Direito Penal

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DIREITO PENAL E PROCESSO

PENAL

ESCOLA SUPERIOR DE ADVOCACIA DO PIAUI- ESA PIAUÍ

PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO E PROCESSO PENAL

DISCIPLINA: APLICAÇÃO DA LEI PENAL

PROFESSORA ESP. ALYNNE PATRICIO DE ALMEIDA SANTOS

APLICAÇÃO DA LEI PENAL: CONTEÚDO PROGRAMÁTICO DA DISCIPLINA:

1. FONTES DO DIREITO PENAL


2. A LEI PENAL

3. DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL


3.1.Princípio da Legalidade

4. APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO TEMPO


4.1. Tempo do crime e lugar do crime
4.2. Sucessão de leis penais no tempo
4.3. Lei Excepcional ou Temporária

5. EFICÁCIA DA LEI PENAL NO ESPAÇO


5.1. Princípios de Aplicação da lei Penal no Espaço
5.2. Territorialidade da Lei Penal
5.3. Extraterritorialidade

1. FONTES DO DIREITO PENAL

Fonte é o lugar de onde vem e como se exterioriza o Direito Penal.

A) FONTE MATERIAL é a fonte de produção da norma, órgão encarregado de criar


o direito penal.

Nos termos do artigo 22 da Constituição Federal, o órgão encarregado de criar direito


penal é a UNIÃO. Só a União pode criar Direito Penal.

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico,


espacial e do trabalho;

Não obstante a competência para legislar sobre direito penal seja da União, conforme
proclama o art. 22, I, da CF, Lei complementar pode autorizar o Estado a legislar sobre
matéria específica de Direito Penal. Vejamos:

Art. 22. Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre
questões específicas das matérias relacionadas neste artigo.

Corroborando ao exposto, Cleber Masson:


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São os órgãos constitucionalmente encarregados de elaborar o Direito Penal. Essa


tarefa é precipuamente da União, nos moldes do art. 22, I, da Constituição Federal. Não
se pode olvidar, ainda, que lei complementar da União pode autorizar os Estados-
membros a legislar sobre questões específicas, de interesse local (CF, art. 22,
parágrafo único).

→Fonte material: União (Art. 22, da CF): regra.


→Fonte material: Estados, por meio de lei complementar.

E quais são os requisitos para essa regulamentação? Conforme o art. 22, parágrafo
único da Constituição:

a) Deve se tratar de matéria específica daquele Estado;


b) É necessário ainda autorização da União por meio de Lei
Complementar.

B) FONTE FORMAL é o instrumento de exteriorização do direito penal. O modo


como as regras são reveladas. Trata-se de uma fonte de conhecimento/cognição.
As fontes formais podem ser imediata ou mediata.

Fonte formal (doutrina clássica):

Imediata: Lei
Mediata:
• Costumes
• Princípios gerais do direito.

Fonte formal (doutrina moderna):

Imediata:

1. Lei;
2. Constituição Federal;
3. TIDH;
4. Jurisprudência; Súmulas;
5. Princípios
6. Atos administrativos que complementa norma penal em branco;

Mediata:

• Doutrina
• Costumes (na verdade são considerados fontes informais do Direito

LEI

A lei constitui-se em fonte formal imediata, sendo o único instrumento normativo capaz
de criar crimes e cominar penas.
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Nesse sentido, preleciona Cleber Masson:

Fonte formal imediata: é a lei, regra escrita concretizada pelo Poder Legislativo em
consonância com a forma determinada pela Constituição Federal. Em obediência ao
princípio da reserva legal ou da estrita legalidade (CF, art. 5.º, XXXIX, e CP, art. 1.º),
constitui-se na única fonte formal imediata do Direito Penal, pois somente ela pode
criar crimes (e contravenções penais) e cominar penas.

As demais fontes não irão criar crimes e nem cominar penas.

CONSTITUIÇÃO FEDERAL

De acordo com a teoria moderna, a Constituição Federal também é fonte formal


imediata, todavia, a Constituição Federal não cria crimes, e nem comina penas.
Sobre o tema, explica Rogério Sanches Cunha:

A Constituição Federal, situada no ápice do ordenamento jurídico brasileiro, não cria


crimes nem comina penas. Esta tarefa é por ela acometida à lei, ao incluir entre os
direitos e garantias fundamentais o princípio da reserva legal ou da estrita legalidade
(art. 5.º, XXXIX). Porém, a Lei Suprema contém inúmeras disposições aplicáveis ao
Direito Penal, a exemplo dos princípios da irretroatividade da lei penal (art. 5.º, XL), da
intransmissibilidade ou da personalidade da pena (art. 5.º, XLV) e da individualização
da pena (art. 5.º, XLVI), sem prejuízo da previsão de diversos mandados de
criminalização.
Se a CF é superior à lei, porque ela não pode criar infrações penais ou cominar
sanções?
Resposta: Em razão de seu processo moroso e rígido de alteração.

Embora a Constituição não possa criar crimes e cominar penas, ela determina
postulados de incriminalização, denominados de mandados de criminalização.
“Muito embora não possa criar infrações penais ou cominar sanções, a C.F nos revela o
Direito Penal estabelecendo patamares mínimos (mandado constitucional de
criminalização) abaixo dos quais a intervenção penal não se pode reduzir)”.
Exemplo1: Art. 5º, XLII, CF – a prática do racismo constitui crime inafiançável e
imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.
Refere-se aos patamares mínimos, que o legislador deve observar no momento que for
tipificar a conduta.

Exemplo 2: Art. 5º. XLIV - Constitui-se crime inafiançável e imprescritível (patamares


mínimos) a ação de grupos armados, civis ou militares, contra ordem constitucional e o
Estado Democrático.

De acordo com a doutrina majoritária existem mandados de criminalização implícitos, com


a finalidade de evitar proteção deficiente do Estado.
Exemplo: o legislador não poderia retirar o crime de homicídio do ordenamento jurídico,
porque a CF de 88 garante o direito a vida. Assim, o direito a vida configura como
mandado constitucional de criminalização implícito, razão pela qual não se pode abolir
o delito de homicídio.
Com base nesse mandado implícito, ou seja, direito a vida, questiona-se a legalização
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do aborto, já que o direito a vida abrange o direito a vida intrauterina extrauterina.

#Mandados de criminalização ou mandados constitucionais de criminalização.

São ordens emitidas pela CF ao legislador ordinário, no sentido da criminalização de determinados


comportamentos. O legislador estaria obrigado. Não há discricionariedade. Eles podem ser expressos (a ordem
está explícita no texto constitucional. Ex.: art. 225, § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao
meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos causados e art. 5º, XLII a prática do racismo constitui
crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei) ou tácitos (a ordem é retirada
da harmonia, do espírito de todo o texto da CF. Ex.: combate à corrupção no poder público. Foi falado pelo
STF no caso do mensalão).

Nesse sentido, já decidiu o STF:

(...) A Constituição de 1988 contém significativo elenco de normas que, em princípio, não
outorgam direitos, mas que, antes, determinam a criminalização de condutas (CF, art.
5°, XLI, XLII, XLIII, XLIV; art. 7°, X; art. 227, § 4°). Em todas essas é possível identificar
um mandado de criminalização expresso, tendo em vista os bens e valores envolvidos.
Os direitos fundamentais não podem ser considerados apenas proibições de
intervenção, expressando também um postulado de proteção" (STF: HC 102.087 /MG,
rei. Min. Celso de Mello, rei. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, 2 Turma, j. 28.02.2012).

Senado aprova PEC que torna feminicídio e estupro crimes imprescritíveis


Com a imprescritibilidade, o criminoso poderá ser punido mesmo muitos anos após o
crime. Proposta ainda precisa ser votada em dois turnos na Câmara

O Senado aprovou nesta quarta-feira (6) uma Proposta de Emenda à Constituição


(PEC) para tornar imprescritíveis os crimes de feminicídio e estupro. A matéria segue,
então, para análise da Câmara dos Deputados.
A tipificação do crime de feminicídio está prevista na Constituição desde 2015. É o
homicídio "contra a mulher por razões da condição de sexo feminino".
Como havia acordo para a votação da matéria, as votações do primeiro e do segundo
turno foram feitas na mesma sessão, uma após a outra. O texto foi aprovado por
unanimidade nos dois turnos. No primeiro por 58 votos e no segundo por 60 votos
favoráveis.
Na prática, com a imprescritibilidade, o criminoso poderá ser punido mesmo muitos anos
após o crime. Atualmente, a Constituição coloca os crimes de racismo e a ação de
grupos armados, civis ou militares contra a ordem constitucional e o Estado Democrático
como imprescritíveis.
Por se tratar de emenda constitucional, o texto também precisa ser aprovado em dois
turnos por 308 deputados, isto é, três quintos da Câmara.
Inicialmente, o texto tratava apenas da vedação de prescrição para casos de feminicídio.
A inclusão do crime de estupro também como imprescritível foi sugestão da presidente
da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Simone Tebet (PMDB-MS).
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Durante a votação no colegiado, na semana passada, a senadora lembrou que, em


2017, o Senado já aprovou PEC sobre o assunto e o tema já está na Câmara dos
Deputados.
Segundo Tebet, a sugestão seria apenas uma forma de não prejudicar o texto, caso a
proposta que trata do estupro seja votada antes pelos deputados.
O relator da matéria, senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), citou em seu parecer
um levantamento feito pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP e da Pesquisa
Violência Doméstica contra a Mulher, realizada pelo DataSenado, que indica que os
casos de feminicídio cresceram em um ano.

TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS

Os tratados internacionais de direitos humanos constituem-se em fonte formal imediata e


podem ingressar no nosso ordenamento jurídico com dois status.
Status de norma constitucional, se aprovados com quórum de emenda (3/5, 2 casas,
2 turnos), ou com status infraconstitucional mas supralegal quando aprovados com
quórum comum.

ATENÇÃO: respeitável corrente doutrinária se posiciona no sentido de que os tratados,


versando sobre direitos humanos (e somente eles), uma vez subscritos pelo Brasil, se
incorporam automaticamente e possuem (sempre) caráter constitucional, a teor do
disposto nos §§1º e §§2º, do art. 5º, da CF (Flávia Piovesan).
Questiona-se: Os tratados internacionais de direitos humanos podem criar tipos penais
para o ordenamento interno?
CUIDADO: Importante esclarecer que os tratados e convenções não são instrumentos
hábeis à criação de crimes ou cominação de penas para o direito interno (apenas para
o direito internacional). Assim, antes do advento das Leis nº 12.694/12 e 12.850/13 (que
definiram, sucessivamente, organização criminosa),o STF manifestou-se pela
inadmissibilidade da utilização do conceito de organização criminosa dado pela
Convenção de Palermo, trancando a ação penal que deu origem à impetração, em face
da atipicidade da conduta (HC nº 96007). Servem porém como mandados de
criminalização e para assegurar garantias.

JURISPRUDÊNCIA

Segundo a doutrina moderna trata-se de fonte formal imediata.

Jurisprudência revela direito penal, podendo inclusive ter caráter vinculante (súmulas).

Exemplo: Art. 71 C.P. - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão,
pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo
(jurisprudência propõe 30 dias), lugar, maneira de execução e outras semelhantes,
devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a
pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em
qualquer caso, de um sexto a dois terços.
Nesse caso, a condição de tempo está sendo definida pela jurisprudência.

Sobre a Jurisprudência ser apontada como fonte formal do direito penal, o Professor
Rogério Sanches explica:

“A jurisprudência adquiriu novos contornos e importância no cenário jurídico


penal, a passando a ser fonte imediata reveladora de direito. É o que ocorre de
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forma evidente com as súmulas vinculantes, a exemplo do verbete de número 24


que disciplina atipicidade de crime contra a ordem tributária quando pendente o
lançamento definitivo do tributo”.

PRINCÍPIOS

Não raras vezes os Tribunais absolvem ou reduzem penas com fundamento em


princípio, é o caso do princípio da insignificância (afasta a tipicidade material).

ATOS ADMINISTRATIVOS

Os atos administrativos muitas vezes funcionam como complemento das chamadas


“normas penais em branco”, como, por exemplo, a portaria da Anvisa que elenca quais
são as substâncias que são consideras drogas. A portaria em comento é utilizada para
complementação das normas penais em branco presentes na Lei nº 11.343/2006 (Lei
de Drogas), sendo assim, fonte formal mediata do direito penal.
Desse modo, temos que os atos administrativos tratam-se de fonte formal imediata
quando complementam norma penal em branco, é o caso da Portaria nº 344/98 que
define drogas, elemento essencial para caracterização dos crimes tipificados ao teor da
Lei nº 11.343/2006.

COSTUMES
Os costumes são comportamentos uniformes e constantes (elemento objetivo) pela
convicção de sua obrigatoriedade(elemento subjetivo). Aparecem como fontes informais
do Direito Penal.
Costumes criam infrações penais?
É absolutamente vedado o costume incriminador.

Costumes revogam infrações penais?

Somente lei pode revogar lei. Não existe costume abolicionista.

Qual, então, a finalidade do costume no ordenamento jurídico penal?

Apesar de não possuir o condão de criar ou revogar crimes e sanções, o costume é


importantíssimo vetor de interpretação das normas penais.

2. A LEI PENAL

A lei penal é fonte formal imediata do direito penal. Só a lei pode criar crimes e cominar
penas.
Nessa perspectiva, corroborando ao exposto, Cléber Masson expõe:

É a fonte formal imediata do Direito Penal, uma vez que, por expressa determinação
constitucional, tem a si reservado, exclusivamente, o papel de criar infrações penais
e cominar-lhes as penas respectivas.

A lei penal incriminadora é formada por dois preceitos, o preceito primário e o preceito
secundário. O preceito primário consiste na definição da conduta criminosa, já o preceito
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secundário é a pena cominada para a referida conduta. Vejamos:

• Preceito primário → descrição da conduta.


• Preceito secundário → cominação da pena.

O código penal adotou a chamada TEORIA DAS NORMAS criada por Karl Binding. A lei
penal é descritiva. O tipo penal descreve uma conduta criminosa e não proíbe
diretamente a conduta (a norma não é “não matar alguém”, mas matar alguém). Trata-
se do chamado “sistema de proibição indireta”:
Essa técnica legislativa foi desenvolvida por Karl Binding, por ele chamada de teoria das
normas, segundo a qual é necessária a distinção entre norma e lei penal. A norma cria o
ilícito, a lei cria o delito. A conduta criminosa viola a norma, mas não a lei, pois o agente
realiza exatamente a ação que esta descreve. (Cleber Masson, Direito Penal
Esquematizado).

O princípio da legalidade, como visto, exige a edição de lei certa, precisa, determinada.
Vamos identificar a classificação da lei quanto ao conteúdo:
Classificação

Lei penal completa é aquela que dispensa complemento valorativo (é aquele dado pelo
juiz) ou normativo (é aquele dado pela própria norma).
Ex. 121, do Código Penal. (Matar Alguém).

Lei penal incompleta é a norma que depende de complemento valorativo ou normativo.

Se depende de complemento valorativo é denominada de tipo aberto. Por outro lado, se


depende de complemento normativo é denominada de norma penal em branco.

a) Tipo aberto

Trata-se de espécie de lei penal incompleta. Depende de complemento valorativo dado


pelo juiz na análise do caso concreto.
Ex: crimes culposos. Os crimes culposos são descritos em tipos abertos, uma vez que o
legislador não anuncia as provas de negligência, ficando a critério do juiz na análise do
caso em concreto. Ex. Art. 121, §3º CP – Se o homicídio é culposo (...).
Exceção: Receptação (já anunciou as formas de negligência).

Ex. Art. 180 § 3º - Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção
entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida
por meio criminoso:
Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as penas.

Excepcionalmente, o legislador descreveu a negligência (em sentido amplo), subtraindo


do juiz, de forma legítima, a sua valoração no caso concreto.
ATENÇÃO: O tipo aberto para não violar o princípio da legalidade a redação típica deve
trazer o mínimo de determinação.
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Norma penal em branco (depende de complemento normativo).

A norma penal em branco é espécie de lei penal incompleta, a qual depende de


complemento normativo (dado por outra norma).

Norma Penal em Branco: conceito

O que se entende por lei penal em branco? A lei penal em branco é espécie do gênero
lei penal incompleta. Nessa espécie, a lei penal depende do complemento normativo. É
cediço que a lei penal incriminadora, via de regra, é composta por dois preceitos, o
chamado preceito primário (definição da conduta criminosa) e o preceito secundário
(pena cominada). Todavia, existem normas penais que o preceito secundário é
completo, mas o preceito primário precisa de complementação. Nessa linha, quando o
preceito primário depende de complemento normativo estamos diante da chamada
norma penal em branco.
→ Se depende de complemento normativo é denominada de norma penal em
branco.

O que se entende por lei penal em preto? É o oposto da norma penal em branco, é
aquela que é completa, tanto em seu preceito primário quanto seu preceito secundário.
Norma Penal em Branco: espécies

• Norma penal em branco em sentido estrito, também


denominada de própria ou heterogênea,
• Norma penal em branco em sentido amplo, homogênea.
• Norma penal em branco ao revés (ao avesso).

a) Norma penal em branco própria/em sentido estrito/heterogênea: o complemento


normativo não emana do legislador, mas de fonte normativa diversa. A definição de
droga consta da Portaria (Poder Executivo). Nesse caso, a lei penal está sendo
complementada por portaria do Executivo.
Ex.: Lei nº 11.343/06 (Lei de Drogas).

Art. 1º Esta Lei institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad;
prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de
usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não
autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e define crimes.
Parágrafo único. Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os
produtos capazes de causar dependência assim especificados em lei ou relacionados
em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União.

b) Norma penal em branco imprópria/ em sentido amplo/ homogênea: o


complemento normativo emana do legislador. A lei penal incompleta será
complementada por outra lei, que poderá ser penal (norma penal em branco homogênea
homovitelina) ou extra-penal (norma penal em branco heterôvitelina).
Homovitelina: quando a lei incriminadora e seu complemento (outra lei) encontram-se
no mesmo diploma legal, por exemplo, uma norma do Código Penal sendo
complementada por outra norma do Código Penal.
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Heterovitelina: se estiverem alocadas em diplomas diversos, por exemplo, Código


Penal e Código Civil.

O que se entende por norma penal em branco ao revés ou às avessas?

