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Livro Dieta EIM

DIETA EM ERROS INATOS DO METABOLISMO
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
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Coordenadoras

Ana Maria Martins


Beatriz Jurkiewicz Frangipani
Cecília Micheletti
Renata Bernardes de Oliveira

Protocolo Brasileiro de Dietas

Erros inatos do
metabolismo

2006

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Protocolo Brasileiro de Dietas: erros inatos do metabolismo
Copyright© 2006, Segmento Farma Editores Ltda.

Proibida a reprodução total ou parcial desta obra.


Todos os direitos desta edição estão reservados aos autores.

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)

MARTINS, Ana Maria


M386e Protocolo Brasileiro de Dietas: Erros Inatos do Metabolismo /
Coordenadoras Ana Maria Martins, Beatriz Jurkiewicz Frangipani, Cecília Micheletti,
Renata Bernarde de Oliveira – São Paulo : Segmento Farma, 2006.

120 p. : il. : 21 x 28 cm.

ISBN 85.98353-59-0
Vários colaboradores.

1. Erros inatos do metabolismo. 2. Protocolo Brasileiro de Dietas. I. Título.

CDD 617.8

Índices para catálogo sistemático


1. Erros inatos do metabolismo 617.8
2. Protocolo Brasileiro de Dietas 617.8

IMPRESSO NO BRASIL
2006

Rua Cunha Gago, 412, 2o andar, cj. 21, Pinheiros – 05421-001 – São Paulo, SP. Fone: 11 3039-5669 • www.segmentofarma.com.br • [email protected]
Diretor geral: Idelcio D. Patricio Diretor executivo: Jorge Rangel Controller: Antônio Carlos Alves Dias Diretor médico: Dr. Marcello Pedreira Desenvolvimento de projetos: Cristiana Bravo Diretor
editorial: Maurício Domingues Gerente de negócios: Marcela Crespi Gerente de marketing: Rodrigo Mourão Coordenadora editorial: Caline Devèze Assistente editorial: Fabiana Souza Projeto
gráfico: Almir Roberto Diagramação: Renata Carvalho Variso Revisão: Lia Ando e Isabel Baio Produção gráfica: Andre Mendonça e Fabio Rangel Cód. da publicação: 3052.10.06

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Coordenadoras

Ana Maria Martins


Professora do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina
(Unifesp/EPM), especialista em genética clínica pela Sociedade Brasileira de Genética Clínica (SBGC), pós-
doutorada em Pediatric Genetic Fellow pela University of California, em San Diego, Estados Unidos, diretora do
Centro de Referência em Erros Inatos do Metabolismo (Creim) da Unifesp/EPM e superintendente do Instituto
de Genética e Erros Inatos do Metabolismo (Igeim)

Beatriz Jurkiewicz Frangipani


Nutricionista formada no Centro Universitário São Camilo, em São Paulo-SP, responsável pelo treinamento em tra-
tamento nutricional de fenilcetonúria do Programa de Triagem Neonatal do Ministério da Saúde, nutricionista res-
ponsável pela Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de São Paulo e pelo Creim da Unifesp/EPM

Cecilia Micheletti
Médica formada na Unifesp/EPM, especialista em pediatria pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e pela
Associação Médica Brasileira (AMB), especialista em genética clinica pela SBGC, mestre em pediatria pela
Unifesp/EPM e diretora clínica do Creim da Unifesp/EPM

Renata Bernardes de Oliveira


Nutricionista formada na Universidade de Mogi das Cruzes, em São Paulo-SP, mestre em ciências aplicadas à
pediatria pela Unifesp/EPM e nutricionista do Creim da Unifesp/EPM

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Colaboradores

Ana Maria Martins


Professora do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina
(Unifesp/EPM), especialista em genética clínica pela Sociedade Brasileira de Genética Clínica (SBGC), pós-
doutorada em Pediatric Genetic Fellow pela University of California, em San Diego, Estados Unidos, diretora do
Centro de Referência em Erros Inatos do Metabolismo (Creim) da Unifesp/EPM e superintendente do Instituto
de Genética e Erros Inatos do Metabolismo (Igeim) da Unifesp/EPM

Beatriz Jurkiewicz Frangipani


Nutricionista formada no Centro Universitário São Camilo, em São Paulo-SP, responsável pelo treinamento em tra-
tamento nutricional de fenilcetonúria do Programa de Triagem Neonatal do Ministério da Saúde, nutricionista res-
ponsável pela Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de São Paulo e pelo Creim da Unifesp/EPM

Carlos Eduardo Speck Martins


Formado em medicina pela Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA), com
residência médica em pediatria pelo Hospital Presidente Vargas, em Porto Alegre-RS, e em genética médica pelo
Hospital de Clínicas de Porto Alegre, mestre em ciências da saúde pela Universidade de Brasília (UnB), doutor
em ciências da saúde pela UnB e chefe do Setor de Genética Médica do Hospital SARAH de Brasília

Carlos Eduardo Steiner


Médico formado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), com residência em genética médica, especialista
em genética clínica pela SBGC, com mestrado e doutorado em genética pela Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp), professor doutor do Departamento de Genética Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Uni-
camp, responsável pelo Ambulatório de Erros Inatos do Metabolismo do Hospital de Clínicas da Unicamp

Carolina Fischinger Moura de Souza


Médica especialista em genética clínica, doutora em biologia molecular, responsável pelo Serviço de Infor-
mações sobre Erros Inatos do Metabolismo (Siem) do serviço de genética médica do Hospital das Clínicas da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

Cecilia Micheletti
Médica formada na Unifesp/EPM, especialista em pediatria pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e pela
Associação Médica Brasileira (AMB), especialista em genética clinica pela SBGC, mestre em pediatria pela
Unifesp/EPM e diretora clínica do Creim da Unifesp/EPM

Cristina Lagreca
Nononononono

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Daniela Faroro Giovannetti
Geneticista responsável pelo Ambulatório de Fenilcetonúria do Serviço de Referência em Triagem Neonatal
(SRTN) do Centro Integral de Pesquisa Oncohematológica da Infância (Cipoi) da Unicamp, docente do Serviço de
Genética Médica da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCamp), com mestrado em erros inatos
do metabolismo pela Unicamp

Eugênia Ribeiro Valadares


Professora adjunta do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), especialista
em genética clínica e genética bioquímica pela SBGC e coordenadora do Laboratório e do Ambulatório de Erros
Inatos do Metabolismo do Hospital das Clínicas da UFMG

Helena Maria Pimentel


Médica geneticista com especialização em genética clínica, assessora médica do Serviço de Triagem Neonatal
da Apae de Salvador e assessora do Ministério da Saúde em triagem neonatal

Jaime Moritz Brum


Médico patologista e clínico, titulado pela Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/
ML), responsável técnico pelo Laboratório de Genética Bioquímica da Rede SARAH de Hospitais de Reabilitação
desde 1988, doutor em patologia molecular pela UnB, professor e orientador do Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Reabilitação do Centro SARAH de Formação e Pesquisa

Juliana Gurgel Giannetti


Professora adjunto do Departamento de Pediatria da UFMG, Doutora em Neurologia pela Universidade de São
Paulo (USP), com pós-doutorado em neurologia pela Columbia University, Estados Unidos

Lília Farret Refosco


Nutricionista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, nutricionista do Siem e do Ambulatório de Tratamento Erros
Inatos do Metabolismo, mestre em bioquímica pela UFRGS

Luiz Carlos Santana da Silva


Doutor em bioquímica pela UFRGS, professor adjunto III do Centro de Ciências Biológicas da Universidade Fede-
ral do Pará (UFPA), chefe do Laboratório de Erros Inatos o Metabolismo da UFPA e membro do Comitê Científico
da Aliança Brasileira de Genética (ABG)

Márcia Regina Banin


Nutricionista da Divisão de Nutrição e Dietética do Hospital das Clínicas da Unicamp, especialista em administra-
ção hospitalar e em administração de unidades de alimentação e nutrição de refeições coletivas, mestranda em
saúde da criança e do adolescente pela Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, nutricionista responsável
pela Enfermaria de Pediatria do Ambulatório de Erros Inatos de Metabolismo e Hepatologia Pediátrica do Hospital
das Clínicas da Unicamp

Marcos José Burle de Aguiar


Professor adjunto do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG, coordenador do Serviço
Especial de Genética do Hospital das Clínicas da UFMG e coordenador do Ambulatório de Fenilcetonúria do Pro-
grama Estadual de Triagem Neonatal de Minas Gerais

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Maret Holanda Rand
Médica Pediatra com residência no Instituto Materno-Infantil Professor Fernando Figueira (Imip), em Recife-PE, e
residência em Neuropediatria na Unifesp/EPM, com Mestrado em Neurologia pela Unifesp/EPM, Neuropediatra da
Apae de São Paulo, do Igem da Unifesp/EPM e do Hospital Professor Edmundo Vasconcelos, em São Paulo-SP

Maria Efigênia de Queiroz Leite


Pós-graduanda em nutrição clínica pelo Grupo de Apoio em Nutrição Enteral e Parenteral (Ganep), nutricionista
pesquisadora do Centro de Pesquisa Fima Lifshtiz da Universidade Federal do Bahia (UFBA), nutricionista do Ser-
viço de Referência em Triagem Neonatal da Apae de Salvador, professora da disciplina dietoterapia em pediatria
da Faculdade de Tecnologia e Ciências

Paula Regla Vargas


Médica, mestre em pediatria e especialista em endocrinologia pediátrica, assessora técnica em triagem neo-
natal do Ministério da Saúde, coordenadora do Serviço de Referência em Triagem Neonatal do Estado do Rio
Grande do Sul

Renata Bernardes de Oliveira


Nutricionista formada na Universidade de Mogi das Cruzes, em São Paulo-SP, mestre em ciências aplicadas à
pediatria pela Unifesp/EPM e nutricionista do Creim da Unifesp/EPM

Ricardo Flores Pires


Médico formado na Faculdade de Medicina da UFRGS, especialista em genética clínica pelo Serviço de Genética
Médica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, mestre em bioquímica pela UFRGS e membro titular da SBGC

Sandra Obikawa Kyosen


Médica formada na Faculdade de Medicina de Catanduva, especialista em pediatria pela SBP e pela AMB, espe-
cialista em genética clínica pela SBGC, médica assistente do Creim da Unifesp/EPM

Simone
Nononono

Viviane Kanufre
Coordenadora clínica da Unidade Funcional do Serviço de Nutrição e Dietética do Hospital das Clínicas da UFMG,
nutricionista do Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico (Nupad) da Faculdade de Medicina da UFMG,
mestre em ciências da saúde na área de saúde da criança e do adolescente pela Faculdade de Medicina da UFMG

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Prefácio

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Sumário

INTRODUÇÃO ....................................................................................................13

CAPÍTULO 1 Fenilcetonúria .................................................................... 17

CAPÍTULO 2 Tirosinemia ........................................................................ 29

CAPÍTULO 3 Homocistinúria .................................................................. 37

CAPÍTULO 4 Doenças do ciclo da uréia (DCU) ..................................... 45

CAPÍTULO 5 Leucinose: doença do xarope de bordo .......................... 53

CAPÍTULO 6 Acidemias propiônica, metilmalônica e isovalérica .......... 59

CAPÍTULO 7 Acidúria glutárica tipo I ...................................................... 67

CAPÍTULO 8 Glicogenoses .................................................................... 71

CAPÍTULO 9 Galactosemia .................................................................... 81

CAPÍTULO 10 Frutosemia ......................................................................... 89

CAPÍTULO 11 Adrenoleucodistrofia ligada ao X ...................................... 97

