de Injunção – Comentário ao Acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 388/2013» in Revista THEMIS, n.ºs 24/25, Almedina, 2015,
pág. 331.
109
3. A mutação do regime à luz das reformas do Processo Civil:
A reforma de 2003, uma vez que não fazia referência direta aos
fundamentos da oposição à execução baseada em requerimento
de injunção com fórmula executória, o caráter taxativo dos
fundamentos de oposição à execução de sentenças judiciaisestava
em confronto com a amplitude de oposição à execução de outros
títulos executivos como a injunção, cuja oposição podia ter
por base qualquer fundamento de defesa existente no âmbito da
ação declarativa.Neste sentido, o requerimento de injunção com
fórmulaexecutória estava abrangido pelo artigo 816.º CPC7 uma
vez que não podia ser equiparado a uma sentença judicial8Embora
7
O artigo 816.º (Fundamentos de oposição à execução baseada noutro título)
tinha a seguinte redação: “Não se baseando a execução em sentença, além dos
fundamentos de oposição especificados no artigo 814.º, na parte em que sejam
aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que seria lícito deduzir como
defesa no processo de declaração.”
Por sua vez o artigo 814.º (Fundamentos de oposição à execução baseada em
sentença ) previa o seguinte: “Fundando-se a execução em sentença, a oposição
ó pode ter algum dos fundamentos seguintes:
a) Inexistência ou inexequibilidade do título;
b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou
outra influa nos termos da execução;
c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da
instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;
d) Falta ou nulidade da citação para a ação declarativa quando o réu não tenha
intervindo no processo;
e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não
supridas na fase introdutória da execução;
f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;
g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja
posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove
por documento. A prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por
qualquer meio;
h) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer
causa de nulidade ou anulabilidade desses atos.”
8
Cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, “A Execução Fundada no Título Formado
no Processo de Injunção”, in Themis, n.º 13, 2006, pág. 280
110
a opção maioritária da Doutrina fosse a inexistência de efeito
preclusivo associado à falta de oposição ao requerimento de
injunção, houve na Doutrina9 quem entendesse que havia
equiparação entre os fundamentos de oposição à execução baseada
em sentença judicial e em requerimento de injunção com fórmula
executória, o que implicava um efeito preclusivo decorrente da
falta de oposição.
9
SALVADOR DA COSTA, A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 6.ª
edição, Coimbra, Almedina, 2008, pág. 256 e 325.
10
Cfr. JOÃO PEDRO PINTO-FERREIRA e MARIANA FRANÇA
GOUVEIA, Ob. cit. pág. 321.
11
JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Acção Executiva - Depois da Reforma da
Reforma, 5.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2012, pág. 182.
12
Cfr. RUI PINTO, Ob. cit. pág. 469.
111
Por fim, com a última reforma de 2013 introduziram-se
alterações importantes nesta temática através previsão de um regime
específico, previsto no artigo 857.º13, para a oposição à execução de
requerimento de injunção com fórmula executória. Com a alteração
à lei, embora se continue com a equiparação dos fundamentos de
oposição entre as sentenças judiciais e o requerimento de injunção,
passa a estar prevista a possibilidade de alegar meios de defesa
não supervenientes ao prazo para a oposição, no caso de justo
impedimento14 à oposição15 (n.º2) e quando existam exceções
dilatórias ou perentórias de conhecimento oficioso (n.º3).
13
A redação do artigo 857.º é a seguinte:
1 - Se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual
tenha sido aposta fórmula executória, apenas podem ser alegados
os fundamentos de embargos previstos no artigo 729.º, com as
devidas adaptações, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2 - Verificando-se justo impedimento à dedução de oposição ao
requerimento de injunção, tempestivamente declarado perante a secretaria
de injunção, nos termos previstos no artigo 140.º, podem ainda ser alegados
os fundamentos previstos no artigo 731.º; nesse caso, o juiz receberá os
embargos, se julgar verificado o impedimento e tempestiva a sua declaração.
3 - Independentemente de justo impedimento, o executado é ainda
admitido a deduzir oposição à execução com fundamento:
a) Em questão de conhecimento oficioso que determine a improcedência,
total ou parcial, do requerimento de injunção;
b) Na ocorrência, de forma evidente, no procedimento de injunção de
exceções dilatórias de conhecimento oficioso.
14
O justo impedimento tem de ser alegado de forma tempestiva perante a
secretaria de injunção, o que significa que a parte tem de requerer a sua declaração
logo que o impedimento cesse. Contudo este não impede a executoriedade do
requerimento de injunção, apenas alarga os motivos de oposição já na fase
executiva.
15
Exemplo paradigmático deste caso e que passa agora a estar protegido é o
caso em que há uma avaria no meio de comunicação que impossibilita a receção
ou entrega da oposição.
112
4. O subprincípio da proibição da indefesa:
16
CARLOS LOPES DO REGO, «Os Princípios Constitucionais da Proibição
da Indefesa, da Proporcionalidade dos Ónus e Cominações e o Regime da Citação
em Processo Civil» in Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel
Cardoso da Costa, Coimbra Editora, 2003, pág. 835.
17
Cit. CARLOS LOPES DO REGO, Ob. cit., pág. 836.
113
Assim, ficou ultrapassado um dos pontos mais controversos
existentes antes da reforma de 2013, a preclusão de meios de defesa
de conhecimento oficioso. Contudo, levanta-se um outro problema,
como é o caso do exercício efetivo do contraditório mediante a
notificação e a tomada de conhecimento do efeito preclusivo
que tem a falta de oposição ao requerimento de injunção, que,
na prática, pode não estar assegurado tendo em conta o princípio
da proporcionalidade na sua tripla dimensão de necessidade,
adequação e proporcionalidade em sentido estrito18.
5. O estado da questão:
18
O artigo 18.º n.º 2 da CRP, dispõem que “A lei só pode restringir os direitos,
liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição,
devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos
ou interesses constitucionalmente protegidos.” Isto dito, a restrição do direito de
acesso à justiça só será admissível caso não exceda o necessário para salvaguardar
outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
114
CRP, “O Tribunal Constitucional aprecia e declara ainda, com
força obrigatória geral, a inconstitucionalidade ou a ilegalidade
de qualquer norma, desde que tenha sido por ele julgada
inconstitucional ou ilegal em três casos concretos.”.
19
Cit. Acórdão n.º 714/2014 de 28 de outubro de 2014, ponto 4.1, 2.º
parágrafo, 2.ª frase,disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
20
Cit.Acórdão n.º 714/2014 de 28 de outubro de 2014, ponto 5, último
parágrafo, 1.ª frase, disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
115
estes aspetos relativos ao regime específico da injunção, conclui-se
que o alargamento dos meios de defesa operado pelo artigo 857.º,
n.ºs 2 e 3, do NCPC não afasta os fundamentos que conduziram,
no passado, ao juízo de inconstitucionalidade de solução legal
semelhante. Por isso, e em conclusão, subsiste a razão de ser que
esteve na base da censura jus constitucional da solução que mantém
as restrições do direito de defesa em sede de execução e da obtenção
de pronúncia judicial sobre as razões oponíveis ao direito exercido
pelo credor prévias à aposição da fórmula executória, por violação do
princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1,
da Constituição.»21
www.tribunalconstitucional.pt.
116
artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro),
importando notar que esta notificação provém da entidade
a que passou a competir o processamento das injunções – o
Balcão Nacional de Injunções – e dela não consta qualquer
referência ou advertência de que a falta de oposição
do requerido determinará o acertamento definitivo da
pretensão do requerente da injunção.
117
equiparação ao 729.º, atenuando, dessa forma, o efeito preclusivo
da defesa perante a execução, para que exista um “processo justo”
é elemento essencial do chamamento do demandado a advertência
para as cominações em que incorre se dele se desinteressar, tal
como prevê o artigo 227.º, n.º 2, in fine e o artigo 557.º do CPC.22e23
22
Como se viu, o n.º 13 do Decreto-Lei 269/98 de 1 de Setembro, no seu
artigo 13.º o único efeito cominatório que prevê é o da aposição de fórmula
executória ao requerimento de injunção, não prevendo no mesmo sentido que o
artigo 227.º n.º 2 e 557.º do CPC, que os factos alegados pelo autor se consideram
provados por admissão no caso de não contestação.
23
A existência de um efeito preclusivo na ação executiva sem indicação
expressa na notificação em sede de injunção coloca em causa o direito de defesa do
requerido. Cfr. Acórdão Tribunal Constitucional n.º592/12 de 7 de novembro de 2012.
24
Também neste sentido ver: JOÃO PEDRO PINTO-FERREIRA e
MARIANA FRANÇA GOUVEIA, Ob. cit. pág. 336 e segs.Os autores propõem
dois caminhos de alteração: i) a criação de um domicílio oficial para efeitos de
citação e de notificação; ii) a equiparação das regras da notificação da injunção à
da citação na ação declarativa.
25
Também no sentido de se exigir um efetivo conhecimento da notificação,
neste caso através de registo postal, ver: RUI PINTO, Ob. cit, pág. 469. Para
além desta alteração o Autor defende um efetivo conhecimento da preclusão dos
fundamentos de oposição à execução e uma diminuição do valor da injunção para
os 5.000 euros, valor até ao qual não é necessário patrocínio judiciário, como
disposto no artigo 40.º n.º1 alínea a).
26
No fundo estamos perante uma aproximação das regras da citação às regras
da notificação. Nos termos do artigo 227.º n.º2 do CPC, “No ato de citação,
indica-se ainda ao destinatário o prazo dentro do qual pode oferecer a defesa, a
necessidade de patrocínio judiciário e as cominações em que incorre no caso de revelia”.
118
No regime atual, a notificação por via postal registada é a
modalidade preferencial como previsto no artigo 12.º, n.º 1,
do regime anexo ao Decreto-Lei. n.º 269/98. A circunstância de
a lei admitir apenas esta modalidade de notificação repercute-
se necessariamente nas diligências subsequentes à frustração
da notificação por via postal registada. Neste caso, segue-se a
pesquisa de informação sobre a residência, local de trabalho ou
sede do requerido (artigo 12.º, n.º 3, do regime anexo ao Decreto-
Lei n.º 269/98) e a notificação por via postal simples para todas
as moradas identificadas (artigo 12, n.os 4 e 5, do regime anexo ao
Decreto-Lei n.º 269/98). Por outro lado, quando exista convenção
de domicílio, a notificação deve efetuar-se por carta registada
simples enviada para o domicílio ou sede convencionado (artigo
12.º-A, n.º 1, do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98).
119
garante o efetivo conhecimento da notificação, veja-se o caso
dos ausentes, que sairiam do processo sem a mínima garantia de
defesa. Posto isto, parece-nos que, de iurecondendo, será exigida
a equiparação do regime da notificação ao regime da citação,
contudo, salvaguardamos uma possível tomada de posição mais
inovadora no caso de esta solução se revelar demasiado demorada
num processo que deve ser célere.27
27
Com JOÃO PEDRO PINTO-FERREIRA e MARIANA FRANÇA
GOUVEIA, esta solução seria a da criação de um domicílio oficial para efeitos de
notificação, sendo que, a frustração da notificação por via postal registada daria lugar
à notificação pessoal por agente de execução e, em caso de frustração desta, a notificação
considerar-se-ia realizada por depósito no domicílio oficial. Cfr. JOÃO PEDRO
PINTO-FERREIRA e MARIANA FRANÇA GOUVEIA, Ob. cit. pág. 341.
28
É diferente a posição do consumidor final que pontualmente incumpre
um determinado contrato da posição do operador que contrata com outras
empresas no exercício da sua atividade profissional. Se em relação ao
primeiro, a ausência de uma advertência quanto aos efeitos da não oposição
ao requerimento de injunção pode criar uma situação de indefesa, dado
considerar-se inexigível o conhecimento do efeito preclusivo; em relação ao
segundo, já o conhecimento de tal efeito não pode deixar de ser exigível,
atenta a condição de profissional em que intervém.
29
Neste ponto acompanhamos inteiramente a declaração de voto de Pedro
Machete no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 264/2015 de 8 de junho de
2015, disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
120
Assim sendo, tendo tudo isto em conta e realizadas as
modificações legislativas que aqui propomos, sempre se atinge o
propósito de proporcionar ao credor um meio expedito de passar
à realização coerciva da prestação, mediante uma solução que não
ponha em causa as garantias de defesa do executado. Isto dito,
recordado a questão que antecedeu esta breve exposição – “Se o
novo 857.º conhecerá uma breve vida, semelhante à do artigo 814.º
n.º2, apenas o futuro o dirá.” – referir que no pressente já temos
resposta, cumpre agora no futuro resolver-se o problema.
121
O
*
Júlio Venâncio
122
1. A penhora de participações sociais
1
Cf. LEBRE DE FREITAS, Introdução ao Processo Civil, 3.ºed. Coimbra,
2013, p. 44; RUI PINTO, Manual da execução e despejo, 1.ºed., Coimbra, 2013,
p. 14.
2
Cf. RUI PINTO, Manual da execução e despejo cit., pp. 16-17.
3
A necessidade de realização coactiva dos direitos através da acção executiva
resulta dos limites da acção declarativa. Cf. RUI PINTO, Manual da execução e
despejo cit., p. 16.
4
Cf. RUI PINTO, Manual da execução e despejo cit., p. 24.
5
Cf. RUI PINTO, Manual da execução e despejo cit., pp. 477-478.
6
Cf. LEBRE DE FREITAS, A acção executiva, 6.ºed., Coimbra, 2014, pp.
231-232.
7
Cf. RUI PINTO, Manual da execução e despejo cit., pp. 477-478: referindo
que o termo apreensão não é o melhor tecnicamente para caracterizar o que se
passa no plano dos efeitos jurídicos e o termo bens não corresponde ao objecto
da penhora.
123
de aproveitamento e disposição de um direito patrimonial na sua
titularidade8. A penhora vem assim assegurar o exercício do direito
de execução sobre o património do devedor (artigo 817.º do Código
Civil, doravante “CC”) 9.
8
Cf. RUI PINTO, Manual da execução e despejo cit., p. 477-478.
9
Cf. RUI PINTO, Manual da execução e despejo cit., pp. 478; TEIXEIRA
DE SOUSA, Acção executiva singular, Lisboa, 1998, p. 197.
10
Cf. TEIXEIRA DE SOUSA, Acção executiva singular cit., p. 195. O autor
refere que quando se fala de bens do devedor pretende-se referir os direitos sobre
bens de que ele seja titular, pois penhoráveis são os direitos reais inerentes a esses
bens.
11
Cf. RUI PINTO, Manual da execução e despejo cit., p. 479.
12
O agente de execução não está vinculado a penhorar os bens indicados
no requerimento executivo (724.º/1 i) do CPC) mas deve respeitá-la, salvo
se violarem norma legal imperativa ou o princípio da proporcionalidade ou
adequação (751.º/2 do CPC).
13
Sobre a natureza da participação social vide: PEDRO PAIS DE
VASCONCELOS, A participação social nas sociedades comerciais, Coimbra,
2005, pp. 472-480.
124
vem tratada no Código de Processo Civil numa subsecção dedicada
à penhora de direitos, nomeadamente nos artigos 774.º/1, 780.º/14,
e 781.º/6 do CPC, o que não é tecnicamente correcto14, pois a
participação social envolve situações jurídicas activas (direitos)
mas também situações jurídicas passivas (obrigações)15.
1.1.1 Enquadramento
14
Cf. SOVERAL MARTINS, Penhora de quotas e acções, in Direito das
Sociedades em revista, Volume III, Coimbra, 2010, pp. 114-115; VALBOM
BAPTISTA, Penhora de participações sociais. Em especial nas sociedades por
quotas e anónimas, in Colectânea de estudos de Processo Civil, 1.ºed., Coimbra,
2013, pp. 170-171.
15
Cf. VALBOM BAPTISTA, Penhora de participações sociais. Em especial
nas sociedades por quotas e anónimas cit., p. 170: referindo que a transmissão
da participação social em sede de venda executiva ou adjudicação abarca todas as
situações jurídicas, nomeadamente as obrigações.
16
Cf. MENEZES CORDEIRO, Direito das Sociedades, Volume II, Coimbra,
2014, p. 337.
17
O preceito legal aplica-se às sociedades civis e sociedades em nome
colectivo. Cf. RUI PINTO, Manual da execução e despejo cit., p. 650.
125
Temos assim o seguinte procedimento: i) o agente de execução
comunica electronicamente ao serviço competente da conservatória
do registo comercial18, valendo a comunicação como pedido do
registo da penhora19; ii) o agente de execução notifica a sociedade20.
18
Ou através de apresentação no serviço competente da conservatória do
registo comercial de declaração subscrita pelo agente de execução (29.º-B do
CRCom).
19
A penhora de quotas está sujeita a registo comercial (3.º/1 f) e 15.º/1 do
CRCom).
20
Cf. SOVERAL MARTINS, Penhora de quotas e acções cit., p. 117;
VALBOM BAPTISTA, Penhora de participações sociais. Em especial nas
sociedades por quotas e anónimas cit., p. 192: a notificação é realizada com
expressa advertência que a mesma fica à ordem do agente de execução (781.º/1
do CPC com as devidas adaptações) e que abrange os direitos patrimoniais a ela
inerentes (239.º/1 do CSC).
21
Cf. RUI PINTO, Manual da execução e despejo cit., p. 650
22
Cf. TEIXEIRA DE SOUSA, Acção executiva singular cit., pp. 276-277.
23
Cf. REMÉDIO MARQUES, Curso de processo executivo comum, Lisboa,
1998, pp. 223-224.
24
Cf. SOVERAL MARTINS, Penhora de quotas e acções cit., p. 117.
25
Cf. VALBOM BAPTISTA, Penhora de participações sociais. Em especial
nas sociedades por quotas e anónimas cit., pp. 189-191.
26
Cf. LEBRE DE FREITAS, A acção executiva cit., pp. 293-294.
27
Cf. SOVERAL MARTINS, Penhora de quotas e acções cit., p. 119.
28
Cf. VALBOM BAPTISTA, Penhora de participações sociais. Em especial
nas sociedades por quotas e anónimas cit., pp. 272-273.
126
entendem que a participação social carece de administração na
pendência da penhora. Assim sendo, será o agente de execução,
em regra constituído depositário, a exercer os direitos patrimoniais,
com a diligência e zelo de um bom pai de família (artigo 756.º/1,
760.º/1, 783.º do CPC).
29
Sem prejuízo da sua penhora enquanto direito de crédito (773.º do CPC).
30
Considerando que se trata da penhora de quinhão sobre um bem indiviso
(781.º/1 do CPC): RUI PINTO, Manual da execução e despejo cit., p. 651;
TEIXEIRA DE SOUSA, Acção executiva singular cit., pp. 276-277. Em sentido
(parcialmente contrário), considerando a penhora do direito ao lucro como uma
penhora de direito de crédito (773.º do CPC): LEBRE DE FREITAS, A ação
executiva cit., p. 287.
31
Sobre a classificação dos direitos dos sócios vide: MENEZES CORDEIRO,
Direito das Sociedades, Volume I, 3.ºed, Coimbra, 2011, pp. 625-627.
32
Cf. SOVERAL MARTINS, Penhora de quotas e acções cit., pp. 120-121.
127
Quanto à amortização da quota33, uma leitura do artigo 819.º do
CC poderia levar o intérprete a concluir que se encontraria vedada34.
No entanto, a solução que resulta do artigo 239.º/2 do CSC é a
contrária. Efectivamente, o contrato de sociedade não pode proibir
ou limitar a transmissão de quota em processo executivo (artigo
239.º/2 do CSC), sob pena de nulidade (artigo 294.º do CC)35.
Mas pode atribuir à sociedade o direito de amortizar36 a quota
em caso de penhora (artigo 239.º/2 in fine do CSC). O momento
da realização da amortização da quota é também discutido na
doutrina portuguesa. SOARES DA FONSECA37 entende que a
amortização da quota poderá ser realizada a partir da notificação à
sociedade da decisão judicial38 que determine a venda da quota em
processo executivo (artigo 239.º/4 CSC). SOVERAL MARTINS39
entende que a amortização da quota poderá ser realizada a partir da
notificação da penhora à sociedade (artigo 781.º/6 do CPC).
33
Sobre a amortização da quota vide MENEZES CORDEIRO, Direito das
Sociedades, Volume II, Coimbra, 2014, pp. 379-391.
34
Nos termos do artigo 819.º do CC: “sem prejuízo das regras do registo,
são inoponíveis em relação à execução os actos de disposição, oneração ou
arrendamento dos bens penhorados”.
35
Pretende-se impedir que os devedores contornem o artigo 601.º do CC.
Cf. TIAGO SOARES DA FONSECA, in Código das Sociedades Comerciais
Anotado, Coimbra, 2009, anotação ao artigo 239.º.
36
Cf. SOVERAL MARTINS, Penhora de quotas e acções cit., pp. 120-124.
O autor refere que a contrapartida (235.º do CSC) resultante da amortização da
quota, enquanto direito patrimonial, é abrangida pela penhora, e ainda que o
regime aplicável é o da penhora de direitos de crédito (773.º/1 e 777.º/1 a) do CPC).
37
Cf. TIAGO SOARES DA FONSECA, in Código das Sociedades Comerciais
Anotado, Coimbra, 2009, anotação ao artigo 239.º.
38
A expressão deve ser entendida como decisão do agente de execução.
Cf. VALBOM BAPTISTA, Penhora de participações sociais. Em especial nas
sociedades por quotas e anónimas cit., pp. 206-207.
39
Cf. SOVERAL MARTINS, Penhora de quotas e acções cit., p. 117.
128
crédito (artigo 239.º/3 do CSC, 767.º/1, 592.º/1, 593.º do CC)40.
Assim como os sócios, a sociedade, ou pessoa por ela designada,
têm direito de preferência (legal) na venda ou adjudicação judicial
da quota (artigo 239.º/5 do CSC e 819.º, 823.º, 800.º/2 do CPC)
- .
41 42
1.2.1 Enquadramento
40
Sobre a sub-rogação vide: MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito
Civil Português, Volume II, Tomo IV, Coimbra, 2010, pp. 225-233; MENEZES
LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume II, 8.ºed., Coimbra, 2011, pp. 35-50.
41
Sobre o direito de preferência vide: MENEZES CORDEIRO, Tratado
de Direito Civil Português, Volume II, Tomo II, Coimbra, 2010, pp. 461-529;
MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume I, 11.ºed., Coimbra, 2014,
pp. 223-236.
42
Trata-se de mecanismos que evitam o ingresso de terceiros na sociedade.
Cf. RAUL VENTURA, Sociedades por Quotas, Volume I, 2.º ed. Coimbra, 1989,
p. 772; VALBOM BAPTISTA, Penhora de participações sociais. Em especial
nas sociedades por quotas e anónimas cit., p. 207.
43
Sobre o conceito de valor mobiliário vide: PAULO CAMARA, Manual de
Direito dos Valores Mobiliários, 2.ºed, Coimbra, 2011, pp. 89-124.
129
As acções escriturais constituem-se por registo em conta
individualizada aberta junto da entidade registadora (artigo 73.º/1
do CVM), que pode ser (artigo 61.º do CVM): a) intermediário
financeiro, no qual existe uma conta integrada em sistema
centralizado44-45; b) único intermediário financeiro indicado
pelo emitente46; c) emitente ou intermediário financeiro que o
representa47.
44
Os sistemas centralizados de valores mobiliários são formados por
conjuntos interligados de contas, através das quais se processa a constituição e
transferência dos valores mobiliários nele integrados e se assegura o controlo
de quantidade dos valores mobiliários em circulação e dos direitos sobre eles
constituídos (88.º/1 do CVM).
45
Assim sucede, obrigatoriamente, com as acções escriturais admitidas à
negociação em mercado regulamentado (62.º do CVM).
46
Assim sucede, obrigatoriamente, nas acções escriturais ao portador (63.º/1
a) do CVM), nas acções distribuídas através de oferta pública e que pertençam à
mesma categoria (63.º/1 b) do CVM), desde que não se encontrem integradas em
sistema centralizado.