Na norma penal em branco ao revés, o complemento refere-se à sanção, ou seja, ao


preceito secundário, e não ao conteúdo proibitivo (preceito primário).
O complemento refere-se não ao conteúdo proibitivo, mas em relação ao preceito
secundário (sanção). É o preceito secundário que está incompleto (sanção penal).
Assim, norma penal em branco é aquela que tem seu preceito secundário incompleto.
Exemplo: Crime de genocídio.

Ø A norma penal em branco ao avesso é aquela em que o preceito


primário é completo, maso preceito secundário carece de complemento normativo.
Ø Na hipótese de norma penal em branco ao avesso o complemento
normativo deve derivar da lei , sob pena de lesão ao princípio da reserva legal.
Ø No ordenamento jurídico nacional podemos citar como exemplo de
lei penal em branco ao avesso a Lei 2.889/1956 que tipifica o crime de genocídio, pois
tal norma não tratou das penas, fazendo expressa referência a outras leis penais.

Na norma penal em branco ao revés o preceito primário está completo, o que está
incompleto é o rol de consequências jurídicas, ou seja, a sanção.
Cuidado! O complemento na norma em branco ao revés só pode ser dado por lei
penal. Logo, será necessariamente homogênea (lei complementado lei).
#A NORMA PENAL EM BRANCO HETEROGÊNEA É CONSTITUCIONAL?

1º CORRENTE: dispõe que a norma penal em branco heterogênea impossibilita a


discussão amadurecida pela sociedade do seu complemento. Fere o art. 22, I, da CF, é,
portanto INCONSTITUCIONAL! (Rogério Greco).
2º CORRENTE: a norma penal em branco é constitucional. O legislador já discutiu e
criou o tipo penal com todos os seus requisitos. A remição ao executivo é absolutamente
excepcional e necessária por razões de técnica legislativa. O executivo só esclarece um
requisito do tipo. Entendimento que prevalece. (Nucci).
O STF já entendeu que a norma penal em branco heterogênea é constitucional.

Norma penal em branco e instâncias federativas diversas

O complemento de uma norma penal em branco pode vir de uma portaria estadual, lei
municipal?
Norma penal em branco e instâncias federativas diversas: a lei penal em branco (própria
ou imprópria) pode ser complementada por normas oriundas de instâncias federativas
diversas (Poder Executivo ou Legislativo Federal, Estadual ou Municipal). O art. 63 da
Lei dos Crimes Ambientais (Lei 9.605/98), por exemplo, pune com reclusão, de 1 a 3
anos, e multa, “alterar aspecto ou estrutura de edificação ou local especialmente
protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial em razão de seu valor
paisagístico, ecológico, turístico ou artístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico,
etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em
desacordo com a concedida”.
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Nestes casos, a lei ou ato administrativo criado para proteger a edificação pode ser
municipal. Eis, portanto, típico caso de norma penal em branco complementada por
norma não federal. É preciso, no entanto, que se atente para o fato de que a iniciativa
dessas instâncias federativas no complemento das normas penais em branco deve ser
restrita, sob pena de se caracterizar generalizada delegação de competência legislativa
privativa da União, expediente vedado pela Constituição Federal

3. APLICAÇÃO DA LEI PENAL

3.1. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

O princípio da legalidade encontra fundamento na Constituição Federal, assim como,


no Código Penal.
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A Constituição Federal, em seu art. 5º, II, dispõe que “ninguém será obrigado a fazer ou
deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
Por outro lado, descreve o art. 5º, XXXIX da CF, “não há crime sem lei anterior que o
defina, nem pena sem prévia cominação legal”.
Por fim, proclama o artigo 1º do Código Penal, “não há crime sem lei anterior que o
defina. Não há pena sem prévia cominação legal”.
Assim:

- Art. 5º,II, CF;

- Art. 5º, XXXIX, CF;

- Art. 1º do Código Penal.

Constituição Federal Constituição Federal Código Penal


Art. 5º. II. Ninguém será obrigado a Art. 5º. XXXIX. Não há crime sem lei Art. 1º. Não há crime sem lei
fazer ou deixar de fazer alguma anterior que o defina, nem pena anterior que o defina. Não há pena
coisa senão em virtude de lei. sem prévia cominação legal. sem previa cominação legal.

Esses são os únicos diplomas normativos que regulamentam a legalidade?

Não, cuidado! Outros importantes diplomas internacionais de direitos humanos tratam


do princípio garantia da legalidade.
Quais os documentos internacionais tratam do princípio da legalidade?

a) Convênio para a proteção dos direitos humanos e liberdades


fundamentais (Roma 1950);

b) Convenção americana dos direitos humanos (1969); Pacto São José da


Costa Rica.

c) Estatuto de Roma (criou o TIP, 1998).

Obs.: O princípio da legalidade está previsto na Bíblia. “O pecado não é imputado a


ninguém quando não há lei”.
Trata-se de real limitação ao poder estatal de interferir na esfera das liberdades
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individuais. Daí a sua inclusão na Constituição Federal e nos Tratados Internacionais de


Direitos Humanos.
Exige-se a criação de lei, e esta lei deve ser anterior .O princípio da legalidade nasce
da soma do princípio da reserva legal mais anterioridade.
Assim: Legalidade = reserva legal + anterioridade.

Não há crime ou pena sem lei (reserva legal), e a lei deve ser anterior aos fatos que
busca incriminar (anterioridade).
Ø A lei penal deve ser anterior ao fato cuja punição se pretende. A lei penal só
é aplicável aos casos ocorridos após a sua entrada em vigor. Nessa linha, cumpre
destacarmos que há crime se ocorreu durante a vacatio legis.

Fundamentos do princípio da legalidade

→Fundamento Político: vincula o Poder Executivo e o Poder Judiciário a lei formuladas


de forma abstrata, impede o poder punitivo arbitrário.
→Fundamento Democrático: representa o respeito ao princípio da divisão de poderes
separação de poderes. Compete precipuamente ao parlamento a missão de elaborar
leis.
→Fundamento Jurídico: uma lei prévia e clara produz importante efeito intimidativo.

Abrangência:

O artigo 1º do Código Penal dispõe que “não há crime sem lei anterior que o defina. Não
há pena sem prévia cominação legal”.
Questiona-se: crime abrange contravenção penal? E a pena, abrange medidas de
segurança?

Assim, quando se fala crime, engloba-se também a contravenção penal, de modo que
o correto seria não há infração penal e sanção penal sem lei anterior.
O princípio da legalidade alcança de igual modo, a contravenção penal a bem como a
medida de segurança.

Conclusão: não há infração penal (Crime + Contravenção) ou sanção penal (Pena +


Medida de segurança) sem lei anterior que o defina.
Ø NÃO HÁ INFRAÇÃO PENAL(crime ou contravenção penal) OU
SANÇÃO PENAL (pena ou medida de segurança) sem lei anterior que o defina.

O artigo 3º do CPM dispõe que “as medidas de segurança regem-se pena lei vigente ao
tempo da 61sentença, prevalecendo, entretanto, se diversa, lei vigente da execução”.

Conclusão: o art. 3º do CPM, em que pese respeitar a reserva legal, ignora a


anterioridade na medida em que admite medida de segurança não ao tempo do fato,
mas sim da sentença ou da execução, ou seja, não observou a anterioridade, nesse
tanto, não foi recepcionado pela Constituição.
Legalidade = reserva legal + anterioridade.
Se viola a anterioridade, consequentemente, desrespeita o princípio da legalidade, posto
que esse é composto pelos substratos da anterioridade e da reserva legal.
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A) NÃO HÁ CRIME OU PENA SEM LEI

Princípio da reserva legal

- lei ordinária (regra)

- lei complementar

- LEI:

A expressão lei não deve ser tomada no seu sentido amplo, mas somente lei ordinária,
em regra, e excepcionalmente lei complementar.
Os decretos-lei são recepcionados pela Constituição Federal com status de lei.

Decreto-Lei Não há crime sem lei.


Dispõe sobre os crimes de responsabilidade de prefeito. O ADCT dispõe que os decretos-lei serão recepcionados
como leis (ordinária e complementares).

Medida provisória pode criar crime? Não sendo lei, mas ato do poder executivo tão
somente com força normativa de lei, a medida provisória não cria crime, não comina
pena.

É possível Medida Provisória versando sobre Direito Penal não incriminador? Medida
provisória pode extinguir punibilidade?

Lembrando que o art. 62, §1º, I “b” CF, proíbe Medida Provisória versando sobre Direito
Penal.

§1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: I – relativa a: b)direito


penal...

Está vedado versar também sobre direito penal não incriminador?

A doutrina diverge:

1º CORRENTE: Dispõe que com o advento da EC 32/01, ficou claro que Medida
provisória não pode versar sobre direito penal (incriminador ou não incriminador).
Posição que prevalece entre os constitucionalistas.
MP não pode criar crime, nem cominar pena (direito penal incriminador); MP não pode
extinguir punibilidade (direito penal não incriminador).

2º CORRENTE: reforça a proibição da Medida provisória sobre Direito Penal


incriminador, permitindo matéria de direito penal não incriminador.
Posição do STF. Esse é o entendimento do STF.

EMENDA 32/01
Antes Depois
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PENAL

O STF admitiu medida provisória versando sobre direito O STF voltou a admitir medida provisória versando
penal não incriminador (MP 1571/97) norma que extinguia sobre direito penal não incriminador. Medida
a punibilidade de crimes tributários e previdenciários provisória 417/2008, que impediu a tipificação de
mediante a reparação do dano. determinados delitos no estatuto do
desarmamento.

Em síntese:
Medida provisória pode versar sobre direito penal? (É possível utilizar medidas
provisórias no direito penal?) Existem duas posições sobre a questão.

SIM NÃO
Fundamento: DESDE QUE a medida seja utilizadaFundamento: argumenta que não, pois a CF veda a
para favorecer o réu, ou seja, cabe medida provisória edição de medida provisória versando sobre direito
versando sobre direito penal não incriminador. penal, não fazendo distinção.
Tem sido a posição adotada pelo STF. Nesse sentido, o art. 62, §1º, inciso I, b da CF. Art. 62,
Exemplo: Estatuto do Desarmamento e o prazo da §1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre
entrega de armas. Foi prorrogada o referido prazo por matéria:
meio de MEDIDA PROVISÓRIA. Foram I – Relativa a: b) direito penal.
sucessivas prorrogações.

Resoluções de quaisquer espécies podem criar infrações penais e cominar penas?


Resoluções não podem criar crimes e nem cominar penas.
Ex.: Resoluções do TSE, CNJ, CNMP, etc. Não sendo leis em sentido estrito, não podem
criar crimes e cominar penas.

As menções de condutas criminosas indicadas nas Resoluções do TSE são mera


consolidações de tipos penais previamente tipificadas por lei. Não é a resolução que
cria, a qual limita-se a repetir o teor que já existe, por exemplo, no código eleitoral.

b) NÃO HÁ CRIME ou PENA SEM LEI ANTERIOR

- Princípio da anterioridade: impede a retroatividade maléfica da lei penal.

- Proibição da retroatividade maléfica da lei penal. A retroatividade benéfica é


garantia constitucional do indivíduo.

- Obs.: O princípio da anterioridade impede a retroatividade MALÉFICA da lei penal,


não impedindo a benéfica (que de qualquer modo beneficiar o acusado).

C) NÃO HÁ CRIME OU PENA SEM LEI ESCRITA

Significa que está proibido o costume incriminador. Costume não cria crime, costume
não comina pena.
Questiona-se: para que serve o costume no Direito Penal? O costume serve como
importante instrumento de interpretação. Costume interpretativo “secundum legim”.
Ex.: O crime de furto tem sua pena aumentada se praticado durante o repouso noturno.
DIREITO PENAL E PROCESSO
PENAL

Para melhor compreensão da elementar “repouso noturno”, faz-se necessário uma


interpretação conforme os costumes locais de onde se desenvolveu a conduta
criminosa.
- Costume pode revogar uma infração penal?

Discute-se essa questão na contravenção do Jogo do Bicho.

1º CORRENTE:

Admite- se o costume abolicionista ou revogador da lei nos casos em que a infração


penal não mais contraria o interesse social deixando de repercutir negativamente na
sociedade.
Conclusão: para esta corrente, jogo do bicho não deve mais ser punido, pois a
contravenção foi formal e materialmente revogado pelo costume.
2º CORRENTE:

Não é possível o costume abolicionista. Entretanto, quando o fato já não é mais


indesejado pelo meio social, a lei não deve ser aplicada pelo magistrado.
Conclusão: jogo do bicho apesar de formalmente contravenção, não serve para punir o
contraventor, carecendo de tipicidade material (princípio da adequação social).

3º CORRENTE:
É o entendimento que tem prevalecido, e entende que somente a lei pode revogar
outra lei. Não existe costume abolicionista.
Conclusão: para esta corrente, jogo do bicho permanece infração penal, servindo a lei
para punir os contraventores, enquanto não revogada por outras leis.

O STF indeferiu HC em que a Defensoria Pública requeria, com base no princípio


da adequação social, a declaração de atipicidade da conduta imputada a
condenado como incurso nas penas do art. 184, § 2º, do CP(Pirataria). Sustentava-
se que a referida conduta seria socialmente adequada, haja vista que a coletividade não
recriminaria o vendedor de CDs e DVDs reproduzidos sem a autorização do titular do
direito autoral, mas, ao contrário, estimularia a sua prática em virtude dos altos
preços desses produtos, insuscetíveis de serem adquiridos por grande parte da
população.
Justamente para que não houvesse mais dúvidas, o STJ editou um enunciado:

SÚMULA 502 STJ: Presentes a materialidade e a autoria, afigura-se típica, em relação


ao crime previsto no artigo 184, parágrafo 2º, do CP, a conduta de expor à venda CDs
e DVDs piratas.

Em sede de recurso especial repetitivo, o STJ firmou a seguinte tese que resume essas
três conclusões: "É suficiente, para a comprovação da materialidade do delito previsto
no art. 184, § 2º, do CP, a perícia realizada, por amostragem, sobre os aspectos externos
do material apreendido, sendo desnecessária a identificação dos titulares dos direitos
autorais violados ou de quem os represente." STJ. 3ª Seção. REsp 1.456.239-MG e
REsp 1.485.832-MG, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 12/8/2015 (recurso
66
repetitivo) (Info 567).
DIREITO PENAL E PROCESSO
PENAL

d) NÃO HÁ CRIME OU PENA SEM LEI ESTRITA

Proíbe-se a utilização da analogia para criar tipos penais incriminador (analogia in


malam partem). Está vedada a analogia incriminadora, ou in malam partem.
Observação: cabe a analogia in bonam parte: desde que beneficie o réu e a lacuna seja
involuntária do legislador.
Ex.: Art. 155 § 3º CP, abrange sinal de TV à cabo?

“§ 3º - Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor
econômico.”

A 2ª Turma do STF, no julgamento do HC 97.261 declarou a atipicidade da conduta do


agente que subtrai sinal de TV à cabo asseverando ser impossível a analogia
incriminadora com o crime de furto de energia elétrica.

E) NÃO HÁ CRIME OU PENA SEM LEI CERTA

Princípio da taxatividade (ou da determinação): exige-se clareza na criação do tipo


penal. A norma incriminadora tem que ser de fácil compreensão, entendimento.
Não se admite tipos penais com expressões vagas.

Referido princípio é dirigido mais diretamente à pessoa do legislador, exigindo dos tipos
penais clareza, não devendo deixar margens a dúvidas, de modo a permitir à população
em geral o pleno entendimento do tipo criado.
O art. 288-A sofre críticas frente ao princípio da legalidade no tocante a característica
da taxatividade/determinação, não sendo o tipo penal de fácil compreensão (César
Roberto Bitencourt).
Cumpre destacarmos ainda que, a lei deve prever com precisão o conteúdo mínimo da
conduta criminosa. Se não fosse apenas o mínimo, os tipos penais abertos e as normas
penais em branco seriam considerados todos inconstitucionais, pois nesses tipos não
há a descrição completa, mas apenas o teor mínimo.

F) NÃO HÁ CRIME OU PENA SEM LEI NECESSÁRIA

Trata-se de uma consequência lógica do princípio da intervenção mínima.

O princípio da legalidade é vetor basilar do garantismo. Por garantismo, entende-se, o


mínimo poder punitivo do Estado em face das máximas garantias do cidadão.
- Qual a diferença entre legalidade formal e legalidade material?

Legalidade formal: a lei penal obedece o devido processo legislativo. Se obedece o


processo, estar-se- á diante de uma lei vigente. Por outro lado, legalidade material
significa que o conteúdo do tipo deve respeitar direitos e garantias do cidadão. Nesse
caso, a lei é válida.

Exemplo: regime integral fechado previsto na lei de crimes hediondos. Entendeu que é
vigente, porém inválido, observou a legalidade formal, mas não a legalidade material.
DIREITO PENAL E PROCESSO
PENAL

Nessa perspectiva, preleciona Rogério Sanches (, Manual de Direito Penal – Parte


Geral) “A legalidade formal representa a obediência aos trâmites procedimentais (devido
processo legislativo) fazendo da lei aprovada, sancionada e publicada uma lei vigente.
Entretanto, para que haja legalidade material, a observância às formas e procedimentos
impostos não é suficiente, sendo imprescindível que a lei respeite o conteúdo da
Constituição Federal, bem como dos tratados internacionais de direitos humanos,
observando direitos e garantias do cidadão (legalidade material). Apenas desse modo
é possível falar em lei válida”.

VAMOS DEBATER?
Decisão do Ministro Fux suspendendo a eficácia das normas que instituíram o
Juiz das Garantias no CPP (medida cautelar na ADI 6298):

Por sua vez, em uma primeira análise, a inconstitucionalidade material dos


dispositivos 3o-B a 3o-F do Código de Processo Penal exsurge especialmente a partir
de dois grupos de argumentos: a ausência de dotação orçamentária e estudos de
impacto prévios para implementação da medida e o impacto da medida na eficiência
dos mecanismos brasileiros de combate à criminalidade.

VAMOS DEBATER?

PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E CRIMINALIZAÇÃO DA LGBTIFOBIA


TEXTO RETIRADO DO SITE DIZER O DIREITO:

A Lei nº 7.716/89 previu, expressamente, que os crimes nela tipificados podem ser
aplicados em caso de manifestações de preconceito relacionadas com orientação
sexual? A Lei nº 7.716/89 prevê, expressamente, punição para condutas
homofóbicas e transfóbicas?
NÃO. A Lei nº 7.716/89 não traz, expressamente, previsão para punição de condutas
homofóbicas e transfóbicas.