CAPÍTULO 12 Defeito de oxidação de ácidos graxos ........................... 101

CAPÍTULO 13 Deficiência do complexo piruvato desidrogenase ......... 113

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Introdução

As doenças metabólicas hereditárias (DMH) são Desde a introdução da dieta da fenilcetonúria,


causadas por erros inatos do metabolismo (EIM) e em 1953, por Bickel, sabe-se que, se o tratamento
resultam de defeitos em enzimas ou transporte de é instituído precocemente, antes de o quadro clí-
proteínas. Existem mais de 500 doenças descritas, nico se estabelecer, o prognóstico para o paciente
que são raras isoladamente, mas em conjunto têm com um EIM é melhor. Isso é válido para todas as
uma freqüência de 1/2.500 nascidos vivos. doenças que necessitam de terapêutica dietética. O
As manifestações clínicas podem ter início desde a diagnóstico de EIM deve ser pensado em berçários e
vida embrionária até a partir da quinta década de vida, unidades de terapia intensiva pediátricas diante de
com predomínio de aparecimento na faixa pediátri- qualquer caso com intoxicação aguda, sem fator de
ca. O quadro clínico é variável e pode ser classificado risco e, principalmente, se houver consangüinidade
(Saudubray e Charpentier, 1995; Saudubray et al., entre os pais ou história de irmãos ou irmãs afetados.
2000) em três grandes grupos, descritos na tabela 1. Essa medida pode salvar a vida de muitos pacientes
A maior concentração de doenças que necessitam com EIM que são passíveis de tratamento, modifi-
de terapêutica dietética está no grupo 2, com poucos cando assim a vida do paciente e seus familiares.
exemplos nos outros grupos. Os sinais e sintomas
são um alerta para se pensar na etiologia de um erro
inato do metabolismo e constituem um quadro de Mecanismo de herança
intoxicação aguda caracterizado por vômitos, desi-
Herança autossômica recessiva
dratação, acidose metabólica, alcalose respiratória,
Os EIM de herança autossômica recessiva afetam
hipoglicemia, hiperglicemia, hepatomegalia, icterí-
igualmente ambos os sexos. Só ocorre em homozigo-
cia, hiperamonemia, letargia e coma, entre outros.
tos, ou seja, indivíduos que têm dois genes mutantes
Tabela 1. Classificação clínica dos erros
em um determinado locus cromossômico. Se um gene
inatos do metabolismo. normal estiver presente em um dos loci, ele previne o
Grupos Características Doenças
aparecimento da doença e o indivíduo é normal.
Grupo 1 Dessa forma, para herdar a doença, o afetado tem
Sinais e sintomas
Defeito síntese/ Doenças lisossomiais
catabolismo de
permanentes e
e peroxissomiais
que receber um alelo mutante tanto do seu pai quan-
progressivos
moléculas complexas to da sua mãe. Estes geralmente são normais e são
Grupo 2 Aminoácidos; ácidos
Defeito no Intoxicação orgânicos; ciclo da
denominados portadores, porque apresentam o alelo
metabolismo aguda e crônica uréia e intolerância mutante em heterozigose.
intermediário aos açúcares
Doenças de depósito
Como existem muitas mutações descritas nos ge-
Metabolismo
de glicogênio; nes de cada enzima que possa ser deficiente, o mais
Grupo 3 hiperlacticemias
intermediário de
Defeito na produção/
fígado, músculo
congênitas; doenças comum é que um paciente apresente dois alelos mu-
utilização de energia mitocondriais e
ou cérebro
defeito de β-oxidação tantes (duas mutações do gene) diferentes entre si.
de ácidos graxos
A probabilidade de os dois alelos mutantes serem

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Protocolo Brasileiro de Dietas

idênticos é maior quando existe consangüinidade mais, o alelo normal do pai e o alelo mutante da mãe
entre os genitores. Esse é o tipo de herança apresen- ou o alelo mutante do pai e o alelo normal da mãe.)
tada pela maioria dos EIM.
Paciente com deficiência enzimática de
Herança ligada ao X herança autossômica recessiva

Os EIM de herança ligada ao X afetam mais pacien- Exemplo de fenilcetonúria


tes do sexo masculino, pois as mulheres heterozigotas Com a disseminação da triagem neonatal e do trata-
são, em geral, assintomáticas ou oligossintomáticas. mento da fenilcetonúria, pacientes com fenilcetonú-
ria têm chance de ter filhos. Como eles apresentam o
Herança mitocondrial alelo mutante em homozigose, todos os seus gametas
Doenças determinadas por mutações no ácido deso- terão um alelo mutante e, assim, o estado de seu filho
xirribonucleico (DNA) mitocondrial, nas quais as dependerá do estado do parceiro.
mitocôndrias são transmitidas ao feto pelo óvulo, ou Caso o parceiro tenha ambos os alelos normais, to-
seja, a transmissão é apenas materna. Quando a mãe dos os filhos serão portadores, já que eles obrigatoria-
é portadora da mutação, o comprometimento de fi- mente herdarão o alelo mutante do afetado. Se o par-
lhos será de ambos os sexos. ceiro for portador, o filho do casal terá 50% de chance
de ser afetado e 50% de chance de ser portador.
Risco de recorrência Se o paciente com deficiência de fenilalanina
hidroxilase for do sexo feminino, além dos riscos
Herança autossômica recessiva já citados, haverá também risco para fenilcetonú-
ria materna. A fenilcetonúria materna é um quadro
Pais de um afetado
de ruptura, ocasionado pelos efeitos teratogênicos
Quando um casal sadio tem um filho com deficiên-
da hiperfenilalaninemia. A fenilalanina atravessa
cia de uma enzima de herança autossômica recessi-
a placenta e afeta o desenvolvimento do feto. As
va, pode-se concluir que ambos são portadores. Cada
manifestações observadas mais freqüentemente após
um deles tem uma chance de 50% de passar, por
o nascimento são: cardiopatia congênita, atraso de
meio do seu gameta, o gene mutante para um filho
crescimento no pré e pós-natal, microcefalia e retar-
futuro. Assim, a probabilidade de o filho herdar si-
do mental. Para minimizar os seus riscos, é necessá-
multaneamente os dois genes mutantes e, portanto,
rio que a mulher esteja com níveis baixos de fenila-
ser afetado é de 25% em cada gravidez.
lanina nos períodos periconcepcional e pré-natal.
Irmãos de um afetado Se ambos os parceiros forem afetados pela defi-
Cada irmão de um paciente com deficiência de uma ciência da fenilalanina hidroxilase, o risco para fi-
enzima de herança autossômica recessiva tem, ao nas- lhos será de 100%. Ambos só produzirão gametas
cer, 25% de chance de ser igualmente afetado (homo- com alelos mutantes. Também nesse caso persistem
zigoto), 50% de chance de ser portador (de um alelo os riscos da fenilcetonúria materna.
mutante) e 25% de chance de ter os dois alelos nor-
mais. Dessa forma, um indivíduo sadio, irmão de um Herança ligada ao X
afetado, tem dois terços de chance de ser portador, Se a mãe for portadora da mutação, o risco de recor-
como um de seus genitores. (Observe que ele é sadio, rência a cada gestação é de 50% para filhos do sexo
portanto, foi excluída a hipótese de ser afetado, restan- masculino e 50% para as filhas serem portadoras e
do, então, as três outras alternativas: dois alelos nor- passarem a seus filhos.

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Introdução

Herança mitocondrial 3. Physicians guide to the laboratory diagnosis of meta-


bolic diseases. Second edition, Springer-Velarg, Ger-
O risco de recorrência a cada gestação é de pratica- many, 2003.
mente 100% se a mãe é portadora da mutação. 4. Martins, A . M. , Micheletti, C., D’Almeida, V., Frangipani,
B.J. – Erros Inatos do Metabolismo Abordagem Clínica
Bibliografia - 2ª edição – 2003.

1. Saudubray, J.M.; Baulny, H.O.; Charpentire, C. in Fernandes, 5. Zschocke, J.; Hoffmann, G.F. – Vademecum metabolicum
J Saudubray, J.M. Van den Berghe, G. – Inborn Metabolic – Manual of Metabolic Paediatrics- 2nd edition – 2004.
Diseases Diagnosis and treatment – 3rd edition - 2000.
6. Applegarth DA, Toone JR, Louvry B – Lucidence of en-
2. Scriver , C.R. Beaudet, L. Sly, W.S. and Valle, D. - The Me- born errors of metabolism in British Columbia, 1969 -
tabolic and Molecular Bases of Inherited Disease, 2001. 1996. Pediatrics, 105 (1), p. e 10, 2000.

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Capítulo 1

Fenilcetonúria

Introdução cos precoces e instituir a dieta restritiva. Ficou bem


estabelecido que existe uma relação inversa entre o
A fenilcetonúria foi inicialmente estudada por
QI da criança afetada e a idade de início da dieta.
Asbjörn Fölling em 1934, a partir das observações de
No Brasil, o primeiro programa de triagem foi
dois irmãos com retardo mental, que apresentavam
iniciado em 1976 por iniciativa do médico Benjamin
odor característico na urina.
Schmit, em São Paulo, tornando-se, posteriormente,
As amostras de urina foram estudadas e, em con-
prática em vários outros estados e países da América
tato com cloreto férrico, tornavam-se verdes. Fölling
Latina. Em 2001, foi implantado o Programa Nacio-
provou, por meio da química orgânica, que a subs-
nal de Triagem Neonatal.
tância excretada na urina era ácido fenilpirúvico.
A fenilcetonúria é uma doença metabólica que
Mais testes foram feitos e os mesmos resultados
resulta da deficiência da enzima fenilalanina hidro-
foram encontrados em outras crianças. Com base
xilase hepática, que converte o aminoácido fenilala-
nesses achados, Fölling publicou seu primeiro traba-
nina em tirosina, a qual é precursora da dopamina e
lho no qual sugere uma doença causada por defeito da noradrenalina. A chamada fenilcetonúria clássica
hereditário no metabolismo da fenilalanina, associa- tem uma incidência internacional média de 1/11.000
do a retardo mental. nascidos vivos e tem herança autossômica recessiva.
Jervis, em 1947, sugeriu que o erro metabólico em
fenilcetonúria era a inabilidade de converter a fenilala-
nina em tirosina. Ao administrar fenilalanina em pes- Metabolismo da L-fenilalanina
soas normais, ocorria aumento da tirosina sangüínea. A L-fenilalanina é um aminoácido nutricionalmente
Nos portadores de fenilcetonúria isso não ocorria. essencial e indispensável à síntese protéica em tecidos
Em 1953, Bickel et al. concluíram que uma dieta de mamíferos. Apenas uma proporção de sua ingesta
pobre em fenilalanina iniciada nos primeiros meses normal é usada para a síntese de proteínas; a maior
de vida poderia prevenir o retardo mental. Esse tra- parte é oxidada primariamente em tirosina e uma por-
tamento teve como conseqüência não só a redução ção menor, em outros metabólitos, primariamente o
do nível de fenilalanina sérica e o desaparecimento ácido fenilpirúvico. A L-fenilalanina é convertida à
do ácido fenilpirúvico na urina, mas também a me- tirosina pela enzima fenilalanina hidroxilase (PAH),
lhora comportamental e do desempenho. tendo como co-fator a tetraidrobiopterina (BH4).
Os primeiros programas de triagem com cloreto A PAH consiste em dois componentes protéicos,
férrico foram iniciados na Califórnia (1957) e na um dos quais é lábil e só encontrado no fígado, en-
Grã-Bretanha (1959). Em 1963, Guthrie e Susi in- quanto o outro é estável, observado em vários ou-
troduziram um método de triagem para determinação tros tecidos, contendo uma pteridina como co-fator.
de fenilalanina em pequenas amostras de sangue. A O componente lábil do sistema enzimático é o que
partir desse teste foi possível estabelecer diagnósti- está afetado na fenilcetonúria. O co-fator pterina é

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Protocolo Brasileiro de Dietas

reciclado para a função como um catalisador na en- de lipídeos associados à mielina (Tourian e Sidbury,
zima de hidroxilação, uma rota que requer a ação da 1983). Estudos feitos com imagens obtidas por meio
proteína de estimulação da PAH. Interações entre a de ressonância nuclear magnética (RNM de crânio)
enzima PAH, seu substrato e o co-fator contribuem confirmaram os achados neuropatológicos anteriores,
para a homeostase da fenilalanina. tais como áreas de vacuolização ou desmielinização de
A reação de hidroxilação da L-fenilalanina en- substância branca (Shah et al., 1990).
volve quantidades eqüimoleculares de L-fenilala- A redução de mielina tem sido amplamente do-
nina, BH4 e oxigênio, sendo os produtos tirosina, cumentada em pacientes fenilcetonúricos não-tra-
diidrobiopterina quinonóide (qBH2) e água. A dii- tados e em modelos animais da doença. Os exames
drobiopterina redutase (DHPR) é a enzima que ca- de RNM têm demonstrado graves anormalidades
talisa a regeneração do BH4 (Figura 1). Essa reação é compatíveis com desmielinização nas áreas parietoc-
dependente de NADH (Scriver e Clow, 1980). cipital, frontal e subcortical (Weglage et al., 2000).
Além da deficiência de mielinização, a anatomia pa-
O2 + L-fenilalanina BH4 NAD+ ou NADP+ tológica da fenilcetonúria inclui gliose e redução da
arborização dendrítica (Scriver et al., 1995).