47
Assim sucede, obrigatoriamente, com as acções escriturais nominativas,
desde que não se encontrem integradas em sistema centralizado ou registadas
num único intermediário financeiro (64.º/1 do CVM).
48
Assim sucede nos casos do artigo 99.º/2 a) e b) do CVM.
49
A remissão operada pelo artigo 780.º/14 do CPC não abrange a alínea b) do
n.º 7. Cf. LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, Volume III,
130
O âmbito de aplicação do artigo 780.º/14 do CPC encontra-
se limitado às acções50: i) integradas em sistema centralizado; ii)
registadas em único intermediário financeiro; iii) registadas junto
do respectivo emitente; iv) depositadas em intermediário financeiro.
131
deve ser realizado pelo agente de execução55. Efectivamente,
ao agente de execução cabe efectuar todas as diligências da
execução (artigo 719.º/1 do CPC), não surgindo o averbamento nas
competências do juiz (artigo 723.º/1 do CPC). Além disso, o artigo
774.º/1 do CPC dá a entender que quem ordena o averbamento é
quem realiza a penhora, mediante apreensão do título.
55
Cf. SOVERAL MARTINS, Penhora de quotas e acções cit., p. 133;
VALBOM BAPTISTA, Penhora de participações sociais. Em especial nas
sociedades por quotas e anónimas cit., pp. 242-246.
56
Cabe ao agente de execução a escolha da instituição de crédito, sendo esta
susceptível de reclamação para o juiz (723.º/1 c) do CPC).
57
Cf. RUI PINTO, Manual da execução e despejo cit., pp. 631-632: referindo
que são aplicáveis, por remissão do artigo 783.º do CPC, algumas normas
relativas ao depositário, nomeadamente o artigo 761.º/1 do CPC.
58
O bloqueio consiste num registo em conta, com indicação do seu fundamento, do
prazo de vigência e da quantidade de valores mobiliários abrangidos (72.º/3 do CVM).
132
titulados é feita nos termos correspondentes aos estabelecidos
para a transmissão da titularidade dos valores mobiliários”.
59
SOVERAL MARTINS, Penhora de quotas e acções cit., pp. 134-135.
60
Cf. VALBOM BAPTISTA, Penhora de participações sociais. Em especial
nas sociedades por quotas e anónimas cit., pp. 257; SOVERAL MARTINS,
Penhora de quotas e acções cit., p. 138.
61
Relativamente às acções sujeitas ao artigo 774.º/1 do CPC em que não seja
possível o averbamento da penhora será necessário notificar a sociedade (781.º/6
do CPC por analogia). Cf. SOVERAL MARTINS, Penhora de quotas e acções
cit., pp. 138-139.
133
passem um certificado que legitime o exercício do direito de voto
(artigo 104.º/1, 78.º/2 do CVM). Em relação às acções tituladas
nominativas, o direito de voto será exercido de acordo com o que
constar no registo do emitente (artigo 104.º/2 do CVM). Em relação
às acções escriturais, se o direito de voto não for exercido através da
entidade registadora, pode sê-lo pela apresentação dos certificados a
que se refere o artigo 78.º do CVM (artigo 83.º do CVM).
62
Cf. SOVERAL MARTINS, Penhora de quotas e acções cit., p. 140;
VALBOM BAPTISTA, Penhora de participações sociais. Em especial nas
sociedades por quotas e anónimas cit., p. 248.
134
2. O direito de voto
2.1 Noção
63
Cf. MENEZES CORDEIRO, Direito das Sociedades, Volume I, cit., pp.
274-275.
64
Sem prejuízo das restrições previstas na lei. Vejamos alguns exemplos:
artigo 251.º/1, 324.º/1 a), 384.º/4 e 6, 485.º/3 do CSC e 192.º/1 do CVM.
65
Sobre a classificação dos direitos dos sócios vide MENEZES CORDEIRO,
Direito das Sociedades, Volume I, cit. pp. 623-627.
66
Sobre o conceito de poder, enquanto situação jurídica activa, vide:
MANUEL GOMES DA SILVA, O dever de prestar e o dever de indemnizar,
Lisboa, 1944, pp. 40-45.
67
Cf. JOSÉ MARQUES ESTACA, O destaque dos direitos de voto em
face do Código dos Valores Mobiliários, em estudos em homenagem ao
Prof. Doutor José de Oliveira Ascensão, Volume II, Lisboa, 2008, pp. 1354-
1358; JOAQUIN GARRIGUES, Instituciones de Derecho Mercantil, 3.ºed.,
135
de voto é exercido através da emissão de uma declaração de
vontade, que se traduz na aceitação ou rejeição de uma proposta de
deliberação social68. Efectivamente, a deliberação social, enquanto
negócio jurídico, resulta da formação de declarações de vontade,
maxime os votos. Assim sendo, a vontade da sociedade resulta de
um esquema de imputação à pessoa colectiva – sociedade – da
vontade dos sócios69, que vai ser apurada pela maioria exigida
por lei e manifestada através do exercício do direito de voto70.
136
capital social (artigo 24.º/1 e 250.º/2 do CSC). Daqui resulta que,
nas sociedades por quotas, é permitido o voto plural.
72
Também denominada “blindagem dos estatutos”, surge como uma medida
defensiva contra Ofertas Públicas de Aquisição. Cf. MENEZES CORDEIRO,
Direito das Sociedades, Volume II, cit., p. 764.
137
assim que, nas sociedades anónimas, não é permitido o voto plural
(artigo 384.º/5 do CSC). Nos termos do artigo 385.º/1 do CSC, o
acionista que disponha de mais do que um voto não pode fraccionar
os seus votos para votar em sentidos diversos sobre a mesma
proposta, sob pena de nulidade (artigo 385.º/4 do CSC). É a regra
da unidade de voto73.
73
Importa referir que as situações do artigo 385.º/2 e 3 do CSC e 23.º-C/6 do
CVM não constituem excepções à regra da unidade de voto.
74
Cf. PAULO CAMARA, Manual de Direito dos Valores Mobiliários cit., p.
530: referindo que o absentismo do exercício dos direitos sociais, nomeadamente
do direito de voto, é tendencialmente acentuado nas sociedades abertas.
75
Cf. MENEZES CORDEIRO, Direito das Sociedades, Volume II, cit., p.
611.
76
As acções que se encontrem admitidas à negociação em mercado
regulamentado estão obrigatoriamente integradas em sistema centralizado (61.º
a) e 88.º/1 do CVM), quer sejam escriturais (62.º do CVM) ou tituladas (99.º/2
a) e 105.º do CVM).
138
em assembleia geral depende da titularidade de acções, na data de
registo correspondente às 0 horas (GMT) do 5.º dia de negociação
anterior ao da realização da assembleia geral, que confiram,
no mínimo, um voto (artigo 23.º-C/1 do CVM). Assim sendo, o
accionista de uma sociedade aberta declara por escrito, ao presidente
da mesa da assembleia geral e ao intermediário financeiro onde a
conta de registo individualizado esteja aberta, até ao dia anterior ao
dia referido no n.º1, a intenção de participar em assembleia geral
(artigo 23.º-C/3 do CVM).
77
Cf. SOVERAL MARTINS, Penhora de quotas e acções cit., p. 121.
139
do artigo 239.º/1 do CSC ao estabelecer, expressamente, que o
direito de voto é exercido pelo sócio executado78, de modo a evitar
a intromissão de estranhos na vida da sociedade.
78
Cf. SOVERAL MARTINS, Penhora de quotas e acções cit., p. 140;
VALBOM BAPTISTA, Penhora de participações sociais. Em especial nas
sociedades por quotas e anónimas cit., pp. 268-269.
79
Cf. LEBRE DE FREITAS, A acção executiva cit., p. 293.
80
Cf. VALBOM BAPTISTA, Penhora de participações sociais. Em especial
nas sociedades por quotas e anónimas cit., p. 269.
81
Cf. SOVERAL MARTINS, Penhora de quotas e acções cit., p. 122:
referindo que a solução é demasiado rigorosa, em virtude de o artigo 239.º/1 do
CSC não fazer essa discriminação.
82
Sobre o interesse social nas deliberações sociais vide: JOSÉ MARQUES
ESTACA, O interesse social nas deliberações sociais, Lisboa, 1998.
83
Cf. RAUL VENTURA, Sociedades por Quotas, Volume II, Coimbra, 1989,
p. 297.
140
artigo 820.º do CC ao estabelecer que “sendo penhorado algum
crédito do devedor, a extinção dele por causa dependente da
vontade do executado ou do seu devedor, verificada depois da
penhora, é igualmente inoponível à execução84.
84
Um exemplo de aplicação inequívoca do artigo 820.º do CC será, na
pendência da penhora, a celebração de um acordo de remissão (863.º/1 do CC)
entre a sociedade e o sócio executado, com o intuito de extinguir a obrigação de
pagamento de lucros.
85
Antes apenas existe um direito (abstracto) ao lucro (21.º/1 a) do CSC),
que é inerente à qualidade de sócio. Cf. MENEZES CORDEIRO, Direito das
Sociedades, Volume II, cit., p. 603.
86
Cf. MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, Volume I, 4.ºed.,
Coimbra, 2012, p. 45.
87
Cf. OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito – Introdução e Teoria Geral,
13.ºed., Coimbra, 2011, p. 474.
141
direitos de crédito, ainda é o que se encontra mais próximo do quid
participação social, pois o artigo 819.º do CC pressupõe um direito
real. Por outro lado, não existem razões que impedem a aplicação
do artigo 820.º do CC, por analogia, também aos factos impeditivos,
desde que ocorram posteriormente à penhora88. Podemos assim
afirmar que a declaração de vontade em que assenta o voto seria
um facto impeditivo, na medida em que se traduza na aceitação de
uma proposta de deliberação social de não distribuição de lucros
do exercício, e desde que o sócio executado tenha influência na
formação do quórum deliberativo, ou seja, que sem a emissão do
número de votos que o sócio executado dispõe a deliberação social
não seria aprovada89.
88
Cf. RUI PINTO, Manual da execução e despejo cit., p. 677.
89
A aprovação de uma deliberação social de não distribuição de lucros do
exercício exige um quórum deliberativo de três quartos dos votos correspondentes
ao capital social (217.º/1 e 294.º/1 do CSC).
90
Cf. RUI PINTO, Manual da execução e despejo, cit., p. 708: referindo que
a ineficácia dos actos é provisória, pois termina com levantamento ou extinção da
penhora com a venda, adjudicação ou remição.
142
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Coimbra, 2013.
144
SILVA, Manuel Gomes da, O dever de prestar e o dever
de indemnizar, Lisboa, 1944.
145
AP B I R
146
1. Introdução
1
Acerca desta questão, OLIVEIRA ASCENSÃO, José de, A desconformidade
do registo predial com a realidade e o efeito atributivo, Lisboa, Almedina, 2010, P.45ss
2
Sobre este problema, GUERREIRO, J. A. Mouteira, Ensaio sobre a
problemática da titulação e do registo à luz do direito português, Coimbra
Editora, 2014, P.94ss
3
SOUSA JARDIM, Mónica Vanderleia Alves de, A Segurança Jurídica
Gerada pela Publicidade Registal em Portugal e os credores que obtém o registo
de uma Penhora, de um Arresto ou de um Hipoteca Judicial, In, Boletim da
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Nº83, 2007, P.410
4
Neste sentido, VAZ SERRA, “A Realização Coactiva da Prestação
(Execução)”, In, Boletim do Ministério da Justiça, nº73, 1958, P.146-147
5
Sobre esta distinção, SOUSA JARDIM, Mónica Vanderleia Alves de, A
Segurança Jurídica Gerada pela Publicidade Registal em Portugal e os credores
147
ordenados, complementares e funcionalmente ligados com vista a
produzir um efeito único, a vinculação dos bens à satisfação do direito
creditício do exequente, ao processo, assegurando a viabilidade dos
futuros actos executivos. Em sentido estrito6, a penhora traduz-se num
acto de apreensão judicial de bens que supõe a prévia identificação
e individualização de bens que hão-de ser vendidos ou adjudicados
para satisfação do direito de crédito do exequente e dela decorrendo
efeitos jurídicos, entre eles7, a ineficácia relativa dos actos dispositivos
do direitos subsequentes uma vez que os bens uma vez apreendidos
deixam juridicamente de poder ser alienados ou onerados em
detrimento da execução.
148
a penhora sobre imóveis art.755.ºss do Código de Processo Civil
ou móveis sujeitos a registo, este efeito só se produz após ser
lavrado o correspondente registo9. O registo provisório da penhora
é suficiente para o prosseguimento da execução, mas está suspensa
até à conversão do registo em definitivo da venda ou adjudicação
dos bens. A penhora de bens sujeitos a registo efectua-se em regra10
com a comunicação à conservatória competente com o valor de
apresentação registal arts.41.º, 48.º nº1 e 60.º do Código do Registo
Predial, confundindo-se a penhora com o acto de representação11,
como por exemplo imóveis ou direitos reais sobre imóveis n.º1 do
art.755.º;n.º5 do art.781.º; art.783.º do Código de Processo Civil
e n.º1 do art.2.º do Código do Registo Predial; a quota ou direito
sobre a quota se sociedade comercial n.º6 do art.781.º do Código de
Processo Civil e alínea f) do art.3.º do Código do Registo Comercial.
9
Com um maior aprofundamento, LEBRE DE FREITAS, A Acção Executiva
– à luz do Código de Processo Civil de 2013, Coimbra, 2014, P294ss
10
Acerca desta matéria, COSTA E SILVA, Paula, Exequente e Terceiro
Adquirente de Bens Nomeados à Penhora, In, Revista da Ordem dos Advogados,
Nº59, 1999, P.329
11
Tem lugar a transferência de posse meramente jurídica, à qual se segue a
feitura do auto da penhora arts.753.º e nº3do art.755.º do Código de Processo
Civil, a afixação de um edital à porta ou noutro local visível do prédio penhorado
art.755.º nº3 do Código de Processo Civil e a tradição material da coisa para o
depositário art.757.º do Código de Processo Civil. LEBRE DE FREITAS, A Acção
Executiva – à luz do Código de Processo Civil de 2013, Coimbra, 2014,P294ss
12
Ibidem
149
registo é obrigatório13, constituindo um ónus do exequente, sendo
condição de eficácia do acto da penhora perante terceiros nos termos
gerais como também é condição do prosseguimento do processo de
execução, que só tem lugar após a junção do certificado do registo
da penhora e da certidão do ónus que incidam sobre os bens por ela
abrangidos n.º2 do art.755.º do Código de Processo Civil.
13
Ibidem
14
Sobre esta questão, PINTO, Rui Gonçalves, “Penhora e alienação de outros
direitos” Lisboa, Sep. de Themis: revista da Faculdade de Direito da UNL, ano 4,
nº 7 (2003), p. 133-164
15
O problema é análogo ou de se saber se registado um arresto, ou uma apreensão
em processo de falência ou constituída uma hipoteca judicial, os direitos daqui
decorrentes prevalecem sobre uma transmissão anterior não registada. SOUSA
JARDIM, Mónica Vanderleia Alves de, “A Segurança Jurídica Gerada pela
Publicidade Registal em Portugal e os credores que obtém o registo de uma Penhora,
de um Arresto ou de um Hipoteca Judicial”, In, Boletim da Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra, Nº83, 2007, P.398ss
16
Sobre este problema, GUERREIRO, J. A. Mouteira, Ensaio sobre a problemática
da titulação e do registo à luz do direito português, Coimbra Editora, 2014, P.94ss
17
Sobre esta temática, TEIXEIRA DE SOUSA, Miguel “Sobre o Conceito de
Terceiros para Efeitos de Registo”, in Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa,
1999, P.51-70
18
Acerca desta questão, REMÉDIO MARQUES, J. P., Curso de Processo
Executivo Comum à Face do Código Revisto, Almedina, 2000, P.56ss
150
pessoas que do mesmo autor ou transmitente adquiriram direitos
incompatíveis total ou parcialmente sobre o mesmo objecto.
19
Neste sentido, SOUSA JARDIM, Mónica Vanderleia Alves de, “Dupla venda
em acção executiva, os artigos 5º, nº 4, nº 2, do Código de Registo Predial e o artigo
291º do Código Civil”, In, Cadernos de direito privado, Braga, 2003, Nº 48 (Out.-
Dez. 2014), p. 41-57.
20
FRANÇA GOUVEIA, Mariana “Penhora e alienação de bens imóveis na
reforma da acção executiva” In, Themis. Revista da Faculdade de Direito da UNL,
Coimbra: Almedina, 2003, p.165-197
21
Seguindo este entendimento, COSTA E SILVA, Paula, Exequente e Terceiro
Adquirente de Bens Nomeados à Penhora, In, Revista da Ordem dos Advogados,
Nº59, 1999, P.329
CARVALHO FERNANDES, “Terceiros para efeitos de registo predial”,
22
151
não pode obter24, depois disso, um registo definitivo a seu favor.
Diferentemente, se o executado não assumir a titularidade do bem25,
neste caso se o terceiro registar a aquisição, o registo posterior da
penhora pode não ser suficiente para proteger as pretensões do exequente.
24
Neste sentido, BONIFÁCIO RAMOS, José Luís, O artigo 5º do Código
de Registo Predial e a compra e venda imobiliária, In, Estudos em homenagem
ao Professor Doutor Alberto Xavier: economia, finanças públicas e direito fiscal,
Coimbra, 2013, vol. 3, p. 982
25
SOUSA JARDIM, Mónica Vanderleia Alves de, “A Segurança Jurídica
Gerada pela Publicidade Registal em Portugal e os credores que obtém o registo
de uma Penhora, de um Arresto ou de um Hipoteca Judicial”, In, Boletim da
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Nº83, 2007, P.398ss
26
O Acórdão de 1997 publicado no Diário da República 1º-A nº152 de 04.07.97 e
segundo Acórdão 3/99 de 18 de Maio, publicado pelo DR – 1ª Série A de 10 de Julho
de 1999
27
Numa análise crítica a este acórdão, SOUSA JARDIM considera que este
consagrou uma concepção amplíssima de terceiro, já que abrange terceiros que não
houvessem adquirido de “um causante comum”.SOUSA JARDIM, Mónica Vanderleia
Alves de, “A Segurança Jurídica Gerada pela Publicidade Registal em Portugal e os
credores que obtém o registo de uma Penhora, de um Arresto ou de um Hipoteca
Judicial”, In, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Nº83,
2007, P.401ss
152
procedido ao registo a sua aquisição antes do registo da penhora, não
podia deixar de ser julgada improcedente.Noutro prisma, o Acórdão
de Uniformização de Jurisprudência do STJ de 1999 consagrou28 uma
noção restrita de terceiro sendo, para efeitos do art.5.º do Código do
Registo Predial, terceiros os adquirentes de boa-fé de um mesmo
transmitente comum, de direitos incompatíveis sobre a mesma coisa.
28
Ibidem
29
Acerca deste tema, BONIFÁCIO RAMOS, José Luís, O artigo 5º do Código
de Registo Predial e a compra e venda imobiliária, In, Estudos em homenagem
ao Professor Doutor Alberto Xavier: economia, finanças públicas e direito fiscal,
Coimbra, 2013, vol. 3, p. 981
30
Sobre esta evolução de termos, FRANÇA GOUVEIA, Mariana “Penhora e
alienação de bens imóveis na reforma da acção executiva” In, Themis. Revista da
Faculdade de Direito da UNL, Coimbra: Almedina, 2003,p.165-197
31
VIDEIRA HENRIQUES, Paulo, “Terceiros para efeitos do Artigo 5.º do
Código do Registo Predial”In, Boletim da Faculdade de Direito Coimbra, Volume
Comemorativo, Separata, 75º Tomo, 2002e SOUSA JARDIM, Mónica Vanderleia
Alves de, A Segurança Jurídica Gerada pela Publicidade Registal …P.389
32
LEBRE DE FREITAS, A Acção Executiva – à luz do Código de Processo
Civil de 2013, Coimbra, 2014,P.294ss
153
O art.819.º do Código Civil regulaa possibilidadede um bem
penhorado ser alienado voluntariamente. Esses actos podem ser
praticados e são válidos, só não afectam33 os fins da execução a qual
prossegue como se os bens continuassem a pertencer ao executado, a
não ser que o registo da penhora seja posterior ao desses actos.
33
SOUSA JARDIM, Mónica Vanderleia Alves de, A Segurança Jurídica
Gerada pela Publicidade Registal … P. 405 Cfr.P.7
34
A expressão foi alterada pelo DL nº38/2003 de 8 de Março, rectificada pela
declaração nº5-C/2003 de 30 de Abril. Desta forma, veio o legislador clarificar
que eventuais actos de alienação ou oneração praticados após a penhora não eram
apenas inoponíveis em face desta e do exequente por ela beneficiado, mas sim
em face de toda a acção executiva (exequente, credores reclamantes e tribunal).
SOUSA JARDIM, Mónica Vanderleia Alves de, A Segurança Jurídica Gerada
pela Publicidade Registal em Portugal e os credores que obtém o registo de uma
Penhora, de um Arresto ou de um Hipoteca Judicial, In, Boletim da Faculdade de
Direito da Universidade de Coimbra, Nº83, 2007, P.405
35
Seguindo esta posição, CARVALHO FERNANDES, “Terceiros para efeitos de
registo predial”, ROA, Ano 57, 1997, 111, P.1315ss
36
SOUSA JARDIM, Mónica Vanderleia Alves de, A Segurança Jurídica Gerada
pela Publicidade Registal em… P.407Cfr.P.7
154
penhora os factos aquisitivos anteriores não registados ou registados
posteriormente. Uma vez que quer a penhora, quer a aquisição do
direito de propriedade sobre o imóvel estavam sujeitos a registo, sob
pena de inoponibilidade, outra solução teria como consequência que a
regra da inoponibilidade fosse aplicada de uma forma fragmentária se
sempre em detrimento do credor penhorante.
37
Neste sentido, ALBERTO DOS REIS, José, “Venda no Processo de Execução”,
In, Revista da Ordem dos Advogados, 1972, P.435ss
38
Realçando que a alienação voluntária dos bens penhorados, só pode
considerar-se inadmissível enquanto ofender os interesses da execução, não
devendo por conseguinte a alienação dos bens penhorados ser nula, mas somente
ineficaz em benefício da execução. Com um maior desenvolvimento, Vide, VAZ
SERRA, “A Realização Coactiva da Prestação (Execução)”, In, Boletim do
Ministério da Justiça, nº73, 1958, P.146-147
39
A respeito da última redacção do preceito do anterior 838.º nº4 do CPC,
BONIFÁCIO RAMOS, José Luís, O artigo 5º do Código de Registo Predial e a
compra e venda imobiliária, In, Estudos em homenagem ao Professor Doutor Alberto
Xavier: economia, finanças públicas e direito fiscal, Coimbra, 2013, vol. 3, p. 981
155
Civil não é susceptível40 de prefigurar uma inatacável protecção
para o sujeito que regista.REMÉDIO MARQUES41 defende a
aplicabilidade do art.5.º do Código do Registo Predial à resolução
de conflitos entre o exequente penhorante ou o adquirente da
venda executiva e o adquirente que registou a aquisição depois
do registo da penhora. Com o fundamento de que a resolução de
conflitos é favorável aos primeiros e a coisa fica numa situação
de indisponibilidade para o executado porque a aquisição da
venda executiva é consequência da penhora, em conformidade aos
princípios do trato sucessivo e da prioridade, não podendo o direito
de propriedade do adquirente, antes da data do registo da penhora
prevalecer. Mesmo que este entenda requerer a anulação da venda
executiva, a acção de reivindicação não procede porque a venda
assume a natureza de uma aquisição derivada.
40
Neste sentido, BONIFÁCIO RAMOS, José Luís, O artigo 5º do Código de
Registo Predial e a compra e venda imobiliária, In, Estudos em homenagem ao
Professor Doutor Alberto Xavier: economia, finanças públicas e direito fiscal,
Coimbra, 2013, vol. 3, p. 982
41
REMÉDIO MARQUES, J. P., Curso de Processo Executivo Comum à Face do
Código Revisto, Almedina, 2000, P.97ss
42
Já os arts.17.º nº2 e 122.º CRPred e 291.º do Código Civil consagram
exclusivamente o efeito atributivo ou aquisitivo.BONIFÁCIO RAMOS, José Luís, O
artigo 5º do Código de Registo Predial e a compra e venda imobiliária, In, Estudos
em homenagem ao Professor Doutor Alberto Xavier: economia, finanças públicas e
direito fiscal, Coimbra, 2013, vol. 3, P.990
43
Tem como fundamento o princípio da consensualidade porque representa na
perspectiva registal, a eficácia real imediata que atribui o correspondente direito sem
necessidade de um acto posterior, sendo que o registo subsequente só protege ou
consolida um direito existente.