A doutrina e a jurisprudência, por sua vez, afirmava que o rol de elementos de


preconceito e discriminação do art. 20 era taxativo. Nesse sentido: STF. 1ª Turma. Inq
3590/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 12/8/2014.

Projetos de lei
Tramitavam no Congresso Nacional alguns projetos de lei buscando incluir,
expressamente, na Lei nº 7.716/89, como crime as condutas homofóbicas e tansfóbicas.
Contudo, sempre se observou uma resistência muito grande de certos setores da
sociedade com a punição de tais condutas e, em razão disso, esses projetos nunca
foram aprovados.

Mandado de injunção
Diante do cenário acima descrito, em 2012, a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas
e Transgêneros (ABGLT) impetrou mandado de injunção no STF no qual pediu o
reconhecimento de que a homofobia e a transfobia se enquadram no conceito de
racismo ou, subsidiariamente, que sejam entendidas como discriminações atentatórias
a direitos e liberdades fundamentais.
Com fundamento nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição Federal, a ABGLT
sustentou que a demora do Congresso Nacional é inconstitucional, tendo em vista o
dever de editar legislação criminal sobre a matéria.
DIREITO PENAL E PROCESSO
PENAL

O Min. Edson Fachin foi sorteado relator deste mandado de injunção.

ADO
Cerca de um ano depois, em 2013, o Partido Popular Socialista (PPS) ajuizou ação
direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO) na qual pediu que o STF declarasse
a omissão do Congresso Nacional por não ter votado projeto de lei que criminaliza atos
de homofobia.
A ação foi proposta a fim de que seja imposto ao Poder Legislativo o dever de elaborar
legislação criminal que puna a homofobia e a transfobia como espécies do gênero
“racismo”.
A criminalização específica, conforme o partido, decorre da ordem constitucional de
legislar relativa ao racismo - crime previsto no art. 5º, XLII da Constituição Federal - ou,
subsidiariamente, às discriminações atentatórias a direitos e liberdades fundamentais
(art. 5º, XLI) ou, ainda, também subsidiariamente, ao princípio da proporcionalidade na
acepção de proibição de proteção deficiente (art. 5º, LIV).
De acordo com o partido, o Congresso Nacional tem se recusado a votar o projeto de
lei que visa efetivar tal criminalização.
O Min. Celso de Mello foi designado como relator da ADO.

Síntese dos argumentos


As duas ações desenvolveram a seguinte linha de raciocínio:
• a CF/88 possui mandados de criminalização, ou seja, “ordens” dadas pelo legislador
constituinte ao legislador infraconstitucional (Congresso Nacional) no sentido de que ele
deveria editar lei punindo criminalmente condutas que configurem discriminação e
racismo. Esses mandados de criminalização estão em dois dispositivos constitucionais:
Art. 5º (...)
XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades
fundamentais;
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de
reclusão, nos termos da lei;

• o Congresso Nacional já puniu diversas condutas discriminatórias na Lei nº 7.716/89,


mas continua sendo omisso que tange à homofobia e transfobia. Logo, essa omissão
precisa ser corrigida;
• a Lei nº 7.716/89 pune condutas racistas. Enquanto não se edita uma lei específica
para se punir as condutas homofóbicas e transfóbicas, deve-se aplicar os crimes
previstos na Lei nº 7.716/89 para tais condutas. Isso porque o conceito de racismo é
amplo, não ficando limitado a uma definição biológica.

Depois de muitas sessões de discussão, o que decidiu o STF? O STF concordou


com as ações propostas?
SIM.
Quanto ao MI:
O STF, por maioria, julgou procedente o mandado de injunção para:
a) reconhecer a mora inconstitucional do Congresso Nacional e;
b) aplicar, com efeitos prospectivos, até que o Congresso Nacional venha a legislar a
respeito, a Lei nº 7.716/89 a fim de estender a tipificação prevista para os crimes
resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência
nacional à discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero.

Quanto à ADO:
O STF, também por maioria, julgou a ADO procedente, com eficácia geral e efeito
vinculante, para:
DIREITO PENAL E PROCESSO
PENAL

a) reconhecer o estado de mora inconstitucional do Congresso Nacional na


implementação da prestação legislativa destinada a cumprir o mandado de incriminação
a que se referem os incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição, para efeito de proteção
penal aos integrantes do grupo LGBT;
b) declarar, em consequência, a existência de omissão normativa inconstitucional do
Poder Legislativo da União;
c) cientificar o Congresso Nacional, para os fins e efeitos a que se refere o art. 103, §
2º, da Constituição c/c o art. 12-H, caput, da Lei nº 9.868/99:
Art. 103 (...)
§ 2º Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma
constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências
necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

Da Decisão na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão


Art. 12-H. Declarada a inconstitucionalidade por omissão, com observância do disposto
no art. 22, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências
necessárias.

d) dar interpretação conforme à Constituição, em face dos mandados constitucionais de


incriminação inscritos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Carta Política, para enquadrar
a homofobia e a transfobia, qualquer que seja a forma de sua manifestação, nos
diversos tipos penais definidos na Lei nº 7.716/89, até que sobrevenha legislação
autônoma, editada pelo Congresso Nacional por dois motivos:
d.1) porque as práticas homotransfóbicas qualificam-se como espécies do gênero
racismo, na dimensão de racismo social consagrada pelo Supremo Tribunal Federal no
julgamento plenário do HC 82.424/RS (caso Ellwanger), na medida em que tais
condutas importam em atos de segregação que inferiorizam membros integrantes do
grupo LGBT, em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero;
d.2) porque tais comportamentos de homotransfobia ajustam-se ao conceito de atos de
discriminação e de ofensa a direitos e liberdades fundamentais daqueles que compõem
o grupo vulnerável em questão;

e) declarar que os efeitos da interpretação conforme a que se refere a alínea “d” somente
se aplicarão a partir da data em que se concluir o presente julgamento.

O tema é extremamente amplo e irei fazer um breve resumo


dos principais argumentos apresentados pelos Ministros

Min. Celso de Mello


Ausência de proteção estatal condutas homofóbicas e transfóbicas
O gênero e a orientação sexual constituem elementos essenciais e estruturantes da
própria identidade da pessoa humana e integram uma das mais íntimas e profundas
dimensões de sua personalidade.
No entanto, devido à ausência de adequada proteção estatal, especialmente em razão
da controvérsia gerada pela denominada “ideologia de gênero”, os integrantes da
comunidade LGBT acham-se expostos a ações de caráter segregacionista, com caráter
homofóbico, que têm por objetivo limitar ou suprimir prerrogativas essenciais de gays,
lésbicas, bissexuais, travestis, transgêneros e intersexuais, entre outros.
Tais práticas culminam no tratamento dessas pessoas como indivíduos destituídos de
respeito e consideração, degradados ao nível de quem não tem sequer direito a ter
direitos, por lhes ser negado, mediante discursos autoritários e excludentes, o
reconhecimento da legitimidade de sua própria existência.
Essa visão de mundo, fundada na ideia artificialmente construída de que as diferenças
biológicas entre o homem e a mulher devem determinar os seus papéis sociais, impõe
DIREITO PENAL E PROCESSO
PENAL

uma inaceitável restrição às suas liberdades fundamentais, com a submissão dessas


pessoas a um padrão existencial heteronormativo, incompatível com a diversidade e o
pluralismo que caracterizam uma sociedade democrática, e, ainda, a imposição da
observância de valores que, além de conflitarem com sua própria vocação afetiva,
conduzem à frustração de seus projetos pessoais de vida.

Existe um dever imposto pela CF/88 ao Congresso Nacional para que se crie
normas de punição das condutas discriminatórias
A Constituição Federal possui dois mandados de incriminação para condutas
discriminatórias: art. 5º, incisos XLI e XLII.
Assim, é possível concluir que a omissão do Congresso Nacional em produzir normas
legais de proteção penal à comunidade LGBT traduz situação configuradora de ilicitude,
em afronta ao texto da CF/88.

Há descumprimento, por inércia estatal, de norma impositiva de comportamento


atribuído ao Parlamento
Na tipologia das situações inconstitucionais, estamos diante do descumprimento, por
inércia estatal, de uma norma impositiva de determinado comportamento atribuído ao
poder público pela própria Constituição.
Trata-se, portanto, de omissão abusiva no adimplemento da prestação legislativa.
Há uma imposição constitucional de legislar e um estado de mora do legislador, mora
essa que já superou, de forma excessiva, qualquer prazo razoável, considerando que a
Constituição Federal foi editada em 1988.
Esse cenário faz com que se chegue à conclusão de que estão presentes os requisitos
para a declaração de inconstitucionalidade por omissão.

ADO como instrumento de concretização das cláusulas constitucionais


frustradas
A ação direta de inconstitucionalidade por omissão deve ser vista como instrumento de
concretização das cláusulas constitucionais frustradas pela inaceitável omissão do
poder público.
Isso porque as imposições feitas pela Constituição não podem ficar na inadmissível
condição subalterna de um estatuto subordinado à vontade ordinária do legislador
comum.

Possibilidade diante do reconhecimento da omissão


Pois bem. Ficou reconhecido que há uma mora imputável ao Congresso Nacional. O
Min. Celso de Mello afirmou que haveria duas possibilidades de o STF agir diante disso:
a) apenas cientificar o Congresso Nacional para que ele adote, em prazo razoável, as
medidas necessárias à efetivação da norma constitucional (art. 103, § 2º, c/c art. 12-H
da Lei nº 9.868/99); ou
b) reconhecer, imediatamente, que a homofobia e a transfobia enquadram-se, mediante
interpretação conforme à Constituição, na noção conceitual de racismo prevista na Lei
nº 7.716/89.

Mero apelo ao legislador não tem sido eficaz


Para o Min. Celso de Mello, o mero apelo ao legislador não tem se mostrado uma
solução eficaz, em razão da indiferença do Poder Legislativo, que, em determinadas
decisões anteriormente emanadas do STF, tem persistido em permanecer em estado
de inadimplemento da prestação legislativa que lhe incumbe promover.
Diante disso, o STF, ao longo dos últimos trinta anos, evoluiu no plano jurisprudencial
em busca da construção de soluções que pudessem fazer cessar esse estado de
inconstitucional omissão normativa. Isso se deu, por exemplo, no caso do direito de
greve por servidores públicos no qual o STF determinou que, diante da ausência da lei
DIREITO PENAL E PROCESSO
PENAL

prevista no art. 37, VII, da CF/88, os servidores públicos podem fazer greve, devendo
ser aplicadas as leis que regulamentam a greve para os trabalhadores da iniciativa
privada (Lei nº 7.701/88 e Lei nº 7.783/89): STF. Plenário. MI 708, Rel. Min. Gilmar
Mendes, julgado em 25/10/2007.

Esse exercício de interpretação não significa legislar (não se está usurpando a


competência do CN)
Para o Ministro, essa postura adotada no caso da greve – que não se limita a cientificar
o Congresso da mora, fornecendo, desde logo, uma solução jurídica para o caso – é um
procedimento hermenêutico realizado pelo Poder Judiciário para extrair a necessária
interpretação dos diversos diplomas legais.
Segundo o Ministro, isso não se confunde com o processo de elaboração legislativa, ou
seja, não se pode dizer que o STF esteja legislando.
O processo de interpretação dos textos legais e da Constituição não importa em
usurpação das atribuições normativas dos demais poderes da República.

Conceito de “raça”
O conceito de “raça” que compõe a estrutura normativa dos tipos penais incriminadores
previstos na Lei nº 7.716/89 tem merecido múltiplas interpretações, revestindo-se, por
isso, de inegável conteúdo polissêmico (algo que tem muitos significados).
Um exemplo disso foi o célebre julgamento do “caso Ellwanger” (HC 82424), em
setembro de 2003, quando o STF manteve a condenação imposta ao escritor gaúcho
Siegfried Ellwanger por crime de racismo contra os judeus. Naquela ocasião, o STF
afastou a alegação da defesa de que os “judeus” não seriam uma “raça”. Pode-se dizer,
portanto, que o STF adotou uma espécie de conceito “social” de raça.
(...) 3. Raça humana. Subdivisão. Inexistência. Com a definição e o mapeamento do
genoma humano, cientificamente não existem distinções entre os homens, seja pela
segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pêlos ou por quaisquer outras
características físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há
diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos iguais. 4. Raça e
racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo
meramente político-social. Desse pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez,
gera a discriminação e o preconceito segregacionista. (...)
STF. Plenário. HC 82424, Relator p/ Acórdão Min. Maurício Corrêa, julgado em
17/09/2003.

Racismo é um conceito aberto que abrange preconceitos contra pessoas em


razão de sua orientação sexual ou identidade de gênero
Assim, a noção de racismo – para efeito de configuração típica dos delitos previstos na
Lei nº 7.716/89 – não se resume a um conceito de ordem estritamente antropológica ou
biológica. Projeta-se, ao contrário, numa dimensão abertamente cultural e sociológica,
a abranger até mesmo situações de agressão injusta resultantes de discriminação ou
de preconceito contra pessoas por sua orientação sexual ou sua identidade de gênero.

Atos homofóbicos e transfóbicos são formas contemporâneas de racismo


A configuração de atos homofóbicos e transfóbicos como formas contemporâneas do
racismo objetiva preservar a incolumidade dos direitos da personalidade, como a
essencial dignidade da pessoa humana.
Busca inibir, desse modo, comportamentos abusivos que possam, impulsionados por
motivações subalternas, disseminar criminosamente o ódio público contra outras
pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero.

Interpretação conforme
DIREITO PENAL E PROCESSO
PENAL

Vale ressaltar que a aplicação da Lei nº 7.716/89 para condutas homofóbicas e


transfóbicas resulta da aplicação do método da interpretação conforme.
Assim, fazendo-se uma intepretação conforme do conceito de “raça”, previsto na Lei nº
7.716/89, chega-se à conclusão de que ele pode abranger também orientação sexual e
identidade de gênero.
Nas exatas palavras do Min. Celso de Mello:
“A constatação da existência de múltiplas expressões semiológicas propiciadas pelo
conteúdo normativo da ideia de “raça” permite reconhecer como plenamente adequado
o emprego, na presente hipótese, da técnica de decisão e de controle de
constitucionalidade fundada no método da interpretação conforme à Constituição.”

Não se trata de analogia


Atenção. Para o Min. Celso de Mello, a construção que foi feita, ou seja, a aplicação da
Lei nº 7.716/89 às condutas homofóbica e transfóbicas, não é aplicação analógica. Para
ele, houve apenas interpretação conforme a Constituição. Confira:
“A solução propugnada não sugere a aplicação analógica das normas penais previstas
na Lei 7.716/1989 nem implica a formulação de tipos criminais ou cominação de
sanções penais.
É certo que, considerado o princípio constitucional da reserva absoluta de lei formal, o
tema pertinente à definição de tipo penal e à cominação de sanção penal subsume-se
ao âmbito das normas de direito material, de natureza eminentemente penal, regendo-
se, em consequência, pelo postulado da reserva de parlamento.
Assim, inviável, em controle abstrato de constitucionalidade, colmatar, mediante decisão
desta Corte Suprema, a omissão denunciada pelo autor da ação direta, procedendo-se
à tipificação penal de condutas atentatórias aos direitos e liberdades fundamentais dos
integrantes da comunidade LGBT.
Na verdade, a solução ora proposta limita-se à mera subsunção de condutas
homotransfóbicas aos diversos preceitos primários de incriminação definidos em
legislação penal já existente (Lei 7.716/1989), pois os atos de homofobia e de transfobia
constituem concretas manifestações de racismo, compreendido em sua dimensão
social, ou seja, o denominado racismo social.”

Não há ofensa à liberdade religiosa


É necessário destacar que a decisão, no presente caso, não implica a ocorrência de
qualquer ofensa ou dano potencial à liberdade religiosa, qualquer que seja a dimensão
em que aquela se projete.
A liberdade religiosa faz parte do regime democrático e não pode nem deve ser
impedida pelo poder público nem submetida a ilícitas interferências do Estado.
A adoção pelo Estado de meios destinados a impedir condutas homofóbicas e
transfóbicas em hipótese alguma poderá restringir ou suprimir a liberdade de
consciência e de crença, nem autorizar qualquer medida que interfira nas celebrações
litúrgicas ou que importe em cerceamento à liberdade de palavra, seja como instrumento
de pregação da mensagem religiosa, seja, ainda, como forma de exercer o proselitismo
em matéria confessional em espaços públicos ou privados.
Há que se preservar, portanto, a possibilidade de os líderes e membros das religiões
exporem suas narrativas, conselhos, lições ou orientações constantes de seus livros
sagrados, seja qual for a religião (como a Bíblia, a Torah, o Alcorão, a Codificação
Espírita, os Vedas hindus e o Dhammapada budista).
Essas práticas não configuram delitos contra a honra, porque veiculados com o intuito
de divulgar o pensamento resultante do magistério teológico e da filosofia espiritual que
são próprios de cada uma dessas denominações confessionais. Tal circunstância
descaracteriza, por si só, o intuito doloso dos delitos contra a honra, a tornar legítimos
o discurso e a pregação como expressões dos postulados de fé dessas religiões.
DIREITO PENAL E PROCESSO
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Em caso de insultos, ofensas ou estimulo à violência, poderá haver crime


Por outro lado, o direito de dissentir deixa de ser legítimo quando a sua exteriorização
ofender valores e bens jurídicos igualmente protegidos pela ordem constitucional, como
sucede com o direito de terceiros à incolumidade de seu patrimônio moral.
Assim, pronunciamentos de índole religiosa que extravasem (extrapolem) os limites da
livre manifestação de ideias, constituindo-se em insultos, ofensas ou em estímulo à
intolerância e ao ódio público contra os integrantes da comunidade LGBT, não merecem
proteção constitucional e não podem ser considerados liberdade de expressão. Em tais
situações, haverá crime.

Função contramajoritária do STF


Para o Min. Celso de Mello, este julgamento reflete a função contramajoritária que
incumbe ao STF desempenhar, no âmbito do Estado Democrático de Direito, em ordem
a conferir efetiva proteção às minorias.
É uma função exercida no plano da jurisdição das liberdades.
Nesse sentido, o STF desempenha o papel de órgão investido do poder e da
responsabilidade institucional de proteger as minorias contra eventuais excessos da
maioria ou contra omissões que se tornem lesivas, diante da inércia do Estado, aos
direitos daqueles que sofrem os efeitos perversos do preconceito, da discriminação e
da exclusão jurídica.
Assim, para que o regime democrático não se reduza a uma categoria político-jurídica
meramente conceitual ou simplesmente formal, torna-se necessário assegurar às
minorias a plenitude de meios que lhes permitam exercer, de modo efetivo, os direitos
fundamentais assegurados a todos. Ninguém se sobrepõe, nem mesmo os grupos
majoritários, aos princípios superiores consagrados pela Constituição da República.

