EStudo de Caso FAP 2 TOC PDF
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ISSN: 0103-166X
estudosdepsicologia@puc-
campinas.edu.br
Pontifícia Universidade Católica de
Campinas
Brasil
Resumo
Este artigo levanta a possibilidade de intervenção no transtorno obsessivo compulsivo por meio da psicoterapia analítica
funcional. Trata-se de uma psicoterapia comportamental que se diferencia de tratamentos comportamentais tradicionais, tais
como treinamento em habilidades sociais ou dessensibilização, por ser pautada nas oportunidades de mudanças profundas
obtidas dentro das limitações de um relacionamento interpessoal íntimo e intenso. O transtorno obsessivo compulsivo é um
transtorno de ansiedade caraterizado pela presença de obsessões e compulsões recorrentes e severas que causam sofrimento e
prejuízo objetivo. Mesmo que à primeira vista não pareça um transtorno de ordem interpessoal, pretende-se ilustrar como a
psicoterapia analítica funcional pode contribuir para seu tratamento. Isto é feito pela discussão de momentos nas sessões de uma
cliente de 47 anos portadora de transtorno obsessivo compulsivo persistente desde a adolescência. Verifica-se que oportunida-
des de aprendizagem ao vivo podem ser identificadas no relacionamento terapeuta-cliente, e que há indícios para o efeito
terapêutico dos mesmos.
Unitermos: Transtorno obsessivo-compulsivo. Psicoterapia analítico-funcional. Terapia comportamental.
Abstract
This article considers the possibilities of functional analytic psychotherapy in the treatment of obsessive compulsive disorder. Functional
RELACIONAMENTO TERAPEUTA-CLIENTE
analytic psychotherapy is a form of behavioral psychotherapy, that differs from traditional behavioral treatments like social skills training or
desensitization, because it focuses exclusively on the opportunities for profound change that occur within the confines of an intimate and
intense interpersonal relationship. Obsessive Compulsive Disorder is an anxiety disorder characterized by repetitive and severe obsessions and
compulsions that cause subjective suffering and objective losses. Although, at first sight, it is not an interpersonal problem, we will show how
Functional Analytic Psychotherapy can contribute to its treatment. Turning-points are discussed in the relationship between a therapist and
a 47 year-old client with treatment-resistant Obsessive Compulsive Disorder since early adolescence. In-vivo learning opportunities, as
conceptualized by Functional Analytic Psychotherapy, are identified in the therapist-client relationship, and the reasons for the therapeutic
effects are discussed.
Uniterms: Obsessive compulsive disorder. Functional analytic psychotherapy. Behavior therapy.
▼▼▼▼▼
1
Consultório particular. Goiânia, GO, Brasil.
2
Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Centro de Estudos e Pesquisa em Psicologia. R. 232, n.128, 3º andar, Setor Universitário, 74605-140, Goiânia, GO,
Brasil. Correspondência para/Correspondence to: L. VANDENBERGHE. E-mail: <[email protected]>. 545
calva na área onde puxava os cabelos, além de deixar o a terapeuta e a cliente, para poder captar o processo
chão sujo, tornando-a preocupada em ser vista como interpessoal que a FAP propõe como elemento curativo
uma pessoa que fazia “sujeira”. central no tratamento. Mudanças no quadro clínico da
cliente são descritos considerando o relacionamento
Nasceu no interior de outro estado, onde morou
da cliente com a terapeuta e a evolução deste rela-
até os doze anos, quando veio com sua mãe para a
cionamento.
capital onde atualmente mora. A mãe, costureira, quase
se tornou freira, mas conheceu um viajante, casou-se
com ele e, em pouco tempo, “A” nasceu. Quando ainda Resultados
bebê, a mãe descobriu que o marido tinha outra família
e se separou. Tinha três anos quando seu pai morreu. O primeiro assunto interpessoal identificado foi
548 Com sua mãe, morou por alguns anos em um barracão a irritação da cliente com o filho, pelo modo como
terapeuta, como também era o caso no seu cotidiano, vigiar para evitar problemas (Szechtman & Woody, 2004)
onde se impunha a mesma limitação, como se ela tivesse melhorou da mesma forma, enquanto a cliente apren-
o poder de evitar que os outros sofressem. deu a aceitar a insegurança em um relacionamento
No terceiro mês de terapia, a cliente já tinha que era emocionalmente nutritivo sem que a outra pes-
parado de puxar os cabelos, mas durante o trabalho soa (a terapeuta) estivesse por isso controlável ou pre-
intensivo com a vivência de sentimentos de culpa tinha visível.
recaídas, ainda que com menor frequência e intensi- Enquanto a literatura propõe métodos explícitos
dade. Os comportamentos de contar números de portas, para reduzir a supervalorização de perigo idealizado,
vãos e orifícios desapareceram depois de ter trabalhado que tão frequentemente se encontra no transtorno
o sentimento de que números ímpares significavam obsessivo-compulsivo (St. Clare et al., 2008), a cliente se
550 que “sobrava alguém”. Também se concentrava menos arriscou em um relacionamento diferente, profundo e
552