156
de direitos de propriedade, usufruto, superfície ou servidão, as
servidões aparentes e os factos relativos a bens indeterminados.
Neste âmbito, a validade não é atingida por falta de registo e
não existe protecção adicional em virtude de ter sido efectuado o
registo. Se o sujeito decide registar, o acto correspondente não lhe
dá nem lhe retira direitos, embora desempenhando o registo o fim a
que se destina, contribuindo para dar publicidade à situação do prédio.
44
COUTO GONÇALVES, Luís M, Terceiros para efeitos de registo e a segurança
jurídica, In, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Manuel Henrique Mesquita,
Coimbra, 2009, vol. 1, p. 927-936
45
Neste sentido, DOMENICO RUBINO, La Fattispecie e GliEffettiGiuridiciPre
liminari,Milão,1939,P.469ss
46
BONIFÁCIO RAMOS, José Luís, O artigo 5º do Código de Registo Predial e a
compra e venda imobiliária, In, Estudos em homenagem ao Professor Doutor Alberto
Xavier: economia, finanças públicas e direito fiscal, Coimbra, 2013, vol. 3, p. 981
47
SOUSA JARDIM, Mónica Vanderleia Alves de, A Segurança Jurídica Gerada
pela Publicidade Registal em Portugal e os credores que obtém o registo de uma
Penhora, de um Arresto ou de um Hipoteca Judicial, In, Boletim da Faculdade de
Direito da Universidade de Coimbra, Nº83, 200, P.389 eBONIFÁCIO RAMOS, José
Luís, O artigo 5º do Código de Registo Predial e a compra e venda imobiliária,
In, Estudos em homenagem ao Professor Doutor Alberto Xavier: economia, finanças
públicas e direito fiscal, Coimbra, 2013, vol. 3, p. 985ss
157
inválido atribui um direito ao titular inscrito em detrimento do
anterior adquirente. Seguindo este entendimento, a penhora
definitivamente registada prevalece sobre o direito de propriedade
não registado mas adquirido em data anterior, assumindo a natureza
de um direito real de garantia, tendo em conta que o exequente é
tutelado pelo art.5.º do Código do Registo Predial e assim se torna
titular de um direito que procura assegurar a satisfação privilegiada
do direito de crédito, de modo equiparado a uma hipoteca, mas não
significa que a previsão do art.5.º do Código do Registo Predial
inclua todos e quaisquer conflitos originados pela compra e venda
de um bem sujeito a registo definitivo da penhora.
48
VAZ SERRA, “A Realização Coactiva da Prestação (Execução)”, In, Boletim
do Ministério da Justiça, nº73, 1958, P.146-147
49
CARVALHO FERNANDES, Lições de Direitos Reais, Lisboa, Quidjuris.
Sociedade Editora, 2003, p. 86 e ss
50
BONIFÁCIO RAMOS, José Luís, O artigo 5º do Código de Registo Predial e a
compra e venda imobiliária, In, Estudos em homenagem ao Professor Doutor Alberto
Xavier: economia, finanças públicas e direito fiscal, Coimbra, 2013, vol. 3, p. 411-437
158
a tutela registal de terceiros de boa-fé os que registam o arresto,
a penhora, a hipoteca judicial e a apreensão de bens em processo
de falência. TEIXEIRA DE SOUSA51 critica o segundo acórdão
uniformizador da jurisprudência52 ao inserir uma noção restritiva
de terceiro no n.º4 art.5.º do Código do Registo Predial, levando
ao desfavorecimento do credor exequente e pondo em causa a
oponibilidade a terceiros da penhora registada consagrada no
Código de Processo Civil. Actualmente, mesmo com a redacção
actual continua a perfilhar uma interpretação restritiva sob pena de
uma contradição insanável perante o art.824.º nº2 do Código Civil,
uma vez que permite oposição à penhora da parte de um titular de
um direito atingido pelo efeito extintivo da venda executiva.
51
TEIXEIRA DE SOUSA, Miguel“Sobre o Conceito de Terceiros para Efeitos de
Registo”, in Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa, 1999, P.89ss
52
BONIFÁCIO RAMOS, José Luís, O artigo 5º do Código de Registo Predial e a
compra e venda imobiliária, In, Estudos em homenagem ao Professor Doutor Alberto
Xavier: economia, finanças públicas e direito fiscal, Coimbra, 2013, vol. 3, p. 411-437
53
LEBRE DE FREITAS, A Acção Executiva – à luz do Código de Processo Civil
de 2013, Coimbra, 2014, P294ss
54
FRANÇA GOUVEIA, Mariana “Penhora e alienação de bens imóveis na
reforma da acção executiva” In, Themis. Revista da Faculdade de Direito da UNL,
Coimbra: Almedina, 2003, p.165-197
159
ORLANDO DE CARVALHO, PAULA COSTA E SILVA55
e ISABEL PEREIRA MENDES recusam uma maior amplitude
da noção de terceiro para efeitos do registo predial, de modo a
solucionar os efeitos conexos do registo da penhora ou da venda
executiva, com o fundamento de não ser concebível que alguém
que confie na inscrição registal e mais tarde surja a possibilidade
de uma aquisição fundada na inscrição vir a ser posta em causa,
em virtude de registo posterior, sendo anacrónico a defesa de uma
presunção de que o direito existe.
55
Neste sentido, ORLANDO DE CARVALHO, Direito das Coisas, Coimbra,
1977; e COSTA E SILVA, Paula, Exequente e Terceiro Adquirente de Bens Nomeados
à Penhora, In, Revista da Ordem dos Advogados, Nº59, 1999, P.329
56
Com um maior aprofundamento, SOUSA JARDIM, Mónica Vanderleia Alves
de, A Segurança Jurídica Gerada pela Publicidade Registal em Portugal e os credores
que obtém o registo de uma Penhora, de um Arresto ou de um Hipoteca Judicial, In,
Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Nº83, 2007, P.389
57
Sufragando este entendimento, COUTO GONÇALVES, Luís M, Terceiros para
efeitos de registo e a segurança jurídica, In, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor
Manuel Henrique Mesquita, Coimbra, 2009, vol. 1, p. 927-936
58
Ibidem,P.934ss
160
4. Reflexão Crítica: A (In)admissibilidade de uma Interpretação
Extensiva do art.5.º CRPred para protecção do Sujeito que
promove o registo da penhora
59
MARIANA GOUVEIA e SOUSA JARDIM defendem a revogação do art.824.º
do Código Civil, com fundamento na necessidade de reforçar a função de segurança do
registo predial.Perfilhando este entendimento, SOUSA JARDIM, Mónica Vanderleia
Alves de, “A Segurança Jurídica Gerada pela Publicidade Registal em Portugal e
os credores que obtém o registo de uma Penhora, de um Arresto ou de um Hipoteca
Judicial”, In, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Nº83,
2007, P.382ss
60
Neste sentido, BONIFÁCIO RAMOS, José Luís, O artigo 5º do Código de
Registo Predial e a compra e venda imobiliária, In, Estudos em homenagem ao
Professor Doutor Alberto Xavier: economia, finanças públicas e direito fiscal,
Coimbra, 2013, vol. 3, p. 411-437
61
BONIFÁCIO RAMOS, José Luís, O artigo 5º do Código de Registo Predial e a
compra e venda imobiliária, In, Estudos em homenagem ao Professor Doutor Alberto
Xavier: economia, finanças públicas e direito fiscal, Coimbra, 2013, vol. 3, p. 986
161
Há que aferir62 de uma forma global e não isolada os princípios
da consensualidade e da publicidade, bem como os interesses
subjacentes, a regularidade e a indiscutibilidade de conformação.
Como em Portugal vigora o sistema do título, o interesse da
regularidade prevalece sobre o da indiscutibilidade, pelo que o
requisito da publicidade se limita a uma condição de eficácia e não
a uma condição de validade, não sendo suficiente o alargamento da
noção de terceiro do art.5.º nº4 do Código do Registo Predial.
62
Seguindo esta posição, ORLANDO DE CARVALHO, Direito das Coisas,
Coimbra, 1977, P.268ss
63
Neste sentido, VIDEIRA HENRIQUES, Paulo,“Terceiros para efeitos do Artigo
5.º do Código do Registo Predial”In, Boletim da Faculdade de Direito Coimbra,
Volume Comemorativo, Separata, 75º Tomo, 2002
162
adquirido validamente do executado em data anterior à penhora64
não podendo a penhora definitivamente registada prevalecer sobre
o direito de propriedade que embora não registado foi adquirido
em data anterior caso contrário estar-se-ia a legitimar uma venda
de bem alheio.
64
Cfr.SOUSA JARDIM, Mónica Vanderleia Alves de, “A Segurança Jurídica
Gerada pela Publicidade Registal em Portugal e os credores que obtém o registo de
uma Penhora, de um Arresto ou de um Hipoteca Judicial”, In, Boletim da Faculdade
de Direito da Universidade de Coimbra, Nº83, 2007, P.414ss
65
Se o titular da inscrição declarar que o bem lhe pertence, o exequente se
quiser manter a penhora, instaurará contra ele uma acção declarativa de propriedade
autónoma relativamente à execução, que fica entretanto suspensa quanto ao bem
em causa, sem prejuízo de o exequente poder desistir da penhora ou requerer a sua
conversão em penhora de direito litigioso.LEBRE DE FREITAS, A Acção Executiva
– à luz do Código de Processo Civil de 2013, Coimbra, 2014, P.296
66
Sobre esta matéria, vide, BONIFÁCIO RAMOS, José Luís, O artigo 5º do
Código de Registo Predial e a compra e venda imobiliária, In, Estudos em homenagem
ao Professor Doutor Alberto Xavier: economia, finanças públicas e direito fiscal,
Coimbra, 2013, vol. 3, p. 981
163
real de garantia, em termos semelhantes a uma hipoteca. Em sentido
oposto, o STJ considerou a venda judicial posterior será regular e
válida67, em nome da prioridade do registo e do princípio do trato
sucessivo68 decidiu pela não oponibilidade do registo a terceiros,
visto que o exequente e o terceiro adquirente não são terceiros
entre si. Além disso, se a penhora e a venda são oponíveis ao titular
inscrito, também o são, em relaçãoaquele que posteriormente
adquiriu o prédio do titular inscrito.Segundo o STJ, o direito do
terceiro foi inelutavelmente atingido pelo efeito extintivo da venda
judicial, uma vez que o seu registo foi lavrado após o registo da
penhora. Fundamento desta decisão, foi a Interpretaçãodo art.824.º
nº2 do Código Civil que perante o direito de propriedade do bem
objecto da penhora não pertencer ao executado, mas a um terceiro
não responsável e não demandado na acção, tal não obstaria à
eficácia da venda judicial, uma vez que o referido direito caducaria
sempre que o correspondente facto aquisitivo não houvesse sido
registado em data anterior à penhora.
67
Segundo o nº2 do art.824.º do Código Civil os bens vendidos em execução
são transmitido livres dos direitos de garantia que onerarem, bem como dos demais
direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou
garantia, com excepção dos que constituídos em data anterior, produzam efeitos em
relação a terceiros independentemente de registo.
68
O princípio do trato sucessivo é um pressuposto basilar do processo registal
e está consagrado no art.34.º nº2 do Código do Registo Predial que visa assegurar
ao nível tabular a sequência dos factos publicados dando a devida tradução e
cumprimento aos próprios princípios substantivos em que se funda a válida oneração
e aquisição dos bens.
69
Neste sentido, SOUSA JARDIM, Mónica Vanderleia Alves de, Efeitos
substantivos do Registo Predial: terceiros para efeitos de registo, Coimbra, Almedina,
2013.
164
ficando libertos da garantia os bens entretanto saídos do património
e ficando a ela sujeitos os bens entretanto nele ingressados. Só
podem ser agredidos os bens que façam parte do património do
devedor, já não os que façam parte do património de um terceiro,
salvo nos casos especialmente previstos70 na lei substantiva em
que respondem bens de um terceiro se a execução tiver sido
movida contra ele. Exceptuando essas hipóteses só se atribui ao
credor o poder de agredir apenas os bens existentes no património
do devedor. Desta forma, o art.824.º nº2 do Código Civil só afirma
a eficácia da venda em execução quando o direito de propriedade
do bem objecto da penhora não pertence ao executado, mas a um
terceiro não responsável e estranho à execução, que tendo adquirido
antes da penhora, não requereu o registo do correspondente facto
aquisitivo antes do registo daquela.
70
O direito de execução só pode incidir sobre bens de terceiro quando tais bens
estejam vinculados à garantia do créditoart.818.º do Código Civil; ou quando sejam
objecto de acto praticado em prejuízo do credor que tenha sido precedentemente
impugnado nº1 do art.616.º Código Civil.
71
Neste sentido, LEBRE DE FREITAS, A Acção Executiva – à luz do Código de
Processo Civil de 2013, Coimbra, 2014. P.235
72
SOUSA JARDIM, Mónica Vanderleia Alves de, Efeitos substantivos do Registo
Predial: terceiros para efeitos de registo, Coimbra, Almedina, 2013.
165
deve tornar o acto público para evitar a surpresa de surgir um titular
de direito incompatível com o seu que tenha registado primeiro.
O art.5.º do Código do Registo Predial visa73 proteger o terceiro
adquirente contra a ilegitimidade decorrente de um anterior acto de
alienação ou oneração válido mas não registado. O credor exequente
que obtém a penhora e o correspondente registo, adquire74 um
direito real de garantia sobre um bem que pertenceu ao executado
mas que este alienou a um terceiro não deve ver reduzido o seu
direito face ao direito de propriedade não registado pertencente ao
terceiro.
73
Sobre esta questão, FRANÇA GOUVEIA, Mariana “Penhora e alienação de
bens imóveis na reforma da acção executiva” In, Themis. Revista da Faculdade de
Direito da UNL, Coimbra: Almedina, 2003, p.165-197
74
PEREIRA MENDES, Isabel, Código do registo predial: anotado e comentado:
diplomas conexos, 17ª ed., Coimbra, Almedina, 2009, P.78ss
75
O registo da penhora faz nascer na esfera jurídica do credor exequenteum
direito real de garantia, mas não restitui ao executado o direito de propriedade que
este já alienou. Perfilhando este entendimento, SOUSA JARDIM, Mónica Vanderleia
Alves de, “A Segurança Jurídica Gerada pela Publicidade Registal em Portugal e
os credores que obtém o registo de uma Penhora, de um Arresto ou de um Hipoteca
Judicial”, In, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Nº83,
2007, P.413ss
166
definitivamente. Não se trata de alienar um bem alheio, mas alienar
um bem de que apesar de não pertencer ao executado já esta
onerado desde o registo da penhora com um direito real de garantia
a favor do exequente e que em virtude de tal facto responde por
dívida alheia.
76
A protecção registal supõe que o verdadeiro titular fique provado do seu direito
em benefício de outra pessoa que adquiriu de quem parecia ser titular mas não o era.
Pretende-se com a publicidade registal informar os terceiros acerca das titularidades
sobre o bem imóvel a fim de evitar que sejam feitas aquisições a quem não tenha
legitimidade para alienar. No caso da penhora, que se apreendem bens da titularidade
do executado. Se o art.5.º nº1 do Código do Registo Predial protege os terceiros que
iludidos pelo facto de não constar do registo a nova titularidade foram negociar com a
pessoa que no registo continuava a aparecer como sendo o titular do direito apesar de
já não o ser, por maioria de razão o credor/exequente também deve ver o seu direito
de crédito protegido pelo registo.
167
art.5.º do Código do Registo Predial prevalece sempre em face
daquela nos termos do art.6.º do Código do Registo Predial não
traduzindo qualquer ameaça o registo da aquisição a favor do
terceiro. Caso a execução prossiga e venha a terminar com a venda
ou a adjudicação do bem, a pessoa que assim se torne titular do
direito de propriedade poderá obter o registo definitivo da sua
aquisição ao abrigo do art.34.º nº2 do Código do Registo Predial,
uma vez que o facto a registar é consequência da penhora77.
5. Conclusões
77
Neste sentido, GUERREIRO, J. A. Mouteira, Ensaio sobre a problemática
da titulação e do registo à luz do direito português,Coimbra Editora, 2014, P.57ss e
SOUSA JARDIM, Mónica Vanderleia Alves de, “A Segurança Jurídica Gerada pela
Publicidade Registal em Portugal e os credores que obtém o registo de uma Penhora,
de um Arresto ou de um Hipoteca Judicial”, In, Boletim da Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra, Nº83, 2007, P.413ss
78
Neste sentido, SOUSA JARDIM, Mónica Vanderleia Alves de, A Segurança
Jurídica Gerada pela Publicidade Registal em Portugal e os credores que obtém o
registo de uma Penhora, de um Arresto ou de um Hipoteca Judicial, In, Boletim da
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Nº83, 2007, P.411
79
Sobre esta matéria, ALBERTO DOS REIS, José, “Venda no Processo de
Execução”, In, Revista da Ordem dos Advogados, 1972, P.435ss
168
do Código do Registo Predial o credor exequente após oregisto da
penhora torna-se titular de um direito real de garantia e não apenas
beneficiário de uma presunção. Não obstante o bem não pertencer
ao executado, o titular do direito de propriedade não registado vê o
seu direito onerado e a responder por uma dívida alheia80.
80
Acerca desta questão, COSTA E SILVA, Paula, “Exequente e Terceiro
Adquirente de Bens Nomeados à Penhora”, In, Revista da Ordem dos Advogados,
Nº59, 1999, P.329
81
Analisando esse problema, HÖRSTER, Heinrich Ewald, “Arguição da tese de
doutoramento “Invalidade e registo - a protecção do terceiro adquirente de boa fé”:
apresentada pelamestre Maria Clara Pereira de Sousa de Santiago Sottomayor”,
In,Scientiaiuridica, Universidade do Minho, Braga, 2009, T. 58, nº 318 (Abr.-Jun.),
p. 335-362
169
BIBLIOGRAFIA
170
HÖRSTER, Heinrich Ewald, “Arguição da tese de
doutoramento “Invalidade e registo - a protecção do
terceiro adquirente de boa fé”: apresentada pelamestre
Maria Clara Pereira de Sousa de Santiago Sottomayor”,
In,Scientiaiuridica, Universidade do Minho, Braga, 2009,
T. 58, nº 318 (Abr.-Jun.), p. 335-362
171
SOUSA JARDIM, Mónica Vanderleia Alves de, “A
Segurança Jurídica Gerada pela Publicidade Registal
em Portugal e os credores que obtém o registo de uma
Penhora, de um Arresto ou de um Hipoteca Judicial”,
In, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra, Nº83, 2007, P.382ss
172
D
ਅਘਅਇਅ
Madalena Narciso1
1
Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de
Lisboa e aluna de Research Master in Law na Universidade de Tilburg. Este
artigo corresponde a um trabalho de oral de melhoria para a cadeira de Direito
Processual Civil III, no ano lectivo de 2014/2015, sob a regência do Prof. Dr. Rui
Pinto.
173
1. Delimitação do objecto
2
Como primeira nota, cabe realçar a distinção operada por PAULA COSTA
E SILVA, numa passagem relativa aos juros de mora mas que julgamos poder
ser extensível às restantes situações. No artigo 703/2, o legislador admite hoje
que os juros de mora são sempre abrangidos pelo título executivo, mesmo que
não tenha sido formulado o pedido correspondente em sede de acção declarativa.
Contudo, como refere a Autora, isto é diferente de afirmar que os juros estão
abrangidos na execução se nada for pedido nessa sede. Isto significa que – e
isto relativamente à teoria geral da admissibilidade da execução de quaisquer
obrigações exlege – pode considerar-se que essas obrigações estão abrangidas
pelo título executivo; no entanto, se o exequente nada disser, tais obrigações não
serão consideradas abrangidas pela execução. Por outras palavras, não existem
“execuções implícitas”, mas apenas, e daí a designação, condenações implícitas.
VidePAULA COSTA E SILVA, A Reforma da Acção Executiva, Coimbra Editora,
Coimbra, 2003, p. 24.
3
Fazendo uma pequena referência à possibilidade de executar obrigações
exlege em títulos extrajudiciais, diremos apenas que a questão nos parece menos
interessante por considerarmos a solução mais evidente: na verdade, sob pena de
toda a lógica subjacente à normativização escrita dos tipos sociais de contratação
ser inútil, não se nos afigura como possível outra resposta que não a total
admissão. Mais à frente abordaremos de novo, ainda que brevemente, o assunto.
174
Antes de mais, devemos começar por realçar que concordamos
plenamente com a delimitação operada por RUI PINTO4: esta
questão não tem tanto que ver com a ideia de condenações implícitas
mas sim com a ideia de saber se as obrigações que resultam da lei
mas que não foram expressamente enunciadas pela decisão judicial
são exequíveis ou não. No fundo, a questão é: que obrigações
abrange o título executivo? Apenas a obrigação nele expressamente
referida?
4
RUI PINTO, Manual de Execução e Despejo, Coimbra Editora, 2013,
Coimbra, p. 162.
5
Este problema prende-se com a expressão “sentenças condenatórias”
constante do artigo 703/1/a) CPC.
175
Vários Autores se pronunciam, ainda que muito brevemente,
sobre esta questão. Julgamos poder distinguir cinco posições
diferentes – o que só demonstra a controvérsia que a questão
levanta. São elas: i) a rejeição total da possibilidade da execução
de obrigações implícitas6; ii) a aceitação da exequibilidade de
obrigações exlege quanto à sentença de condenação mas não
quanto às acções constitutivas e de simples apreciação; iii) a
aceitação da exequibilidade de obrigações exlege quanto à sentença
de condenação e à acção constitutiva, mas não quanto à acção de
simples apreciação7; iv) a aceitação eventual da exequibilidade
de obrigações exlege, sujeita a determinados critérios, quanto a
todo o tipo de acções8; v) a aceitação total da exequibilidade de
6
Parece-nos ser esta a posição de RUI PINTO que, apesar de construir um
discurso argumentativo em que refuta as posições contrárias à admissibilidade,
termina afirmando que, por questões de (des)necessidade desta possibilidade,
deve esta ser recusada.Cfr. RUI PINTO, Manual de Execução e Despejo, p. 164.
7
É o caso de REMÉDIO MARQUES, Curso de Processo Executivo
Comum, Almedina, Coimbra, 2000, p. 61. É também o caso de ANSELMO DE
CASTRO, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, Coimbra Editora,
Coimbra, 1970, pp 12-13, quando o Autor afirma que teriam força executiva
certas “acções constitutivas típicas” de determinados processos especiais como
os de expropriação por utilidade particular e quando afirma que a fórmula ideal
seria “sentenças que não forem de mera apreciação”. Temos ainda de realçar o
caso de LEBRE DE FREITAS. O Autor recusa expressamente a exequibilidade
das acções de simples apreciação, a qualquer título, pelo que se enquadra nesta
posição. No entanto, para nós, o Autor assume uma posição muito particular,
porque o critério que apresenta para aferir da exequibilidade das obrigações
implícitas quanto aos outros casos é lógica e igualmente aplicável às acções de
simples apreciação. O que queremos dizer é que, se extremássemos o raciocínio
de LEBRE DE FREITAS, veríamos que, para manter a coerência, o Autor seria
obrigado a aceitar a execução de obrigações implícitas em acções de simples
apreciação. Claro que isto não é nada mais que uma nossa interpretação daquele
que é seria o “pensamento implícito” do Autor. Desenvolvermos este apontamento
mais à frente. Cfr. LEBRE DE FREITAS, A Acção Executiva à Luz do Código
Revisto de 2013, Coimbra Editora, 2014, pp. 37 e ss.
8
Este é, na nossa opinião, o caso de TEIXEIRA DE SOUSA, Acção Executiva
Singular, Lex, Lisboa, 1998, pp. 72 e ss.