Min. Edson Fachin


A CF/88 impõe um dever estatal de legislar (mandado de criminalização contra a
discriminação homofóbica e transfóbica) em seu art. 5º, XLI, da CF/88.
O trâmite de projetos de lei sobre a matéria no Congresso Nacional não obsta o
conhecimento do mandado de injunção, haja vista jurisprudência do STF no sentido de
que esse fato não serve para afastar o reconhecimento da omissão inconstitucional.
Há um quadro de violações sistemáticas aos direitos da população LGBTI, constatado
também pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos e pelo Conselho de
Direitos Humanos das Nações Unidas.
No mérito, o ministro consignou que o direito constante do art. 5º, XLI, efetivamente
contém mandado de criminalização contra a discriminação homofóbica e transfóbica.
Ante a mora do Congresso Nacional, essa ordem comporta, até que seja suprida, a
colmatação pelo STF por meio de interpretação conforme da legislação de combate à
discriminação.
A seu ver, conforme o inciso XLI, qualquer espécie de discriminação é atentatória ao
Estado Democrático de Direito, inclusive a que se fundamenta na orientação sexual das
pessoas ou na sua identidade de gênero.
Vale ressaltar que, na ADI 4275, o STF consignou que o direito à igualdade sem
discriminações abrange a identidade ou expressão de gênero e a orientação sexual.
Ademais, no âmbito internacional, o posicionamento é na mesma direção.
O princípio da proporcionalidade, na modalidade de proibição de proteção insuficiente,
é o fundamento pelo qual o STF tem reconhecido que o Direito Penal pode ser um
instrumento adequado para a proteção dos bens jurídicos expressamente indicados
pelo texto constitucional. Os tratados internacionais de que a República brasileira é parte
também contêm mecanismos de proteção proporcional. À luz desses tratados,
dessume-se da leitura da CF/1988 um mandado constitucional de criminalização no
tocante a toda e qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades
fundamentais, incluída a de orientação sexual e de identidade de gênero.
DIREITO PENAL E PROCESSO
PENAL

O mandado de injunção é a garantia para a efetividade do direito protegido pelo


mandado de criminalização e que o STF compreendeu ser cabível ao Poder Judiciário
atuar nas hipóteses de inatividade ou omissão do Legislativo.
No caso, além da falta de norma que proteja o público LGBT, verifica-se também uma
situação de ofensa ao princípio da igualdade. Isso porque condutas igualmente
reprováveis recebem tratamento jurídico distinto. Ex: impedir ou obstar acesso à órgão
da Administração Pública, ou negar emprego em empresa privada, por preconceito de
raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional são condutas típicas nos termos da Lei
nº 7.716/89. Se as mesmas condutas fossem praticadas com preconceito a
homossexual ou transgênero, não haveria crime.
Dessa maneira, a omissão legislativa em tipificar a discriminação por orientação sexual
ou identidade de gênero ofende um sentido mínimo de justiça ao sinalizar a tolerância
à violência dirigida a pessoa, como se não fosse digna de viver em igualdade.
Toda pessoa deve ser protegida contra qualquer ato que atinja sua dignidade. É preciso
dar sentido e concretude ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana,
que se torna passível de aplicação direta à situação em análise, por ter sido seu
conteúdo nitidamente violado.
É certo que não pode o STF substituir o legislador, mas aqui há comando constitucional
para regulamentar situações concretas. Lei específica sobre o tema deveria ter sido
editada, porque o legislador constituinte originário, desde 1988, vinculou o legislador
derivado. A falta de norma inviabiliza o exercício de direitos, e o texto constitucional não
exclui o mandado de injunção de qualquer seara específica de incidência.
O Min. Fachin também sustentou que o STF não está fazendo analogia in malam
partem ao aplicar a Lei nº 7.716/89 para manifestações homofóbicas ou transfóbicas. A
CF contém expresso comando de punição penal para a discriminação homofóbica e a
extensão prospectiva da lei de discriminação racial, até a edição específica de norma
pelo Poder Legislativo, não viola o princípio da anterioridade da lei penal.

Min. Alexandre de Moraes


O Min. Alexandre de Moraes também acompanhou os relatores pela procedência das
ações.
Em seu voto, o reconheceu a inconstitucionalidade por omissão do Congresso Nacional
em editar norma protetiva à comunidade LGBTI. Segundo ele, a atuação do Congresso
Nacional em relação a grupos tradicionalmente vulneráveis foi sempre no sentido de
que a ampla proteção depende de lei penal. O Congresso atuou dessa forma em relação
às crianças e aos adolescentes, aos idosos, às pessoas com deficiência, às mulheres e
até aos consumidores, No entanto, passados 30 anos da Constituição Federal, só a
discriminação homofóbica e transfóbica permanece sem nenhum tipo de aprovação. O
único caso em que o próprio Congresso não seguiu o seu padrão.
A compreensão de que as práticas homofóbicas configuram racismo social, segundo o
Ministro, não ofendem a liberdade religiosa, que é consagrada constitucionalmente.

Min. Roberto Barroso


O Mi. Luís Roberto Barroso também reconheceu a omissão legislativa. Ele observou
que é papel do STF, no entanto, estabelecer diálogo respeitoso com o Congresso e
também com a sociedade. “Se o Congresso atuou, a sua vontade deve prevalecer. Se
não atuou e havia um mandamento constitucional nesse sentido, que o Supremo atue
para fazer valer o que está previsto na Constituição”.
A regra geral, afirmou, é a de autocontenção, deixando o maior espaço possível para a
atuação do Legislativo. “Porém, quando estão em jogo direitos fundamentais ou a
preservação das regras do jogo democrático, se justifica uma postura mais proativa do
STF”. Esse é o caso dos autos.
Barroso explicou que a punição para atos de homofobia e transfobia deve ser de
natureza criminal por três razões: a relevância do bem jurídico tutelado e a
DIREITO PENAL E PROCESSO
PENAL

sistematicidade de violação a este direito, o fato de que outras discriminações são


punidas pelo direito penal e a circunstância de que a punição administrativa não é
suficiente, uma vez que não coíbe de maneira relevante as violências homofóbicas.
“Deixar de criminalizar a homofobia seria tipicamente uma hipótese de proteção
deficiente”.
Afirmou que a solução dada (aplicar a Lei do Racismo) não configura analogia nem
interpretação extensiva. Isso porque no conceito de racismo firmado pelo STF, estão
colhidas as situações tipificadas na lei.
Por fim, o ministro também acolheu o pedido para interpretar o Código Penal conforme
a Constituição para fixar que, se a motivação de homicídio for a homofobia, estará
caracterizado o motivo fútil ou torpe, constituindo circunstância agravante ou
qualificadora.

Min. Cármen Lúcia


A Min. Cármen Lúcia acompanhou os relatores pela procedência dos pedidos. Ela
avaliou que, após tantas mortes, ódio e incitação contra homossexuais, não há como
desconhecer a inércia do legislador brasileiro e afirmou que tal omissão é
inconstitucional.

Min. Gilmar Mendes


O Min. Gilmar Mendes acompanhou a maioria dos votos pela procedência das ações.
Além de identificar a inércia do Congresso Nacional, ele entendeu que a interpretação
apresentada pelos relatores de que a Lei do Racismo também pode alcançar os
integrantes da comunidade LGBT é compatível com a Constituição Federal.

Min. Ricardo Lewandowski (vencido)


O Min. Ricardo Lewandowski reconheceu a mora legislativa e a necessidade de dar
ciência dela ao Congresso Nacional a fim de que seja produzida lei sobre o tema. No
entanto, entendeu que a homofobia e a transfobia não se enquadram na Lei do
Racismo.
É indispensável a existência de lei para que seja viável a punição penal de determinada
conduta.
“A extensão do tipo penal para abarcar situações não especificamente tipificadas pela
norma incriminadora parece-me atentar contra o princípio da reserva legal, que constitui
uma garantia fundamental dos cidadãos que promove a segurança jurídica de todos”.

Min. Aurélio Aurélio (vencido)


Para o Min. Marco Aurélio, a Lei do Racismo não pode ser ampliada em razão da
taxatividade dos delitos expressamente nela previstos. Ele considerou que a sinalização
do STF para a necessária proteção das minorias e dos grupos socialmente vulneráveis,
por si só, contribui para uma cultura livre de todo e qualquer preconceito e discriminação,
preservados os limites da separação dos Poderes e da reserva legal em termos penais.

Min. Dias Toffoli (vencido)


O Min. Dias Toffoli acompanhou o ministro Ricardo Lewandowski pela procedência
parcial dos pedidos, com a mera notificação do Congresso Nacional acerca da mora.

Teses fixadas pelo STF:


1. Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a
implementar os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII do
art. 5º da Constituição da República, as condutas homofóbicas e transfóbicas,
reais ou supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à
identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo,
compreendido este em sua dimensão social, ajustam-se, por identidade de razão
DIREITO PENAL E PROCESSO
PENAL

e mediante adequação típica, aos preceitos primários de incriminação definidos


na Lei nº 7.716, de 08.01.1989, constituindo, também, na hipótese de homicídio
doloso, circunstância que o qualifica, por configurar motivo torpe (Código Penal,
art. 121, § 2º, I, “in fine”);

2. A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe ou


limita o exercício da liberdade religiosa, qualquer que seja a denominação
confessional professada, a cujos fiéis e ministros (sacerdotes, pastores, rabinos,
mulás ou clérigos muçulmanos e líderes ou celebrantes das religiões afro-
brasileiras, entre outros) é assegurado o direito de pregar e de divulgar,
livremente, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, o seu
pensamento e de externar suas convicções de acordo com o que se contiver em
seus livros e códigos sagrados, bem assim o de ensinar segundo sua orientação
doutrinária e/ou teológica, podendo buscar e conquistar prosélitos e praticar os
atos de culto e respectiva liturgia, independentemente do espaço, público ou
privado, de sua atuação individual ou coletiva, desde que tais manifestações não
configurem discurso de ódio, assim entendidas aquelas exteriorizações que
incitem a discriminação, a hostilidade ou a violência contra pessoas em razão de
sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero;

3. O conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social, projeta-se para


além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos, pois resulta, enquanto
manifestação de poder, de uma construção de índole histórico-cultural motivada
pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à
dominação política, à subjugação social e à negação da alteridade, da dignidade
e da humanidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+) e por
não pertencerem ao estamento que detém posição de hegemonia em uma dada
estrutura social, são considerados estranhos e diferentes, degradados à condição
de marginais do ordenamento jurídico, expostos, em consequência de odiosa
inferiorização e de perversa estigmatização, a uma injusta e lesiva situação de
exclusão do sistema geral de proteção do direito.
STF. Plenário. ADO 26/DF, Rel. Min. Celso de Mello; MI 4733/DF, Rel. Min. Edson
Fachin, julgados em em 13/6/2019 (Info 944).

Qual a sua opinião? Interpretação analógica ou analogia in malan parten?

Vejamos o quadro de Rogério Sanches:


DIREITO PENAL E PROCESSO
PENAL

4. APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO TEMPO

Como decorrência do princípio da legalidade, aplica-se, em regra, a lei penal vigente ao


tempo da realização do fato criminoso- tempus regit actum.
Trata-se de um desdobramento lógico do princípio da legalidade. Excepcionalmente, no
entanto, será permitida a retroatividade da lei penal para alcançar os fatos passados,
desde que benéfica ao réu.
É possível que a lei penal se movimente no tempo: extra-atividade da lei penal.

Extra-atividade da lei penal


Ultra-atividade Retroatividade
Lei A, pena de 1 a 4 anos; Lei “A” revogada Lei “B”, a lei A tem pena de 2 a 5
anos, e a Lei B é de 1 a 4 anos.
→revogada pela →Lei B, pena de 2 a 5 anos.
Nesse caso, a Lei B retroage para alcançar os fatos
A lei A (revogada) continua sendo aplicada para os
passados, pois mais benéfica do que a Lei A.
fatos praticados na sua vigência, pois a lei revogadora
é prejudicial ao réu. NÃO DEVERÁ SER APLICA, Admite-se a retroatividade benéfica,
evitando-se assim a retroatividade maléfica da Lei B.

4.1. TEMPO DO CRIME E LUGAR DO CRIME

- Quando no tempo um crime se considera praticado? No tocante ao tempo do crime,


existem três teorias que discutem a respeito de qual seria o tempo considerado para a
pratico do delito.
São elas: 1.Teoria da Atividade ; 2. Teoria do Resultado e 3. Teoria Mista/ Ubiquidade.
DIREITO PENAL E PROCESSO
PENAL

Para a teoria da atividade , o crime considera-se praticado no momento da conduta


(ação ou omissão), ou seja, da atividade.

Já para a teoria do resultado, também chamada de teoria do evento, considera-se


praticado o crime no momento do resultado.

Por fim, para a teoria mista, considera-se praticado o crime tanto no momento da ação
quanto do resultado.

De acordo com o art. 4.º do CP, “considera-se


praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do
resultado”.
Assim, sobre o momento (ou tempo) do crime o
nosso código adotou a teoria da atividade. É importante observar que em matéria de
prescrição o Código Penal adotou a teoria da resultado (art. 111, I – o prazo começa a
correr a partir da consumação do crime).
Podemos elucidar a importância da adoção da
teoria da atividade no âmbito penal, verbi gratia, para se aferir a responsabilidade penal
do agente, no que toca aos crimes em que os atos executórios e a consumação ocorram
em momentos diferidos. Imaginemos que alguém na véspera de seu aniversário de
dezoito anos decida matar alguém, sendo que para tanto defere dois projéteis de arma
de fogo contra a vítima. Suponha-se ainda que a vítima veio a óbito apenas um mês
depois, quando o autor do ilícito já era responsável penalmente. Nesse caso, devemos
considerar que o agente não responde pela lei penal (era inimputável à época dos
disparos), levando-se em conta a teoria da atividade.
Lugar do crime

Art. 6º - Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no


todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o
resultado.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984)

O CP adotou a teoria da ubiqüidade (ou mista) pela qual considera-se consumado o


crime tanto no lugar da conduta quanto no lugar em que se produziu o resultado.

4.2. SUCESSÃO DE LEIS PENAL NO TEMPO

A regra geral é a irretroatividade da lei penal, excetuada somente quando a lei posterior
for mais benéfica (retroatividade).

Vejamos o quadro de Rogério Sanches Cunha:


DIREITO PENAL E PROCESSO
PENAL

Lei nova incriminadora “novatio legis incriminadora”

Novatio legis incriminadora também conhecida como neocriminalização, conforme


denomina o STF. Refere-se a lei que cria um crime até então inexistente. Antes da
neocriminalização, aquela conduta não se enquadrava em nenhuma tipificação formal.
Nesse caso é irretroativa, por se apresentar prejudicial.
Art. 1º C.P. – Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia
cominação legal. Exemplo: Lei 12.550/2011 incluiu o tipo penal do art. 311-A (fraudes
em certames de interesse público).

ANTES da “neocriminalização” DEPOIS


Cola Eletrônica era fato atípico, segundoCola Eletrônica pode caracterizar o artigo 311-A do
entendimento do STF e STJ CP. (O fato passou a ser considerado “típico”.
Estamos diante de uma neocriminalização (novo
crime). Nesse caso, a lei posterior é irretroativa, com
base o art. 1º, do CP.

Exemplos recentes de novatio legis incriminadora são os crimes de


importunação sexual (art. 215-A tipificado pela Lei 13.718/2018), crime de
“divulgação de nudes” (art. 218-C) e os crimes previstos na nova Lei de
Abuso de Autoridade (Lei 13.869/2019).

Nova legis in pejus ou “lex gravior”

Trata-se da lei nova que de qualquer modo prejudica o réu, logo, irretroativa. Por
exemplo, a lei posterior aumenta a pena do delito. Nesse caso, a lei nova é irretroativa,
sendo a antiga ultra-ativa.
Ø A novatio legis in pejus (lex gravior) é a lei nova que de qualquer
modo prejudica o réu, logo é irretroativa.
Ø Podemos citar, como exemplo, a lei que aumenta o quantum da
DIREITO PENAL E PROCESSO
PENAL

pena, retirou uma atenuante, bem como, lei que alterou o prazo prescricional dos delitos
que passou a ter uma lapso maior.
Ø O ponto comum entre a novatio legis incriminadora e a novatio legis
in pejus só se aplica para fatos futuros, praticados após a sua vigência.

Novatio legis in pejus: Lei 13.964/2019


ANTES DEPOIS
O artigo 316 do CP que tipifica o crime de concussão A pena para o crime de concussão passou a ser de 2
era punido com 2 a 8 anos a 12 anos.

Ex.2: Causa de aumento em face de estelionato praticado em desfavor de pessoa idosa


(inovação legislativa)*

Novatio legis in pejus


ANTES DEPOIS
O estelionato contra idoso configurava o art. 171 do O estelionato contra idoso configura o art. 171, §4º do
CP (pena de 1 a 5 anos). CP, aplicando a pena em dobro.
Obs.: o §4º não pode retroagir para alcançar os fatos
pretéritos.
E se o estelionato for praticado em continuidade
delitiva, e no fim da sequencia desses estelionatos já
estava em vigor o §4º, do art. 171 do CP?
Aplicação da Súmula 711, STF.

Sucessão de lei mais grave no crime continuado e no crime permanente

Súmula nº 711 do STF, “a lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime
permanente, se a sua vigência é anterior a cessação da continuidade ou da
permanência”.
O que são crimes permanentes? Crimes permanentes são aqueles que a consumação se
prolonga no tempo por deliberação do agente delitivo, por exemplo, extorsão mediante
sequestro (o crime se consuma no momento que priva a vítima de sua liberdade, porém
continua se prologando até a vitima ser libertada).
Aplica-se a lei mais grave, isso porque ele também foi praticado durante a vigência da
lei mais grave. Mesmo entendimento aplica-se ao chamado “crime continuado”.

Exemplo1: Fulano, durante 30 dias praticou inúmeros estelionatos contra idoso.