1 2 Quadro clínico
Tanto a deficiência da enzima PAH quanto o defeito
H2O+ tirosina qBH2 NADH ou NADPH
do seu co-fator BH4 promoverão o aumento da L-fe-
nilalanina e seus metabólitos secundários no sangue
Figura 1. Reação de oxidação da fenilalanina
hidroxilase (scriver). (1): fenilalanina e nos tecidos, levando aos principais sinais e sinto-
hidroxilase; (2): diidrobiopterina mas da doença que podem se manifestar em maior ou
redutase; BH4: tetraidrobiopterina;
qBH2: diidrobiopterina quinonóide. menor intensidade. São eles: atraso no desenvolvi-
mento neuropsicomotor, hiperatividade, convulsões,
alterações cutâneas como eczema, comportamento
Fisiopatologia agressivo (auto e heteroagressão) ou tipo autista,
A hiperfenilalaninemia é acompanhada por uma re- hipotonicidade muscular, tremores, microcefalia,
dução nos níveis cerebrais da tirosina e outros ami- hipoplasia dentária, descalcificação de ossos longos,
noácidos essenciais, causando um distúrbio no siste- retardo de crescimento, anormalidades no eletroen-
ma de síntese protéica (Hommes, 1989) e alterações cefalograma (tipo hipsarritmia), odor característico
no processo de mielinização (Berger et al., 1980). A na urina e suor e sinais extrapiramidais (Jervis, 1937;
inibição da captação de aminoácidos neutros pelo Fois et al., 1955; Paine, 1957; Nyhan, 1979; Pietz et
tecido nervoso por competição na barreira hemato- al., 1993; Scriver, 1995). O grau de retardo mental e
encefálica é um mecanismo que pode estar envolvido lesão neurológica está diretamente relacionado aos
na toxicidade da L-fenilalanina (Hommes, 1989). níveis de L-fenilalanina e também correlaciona-se
Exames realizados em pacientes fenilcetonúricos com a idade de início de tratamento.
revelaram redução no peso do cérebro (Alvord et al., No entanto, pacientes que têm diagnóstico pre-
1950), retração nas ramificações dendríticas das cé- coce e são tratados adequadamente também podem
lulas piramidais e redução de espinhas dendríticas no apresentar algum déficit, principalmente no desen-
córtex (Bauman e Kemper, 1982), alteração na subs- volvimento de aptidões específicas como atenção e
tância branca (Shah et al., 1972) e menor quantidade percepção. Isso determina a necessidade da conti-

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Fenilcetonúria

nuidade da dieta, com controle rígido durante toda a mediante amostra em papel-filtro, soro, sangue total
vida para minimizar esses efeitos. ou urina (de acordo com a metodologia empregada
Em pacientes adultos que não fazem restrição no laboratório especializado). Os casos confirmados
dietética de L-fenilalanina, são encontrados alguns devem, então, ser encaminhados para tratamento e
sintomas como: aumento da incidência de depres- investigações adicionais em serviços de referência.
são, sintomas variados de ansiedade, agorafobia e di- O diagnóstico é feito pela detecção de altos níveis
ficuldades psicossociais, entre outros. Esses sintomas sangüíneos de L-fenilalanina, por meio de métodos
psiquiátricos não são relacionados com o controle qualitativos (semiquantitativos), como o teste de
dos níveis de fenilalanina. Por outro lado, o QI e as Guthrie e a cromatografia de aminoácidos em camada
medidas de funções executivas, que representam ca- delgada, ou métodos quantitativos, como a análise flu-
racterísticas cognitivas, apresentam correlação com orimétrica e a espectrometria de massa em tandem.
o controle metabólico. Mesmo aumentos transitó- A hiperfenilalaninemia é definida por níveis plas-
rios da concentração de L-fenilalanina no soro po- máticos de L-fenilalanina acima de 120 µM/l (2 mg/dl).
dem dar origem a déficits cognitivos transitórios. Também pode ser definida como a razão fenilalanina/
Nos pacientes que têm deficiência de BH4 ob- tirosina sangüínea persistentemente maior que 3 (a va-
servam-se deficiência mental grave, convulsões, ir- riação normal é de 0,87 a 0,92).
ritabilidade e sinais do tipo parkinsonismo. Como o Podem-se classificar as hiperfenilalaninemias em:
co-fator BH4 é também necessário para a conversão
da tirosina em diidroxifenilalanina e de triptofano a) fenilcetonúria clássica ou hiperfenilalaninemia
em 5-hidroxitriptofano, precursores da dopamina, as maligna: níveis de fenilalanina maiores que 20
manifestações clínicas são mais graves que na fenil- mg/dl (1.200 µM/l) e atividade enzimática prati-
cetonúria clássica e não são corrigidas pela restrição camente inexistente;
dietética da fenilalanina. b) fenilcetonúria leve: níveis de fenilalanina maio-
O quadro clínico apresentado na fenilcetonúria res que 10 mg/dl (600 µM/l) e atividade enzimá-
materna é caracterizado por baixo peso de nascimen- tica inferior a 1%;
to, microcefalia, retardo mental, retardo de cresci-
c) hiperfenilalaninemia persistente benigna ou perma-
mento pós-natal, agenesia/hipoplasia de corpo calo-
nente: níveis de fenilalanina entre 2 e 6 mg/dl (120 e
so, cardiopatia congênita de complexidade variável
360 µM/l). A literatura científica é controversa quan-
e dismorfias faciais (filtro longo, lábio superior curto,
to ao tratamento de pacientes com níveis de fenilala-
epicanto e fendas palpebrais pequenas (Schimdt et
nina entre 6 e 10 mg/dl; se estes valores são constan-
al., 1987). Outras anomalias menos freqüentes são
tes, parece que podem ser prejudiciais ao desempenho
estenose pilórica, gastrosquise e pé torto congênito.
intelectual do paciente. Para as meninas com valores
acima de 6 mg/dl, mesmo que não tenham sido trata-
Diagnóstico das com dieta, vão precisar fazê-lo, se engravidarem,
pelo risco de comprometimento do feto.
O diagnóstico deve ser preferencialmente realiza-
do no período neonatal, antes do aparecimento dos d) hiperfenilalaninemia transitória: níveis de feni-
sintomas, já que a lesão neurológica é irreversível. lalanina entre 2 e 10 mg/dl (120 e 600 µM/l) e
O teste de triagem neonatal deve ser coletado após atividade enzimática superior a 5%. Ocorre pela
as primeiras 48 horas de vida, ou seja, após o início imaturidade temporária da enzima PAH, leva a
da alimentação com proteínas. Os resultados altera- aumento discreto da L-fenilalanina, que regride
dos devem ser confirmados em uma segunda coleta após algumas semanas de vida, e geralmente se

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Protocolo Brasileiro de Dietas

relaciona à prematuridade, ao uso de algumas dro- outras se associam a formas leves, como as hiperfe-
gas, como metotrexato e trimetropima, às doen- nilalaninemias permanentes. Assim, conhecendo-
ças renais ou ainda a uma resposta inflamatória; se o genótipo do paciente, logo após o diagnóstico,
e) deficiência de tetraidrobiopterina (BH4): deter- podem-se fazer algumas previsões em relação ao seu
minada pela deficiência do co-fator BH4 necessá- prognóstico e planejar melhor o seu tratamento.
rio para a ativação da PAH; Outro benefício do estudo das mutações é a pos-
sibilidade de identificação de portadores entre fa-
f) fenilcetonúria materna: os altos níveis de fenilala-
miliares de afetados e o diagnóstico pré-natal. No
nina são teratogênicos para o feto, mesmo que ele
entanto, é preciso alertar que o diagnóstico pré-na-
não tenha a doença. As mulheres portadoras de
tal de uma doença passível de tratamento com um
fenilcetonúria e aquelas com hiperfenilalaninemia
bom prognóstico levanta questões éticas ainda não
persistente devem ser submetidas à restrição die-
resolvidas mesmo nos países em que o diagnóstico
tética rigorosa de fenilalanina, iniciada três meses
pré-natal é rotineiro.
antes da concepção e mantida até o parto.
Ainda não há um quadro bem estruturado das mu-
tações mais freqüentes no Brasil, pois um pequeno
número de trabalhos foi desenvolvido nesse sentido
Mutações
e poucos pacientes foram estudados. Cerca de 200
O gene que codifica a síntese da fenilalanina hidro- pacientes de São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande
xilase está localizado no braço longo do cromossomo do Sul e Minas Gerais foram estudados até o mo-
12, no locus 12q22-24.1. Abrange cerca de 90 Kb e mento. Entre esses pacientes as mutações mais fre-
tem 13 éxons. Já foram descritas mais de 440 muta- qüentes foram: R261Q, I65T, IVS10nt11, V388M,
ções nesse gene. A maioria dessas mutações é patogê- R252W, R261X, R408W, IVS2nt5. Foi observada
nica, no entanto, algumas são não-patogênicas. Essas também uma variação regional importante. Para que
mutações estão distribuídas de maneira não-uniforme se possa conhecer as mutações mais freqüentes no
no mundo, e apenas um número limitado delas está Brasil, é necessário que se estudem mais pacientes
presente em diferentes populações. As mutações que nas diversas regiões.
já foram descritas e as que vão sendo descritas podem
ser encontradas no site http://www.mcgill.ca/pahdb.
O grande número de mutações possíveis no gene, Identificação de portadores
associado ao fato de que, na maioria, os afetados são Embora ainda não realizada rotineiramente, a iden-
heterozigotos compostos (apresentam dois alelos tificação de portadores para familiares em risco já é
mutantes diferentes e, portanto, duas mutações di- possível, utilizando três métodos: análise de DNA,
ferentes), explica a grande variabilidade clínica das estudos de ligação e testes bioquímicos.
hiperfenilalaninemias.
Embora o controle do tratamento não possa ser
feito pela determinação da mutação ou mutações Tratamento dietoterápico
apresentadas pelo paciente e sim pela sua tolerân- O tratamento da fenilcetonúria é por toda a vida.
cia à fenilalanina e pelos níveis de fenilalanina plas- Estudos demonstraram que pacientes que suspende-
mática, o estudo das mutações é importante porque ram a dieta com 6 anos, 8 anos e 12 anos de idade
existe uma correlação entre mutação e fenótipo. manifestaram alterações neurológicas que se rever-
Algumas mutações associam-se a formas graves tiam quando os níveis de fenilalanina reduziam para
da doença, como a fenilcetonúria clássica, enquanto menos de 10 mg/dl.

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Fenilcetonúria

O tratamento consiste em uma dieta que ofere- Conseqüências da deficiência de fenilalanina


ça alimentos com baixo teor de fenilalanina, porém • Diminuição ou elevação dos níveis plasmáticos de
esta deve estar em quantidade suficiente para evitar fenilalanina, dependendo do estágio da deficiência.
uma síndrome carencial por se tratar de um amino-
• Deficiência de crescimento em crianças e perda
ácido essencial. Retiram-se da dieta alimentos ricos
de peso em adultos.
em proteína de origem vegetal e animal; frutas, ve-
getais e outros alimentos com baixo teor de proteína • Retardo mental a longo prazo.
são mantidos. A recomendação protéica não pode • Queda de cabelo.
ser atingida com alimentos naturais sem que haja
• Alterações nos precursores de células vermelhas
uma ingestão excessiva de fenilalanina. Proteínas
e anemia.
naturais contêm de 2,4% a 9% de fenilalanina.
A dieta deve ser suplementada com fórmulas meta- • Hipoproteinemia e aminoacidúria generalizada.
bólicas, que consistem em uma mistura de aminoácidos • Redução nos níveis plasmáticos de pré-albumina.
isenta de fenilalanina, utilizada para suprir a necessida-
de protéica da dieta, sendo a principal fonte de nitro- Tirosina
gênio, fornecendo aproximadamente 75% da proteína Prescrever tirosina na quantidade recomendada para
dietética. A dieta também deve ser suplementada com manter as concentrações plamáticas em níveis acei-
tirosina em 100 a 120 mg/kg/dia, o total de aminoáci- táveis de tratamento. Valores de tirosina dietética
dos deve ser no mínimo de 3 g/kg/dia em crianças com abaixo do recomendado devem ser suplementados
menos de 2 anos e deve-se manter em 2 g/kg/dia em
após dosagem dos níveis plasmáticos.
crianças com idade acima de 2 anos (MRC, 1993).
As fórmulas metabólicas devem ser utilizadas de Conseqüências da deficiência de tirosina

acordo com a faixa etária e o peso, objetivando atingir A deficiência de tirosina ocasiona diminuição na
as recomendações de proteína em micronutrientes. síntese de dopamina e noradrenalina.

Proteína
Condutas da prescrição dietética
A recomendação de proteína é maior do que as re-
Fenilalanina comendações da Dietary Reference Intakes (DRIS),
quando a maior fonte protéica provém de L-aminoáci-
A recomendação de fenilalanina é individualizada, va-
dos, em razão da rápida absorção, rápido catabolismo
riando de paciente para paciente. Depende da atividade
e possível decréscimo na absorção total dos amino-
enzimática, idade, velocidade de crescimento e estado
ácidos. A maior parte da proteína da dieta (aproxi-
de saúde. A recomendação, de acordo com a faixa etá-
madamente 75%) deve ser suprida por fórmula de
ria, pode variar, sendo maior (20 a 50 mg/kg/dia) nos
aminoácidos enriquecida de vitaminas e minerais. O
primeiros meses de vida e declinando posteriormente
substituto da proteína dever ser dado, no mínino, três
com a diminuição da velocidade de crescimento. Ajus-
vezes ao dia; porém, o maior fracionamento, cinco
tes semanais nos primeiros seis meses podem ser neces-
vezes ao dia, promove níveis mais estáveis de feni-
sários com base no crescimento, no desenvolvimento e
lalanina. Deve ser dado preferencialmente com um
nos níveis plasmáticos de fenilalanina.
alimento natural que contenha fenilalanina.
No diagnóstico, havendo possibilidade, deve-se
excluir a fenilalanina da dieta (leite materno ou fór- Conseqüências da deficiência de proteínas
mula infantil) por um curto período de tempo para Déficit de crescimento em crianças e perda de peso
rápida queda dos níveis plasmáticos. em adultos.