176
obrigações exlege quanto todo o tipo de acções9. Retomando a
distinção por nós realçada há pouco, deve salientar-se que alguns
destes Autores não separam as duas questões, falando apenas da
possibilidade de asacções de simples apreciação e constitutiva
serem títulos executivos. Contudo, hoje a Doutrina entende como
incontestável o facto de que uma pura acção de simples apreciação
ou constitutiva (quando não seja cumulada com um pedido de
condenação) não tem qualquer obrigação expressa10. Assim, por
tal facto ser pacificamente reconhecido, quando os Autores se
pronunciam quanto à exequibilidade de títulos resultantes de acções
constitutivas e de simples apreciação só podem estar a tratar da
possibilidade ou impossibilidade de condenações implícitas. Ainda
assim, a distinção entre os dois momentos parece-nos, de um ponto
de vista dogmático, importante.
9
É o caso de LOPES-CARDOSO, Manual deAcção Executiva, Almedina,
Coimbra, 1968, p. 39 e ss, quando afirma que “para que a sentença ou o
despacho possam basear a acção executiva, não é preciso (…) que condenem no
cumprimento duma obrigação; basta que essa obrigação fique declarada (…)”.
Julgamos que o Autor está isolado na Doutrina.
10
Ou seja, nenhuma das acções impõe, expressamente, um comando de acção.
177
Para começar, um dos argumentos que é frequentemente
invocado contra a possibilidade de executar obrigações implícitas
é o do princípio do dispositivo11. No lado oposto, invoca-se o
princípio da economia processual12 como justificação da execução
de obrigações implícitas. Ambos estes fundamentos são gerais,
pois aplicam-se relativamentea qualquer tipo de acção. Tanto
nas acções de condenação, como nas acções constitutivas e de
simples apreciação a obrigação que se pretende executar não foi
expressamente invocada. O mesmo se diga quanto ao princípio
da economia processual: a execução de obrigações implícitas
resultaria, nos três casos, numa poupança de actos inúteis. Contra
a admissibilidade, invoca-se também a violação do princípio do
contraditório: de facto, visto que o Autor não pediu expressamente
a condenação na obrigação13, o Réu não teve oportunidade para
se defender. Este é, para nós, o argumento mais forte. Assim, não
se defendendo, logicamente, na contestação, restaria ao Réu uma
hipótese: a defesa em sede de oposição à execução. O problema
é que, como realça RUI PINTO14, sendo o artigo 729 taxativo,
não se encontra em nenhuma das alíneas a situação indicada
para esta defesa, tendo principalmente em conta que a alínea g)
se refere a factos supervenientes15. Mesmo que se conseguisse
11
Para uma explicação completa deste princípio, veja-se LEBRE DE
FREITAS, Introdução ao Processo Civil – Conceito e Princípios Gerais, 3ª
edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, pp.155 e ss.
12
O princípio da economia processual implica que o “resultado processual
deva ser atingido com a maior economia de meios”. Cfr. LEBRE DE FREITAS,
Introdução ao Processo Civil – Conceito e Princípios Gerais, p. 203. Este
argumento é, no entanto, facilmente rebatível, pois verificar-se-ia na mesma a
economia processual se os pedidos (incluindo o implícito) fosse expressamente cumulado.
13
O que se traduz na anterior mencionada violação do princípio do dispositivo.
14
RUI PINTO, Manual de Execução e Despejo, p. 163.
15
Uma solução que nos parece possível é a de entender a condenação em
obrigação implícita como um facto subjectivamente superveniente, se bem que
a definição de “facto” seria, aqui, ligeiramente alargada. Esta solução vai de
encontro ao propugnado por RUI PINTO (p. 163), quando o Autor afirma que a
única solução de defesa seria integrar esta situação na alínea g).
178
descortinar uma possibilidade de defesa em sede de oposição
à execução, o problema seria que, ao admitir isto, estaríamos a
conceder ao Autor o poder de escolher qual o momento em que o
Réu exerce o seu direito de defesa. Esta situação seria de duvidosa
constitucionalidade, tendo em conta o artigo 20/4 CRP. Ora, no
entanto, também este fundamento é geral: em qualquer dos três
casos, a verdade é que o pedido nunca foi formulado e o Réu
nunca dele se defendeu. Podemos igualmente apresentar contra a
admissibilidade o argumento da proibição de “actuações” surpresa,
que encontraria respaldo no princípio da lealdade processual16.
Também este argumento é geral, pois nos três casos se verificaria
uma suposta violação da confiança. Finalmente, resta o argumento
muito pertinente avançado por RUI PINTO17: a admissibilidade
desta situação seria uma restrição razoável mas não necessária – o
Autor tem sempre a possibilidade de actuação alternativa e formular
o pedido correspondente à obrigação implícita.
16
Apesar de esta ligação com o princípio da lealdade processual e a criação de
expectativas nos restantes sujeitos processuais não ser explorada pela Doutrina.
17
RUI PINTO, Manual de Execução e Despejo, p. 164.
18
RUI PINTO, Manual de Execução e Despejo, p. 162.
179
de que falamos são todas impostas pela lei e, mais do que isso,
são consequências previsíveis da obrigação expressa. Finalmente,
com isto pretende-se dar efeito útil à acção – numa formulação
que se prende com a economia processual. Nesta perspectiva, deve
ser admitida a execução de obrigações exlege, quando, sem elas, a
acção fique sem efeito útil. Dir-me-ão: não ficaria sem efeito útil;
o efeito “útil” – se associarmos a noção de “útil” ao que foi pedido
e desejado pelo Autor – verificar-se-ia. Mas temos de ter em conta
que, em princípio, as pessoas que intentam este tipo de acções são
leigos e, como tal, nem sempre vêem valor intrínseco na afirmação
judicial, sem qualquer consequência, de que, por exemplo o
contrato de arrendamento no qual são parte activa chegou ao fim19.
Por quaisquer razões pode o Autor optar por uma acção constitutiva
ou de simples apreciação: por razões de prova, por razões de
economia processual, entre outras e, ainda assim, desejar os efeitos
condenatórios dessa acção.
19
Claro que há casos em que o Autor só tem interesse no reconhecimento
judicial do direito. Veja-se, por exemplo, o reconhecimento judicial da paternidade.
20
Um outro caso em que esta comparação entre execução de obrigações exlege
em título executivo judicial e extrajudicial é útil é no caso da execução específica
do contrato-promessa. Este caso apresenta-se como uma excepção, pois temos
a celebração de um contrato por via judicial. Aí, não há, em princípio – visto
que, se chegou à fase da execução específica, foi porque o devedor incumpriu o
seu dever de emitir declaração negocial - outra forma de concluir esse contrato.
Assim, se recusássemos ao credor a possibilidade de exigir imediatamente
todas as obrigações exlege (como a obrigação de entrega da coisa), estaríamos a
conceder um “poder” ao devedor que incumpriu, porque, para ele, seria sempre
mais benéfico um contrato formado judicialmente do que extrajudicialmente. Se
bem que, segundo o critério que adiante iremos defender, esta obrigação seria
imediatamente exequível por não depender de qualquer outro pressuposto para
o seu surgimento.
180
pôr em causa, entre outros aspectos, não só o princípio da autonomia
privada como também toda a lógica subjacente à protecção das
partes do Direito Civil: a razão essencial pela qual foram criados
tipos contratuais foi a facilitação do comércio, permitindo às partes
que contratassem, no mínimo, com uma simples referência ao tipo
contratual que desejam - sendo que o conjunto normativo vigoraria
supletivamente. Ora, a nossa lógica, neste caso, parte do exemplo
do reconhecimento de dívida por documento particular autenticado
(por exemplo) e do seu correspondente judicial – a acção de simples
apreciação. Em nenhum dos dois se faz mais do que reconhecer a
existência de um direito. Porém, no primeiro, é largamente admitido
que é permitida a execução dessa mesma obrigação correspondente.
Ora, se assim é, o mesmo deve ser admitido em relação à acção de
simples apreciação. E se é admitido isso para a acção de simples
apreciação – que é a que mais longe está de uma condenação ou da
imposição de um comando de acção – então, por maioria de razão,
admitir-se-á o mesmo aos outros tipos.
21
Esta solução é inspirada na proposta de RUI PINTO quanto à defesa do Réu da
obrigação de pagar juros quando esse pedido não é formulado. Diz o Autor em
nota de pé de página que “deve entender-se que o Réu poderá impugnar os juros
na contestação em acção declarativa, ainda que o Autor não os haja pedido”.
Compreendemos que o Autor, embora não o refira expressamente, apenas admite
esta possibilidade pois seriam obrigações facilmente previsíveis pelo Réu, visto
estar expressamente consagrado no artigo 703/2 (assim como no artigo 868/1
no que às sanções pecuniárias compulsórias diz respeito). Contudo, defendendo
181
a sua possibilidade de exercer o contraditório. Em segundo lugar,
há que garantir a possibilidade de defesa em sede de execução. E
como? Como referimos, o artigo 729/g) parece não abranger esta
situação. Uma possibilidade é fazer uma interpretação extensiva
do preceito e, aceitando, como o faz TEIXEIRA DE SOUSA22, a
alegação de factos subjectivamente supervenientes, entender que o
facto de se executar uma obrigação que nunca foi pedida seria um
facto desse tipo. O único problema é que, desta maneira, estamos
em contradição com o que defendemos quanto ao afastamento
da proibição de actuações surpresa: se as obrigações implícitas
constam da lei e, assim, o Réu tem o dever de as conhecer, não
poderá, agora, alegar desconhecimento. De qualquer maneira,
julgamos que a solução passa por integrar a defesa em sede de
oposição à execução nesta alínea. Assim, se aumentarmos as
possibilidades de defesa tanto em sede declarativa como executiva,
temos este problema por, no mínimo, senão ultrapassado, mitigado.
Por fim, quanto a este aspecto, diga-se que hoje em dia o princípio
do contraditório é entendido como direito de exercer influência
na futura decisão. Aqui, não há qualquer desigualdade entre as
partes: nenhuma delas se pronunciou sobre o assunto, nem mesmo
o tribunal. Não se pode dizer que houve uma alegação tardia por
parte do Autor à qual o Réu não conseguiu responder; não. As
obrigações exlege tratam-se de um efeito legal que nada tem a ver
com a alegação pelas partes. Resta-nos, assim, o argumento da falta
de necessidade desta restrição: segundo o princípio da necessidade23
27
MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, A Acção Executiva Singular, p. 72 e 73.
184
primária nas acções constitutivas e de simples apreciação, se torna
difícil delimitar o que são ou não as obrigações implícitas. Isto
porque, melhor explicando, como não temos o padrão-orientador
da obrigação exequenda primária (que estabelece as relações de
dependência ou de ligação lógica com as obrigações exequendas
secundárias), não conseguimos identificar facilmente as obrigações
implícitas existentes. Assim, o ponto nevrálgico deste segundo
momento será o de encontrar critérios que nos permitam identificar
quando é que essas obrigações existem e quando não existem28.
Mais difícil será até porque, convém sempre realçá-lo, visto que
a finalidade destas acções não é a condenação numa obrigação, os
princípios processuais que acima assinalámos encontram-se ainda
mais em risco de serem violados. Daí, mais uma vez, a necessidade
de encontrar critérios que melhor protejam as fragilidades da
posição em que se encontra o Réu.
28
Note-se que a admissibilidade desta situação em nada significa que seja
uma situação comum. Admitimos que, na prática, sejam poucas as situações em
que se conseguem retirar obrigações implícitas de uma acção constitutiva ou de
simples apreciação.
29
RUI PINTO, Manual de Execução e Despejo, p.162.
185
o Autor de executar as condenações implícitas quando essas
condenações não são nada mais do que obrigações legais, que,
portanto, não dependem da vontade do devedor para se constituírem.
30
RUI PINTO, Manual de Execução e Despejo, pp. 155 e 165.
186
altamente discutida31. Exemplo disso é a afirmação de RUI PINTO32:
“a acção de simples apreciação não constitui uma vantagem do
ponto de vista executivo; essa acção não é suficiente para forçar o
sujeito passivo a pagar ou entregar a coisa. Isto sucede porque o
pedido ou pretensão processual que é feito ao tribunal não assenta
numa afirmação de uma pretensão material”. O que há a dizer?
Concordamos que em nenhum dos dois tipos de acção se afirma uma
pretensão material – a pretensão é, sim, e antes de tudo, jurídica.
Contudo, isso só significa a inexistência de obrigações exequendas
primárias. Em nossa opinião, isso não significa que não se possam
executar obrigações exlege. Normalmente, o raciocínio seguido
pela Doutrina é o de constatar que o primeiro nível (obrigações
primárias) se verifica e só depois, se a conclusão for afirmativa,
passar para a análise do segundo nível (obrigações secundárias)
- isto porque as obrigações exlege derivariam ou seriam uma
associação necessária à obrigação exequenda primária. Contudo,
julgamos que o raciocínio mais adequado não é esse, no caso das
acções constitutivas e de simples apreciação: podemos admitir que
não existam obrigações exequendas primárias mas que existam
obrigações exequendas secundárias. Assim, o problema será, como
também já referimos, identificar quais as obrigações implícitas
exequíveis (ou seja, aquelas que têm uma relação de dependência
com o efeito da acção). Agora, sim, está na altura de analisarmos
os critérios propostos. Comecemos com o critério enunciado
por TEIXEIRA DE SOUSA33: o critério da utilidade económica
31
Veja-se, por exemplo, RUI PINTO, Manual de Execução e Despejo, p.
165.O Autor, no entanto, afirma admitir a exequibilidade de acções de simples
apreciação e constitutivas. Contudo, segundo entendemos, o Autor não admite
exactamente a execução de acções de simples apreciação ou constitutivas mas
sim da parte condenatória que nelas possa eventualmente existir. O critério
seguido pelo Autor é a existência de um comando de acção. Se esse comando não
existir, não estamos perante um título executivo. Assim, mantém, parece-nos, a
posição tradicional: apenas admite a execução de sentenças condenatórias (ainda
que camufladas noutros tipos de acção).
32
RUI PINTO, Manual de Execução e Despejo, p. 165.
33
TEIXEIRA DE SOUSA, A Acção Executiva Singular, p. 73.
187
distinta. Concordamos com RUI PINTO34 quando o Autor refere
que este critério não é totalmente adequado pois pressupõe que o
prejuízo resultante da existência de uma obrigação implícita nunca
teria sido evitável pelo Réu e que, assim, a sua defesa teria sido
inútil. Diz RUI PINTO que “mesmo quando não tenha autonomia
económica, a exequibilidade da obrigação é um prejuízo para o qual
ele [o Réu]apresenta interesse directo em contradizer”. Contudo,
discordando da ideia de TEIXEIRA DE SOUSA enquanto critério,
aproveitamo-la enquanto fundamento: as obrigações implícitas
devem ser admitidas exactamente para preservar não só a economia
processual como também a utilidade económica de cada acção.
34
RUI PINTO, Manual de Execução e Despejo, p. 164
35
RUI PINTO, Manual de Execução e Despejo, p. 163.
36
PAULA COSTA E SILVA, A Reforma da Acção Executiva, p. 24.
188
ilícito específico de não prestação da obrigação contratualmente
devida (incumprimento em sentido estrito ou em sentido técnico) e há
o incumprimento geral (em sentido amplo) de um qualquer dever.No
seu argumento, RUI PINTO olha para o incumprimento num sentido
técnico. Ora, nós temos de analisar de que é que depende a obrigação
exlege: a obrigação de juros moratórios depende da inexistência de
cumprimento atempado – logo, esse incumprimento deve constar do
título como facto-fonte da obrigação exlege. Mas, noutro exemplo, numa
acção de simples apreciação da nulidade de um contrato, não é necessário
haver incumprimento da obrigação de restituição – essa obrigação de
restituição não surge com o incumprimento, mas sim com a própria
nulidade do contrato. Julgamos que se confunde facilmente entre o
incumprimento em sentido técnico – que desencadeia as suas próprias
obrigações, como a obrigação de pagar uma indemnização (se bem
que esta não seria, em princípio, um exemplo de uma obrigação
exlege pois dependeria de outros factores, como por exemplo a
demonstração da culpa) ou a obrigação de pagar juros – com o
incumprimento da obrigação implícita que resulta de uma acção de
condenação ou de simples apreciação.
37
LEBRE DE FREITAS, A Acção Executiva, p. 48.
189
porque não foi pedida a condenação do Réu em qualquer prestação;
ora, o mesmo se pode dizer das acções constitutivas. Contudo, o
raciocínio de LEBRE DE FREITAS é o de que, quando se verifique
a existência de obrigações implícitas que decorrem do efeito
principal da acção – a constituição de uma nova situação jurídica,
até então inexistente – então, desde que verificado o pressuposto
enunciado pelo Autor, poder-se-á considerar a sua exequibilidade.
Se a ideia base e o fundamento são os mesmos – principalmente
comparado entre acção constitutiva e de simples apreciação
– não compreendemos por que é que o Autor não deu o último
passo e afirmou o mesmo para as acções de simples apreciação. A
inexistência de diferença entre estes dois casos é principalmente
latente quando compararmos a obrigação de restituição do que foi
prestado como consequência da anulação de um contrato (acção
constitutiva) e da declaração de nulidade de um contrato (acção
de simples apreciação). Quanto à primeira, o Autor refere, apenas
poderá ser executada quando o cumprimento tenha sido provado; já
quanto à segunda, o Autor não admite essa hipótese. Para nós, esta
separação não faz sentido. Vamos mais longe: para nós, o exemplo
da obrigação de restituição do que foi prestado numa acção de
declaração da nulidade é exactamente um dos exemplos em que
uma acção de simples apreciação pode ser executada. Portanto,
voltamos a discordar de LEBRE DE FREITAS mas, desta vez, num
outro ponto: a nossa discordância não é agora quanto ao argumento,
critério ou raciocínio, mas simplesmente quanto à própria análise
da obrigação de restituição38/39.
38
Até podemos admitir que falte a prova de que a prestação foi efectuada
– se bem que, do nosso ponto de vista e sem prejuízo de posterior reflexão, isto
se traduza numa questão de distribuição do ónus da prova e, portanto, visto
que o Autor tem de provar os factos constitutivos do seu direito, teria apenas
de provar a celebração do contrato e os factos que importam a nulidade do
mesmo; restaria, assim, ao Réu a prova de que a prestação não foi realizada. No
entanto, esse não é o ponto essencial: o que queremos realçar é que essa potencial
admissibilidade no que toca à execução da obrigação de restituição do prestado
190
4. Conclusões
192
A
193
tutelar da impenhorabilidade, procura-se lançar as bases para uma
solução justa para ambas as partes em litígio, à luz dos vértices
constitucionais orientadores do direito processual executivo
português.
A. Generalidades
*
Licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
e aluno do Mestrado Científico em Direito Administrativo na mesma Instituição.
1
LEBRE DE FREITAS, A acção executiva à luz do Código de Processo Civil
de 2013, 6ª Edição, Coimbra Editora, 2014, pp. 231-232.
2
RUI PINTO, Manual da Execução e Despejo, 1ª Edição, Coimbra Editora,
2013, pp. 477-478.
3
RUI PINTO, Manual..., p. 478; TEIXEIRA DE SOUSA, A acção executiva
singular, Lex, 1998, p. 197.
194
direito sobre o património do devedor. Enquanto fase processual,
a penhora designa um conjunto de actos processuais destinados a
preparar, realizar e impugnar o acto de penhora. Esta fase-penhora
surge entre o impulso processual do exequente e a citação do
executado, e o pagamento, onde se inclui a venda executiva.
4
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 11/03/2010, http://www.dgsi.
pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/2b3203a27db9f2d68025774f0
05adee7?OpenDocument .
195
se extrairá o crédito do credor, e se pela venda executiva são
transmitidos direitos (eminentemente, de propriedade) sobre
bens que pertenciam à massa patrimonial do devedor, então será
terminologicamente incorrecto referir, ab initio, que a penhora
constitui uma “apreensão judicial de bens”5.
5
Contra, LEBRE DE FREITAS, Acção..., p. 231-232. O autor sustenta um
caminho contrário ao que aqui perfilhamos em concordância com RUI PINTO,
afirmando que a penhora assenta essencialmente num bem e é do bem que
emerge a afectação própria do direito subjectivo que lhe corresponde. Estamos
com RUI PINTO, pois na penhora o crédito é satisfeito não com a nomeação
do bem à penhora mas sim da transferência do direito subjectivo para a esfera
de um terceiro, cujo produto constituirá efectivamente uma contribuição para
atenuar/saldar na totalidade o passivo do devedor. Assim, o ponto nevrálgico da
penhora, tendo como fundação a tutela do direito a executar do credor à luz do
artigo 817º CC, não é o acto-penhora mas sim a venda executiva, pois é nesta que
efectivamente o credor colherá os frutos da sua acção.
6
RUI PINTO, Manual..., p. 479.
196
proporcionalidade e adequação, assim como as cláusulas especiais
de exclusão, serão examinados com particular profundidade, em
conexão com as matérias que, mais à frente, veremos com maior
detalhe.
7
RUI PINTO, Manual..., pp. 498-500.
197
primeiro caso, serve-nos o artigo 736º/a) CPC com clareza8;
no segundo, temos as situações de autorização de terceiro para
transmissão do direito, como serão os casos de tutela e curatela. Como
tal, a intransmissibilidade pode ser ultrapassada, contrariamente à
indisponibilidade, característica pela sua irreversibilidade.
8
Exemplos serão o direito de uso e habitação que não pode ser locado por
ter sido constituído intuitu personae (1545º CC) e o direito de arrendamento pela
regra do artigo 1038º/f) CC.
9
Temos ainda o regime do artigo 739º CPC, classificado pela doutrina como
impenhorabilidade derivada.
10
No artigo 737º/3 CPC, podemos encontrar referência a “bens imprescindíveis
a qualquer economia doméstica”, conceito indeterminado que será densificado
198
Por sua vez, as impenhorabilidades parciais surgem para os
bens que o artigo 738º CPC enumera. As impenhorabilidades
parciais já levantaram diversas questões de constitucionalidade,
nomeadamente no que ao montante penhorável dos rendimentos
concerne, tendo como referência o salário mínimo nacional, de
pensões de reforma e de rendimento mínimo garantido, em face do
princípio da dignidade da pessoa humana. No entanto, a solução
hoje consagrada consegue um equilíbrio entre a protecção dos
interesses do credor e respectivo dever do devedor de pagar a sua
dívida, e a protecção dos direitos do devedor11.
199
As impenhorabilidades absolutas, arroladas no artigo 736º
CPC, remetem essencialmente para a protecção de direitos
constitucionais, de dignidade da pessoa humana (1º CRP) e
200
princípios de proporcionalidade e adequação nas restrições aos
direitos fundamentais (18º/2 CRP). Uma das questões que aqui se
suscita, e que por várias vezes já foi levantada na jurisprudência
nacional, é a de perceber se a casa de morada de família é um bem
absolutamente impenhorável ou não. Esta será a segunda questão
a ser debatida, pela sua relevância e pela natureza peculiar que
assume no regime executivo consagrado.
12
No Processo Executivo brasileiro, existe efectivamente essa regra,
consagrada no artigo 591º do Código do Processo Civil brasileiro que, a par
do princípio da disponibilidade, são aí destacados. Para mais, vide CAMILA
MARQUES DE ARAÚJO SILVA, A penhora e a patrimonialidade na execução
por quantia certa contra devedor solvente: A (im)penhorabilidade dos bens de
família, UNDB, 2014, p. 4.
13
Conforme dito supra, é fundamento para oposição à penhora, nos termos
do artigo 784º/1-a) CPC.
201
distinguere debemus, não existe qualquer impedimento à admissão da
figura da impenhorabilidade atípica no regime processual português.
14
Uma outra terminologia para o princípio da proporcionalidade. GOMES
CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa
Anotada, Volume I, Coimbra, 4ª Edição, 2010, p. 392.