Ao fim da continuidade delitiva estava em vigor a Lei 13.228/2015 que acrescentou o


§4º ao art. 171, logo, por incidência da súmula 711 do STF, será aplicada a Lei nova,
ainda que mais grave.

Exemplo 2: o sequestro é crime permanente, ou seja, a consumação se protrai no


tempo. Dessa forma, aumentada a pena do crime no curso da conduta delituosa, aplica-
se a nova reprimenda ao fato iniciado antes da vigência da nova lei.

Abolitio Criminis
Conforme Rogério Sanches, trata-se da revogação de um tipo penal pela
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PENAL

superveniência de lei descriminalizadora. A abolição do crime representa a supressão


da figura criminosa.

Ao tempo da conduta o fato era típico, sobreveio lei posterior, suprimindo a figura
criminosa. Nesse caso, a lei é retroativa, nos moldes do art. 2º do Código Penal.
Atenção! Trata-se de desdobramento lógico do princípio da intervenção mínima.

O princípio da intervenção mínima tem duas faces: orienta quando e onde o direito penal
deve intervir (neocriminalização); por outro lado, também orienta quando e onde o direito
penal deve deixar de intervir (abolitio criminis).
A abolitio criminis é fenômeno verificado sempre que o legislador, atento às mutações
sociais (e ao princípio da intervenção mínima), resolve não mais incriminar determinada
conduta, retirando do ordenamento jurídico-penal a infração que a previa, julgando que o
Direito Penal não mais se faz necessário à proteção de determinado bem jurídico.
Em síntese:

ü A revogação de um tipo penal pela superveniência de lei


descriminalizadora.
ü A abolição do crime representa a supressão da figura criminosa.
ü Art. 2º, caput, do C.P. – Ninguém pode ser punido por fato que lei
posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos
penais da sentença condenatória.

Trata-se de desdobramento lógico do princípio da intervenção mínima.

O princípio da intervenção mínima tem duas faces: orienta quando e onde o direito penal
deve intervir (neocriminalização); por outro lado, também orienta quando e onde o direito
penal deve deixar de intervir (abolitio criminis).
Isto porque, a abolitio criminis é fenômeno verificado sempre que o legislador, atento às
mutações sociais (e ao princípio da intervenção mínima), resolve não mais incriminar
determinada conduta, retirando do ordenamento jurídico-penal a infração que a previa,
julgando que o Direito Penal não mais se faz necessário à proteção de determinado bem
jurídico.
Ø Requisitos
Segundo Cleber Masson, a abolitio criminis depende de dois requisitos, a revogação
formal do tipo penal do tipo penal; além disso, a supressão material do fato.
Exemplo: o artigo 240 do CP previa o crime de adultério. Esse artigo foi formalmente
revogado (observando assim o primeiro requisito exigido – revogação formal). Por outro
lado, tivemos ainda a supressão material do fato criminoso (observando o requisito da
supressão material). Dessa forma, temos que o adultério deixou de ter relevância penal,
seja perante o art. 240, seja perante qualquer outro tipo penal.

ANTES DEPOIS
Antes do advento da Lei 11.106, o adultério era Após o advento da Lei 11.106, o adultério passou a não
crime, nos moldes do art. 240 do CP. ser mais crime, houve a abolição da figura criminosa.
DIREITO PENAL E PROCESSO
PENAL

Nesse contexto, e se um dos requisitos não estiver presente, qual a consequência jurídica
disso? Por exemplo, atentado violento ao pudor era previsto no CP, art. 214 – revogado.
No entanto, a conduta passou a configurar o crime de estupro – não houve a supressão
material do fato criminoso (o fato continua tendo relevância penal). Nessa hpótese, não
há que se falar em “abolitio criminis”, e sim a manifestação do princípio da continuidade
normativa típica ou da continuidade típico-normativa – o tipo penal é formalmente
revogado, mas o crime continua existindo perante outra norma penal. Haverá um mero
deslocamento geográfico do crime ou transmudação topográfica do tipo penal.

Ø Efeitos
A abolitio criminis extingue os efeitos penais. No tocante aos efeitos da condenação, é
necessário fazer distinção entre os efeitos penais e os efeitos extrapenais da sentença
condenatória. Os efeitos extrapenais não serão alcançados pela lei descrminalizadora.
Assim,mesmo com a revogação do crime, subsiste por exemplo, a obrigação de
indenizar o dano causado, enquanto que os efeitos penais terão de ser extintos,
retirando-se o nome do agente do rol dos culpados, não podendo a condenação ser
considerada para fins de reincidência ou de antecedentes penais.
Desse modo, contemplamos que apesar de pela a abolitio criminis deixar de considerar
determinado fato crime, inclusive alcançando o dispositivo fatos pretéritos objetivamente
julgados, têm-se extintos apenas os efeitos penais das sentenças condenatórias,
permanecendo, contudo, os efeitos civis.
Conforme dispõe o CP, os efeitos que são cessados pelo advento do abolitio criminis
são os EFEITOS PENAIS. Assim, os efeitos extrapenais continuam intactos. Desse
modo, temos que ela “apaga”:
- execução;
-efeitos penais;

Contudo, os efeitos extrapenais permanecem.

Exemplo de Abolitio Criminis – Lei 11.106/05. Crime de adultério.

Natureza Jurídica da Abolitio Criminis

Existem duas teorias que discutem a respeito.


1ª C: causa extintiva ou excludente da tipicidade (Flávio Monteiro de Barros).

2ª C: causa extintiva da punibilidade. Teoria que foi adotada pelo Código Penal,
conforme se depreende do art. 107, III, do Código Penal.
A 2º C é a que prevalece no Ordenamento Jurídico Brasileiro.

Consequências da Abolitio Criminis

Conforme preconiza o art. 2º do CP, o abolitio criminis faz cessar a execução e os efeitos
penais da sentença condenatória.
- cessa a execução penal;
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- cessa os efeitos penais da sentença;

a) Faz cessar a execução penal: Lei abolicionista não respeita a coisa julgada.

E o art. 5º, XXXVI, da CF/1988? A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico
perfeito e a coisa julgada;
Trata-se de uma garantia do individuo em face do Estado, e não do Estado em prejuízo
do individuo.

Assim, contemplamos que o art. 5º é uma garantia do individuo contra o Estado (e não do
Estado contra o individuo), não podendo servir o Estado contra o individuo.
Faz cessar os efeitos penais da condenação: Os efeitos extrapenais são mantidos (arts.
91 e 92, CP).

Reincidência: trata-se de efeito penal, e desaparece com a abolitio criminis.

Ex.2: Reparação do dano? trata-se de efeito extrapenal, mantida mesmo no caso de


abolitio criminis.

Novatio legis in mellius

É a nova lei que de qualquer modo favorece o réu. A expressão “de qualquer modo
favorece”, deve ser interpretada de maior ampliativa, por exemplo, supressão de
qualificadora, criação de causa de diminuição de pena, melhora no regime prisional,
criou uma nova atenuante. São situações, que no caso em concreto, favorecem o réu.
Trata-se de lei que de qualquer modo favorece o réu.

Ao tempo da conduta o fato era típico, sobreveio leio posterior trazendo a diminuição da
pena, gerando retroatividade assim, nos moldes preconizados no art. 2º, paragrafo
único, do CP.
Art. 2º, parágrafo único, CP – A lei posterior,que de qualquer modo favorecer o agente,
aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória
transitada em julgado.
→Lex mitior também não respeita coisa julgada.

É o caso de lei posterior, não abolicionista, porém mais benéfica que a vigente à época
dos fatos.

Deverá retroagir para beneficiar o réu.

Diferentemente da abolitio criminis, nesta hipótese, o fato continua sendo criminoso,


porém, tratado de maneira mais branda.
Depois do trânsito em julgado quem é o juiz competente para aplicar a lei mais
benéfica?

Prova objetiva: Aplicação da Súmula 611, STF – Juiz da Execução.

Súmula 611, STF. Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das
DIREITO PENAL E PROCESSO
PENAL

execuções a aplicação de lei mais benigna.


Prova escrita:

Existe divergência doutrinária, para a 1º Corrente, entende-se que é competente o juiz


da execução. Já para a 2ª Corrente, depende do caso concreto: se a aplicação da
segunda lei depende meramente de cálculo, será o juiz da execução, já se demandar
juízo de valor, exige revisão criminal.
1ª C: Súmula 611, juiz da execução.

2ª C: Se de aplicação meramente matemática, será o juiz da execução. Por outro lado,


se for necessário juízo de valor para aplicação da lei penal mais favorável, o interessado
deverá ajuizar revisão criminal (art. 621 do CPP) para desconstituir o trânsito em julgado
e aplicar a lei nova.
Exemplo: Lei 11.343/2006

ANTES DEPOIS
Antes do advento da Lei, a posse de drogas para usoApós o advento da lei, posse de drogas para uso
próprio configurava o art. 16, da Lei 6.368/76, punida próprio passou a configurar o art. 28 da Lei
com detenção de 6 meses a 2 anos. 11.343/2006, punida com penas não privativas de
Era cominada pena privativa de liberdade. liberdades.
Passou a ser cominada penas restritivas de direitos.

A quem compete aplicar a lei mais benéfica? Depende do momento em que se encontra
a ação penal.

Ø Ação penal tramitando em 1º grau de jurisdição:


juiz do 1º grau de jurisdição.
Ø Ação penal tramitando em Tribunal: o Tribunal
respectivo.
Ø A condenação já transitou em julgado: será o juiz
da execução penal.

Desse modo, contemplamos que prevalece o entendimento de não ser possível se


aplicar a lei mais benéfica ainda durante o período de vacatio legis.

A lei penal mais benéfica pode ser aplicada no período de vacatio legis?
Uma primeira 1ª corrente entende que sim, é admissível, isso porque o tempo de vacatio
legis, tem como finalidade principal promover o conhecimento da lei promulgada. Não faz
sentido de que aqueles que já se inteiraram do conteúdo da nova lei, fiquem impedidos
de lhe prestar obediência, no tocante aos preceitos mais brandos. Corrente adotada por
Rogério Greco.
Por outro lado, uma segunda 2ª corrente defende que não é possível aplicação da lei
mais benéfica, pois no período de vacatio legis a lei penal não possui eficácia jurídica
ou social, devendo imperar a lei vigente. Fundamenta-se esta corrente no fato de que a
lei no período de vacatio legis não passa de mera expectativa de lei. Esta é a corrente
predominante.
É a corrente estampada em determinados julgados do STJ.
STJ (...) Não poderia o Tribunal de origem aplicar a minorante do art. 33, §4º da Lei de
Drogas, uma vez que não estava em vigor quando do julgamento do recurso acusatório,
DIREITO PENAL E PROCESSO
PENAL

que se deu dentro do prazo da vacatio legis. Ordem denegada, HC 100.692/PR.

STF/056 – Lex Mitior e Vacatio Legis Ressalvando a competência do juiz da execução


para apreciar originalmente o pedido nos termos da Súmula 611 do STF (“Transitada
em julgado a sentença condenatória, compete ao Juízo das execuções a aplicação da
lei mais benigna.”), a turma indeferiu habeas corpus que imputava ao tribunal de alçada
de Minas Gerais o constrangimento de não haver adotado, no julgamento da apelação
interposta pelo paciente – ocorrido no período de vacatio da Lei 9099/95 –, o
procedimento previsto
nos arts. 76 e 89 dessa lei (vista ao ofendido e ao MP para oferecimento de
representação e de proposta de suspensão do processo, respectivamente). Considerou-
se que as normas invocadas pelo impetrante ainda não estavam em vigor na data do
julgamento da apelação, motivo pelo qual a decisão impugnada, ao deixar de aplica-las
não incorrera na pretendida ilegalidade. HC 74.498-MG, rel. Min. Octavio Gallotti,
03.12.96.

O Ordenamento Jurídico brasileiro admite o fenômeno da combinação de leis


penais, a fim de beneficiar o acusado?
1ª C: Não, pois o juiz ao combinar as duas leis, está na verdade, legislando, criando
uma terceira lei. Tese defendida por Hungria.
2ª C: Sim, se o juiz pode aplicar o todo de uma ou de outra lei para favorecer o agente,
pode escolher parte de uma e/ou parte de outra para o mesmo fim.
Os Tribunais Superiores posicionaram-se pela inadmissibilidade da combinação de
normas penais envolvendo a Lei de Drogas.
Veja o enunciado da Súmula 501 do STJ: “É cabível a aplicação retroativa da Lei 11.343,
desde que o resultado da incidência das suas disposições, na íntegra, seja mais
favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei n. 6.368,sendo vedada a
combinação de Leis.
Como consabido, vem do art. 5º, XL, da CF/1988 o reconhecimento do princípio da
retroatividade da lei mais benéfica como garantia fundamental, aplicando-se,
imediatamente, a nova norma mais favorável ao acusado até mesmo após o trânsito em
julgado da condenação. Contudo, a verificação da lex mitior no confronto de leis é feita
in concreto, pois a norma aparentemente mais benéfica em determinado caso pode não
sê-lo em outro. Daí que, conforme a situação, há retroatividade da norma nova ou a
ultra-atividade da antiga (princípio da extra-atividade). Isso posto, o § 4º do art. 33 da
Lei n. 11.343/2006 (nova lei de tráfico de drogas), que, ao inovar, previu causa de
diminuição de pena explicitamente vinculada ao novo apenamento constante no caput
daquele mesmo artigo, não pode ser combinado ao conteúdo do preceito secundário do
tipo referente ao tráfico previsto no art. 12 da Lei n. 6.368/1976 (antiga lei de tráfico de
entorpecentes), a gerar terceira norma, não elaborada e jamais prevista pelo legislador.
A aplicação dessa minorante, inexoravelmente, aplica-se somente em relação à pena
prevista no caput do art. 33 da nova lei. Dessarte, há que se verificar, caso a caso, a
situação mais vantajosa ao condenado, visto que, conforme apregoam a doutrina
nacional, a estrangeira e a jurisprudência prevalecente no STF, jamais se admite a
combinação dos textos para criar uma regra inédita. Precedentes citados do STF: RHC
94.806-PR, DJe 16/4/2010; HC 98.766-MG, DJe 5/3/2010, e HC 96.844-MS, DJe
5/2/2010. EREsp 1.094.499-MG, Rel. Min. Felix Fischer,julgados em 28/4/2010.

É possível a combinação de leis penais (parte da lei nova e parte da lei velha) para
favorecer o réu?
DIREITO PENAL E PROCESSO
PENAL

A primeira, no sentido da impossibilidade, ou seja, não se admitir a combinação de leis


penais, defendida por Nelson Hungria, o magistrado não poderia combinar as referidas
leis pois isso constituir-se-á em ofensa ao princípio da separação dos poderes
(magistrado estaria legislando, criando uma terceira lei):teoria da ponderação unitária
ou ponderação global – o juiz pode aplicar toda lei nova ou toda lei velha, mas parte de
uma e parte da outra não é possível.
Noutra banda, uma segunda posição argumenta que é possível a combinação de leis
penais (José Frederico Marques), pois o juiz ao combinar duas leis penais não estaria
criando uma nova lei, legislando, inovando no direito, mas apenas transitando dentro de
limites previamente definidos pelo legislador: teoria da ponderação diferenciada.
→Qual a posição adotada no Brasil?

Historicamente, o STF sempre se posicionou pela corrente que não admite a


combinação de leis penais.

Info 727, STF:


Não se pode aplicar o § 4º do art. 33 da Lei n.11.343/2006 com as penas da Lei
n.6.368/76
É vedada a incidência da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006,
combinada com as penas previstas na Lei n.6.368/76, no tocante a crimes
praticados durante a vigência dessa norma.

Por outro lado, o STJ editou a Súmula 501. Vejamos:

Súmula 501, STJ. É cabível a aplicação retroativa da Lei 11.343/2006, desde que o
resultado da incidência das suas disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do
que o advindo da aplicação da Lei nº 6.368/76, SENDO VEDADA A COMBINAÇÃO DE
LEIS.

Como proceder em caso de dúvida sobre qual a lei mais benéfica?

O juiz deve aquilatar o caso concreto, podendo consultar o réu.

VAMOS DEBATER?

AÇÃO PENAL NOS CRIMES DE ESTELIONATO E PACOTE ANTICRIME

Artigo publicado por Marcelo Geraldo Lemos e Marcelo Geraldo Lemos Filho
disponível no link:
https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2020/04/27/alteracao-da-
acao-penal-crime-de-estelionato-e-seus-reflexos-na-pratica-forense/

Alteração da ação penal do crime de estelionato e seus reflexos na prática forense

1 – INTRODUÇÃO

Com o advento da Lei n. 13.964/2019, comumente denominada “Pacote Anticrime”, a


ação penal relativa ao crime de estelionato sofreu significativa alteração, passando a
DIREITO PENAL E PROCESSO
PENAL

exigir via de regra representação por parte do ofendido (ou de quem possui qualidade
de representá-lo ou, ainda, do sucessor).

Em que pese a alteração legislativa, a ação penal atinente ao crime de estelionato


permanece de natureza pública, cabendo ao Ministério Público manejá-la.

Todavia, com a mudança, a admissibilidade da denúncia dependerá doravante de uma


condição específica de procedibilidade, consistente na representação, salvo se a vítima
for a Administração Pública, direta ou indireta; criança ou adolescente; pessoa com
deficiência mental ou maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz, a teor do §5º do
artigo 171 do Código Penal, quando, então, a ação será pública incondicionada.

Certamente, a principal discussão que essa mudança provocará no meio jurídico é sobre
sua incidência ou não de forma retroativa nas persecuções penais em curso.

Nesse singelo artigo, pretendemos expor nosso entendimento, colaborando com a


comunidade jurídica.

2 – NORMAS PROCESSUAIS PENAIS e O DIREITO INTERTEMPORAL

As normas atinentes a ação penal possuem dupla previsão legal, tendo assento seja no
Código Processo Penal, no artigo 24 e sgs, seja no Código Penal, especialmente nos
artigos 100, §1º e 103, possuindo, destarte, natureza processual penal e, como não, de
direito material.

As normas de natureza processual penal são regidas no direito intertemporal pela regra
insculpida no artigo 2º, do Código Processo Penal (CPP), que reza “a lei processual
penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a
vigência da lei anterior”.

A incidência das leis processuais penais no tempo (direito intertemporal) rege-se pelo
princípio “tempus regit actum”, conforme estabelece o artigo 2º do CPP, de tal modo que
a lei nova aplica-se de imediato, regulando o restante da persecução penal em curso,
sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior.