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Protocolo Brasileiro de Dietas

• Osteopenia. Deficiências relacionadas à dieta

• Diminuição na concentração de pré-albumina. • Déficit de crescimento.

• Perda de cabelo. • Osteopenia e osteoporose.

• Diminuição na tolerância de fenilalanina. • Baixos níveis séricos de colesterol e triglicérides.


• Arritmia cardíaca decorrente da deficiência de
Gorduras selênio.
A dieta apresenta deficiência em ácidos graxos essen-
• A deficiência de tirosina ocasiona déficit na pro-
ciais da família dos ômegas 3 e 6, como: araquidôni- dução de dopamina e noradrenalina.
co (AA) e docosahexanóico (DHA). Considerando
a importância desses ácidos graxos e das estruturas Tratamento no período de
de tecidos como retina e cérebro, deve-se manter a descompensações: infecções,
razão de 1:15 para formação de araquidônico (AA) e cirurgias, jejum (catabolismo)
docosahexanóico (DHA).
• Reduzir a ingestão de fenilalanina em 25%.
Energia • Aumentar a ingestão de energia com utilização
A recomendação energética deve ser suficiente para de polímeros de glicose.
manter adequado ganho de peso em crianças e ma-
• Aumentar a ingestão de fórmula metabólica para
nutenção de peso em adultos. A recomendação de
maior síntese protéica.
energia pode estar aumentada quando aminoácidos
• Manter hidratação adequada.
são a maior fonte de proteína da dieta.
Calorias inadequadas resultam em déficit de cres-
Prescrição dietética
cimento em crianças, perda de peso em adultos e
catabolismo protéico, elevando assim os níveis de No início do tratamento, o leite materno deve ser
fenilalanina. mantido como fonte de fenilalanina, associado à fór-
mula metabólica, que será oferecida em mamadeira.
Vitaminas e minerais A fenilalanina deve ser excluída da dieta por um
As fórmulas metabólicas são suplementadas com curto período de tempo até atingir níveis no limite
vitaminas e minerais para suprir as necessidades superior recomendado para o tratamento. Para evitar
desses elementos traços, normalmente encontrados a deficiência de fenilalanina, deve-se fazer dosagem
nos alimentos ricos em proteínas. Devem ser suple- sangüínea diariamente, até que o nível plasmático de
mentados quando não atingirem as recomendações fenilalanina atinja a recomendação superior de trata-
nutricionais (DRIS). Apesar da suplementação, al- mento, para sua reintrodução, ou seguir a tabela 1.
guns pacientes podem apresentar algumas deficiên-
cias como: depleção de ferro, baixas concentrações Tabela 1. Tempo em que o leite materno deverá
ficar suspenso de acordo com os
de ferritina sérica, mas com concentrações de hemo- níveis de fenilalanina sérica
globina e eritrócitos normais, concentrações baixas Tempo em que o leite
de zinco e retinol. Esses nutrientes podem ter bai- µM/l mg/dl materno deverá ser
suspenso (horas)
xa biodisponibilidade por interagirem entre eles. A 650 < 1.210 10 < 20 48
possível razão para a absorção insuficiente do ferro 1.210 < 2.420 20< 40 72
seria sua interação com cálcio e sais de fósforo e alto ≥ 2.420 ≥ 40 96

teor de ácidos graxos insaturados na dieta. Fonte: Acosta PB e Yannicelli S, 1998.

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Fenilcetonúria

Nesse período deverá ser oferecida mamadeira Tabela 4. Volume estimado de produção
de leite materno de acordo com o
contendo a fórmula metabólica, isenta em fenilala- percentil de peso para a idade
nina, e completar as necessidades energéticas com
Idade Leite materno (ml) Leite materno (ml)
carboidrato e gordura. A mãe deverá utilizar bomba (meses) (percentil de peso = 50) (percentil de peso 5 e 95)
de sucção para garantir o suprimento de leite ma- 0,2 640 510-740
0,5 660 530-780
terno tão logo esteja liberado. Quando os níveis de
1 700 560-840
fenilalanina atingirem o valor desejado ou quando 2 750 610-920

não for possível suspender o leite materno por pou- 3 830 670-1.000
4 900 720-1.060
cos dias, utilizar a técnica descrita a seguir. 5 940 760-1.160
6 1000 790-1.200

Fonte: Greve LC e Wheeler MD, 1994.


A) Estabelecer a quantidade de fenilalanina a ser
prescrita na dieta de acordo com seus níveis séri-
D) O volume da mamadeira da fórmula metabólica
cos no diagnóstico (Tabela 2).
será definido pela subtração do volume total de
Tabela 2. Quantidade de fenilalanina a ser fornecida leite materno que a criança deveria ingerir (de
na dieta de acordo os níveis séricos acordo com o item C) do volume de leite reco-
Fal sérica Fal na dieta mendado (de acordo com o item B).
(µM/l) (mg/dl) (mg/kg) peso/dia
≤ 605 ≤ 10 70 E) A fórmula metabólica é oferecida na mamadeira e
> 605 ≤ 1.210 > 10 ≤ 20 55
a quantidade é calculada de acordo com a neces-
> 1.210 ≤ 1.815 >20 ≤ 30 45
sidade de proteína da criança (Tabelas 7 e 8). Do
> 1.815 ≤ 2.420 > 30 ≤ 40 35
> 2.420 > 40 25
total calculado, subtrai-se a quantidade de prote-
ína fornecida pelo leite materno e completa-se o
Fonte: Acosta PB e Yannicelli S, 1998.
restante com a fórmula metabólica.

B) Calcular o volume de leite materno recomendado F) A quantidade dos outros ingredientes da mama-
que deve ser oferecido para atingir a quantidade deira deverá ser prescrita para completar a ne-
de fenilalanina estabelecida na dieta. A tabela 3 cessidade calórica da criança de acordo com o
mostra o teor de fenilalanina no leite humano. recomendado para fenilcetonúricos (Tabela 8).
Essa fórmula deverá conter, além da fórmula me-
Tabela 3. Composição do leite humano em 100 ml tabólica, amido de milho, lipídeos e polímeros
Nutrientes Leite humano de glicose para se atingir a concentração calórica
Colostro Transição Maduro final em torno de 67 kcal/100 ml. Caso seja uti-
( 1 a 5 dias) ( 6 a 10 dias) (> 10 dias)
lizada uma fórmula metabólica nutricionalmente
Energia (kcal) 67 74 75
Proteína (g) 2,3 1,6 1,1
completa, não há necessidade de adicionar outros
Fenilalanina (mg) 104 63 41 ingredientes à mamadeira .
Fonte: Greve LC e Wheeler MD, 1994.
G) Orientar inicialmente a oferta do volume total de
mamadeira, dividida em oito vezes ao dia, de três
C) Verificar o volume total estimado de leite mater- em três horas, que deverá ser modificada de acor-
no de acordo com a idade e o percentil de peso da do com a introdução de novos alimentos, idade e
criança (Tabela 4). tolerância da criança.

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Protocolo Brasileiro de Dietas

H) Orientar a oferta do leite materno após a mamadeira D) Os carboidratos e os lipídeos serão prescritos
e em livre demanda no intervalo das mamadeiras. para atender à necessidade calórica da criança
(Tabela 8). A fórmula especial deverá conter
Acompanhamento amido de milho, sacarose e óleo vegetal, além
do substituto protéico.
A) Se os níveis séricos de fenilalanina estiverem
entre 2 e 6 mg/dl e a criança mantiver peso, es- E) A fórmula especial deverá conter concentração
tatura e perímetro cefálico adequados, a dieta calórica final de 67 kcal/100 ml, oferecida inicial-
deverá ser mantida. mente em intervalos de três horas. A freqüência das
mamadeiras deverá ser alterada de acordo com a in-
B) Se a dosagem de fenilalanina estiver ≥ 6 mg/dl,
trodução de novos alimentos, idade e tolerância.
recomenda-se aumentar o volume da mamadeira
com a fórmula metabólica em 25 ml do volume
total; se estiver com níveis acima de 10 mg/dl, au- Acompanhamento
menta-se o volume da mamadeira em 50% e pos- O volume, a composição e a concentração da dieta
teriormente realiza-se a adequação dos nutrientes. serão monitorados de acordo com a fenilalanina sé-
C) Se os níveis séricos estiverem ≤ 2 mg/dl, o volu- rica dosada em cada consulta.
me da fórmula especial da mamadeira deverá ser A) Se os níveis séricos estiverem entre 2 e 6 mgl/dl
diminuído para 25% do volume total para esti- e a criança mantiver peso, estatura e perímetro
mular a sucção do leite materno. cefálico adequados, a dieta deverá ser mantida.
D) Se os níveis de fenilalanina permanecerem < 2 g/dl, B) Se a dosagem estiver ≥ 6 mg/dl, diminuir a quan-
acrescentar fórmula láctea à mamadeira. tidade de fenilalanina em 15 mg da mamadeira;
se estiver acima de 10 mg/dl, diminuir 30 mg e
Em uso de mamadeira fazer os ajustes protéicos e calóricos necessários.
Não sendo possível a utilização do leite materno
C) Se os níveis estiverem ≤ 2 mg/dl, aumentar a
como fonte de fenilalanina no tratamento da fenil-
quantidade de fenilalanina em 15 mg e fazer os
cetonúria, utiliza-se uma fórmula infantil associada à
ajustes protéicos e calóricos.
fórmula metabólica oferecida em mamadeira.

A) Estabelecer a quantidade de fenilalanina a ser É indicado introduzir novos alimentos a partir do


prescrita na dieta de acordo com seus níveis séri- quarto mês, iniciando com suco e papa de fruta; no quin-
cos conforme a tabela 2. to mês, oferecendo papa de sal e, no sexto mês, o jantar,
sempre respeitando a quantidade de fenilalanina diária.
B) Calcular a quantidade de fórmula láctea do pri-
meiro semestre a ser oferecida na dieta de acordo Monitoramento da dieta
com a quantidade de fenilalanina recomendada.
O monitoramento da concentração plasmática de
C) A quantidade protéica deverá ser oferecida de fenilalanina, por meio da coleta de amostra sangüí-
acordo com a recomendação para fenilcetonúria nea, deve ser realizado de preferência em horário
(Tabelas 7 e 8 ). Calcular o valor protéico da padrão, ou seja, de manhã, logo ao acordar, quando
fórmula láctea e subtrair do total recomendado a concentração está no pico. O intervalo entre as
com a fórmula metabólica, que poderá ser ajus- coletas de sangue e a concentração de fenilalanina
tada com a evolução da criança. dependerão da idade do paciente (Tabelas 5 e 6).

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Fenilcetonúria

Tabela 5. Níveis recomendados de fenilalanina sangüínea Óleo vegetal 15 ml – – – 135


Idade Níveis (µml/l) Níveis (mg/dl) Água 700 ml – – – –
0 a 12 anos 120-360 2-6 Total/dia 88 988 12,5 463
Acima de 12 anos 120-600 2-10 Obs.: Fracionar volume total da dieta em 8 mamadeiras de 90 ml.
Tirosina deverá ser suplementada somente se as concentrações
Fonte: NIH Consensus Statement, 2000.
plasmáticas estiverem abaixo do normal.
(1) Fórmula metabólica com aminoácidos isenta de fenilalanina,
carboidratos, gorduras, vitamina e sais minerais.
Tabela 6. Freqüência do monitoramento
da fenilalanina sangüínea
B) Prescrição dietética para uma menina com 2
Idade Freqüência
0 a 1 ano Semanalmente
anos de idade, pesando 13 kg, utilizando as reco-
1 a 12 anos Quinzenalmente mendações para ingestão diária de nutrientes de
Acima de 12 anos Mensalmente acordo com a faixa etária (Tabelas 11 e 12).
Fonte: NIH Consensus Statement, 2000.