202
Bem entendido, o princípio da proporcionalidade desdobra-
se em três sub-princípios: Princípio da adequação, princípio da
indispensabilidade (ou necessidade stricto sensu)15, e princípio da
proporcionalidade stricto sensu, cujo alcance será efectivamente a
“justa medida” entre os bens e interesses em colisão.16 Todos eles
se relacionam entre si na ponderação final que se fará para a escolha
do direito prevalente e no balizamento da restrição.
15
A doutrina jusfundamentalista tende a designá-lo somente como princípio
da necessidade. Assim é o entender de REIS NOVAIS (REIS NOVAIS, Os
princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa, 1ª Edição,
Coimbra, 2004, p. 162 ss.) e GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA
(GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição..., p. 392 ss.).
Entre nós, preferimos a designação de princípio da indispensabilidade ou
necessidade stricto sensu, na medida em que se perfila como um sub-princípio da
proporcionalidade lato sensu cujo âmbito nuclear se define pela escolha concreta
dos meios menos restritivos para o direito fundamental, cuja definição pode ser
incluída numa necessidade lato sensu, de onde podemos inclusivé retirar uma
ideia de proporcionalidade: Num Estado de Direito democrático, a necessidade
é sempre acompanhada de proporcionalidade, sendo a primeira uma concepção
global mais ampla e imediata do que a proporcionalidade, que só surge no plano
da ponderação da restrição a operar.
16
REIS NOVAIS, Os princípios..., p. 163.
17
RUI PINTO, Manual..., p. 562; Acórdão Tribunal da Relação do Porto,
02/02/1999, http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fd
f/23bc9eb08d0550388025686b00672bdf?OpenDocument; Acórdão Supremo
Tribunal de Justiça, 04/11/2003, http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b
980256b5f003fa814/b8c9fe87ec4499fb80256df300333eb7?OpenDocument;
Acórdão Tribunal da Relação de Coimbra, 20/06/2012, http://www.dgsi.pt/jstj.
nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/b8c9fe87ec4499fb80256df300333eb
7?OpenDocument; Acórdão Tribunal da Relação de Coimbra, 13/05/2008, http://
www.dgsi.pt/jtrc.nsf/0/5af5512954c12802802574590036e425?OpenDocument;
Acórdão Tribunal da Relação do Porto 29/03/2011, http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/
c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/4506dd37af2670f18025786f003a60a4?
OpenDocument. Referindo-se ao princípio como princípio da suficiência, vide
203
reaver o seu crédito e o direito de devedor a sofrer uma afectação
necessariamente proporcional na sua esfera patrimonial, sem
que com isso se afecte o seu direito a uma existência condigna.
Como tal, e como bem refere RUI PINTO, o artigo 735º/3 CPC
não é tanto uma orientação para que o exequente ou o executado
indiquem os bens à penhora, mas sim uma limitação a essa
indicação e à penhora pelo agente de execução18. Efectivamente,
ainda que o agente de execução indique mais bens do que aqueles
que deva, tal não constitui necessariamente uma ilegalidade:
Antes, dá-lhe mais hipóteses quanto à escolha dos bens a penhorar,
desde que, naturalmente, não estejam abrangidos pelo regime de
impenhorabilidades. Problema será se ele indicar bens a menos,
sendo a insuficiência na nomeação à penhora uma falta cominada
com sanção pecuniária compulsória caso tenha havido má-fé nessa
conduta defeituosa (752º/1 CPC), ou mesmo se forem penhorados
bens em excesso, podendo o executado reagir por oposição à
penhora, ex vi 784º/1-a) CPC ou o exequente reclamar ao juíz
(723º/1-c) CPC).
204
simplesmente optar por escolher aqueles que tenham maior
probabilidade de atenuar o passivo do executado: Nesta lógica
reside o princípio de adequação20. Por outro lado, a sua escolha
não é livre, devendo o agente de execução obedecer às instruções
do exequente, nos termos do artigo 751º/2 CPC. Este poder do
exequente, por sua vez, também encontra limitações, estribadas na
eventual violação de norma legal imperativa na escolha dos bens
(inter alia, violação do regime de impenhorabilidades e prioridade
da execução de garantia real sobre bens de terceiro ou do devedor,
nos termos dos artigos 54º/2 e 752º/1 CPC), ofensa ao princípio da
proporcionalidade da penhora ou infracção manifesta do princípio
da necessidade lato sensu (751º/1 CPC).
20
Também entendido como princípio da idoneidade (REIS NOVAIS, Os
princípios, p. 162) ou eficácia (Acórdão do Tribunal da Relação de Évora,
24/05/2007, http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/
e5f884d2b5d4015580257de100574b19?OpenDocument)).
205
3. A casa de morada de família: Bem penhorável ou
atipicamente impenhorável?
21
PAULO LÔBO, Direito Civil: Famílias, 4ª Edição, São Paulo, 2010, p. 397.
22
KARLA FISCHER / OCTAVIO FISCHER, Direitos fundamentais e não
admissibilidade da penhora de bem de família ofertado pelo devedor, Instituto
de Direito Brasileiro da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Ano 2
(2013), p. 315.
206
de Direito (1º CFB). Naturalmente que, tal como qualquer outro
princípio, este não possui um valor absoluto, constituíndo um
“imperativo de optimização” cuja operatividade se desenvolve
até ao ponto em que colida com uma norma de sinal contrário23.
Por outro lado, o princípio da dignidade da pessoa humana opera
como elemento limitador na restrição de direitos fundamentais24
pelo que, por maioria de razão, podemos afirmar que também
estabelece um limite à autonomia privada, principalmente ao
não permitir que o devedor renuncie ao direito fundamental de
moradia: É possível que o devedor ofereça o seu património para
garantir a solvabilidade do crédito, mas já não o é quanto ao seu
bem de família. Isto porque da Emenda nº 26 à CFB se entende que
o direito de propriedade é um direito de natureza eminentemente
patrimonial, ao passo que o direito à moradia é pessoalíssimo e
umbilicalmente entrelaçado com a dignidade da pessoa humana, na
esteira da garantia constitucional social de inspiração germânica de
um mínimo de existência condigna25.
23
Sobre a importância das normas-princípio enquanto imperativos de
optimização na operação de ponderação de direitos fundamentais, vide
ROBERT ALEXY, Theorie der Grundrechte, Suhrkamp, 1ª Edição, 1986; e
ainda MARIANA MELO EGÍDIO, Análise da estrutura das normas atributivas
de direitos fundamentais: A ponderação e a tese ampla da previsão, Separata,
FDUL, 2010.
24
INGO SARLET, Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na
Constituição Federal de 1988, 2ª Edição, Porto Alegre, 2002, p. 123.
25
KARLA FISCHER / OCTAVIO FISCHER, Direitos..., p. 328.
207
execução de hipoteca, como garantia real. Por outro lado, umas das
falhas apontadas à jurisprudência brasileira é admissão da penhora
do bem de família do fiador26.
26
Acórdão do Supremo Tribunal Federal, RE 407.688, 08/02/2006, https://
www.digesto.com.br/#acordaoExpandir/5251541. Voto do Ministro Cezar
Peluso. A generalidade da doutrina não sufragou este entendimento.
27
FLÁVIO TARTUCE, A polémica do bem de família ofertado, Jus
Navigandi, Ano 12 (2007).
28
Acórdão do Superior Tribunal de Justiça RE 554.622, 17/11/2005, http://
stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/7178485/recurso-especial-resp-554622-
rs-2003-0084911-0/inteiro-teor-12917051.
208
1) O bem de família é um bem constitucionalmente tutelado,
cuja fundamentalidade assenta no desdobramento da
dignidade da pessoa humana e de um mínimo existencial a
uma vida digna;
209
o ordenamento jurídico português. Naturalmente, a consolidação a
todos os níveis da impenhorabilidade do bem de família brasileiro
protege-o de soluções de iure condendo, mas não nos impede, entre
nós, de fazermos a nossa reflexão crítica ao regime vigente em
Portugal e a uma possível consideração processualística da casa de
morada de família como uma impenhorabilidade atípica.
29
JOÃO MELO FRANCO / HERLANDER ANTUNES MARTINS,
Dicionário de conceitos e princípios jurídicos, 3ª Edição, Almedina, p. 146.
30
Vide artigo 1º da Lei 8.009/90 e Acórdão do Superior Tribunal de Justiça
RE 450.989. Para mais, KATIA FISCHER / OCTAVIO FISCHER, Direitos...,
319-321.
210
reflecte a preocupação do legislador em deslocar para as situações
que envolvem uma unidade conjugal a expressão “casa de morada
de família”, pelos motivos já acima descritos. Por outro lado, a
circunstância de ao executado solteiro corresponderem outras
locuções não implica que a diferença de regime processual seja
diferente. É apenas uma questão formalista de não se conceber,
entre nós, que à habitação própria de um devedor solteiro se possa
chamar casa de morada de família: Um reflexo do tradicionalismo
português. Assim e a título de exemplo, encontramos no regime
litisconsorcial da acção declarativa, a necessidade de demandar
ambos os cônjuges nas acções que digam respeito à casa de morada
de família (34º/1 CPC), ou a necessidade de acordo entre os
cônjuges para a utilização da casa de morada de família no âmbito
do processo de divórcio ou separação (931º/2 CPC). Para os demais
casos onde a referência à unidade conjugal não seja necessária, o
legislador tratou de utilizar outras expressões.
31
Assim, inter alia, nos termos do artigo 1682º-A/2 CC, é necessário o
consentimento de ambos os cônjuges para a constituição de direitos pessoais
de gozo sobre a casa de morada de família. Da mesma forma, a lei exige
que, na dissolução do vínculo matrimonial (divórcio), os cônjuges decidam
necessariamente sobre o destino da casa de morada de família (1775º/2 CC).
211
executado, salvo quando se trate de “execução destinada ao
pagamento do preço da respectiva aquisição ou do custo da sua
reparação”), 785º/4 CPC (aplica-se a este o 733º/5 CPC, no
procedimento de oposição à penhora) e 861º/6 CPC (suspensão da
execução quando o bem entregue foi a casa de morada de família e
se suscitem dificuldades no realojamento do executado).
32
RUI PINTO, Manual..., p. 504. O autor acompanha, inter alia, a
jurisprudência do Tribunal Constitucional (Acórdão do Tribunal Constitucional
829/96, 26/06/1996, http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19960829.
html.
33
JORGE MIRANDA / RUI MEDEIROS, Constituição da República
Portuguesa Anotada, Volume I, Almedina, 2ª Edição, 2010, pp. 665-666. No
mesmo sentido, Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa, 04/10/11, http://www.
dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/2f90b5e66796c6be8025
212
estabelece normas especiais de tutela da casa de morada de família,
não havendo qualquer violação do direito constitucional à habitação
ou à protecção da família (67º CRP) quando se procede à penhora
desse bem (no fundo, a penhora em si não priva quem lá viva de
habitação nesse bem) em oposição à ausência de uma norma que
proíba in totum a penhora da casa de morada de família. Assim
sendo, a penhora da casa de morada de família não representa
de todo uma agressão ao direito fundamental à habitação, não se
confundindo com o direito a ter casa própria, vertido do direito à
propriedade privada34.
213
(65º/3 CRP), conformando-se como um direito social36. Assim,
o argumento de que o direito à habitação não se confunde com
o direito a ter casa própria não é necessariamente verdadeiro,
na medida em que a própria Constituição admite que o mínimo
garantístico da norma constitucional constante do artigo 65º/3
CRP assenta precisamente em assegurar a aquisição de uma
habitação própria e, caso não consigam, um mecanismo de rendas
adequado ao rendimento familiar. Esta conclusão projecta o direito
à habitação para um plano de realização pessoal que vai além da
preservação da reserva da intimidade da vida privada (entendida no
artigo 65º/1 CRP como “intimidade pessoal”, num sentido singular,
e “privacidade familiar”, num sentido colectivo-restritivo à família)
o que, evidentemente, a coloca na órbita da dignidade da pessoa
humana (1º CRP), paralela à opção legislativa brasileira.
36
GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição..., p. 836.
37
Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa, 04/10/11, http://www.dgsi.pt/jtrl.
nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/2f90b5e66796c6be80257941003b07
bd?OpenDocument.
214
outra habitação seria impossível (ou previsivelmente dispendiosa,
considerando-se a aquisição de novo equipamento), e onde o filho
do casal não poderia viver nas mesmas condições de dignidade que
na sua própria casa. Tendo os recorrentes arguido no sentido de
proceder ao levantamento da penhora, já rejeitado pelo tribunal de
primeira instância que, segundo os mesmos “ignorou uma condição
fundamental de impenhorabilidade”, pronunciou-se a instância
recorrida pelo indeferimento desse pedido, afirmando que:
215
Com efeito, produz-se a partir deste ponto o terceiro e último
argumento na “importação” da solução de impenhorabilidade da
casa de morada de família do direito processual executivo brasileiro,
ainda que não nos termos tão abrangentes que nessa ordem jurídica
vigoram: Não é de grande choque que, neste tipo de situações,
onde a casa de morada de família, mais do que representar um local
onde se reúne a família e se protegem os valores que a enformam,
representa um local único onde determinados indivíduos podem
atingir a total realização pessoal dentro dos padrões que se exigem a
um Estado de Direito democrático, se possa admitir uma proibição
atípica de penhorabilidade, em razão da existência de um motivo
fundamental que reforça aquele local como um meio particularmente
dotado de condições de desenvolvimento adequadas, sem as quais
se colocaria o sujeito numa situação precária de existência apenas
por consideração do interesse patrimonial do credor. Esta solução,
não afrontando qualquer preceito constitucional/legal38 - antes,
fazendo-lhes jus -, ofereceria ao devedor e/ou ao seu agregado um
mínimo de existência condigna. Além do mais, o próprio artigo
736º/f) CPC, ao proibir a penhora dos “objectos e instrumentos
indispensáveis ao tratamento de doentes”, acaba por criar uma
protecção reforçada às pessoas afectadas por incapacidade,
independentemente de dizerem respeito ao executado ou não. Esta
concepção perfila-se sistematicamente em linha com a salvaguarda
de determinadas situações na execução das diligências da penhora,
como é o caso dos artigos 863º/3 CPC (caso de arrendamento para
habitação em que o prosseguimento da diligência coloca em risco
de vida o executado por motivos de doença aguda) e/ou 864º/1 CPC
(o executado pode ver diferido o requerimento de desocupação
por “razões sociais imperiosas”, cabendo-lhe o ónus da prova
38
Ainda que se atribua ao preceito do artigo 65º/3 CRP um semblante
meramente programático, o princípio da dignidade da pessoa humana não
deixa de ser um padrão médio pelo qual todas as relações jurídicas se devem
pautar, particularmente no plano da eficácia vertical e horizontal dos direitos
fundamentais.
216
dessa mesma situação). Em adição, temos o nº2 do artigo 864º
CPC, que vem estabelecer os termos em que pode ser decretado o
diferimento de desocupação pelo tribunal, feito dentro da margem
de livre decisão do tribunal e segundo o seu “prudente arbítrio”,
levando em linha de conta exigências de boa-fé e verificando-
se, alternativamente, algum dos requisitos desse preceito. Temos
aqui um enunciado normativo que tutela uma situação especial em
que o arrendatário se encontre numa situação delicada e em que a
penhora possa colocar em causa, de forma eminentemente frontal,
a sua dignidade. Pergunta-se então: Não haverá condições para que,
a partir deste preceito, se possa desenhar uma impenhorabilidade
atípica da casa de morada de família para a situação supra? Parece-
nos que sim. As conclusões a que o tribunal chegou para negar
o provimento do recurso parecem-nos demasiado formalistas
para se enquadrarem no espírito da lei. Analisando os requisitos
constantes do artigo 864º/2 CPC, podemos facilmente adaptá-los
a outras realidades em que a casa de morada de família pertença
ao executado e não se esteja perante outro direito real de gozo.
Quanto à alínea a), reportando-se à “carência de meios”, a matéria
fáctica carreada para o processo é mais que suficiente para
demonstrar que o executado vivia em situação económica frágil,
agravada pela condição que serviria de base à impenhorabilidade
atípica e consagrada na alínea b), o grau de deficiência do filho, que
ultrapassa em 20% o lim ite legal definido. Apesar desta última se
referir apenas à incapacidade do executado e não de pessoas que se
encontrem numa relação de dependência económica deste, parece-
nos que uma extensão do preceito por analogia legis constitua a
melhor via de tutela para outras situações paralelas. Aproveitando
ainda o (infeliz) caso de estudo, perguntamo-nos se a ratio do
artigo 736º/f) CPC, pretendendo envolver o proprietário desses
instrumentos numa redoma contra uma abusiva efectivação da
responsabilidade patrimonial do executado, não poderá constituir
uma possível base para a impenhorabilidade da casa de morada de
217
família, quando esses objectos não possam ser dela dissociados?39
Tudo depende, cremos, do grau de dissociabilidade da casa e
possibilidade de se adaptarem o mesmo género de instrumentos à
habitação de realojamento, onde se possam reproduzir, em igualdade
de circunstâncias (e nada menos do que isso), as condições de que
uma pessoa com deficiência ou portadora de uma doença gozaria.
O critério de ponderação e avaliação dessa situação, novamente deixado
no horizonte descricionário do juíz, parece ser proporcional o suficiente
para não sacrificar a teleologia do artigo 736º/f) CPC em detrimento
de uma interpretação excessivamente apegada à letra da lei.
39
Pensemos, por exemplo, em rampas instaladas na casa para facilitarem o acesso
por cadeiras de rodas, instalações sanitárias especialmente equipadas, corrimões, sistemas
de intercomunicação entre as divisões com ligação directa a uma central de emergência, etc.
40
Exemplo avançado por ANA LEAL enquanto bem sujeito a
impenhorabilidade atípica. ANA LEAL / RUI PINTO, Processo Civil -
AcçãoExecutiva - Materiais Didácticos, AAFDL, 2015, pp. 114-115.
218
Estes exemplos representam bens particularmente afectos a
situações cujas circunstâncias vão além da normal consideração
de um direito de propriedade (coloquialmente, manifestações de
reflexos consumistas) sobre eles. Assim, ainda que constituam bens
móveis que, per se, poderiam ser nomeados à penhora para satisfazer
o crédito do devedor, é claramente ofensivo que, em razão de uma
dívida, se coloque a eficácia horizontal dos direitos fundamentais
num plano desnivelado, onde o interesse do credor prevalece quase
que a qualquer custo, atacando o bem apenas em função do seu
valor patrimonial. A par do que sucede com a casa de morada de
família nas situações que acima descrevemos, não parece deslocado
da realidade que o devedor se possa opor à penhora destes bens com
base na invasão do núcleo de protecção do seu direito fundamental
à reserva da intimidade da vida privada, estribado na dignidade da
pessoa humana. Para o credor, não lhe importa (para a satisfação
do seu direito de crédito) que a urna contenha os restos mortais de
um ente querido, que a lingerie seja uma peça de roupa de valor
emocional para além de económico, ou que a condecoração de um
veterano de guerra tenha sido obtida em virtude de uma acção em
combate cuja conduta valorosa a justificou: Importa simplesmente
tomar as medidas necessárias para que a sua situação económica
não mais se veja prejudicada pelo incumprimento do devedor,
sendo a selecção dos bens a penhorar tendencialmente cegos a
questões valorativas, com as honrosas excepções que já tivemos,
noutra sede, oportunidade de tratar..
Por outro lado, ainda que não se admitam estas situações como
impenhorabilidades atípicas, podemos até concebê-las à luz do
regime de impenhorabilidades absolutas, nos termos do artigo
736º/c), 1ª parte CPC: A sua apreensão conduziria a uma ofensa
aos bons costumes e como tal poderia seguir o curso normal
impugnatório, em sede de oposição à penhora. No entanto, os
bons costumes constituem exigências de moral, enformando um
conjunto de regras de convivência que, num determinado espaço e
tempo, as pessoas honestas e correctas (entenda-se, o bonus pater
219
familias) aceita comummente com convicção de obrigatoriedade41.
Esta definição, não parece ser adequada às realidades que referimos,
dado que há efectivamente mais do que um juízo colectivo de
censurabilidade em jogo: Antes, temos a investida contra um núcleo
jusfundamental, cuja protecção e relevância juridico-constitucional
merece mais do que um mero reflexo de perturbação de uma moral
social dominante42.
5. Notas de conclusão
41
ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, Almedina, 4ª Edição, 1995,
p. 56.
42
Sobre a violação dos bons costumes no ordenamento jurídico português,
vide Acórdão Supremo Tribunal de Justiça, 27/01/04, http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/
954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/dfff5a33a5c243d280256e6d0031d923?O
penDocument, com detalhe sobre a douta opinião de VAZ SERRA nos trabalhos
preparatórios do Código Civil.
220
o é que, frequentemente, o intérprete/julgador tende a proteger
em primeiro lugar o interesse do credor, sustentado por uma base
legal que nem sempre descortina a melhor solução. Este instituto
surge para proteger o devedor, através do texto constitucional, de
uma concretização defeituosa (leia-se, deslocada da realidade) do
interesse do credor: Nem a Constituição nem a lei ordinária vedam
a existência de impenhorabilidades atípicas, contrariamente ao que
sucede, a título de exemplo, com o role de direitos reais, sujeitos
um princípio de tipicidade (1311º CC).
221
A :U
?*
Ricardo Neves1
*
O presente escrito corresponde, com alterações, ao texto que serviu de
base à discussão da oral de melhoria de Direito Processual Civil III, perante
o Sr. Professor Doutor Rui Pinto, a quem são devidos os agradecimentos pela
interessante discussão então mantida. Os contributos dessa discussão conduziram
mesmo a alterar alguns pontos do texto. Todas as falhas são, certamente e apenas,
imputáveis ao seu autor. Cumpre, igualmente, agradecer ao Dr. Filipe Vasconcelos
Fernandes por me ter incentivado a prosseguir com a ideia subjacente ao texto e
ter dado um inestimável contributo para a solidificar.
1
Mestrando em Direito Administrativo, Faculdade de Direito da Universidade
Lisboa.
222
1. Introdução
2
Sobre os fins do processo executivo e a sua justificação constitucional, RUI
PINTO, Manual da Execução e Despejo, 1º edição, Coimbra Editora, Coimbra,
2013, p. 14 e ss.
3
Sobre o tema, JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A acção executiva à luz do
Código de Processo Civil de 2013, 6º Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2013,
p. 246 e ss.
223
2. O regime do domínio público
4
Sobre a evolução histórica do domínio público, ANA RAQUEL MONIZ,
ODomínio Público- o Critério e o Regime Jurídico da dominialidade, Almedina,
Coimbra 2005, p. 15 e ss.
5
Ana Raquel Moniz, “Direito do Domínio Público”, inTratado de Direito
Administrativo Especial, Volume VI, Almedina, Lisboa, 2011, p. 14 e ss.
224
do trabalho. Trata-se da destrinça entre o domínio público e domínio
privado6, onde se destaca a ideia da residualidade desta última
categoria. Perante o conjunto de bens ao dispor da Administração
Pública, só poderão ser classificados como do domínio privado
aqueles que não estiverem, através de lei, regulamento ou acto,
classificados como do domínio público. Como se verá, a delimitação
do que seja o domínio público constitui uma tarefa complexa, em
que o auxílio da lei é manifestamente insuficiente.
6
Bernardo Azevedo, “ O Domínio Privado”, inTratado de Direito
Administrativo Especial, Volume III, Almedina, Lisboa 2011, p. 14 e ss. Ainda,
MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, Volume II,
Almedina, Lisboa, 1973, p. 950 e ss e J. Pedro Fernandes, “Domínio Público
e Domínio Privado”, inDicionárioJurídico da Administração Pública( DJAP),
1991, pp.159-90.
7
No plano do direito comparado, a situação em que se encontra o direito
português é verdadeiramente excepcional. A maior parte das legislações, no direito
comparado e com afinidades com o nosso sistema, há muito que optaram por uma
condensação legal dos princípios e regras do domínio público. A este propósito,
destaca-se em França o CodeGénerál de laProprietédesPersones Publiques,
existente desde 2008, e em Espanha, a LeydelPatrimonio de lasAdministratciones
Publicas.Ley 33/2003.