O artigo 2º do CPP não faz distinção entre normas processuais, de outro lado, doutrina
e jurisprudência já estabeleceram uma subdivisão, de maneira que, a depender de seu
conteúdo e os reflexos ao exercício do “jus puniendi”, as normas processuais podem
ser classificadas em genuinamente processuais ou processuais materiais (mistas
ou híbridas).

Nas lições de Renato Brasileiro de Lima, as normas genuinamente


processuais versam sobre o processo desde o seu início até o final da execução ou
extinção da pena, cuidando especialmente dos ritos (procedimentos), dos atos
processuais e das técnicas do processo, aplicando a elas a regra prevista no artigo 2º
do CPP. Por sua vez, as normas processuais materiais, mistas ou híbridas dispõem
sobre o conteúdo da pretensão punitiva.
Uma corrente de caráter mais ampliativo sustenta que as normas processuais materiais
“são aquelas que estabelecem condições de procedibilidade, meios de prova,
liberdade condicional, prisão preventiva, fiança, modalidade de execução de pena
e todas as demais normas que produzam reflexos no direito de liberdade do
agente”.
DIREITO PENAL E PROCESSO
PENAL

Na jurisprudência e, igualmente na doutrina, prevalece o entendimento de que em


relação as normas processuais materiais, o critério de direito intertemporal a elas
aplicáveis serão os princípios que regem a lei penal no tempo, quais sejam, da
ultratividade e a retroatividade da lei mais benigna.
Oportuno trazer à baila que o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar a
aplicabilidade dos institutos despenalizadores da Lei 9099/1995 e da nova redação do
artigo 366 do CPP, alterado pela Lei 9271/1996, fixou a tese de que deveria ser
observado o princípio disposto no artigo 5º, inciso XL da CF (a lei penal não retroagirá,
salvo para beneficiar o réu), rotulando-as como normas de caráter processual penal de
índole híbrida.

3 – NATUREZA DA NORMA QUE EXIGE REPRESENTAÇÃO PARA


ADMISSIBILIDADE DA DENÚNCIA

Feitas essas breves considerações, resta induvidoso de que o instituto da representação


é uma norma processual de caráter material, pois, além de possuir dupla previsão (CPP
e Código Penal), constitui uma condição específica de procedibilidade, sendo certo que,
sem ela, sequer se pode iniciar um inquérito (artigo 5º, §4º do CPP). Não bastasse isso,
se não exercida no prazo estabelecido no artigo 38 do CPP, decaíra o direito de
representação, ocasionado a extinção da punibilidade (artigo 107, IV do Código Penal).

Para Renato Brasileiro de Lima “ao transformar o delito de estelionato em crime de ação
penal pública condicionada à representação, pelo menos em regra, o ‘Pacote Anticrime’
assume nítida natureza penal, já que cria, em favor do acusado, nova causa extintiva
da punibilidade: decadência, pelo não exercício do direito da representação no prazo
legal de 06 (seis) meses”.
Algo semelhante ocorreu com o advento da Lei 9099/1995, ocasião em que houve a
alteração da ação penal dos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas,
passando a exigir representação (artigo 88). Na oportunidade, a própria Lei previu:

(…) nos casos em que esta Lei passa a exigir representação para a propositura da ação
pena pública, o ofendido ou seu representante legal será intimado para oferecê-la no
prazo de trinta dias, sob pena de decadência.

Assim, naquela época, nas persecuções penais em curso, foi necessário notificação da
vítima para oferecer representação, no prazo de 30 dias, sob pena de decadência.

Ao contrário da Lei n. 9099/1995, que fez expressa previsão sobre a necessidade de


representação para o prosseguimento das persecuções penais em curso, o silêncio da
Lei n. 13.964/2019 sobre tal questão não se apresenta como empecilho para a aplicação
retroativa da mudança ocorrida nos crimes de estelionato, pois, nitidamente, favorece
ao acusado, na medida que pode ensejar uma causa de extinção da punibilidade:
decadência.

Conquanto abalizada doutrina, representada pelo renomado professor Rogério


Sanches, sustenta que, oferecida a denúncia, não caberia a incidência da mudança,
tratando-se de ato jurídico perfeito, não se poderia chegar a outra ilação senão de que
a mudança da ação penal do delito de estelionato (e de suas formas equiparadas)
incidirá nas persecuções penais em curso de forma retroativa, posto que seus efeitos
refletem no “jus puniendi”, dificultando a “persecutio criminis”, na medida que o Estado
não poderá, de ofício, sequer determinar uma investigação e, muito menos, propor uma
ação penal.
DIREITO PENAL E PROCESSO
PENAL

Não por isso, salienta-se que a incidência retroativa da norma se restringe aos
processos criminais em curso, ressalvando a coisa julgada. Nesse sentido, diz Rômulo
de Andrade Moreira, “contendo a norma caráter também processual (condição de
procedibilidade), só poderia ser aplicada a processo não encerrado”. Na mesma linha
caminha as lições do professor Leonardo Barreto Moreira Alves ao tratar sobre a
alteração na ação penal dos crimes contra a dignidade sexual provocada pela Lei n.
12.015/2019:
(…) Claro que se o crime era de ação penal pública incondicionada e continua
submetido a esta espécie de ação penal, não haverá qualquer diferença,
permanecendo, pois, tudo como está. Entretanto, a dúvida surge se o crime era de ação
penal pública incondicionada e passou a estar submetido a ação penal pública
condicionada à representação do ofendido. Nesta hipótese, há melhoria na situação do
agente delitivo, pois ele poderá agora ser beneficiado pelo instituto da decadência, que
provoca a extinção da punibilidade. Por conta disso, entende-se que a lei 12.015/09
deverá retroagir. Assim, se foi iniciada a ação penal, a vítima deverá ser chamada para
oferecer a representação, caso já não tenha feito. Entretanto, deve-se advertir que,
se já houver o trânsito em julgado da decisão proferida ao longo da ação penal,
não será possível a retroatividade da lei 12.015/09. A retroatividade de uma lei
após o trânsito em julgado de uma decisão somente é possível se aquela for de
caráter exclusivamente penal (grifei).

4 – PRAZO PARA O EXERCÍCIO DA REPRESENTAÇÃO (CONDIÇÃO ESPECÍFICA


DE PROCEDIBILIDADE)

Sobre a questão do prazo para o exercício do direito de representação nos processos


penais em curso, diferente da Lei 9099/1995, nada disse a nova Lei.

Na ausência de previsão específica e não sendo o caso de aplicação do artigo 38 do


CPP, uma vez que antes tal condição específica da ação penal não era exigida, o que
provocaria inúmeras extinções pela decadência, o mais indicado, para suprir esta
lacuna, é a aplicação analógica do contido no artigo 90 da Lei n. 9099/1995, prazo de
30 dias, contado a partir da notificação da vítima (ou de seu representante legal ou
sucessores).

Ousamos discordar do ilustrado professor Renato Brasileiro de Lima, cujo pensamento


é no sentido de que se deveria aplicar, subsidiariamente, o prazo decadencial de seis
meses, oriundo do artigo 38 do CPP e artigo 103 do CP, contado da notificação do
ofendido, pois, com isso, estar-se-ia, na verdade, criando uma terceira norma, até então
não prevista, utilizando partes de outras normas, em nítida usurpação da função
legislativa.

Aplicada por analogia o artigo 90 da Lei n, 9099/1995, notificada a vítima, ao final do


prazo, caso não seja juntada a representação será declarada a extinção da punibilidade
pela decadência. Na hipótese do ofendido (ou outros legitimados) não ser encontrado,
aguardar-se-á o transcurso do prazo prescricional, já que, não tendo sido possível a
notificação, não há falar-se em decadência.

Uma outra questão que pode ocorrer no curso do processo é a desclassificação do


crime inicialmente imputado para o delito de estelionato. Neste caso, deve ser exigida a
representação, nos termos acima expostos, sob pena do feito não ter prosseguimento
por faltar uma “condição de procedibilidade superveniente.”
DIREITO PENAL E PROCESSO
PENAL

Posto isso, em relação às ações penais em curso, o Juiz ou Tribunal deve suspender o
procedimento, em razão da falta de uma “condição de prosseguibilidade” para a ação
penal, e determinar que a vítima (ou seu representante legal ou seus sucessores) seja
notificada para, querendo, oferecer a representação, uma vez que se trata de uma
norma de caráter processual penal material e mais benéfica, exigindo-se a sua aplicação
para os processos pendentes.

5 – FORMALIDADES DA REPRESENTAÇÃO

A propósito, como bem pontua Guilherme de Souza Nucci, “a representação não exige
rigorismo formal”, basta que, nas declarações prestadas no inquérito, por exemplo, fique
bem claro o seu objetivo de dar início à ação penal, legitimando o Ministério Público a
agir.
Pontua-se que já se considerou boletins de ocorrência e declarações prestadas na
polícia como representação.
Ainda, nas lições do eminente doutrinador Nucci:
(…) Porém, apresentada a representação contra um dos coautores ou partícipes,
autoriza o Ministério Público a oferecer denúncia contra todos os agentes. Decorre tal
situação da obrigatoriedade da ação penal pública, razão pela qual não se pode
escolher qual dos vários coautores merece e qual não merece ser processado. Parte da
dourina invoca a indivisibilidade da ação penal para justificar tal situação, embora
prefiramos sustentar a existência da obrigatoriedade. O promotor, dispondo de
autorização para agir contra um, em crime de ação pública condicionada, está,
automaticamente, legitimado a apurar os fatos e agir contra todos.

Certo é que o mais seguro é colher a expressa intenção do ofendido por termo,
entretanto, não se pode despreza, especialmente nas ações penais em curso, até
porque não era exigido representação, as declarações prestadas pela vítima durante a
persecução penal, desde que demonstre de forma inequívoca o interesse na
responsabilização criminal do agente.

6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por tudo o que foi exposto, conclui-se que, a partir da vigência da Lei 13.964/2019, para
o início da persecução penal contra crime de estelionato, salvo nos casos em que o
ofendido for a Administração Pública, criança ou adolescente, pessoa com deficiência
mental ou maior de 70 anos de idade ou incapaz, exige-se representação do ofendido
ou de quem o represente, sem a qual sequer deverá haver instauração de inquérito
policial.

Com relação as persecuções penais em curso, sendo a exigência de representação


norma processual penal de índole material e mais benéfica, acaso a vítima não tenha
deixado claro o interesse da responsabilização criminal do(s) agente(s), caberá a
autoridade policial ou a autoridade judiciária, se já recebida a denúncia, notificar a vítima
para representar, no prazo de trinta dias, contados da notificação, ficando os autos
suspensos até o pronunciamento da vítima ou o transcurso do prazo.

Instada a manifestar, se vítima representar pela responsabilização criminal do(s)


agente(s), a persecução penal prosseguir-se-á regularmente seu curso.

De outro lado, se a vítima expressamente posicionar-se pelo desinteresse no


prosseguimento da demanda ou o prazo de trinta dias transcorrer “in albis”, operará a
extinção da punibilidade, com o arquivamento dos autos.
DIREITO PENAL E PROCESSO
PENAL

Por fim, não sendo o ofendido encontrado, aguardar-se-á o transcurso do prazo


prescricional.

7 – REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

Cunha, Rogério Sanches. Pacote Anticrime – Lei n. 13.964/2019: Comentários às


Alterações no CP, CPP e LEP. Editora JusPodivm, 2020.

Lei n. 13.964/2019 (http://www.planalto.gov.br/);

Lei n. 9099/1995 (http://www.planalto.gov.br/);

Lima, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal: Volume único – 6ª edição.
Salvador: JusPodivm, 2018;

Moreira, Rômulo de Andrade. artigo: https://www.justificando.com/2020/02/11/o-crime-


de-estelionato-depende-de-representacao/

Nucci, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 9ª ed. – São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.

DECISÃO DO STJ:

Para Quinta Turma, exigência de representação para ação por estelionato não
afeta processos em curso

Ao interpretar uma mudança introduzida pelo Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019), a


Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) não conheceu de habeas corpus
que buscava a aplicação retroativa da regra do parágrafo 5º do artigo 171 do Código
Penal para anular o processo que resultou na condenação de um vendedor pelo crime
de estelionato.

Para o colegiado, a regra – que exige a representação da vítima como pré-requisito para
a ação penal por estelionato – não pode ser aplicada retroativamente para beneficiar o
réu nos processos em curso, pois isso não foi previsto pelo legislador ao alterar a
redação do artigo 171 no Pacote Anticrime.

Segundo o ministro Reynaldo Soares da Fonseca, relator, a Lei 13.964/2019


transformou a natureza da ação penal no crime de estelionato, de pública
incondicionada para pública condicionada à representação do ofendido (salvo algumas
exceções) – mudança que só pode afetar os processos ainda na fase policial.

De outro modo – ressaltou o relator, citando o jurista Rogério Sanches Cunha –, a


representação passaria de condição de procedibilidade da ação penal (condição
necessária ao início do processo) para condição de prosseguibilidade (condição que
deve ser implementada para o processo já em andamento poder seguir seu curso).

Para o ministro, o entendimento mais acertado é o de que a representação da vítima


possa ser exigida retroativamente nos casos que estão em fase de inquérito policial,
mas não na hipótese de processo penal já instaurado.
DIREITO PENAL E PROCESSO
PENAL

Questão nova

No caso analisado pelo colegiado, o réu foi condenado em 2018 por estelionato –
condenação mantida pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina no início deste ano, já
sob a vigência do Pacote Anticrime.

No habeas corpus, a Defensoria Pública reiterou o pedido de aplicação do parágrafo 5º


do artigo 171 para anular o processo, uma vez que seria necessária a representação do
ofendido para só então se proceder à ação penal.

Reynaldo Soares da Fonseca afirmou que os tribunais superiores ainda não se


manifestaram de forma definitiva sobre o assunto, em razão do pouco tempo de vigência
da nova lei.

Ele destacou que, em tese, pelo fato de o instituto da representação criminal ser norma
processual mista ou híbrida, a aplicação retroativa seria possível para beneficiar o réu,
mas o Pacote Anticrime não trouxe nenhuma disposição expressa sobre essa
possibilidade.

VAMOS DEBATER?

ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL E RETROATIVIDADE

Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e
circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com
pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de
não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção
do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente

I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;

II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como


instrumentos, produto ou proveito do crime;

III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente


à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado
pelo juízo da execução, na forma do

IV - pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei


nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse
social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como
função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo
delito; ou (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

V - cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público,
desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada

§ 1º Para aferição da pena mínima cominada ao delito a que se refere o caput deste
artigo, serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso
concreto

§ 2º O disposto no caput deste artigo não se aplica nas seguintes hipóteses


DIREITO PENAL E PROCESSO
PENAL

I - se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais, nos
termos da lei;

II - se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem


conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as
infrações penais pretéritas;

III - ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da
infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão
condicional do processo; e

IV - nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados


contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor

§ 3º O acordo de não persecução penal será formalizado por escrito e será firmado pelo
membro do Ministério Público, pelo investigado e por seu defensor.

§ 4º Para a homologação do acordo de não persecução penal, será realizada audiência


na qual o juiz deverá verificar a sua voluntariedade, por meio da oitiva do investigado na
presença do seu defensor, e sua legalidade.

§ 5º Se o juiz considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições dispostas


no acordo de não persecução penal, devolverá os autos ao Ministério Público para que
seja reformulada a proposta de acordo, com concordância do investigado e seu defensor

§ 6º Homologado judicialmente o acordo de não persecução penal, o juiz devolverá os


autos ao Ministério Público para que inicie sua execução perante o juízo de execução
penal.

§ 7º O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos
legais ou quando não for realizada a adequação a que se refere o § 5º deste artigo

§ 8º Recusada a homologação, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para a


análise da necessidade de complementação das investigações ou o oferecimento da
denúncia

§ 9º A vítima será intimada da homologação do acordo de não persecução penal e de


seu descumprimento.

§ 10. Descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo de não persecução


penal, o Ministério Público deverá comunicar ao juízo, para fins de sua rescisão e
posterior oferecimento de denúncia.

§ 11. O descumprimento do acordo de não persecução penal pelo investigado também


poderá ser utilizado pelo Ministério Público como justificativa para o eventual não
oferecimento de suspensão condicional do processo.

§ 12. A celebração e o cumprimento do acordo de não persecução penal não constarão


de certidão de antecedentes criminais, exceto para os fins previstos no inciso III do § 2º
deste artigo.

§ 13. Cumprido integralmente o acordo de não persecução penal, o juízo competente


decretará a extinção de punibilidade.
DIREITO PENAL E PROCESSO
PENAL

§ 14. No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não
persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior,
na forma do art. 28 deste Código.

Enunciado nº 98

É cabível o oferecimento de acordo de não persecução penal no curso da ação


penal, isto é, antes do trânsito em julgado, desde que preenchidos os requisitos legais,
devendo o integrante do MPF
oficiante assegurar seja oferecida ao acusado a oportunidade de confessar
formal e circunstancialmente a prática da infração penal, nos termos do art. 28-A da
Lei n°
13.964/19,quando se tratar de processos que estavam em curso quando d
a introdução da Lei13964/2019, conforme precedentes.

Agravo em recurso especial. Art.1.042 do CPC. Crimes de dano, lesão corporal e


desacato. Pedido de aplicação retroativa do art. 28-A do CPP introduzido pela Lei
no 13.964/2019 (Pacote Anticrime). Proposta de não persecução penal em relação
ao crime de desacato. Impossibilidade. Processo já em fase recursal.
Incompatibilidade com o atual estágio da marcha processual. Indeferimento do
pedido." STJ PET no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL No 1668089 - SP
(2020/0041787-8)

PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE NORMATIVO TÍPICA

Nesse caso, migra-se o conteúdo criminoso para outro tipo.

O princípio da continuidade normativo típica evidencia-se quando uma norma penal é


revogada, mas a mesma conduta continua sendo crime no tipo penal revogador (não
houve supressão material da conduta criminosa), ou seja, a infração penal continua
tipificada em outro dispositivo, ainda que topologicamente ou normativamente diverso
do originário.

Abolitio criminis Continuidade normativo-típica


Trata-se de supressão da figura criminosa (supressão A supressão do tipo penal é apenas formal.
formal e material).
A conduta NÃO será mais punida. O fato deixa de ser O fato permanece punível. A conduta criminosa
punível. apenas migra para outro tipo penal.
A intenção do legislador é não mais considerar o fatoA intenção do legislador é manter o caráter criminoso
criminoso. do fato, mas como outra roupagem.