Tabela 8. Recomendações nutricionais

Exemplos de dieta Energia


Proteína
1.300 kcal/ /dia
≥ 30 g/dia ou 3 g/kg/dia
A) Prescrição dietética para um recém-nascido (20 Fenilalanina 200 a 400 mg/dia

dias), pesando 3.600 g, com diagnóstico de fenil- Tirosina 300 mg/kg/dia

cetonúria clássica, utilizando as recomendações Energia 1.300 kcal

para ingestão diária de nutrientes de acordo com Proteína 39 g


Fenilalanina 255 mg
peso e faixa etária (Tabelas 7 e 8).
Tirosina 2.236 mg

Tabela 7. Recomendações nutricionais Produto Medidas


Fal Tir Proteína Energia
(mg) (mg) (g) (kcal)
Energia 120 a 145 kcal/kg/dia
Fórmula
50 g – 2.250 33,5 150
Proteína 3 a 3,5 g/kg/dia metabólica
Fenilalanina 25 mg/kg/dia Fórmula
infantil 18 g 72 72 2 91,6
Tirosina 300 mg/kg/dia 1o semestre
Energia 432 a 522 kcal/dia Açúcar 30 g – – – 120
Proteína 10,8 a 12,6 g/dia Amido de
30 g 3 – – 105
milho
Fenilalanina 90 mg/dia
Óleo vegetal 15 ml – – – 135
Tirosina 1.080 mg/dia
Água 600 ml
Fal Tir Proteína Energia
Produto Medidas Lista de alimentos
(mg) (mg) (g) (kcal)
Arroz 80 g 88 60 1,8 134
Fórmula
82 g – 754 8,2 421
metabólica (1) Beterraba 50 g 39 12,5 0,5 44
Fórmula infantil Cenoura 50 g 16 21 0,6 27
22 g 88 88 2,5 112
1o semestre
Tomate 50 g 10 8 0,5 10
Água 700 ml – – – –
Cebola 20 g 8 8 0,3 6
Total/dia 88 1.080 10,7 533
Azeite de oliva 10 ml – – – 90
Fal Tir Proteína Energia
Produto Medidas Óleo de soja 10 ml – – – 90
(mg) (mg) (g) (kcal)
Maçã 100 g 10 1 0,3 61
Fórmula
20 g – 900 10 56
metabólica (1) Mamão 100 g 9 5 0,5 36
Fórmula Sagu 60 g – – – 204
infantil 22 g 88 88 2,5 112
1o semestre Açúcar 20 g – – – 80

Açúcar 40 g – – – 160 Total/dia 255 2.365,5 39,5 1.398,4


(cont.) Obs.: Fracionar volume total da fórmula em três a cinco porções.

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Protocolo Brasileiro de Dietas

O teor de fenilalanina dos alimentos pode ser en- • Depende da atividade enzimática, idade, ganho
contrado em diversas tabelas, existentes à disposição de peso, trimestre da gestação, adequação de
energia e proteína e estado de saúde.
nas seguintes referências:
• A prescrição de fenilalanina deve ser iniciada
• tabela de composição dos alimentos da USP dispo-
pelo valor inferior das recomendações de acordo
nível em (http://www.fcf.usp.br/fenilcetonuricos); com a idade e trimestre da gestação.
• U. S. Departament of Agriculture disponível em • Recomenda-se manter níveis abaixo de 6 mg/dl
(http://www.nal.usda.gov/fnic/foodcomp). pelo menos três meses antes da concepção.
• Durante a gestação os níveis plasmáticos devem
permanecer entre 2 e 4 mg/dl, devendo ser dosa-
Recomendações diárias de
da duas vezes na semana.
nutrientes para fenilcetonúricos

Conseqüências da deficiência
Tabela 9. Recomendações diárias de ingestão de de fenilalanina
aminoácidos e proteína total para lactentes,
crianças e adultos portadores de fenilcetonúria Pode levar a um ganho de peso materno insuficiente
Idade Aminoácido Total de proteína e déficit de crescimento intra-uterino.
(anos) (g/kg/dia) (proteína fórmula X proteína natural)
0a2 3 3 Tirosina
3a5 2 2,5 • Prescrever tirosina de acordo com as recomenda-
6 a 10 2 2
ções, mantendo as concentrações plamáticas em
11 a 14 1,5
níveis adequados de tratamento (Tabela 10).
> 14 1
Obs.: 1 g de proteína = 1,2 g de aminoácidos. • Valores de tirosina dietética abaixo do recomen-
Fonte: Medical Research Council Working Party, 1993.
dado devem ser suplementados após dosagem das
concentrações plasmáticas.
Tratamento na Proteína
hiperfenilalaninemia materna • A recomendação de proteína é maior do que as reco-
A hiperfenilalaninemia materna causa efeitos teratogê- mendações da DRIS, quando a maior fonte protéica
nicos no feto durante a gestação. Esses efeitos incluem provém de L-aminoácidos, em virtude da rápida ab-
retardo mental, microcefalia, cardiopatia congênita e sorção, do rápido catabolismo e possível decréscimo
retardo de crescimento intra-uterino. A mulher com na absorção total dos aminoácidos (Tabela 10).
hiperfenilalaninemia deve planejar sua gestação, pois • Parte da proteína é proveniente dos alimentos natu-
os níveis de fenilalanina sangüíneos na pré-concepção rais e a maior porcentagem deve provir da fórmula
devem estar adequados (menor que 6 mg/dl) e devem metabólica.
se manter durante toda a gestação.
Conseqüências da deficiência
Condutas da prescrição dietética de proteínas
Fenilalanina • Estão relacionadas com déficit de crescimento e
• A recomendação de fenilalanina é individualizada, pouco ganho de peso no recém-nascido.
variando de paciente para paciente (Tabela 10). • Diminuição na tolerância de fenilalanina.

26

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Fenilcetonúria

Tabela 10. Recomendações diárias de ingestão de nutrientes para lactentes, crianças e adultos portadores de fenilcetonúria

IDADE NUTRIENTE
Fal Tir Proteína Energia Fluidos
(mg/kg) (mg/kg) (g/kg) (kcal/kg) (ml/kg)
Lactentes
0 a < 3 meses 25-70 300-350 3,5-3,0 120 (145-95) 160-135
3 a < 6 meses 20-45 300-350 3,5-3,0 120 (145-95) 160-130
6 a < 9 meses 15-35 250-300 3,0-2,5 110 (135-80) 145-125
9 a < 12 meses 10-35 250-300 3,0-2,5 105 (135-80) 135-120
(mg/dia) (g/dia) (g/dia) (kcal/dia) (ml/dia)
Crianças
1 a < 4 anos 200-400 1,72-3,00 ≥ 30 1.300 (900-1.800) 900-1.800
4 a < 7 anos 210-450 2,25-3,50 ≥ 35 1.700 (1300-2.300) 1.300-2.300
7 a < 11 anos 220-500 2,55-4,00 ≥ 40 2.400 (1650-3 300) 1.650-3.300
Mulheres
11 a < 15 anos 250-750 3,45-5,00 ≥ 50 2.200 (1.500-3.000) 1.500-3.000
15 a < 19 anos 230-700 3,45-5,00 ≥ 55 2.100 (1.200-3.000) 1.200-3.000
≥ 19 anos 220-700 3,75-5,00 ≥ 60 2.100 (1.400-2.500) 2.100-2.500
Homens
11 a < 15 anos 225-900 3,38-5,50 ≥ 55 2.700 (200-3.700) 2.000-3.700
15 a < 19 anos 295-1.100 4,42-6,50 ≥ 65 2.800 (2.100-3.900) 2.100-3.900
≥ 19 anos 290-1.200 4,35-6,50 ≥ 70 2.900 (2.000-3.300) 2.000-3.300
Fonte: Acosta PB e Yannicelli S, 1998.

Gordura Conseqüências da deficiência de energia


• A recomendação de lipídeos deve suprir de 30% a • Ganho de peso materno insuficiente.
35% o total de energia da dieta.
• Menor ganho de peso e comprimento no recém-
• O ácido linoléico deve suprir 7% da energia da dieta. nascido.
• O ácido alfa-linolênico deve suprir 0,7% a 2,5% da • Diminuição na tolerância de fenilalanina.
energia da dieta.
Vitaminas e minerais
Energia Devem ser suplementados se a fórmula metabólica
• A recomendação energética deve ser suficiente e demais alimentos da dieta não atingirem as reco-
para promover adequado ganho de peso materno mendações dietéticas (DRIs).
que irá influenciar no desenvolvimento do re-
cém-nascido (Tabela 10).
Recomendações de ganho
• A recomendação de energia pode estar aumen- de peso na gestação
tada quando aminoácidos são a maior fonte de
Para avaliação do peso corpóreo, podem ser utilizados
proteína da dieta.
diferentes métodos, entre eles o índice de massa corpo-
• A ingestão de energia está negativamente relaciona- ral (IMC) pré-gestacional. O IMC é calculado utilizan-
da com as concentrações plasmáticas de fenilalanina do-se o peso em quilogramas dividido pela estatura em
durante os dois últimos trimestres de gestação. metros ao quadrado. Com base em estudo do National

27

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Protocolo Brasileiro de Dietas

Institute of Health de 1990, as diretrizes para ganho de suplementação de vitaminas A e D, pois doses de
peso ponderal na gravidez são fundamentadas no IMC vitamina A acima de 15.000 UI ou 4.500 µg RE
pré-gestacional conforme a tabela abaixo: apresentam efeito teratogênico.

Tabela 11. IMC pré-gestacional e ganho de peso


recomendado na gestação Perspectivas de tratamento
Ganho no 1o Ganho total Foram realizados estudos clínicos nos Estados Unidos
Situação pré-gestacional
trimestre recomendado (kg)
Abaixo do peso: IMC < 19,8 2,3 12,5-18 e na Europa evidenciando que a suplementação com
Eutrófica: IMC 19,8 a 26 1,6 11,5-16 altas doses de BH4 mantém os níveis de fenilalanina
Sobrepeso: IMC 26 a 29 0,9 7,0-1,5 normais, sem a necessidade de dieta. Ainda não sabe-
Obesa: IMC > 29 – 6,0
mos como os pacientes brasileiros com fenilcetonúria
Fonte: Subcommittee on nutritional status and weight gain during pregnancy and
subcommittee on dietary intake and nutrient suplements during pregnancy, food and nutrition responderam a esse tipo de tratamento, o que deve ser
board. NAS. Nutrion during pregnancy. Washington, DC; National Academy Press, 1990.
realizado em estudos futuros.
Tabela 12. Recomendações nutricionais na
fenilcetonúria materna

Trimestre Fenilalanina Tirosina Proteínas Calorias


Bibliografia
e idade (mg/dia) (g/dia) (g/dia) (kcal/dia) Womack, M. and Rose, W.C. – The dual nature of the “unknown
1º trimestre growth essential”. J Biol Chem 1934; 107, 275-82.
15-19 200-600 5,7-7,5 > 75 2.500 Scriver CR, Kaufman S, Eisensmith RC, Woo SLC. The
> 19 200-600 4,5-7,7 > 70 2.500 hyperphenylalaninemias. In: Scriver CR, Beaudet AL,
2º trimestre Sly WS, Valle D, eds. The Metabolic and Molecular Bases of
Inherited Disease, 7 end, vol.1 New York: McGraw-Hill,
15-19 200-900 5,7-7,5 > 75 2.500
1995, 1015-1075 ).
> 19 200-900 4,5-7,7 > 70 2.500
Hommes et al. The role of the blood-brain barrier in the
3º trimestre
aetiology of permanent brain dysfunction in hyper-
15-19 300-1.200 5,7-7,5 > 75 2.500 phenylalaninaemia. J Inherit Metab Dis 1989;12(1):41-6.
> 19 300-1.200 4,5-7,7 > 70 2.500
Berger R, Springer J, Hommes FA; Brain protein and myelin
Fonte: Acosta PB, Yannicelli S, 1998. metabolism in hyperphenylalaninemic rats. Cell Mol Biol Incl
Cyto Enzymol 1980;26(1):31-6).
Alvord EC Jr., Stevenson LD, Vogel FS, Engle RL Jr. Neuropa-
Monitoramento do suporte dietético thological findings in phenyl-pyruvic oligophrenia (phenyl-
ketonuria). J Neuropathol Exp Neurol 1950 Jul;9(3):298–310),
• Dosagem de fenilalanina duas vezes por semana. Bauman ML, Kemper TL. Morphologic and histoanatomic ob-
• Dosagem dos níveis plasmáticos dos demais ami- servations of the brain in untreated human phenylketonu-
ria. Acta Neuropathol (Berl) 1982;58:55-63),
noácidos, albumina, ferritina, selênio e zinco,
Shah SN, Peterson NA, McKean CM. Lipid composition of hu-
deve ser realizada mensalmente. man cerebral white matter and myelin in phenylketonuria.
• Hemoglobina e eritrócitos devem ser avaliados a J Neurochem. 1972 Oct;19(10):2369–2376).

cada três meses. Tourian A, Sidbury JB. Phenylketonuria and hiperphenylalani-


nemia. In: Stambury JB, Wyngaarden JB, Fredrickson DS,
• Dosagem de folato eritrocitário e vitamina B12 Doldstein, JL, Brown MS. The metabolic basis of inherited
deve ser realizada antes da concepção, logo após disease. 5th ed. New York: McGraw-Hill; 1983. p.270-84 ).

a concepção e a cada três meses. Shah SN & Jonhson, R.C. - Effects of α-methylphenylalanine
plus phenylalanine treatment during development on mye-
• Monitorar o ganho de peso semanalmente duran- lin in rat brain- Biomedical and Life Sciences, 5 (7):1990).
te o primeiro mês e, depois, mensalmente. J. Weglage, C. Oberwittler, T. Marquardt, J. Schellscheidt, A.v.
Teeffelen-Heithoff, G. Koch and H. Gerding - Neurological
• Para pacientes que tomam quantidades adequa- deterioration in adult phenylketonuria – Journal of Inheri-
das de fórmula metabólica, é contra-indicada a ted Metabolic Diseases, 2000; 23(1): 83-4).