225
Do ponto de vista constitucional8,o primeiro ponto relevante
para o recorte do regime é a delimitação do âmbito de aplicação
subjectivo, ou seja, a definição das entidades que podem ser titulares
de bens do domínio público. O artigo 84º, nº2, da CRP fornece um
critério claro, ao identificar como entes titulares do domínio público
o Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais. No caso
destas últimas, estamos perante pessoas colectivas públicas de base
territorial, titulares de interesses públicos autónomos e diferentes
dos prosseguidos pelo Estado, sendo esse o critério justificativo
para a atribuição da titularidade de bens do domínio público.9Mas o
critério constitucional não é absolutamente taxativo, entendendo-se
que existe uma margem de discricionariedade e de opção legislativa
no sentido de atribuir a outras entidades a titularidade dos bens
do domínio público10. No plano legal, o critério constitucional tem
sido, no entanto, respeitado, salientando-se a este propósito o artigo
1º, nº2, do Decreto-Lei 280/2007 que aprova o Regime Jurídico do
Património Imobiliário Público( doravante RJPIP).
8
A regulação da matéria do domínio público não constava do texto
constitucional originário, tendo surgido apenas a partir da revisão de 1989,
quando de resto já existia um quadro legal sólido, embora assistemático. Sobre
esta questão e a evolução constitucional do domínio público desde a Constituição
de 1933, Jorge Miranda/ Rui Medeiros, Constituiçãoda República Anotada,
Volume II, , Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 70 e ss.
9
Sobre a questão, Jorge Miranda/ Rui Medeiros, Constituição da República.p.
90 e ss. eANA RAQUEL MONIZ, O Domínio Público.p. 392 e ss.
10
Trata-se de uma questão igualmente controversa em outros ordenamentos
jurídicos, mas relativamente à qual a resposta tem sido no sentido da
admissibilidade de serem titulares outras entidades que não as pessoas colectivas
públicas territoriais. No caso francês, com respaldo do Conseil d´État, a partir de
1979 e no caso espanhol por decisão do legislador, em 1993. Em sentido positivo,
no direito português, Jorge Miranda, Constituição da República Anotada. p. 94 e
ANA RAQUEL MONIZ, O Domínio Público, p. 394.
226
possam ser classificados como do domínio público. Em termos
legislativos, a definição positiva dos bens e o seu desenvolvimento
não é explícita11.O único normativo que identifica um conjunto
de bens que vão para além do critério constitucional é o Decreto-
Lei 477/80, relativo ao inventário do património do Estado.
Existem depois regimes relativos ao domínio público hídrico(Lei
54/2005)12,ferroviário( Decreto-Lei 276/2003)13, cultural(
implicitamente, Lei 107/2001)14, Geológico( Decreto-Lei 90/90)15e
militar( Decreto- Lei 477/80). Em vários diplomas legais avulsos,
surgem igualmente disposições relacionadas com o domínio público.
11
Para uma abordagem dos diversos regimes de domínio público, ANA
RAQUEL MONIZ, O Domínio Público, p. 167 e ss.
12
No domínio público hídrico, distinguem-se o marítimo, lacustre e fluvial,
nos termos do artigo 2º. O marítimo encontra-se na titularidade do Estado(
artigo 4º) e compreende as águas identificados no artigo 3º. O domínio público
lacustre, fluvial e hídrico em sentido estrito podem ter como titulares o Estado, as
autarquias locais e as Regiões, artigo 6º, 7º e 8º da Lei 54/2005. Sobre o domínio
público hídrico e a sua concessão a particulares, Alexandra Leitão, “A utilização
do domínio público hídrico por particulares” in Direito da Água,( Coord. de João
Miranda) ICJP, 2013, pp.183-227.
13
O domínio público é positivamente identificado no artigo 1º do Decreto-lei
276/2003 e a sua titularidade pertence ao Estado nos termos do artigo 6º. Prevê-se
no nomeadamente, nos artigos 3º e 4º, e com grande amplitude, a possibilidade de
concessão de bens do domínio público ferroviário.
14
A delimitação do património cultural como bem do domínio público surge
da relação entre a Lei 107/2001 e o DL 477/80, em que na alínea m) se identificam
bens culturais. O detalhado regime de protecção, valorização e promoção do
património cultural identificado na lei de bases e o relevante interesse público são
as pedras de toque de um eventual regime do domínio público cultural.
15
No domínio público geológico, integram-se os depósitos minerais, os
recursos hidrominerais e os recursos geotérmicos, nos termos do nº2 do artigo 1º
do referido diploma . A titularidade dos recursos geológicos pertence ao Estado,
de acordo com o artigo 1º, nº1, prevendo-se um regime, em alguma medida
detalhado, de concessão e exploração destes bens.
227
como um conceito gradativo. Embora afectos à prossecução do
interesse público, nem todos os bens do domínio público têm a
mesma relevância para a prossecução de finalidades públicas.
Em alguns casos, a dominialidade pública resulta meramente
de um acto de classificação legal, não se mostrando tais bens
absolutamente essenciais para a prossecução do interesse públicos
da comunidade. Noutras situações, porém, o domínio público
impõe-se naturalmente, sobretudo em áreas ligadas à sobrevivência
do Estado e mais importantes para os interesses da comunidade.
Nesta senda, pode assim distinguir-se um domínio público formal e
domínio público material16, devendo a avaliação ser feita perante a
análise dos bens em causa e da sua importância para a estruturação
do Estado e da comunidade. A inserção de um determinado bem
numa ou noutra categoria do domínio público é relevante na medida
em que se associe ao regime aplicável uma maior ou menor rigidez.
Naturalmente, os bens do domínio público material deverão ter
associado um regime de protecção maior, acontecendo o inverso
com os bens do domínio público formal. Note-se, todavia, que tal
não implica a sua inserção automática no domínio privado. 17
16
Pioneira na distinção e no desenvolvimento da noção para o direito
português, ANA RAQUEL MONIZ, O Domínio Público, p. 280 e ss. Em
certo sentido, a distinção entre domínio público formal e material encontra
correspondência na distinção efectuada por Rogério Soares entre interesse
público primário e interesse público secundário. O interesse público primário
seria identificado com os interesses vitais da comunidade, sendo definido a nível
legislativo, enquanto os interesses secundários seriam formais, postos a cargo da
Administração e em caso de conflito, prevaleceria o interesse público primário;
sobre o conceito, ROGÉRIO SOARES, Interesse Público, Legalidade e Mérito,
Atlântida, Coimbra, 1955, p. 100 e ss.
17
Num exemplo impressivo e que demonstra a escala variável de dominialidade,
não se pode assumir uma aplicação igual e em bloco do regime dominial quando
esteja em causa um imóvel adquirido por doação por uma autarquia local ou
palácio setecentista. Os bens em causa são diferentes, como diferente se mostra a
sua relevância para o desempenho de tarefas públicas e isto independentemente
da existência de actos de classificação legal e até de afectação; em sentido
convergente, ANA RAQUEL MONIZ, O Domínio Público, p. 290 e ss.
228
O conteúdo do domínio público é talvez o seu traço mais
marcante. Como se depreende de uma análise meramente superficial,
o regime jurídico das coisas públicas não pode ser o mesmo a que
estão submetidos os bens privados. De resto, o próprio artigo 202º
do Código Civil(doravante CC) exclui as coisas dominiais do seu
âmbito de aplicação. Assim, o regime das coisas públicas é marcado
pela extracomercialidade de direito privado, incluindo-se aqui a
inalienabilidade, a imprescritibilidade e a impenhorabilidade.18
18
ANA RAQUEL MONIZ, O domínio público. p. 411 e ss. De forma mais
sucinta, ANA RAQUEL MONIZ, “Direito do domínio público”,p. 135 e ss.
229
implica, nos termos do 53º do RJPIP, a autorização do Ministro
das Finanças. Ao mesmo tempo, todos os poderes do cessionário
se cifram no dever de suportar os encargos e as despesas com o
bem cedido, nos termos do artigo 56º do RJPIP. No fim do prazo de
cedência, a entidade cessionária é obrigada a devolver o bem com
os procedimentos existentes nos termos do artigo 58.º
19
Uma terceira modalidade, embora minoritária, consiste na concessão de
utilização privativa a favor de entidades públicas. Embora parecida, não constitui
uma versão pública das concessões de utililização privativa do domínio público
a particulares. Encontra-se prevista, por exemplo, no artigo 28º do Decreto-
Lei 276/2003, relativo ao domínio público ferroviário. Sobre a constituição
de direitos reais menores a favor de outras entidades públicas, Ana Raquel
Moniz, “A concessão de uso privativo do domínio público: um instrumento de
dinamização dos bens dominiais”, ARS INVINCANDI, Estudos Em Homenagem
ao Professor Doutor António Castanheira Neves, Volume III, Coimbra Editora,
Coimbra, 2010, pp. 293- 366, em especial 300 e ss.
230
exploração vai além da mera utilização do bem, significando um
verdadeiro aproveitamento por parte do particular. Existe, também,
nesta modalidade uma parcela dos poderes da autoridade pública
que acabam por ser transferidos para o particular, incluindo-
se inclusive a possibilidade de conceder títulos de utilização
privativa.20 Menos abrangentes, mas com muito mais tradição no
direito português, temosas concessões de utilização privativa.21
Através destas, e mediante o pagamento de uma taxa, o particular
passa a ter a possibilidade fruir deforma exclusiva um determinado
bem dominial, extraindo daí determinadas utilidades económicas.
Além de poder utilizar o bem a título exclusivo, o particular em
causa fica obrigado a suportar determinados deveres e encargos,
sujeitando-se inclusive à fiscalização por parte de uma entidade
pública. Numa manifestação de uma comercialidade que diríamos
atípica, existe a possibilidade de o direito resultante da concessão
ser transmitido, admitindo-se ao mesmo tempo a sua oneração por
hipoteca ou por outro direito real de garantia. Face a este quadro,
necessariamente circunscrito, é discutível a natureza jurídica dos
poderes exercidos através de uma utilização privativa do domínio público.22
20
Sobre a figura, PEDRO COSTA GONÇALVES, A Concessão de Serviços
Públicos, Uma aplicação da técnica concessória, Almedina, Coimbra,1999,
p. 91. Sobre a distinção face à concessão de utilização privativa , Ana Raquel
Moniz, “ Direito do Domínio Público”, p. 115 e ss,
21
Por comodidade de exposição, utilizamos a expressão concessão. Todavia,
a utilização privativa do domínio público pode ser concedida quer por licença
quer através da celebração de um contrato de concessão; sobre os dois títulos
jurídico administrativos, DIOGO FREITAS DO AMARAL, A utilização do
domínio público pelos particulares, Atlântida, Lisboa, 1965, p. 170 e ss.
22
Como se verá a questão pode ter relevância em sede de penhora.
231
público a favor do particular.23 Para uma segunda construção,
os direitos dos particulares constituídos sobre bens dominiais
estariam ainda sobre a égide do direito administrativo. Em abono
desta invoca-se que por via da utilização privativa, os bens
dominiais nunca deixam de estar ao serviço do interesse público.
Aliás, a precariedade dos títulos constitutivos e a consequente
revogabilidade por uma questão de mérito implicariam precisamente
esta ideia. 24Procurando tomar uma posição, entendemos que o
direito resultante da concessão têm uma natureza jurídico pública.
Apesar da possibilidade de alienação e da sujeição à penhora, tais
direitos são constituídos por um acto jurídico público. Em sentido
coincidente, a sua alienação e oneração depende sempre de uma
autorização do concedente.
3. A questão da penhorabilidade
23
Neste preciso sentido, paradigmaticamente, AFONSO RODRIGUES
QUEIRÓ, Lições de Direito Administrativo, Volume II, Coimbra,1959, p. 33 e ss.
24
Para além da questão de saber se nos encontramos perante um direito privado
ou um direito público, é discutível se o uso privativo constitui um direito real ou
um direito obrigacional. Relativamente à possibilidade de se tratar de um direito
real, a questão central é saber se é possível uma defesa directa ou indirecta dos
bens dominiais e em que em termos é possível a posse de um direito constituído
sobre um bem do domínio público. Freitas do Amaral, acentuando o aspecto
cooperativo da defesa dos bens do domínio público, entende que se tratava de um
direito de obrigação; DIOGO FREITAS DO AMARAL, A utilização do domínio
público pelos particulares, p. 275 e ss. Já AFONSO QUEIRÒ, em consequência
da posição adoptada sobre o carácter público ou não dos bens defendia, que se
tratava de um direito real, AFONSO RODRIGUES QUEIRÓ, Lições, p. 34
232
domínio público. Aparentemente absoluta, a disposição em causa
não deixa porém de colocar problemas. Retomando a distinção atrás
traçada entre domínio público formal e domínio público material,
verificámos que o conceito de domínio público não era uniforme,
mas sim gradativo. Do nosso ponto de vista, que ora sujeitamos a
debate, a distinção em causa deve ser feita em sede de penhora,
restringindo-se a impenhorabilidade absoluta aos bens do chamado
domínio público material.
25
Trata-se de uma ideia com importância fulcral em outros ordenamentos
jurídicos, em particular o alemão e que tem vindo a ser propugnada pela doutrina
nacional; neste sentido, PEDRO MACHETE, Estado de Direito Democrático e
Administração Paritária, Almedina, Lisboa, 2007, p. 517 e ss, VASCO PEREIRA
da SILVA, Em busca do acto administrativo perdido, Almedina, Coimbra, 1996,
p. 212 e ss.
233
pelo artigo 62º da CRP26 referente à propriedade privada, a norma
do CPC inviabiliza processual e materialmente o exercício desses
direitos, impedindo o credor de ver satisfeita uma determinada
pretensão contra o Estado. Começando por se encarar o domínio
público como um limite imanente ao direito de propriedade
privada27, é duvidoso que uma regra que subtrai todos os bens
26
A questão do alcance da garantia da propriedade do artigo 62º é
controvertida na doutrina, estando imbuída muitas vezes de pré compreensões
ideológicas. A doutrina portuguesa mais recente tem, no entanto, entendido
que a garantia constitucional de propriedade abrange as posições jurídicas de
natureza patrimonial, ainda que não garanta um determinado valor patrimonial.
Em sentido convergente, a definição das posições jurídicas protegidas pelo direito
de propriedade privada é uma competência do legislador, sujeita depois a uma
qualificação de acordo com a própria garantia constitucional de propriedade;
sobre a caracterização da propriedade na Constituição, MIGUEL NOGUEIRA de
BRITO, A justificação da propriedade privada numa democracia constitucional,
Dissertação de Doutoramento, FDL, 2006, p. 655 e ss. No contexto da posição
adoptada pela autor, a propriedade envolvea existência de posições jurídicas
de valor patrimonial, nas quais se pode incluir os direitos de crédito. Aliás, a
própria evolução do direito civil quanto à transmissibilidade de créditos leva a
que as posições creditícias possam hoje ser encaradas como valores patrimoniais,
susceptíveis de circulação, existindo assim uma aproximação ao conceito clássico
de propriedade; sobre o ponto, ANTÒNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado
de Direito Civil, Direito das Obrigações, Cumprimento e não cumprimento,
Transmissão, Modificação e Extinção Garantias, IX, Almedina, Lisboa, 2014,
p. 213 e ss. No contexto da impenhorabilidade, a inviabilização da pretensão de
pagamento é total. Sempre se poderia dizer que o particular tem possibilidade de
penhorar bens do domínio privado. Só que o domínio privado da Administração
é meramente residual. No limite, se uma entidade pública apenas dispuser de
bens do domínio público, nada existe para penhorar. Ainda sobre a garantia do
artigo 62º da CRP, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República
Portuguesa Anotada, Artigos 1º a 107, Volume I, Coimbra Editora, Coimbra,
2007, p. 799 e ss.
27
Não aderimos, como se pode depreender do texto, a uma rejeição da
doutrina dos limites imanentes, encarada como uma forma de potenciar o
arbítrio dos poderes públicos na restrição a direitos fundamentais. Até porque a
doutrina dos limites imanentes não significa que todas as medidas que afectem
direitos fundamentais possam ser considerados constitucionais . O princípio
da proporcionalidade mostra-se aqui decisivo para traçar a fronteira sobre
a admissibilidade da delimitação interpretativa do conteúdo do direito. Em
234
do Estado à penhora não se mostre violadora do princípio da
proporcionalidade, em sentido estrito.28
235
de penhora significa que o particular vê totalmente inviabilizado
o seu crédito sem que exista uma correspectividade na relevância
dos bens.Neste sentido, admitimos que a impenhorabilidade se
mantenha mas restrita aos bens que integrem o domínio público
material e que não possam pela sua própria natureza pertencer ao
domínio privado da Administração.30Sobram ainda, no entanto,
duas questões.
30
A solução que propomos não é, aliás, estranha no direito português. Note-
se que o regime do domínio público ferroviário( Decreto Lei 276/2003) admite,
no artigo 10, nº3, a nomeação à penhora de uma infra -estrutura rodoviária, a
solicitação do gestor da infra- estrutura e com autorização do Ministro das
Finanças.
236
Todavia, e na esteira da doutrina mais recente sobre a matéria,
nem todos os actos em matéria de auto tutela declarativa dominial
são expressos31, admitindo-se que possam existir afectações tácitas.
Nesta situação, a Administração adopta comportamentos que
conduzem a que se conclua no sentido de um bem estar a prosseguir
uma finalidade pública.De outro prisma, se o exequente nomear um
bem sem procurar a colaboração da entidade pública e esta não
deduzir oposição à penhora, alegando a impenhorabilidade absoluta,
pensamos que tal deve ser encarado como uma desafectação tácita.
A entidade pública entende que o bem não cumpre uma função
pública tão relevante que justifique a impenhorabilidade absoluta,
devendo, no entanto, admitir-se que a penhora tem que respeitar
os limites do artigo 737º, nomeadamente a utilidade pública do
bem. Mas aqui surge outro problema: como garantir o respeito
pelo interesse público do artigo 737º e que as entidades públicas
não o utilizem como um meio para obter recursos financeiros,
defraudando o próprio sentido da dominialidade pública? Sem
problemas, admitimos que a solução que propomos poderia ser
melindrosa, se não for rodeada de algumas cautelas. Impõem-se
por isso algumas considerações adicionais.
31
Neste sentido, Ana Raquel Moniz, “ Direito do Domínio Público “, p. 144;
Jorge Pação, “A afectação enquanto critério de dominialidade pública”, inEstudos
de Direito Administrativo dos Bens( Coord. de João Miranda), AAFDL, 2015, p.
280 e ss.
237
3.2. A penhora na dinâmica do domínio público
32
Embora anteriormente classificado como um direito real ou como um
direito obrigacional, a evolução legislativa e doutrinal permite encontrar na
concessão pontos muito próximos do direito pessoal de gozo. Desde logo, os
poderes de uso e fruição que incidem sobre o bem, o facto de os mesmos serem
exclusivos e a ideia de que o direito é concedido intuitu personae. Ao mesmo
tempo, a aproveitamento que é efectuado sobre a coisa não se efectiva sem uma
anterior colaboração da entidade pública sendo a mesma necessária para a defesa
do bem; nestes termos, caracterizando a concessão como um direito pessoal de
gozo, Ana Raquel Moniz, “A concessão de uso privativo do domínio público:
um instrumento de dinamização dos bens dominiais, ”p. 359 e ss. Apontando os
direitos pessoais de gozo como um tertiumgenus e salientando as dificuldades da
sua inserção em sede de direitos de crédito ou direitos reais, JOSÈ ANDRADE
MESQUITA, Direitos Pessoais de Gozo, Almedina, Lisboa, 1999, p. 133 e ss.
238
de outro sujeito. No mesmo sentido, nos direitos pessoais de gozo
verifica-se um aproveitamento dos frutos gerados pela coisa,
como paradigmaticamente acontece na locação. Apesar de tudo
isto, o aspecto mais singular dos direitos pessoais de gozo reside
na relatividade que lhe parece estar associada. Mesmo incidindo
sempre sobre uma coisa, o direito pessoal não é um direito absoluto,
pressupondo sempre uma relação entre dois sujeitos, não podendo o
mesmo subsistir sem a mesma. A absolutidade é uma característica
dos direitos reais, embora apenas tendencial.33
33
A discussão sobre os atributos dos direitos reais, e em particular sobre o
seu carácter absoluto tem dividido a doutrina. O carácter absoluto dos direitos
reais tende a ser usado em três acepções: i) a oponibilidade face a todos; iii), a
possibilidade de todos os terceiros serem responsabilizados por lesão do direito
de crédito; iii) tendo em conta sua estrutura não relacional. Na verdade, esta é a
característica da absolutidade em sentido próprio, não necessitando os direitos
reais de uma relação com outro sujeito para se pode estruturar; salientando este
último ponto, RUI PINTO, Direitos Reais de Moçambique, Teoria geral dos
Direitos Reais e Posse, Almedina, Lisboa, 2º Edição, 2012, p. 49 e ss. Nos direitos
pessoais gozo, a relatividade é muito mais acentuada do que nos direitos reais já
que se pressupõe sempre um acto de atribuição por parte de um concedente, mas
ao mesmo tempo o direito incide sempre em última instância sobre uma coisa;
JOSÉ ANDRADE MESQUITA, Direitos Pessoais de Gozo. p. 155 e ss.
239
Em primeiro lugar, sempre se poderá dizer que o direito que
resulta da concessão de utilização privativa, embora confira o
aproveitamento de uma coisa e permita o seu uso e fruição, tem
também uma estrutura fortemente relacional em vários aspectos que
permitem uma aproximação aos direitos de crédito. Desde logo, a
fonte do direito encontra-se numa obrigação assumida pela entidade
pública para com o concessionário. Em sentido coincidente, os
poderes do concessionário não lhe permitem recorrer a meios de
defesa contra terceiros que perturbem o gozo do bem. Caso tal
aconteça, a responsabilidade pela tomada de providências é sempre
da entidade concedente, existindo assim sempre um importante
feixe de poderes que mantém com o ente público.34
34
Sobre o ponto, DIOGO FREITAS DO AMARAL, A utilização do domínio
público pelos particularesp. 270 e ss
35
Sobre o ponto, RUI PINTO, Manual de Execução, p. 659 e ainda RUI
PINTO, ”Penhora e Alienação de Outros Direitos”, inThemis, Revista da
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa( UNL), ano 4, nº 7, 2003,
p. 133-264 , em especial 155 e ss.
240
dever da entidade concedente proteger os bens do domínio público,
inviabilizando actos que poderão afectar o interesse público
subjacente à dominialidade.Nesta solução, a penhora do direito de
utilização envolveria a apreensão da própria coisa pública, já que o
direito de concessão não se traduz em posse efectiva.
36
Em certo sentido, poderia entender-se que a autorização dada pelo
concedente acaba por predeterminar as restantes fases do processo, subordinando
uma eventual venda do direito resultante da concessão a determinadas
características do adquirente. A lei todavia não é clara quanto ao sentido da
autorização, não sendo igualmente possível um juízo de prognose quanto à fase
da venda executiva, sendo igualmente a mesma meramente eventual.
241
Quanto à intervenção do MP, a mesma tem que ser entendida
dentro de pressupostos exigentes, sobretudo face ao princípio da
estabilidade da instância, nos termos do artigo 260º do CPC37. Não
sendo admitidas, em regra, intervenções de terceiros no processo
executivo, não parece ser de excluir a intervenção acessória do
Ministério Público, nos termos do artigo 325º do CPC.O Estatuto do
Ministério Público,no artigo 4º, sinaliza que o MP poderá intervir em
todos os processos em que sejam interessados o Estado, as regiões
autónomas e as autarquias locais ou inclusive outras entidades
públicas.No contexto de uma acção executiva que envolva direitos
de natureza pública, não se encontra excluída a possibilidade de
existirem ilegalidades que afectem a própria natureza dos bens
em causa bem como as faculdades inerentes aos mesmos. O MP
cumpriria assim uma função de defesa da dominialidade e do seu
estatuto. Em caso de se negar a possibilidade de intervenção, tal
defesa não se encontraria cabalmente assegurada, uma vez que
o titular do direito de utilização privativa actua na posição de
executado e não de defesa da legalidade.