Nas lições de Rogério Sanches (Manual de Direito Penal – Parte Geral) :

“O princípio da continuidade normativo-típica, por sua vez, significa a manutenção do


caráter proibido da conduta, porém com o deslocamento do conteúdo criminoso para
outro tipo penal. A intenção do legislador, nesse caso, é que a conduta permaneça
criminosa”.
DIREITO PENAL E PROCESSO
PENAL

Exemplo: Lei 12.015/2009

– ANTES –

Art. 213 CP: Estupro;


Art. 214 CP: Atentado violento ao pudor;

– DEPOIS –

O art. 213 CP: estupro;

O art. 214 foi revogado e o conteúdo migrou para o art. 213 do CP.

ABOLITIO CRIMINIS CONTINUIDADE NORMATIVO-TÍPICA


Supressão da figura criminosa (formal e material).Supressão formal do tipo.
A conduta criminosa não será mais punida (o fatoA conduta criminosa apenas migra para outro tipo
deixa de ser punível). penal (o fato permanece punível).
A intenção do legislador é não mais considerar oA intenção do legislador é manter o caráter
fato criminoso. criminoso do fato, mas com outra roupagem.

4.3. LEI EXCEPCIONAL OU TEMPORÁRIA

Art. 3º, CP – “A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua


duração ou cessadas as circunstâncias que determinaram, aplica-se ao fato praticado
durante a vigência”.
Lei temporária é aquela instituída por um determinado tempo/prazo determinado; tem
prefixado um lapso de duração.
Lei A com vigência até 01/01/2017.
Lei excepcional é aquela editada em função de algum evento transitório, por exemplo,
guerra, calamidade pública, epidemia, etc. Perdura enquanto persistir o estado de
emergência.
Exemplo: Lei que pune alguém que embaraça a entrada de fiscais do governo em sua
casa para prevenir criadouros do mosquito Aedes. A lei vai perdurar até cessar o Estado
de emergência.
Observações pontuais:

Ø Lei temporária é aquela que tem prazo de vigência previamente definido no


tempo. Essa lei tem prazo de validade.9Exemplo: Lei da Copa – Lei nº 12.663/2012. Art.
36. Os tipos penais previstos neste Capítulo terão vigência até o dia 31 de dezembro
de 2014.
Ø Por outro lado, lei excepcional é aquela cuja vigência só existe em uma
situação de anormalidade.
DIREITO PENAL E PROCESSO
PENAL

Fundamento: Art. 3º, CP – Art. 3º - A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o


período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se
ao fato praticado durante sua vigência.
Ø
Ø A lei temporária e lei excepcional possuem duas características que lhes são
peculiar: são autorrevogáveis (exceção ao princípio da continuidade das leis). Acabando
o prazo de validade da lei temporária ou da situação de anormalidade da lei excepcional,
a referida estará revogada. Consideram- se revogadas assim que encerrado o prazo
fixado (lei temporária) ou cessada a situação de anormalidade (excepcional). Além
disso, gozam de ultratividade o que significa que continuam aplicáveis mesmo depois
de revogadas, se o fato foi praticado enquanto elas ainda estavam em vigor. A
ultratividade impede que manobras protelatórias leve a impunidade do agente.
Características das leis temporárias e das leis excepcionais

1 – Autorrevogabilidade

São leis autorrevogáveis. Consideram-se revogadas assim que encerrado o prazo


fixado (temporária) ou cessada a situação de anormalidade (excepcional).
2 – Ultra-atividade

São leis ultra-ativas, alcançam os fatos praticados durante a sua vigência, ainda que já
revogadas. Por admitir a ultra-atividade, aplica-se a lei penal a fatos realizados durante
a sua vigência, ainda que esta tenha sido revogada posteriormente.

ATENÇÃO! Trata-se de hipótese excepcional de ultratividade maléfica.

Exemplo: Lei 12.663/2012 – Lei da Copa.

Dentre os crimes previstos, a Lei 12.663/2014, previa a utilização indevida de símbolos


oficiais, ao teor do art. 30.
Art. 30. Reproduzir, imitar, falsificar ou modificar indevidamente quaisquer Símbolos
Oficiais de titularidade da FIFA: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano ou
multa.
Art. 34. Nos crimes previstos neste Capítulo, somente se procede mediante
representação da FIFA. Art. 36. Os tipos penais previstos neste Capítulo terão vigência
até o dia 31 de dezembro de 2014.

Os fatos praticados antes do dia 31/12/2014 continuam sendo punidos, pois se trata de
lei temporária, ultra-ativas, aplicando-se aos fatos praticados na sua vigência.

A doutrina observa que, por serem de curta duração, se não tivesse a característica da
ultra-atividade perderiam sua força intimidativa.

ATENÇÃO: a revogação das leis temporárias e excepcional não implica “abolitio


criminis”.
96

VAMOS DEBATER?
DIREITO PENAL E PROCESSO
PENAL

O ART. 268 e a Lei 13.979/2020

Artigo do professor Guilherme Nucci

Este crime, diversamente da epidemia, é norma penal em branco e depende de


complemento, vale dizer, do conhecimento de determinação do poder público exigindo
isolamento (separação de doentes ou contaminados pelo coronavírus), nos termos do
art. 2º, I, da Lei 13.979/2020, quarentena (restrição de atividades ou separação de
pessoas suspeitas de estarem contaminadas, mas não enfermas), conforme art. 2º, II,
da referida Lei 13.979/2020 ou outra medida, como a realização compulsória de exames
médicos, testes laboratoriais, coleta de amostras clínicas, vacinação, entre outras.

Para a configuração do crime previsto no art. 268 do Código Penal é preciso agir com
dolo, pois inexiste a forma culposa. Pode-se indagar: qual a intenção do agente? Por
óbvio, não é causar epidemia, nem tampouco contaminar alguém, mas simplesmente
não respeitar a ordem do poder público para se isolar ou ficar em quarentena. É uma
infração penal de perigo abstrato (presume-se a potencialidade lesiva de quem infringe
a determinação do poder público) e formal (basta a conduta de infringir a ordem para se
consumar, independente de qualquer resultado naturalístico, como gerar contágio). É
uma infração de menor potencial ofensivo, comportando transação e não há prisão em
flagrante, mas o encaminhamento do agente para lavrar o termo circunstanciado, com
o compromisso de comparecer ao Juizado Especial Criminal.

Um lembrete é importante: a norma penal em branco precisa na realidade de dois


complementos. O primeiro já foi editado: a Lei 13.979/2020, prevendo a viabilidade
de se decretar o isolamento, a quarentena e outras medidas restritivas da
liberdade individual e empresarial. Mas não seria suficiente.

Houve necessidade da manifestação do Ministro da Saúde, o que aconteceu por meio


da Portaria n. 356/2020. Além disso, editou-se a Portaria Interministerial (Ministério da
Justiça e Segurança Pública e Ministério da Saúde) n. 5/2020, confirmando as
disposições anteriores e acrescentando, de forma clara, que, no exercício do poder de
polícia administrativa, a autoridade policial poderá encaminhar o infrator, insurgente
contra a quarentena, à sua residência ou estabelecimento hospitalar. Preceitua, ainda,
que, havendo concurso de crimes, se houver prisão, as autoridades policial e judicial
devem providenciar para que o preso seja mantido em estabelecimento ou cela
separada dos demais presos.

Quanto às medidas restritivas, previstas no art. 3º da Lei 12.979/2020, deve-se


apontar a seguinte divisão: a) o isolamento; a quarentena; a exumação, necropsia,
cremação e manejo de cadáver; restrição excepcional e temporária de entrada e saída
do País, conforme recomendação da ANVISA, por rodovias, portos ou aeroportos;
autorização excepcional e temporária para importar produtos sujeitos à vigilância
sanitária sem registro da ANVISA, caso estejam registrados por autoridade sanitária
estrangeira ou previstos em ato do Ministro da Saúde; b) determinação de realização
compulsória de: exames médicos, testes de laboratório, coleta de amostras clínicas,
vacinação, tratamentos médicos específicas; estudo epidemiológico; requisição de bens
e serviços de pessoas naturais e jurídicas, sujeitos a indenização posterior. O primeiro
grupo depende de determinação do Ministro da Saúde ou gestores locais de saúde,
autorizados pelo Ministério da Saúde; o segundo grupo será determinado pelos gestores
locais de saúde, sem autorização prévia do Ministério da Saúde.

Na Portaria n. 356/2020 do Ministério da Saúde, consta que a medida de isolamento


poderá ser determinada pelo médico ou por recomendação do agente de vigilância
DIREITO PENAL E PROCESSO
PENAL

epidemiológica, por um prazo máximo de 14 dias, podendo haver extensão por até igual
período, conforme exame de laboratório que atestar o risco da transmissão. A medida
de isolamento será efetuada, de preferência, em domicílio, podendo ser feito em
hospitais públicos ou privados (basta imaginar o isolamento de pessoas sem-teto,
moradores de rua). A medida de quarentena objetiva assegurar a manutenção dos
serviços de saúde em local certo e determinado. Será determinada mediante ato
administrativo formal e fundamentado, editado por Secretário de Saúde do Estado, do
Município, do Distrito Federal ou Ministro de Estado da Saúde ou superiores em cada
nível de gestão, publicada no Diário Oficial, amplamente divulgada pelos meios de
comunicação.

Um outro destaque é que o complemento deste tipo incriminador é ultrativo, nos termos
do art. 3º do Código Penal, porque, superada a crise e afastada a medida restritiva
imposta pelo poder público, quem a tiver infringido, quando a determinação estava em
vigor, continuará a responder criminalmente pelo que fez. Afinal, gerou perigo à saúde
pública, lesionando o bem jurídico tutelado.

Por derradeiro, visualizando, hoje, o desenvolvimento da propagação do coronavírus,


podemos concluir que o crime do art. 268 pode ser instantâneo (resultado imediato, não
se prolongando no tempo), como defendemos em nossas obras, mas também pode dar-
se na forma permanente (resultado que se arrasta no tempo), dependendo da maneira
de infringência da determinação do poder público, o que nos permite ampliar a nossa
anterior visão. Se há uma ordem de recolhimento à casa, enquanto o agente
permanecer na via pública, a sua transgressão está colocando em risco a saúde pública,
pois o perigo de contágio permanece vivo. A forma permanente permite a imediata
detenção para a lavratura do termo circunstanciado.

LEI Nº 14.022, DE 7 DE JULHO DE 2020

Altera a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, e dispõe sobre medidas de


enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher e de enfrentamento à
violência contra crianças, adolescentes, pessoas idosas e pessoas com deficiência
durante a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do
coronavírus responsável pelo surto de 2019.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre medidas de enfrentamento à violência doméstica e


familiar contra a mulher e de enfrentamento à violência contra crianças, adolescentes,
pessoas idosas e pessoas com deficiência durante a emergência de saúde pública de
importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.

Art. 2º A Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, passa a vigorar com as seguintes


alterações:

"Art. 3º ...............................................................................................................
...............................................................................................................................

§ 7º-C. Os serviços públicos e atividades essenciais, cujo funcionamento deverá ser


resguardado quando adotadas as medidas previstas neste artigo, incluem os
relacionados ao atendimento a mulheres em situação de violência doméstica e familiar,
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PENAL

nos termos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, a crianças, a adolescentes, a


pessoas idosas e a pessoas com deficiência vítimas de crimes tipificados na Lei nº
8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), na Lei nº 10.741,
de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), na Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015
(Estatuto da Pessoa com Deficiência), e no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de
1940 (Código Penal)." (NR)
"Art. 5º-A. Enquanto perdurar o estado de emergência de saúde internacional
decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019:

I - os prazos processuais, a apreciação de matérias, o atendimento às partes e a


concessão de medidas protetivas que tenham relação com atos de violência doméstica
e familiar cometidos contra mulheres, crianças, adolescentes, pessoas idosas e pessoas
com deficiência serão mantidos, sem suspensão;

II - o registro da ocorrência de violência doméstica e familiar contra a mulher e de crimes


cometidos contra criança, adolescente, pessoa idosa ou pessoa com deficiência poderá
ser realizado por meio eletrônico ou por meio de número de telefone de emergência
designado para tal fim pelos órgãos de segurança pública;

Parágrafo único. Os processos de que trata o inciso I do caput deste artigo serão
considerados de natureza urgente."

Art. 3º O poder público deverá adotar as medidas necessárias para garantir a


manutenção do atendimento presencial de mulheres, idosos, crianças ou adolescentes
em situação de violência, com a adaptação dos procedimentos estabelecidos na Lei nº
11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), às circunstâncias emergenciais
do período de calamidade sanitária decorrente da pandemia da Covid-19.

§ 1º A adaptação dos procedimentos disposta no caput deste artigo deverá


assegurar a continuidade do funcionamento habitual dos órgãos do poder público
descritos na Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), no âmbito de
sua competência, com o objetivo de garantir a manutenção dos mecanismos de
prevenção e repressão à violência doméstica e familiar contra a mulher e à violência
contra idosos, crianças ou adolescentes.

§ 2º Se, por razões de segurança sanitária, não for possível manter o atendimento
presencial a todas as demandas relacionadas à violência doméstica e familiar contra a
mulher e à violência contra idosos, crianças ou adolescentes, o poder público deverá,
obrigatoriamente, garantir o atendimento presencial para situações que possam
envolver, efetiva ou potencialmente, os ilícitos previstos:

I - no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), na modalidade


consumada ou tentada:

a) feminicídio, disposto no inciso VI do § 2º do art. 121;


b) lesão corporal de natureza grave, disposto no § 1º do art. 129;
c) lesão corporal dolosa de natureza gravíssima, disposto no § 2º do art. 129;
d) lesão corporal seguida de morte, disposto no § 3º do art. 129;
e) ameaça praticada com uso de arma de fogo, disposto no art. 147;
f) estupro, disposto no art. 213;
estupro de vulnerável, disposto no caput e nos §§ 1º, 2º, 3º e 4º do art. 217-
g)
A;
h) corrupção de menores, disposto no art. 218;
DIREITO PENAL E PROCESSO
PENAL

satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente, disposto


i)
no art. 218-A;

II - na Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), o crime de


descumprimento de medidas protetivas de urgência, disposto no art. 24-A;

III - na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente);

IV - na Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso).

§ 3º Conforme dispõe o art. 158 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941


(Código de Processo Penal), mesmo durante a vigência da Lei nº 13.979, de 6 de
fevereiro de 2020, ou de estado de emergência de caráter humanitário e sanitário em
território nacional, deverá ser garantida a realização prioritária do exame de corpo de
delito quando se tratar de crime que envolva:

I - violência doméstica e familiar contra a mulher;

II - violência contra criança, adolescente, idoso ou pessoa com deficiência.

§ 4º Nos casos de crimes de natureza sexual, se houver a adoção de medidas pelo


poder público que restrinjam a circulação de pessoas, os órgãos de segurança deverão
estabelecer equipes móveis para realização do exame de corpo de delito no local em
que se encontrar a vítima.

Art. 4º Os órgãos de segurança pública deverão disponibilizar canais de


comunicação que garantam interação simultânea, inclusive com possibilidade de
compartilhamento de documentos, desde que gratuitos e passíveis de utilização em
dispositivos eletrônicos, como celulares e computadores, para atendimento virtual de
situações que envolvam violência contra a mulher, o idoso, a criança ou o adolescente,
facultado aos órgãos integrantes do Sistema de Justiça - Poder Judiciário, Ministério
Público e Defensoria Pública, e aos demais órgãos do Poder Executivo, a adoção dessa
medida.

§ 1º A disponibilização de canais de atendimento virtuais não exclui a obrigação do


poder público de manter o atendimento presencial de mulheres em situação de violência
doméstica e familiar e de casos de suspeita ou confirmação de violência praticada contra
idosos, crianças ou adolescentes.

§ 2º Nos casos de violência doméstica e familiar, a ofendida poderá solicitar


quaisquer medidas protetivas de urgência à autoridade competente por meio dos
dispositivos de comunicação de atendimento on-line.

§ 3º Na hipótese em que as circunstâncias do fato justifiquem a medida prevista neste


artigo, a autoridade competente poderá conceder qualquer uma das medidas protetivas
de urgência previstas nos arts. 12-B, 12-C, 22, 23 e 24 da Lei nº 11.340, de 7 de agosto
de 2006 (Lei Maria da Penha), de forma eletrônica, e poderá considerar provas
coletadas eletronicamente ou por audiovisual, em momento anterior à lavratura do
boletim de ocorrência e a colheita de provas que exija a presença física da ofendida,
facultado ao Poder Judiciário intimar a ofendida e o ofensor da decisão judicial por meio
eletrônico.

§ 4º Na hipótese prevista no § 3º deste artigo, após a concessão da medida de


urgência, a autoridade competente, independentemente da autorização da ofendida,
DIREITO PENAL E PROCESSO
PENAL

deverá:

I - se for autoridade judicial, comunicar à unidade de polícia judiciária competente


para que proceda à abertura de investigação criminal para apuração dos fatos;

II - se for delegado de polícia, comunicar imediatamente ao Ministério Público e ao


Poder Judiciário da medida concedida e instaurar imediatamente inquérito policial,
determinando todas as diligências cabíveis para a averiguação dos fatos;

III - se for policial, comunicar imediatamente ao Ministério Público, ao Poder


Judiciário e à unidade de polícia judiciária competente da medida concedida, realizar o
registro de boletim de ocorrência e encaminhar os autos imediatamente à autoridade
policial competente para a adoção das medidas cabíveis.

Art. 5º As medidas protetivas deferidas em favor da mulher serão automaticamente


prorrogadas e vigorarão durante a vigência da Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020,
ou durante a declaração de estado de emergência de caráter humanitário e sanitário em
território nacional, sem prejuízo do disposto no art. 19 e seguintes da Lei nº 11.340, de
7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha).

Parágrafo único. O juiz competente providenciará a intimação do ofensor, que


poderá ser realizada por meios eletrônicos, cientificando-o da prorrogação da medida
protetiva.

Art. 6º As denúncias de violência recebidas na esfera federal pela Central de


Atendimento à Mulher - Ligue 180 e pelo serviço de proteção de crianças e adolescentes
com foco em violência sexual - Disque 100 devem ser repassadas, com as informações
de urgência, para os órgãos competentes.