28

OS 3052 EIM.indd 28 10/11/2006 00:00:02


Capítulo 2

Tirosinemia

Introdução nótipo comum aos diferentes defeitos da degradação


da tirosina. Para fins didáticos, a seguir serão descri-
A tirosina é degradada principalmente no fígado e
tos os principais tipos que necessitam de interven-
há uma pequena degradação nos rins. A sua via me-
ção terapêutica.
tabólica de degradação envolve cinco passos enzi-
máticos principais (Figura 1) e foram identificados
quatro defeitos enzimáticos hereditários. Não há fe- Esquema metabólico

Fenilalanina

Tirosina

4OH-fenilático 4OH-fenilpiruvato 4OH-fenilacetato

Homogentísico

Maleilacetoacetato
Succinilacetoacetato
CO
Fumarilacetoacetato
Succinilacetona
4
5 ALA Porfobilinogênio
(aminolevulanato)
Fumarato Acetoacetato

No Enzima Doença Alteração metabólica OMIM


↑ 4-hidroxifenilpiruvato
1 Tirosina-aminotransferase Tirosinemia tipo II ↑ 4-hidroxifenilactato e 276600
↑ 4-hidroxifenilacetato
Tirosinemia tipo III e ↑ 4-hidroxifenilpiruvato
2 4-hidroxifenilpiruvato dioxigenase Hawkinsinúria (local de inibição ↑ 4-hidroxifenilactato e 276710
do NTBC) ↑ 4-hidroxifenilacetato
3 Homogentisato dioxigenase Alcaptonúria ↑ Ácido homogentísico 203500
Succinilacetona + (urina e plasma)
↑ 4-hidroxifenilpiruvato
4 Fumarilacetoacetase Tirosinemia tipo I ↑ 4-hidroxifenilactato e 276700
↑ 4-hidroxifenilacetato
↑ α-fetoproteína

Figura 1. Via metabólica de degradação da tirosina.

29

OS 3052 EIM.indd 29 10/11/2006 00:00:03


Protocolo Brasileiro de Dietas

Tirosinemia clássica (tipo I) nas pequenas quantidades de succinilacetona, nestes


casos, o diagnóstico deve ser confirmado com a aná-
É uma doença metabólica de grande heterogenei-
lise da enzima fumarilacetoacetase em linfócitos ou
dade clínica, podendo manifestar-se no período
fibroblastos, ou análise de mutações. O diagnóstico
neonatal, na infância ou na vida adulta. É causada
de tirosinemia tipo I não deve ser realizado com base
pela deficiência da enzima fumarilacetoacetato–hi-
apenas na análise da enzima, pois há uma variante
drolase (FAH) que leva ao acúmulo progressivo de
genética em indivíduos saudáveis que é responsável
metabólitos tóxicos para o fígado, rins e encéfalo.
por uma atividade diminuída da fumarilacetoaceta-
Na maioria dos casos, a manifestação clínica é aguda
se em fibroblastos e linfócitos em níveis próximos da
e ocorre nas primeiras semanas de vida. Os princi- atividade de indivíduos afetados. Ensaios enzimáticos
pais sintomas são: falência hepática, hipoglicemia, em biópsia de fígado também não são recomendados
edema, ascite, sangramento gastrointestinal, disfun- como teste diagnóstico, pois nesse órgão a enzima
ção tubular renal generalizada, levando a glicosúria, pode apresentar um padrão mosaico. É importante
aminoacidúria e hiperfosfatúria com conseqüente hi- ressaltar que o diagnóstico de tirosinemia tipo I pode
pofosfatemia e hipocalemia. Cronicamente evoluem ser difícil, devendo se associar mais de um método
com hepatoesplenomegalia, icterícia, raquitismo, diagnóstico ao quadro clínico.
déficit de crescimento ponderoestatural. A coagulo-
patia é um importante sinal, mesmo na ausência de
alterações hepáticas significativas. As manifestações Tratamento
neurológicas podem lembrar ataques de porfiria, com O tratamento tradicional da tirosinemia tipo I é a
dor abdominal, neuropatia periférica e hipertensão. restrição da ingestão de tirosina e fenilalanina para
O desenvolvimento de sepse é comum. diminuir a produção de metabólitos tóxicos. Embora
A principal complicação a longo prazo é o carci- o tratamento dietético e o de suporte possam aliviar
noma hepatocelular, podendo desenvolver-se já na os sintomas agudos e melhorar as condições clínicas
infância. O alto risco de desenvolver hepatomas faz do paciente, eles não impedem a alta mortalidade
da tirosinemia uma das principais indicações para o na infância pela falência hepática ou pelo desen-
transplante hepático entre as doenças metabólicas. A volvimento do carcinoma hepatocelular. Na última
herança é autossômica recessiva, o gene foi mapeado década, a inibição de 4-hidroxifenilpiruvato desi-
no cromossomo 15q23-25 e sua incidência mundial drogenase pelo NTBC (2-[2-nitro-4-trifluorometil-
é de 1 caso para cada 100.000 indivíduos. Há várias benzoil]-1,3-ciclohexanedione) tornou-se o trata-
mutações descritas, o que determina a grande variabi- mento de primeira escolha para tirosinemia tipo I,
lidade clínica que inclui formas agudas e crônicas. em associação com a dieta, pois interfere na produ-
ção de fumarilacetato e succinilcetona, melhorando
o curso da doença e diminuindo o risco de produzir
Diagnóstico hepatocarcinoma. Apresenta resolução da doença
O principal achado laboratorial nos casos de tirosine- aguda em cerca de 90% dos casos, com diminuição
mia tipo I é o aumento de tirosina plasmática associa- da necessidade de transplante hepático. Utiliza-se o
do à presença de níveis elevados de succinilacetona NTBC na dose de 1 mg/kg/dia.
no plasma e/ou urina, bem como seus precursores. A Uma das complicações da tirosinemia tipo I sem
metodologia empregada é sensível o suficiente para controle nutricional adequado e sem NTBC são
detectar elevação na ordem de 0,4 µM/l na urina e/ou sintomas que mimetizam a porfiria, uma vez que a
0,1 µM/l no plasma. Alguns pacientes acumulam ape- succinilcetona inibe a enzima gama-aminolevulíni-

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Tirosinemia

co deidrase, diminuindo a síntese do grupo heme e Tratamento nutricional


gerando ácido gama-aminolevulínico.
A intervenção nutricional para os pacientes porta-
dores de tirosinemia deve ser precoce. A tirosina e
Transplante hepático
a fenilalanina na dieta devem ser restritas, uma vez
O transplante hepático tem sido realizado há décadas
que grande quantidade de fenilalanina se hidroxila
e, após o procedimento cirúrgico, não há mais defeito
em tirosina. A necessidade de empregar tirosina se
enzimático no fígado. Desse modo, as anormalidades relaciona diretamente com o estado metabólico e o
bioquímicas são corrigidas, assim como os defeitos tu- acúmulo de succinilacetona.
bulares renais. Crianças transplantadas não precisam Em período crônico a necessidade de fenilalani-
de tratamento dietético. No entanto, a excreção uri- na e tirosina é de 400 a 500 mg/dia para lactentes
nária de succinilacetona persiste, provavelmente de e 900 mg/dia para crianças de 2 a 10 anos. Restrin-
origem renal. O prognóstico da função renal a longo ge-se a ingestão de proteínas naturais a 0,5 g/kg/dia,
prazo após o transplante hepático ainda é obscuro. completando-se a proteína com 1,5 a 3 g/kg/dia em
fórmula de aminoácidos isenta de tirosina e traços
Suporte nutricional na fase aguda de fenilalanina. Níveis de fenilalanina abaixo de 20
µM/l causam desequilíbrio de aminoácidos neutros
Descompensação hepática aguda no cérebro e podem levar a um aumento da tirosina
Inicialmente suspender alimentação por via oral. pela limitação na síntese protéica, sendo necessário
Deve-se dirigir a atenção para limitar o catabolismo, suplementar com 30 a 40 mg/kg/dia.
por meio da oferta energética diária com nutrição
parenteral – no mínimo 100 a 120 kcal/kg/dia (gli- Metas do tratamento dietético
cose e lipídeos) – e enteral – 1,5 a 2 g de proteína/kg/ • Manter os níveis plasmáticos de fenilalanina entre
dia (fórmula metabólica isenta de tirosina e fenilala- 30 e 70 µM/l e tirosina entre 200 e 400 µM/l.
nina) –, bem como tratar o quadro infeccioso ou ou- • Fornecer nutrientes de acordo com as recomen-
tras complicações como ascite ou distúrbios hidroe- dações dietéticas, considerando a faixa etária de
letrolíticos. A deficiência de ambos os aminoácidos, cada paciente, para sustentar o crescimento e de-
assim como o quadro infeccioso, causa o catabolismo senvolvimento neuropsicomotor normal.
protéico que induz a síntese de succinilacetona. Em
• Prevenir catabolismo.
alguns casos recomenda-se a suspensão da fenilalani-
na e tirosina por no máximo 24 a 48 horas. • Manter plasma e urina livres de ou contendo tra-
ços de succinilacetona e ácido para-hidroxifenil
Crise neurológica aguda orgânico.
As crises neurológicas da tirosinemia tipo I caracteri- • Prevenir raquitismo.
zam-se por episódios agudos de neuropatia periférica e • Evitar crises neurológicas.
são as maiores causas de morbidade em pacientes não
tratados com NTBC. Deve-se oferecer um aporte maior
Prescrição dietética
de glicose, uma vez que ela inibe a enzima ALA sin-
• O requerimento de fenilalanina e tirosina depen-
tetase, reduzindo a produção do aminoácido alanina,
de dos seguintes fatores:
além da analgesia para as crises álgicas, sendo eventual-
mente necessário usar narcóticos. Deve-se evitar o uso - idade;
de barbitúricos e outras drogas que agravam a porfiria. - velocidade de crescimento;

31

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Protocolo Brasileiro de Dietas

- adequação da ingestão de energia e proteína; terno ou fórmula infantil de primeiro semestre e alimen-
- estado de saúde. tos sólidos. A recomendação é maior que a RDA quando
a maior fonte protéica é fornecida por aminoácidos.
• As alterações nos requerimentos devem ser feitas
A ingestão inadequada de proteína resulta em de-
com base no monitoramento de:
ficiência de crescimento, perda de peso, diminuição
- concentração plasmática de fenilalanina e tirosina; de albumina no plasma, osteopenia, alopécia e redu-
- concentrações no plasma e na urina de succini- ção da tolerância de fenilalanina e tirosina.
lacetona e ácidos para-hidroxifenil orgânicos.
Energia
A dieta é planejada utilizando leite materno ou A energia é prescrita de acordo com a RDA para pro-
fórmula infantil de primeiro semestre, fórmulas meta- porcionar um ganho ponderoestatural adequado para
bólicas isentas de fenilalanina e tirosina e algumas fór- o paciente. Recomenda-se oferecer 50% a 60% do
mulas isentas também de metionina, quando a criança valor calórico total da dieta, principalmente na forma
apresentar níveis séricos elevados desse aminoácido. de carboidratos. A energia é proveniente da fórmula
Acrescentar na dieta, a partir do quarto mês, ali- metabólica para tirosinemia, leite materno ou fórmu-
mentos sólidos, frutas e legumes de acordo com a to- la infantil de primeiro semestre e outros alimentos
lerância individual. sólidos. Deve-se prescrever a quantidade para prover
Dietas com restrição abaixo do recomendado suporte normal para ganho de peso adequado.
podem resultar em anorexia, letargia, hipotonia, Os requerimentos podem variar e ser maiores
desenvolvimento ponderoestatural inadequado em quando a proteína é suplementada na sua maioria
bebês e crianças, diminuição da concentração de fi- por aminoácidos.
brinogênio no plasma e aumento da concentração Para prevenir as crises neurológicas se o NTBC
de aminoácidos (exceto fenilalanina e tirosina). não é usado, 50% a 65% de energia deve ser deriva-
da de carboidratos. A ingestão inadequada de ener-
Metionina gia pode precipitar crises metabólicas e neurológicas
A restrição deve acontecer somente se a concentra- como resultado do metabolismo protéico muscular.
ção no plasma for maior que 40 µM/l ou 0,6 mg/dl,
ou quando está acima da referência normal para a Líquidos
idade estabelecida pelo laboratório. • Prescrever quantidade suficiente para suprir os
A ingestão inadequada de metionina resulta em requerimentos de água.
baixo ganho de peso; diminuição da concentração • Suprir quantidade maior quando a quantidade de
de metionina no plasma; aumento de fenilalanina, energia é maior.
prolina, serina, treonina e tirosina; e aumento da
concentração de colesterol. O planejamento da dieta deve ser realizado se-
Com o uso de NTBC, a concentração de metio- guindo os mesmos critérios da dieta para fenilceto-
nina no plasma retorna ao normal. Assim, a restrição núria, sendo somadas as prescrições de fenilalanina e
de metionina na dieta acaba não sendo necessária. tirosina. Os demais nutrientes devem ser calculados
da mesma forma.
Proteínas
A proteína é calculada de acordo com as recomendações Evolução da dieta
para tirosinemia, conforme a faixa etária do paciente, su- Concentração de fenilalanina, tirosina e metionina
gerida pela fórmula metabólica para tirosinemia, leite ma- a) Inicial