37
Sobre a estabilidade da instância no processo executivo e os pressupostos
estritos de intervenção de terceiros , RUI PINTO, Manual da Execução, p. 307
e ss. Quanto à questão, a doutrina tem oscilado entre aqueles que admitem uma
abertura à intervenção de terceiros e aqueles que apenas admitem em casos
pontuais. Relativamente à primeira posição, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA,
Acção Executiva Singular.p. 153 e ss; quanto à segunda, JOSÈ LEBRE DE
FREITAS, A acção executiva, p. 138 e ss. Sem certezas, a possível intervenção
do Ministério Público poderá ser um dos casos pontuais, atendendo aos valores
que estão em causa. Para uma panorâmica geral sobre a intervenção de terceiros,
ainda que funcionalizada ao processo declarativo, SALVADOR DA COSTA,
Incidentes de Instância, 7º Edição, Almedina, Lisboa, 2014, p. 116 ess.
38
A existência de uma posição subjectivista quanto à posse implica que a
mesma seja restringida aos direitos reais de gozo, como por exemplo a propriedade
ou usufruto. Outros direitos, como a locação, o comodato, não admitiriam posse.
242
jurídica do concessionário. A posse sobre o bem público, nos
termos do direito de propriedade, mantém-se, mas não existe ao
mesmo tempo uma posse nos termos do direito pessoal de gozo.
O particular exerce apenas poderes sobre o bem público, titulados
neste caso por um acto jurídico- público.
243
impossibilitada de o utilizar. No contexto da concessão, a situação
seria resolvida através da sua revogação e do eventual pagamento
de uma indemnização. Mas isso é impossível se o direito resultante
da concessão se encontrar penhorado. Em contextos como este,
temos então que equacionar os pressupostos dos embargos de
terceiro, a saber: i) existência de um acto de penhora: ii) ofensa; iii)
direito incompatível.
41
Para a doutrina tradicional, o incidente hoje regulado no artigo 342º do CPC
pressuporia que o direito incompatível o fosse relativamente à venda executiva.
Direitos incompatíveis seriam assim aqueles direitos de terceiros que não se
devessem extinguir com a venda executiva. Numa alternativa menos restritiva,
seria os direitos que impedissem a consumação da função de transmissão. A
doutrina de ponta entende hoje porém que o direito incompatível o deverá ser
relativamente à penhora. Para a visão tradicional sobre os embargos de terceiro,
MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Acção Executiva Singular… p. 303 e ss. Para
uma visão menos restritiva, mas ainda assim concentrada na venda executiva,
JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A acção executiva,p. 320
42
Sobre este ponto, desenvolvidamente, RUI PINTO, Manual da Execução,
p. 754 e ss.
244
com a execução na exacta medida em que a utilização do bem seja
essencial para que essa mesma propriedade cumpra a sua principal
função: atender às necessidades colectivas. Pondo a situação mais
clara,a impossibilidade de dedução de embargos de terceiro poderia
implicar no limite uma descaracterização da própria propriedade
pública.
43
Aprofundadamente sobre a categoria, J. Pedro Fernandes, “ Domínio
Público e Domínio Privado, p. 165 e ss.
44
De modo algum, o artigo 737º esgota o leque de entidades que poderão
ser por exemplo titulares de bens do domínio privado. Certos casos são bastante
duvidosos. Por exemplo, uma sociedade anónima de capitais exclusivamente
públicos, mas regulada pelo direito privado, também cumpre uma função de
interesse público, estando muitas vezes encarregue do fornecimento de serviços
económicos de interesse geral. Todavia, a mesma não se encontra abrangida pela
letra do artigo. No mesmo sentido, temos as fundações, nos termos da lei 24/2012.
Podem, concretamente, existir fundações de direito privado, mas eventualmente
reguladas pelo direito público, colocando-se a dúvida sobre a sua submissão à
penhorabilidade. Do nosso ponto de vista, decisivo para apurar se a penhora pode
existir ou não é perceber se existe ou não algum interesse público que sairia
afectado pela penhora dos bens; sobre a importância deste critério, BERNARDO
AZEVEDO, “ O Domínio Privado, p. 55, nota 50.
245
tem que existir sobre o bem objecto da penhora ou sobre qualquer
outro bem da entidade pública. Para um sector doutrinário, no qual
se incluem RUI PINTO e LEBRE DE FREITAS, a penhora só
poderia existir quando sobre o mesmo bem incida garantia.45Como
justificação para este ponto, encontraríamos a utilidade pública
dos bens, a qual impediria que de algum modo fossem penhorados
outros bens da entidade pública, de acordo com a regra geral do
artigo 752, nº1, do CPC. É sem dúvida uma asserção com sentido e
que equilibra os valores em jogo. Todavia, existe, neste raciocínio,
um ponto problemático.
45
JOSÈ LEBRE DE FREITAS, A acção executiva, p. 247, nota 23; RUI
PINTO, Manual da Execuçãop, 505.
46
Para além da absoluta impenhorabilidade dos bens do domínio público,
a impenhorabilidade de bens do domínio privado é a regra nos ordenamentos
francês e espanhol. Em França, o artigo L- 2311 do Codegeneral de Proprieté
de Persones Publiques parte da natureza da entidade que detém os bens,
246
que esses bens possam ser penhorados é que não se encontrem a
cumprir qualquer relevante função de interesse público. O critério
de penhorabilidade deixa assim de ser de natureza objectiva, para
passar a ser de natureza compósita, atentando também à vertente
funcional do bem. Neste contexto, poderia surgir como problemática
a questão da relevante interesse público dos bens, mas, nos termos
do artigo 737º, a ausência dessa concreta afectação presume-se.
Para a concretização do interesse público, exige-se que sem os bens
a entidade deixe de funcionar e não possa de todo cumprir a função
pública a que se encontre adstrita.47Em última instância cabe assim
ao executado provar que os bens estão afectos ao interesse público.
Caso seja penhorado um bem, o executado poderá reagir quanto ao
mesmo através da oposição à penhora, nos termos do artigo 784,
nº1, alínea a).48
247
verificando as restrições da dominialidade pública, aplicação do
direito privado é marcada por preocupações jurídico- públicas.
Vender um bem de um concessionário em sede executiva e vender
um bem do domínio privado do Estado não é assim a mesma
coisa.49.
49
Sobre a venda executiva, Rui Pinto, Manual da Execução, p. 909 e ss. Face
ao anterior Código, MIGUEL TEIXEIRA de SOUSA, Acção Executiva, 362 e
ss. Numa perspectiva mais histórica sobre a venda executiva, JOSÉ ALBERTO
DOS REIS, Processo de Execução, Volume II, Coimbra Editora, Coimbra, 1985,
p. 293 e ss.
248
4. Conclusão
249
Relativamente à impenhorabilidade relativa do artigo 737º,
colocaram-se problemas quanto ao preenchimento do conceito
de fins de utilidade pública e à venda executiva. No primeiro
caso, a jurisprudência tem entendido que a relevante função de
interesse público se afere pela indispensabilidade do bem e pela
impossibilidade de funcionamento da entidade sem o mesmo. Já
quanto à venda executiva, os problemas surgem essencialmente
pelas restrições à venda de bens imóveis do Estado, no regime
jurídico do património imobiliário público. Entende-se que, em
sede de venda executiva, os dois procedimentos deveriam ser
aproximados.
250
BIBLIOGRAFIA
251
FREITAS, José Lebre de, A acção executiva à luz do
Código de Processo Civil de 2013, 6º edição, Almedina,
2013.
252
MONIZ, Ana Raquel, “ Direito do Domínio Público”
,inTratado de Direito Administrativo Especial, Volume
V, (Org. de Paulo Otero e Pedro Gonçalves), Almedina,
2011.
253
SOARES, Rogério, Interesse Público, Legalidade e
Mérito, Atlântida, Coimbra, 1955
254
R
Rui Pinto
255
1. Introdução
256
c) que documentos probatórios devem acompanhar essa
reclamação?
d) as regras do art. 128º CIRE aplicam-se à reclamação de créditos
prevista no art. 17º-D nº 2 CIRE?
e) o cessionário condicional tem legitimidade para reclamar
créditos no processo especial de revitalização ao abrigo do art.
17º-D nº 2 CIRE?
f) que documentos probatórios devem acompanhar essa
reclamação?
A) Fundamentos substantivos
1
Nesse sentido, PAIS DE VASCONCELOS, TGDC2, 2003, 442 e 445. Sobre
a condição suspensiva, ver ainda MENEZES CORDEIRO, TDCP I, 1999, 443.
2
Assim, PIRES DE LIMA / ANTUNES VARELA, CCAnot I3, 1982, 357.
257
No caso de cessão de créditos (cf. art. 577º CC) isto quer dizer que
a transferência da titularidade do crédito ainda não ocorreu; portanto, o
direito de crédito permanece na esfera jurídica do cedente. Não poderia
ser de outro: justamente está pendente uma condição suspensiva. Por
isso, o cessionário não é o credor; credor é o cedente
3
TGDCcit., 448.
4
TGDCcit., 451.
258
como notam PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA5 trata-se já
de efeitos imediatos do negócio condicional e não de simples pré-
efeitos a este. Esta afirmação é importante: o conteúdo da posição do
expectante corresponde a efeitos autónomos, de proteção acessória
do escopo final da cessão, diríamos, porquanto apenas existem
na condição suspensiva; e são efeitos de um negócio que já está
concluído6, embora ainda não integralmente executado por ineficácia.
4. Para agir nessa boa fé, o titular atual deve praticar os atos
jurídicos ou materiais que se afigurem necessários à conserva do
objeto do direito.
5
CPCAnot I cit., 252.
6
PIRES DE LIMA / ANTUNES VARELA, CCAnot I cit., 252.
7
Neste sentido, reconduzindo toda a regulação da relação entre o titular
atual e o adquirente condicional ao art. 702º CC, PAIS DE VASCONCELOS,
TGDCcit., 448. Sobre o alcance desta boa fé na pendência da condição, veja-se
MENEZES CORDEIRO, TDCP I cit., 452 ss.
259
Em concreto, o atual titular do bem “não deve (…) deixar de
conservar, manter e defender o bem”, por um lado, nem “pode onerá-lo,
aliená-lo, nem prejudicá-lo de modo que o futuro eventual titular venha
a ser frustrado”, por outro lado, escreve PAIS DE VASCONCELOS 8.
8
TGDCcit., 449.
9
TGDCcit., 449.
10
CPCAnot I cit., 252.
11
CPCAnot I cit., 252.
260
6. Mas há que dar um passo final para se entender que atos de
conservação de natureza processual aqui possam estar incluídos.
12
Sobre o instituto da subrogação do credor ao devedor, ALMEIDA COSTA,
DOb , 1994, 736 ss.
6
13
Manual da execução e despejo, 2013, 290-291.
14
Situações apontadas por CCAnot Icit., 591.
261
É certo que o nº 2 do mesmo artigo determina que “ A sub-rogação,
porém, só é permitida quando seja essencial à satisfação ou garantia
do direito do credor”, mas justamente, tem-se entendido que “não
basta um risco de insolvência”, mas “é precisa uma insolvência efetiva
ou o agravamento da insolvência” (PIRES DE LIMA/ ANTUNES
VARELA) 15 para e admitir atuação subrogatória. Portanto, o credor
pode pedir a insolvência do devedor do seu devedor, exercendo o
direito deste à execução do património do último.
15
CCAnot Icit., 592.
262
Diversamente, no quadro, que nos interessa, do cedente /
cessionário o cedente não é devedor do cessionário pelo que este não
poderia subrogar-se a ele: eles ocupam a mesma posição de dívida.
Tal confirma-se, aliás, pela abertura dada pelo art. 607º à ponderação
da situação de expetativa de um credor sob condição suspensiva.
Ademais, como já se disse, esta figura da subrogação do credor ao
devedor integra na sistemática do Código Civil a secção dedicada aos
meios de “Conservação da garantia patrimonial” (arts. 605º ss. CC).
263
B) Consequências processuais: justificação; a necessidade
de notificação ou assentimento do devedor (art. 583º nº
1 CC)
264
Para tal tanto haverá lugar a uma substituição processual
superveniente por meio do incidente de habilitação (cf. art. 356º nCPC
ex vi art. 17º CIRE).
16
Portanto, pode ser feito pedido de insolvencia com base num crédito que
nem sequer possa estar constituído porque depende de um acontecimento futuro
e incerto, ainda que esse crédito seja litigioso (RC 26-05-2009 /602/09.0TJCBR.
C1 (ISAÍAS PÁDUA)).
17
Entre muitos acórdãos que dispensam o credor reclamante de apresentar
título executivo que comprove o seu crédito, RC 11-12-2012/1220/12.0TBPBL-A.
C1 (JORGE ARCANJO).
265
ao valor nominal do crédito, para serem entregues ao titular, uma
vez preenchida a condição suspensiva, ou para serem rateadas pelos
demais credores, depois de adquirida a certeza de que tal verificação
é impossível.
Ora, vimos que doutrina defende que, autorizado por aquele art.
273º CC, o cessionário pode atuar em substituição do cedente por
omissão dos atos impostos por aquele dever de boa fé ― defender,
benfeitorizar ou beneficiar o bem e vimos que, em especial, tem
sido defendido que o credor em suspenso pode promover atos de
interrupção da prescrição do crédito diretamente dirigidos ao devedor,
mediante citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima,
directa ouindirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual
for o processo a que o acto pertence e ainda que otribunal seja
incompetente.
266
insolvencial do cessionário. Pelo contrário, a ratio do art. 273º permite
afirmar que está aberta a porta para a legitimidade para o impulso
processual de ações ou meios processuais em geral, aptos a cumprir
uma função de proteção do crédito cedido: ações condenatórias, ações
executivas, insolvência, providências cautelares.
267
Deles decorre que essa legitimidade é indireta ou secundária: o
cessionário atuará em substituição processual, por subrogação,
em nome do seu cedente. Escreve, a este propósito, ALMEIDA
COSTA: “o credor age na qualidade de representante ou substituto
legal do devedor, tudo se passando como se os atos fossem praticados
por ele” 18.
18
DOb cit., 737, como subrogação indireta ou oblíqua, distinta da subrogação
direta mediante a qual o credor exerce em nome próprio um direito do devedor.
19
DOb cit., 740.
268
Na falta dessa citação há uma ilegitimidade do cessionário.
Justamente, escrevem a este propósito PIRES DE LIMA / ANTUNES
VARELA: “é um caso de litisconsórcio necessário” 20, o que é
corroborado por MENEZES LEITÃO 21.
i. Os factos-índice da insolvência;
ii. a origem, natureza e montante do seu crédito;
iii. a cessão de créditos condicional;
iv. a oponibilidade desta ao devedor seja por lhe ter sido notificada
seja por a ter aceite (mediante documento comprovativo), nos
termos do art. 583º nº 1; (v) que o cedente não exerceu contra o
insolvente do direito à reclamação do seu crédito;
v. que tem interesse em não aguardar pela condição.
20
CCAnot Icit., 593.
21
DOb II7, 2010, 306.
269
Por outro lado, o cessionário deve ainda pedir a citação do credor
cedente sob pena de ilegitimidade processual, como dissemos.
i. de cessão de créditos, 1
ii.de que o contrato é oponível ao devedor seja por lhe ter
sido notificada seja por a ter aceite (mediante documento
comprovativo), nos termos do art. 583º nº 1.
270
Por isso, no processo especial de revitalização vale, mutatis
mutandis,o que se disse atrás: o cessionário condicional pode reclamar
o crédito em nome do cessionário na condição de alegar que este não
exerceu contra o insolvente do direito à reclamação do seu crédito e
que tem interesse em não aguardar pela condição.
III. Conclusões
271
2. Por outro lado, o cessionário tem o ónus de pedir a citação
doscredores cedentes em litisconsórcio necessário para a reclamação
de créditos.
272
O Pਏਃਅਓਓਏ
Eਓਐਅਃਉਁ ਅ Rਅਖਉਔਁਉਚਁਨਥਏ (PER). A
Rui Pinto 1
1
Professor Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
273
“processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação
dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado,
nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa
insolvente […]” prevendo-se justamente no seu nº 2 que ”Estando em
situação económica difícil, ou em situação de insolvência meramente
iminente, o devedor pode requerer ao tribunal a instauração de processo
especial de revitalização, de acordo com o previsto nos artigos 17o-A
a 17o-I”.
2
Sobre o PER em geral, Código da Insolvência e da Recuperação de
Empresas anotado, AAVV (PLMJ), 2012; SOVERAL MARTINS, O P.E.R.
(Processo especial de revitalização), AB INSTANTIA – Revista do Instituto do
Conhecimento AB, I nº 1 (2013), 37 ss., CARVALHO FERNANDES / JOÃO
LABAREDA, CIREanot2, 2014, 143, JOÃO AVEIRO PEREIRA, A revitalização
económica dos devedores, O Direito, 145/I-II (2013), 9-50, LUIS MARTINS,
Processo de Insolvência. Anotado e comentado3, 2014 (reimp); MARIA DO
ROSÁRIO EPIFÂNIO, Manual de Direito da Insolvência6, 2014, 279 ss.,
MENEZES LEITÃO, Direito de Insolvência5, 2014, SALAZAR CASANOVA
/ SEQUEIRA DINIS, PER-Processo especial de revitalização. Comentário aos
artigos 17º-A a 17º- I do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas,
2014. Sobre aspetos particulares do PER, BERTHA PARENTE ESTEVES, Da
aplicação das normas relativas ao plano de insolvência ao plano de recuperação
conducente à Revitalização, II Congresso de Direito da Insolvência, 2014, 267-
278 e ISABEL ALEXANDRE, Efeitos processuais da abertura do processo de
revitalização, II Congresso de Direito da Insolvência, 2014, 235-254.
274
Portanto, o que o devedor pretende em sede de PER é a aprovação
de plano de recuperação entre ele e os seus credores (ou, pelo menos,
uma maioria legalmente relevante) conducente à revitalização da
sua situação financeira e patrimonial nos termos do artigo 17º-F
CIRE3.
3
Neste sentido, o ac. RL 9-5-2013/Proc. 1008/12.9TYLSB.L1-8 (ISOLETA
ALMEIDA COSTA) declarou que “O processo especial de revitalização,
introduzido no CIRE pela Lei 16/2012, de 20 de Abril tem por fim a obtenção de
um acordo entre o devedor e uma maioria de credores, que seja capaz de suportar
a viabilização da empresa e cuja eficácia pressupõe a respectiva aprovação
por uma maioria qualificada de créditos que torne o acordo vinculativo para a
generalidade dos credores
Em termos próximos, RC 21-10-2104/Proc. 2081/13.8TBPBL-A.C1 (SÍLVIA
PIRES).
4
Ver JOÃO AVEIRO PEREIRA, ob. cit., 48.
275
No plano da natureza, em face das funções do Estado, em ambos
os casos estamos perante, “ um processo negocial extrajudicial do
devedor com os credores” (STJ 25-11-2014/Proc. 414/13.6TYLSB.
L1.S1 (ANA PAULA BOULAROT)), sendo que enquanto no primeiro
a orientação e fiscalização cabe ao IAPMEI, no segundo compete
administrador judicial provisório. Pese embora essa natureza, o PER não
deixa de ser, repetimos, judicial pela atribuição de um juiz, mas, dada essa
mesma natureza dita que seja um procedimento e não um processo 5.
III. Mas assim sendo, não deixa de se aplicar o artigo 323º nº1
CC quanto à prescrição dos créditos do devedor: “a prescrição
interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto
que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito,
seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal
seja incompetente” 6.
5
Seja como for, pode afirmar-se com o ac. STJ 25-11-2014/Proc.
414/13.6TYLSB.L1.S1 (ANA PAULA BOULAROT) que “a Lei disponibiliza
aos devedores que se encontrem numa situação de insolvência meramente
eminente dois meios judiciais: o processo de insolvência e o processo especial
de revitalização”.
6
Note-se, ainda o nº 4, do mesmo artigo “É equiparado à citação ou
notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se
dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido”.
276
das dívidas do devedor requerente de PER, maxime fiadores, garantes
reais, condevedores solidários e garantes autónomos bancários. Podem
ser executados?
7
Veja-se que o juiz, tipicamente, intervêm em vários momentos, como
sintetiza o ac. RL 9-5-2013/Proc. 1008/12.9TYLSB.L1-8 (ISOLETA ALMEIDA
COSTA): recebimento / nomeação de administrador mediante verificação da
situação de facto do devedor do artigo 1º nº 2 CIRE e das condições necessárias
para a sua recuperação arroladas nos artigos 17º-A, 17º-B e 17º-C nºs 3 e 4 CIRE,
julgamento das impugnações às reclamações de créditos (cf. artigo 17º-D nº
3 in fine CIRE), julgamento da ação de responsabilidade do artigo 17º-D nº
11, homologação do plano proposto (cf. artigo 17º-F nºs 3 e 5) e declaração
de insolvência após a conclusão do processo negocial, sem a aprovação de
qualquer plano de recuperação (cf. art. 17º-G). Sobre a amplitude dos poderes
de controle liminar do requerimento, ver ISABEL ALEXANDRE, ob. cit., 241,
277
Naturalmente que, como bem nota ISABEL ALEXANDRE, o
processo de revitalização já se iniciara antes desse despacho, com
a receção da comunicação do devedor pelo tribunal. Mas os efeitos
processuais dessa pendência inicial não relevam para o nosso assunto 8.
9
1. desde a data da prolação do despacho
que mostra ser dominante a jurisprudência que pugna por um mero controle
mínimo do cumprimento dos requisitos dos artigos 17º-A e 17º-B, reservando-se
a apreciação do mérito para o momento da homologação.
8
Cf, distinguindo entre os efeitos processuais da abertura do PER e os
efeitos do despacho de nomeação do administrador judicial provisório, ISABEL
ALEXANDRE, ob. cit., 239.
9
E não da data da sua notificação, segundo ISABEL ALEXANDRE, ob. cit.,
240. No mesmo sentido, NUNO SALAZAR CASANOVA / DAVID SEQUEIRA
DINIS, ob. cit., 96, com o argumento adicional de que se trata de um despacho
irrecorrível. No entanto, o ac. RP 15-11-2012/Proc. 1457/12.2. 8 (JOSÉ
AMARAL) tem-no por recorrível.
10
Dita o artigo 161º nº 3 que” Constituem, designadamente, actos de
especial relevo: a) A venda da empresa, de estabelecimentos ou da totalidade
das existências; b) A alienação de bens necessários à continuação da exploração
da empresa, anteriormente ao respectivo encerramento; c) A alienação de
278
2. na data da sua publicação no portal Citius 11 os processos de
insolvência em que anteriormente haja sido requerida a
insolvência do devedor suspendem-se, desde que não tenha
sido proferida sentença declaratória da insolvência, extinguindo-
se logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação
(artigo 17º-E nº 6).
279
credores que não hajam subscrito a declaração mencionada
no n.o 1 do artigo 17º-F, que deu início a negociações com
vista à sua revitalização, convidando-os a participar, caso assim
o entendam, nas negociações em curso e informando que a
documentação a que se refere o no 1 do artigo 24o se encontra
patente na secretaria do tribunal, para consulta (cf. artigo 17º-D nº 1)13.
13
Na tramitação subsequente incluem-se notificações aos credores (e ao
Ministério Público) e registo, sujeitos ao disposto nos artigos 37.º e 38.º CIRE
14
Ver ISABEL ALEXANDRE, ob. cit., 242.
15
Naturalmente que no caso dos credores não notificados o efeito será
retroativo, a partir dessa notificação.
16
“A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências
executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam
os bens integrantes damassa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento
de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se
houver outros executados, a execução prossegue contra estes.”
17
“Durante os três meses seguintes à data da declaração de insolvência, não
podem ser propostas execuções para pagamento de dívidas da massa insolvente”.
280
diferença é que aqui trata-se dos “credores da revitalização”, digamos,
assim.
Por esta razão, o âmbito subjetivo passivo desta dupla regra tem
de ser o mesmo âmbito subjetivo do próprio (e eventual) plano de
revitalização.
18
Ob. cit., 107.
19
Ob. cit., 107.
20
Ob. cit., 250.
281
, CARVALHO FERNANDES / JOÃO LABAREDA 22 e de
21
21
A revitalização cit., 37.
22
CIREanot cit., 164-165.