Parágrafo único. O prazo máximo para o envio das informações referidas


no caput deste artigo é de 48 (quarenta e oito) horas, salvo impedimento técnico.

Art. 7º Em todos os casos, a autoridade de segurança pública deve assegurar o


atendimento ágil a todas as demandas apresentadas e que signifiquem risco de vida e
a integridade da mulher, do idoso, da criança e do adolescente, com atuação focada na
proteção integral, nos termos da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da
Criança e do Adolescente) e da Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do
Idoso).

Art. 8º O poder público promoverá campanha informativa sobre prevenção à


violência e acesso a mecanismos de denúncia durante a vigência da Lei nº 13.979, de
6 de fevereiro de 2020, ou durante a vigência do estado de emergência de caráter
humanitário e sanitário.

Art. 9º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 7 de julho de 2020; 199º da Independência e 132º da República.

5. EFICÁCIA DA LEI PENAL NO ESPAÇO

5.1. PRINCÍPIOS DE APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO ESPAÇO


Territorialidade (adotado pelo Brasil como regra) - Segundo o qual se aplica a lei
nacional ao fato praticado no território do próprio país.
DIREITO PENAL E PROCESSO
PENAL

Decorre este da soberania do Estado, que significa que este tem jurisdição sobre as
pessoas que se encontram em seu território.

Personalidade/Nacionalidade - Segundo o qual a lei penal de um país é aplicável ao


seu cidadão, independentemente de onde ele se encontre. Subdivide-se em
Nacionalidade Ativa ( aplica-se a lei da nacionalidade do agente) e nacionalidade
passiva (aplica-se a lei da nacionalidade vítima).

Princípio da Defesa ou da Proteção - Segundo o qual a lei do país é aplicada em


razão do bem jurídico lesado, independentemente do local ou da nacionalidade do
agente. Dessa forma, se aplica a lei nacional onde quer que os bens jurídicos
considerados fundamentais forem afetados.
Princípio da Justiça Universal - Segundo o qual o agente deve ser punido onde se
encontre, segundo a lei do país onde esteja, independentemente de sua nacionalidade,
do local ou da nacionalidade do bem jurídico lesado.

Representação (DO PAVILHÃO, DA BANDEIRA, DA SUBSTITUIÇÃO) - Segundo o


qual o crime praticado no estrangeiro deve ser punido por determinado país, quando
cometido em embarcações e aeronaves privadas de sua nacionalidade, desde que não
tenha sido punido no país onde se encontrava (art. 5, §§ 1 e 2 do CP).

5.2. TERRITORIALIDADE DA LEI PENAL


O critério geral da territorialidade prevê que a lei penal é aplicada ao crime
cometido em território nacional (art. 5°, caput, CP).
CONCEITO DE TERRITÓRIO BRASILEIRO
É compreendido pela soma do espaço geográfico com o espaço jurídico (ficção
ou equiparação).
Portanto, é a faixa de terra e mar territorial (12 milhas contadas do litoral), e todo
o espaço aéreo e subsolo correspondente. Para efeitos penais, as embarcações e
aeronaves públicas são consideradas extensão do território brasileiro, e as
privadas também o são quando localizadas em alto mar ou em seu espaço aéreo
correspondente (art.5°, §§ 1° e 2°, CP).
O art. 5.º do CP determina aplicação da lei penal brasileira ao crime cometido no
território nacional, sem prejuízo de convenções, tratados, e regras de direito
internacional.
Ao permitir em determinados casos a aplicação da lei penal estrangeira (quando houver
tratados e convenções internacionais) o Código Penal adotou o princípio da
territorialidade temperada. Excepcionalmente, a lei penal não será aplicada em relação
a fatos cometidos no Brasil em virtude das imunidades diplomáticas, parlamentares.
De acordo com o parágrafo 1.º do aludido artigo, para os efeitos penais, consideram-se
como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de
natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem
como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade
privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-
mar.
O § 2.º determina ainda a aplicação da lei brasileira aos crimes praticados a bordo de
aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas
em pouso no território nacional ou em vôo no espaço aéreo correspondente, e estas em
porto ou mar territorial do Brasil.
DIREITO PENAL E PROCESSO
PENAL

OBS: EMBAIXADA NÃO É EXTENSÃO DO TERRITÓRIO BRASILEIRO!


Direito de Passagem Inocente- O direito brasileiro prevê o direito de passagem. Dessa
forma, se ocorrer crime em aeronave ou embarcação em passagem pelo território
nacional com outro destino que não o Brasil,desde que não hajam efeitos nacionais, não
se aplica a lei brasileira.

# O direito de passagem inocente é só para embarcação ou também abrange


aeronaves?
Depende, temos duas correntes.
R: Uma 1ª corrente defende que poderia aplicar as aeronaves, já a 2ª corrente defende
que não pois como é uma norma excepcional somente poderia ser aplicada as
embarcações. Não existe posicionamento que prevalece, devendo ser abordada as
duas correntes em eventual prova dissertativa.

5.3. EXTRATERRITORIALIDADE

A extraterritorialidade da lei penal pode ser:

1. Incondicionada-nessas situações o agente é


punido segundo a lei brasileira ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro, pela
prática dos seguintes crimes:

a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República; (Incluído pela Lei nº 7.209,


de 1984)

b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de


Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia
ou fundação instituída pelo Poder Público; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço; (Incluído pela Lei nº
7.209, de 1984)

d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil; (Incluído pela


Lei nº 7.209, de 1984)

2. condicionada- nessa situação aplicação da lei brasileira depende do preenchimento


de algumas condições e somente em relação aos crimes:

a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir; (Incluído pela Lei nº
7.209, de 1984)

b) praticados por brasileiro; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade


privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados. (Incluído pela Lei nº
7.209, de 1984)

§ 1º - Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que
absolvido ou condenado no estrangeiro.(Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
DIREITO PENAL E PROCESSO
PENAL

§ 2º - Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das
seguintes condições: (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

a) entrar o agente no território nacional; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; (Incluído pela Lei nº 7.209,
de 1984)

c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição;
(Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; (Incluído
pela Lei nº 7.209, de 1984)

e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta
a punibilidade, segundo a lei mais favorável. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

§ 3º - A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra


brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições previstas no parágrafo anterior:
(Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

a) não foi pedida ou foi negada a extradição; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

b) houve requisição do Ministro da Justiça. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)

ATENÇÃO!!

A regra da impossibilidade de duas condenações pelo mesmo crime (ne bis in idem)
não é absoluta e sofre exceção na hipótese de extraterritorialidade da lei penal
brasileira, permitindo assim uma condenação no estrangeiro e outra no Brasil.

EXCEÇAO À TERRITORIALIDADE
A principal exceção à territorialidade se dá no caso de imunidade diplomática, que
garante aos agentes diplomáticos serem processados em seus países de origem
e garante a inviolabilidade das embaixadas.
IMUNIDADES
Em regra, a Lei Penal é aplicável a todas as pessoas indistintamente. Entretanto, em
relação a algumas pessoas, existem disposições especiais do Código Penal. São
as chamadas imunidades diplomáticas (diplomáticas e de chefes de governos
estrangeiros) e parlamentares (referentes aos membros do Poder Legislativo).
Imunidades Diplomáticas
Estas imunidades se baseiam no princípio da reciprocidade, ou seja, o Brasil concede
imunidade a estas pessoas, enquanto os Países que representam conferem imunidades
aos nossos representantes.
Não há violação ao princípio constitucional da isonomia! Cuidado! Pois a imunidade não
é conferida em razão da pessoa imunizada, mas em razão do cargo que ocupa. Ou
seja, ela é de caráter funcional. Entenderam?
Estas imunidades diplomáticasestão previstas na Convenção de Viena, incorporada ao
nosso ordenamento jurídicoatravés do Decreto 56.435/65, que prevê imunidade total
(em relação a qualquer crime) aos Diplomatas, que estão sujeitos à Jurisdição de seu
país apenas. Esta imunidade se estende aos funcionários dos órgãos internacionais
DIREITO PENAL E PROCESSO
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(quando em serviço!) e aos seus familiares, bem como aos Chefes de Governo e
Ministros das Relações Exteriores de outros países.

Quem desfruta da imunidade diplomática (Definido pela Convenção de Viena sobre


relações diplomáticas de 1961)?!
a) os chefes de governo estrangeiros ou de Estado estrangeiro, sua família e membros
de sua comitiva
b) embaixador e sua família
c) funcionários do corpo diplomático
d) funcionários de Orgãos Internacionais (ex: ONU)

Essa imunidade é IRRENUNCIÁVEL, exatamente por não pertencer à pessoa, mas ao


cargo que ocupa! Essa é a posição do STF! Cuidado com isso!
ATENÇÃO: Jamais o agente pode abrir mão da imunidade. Mas pode o Estado que
o diplomata representa renunciar a imunidade do seu agente (art. 32 da
Convenção de Viena).
# Os Agentes consulares tem imunidade?
Com relação aos cônsules (diferentes dos Diplomatas) a imunidade só é conferida aos
atos praticados em razão do ofício, não a qualquer crime. EXEMPLO: Se Yamazaki,
cônsul do Japão no Rio de Janeiro, no domingo, curtindo uma praia, agride um vendedor
de picolés por ter lhe dado o troco errado (carioca malandro...), responderá pelo crime,
pois não se trata de ato praticado no exercício da função.

Resumidamente:
IMUNIDADE TOTAL DE JURISDIÇÃO PENAL – Agentes diplomáticos e seus
familiares, bem como os membros do pessoal administrativo e técnico da missão, assim
como os membros de suas famílias que com eles vivam, desde que não sejam nacionais
do estado acreditado (no caso, o Brasil) nem nele tenham residência permanente.

IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO PENAL em relação aos ATOS PRATICADOS NO


EXERCÍCIO DAS FUNÇÕES: Cônsules e membros do pessoal de serviço da
missãodiplomática que não sejam nacionais do Estado acreditado nem nele tenham
residência permanente.

# O Diplomata deve obediência à nossa lei?!

R: Os agentes diplomáticos devem obediência ao preceito primário do país em que se


encontram, apenas escapam da incidência da consequência jurídica (preceito
secundário, qual seja, a pena) pois se sujeitam a pena e eficácia da lei penal do Estado
a que pertencem. (intraterritorialidade).

Imunidades Parlamentares
Estão previstas na Constituição Federal, motivo pelo qual geralmente são mais bem
estudadas naquela disciplina. Entretanto, como costumam ser cobradas também na
matéria de Direito Penal, vamos estudá-la ponto a ponto.

Trata-se de prerrogativas dos parlamentares, com vistas a se preservar a Instituição


(Poder Legislativo) de ingerências externas. São duas as hipóteses de imunidades
parlamentares: a) material (conhecida como real, ou ainda, inviolabilidade); b) formal
(ou processual ou ainda, adjetiva). Assim, o parlamentar é inviolável, na esfera civil e
criminal, pelas suas opiniões, palavras e votos manifestados, quando pratica estas
condutas em razão do cargo (exercício da função). Essa imunidade é ABSOLUTA
DIREITO PENAL E PROCESSO
PENAL

quando praticado no recinto do parlamento. Entretanto, não é necessário que o


parlamentar tenha proferido as palavras dentro do recinto (Congresso,
Assembleia Legislativa, etc.), bastando que tenha relação com sua função(Pode
ser numa entrevista a um jornal local, etc.), neste caso a proteção escapa do caráter
absoluto, necessitando-se demonstrar no caso concreto. ESSA É A POSIÇÃO DO STF
A RESPEITO DO TEMA.

OBS: na hipótese de utilização de meios eletrônicos como facebook, twitter, e-mails,


para divulgar mensagens ofensivas à honra de alguém, será necessário que o
parlamentar demonstre pertinência com o exercício parlamentar, mesmo que sejam
realizadas por computador dentro de seu gabinete ou no recinto parlamentar, sob pena
de fomentar exercício abusivo da perrogativa.

#QUAL A NATUREZA JURÍDICA DA IMUNIDADE PARLAMENTAR?


Quanto à natureza jurídica dessa imunidade (o que ela representa perante o Direito),
há muita controvérsia na Doutrina, mas a posição que predomina é a de que se trata de
fato atípico, ou seja, a conduta do parlamentar não chega sequer a ter enquadramento
na lei penal (Essa é a posição que vem sendo adotada pelo Supremo Tribunal
Federal – STF).
Com o entendimento adotado pelo STF e Luis Flávio Gomes, a questão que parece
apresentar importância apenas teórica, reflete diretamente na punibilidade do
participe não parlamentar. A punição do partícipe segue a teoria da
assessoriedade limitada, só é punível se o fato principal é típico e ilícito.

#IMUNIDADE MATERIAL VEREADOR.

STF - RE 600063/SP (Informativo 775 do STF) – O STF decidiu que a imunidade


material dos vereadores é restrita aos limites territoriais da circunscrição do Município:

(...) “Nos limites da circunscrição do Município e havendo pertinência com o exercício


do mandato, garante-se a imunidade prevista no art. 29, VIII, da CF aos vereadores (...)
O Colegiado reputou que, embora as manifestações fossem ofensivas, teriam sido
proferidas durante a sessão da Câmara dos Vereadores — portanto na circunscrição do
Município — e teriam como motivaçãoquestão de cunho político, tendo em conta a
existência de representação contra o prefeito formulada junto ao MinistérioPúblico —
portanto no exercício do mandato.” – (RE 600063/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red.
p/ o acórdão Min. Roberto Barroso, 25.2.2015. (RE-600063)

STF - AC 4036 – O STF adotou entendimento no sentido de que a prática de crime


permanente por parlamentar, em situação que autorize a decretação da prisão
preventiva, configura flagrante de crime inafiançável, enquanto durar a prática do delito.
Por se tratar de crime permanente, a conduta está sendo praticada enquanto dura a
permanência, admitindo a situação de flagrância. Por outro lado, a inafiançabilidade
(segundo o entendimento do STF) decorreria da presença dos requisitos da
preventiva, já que o Juiz nãopodera arbitrar fiança neste caso (art. 324, IV do CPP):
Ementa: CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO CAUTELAR.
SUPOSTO DELITO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA (ART. 2o, § 1o, NA FORMA DO
§ 4o, II, DA LEI 12.850/2013) COM PARTICIPAÇÃO DE PARLAMENTAR FEDERAL.
SITUAÇÃO DE FLAGRÂNCIA. PRESENÇA DOS REQUISITOS
DIREITO PENAL E PROCESSO
PENAL

CORRESPONDENTES. CABIMENTO. DECISÃO RATIFICADA PELO COLEGIADO.


(AC 4036, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 25/11/2015,
ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-037 DIVULG 26-02-2016 PUBLIC 29-02- 2016)

Imunidade formal ou Relativa


Esta imunidade não está relacionada à caracterização ou não de uma conduta como
crime. Está relacionada a questões processuais, como possibilidade de prisão e
seguimento de processo penal. Está prevista no art. 53, §§ 1° a 5° da Constituição da
República. Subdivide-se em algumas hipóteses.
A primeira é relativa aimunidade formal para a prisão. Assim dispõe o art. 53, § 2° da
Constituição:
§ 2o Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional nãopoderão
ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão
remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da
maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.
O STF entende que essa impossibilidade de prisão se refere a qualquer tipo de
prisão, inclusive as de caráterprovisório, decretadas pelo Juiz. A única ressalva é
a prisão em flagrante pela prática de crime inafiançável.
Entretanto, recentemente, o STF decidiu que os parlamentares podem ser presos,
além desta hipótese, no caso de sentença penal condenatória transitada em
julgado, ou seja, na qual não cabe mais recurso algum pois a prisão decorrente de
sentença definitiva é cabível, não abrangida pela imunidade do Art. 53.§ 2º da
CF/88 (Inq. 510/STF).
Continuando no caso da prisão em flagrante, os autos da prisãoserão remetidos à casa
a qual pertencer o parlamentar, em até 24h, e esta decidirá, em votação aberta, por
maioria absoluta de seus membros, se a prisão é mantida ou não.
A imunidade se inicia com a diplomação do parlamentar e se encerra com o fim do
mandato.

Já a segunda é relativa aimunidade formal para o processo, está prevista no §3° do


art. 53 da Constituição:
§ 3o Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a
diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por
iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros,
poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação.
OBS: Essa prerrogativa n se estende aos inquéritos policiais instaurados contra
membros do congresso.

Cuidado! Essas regras (referentes a ambas as espécies de imunidades formais de


prisão e processual) sãoaplicáveis aos parlamentares estaduais (Deputados estaduais),
por força do art. 27, § 1° da Constituição. Entretanto, aos parlamentares municipais
(vereadores) só se aplicam as imunidades materiais! Muito, mas muito cuidado com
isso! Ah, e em qualquer caso, não abrangem os suplentes!
IMPORTANTE => Em 07 de Dezembro de 2017 o STF suspendeu julgamento de 3
ADI's entre elas a ADI 5824, diante da ausência de 2 ministros. O julgamento já
esta 5 a 4 pelo posicionamento de que as assembléais legislativas estaduais não
podem sustar o andamento de ação penal envolvendo parlamentar estadual, nem
revogar prisões e medidas cautelares impostas a parlamentar estadual. Cabendo
unicamente ao poder judiciário revisar através do grau recursal se as medidas
foram legais ou não.
DIREITO PENAL E PROCESSO
PENAL

Os parlamentares não podem renunciar a estas imunidades, pois, como disse antes,
trata-se de prerrogativa inerente ao cargo, não à pessoa. Entretanto, a Doutrina e a
Jurisprudência entendem que o parlamentar afastado para exercer cargo de
Ministro ou Secretário de Estado NÃO mantém as imunidades, ou seja, ele perde
a imunidade parlamentar (A súmula no 04 do STF fora revogada!). INQ 725-RJ, rel.
Ministra Ellen Gracie, 8.5.2002.(INQ-725) – Informativo 267 do STF

Fiquem atentos! As imunidades parlamentares permanecem ainda que o país se


encontre em estado de sítio. Entretanto, por decisão de 2/3 dos membros da Casa, estas
imunidades poderão ser suspensas, durante o estado de sítio, em razão de ato praticado
pelo parlamentar FORA DO RECINTO. Assim, EM HIPÓTESE NENHUMA (NEM NO
ESTADO DE SÍTIO), O PARLAMENTAR PODERÁ SER RESPONSABILIZADO POR
ATO PRATICADO NO RECINTO (aqueles atos previstos na Constituição, é claro).

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