32

OS 3052 EIM.indd 32 10/11/2006 00:00:08


Tirosinemia

• Avaliar duas vezes na semana até a estabilização • Se a concentração do plasma continuar alta, re-
juntamente com a ingestão dietética desses três petir o processo acima até o valor atingir o pa-
aminoácidos. drão de referência do tratamento.
b) Seguimento
Seguimento clínico
• Avaliações freqüentes devem auxiliar na adesão
do planejamento dietético. No seguimento clínico da tirosinemia tipo I, exce-
tuando-se na fase de descompensação aguda ou no
• As concentrações de fenilalanina, tirosina e me-
início do tratamento até adequação do paciente e
tionina devem ser avaliadas semanalmente até 1
da família, recomendam-se consultas médicas com
ano de idade e, depois, uma a duas vezes ao mês.
exame físico completo a cada três meses em centro
c) Quando as concentrações de fenilalanina, tirosi- médico especializado e exames para monitorar fun-
na e metionina não estão aceitáveis ção hepática e função renal também trimestrais.
• Se a concentração de fenilalanina, tirosina e me-
tionina não é detectada e o paciente está ingerin-
Tirosinemia tipo II
do o que foi prescrito:
- aumentar a prescrição da quantidade de aminoá- É causada por um defeito na enzima citosol tirosina
cidos não-detectados para 25% a mais, por três ou aminotransferase; como conseqüência, eleva os ní-
quatro dias, e avaliar a concentração plasmática. veis de tirosina no plasma e líquido cefalorraquidia-
• Se a concentração plasmática continuar não-de- no. É caracterizada por alterações oculares (75% dos
tectada, repetir o processo descrito acima até o va- casos), lesões de pele (80% dos casos) e complicações
lor atingir o padrão de referência do tratamento. neurológicas (60% dos casos) ou a combinação des-
ses. A doença usualmente apresenta-se na infância,
• Se a concentração de fenilalanina < 35 µM/l ou
mas pode manifestar-se em qualquer idade. As lesões
0,58 mg/dl, a concentração de tirosina < 40 µM/l
oculares, por depósito de cristais de tirosina, levam
ou 0,72 mg/dl, ou a concentração de metionina
a lacrimejamento, sensação de queimação, fotofobia
< 18 µM/l ou 0,27 mg/dl, e o paciente está inge-
e lesão de córnea. As lesões de pele são limitadas a
rindo toda a prescrição:
zonas de pressão como a palma da mão e sola dos pés
- aumentar a quantidade de aminoácidos prescri- com intensa queratose e ocasionalmente bolhas. As
tos que está abaixo de 5% a 10% e avaliar a con-
alterações neurológicas manifestam-se com déficit
centração do plasma a cada três a quatro dias.
de linguagem, problemas na coordenação motora,
• Se a concentração do plasma de fenilalanina, ti- retardo mental e automutilação.
rosina e metionina continua abaixo, repetir o
processo anterior até o valor atingir o padrão de Diagnóstico
referência do tratamento. A concentração plasmática de tirosina de 500 a
• Se o plasma apresenta fenilalanina > 90 µM/l ou 1.200 µM/l, associada ao quadro clínico e à ausência
1,49 mg/dl, tirosina > 80 µM/ l ou 1,45 mg/dl, ou de succinilacetona no plasma e/ou urina, é compatí-
metionina > 40 µM/l ou 0,6 mg/dl, e o paciente não vel com o diagnóstico .
está ingerindo mais ou menos proteína e energia:
- diminuir a quantidade prescrita de aminoácidos
Tratamento
elevados de 5% a 10% e avaliar a concentração A tirosinemia tipo II é tratada com uma dieta bai-
do plasma depois de três a quatro dias. xa em fenilalanina e tirosina para reduzir a concen-

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Protocolo Brasileiro de Dietas

tração alta de tirosina no plasma. Os princípios do A ingestão inadequada de fenilalanina + tirosi-


objetivo nutricional da dietoterapia da tirosinemia na resulta em anorexia, letargia e hipotonia; dimi-
tipo I também são aplicáveis para o tipo II. nuição do crescimento; perda de peso em adultos;
A restrição de metionina não é necessária. Com redução da concentração de fibrinogênio no plasma
a instituição da dieta, a pele e os problemas oculares e aumento da concentração dos aminoácidos, com
melhoram rapidamente. Não está certo ainda que o exceção da fenilalanina e tirosina.
grau de restrição pode prevenir complicações neu-
Proteína
rológicas. Na prática os níveis de tirosina devem es-
tar abaixo de 600 µM/l. Durante intercorrências da Prescrever quantidade maior que a recomendada
doença, a ingestão de altas doses com líquidos ricos pela RDA em virtude de:
em carboidratos parece prevenir o aumento da con- • rápida absorção dos aminoácidos;
centração de tirosina no plasma. • catabolismo rápido dos aminoácidos;
• possível diminuição da absorção total dos amino-
Objetivo do suporte nutricional
ácidos.
1) Prover suporte adequado para o crescimento e man-
A ingestão inadequada de proteínas resulta em
ter o peso adequado para a estatura em adultos.
perda de peso, albumina no plasma diminuída, osteo-
2) Manter desenvolvimento normal.
penia, alopécia em crianças e adultos e redução na
3) Manter estado nutricional normal. tolerância de fenilalanina e tirosina.
4) Prevenir catabolismo.
Energia
5) Manter o plasma e a urina livres ou contendo tra-
Prescrever a quantidade para prover suporte a fim de
ços de N-acetiltirosina, p-tiramina e ácido para-
garantir ganho de peso em crianças e manter peso e
hidroxifenil orgânico.
estatura em adultos. A ingestão inadequada resulta em
6) Prevenir lesões oculocutâneas e palmoplantares. deficiência de crescimento em crianças e perda de peso
em adultos com elevada concentração de fenilalanina e
tirosina, resultando em catabolismo protéico muscular.
Dietoterapia
Líquidos
Fenilalanina e tirosina
Prescrever a quantidade para suprir os requerimen-
• Os requerimentos variam de acordo com:
tos de água.
- idade;
- velocidade de crescimento; Evolução da dieta
- adequação da ingestão de energia e proteínas;
Concentração de fenilalanina e tirosina
- estado de saúde.
Iniciar avaliando semanalmente e, depois, mensalmente.
• Os requerimentos dos pacientes são determina-
a) Quando as concentrações de fenilalanina e tirosi-
dos por freqüente monitoramento de: na não são aceitáveis:
- concentração de fenilalanina e tirosina; • Se a concentração de fenilalanina e tirosina não
- concentração no plasma e urina N-acetiltirosina, é detectada e o paciente está ingerindo o que foi
p-tiramina e ácidos para-hidroxifenil orgânicos. prescrito:

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Tirosinemia

- aumentar a quantidade de fenilalanina + tiro- • Se a estatura e o peso permanecem baixos, re-


sina a mais 25%, por três a quatro dias, e então petir o processo anterior até retomar o canal de
avaliar a concentração no plasma. crescimento.
• Se a concentração no plasma de fenilalanina ou
tirosina continua indetectável, repetir o proces- Tirosinemia tipo III
so anterior até atingir níveis de referência do Causada pela deficiência da enzima 4-hidroxife-
tratamento. nilpiruvato desidrogenase que está ativa tanto no
• Se a concentração do plasma de fenilalanina fígado como no rim. Foram descritos poucos casos
< 35 µM/l ou 0,58 mg/dl ou concentração de ti- e a caracterização clínica ainda não está bem de-
rosina < 40 µM/l ou 0,72 mg/dl e o paciente está finida. Nos casos relatados, os pacientes apresen-
ingerindo o que foi prescrito: tavam concentrações elevadas de tirosina, porém
- aumentar a quantidade de fenilalanina + tiro- sem sinais de alterações hepáticas, oculares ou de
sina de 5% a 10%, por sete dias, e então avaliar pele. Por outro lado, os pacientes podem apresentar
a concentração do plasma. algumas alterações neurológicas que evoluem para
retardo metal. É uma doença autossômica recessiva
• Se a concentração continua abaixo, repetir o pro- e o gene está localizado no 12q24.
cesso anterior até atingir os valores do tratamento.
• Se a concentração do plasma é maior que 90 µM/l Tirosinemia neonatal
ou 1,49 mg/dl ou a concentração de tirosina é maior transitória (TNT)
que 80 µM/l ou 1,45 mg/dl e o paciente não está
É a alteração do metabolismo dos aminoácidos mais
doente e não está ingerindo mais ou menos proteí-
comum observada em humanos. Ocorre em decorrên-
na e energia que a prescrita:
cia de um desequilíbrio no catabolismo da tirosina e
- diminuir a quantidade de fenilalanina + tirosi- da atividade imatura da 4-hidroxifenilpiruvato dioxi-
na de 5% a 10%, por sete dias, e então avaliar genase (4HPPD) em prematuros e recém-nascidos. Os
a concentração do plasma. fatores de risco para o desenvolvimento da TNT são
a prematuridade, alta ingestão de proteínas e ingestão
• Se a fenilalanina e tirosina continuam altas, re-
deficiente de vitamina C, tendo sido descritos poucos
petir o processo anterior até atingir os valores de casos. Sua incidência está diminuindo provavelmente
referência do tratamento. pela orientação nutricional atual de evitar alta ingestão
protéica e estimular a amamentação. Não existe ne-
nhum padrão de herança genética para essa patologia.
Crescimento No tratamento recomenda-se introduzir vitamina C,
Peso e estatura na dose de 200 a 400 mg/dia, podendo ser mantido o alei-
tamento materno, em alguns casos pode ser necessária a
• Medir a cada três a seis meses.
restrição de 2 g/kg/dia de proteína, usando fórmula infan-
Manter a estatura e o peso entre os percentis 10 e 90. til de primeiro semestre, por cinco a sete dias. Após esse
período, os níveis de tirosina sérica tendem a normalizar
• Se a estatura e peso estão abaixo dos percentis
os níveis séricos desse aminoácido. Não é indicado intro-
normais:
duzir na dieta fórmula metabólica para tirosinemia. Aos 6
- Aumentar a prescrição de proteína e energia meses de vida da criança, introduzir dieta livre para idade
de 5% a 10% e reavaliar antropometricamente e, após uma semana, repetir a dosagem sérica de tirosina;
depois de um mês. se os níveis forem normais, manter dieta livre.

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Protocolo Brasileiro de Dietas

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OS 3052 EIM.indd 36 10/11/2006 00:00:12


Capítulo 3

Homocistinúria

Introdução turas patológicas e colapsos de vértebras. Os pacien-


tes podem apresentar dolicostenomelia (afinamento
A homocistinúria é um erro inato do metabolismo
e alongamento dos ossos longos na puberdade), genu
dos aminoácidos que contêm enxofre em sua compo-
valgum, pés cavos, côndilos (no fêmur e na tíbia) e
sição, considerada um distúrbio da transulfuração. A
ossos capianos alargados, aracnodactilia, desenvol-
causa mais comum encontrada é a deficiência da enzi-
vimento retardado do osso lunar, pectus carinatum ou
ma cistationina beta-sintase (CBS), que tem herança
excavatum. As articulações são rígidas, contrastando
autossômica recessiva e na qual ocorre uma alteração
com a síndrome de Marfan em que ocorre extensibi-
na quebra molecular da homocisteína, por meio das
lidade articular aumentada.
vias da transulfuração, resultando numa remetilação A homocisteína causa aterosclerose prematu-
defeituosa da homocisteína. Sua incidência mundial ra dos vasos, das grandes ou pequenas artérias e das
é variável de 1:58.000 a 1:100.000 nascidos vivos. veias. As complicações tromboembólicas são as maio-
O quadro clínico consiste no comprometimento dos res causas de morbiletalidade nesses pacientes. A
sistemas ocular, esquelético, vascular e nervoso. Outros sintomatologia é variável, podendo ocorrer trombo-
tecidos como pele, cabelo e fígado também podem ser flebites, tromboembolismo pulmonar, tromboses da
acometidos. Divide-se o quadro em pacientes responsi- artéria carótida, renal, ataques isquêmicos cardíacos
vos à piridoxina (cerca de 50% dos casos) e não-respon- e acidentes vasculares cerebrais.
sivos, sendo a sintomatologia nos pacientes responsivos Ocorrem alterações plaquetárias, do endotélio
geralmente mais discreta. Ao nascimento, os pacientes vascular e dos fatores de coagulação. A homocisti-
não apresentam alterações clínicas, que somente irão na provoca injúria e disfunção endotelial, diminui
surgir em semanas ou meses após o nascimento. a vasodilatação dependente do endotélio, aumenta
As características físicas dos pacientes são seme- a proliferação muscular lisa do vaso e intensifica a
lhantes às encontradas na síndrome de Marfan, ge- produção do colágeno vascular. Esses eventos predis-
ralmente são altos e magros. As alterações oculares põem à formação da placa ateromatosa.
são muito marcantes nessas doenças, principalmente As manifestações neurológicas consistem em: de-
o deslocamento (ectopia lentis) ou a luxação do cris- ficiência mental (encontrada em mais de 50% dos
talino. Iridodonese, glaucoma, miopia e, menos fre- pacientes), que pode ou não ser agravada por aci-
qüentemente, atrofia óptica, catarata, deslocamento dentes vasculares, movimentos anormais como dis-
ou degeneração retiniana também são encontrados. tonia, tremor, coreatetose, crises epilépticas, altera-
A ectopia lentis é detectada em quase todos os pa- ções eletroencefalográficas e distúrbios psiquiátricos.
cientes não tratados já nos primeiros anos de vida. Acredita-se que o aumento da homocisteína cerebral
As alterações esqueléticas também são freqüentes. e do ácido homocistéico (um produto da oxidação da
São compostas primordialmente de osteoporose, que homocisteína) provoca uma ação neuroexcitatória e
conseqüentemente leva à escoliose, tendência a fra- também epileptogênica.