23
Assim, segundo o ac. RP 18-12-2013/Proc. 407/12.0TTBRG.P1 (JOÃO
NUNES): “A suspensão das acções previstas no n.º 1, do artigo 17-E, do CIRE,
abrange qualquer acção judicial (declarativa ou executiva) destinada a exigir o
cumprimento de um direito e que, por isso, contendam como o património do
devedor; Em conformidade, deve ser suspensa, nos termos do normativo legal
referido, a acção emergente de contrato individual de trabalho, em que estão
em causa direitos de crédito (designadamente indemnização de antiguidade e
retribuições) do trabalhador sobre o empregador”. Veja-se se, ainda, o ac. RP 30-9-
2013/Proc. 516/12.6.TTBRG.P1 (ANTÓNIO JOSÉ RAMOS) que considerou
ser de suspender “acção, proposta pelo trabalhador […] de condenação da Ré a
pagar-lhe o subsídio de férias, subsídio de Natal, retribuições mensais devidas e
indemnização devida pela resolução”.
24
Ob. cit.,248.
282
SOARES) e o ac. RP 7-4-2014 (PAULA MARIA ROBERTO). O
primeiro enuncia que “não se vislumbra que a supra citada expressão
“para cobrança de dívida” abranja as acções declarativas. desde logo,
porque […] uma acção para cobrança de dívida não equivale, nem é
sinónimo, de uma acção para cumprimento de obrigações pecuniárias”.
25
Ob. cit., 97.
26
Ob. cit., 97 ss.
27
Por seu turno, ISABEL ALEXANDRE, ob. cit., 246 tem dúvidas quanto
a se excluirem estas execuções: a favor da redução à execução para pagamento
milita a letra do próprio artigo 17º-E nº1 (“ações para cobrança de dívidas”); a
favor da segunda interpretação militaria a aplicação subsidiária do artigo 88º nº 1
CIRE). Uma outra dúvida, é a de se se abrange todas as execuções para quantia
certa ou se se devem excluir as execuções por alimentos, as quais poderiam
ser propostas; ISABEL ALEXANDRE defende que também estas devem ser
suspensas por força da regra geral do artigo 88º nº 1 CIRE além do regime da
cobrança de alimentos contra o insolvente, do artigo 93º CIRE. A terceira dúvida
é a de se o credor pode requerer providência cautelares de arresto e arrolamento,
respondendo a AUTORA negativamente como sucede no CIRE (ob. cit., 247).
Finalmente atos jurídicos extrajudiciais como a abertura de um procedimento
especial de despejo, resolução de leasing ou corte de fornecimento de bens de
283
Tampouco cabem as ações declarativas e os demais procedimentos
cautelares 28 porque não apresentam o fundamento da realização
coativa da prestação, própria das execuções, e que “está ínsito na
expressão cobrança de dívida” pois “não se pode cobrar um direito
cuja existência ainda é controvertida”.
284
SIREVE obsta à instauração contra a empresa de quaisquer acções
executivas para pagamento de quantia certa ou outras acções
destinadas a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias enquanto
o procedimento não for extinto e suspende, automaticamente e por
igual período, as acções executivas para pagamento de quantia certa
ou quaisquer outras acções destinadas a exigir o cumprimento de
obrigações pecuniárias, instauradas contra a empresa que se encontrem
pendentes à data da respectiva prolação». A totalidade destes dois
grupos de ações formariam as ações de cobrança 32
32
Todavia, esta norma foi alterada pelo DL n.º 26/2015, de 06 de Fevereiro, tendo a
passado a incluir os garantes do devedor: “O despacho de aceitação do requerimento
de utilização do SIREVE obsta à instauração contra a empresa, ou respetivos
garantes relativamente às operações garantidas, de quaisquer ações executivas
para pagamento de quantia certa ou outras ações destinadas a exigir o cumprimento
de obrigações pecuniárias enquanto o procedimento não for extinto, e suspende,
automaticamente e por igual período, as ações executivas para pagamento de
quantia certa ou quaisquer outras ações destinadas a exigir o cumprimento de
obrigações pecuniárias, instauradas contra a empresa, ou respetivos garantes
relativamente às operações garantidas, que se encontrem pendentes à data da
respetiva prolação”. Na realidade o devedor passou a ter de identificar estes
garantes, conforme a al. i) do nº 2 do artigo 3º do DL n.º 178/2012, de 03 de
Agosto. Alíás o nº 7 do mesmo artigo 3º estatui que “Para efeitos do presente
diploma, consideram-se garantes da empresa quaisquer pessoas singulares ou
coletivas que tenham prestado garantias pessoais ou reais, destinadas a assegurar
o cumprimento das obrigações da empresa”. No CIRE não se prevêem soluções idênticas.
33
“Não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito
de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor,
nos termos declarados neste código e nas leis de processo”.
34
Tem por objeto “ações para cumprimento de obrigações pecuniárias
emergentes de contrato reduzido a escrito”.
35
Aliás, perguntamo-nos se não se poderia identificar no dito nº 2 do artigo
11º do SIREVE as “outras acções destinadas a exigir o cumprimento de
285
O ponto é controverso, como, aliás, outros pontos relativos ao
campo de aplicação da norma.
286
Preconizamos também este segundo entendimento.
39
Prossegue o mesmo acórdão, o PER “é um processo similar ao plano de
insolvência“, sendo que neste rege o artigo 217°, n° 4 do CIRE segundo o qual
“As providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do
devedor não afectam a existência nem o montante dos direitos dos credores da
insolvência contra os condevedores ou os terceiros garantes da obrigação, mas
estes sujeitos apenas poderão agir contra o devedor em via de regresso nos termos
em que o credor da insolvência pudesse exercer contra ele os seus direitos”.
40
Ob. cit., 249.
41
Ob. cit., 104.
287
Portanto, e aplicando as consequências da posição de NUNO
SALAZAR CASANOVA / DAVID SEQUEIRA DINIZ, ATÉ À
APROVAÇÃO DO PER, a dívida deixa de ser exigível perante e
somente o devedor, mas continua a ser exigível perante os demais
obrigados e garantes.
42
Tampouco constitui obstácullo acessoriedade do aval, pois “ paralelamente
à acessoriedade ali estabelecida (que diz respeito fundamentalmente ao valor da
obrigação cambiária garantida), o artº 32º, 2º §, 1ª parte da LULL estabelece um
princípio de independência, traduzido na manutenção da obrigação do avalista,
quer nos casos em que a obrigação garantida é nula […], quer nos casos “em que,
embora se verifique, a obrigação do avalista se mantém”, ou seja, quando, “não
obstante a obrigação do avalizado [seja] válida, mas diversa da do avalista”.
288
o vencimento da obrigação. Isto sem prejuizo de cláusula contratuais
ou de mecanismos legais que provocam o vencimento antecipado das
obrigações como o da interpelação admonitória /perda de interesse do
artigo 808º CC, o do artigo 781º ou do artigo 934º CC. Assim, seja
devedores rincipais solidários ou parciários, seja garantes principais
(assim, o avalista ou o obrigado por garantia autónoma), garantes
subsidiários ou garantes reais.
289
Por seu turno, o fiador “cobre as consequências legais e contratuais
da mora ou culpa do devedor”, conforme o artigo 634º CC, sem
prejuízo do benefício da excussão prévia. Efetivamente, o fiador com
benefício de excussão real só responde após a excussão dos bens do
devedor incumpridor.
290
tempo em que perdurarem as negociações”, todavia já vimos que se
pode defender a prorrogação até à decisão judicial de homologação
ou não homologação.
43
Neste sentido, o já referido ac. RL 9-5-2013/Proc. 1008/12.9TYLSB.L1-8
(ISOLETA ALMEIDA COSTA) − a eficácia do PER “pressupõe a respectiva
aprovação por uma maioria qualificada de créditos que torne o acordo vinculativo
para a generalidade dos credores”.
44
TC 40/07, STJ 13-1-2009/Proc. 08A3763I (MANUEL CAPELO), STJ
10-5-2012/Proc. 368/10.0TBPVL-D.G1.S1 (ÁLVARO RODRIGUES) STJ 18-
2-2014/ Proc. 1786/12.5TBTNV.C2.S1 (FONSECA RAMOS). Todavia, contra
este entendimento, o ac. RG 10-4-2012/Proc. 2261/11.0TBBRG-E.G1 (ANA
CRISTINA DUARTE),
291
Homologado o PER este tem efeitos logo na data da notificação
da homologação e não na data do trânsito em julgado 45.
Há várias questões importantes que se colocam quanto ao nosso
objeto de reflexão.
III. Mesmo que não se entenda que não se pode aplicar aquele
artigo 217º nº 4 – questão que iremos abordar com mais atenção
adiante − bem nota BERTHA PARENTE que tal também decorre do
principio da igualdade entre credores: bastaria não se reclamar para
se poder “fugir” às restrições inseridas no PER, constituindo um
45
NUNO SALAZAR CASANOVA / DAVID SEQUEIRA DINIZ, ob. cit.,
129 ss., e 150-151.
46
Ob. cit. 150.
292
“favorecimento” dos mesmos 47; mas também decorre da necessidade
de dar efeito útil que proteja o devedor: a não sujeição de terceiros
deixaria este à mercê dos credores relapsos.
47
Ob. cit. 273. A solução oposta de extinção dos créditos não reclamados seria
absolutamente inaceitável, pela razão oposta de desfavorecimento intolerável, em
homenagem à mesma pars conditio creditorum, como nota BERTHA PARENTE,
ob. loc. cits., mas também ao princípio da proporcionalidade acrescentamos.
48
Solução preconizada por BERTHA PARENTE, ob.cit. 274.
293
i. a dívida é comum ao todos os devedores, logo se muda para um
devedor, muda para o seu condevedor?
j. Ou dado o princípio da acessoriedade entre responsabilidade do
garante e responsabilidade do garantido, alteradas as condições
da dívida, alteram-se as condições da garantia?
49
Ob.cit. 466.
294
modificação dos prazos de vencimento, a constituição de garantias”
escreve que “dúvidas já se suscitam quanto à oponibilidade
dessas modificações aos garantes da dívida modificada” 50.
ISABEL ALEXANDRE não se pronunciando defende a aplicação
subsidiária das regras da insolvência ao PER naquilo em que não
haja especialidades. O fundamento dessa aplicabilidade subsidiária
decorre do PER ser um processo ser literalmente designado com
processo “especial” no quadro maior do processo de insolvência 51.
Mas essa aplicação de reserva não pode fazer esquecer que o PER tem
especialidades de princípios e de regimes que a podem desaconselhar
no plano da consideração do quadro jurídico concreto.
50
Ob.cit. 285.
51
Argumento de ISABEL ALEXANDRE, ob. cit., 236.
52
Ob.cit. 275.
53
Ob.cit. 276.
295
O melhor exemplo é o ac. STJ 25-11-2014/Proc. 414/13.6TYLSB.
L1.S1 (ANA PAULA BOULAROT) abordado por MARIA DO
ROSÁRIO EPIFÂNEO 54, conclui-se pela aplicação subsidiária
do artigo 217º nº 4: “A unidade do sistema jurídico, impõe que as
leis se interpretem umas às outras, o que no caso em apreço conduz à
asserção de que não contendo as regras especificas relativas ao PER
– constantes dos artigos 17º-A a 17º-I, qualquer dispositivo especifico
de onde deflua quais os items a observar aquando da elaboração do
«plano» e remetendo aquele normativo, para o Titulo IX, respeitante
ao «Plano de Insolvência», embora se destacando o que preceituam
os artigos 215º e 216º, igualmente insertos naquele Titulo, mas não
descartando a aplicação de todos os outros que o enformam,
parece não se poder concluir que as regras respeitantes àquele plano
insolvencial não tenham aplicação no PER” 55.
54
Ob.cit. 285.
55
No mesmo sentido, o ac. RC 3-6-2014 (CATARINA GONÇALVES).
56
Idêntica linha de interpretação pode ser compulsada ainda nos acs. RG
10-12-2013/Proc. 1083/13.9TBBRG.G1 (ANTÓNIO BEÇA PEREIRA) (“No
processo especial de revitalização o Plano de Revitalização não pode vedar aos
credores a possibilidade de, “durante a vigência do Plano”, exercerem os direitos
que emergem dos “avales pessoais de terceiros”, por essa restrição colidir com o
princípio consagrado no n.º 4 do artigo 217.º do CIRE”) e RG 5-12-2013/Proc.
2088/12.2TBFAF-B (HELENA MELO).
296
Esta visão tem subjacente um princípio essencial (mas que
admitimos não ser pacífico) quanto ao sentidos dos efeitos do PER:
o Plano de Revitalização constitui um providência de antecipação
do Plano de Insolvência, permitindo-o sem que que tenha de ser
declarada a insolvência.
297
uma matéria tão sensível, olimpicamente ignorada pelo legislador
do PER pensamos que tem razão BERTHA PARENTE ao apontar a
necessidade de ponderar as garantias concretamente prestadas e,
diremos nós, o seu regime substantivo.
57
Ob.cit. 62.
58
Ob.cit. 63.
298
pagamentos ou a moratória, operadas pelo plano
de recuperação dizem respeito à “exigibilidade ao
devedor e não da existência, pelo que não lhe é aplicável
a regra prevista no artigo 651º CC”, i.e., como não houve
extinção ainda que parcial da obrigação principal, não há
extinção da fiança; essa “inexegibilidade é intuitu personae,
dizendo respeito à pessoa do devedor (como medida de
recuperação) e não à pessoa do fiador; em consequência, não
é “transponível para a relação de garantia” 59, pelo que são
“inoponíveis pelo fiador ao credor” 60; por isso, o credor pode
exigir do fiador a totalidade do montante inicial do crédito
(se aquele renunciou ao benefício da excussão prévia) ou a
“parte reduzida pelo plano” (se não houve renúncia ao dito
benefício) – i.e.., pela parte que o devedor ainda tem de pagar
, (como houve um adiamento (renegociação) do vencimento /
exegibilidade) responderá subsidiariamente o fiador na mora
por incumprimento, opostamente à parte que o devedor não
tem de pagar (que mantém o tempo de vencimento originário)
e que o fiador pagará já 61;
59
Ob.cit., 60 e 62.
60
Ob.cit., 62.
61
Ob.cit., 60-61.
62
Ob.cit., 64.
299
pelo plano de recuperação do devedor garantido” 63; nestes
termos, o “garante deve pagar e não pode opor qualquer
efeito – extintivo, modificativo – adveniente do plano ao
beneficiário” 64; as razões são novamente substantivas, e não
a aplicação (eventual) do artigo 217º nº 4 CIRE: “resulta
ainda da autonomia própria das garantias bancárias que a
imunizam das vicissitudes da relação de cobertura” 65;
63
Ob.cit., 64.
64
Ob.cit, 64.
65
Ob. cit., 64.
66
Ob. cit., 64.
67
NUNO SALAZAR CASANOVA / DAVID SEQUEIRA DINIZ, ob. cit.,
152.
300
pelo que nem sequer é necessário aplica-lo por analogia, mas sim
por interpretação extensiva 68.
VI. O que resulta até agora? Que seja pelo regime substantivo,
seja pelo regime do artigo 217º nº 4 CIRE, os garantes serão
executados nas condições substantivas de cada garantia. Esse
direito rege-se pelas regras respetivas do aval, fiança ou obrigação
solidária: a dívida mantém as condições e valores originários,
mesmo que perante o devedor beneficie das novas condições. Isto
implica que a dívida até pode ter sido extinta perante o devedor,
que não o foi perante o terceiro garante.
68
NUNO SALAZAR CASANOVA / DAVID SEQUEIRA DINIZ, ob. cit.,
154.
69
Não se esqueça ainda o artigo 526º nº1: “Se um dos devedores estiver
insolvente ou não puder por outro motivo cumprir a prestação a que está adstrito,
é a sua quota-parte repartida proporcionalmente entre todos os demais, incluindo
o credor de regresso e os devedores que pelo credor hajam sido exonerados da
obrigação ou apenas do vínculo da solidariedade”.
301
Ora, pergunta-se se o direito de regresso será exercido
naqueles termos substantivos aplicáveis ou “nos termos em
que o credor da insolvência pudesse exercer contra ele os
seus direitos”, conforme a segunda parte dio nº 4 do artigo 217º?
Nesta segunda hipótese o regresso seria medido pelo direito do
credor sobre o devedor: se o devedor tiver visto a dívida total ou
parcialmente perdoada assim o direito o regresso será comprimido.
A) No caso do fiador
70
Mas notam, justamente, a aproximação de soluções entre os dois regimes.
71
Em termos gerais, o artigo 592º CC determina que o terceiro que cumpre
a obrigação fica sub-rogado nos direitos do credor quando tiver garantido o
cumprimento.
72
NUNO SALAZAR CASANOVA / DAVID SEQUEIRA MARTINS, ob.
cit., 59-60.
73
Tampouco era, até esse momento, titular de crédito sob condição: a sua
titularidade por subrrogação é que era eventual, e nesse sentido, sob condição
(ver NUNO SALAZAR CASANOVA/DAVID SEQUEIRA DINIZ, ob. cit., 59-60).
302
c. como o fiador se subrroga na titularidade do crédito,
recebe-o nas condições em que esteja, “sujeito às
restrições impostas pelo plano” 74; antes disso “não sendo
credor, não participa no PER”; depois disso, há como
que uma subrrogação na sujeição aos efeitos do PER,
acrescentamos nós;
d. perante o risco de com este mecanismo o credor se
desresponsabilizar do PER e o risco recair no devedor
garante, em sede de fiança, NUNO SALAZAR
CASANOVA / DAVID SEQUEIRA DINIZ contrapõem
que “se por culpa do credor, o fiador não puder ficar, total
ou parcialmente subrrogado nos direitos que competiam
ao credor sobre o devedor, então o fiador ficará desonerado
da sua obrigação na exata medida” 75.
74
Ob. cit., 61 e 62.
75
Ob. cit., 62.
76
Ob. cit., 61.
77
Ob. cit., 62.
303
B) No caso do direito de regresso do condevedor solidário (cf.
artigo 524º CC) NUNO SALAZAR CASANOVA / DAVID
SEQUEIRA DINIZ fazem notar que
a. este, ao contrário do fiador, quando paga mais do que
a sua parte não fica subrrogado na titularidade que o
credor detinha sobre essa parte. Efetivamente, o direito
de regresso consubstancia um “crédito novo e autónomo”
que é “meramente eventual “ e “não constituído enquanto
o devedor solidário não efetuar o seu pagamento para
além da parte que lhe compete” 78 e que, por isso, já não
poderá ser reclamado no PER.
78
Ob. cit., 63.
79
Ob. cit., 63.
304
[…] mais próxima de uma assunção solidária de dívida do
que de uma fiança” 80;
80
Ob. cit., 65.
81
Ob. cit., 64-65.
82
Ob. cit., 65.
305
Certo é, desde logo, que nada impede que o credor respetivo
o acordo com o seu garante: está no exercício da sua autonomia
privada, conquanto que as normas de direito substantivo o permitam.
83
Ob. cit., 275.
306
de Revitalização aprovado pela maioria de credores legalmente
estabelecida determinar o incumprimento daquele Plano de
insolvência
Claro que neste caso o avalizado não era o garante, mas perpassa
aqui uma ideia de a maioria de credores poder restringir direitos de
terceiro, in casu, os direitos do credor avalizado e que beneficiava
de um Plano de Insolvência, se isso facilitar a vida ao devedor. Não
é restrição a terceiro garante, todavia.
84
Ob. cit., 107.
307
II. A justificação é seguinte: visto tratar-se de execuções
(singulares ou universais) para pagamento de quantia certa o plano
de recuperação torna-as inúteis “pois a forma de pagamento aos
credores passou a ser realizada de acordo com os termos” do plano
85
. Justamente, é por esta razão que, como já dissemos, as ações
declarativas de condenação estão excluídas do mesmo nº1 do artigo
17º-E: como o credor nessas ações ainda está a discutir o direito,
obviamente que não o pode reclamar no PER; ora, se aplicássemos
o artigo 17ºE nº 1 (por causa de uma interpretação ampla do
conceito de ação de cobrança em sede de artigo 17º -E nº 1 in fine,
então ficaria sem meio judicial de tutela da sua pretensão 86
III. Essa extinção não pode porém ser imediata caso seja
interposto recurso do despacho judicial. Este terá efeito suspensivo:
“as acções só se extinguem com o trânsito em julgado da sentença
homologatória do PER” segundo NUNO SALZAR CASANOVA
/ DAVID SEQUEIRA DINIZ 87.
85
Ob. cit., 101.
86
Ob. cit., 101.
87
Ob. cit., 109.
88
Ver atrás o § 1º.
308
Todavia, deve ter-se em conta o teor do nº 1 do artigo 325º
CC: “A prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do
direito, efectuado perante o respectivo titular por aquele contra
quem o direito pode ser exercido”. Ora, pelo plano de recuperação
o devedor reconhece dívidas….pelo que a prescrição continuará
interrompida.
309
Por outro lado, o credor pode atuar perante os terceiros
garantes após a aprovação de um Plano de revitalização com a
inerente modificação dos créditos sobre o devedor: a modificação
dos créditos garantidos no plano de recuperação constitui
causa superveniente que torne inexigível a obrigação terceiro
garante. Apenas assim não será se houver estipulação diversa no
plano de revitalização: pode constar do Plano de recuperação uma
regra que impossibilite os credores de, durante a vigência do Plano,
exercerem os seus direitos sobre os terceiros garantes.
310
adaptações 89, e sendo o processo especial de revitalização apenso
ao processo de insolvência.
89
Este estatui que “A apresentação à insolvência por parte do devedor implica
o reconhecimento por este da sua situação de insolvência, que é declarada até
ao 3o dia útil seguinte ao da distribuição da petição inicial ou, existindo vícios
corrigíveis, ao do respectivo suprimento”.
90
Note-se que, segundo o ac RG 1-10-2013/Proc. 84/13.1TBGMR.G1 (ROSA
TCHING) “a prolação da decisão declaratória do encerramento do processo marca
o limite a partir do qual deixa de poder haver lugar à desistência da instância ou
do pedido de revitalização, sendo indiferente o trânsito em julgado desta decisão.
Fundamental, para o efeito, é que o requerimento do desistente da instância ou do
pedido de revitalização dê entrada antes da prolação da decisão declaratória do
encerramento do processo”.
91
Sobre a articulação entre a reclamação de créditos já efetuada no PER e
a reclamação do processo de insolvência subsequente, leia-se o ac. RC 24-6-
2014/Proc. 288/13.7T2AVR-F.C1 (JORGE ARCANJO): “O processo especial
311
Nesta eventualidade, vai ser essencial a ponderação do
artigo 17o-H ao determinar que “ As garantias convencionadas
entre o devedor e os seus credores durante o processo especial
de revitalização, com a finalidade de proporcionar àquele os
necessários meios financeiros para o desenvolvimento da sua
atividade, mantêm-se mesmo que, findo o processo, venha a ser
declarada, no prazo de dois anos, a insolvência do devedor” e que
“Os credores que, no decurso do processo, financiem a atividade
do devedor disponibilizando-lhe capital para a sua revitalização
gozam de privilégio creditório mobiliário geral, graduado
antes do privilégio creditório mobiliário geral concedido aos
trabalhadores”.
312
II. Naturalmente que estas garantias podem sempre extinguir-se
ou caducar nos termos gerais de qualquer garantia 93, incluindo por
meio de ação de impugnação pauliana procedente do negócio de
constituição da garantia 94. Por outro lado, embora convencionadas
entre o devedor e o credor, podem ser prestadas a terceiro que, por
sua vez, beneficie financeiramente o devedor 95.
93
NUNO SALAZAR CASANOVA / DAVID SEQUEIRA DINIZ, ob. cit.,
176-177: por ex., extinção da obrigação garantida, anulabilidade, nulidade ou
ilegalidade geral das garantias
94
NUNO SALAZAR CASANOVA / DAVID SEQUEIRA DINIZ, ob. cit., 177.
Estes AUTORES notam ainda que obviamente que o próprio negócio garantido
(i.e., que deu causa à garantia) também pode ser impugnado paulianamente.
95
NUNO SALAZAR CASANOVA / DAVID SEQUEIRA DINIZ, ob. cit.,
179.
313