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Protocolo Brasileiro de Dietas

Os pacientes que têm o diagnóstico precocemen- pode ser remetilada em metionina por meio da beta-
te, no período assintomático, e são tratados adequa- ína homocisteína metiltransferase. A homocisteína
damente, apresentam uma evolução mais benigna e é convertida na cistationina pela transulfuração, por
melhor prognóstico do que os pacientes não tratados meio da enzima cistationina beta-sintase, que é de-
ou tratados tardiamente. pendente de vitamina B6, e posteriormente em ciste-
ína por meio da enzima gama-cistationase. A cisteína
é, então, catabolizada em sulfato e excretada na urina
Bioquímica (Andria et al., 2000; Espinoza et al., 2003; Mudd et
A metionina, proveniente das proteínas ingeridas na al., 2001; Wilcken et al., 1997) (Figura 1).
dieta, sofre ação da metionina adenosil transferase e
dá origem à S-adenosil metionina, que é a principal
doadora de radicais metil para o metabolismo celu- Diagnóstico laboratorial da
lar (síntese de colina, creatinina e adrenalina, me- homocistinúria por deficiência
tilação do DNA etc.). A reação de metilação libera de cistationina-beta-sintase
a S-adenosil homocisteína, que é então hidrolisada
em homocisteína. A metionina sintase, uma enzima Diagnóstico bioquímico
dependente de vitamina B12, é a principal enzima Em indivíduos normais a eliminação urinária de
envolvida na remetilação da homocisteína em me- homocistina e metionina é considerada desprezí-
tionina. O doador do grupo metil nessa reação é o vel. Assim, a presença dessas substâncias na urina já
5-metil-tetraidrofolato, que é regenerado no ciclo do pode ser considerada sugestiva de homocistinúria.
ácido fólico, envolvendo a 5,10-metil-tetraidrofolato Na realidade, normalmente os indivíduos homocis-
redutase e outras enzimas. A homocisteína também tinúricos não apresentam aumento da metionina na

Proteína

Metionina 4

Tetraidrofolato S-adenosil-metionina

Receptor
Dimetil-glicina

3
5,10-metileno-tetrahidrofolato 2
5 Receptor
Betaína Colina metilado

S-adenosil-homocisteína
5-metileno-tetraidrofolato
Homocisteína Adenosina
Serina 1
4
1 Cistationina ß-Sintase Cistationina
2 5-metil-tetraidrofolato homocisteína metiltransferase α-cetobutirato
5
3 Betaína-homocisteína metiltransferase
Cisteína
4 Metionina adenosiltransferase
5 γ-cistationinase 6
6 Sulfito oxidase Sulfito

Figura 1. Via metabólica da homocisteína

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Homocistinúria

urina porque os rins são mais eficientes na reabsor- cb1E, cb1F e cb1G podem aumentar os níveis de ho-
ção dessa substância do que na reabsorção de homo- mocistina, mas normalmente não elevam a metioni-
cistina (Mudd et al., 2001). na (Mudd et al., 2001).
A detecção de homocistina na urina (homocistinú-
ria) pode ser realizada pelas provas de turvação, como Diagnóstico enzimático
o teste do cianeto-nitroprussiato ou o teste de Spaeth- A dosagem da atividade da enzima CBS é conside-
Barber (Spaeth e Barber, 1967), bem como por croma- rada diagnóstica e pode ser realizada em fibroblastos
tografia líquida de aminoácidos tradicional. Tais exames cultivados, mostrando atividade nula ou pratica-
apenas detectam a presença de homocistina, mas não a mente ausente nos homozigotos e inferior a 50% nos
quantificam e estão sujeitos a diversos resultados falso- heterozigotos (Mudd et al., 2001).
positivos ou negativos, devendo servir, portanto, apenas
como exames de triagem. Outros exames, como a croma- Diagnóstico molecular
tografia em camada gasosa, espectrometria de massa ou O gene da CBS está localizado no cromossomo
ensaios imunoenzimáticos, são mais sensíveis e precisos. 21q22.3, contém 2.554 nucleotídeos organizados em
A despeito do nome homocistinúria, as alterações 23 éxons, sendo o polipeptídeo final codificado ape-
bioquímicas mais marcantes dessa condição ocorrem nas pelos éxons 1 a 16 e consistindo em 551 amino-
no plasma, sendo esta a amostra preferencial para o ácidos (Mudd et al., 2001).
diagnóstico (Kahler e Fahey, 2003). Na homocisti- Mais de 130 mutações diferentes foram identifi-
núria por deficiência de CBS ocorre aumento tanto cadas no gene da CBS (Moat et al., 2004). Os indi-
da homocistina quanto da metionina: os níveis plas- víduos afetados são, em sua maioria, heterozigotos
máticos de homocistina são maiores que 100 µM/l compostos para mutações missense privadas. Apenas
ou 3 mg/dl (para valores normais de 5 a 15 µM/l ou duas mutações são mais freqüentes: I278T e G307S,
até 0,03 mg/dl) e de metionina, maiores que 50 µM/l ambas no éxon 8, e, juntas, responsáveis por metade
ou 0,7 mg/dl (para valores normais de 10-40 µM/l ou dos casos. A primeira tem distribuição pan-étnica e
0,2 a 0,6 mg/dl) (Smith et al., 1998). Além dessas responde por cerca de 25% dos alelos mutados. A se-
alterações principais, homocistinúricos podem apre- gunda, que responde por outros 25%, é freqüente em
sentar elevação da concentração de ornitina plasmá- descendentes de populações das ilhas britânicas, da
tica duas a três vezes acima do normal, bem como do França e de Portugal, não tendo sido identificada em
cobre e da ceruloplasmina plasmáticos até 1,4 vez o populações de origem italiana ou da Europa Central
normal (Mudd et al., 2001). (Mudd et al., 2001; Moat et al., 2004).
A concentração plasmática de homocistina varia A mutação I278T confere um fenótipo responsi-
conforme a idade e o sexo, sendo menor nas crianças vo à piridoxina, tanto em homozigose quanto em he-
e nas mulheres, as quais apresentam elevação dos ní- terozigose. Por outro lado, a mutação G307S parece
veis após a menopausa (Mudd et al., 2001). ser não-responsiva à piridoxina, tanto em homozigo-
O encontro de resultados falso-positivos para hi- se quanto em heterozigose. Indivíduos heterozigotos
per-homocisteinemia podem ocorrer na insuficiên- compostos para ambas as mutações são não-responsi-
cia renal, síndrome de Immerslund, anormalidades vos à piridoxina. Quanto às demais mutações, todas
da transcobalamina II, deficiência de folato ou de infreqüentes, não foi possível estabelecer uma cor-
B12, uso de drogas antagonistas do folato, óxido ni- relação genótipo–fenótipo apropriada. Além disso,
troso e outros (Mudd et al., 2001). irmãos homocistinúricos podem apresentar quadros
Mutações que alterem a atividade da MTHFR, clínicos e respostas à piridoxina distintos, ou seja,
especialmente a mutação C677T, e da cb1C, cb1D, genótipos idênticos na CBS nem sempre resultam

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Protocolo Brasileiro de Dietas

em um mesmo fenótipo, mesmo em uma única famí- Cerca da metade dos pacientes com deficiência da
lia (Mudd et al., 2001; Moat et al., 2004). CBS responde parcialmente a altas doses de pirido-
É importante mencionar que o estudo molecular xina. Em pacientes que são completamente responsi-
do gene da CBS, apesar de custoso e trabalhoso pelo vos, a homocistina plasmática em jejum desaparece,
fato de muitos indivíduos apresentarem mutações há redução da hipermetioninemia e aumento da cisti-
privadas, é extremamente específico, pois nenhum nemia a valores compatíveis com a normalidade, após
outro fenótipo anormal foi associado a mutações no o período de algumas semanas tomando-se piridoxi-
na, com doses variando desde alguns miligramas até
CBS e é confiável para a detecção de heterozigotos
1 grama. Na literatura, as doses são variáveis, porém
(Mudd et al., 2001).
Wilckem e Wilckem concluíram que a melhor res-
Diagnóstico pré-natal posta ocorre com doses de 100 a 200 mg/dia. Evita-se
o uso de doses acima de 1 grama de piridoxina pelos
O diagnóstico pré-natal pode ser feito por dosagem seus efeitos colaterais, principalmente a neuropatia
da atividade enzimática em cultura de amnióci- periférica. Deve-se administrar ácido fólico 5 a 10 mg/
tos, mas não em vilos coriônicos (Fowler e Jakobs, dia no início do tratamento, pois a resposta à piridoxi-
1998). A quantificação da homocisteína no líquido na só ocorrerá se não houver depleção de folato.
amniótico também é possível, bem como o estudo Administra-se também a betaína via oral (dose
molecular do DNA fetal (Rabier et al., 1996). máxima de 150 mg/kg/dia) nas principais refeições,
em três doses diárias, pois ela é um importante doa-
Triagem neonatal dor de radical metil para a remetilação da homocis-
Poucos países implantaram programas de triagem teína em metionina.
neonatal para homocistinúria, e alguns descontinua- Em pacientes que não respondem à piridoxina,
deve ser instituída uma dieta pobre em metionina e
ram em razão da baixa incidência dessa condição
rica em cistina. O objetivo do tratamento é manter
(Accinni et al., 2003; Walter, 2003).
níveis de homocisteína plasmática total abaixo de
O método mais utilizado é o ensaio de inibição
60 µM/l, porém são aceitáveis níveis abaixo de 100
bacteriana em amostras de sangue seco em papel-
µM/l (Mudd et al., 2001).
filtro para identificação da metionina. Esse método,
entretanto, é passível de resultado falso-negativo por
ingestão insuficiente de metionina nos primeiros dias Tratamento dietético
de vida, baixa concentração de metionina no leite
Suporte nutricional
materno e em algumas formulações ou coleta muito
precoce, bem como pela presença de antibiótico no 1. Restringir a metionina da dieta na quantidade tolera-
sangue do recém-nascido que pode inibir o cresci- da pelo paciente, mantendo-se os níveis plasmáticos
de acordo com as recomendações de tratamento.
mento bacteriano. Além disso, mutações no gene da
MTHFR, muito mais freqüentes que as mutações da 2. Suplementação de cistina, se necessário, para ma-
CBS, não costumam alterar de modo significativo os nutenção normal da concentração plasmática.
níveis de metionina (Accinni et al., 2003).
Objetivos do suporte nutricional
1. Manter concentração sangüínea de homocisteína
Tratamento dentro da faixa recomendada (até 100 µM/l de homo-
O objetivo do tratamento é reduzir os níveis de homo- cisteína total, porém o ideal é abaixo de 60 µM/l).
cisteína plasmática para o mais próximo do normal e 2. Manter concentrações de metionina dentro do
manter a taxa de ganho ponderoestatural adequada. recomendado (20 a 40 µM/l).

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Homocistinúria

3. Manter concentração plasmática de cistina den- Energia


tro da faixa da normalidade (47 a 87 µM/l). A recomendação energética deve ser suficiente para
4. Promover crescimento adequado em crianças e manter adequado ganho de peso em crianças e ma-
manutenção do peso em adultos. nutenção de peso em adultos. Calorias inadequadas
resultam em déficit de crescimento, perda de peso,
5. Manter um estado nutricional adequado.
catabolismo de proteínas, elevando-se, assim, as
6. Prevenir o catabolismo protéico. concentrações de metionina.
7. Prevenir fenômenos tromboembólicos.
Prescrição dietética
Recomendações na prescrição dietética Metionina
Calcular a quantidade de metionina proveniente da
Metionina
fórmula infantil ou do leite materno e de outros ali-
A recomendação de metionina depende da ativida-
mentos (frutas e vegetais) adicionados à dieta.
de enzimática de cada paciente, idade, crescimento
e estado de saúde. A recomendação, de acordo com a Proteína
faixa etária, pode variar de 5 a 35 mg/kg/dia. • Calcular a quantidade de proteína proveniente
A deficiência de metionina pode levar ao de- da fórmula infantil ou do leite materno e de ou-
créscimo da concentração plasmática de metionina, tros alimentos (frutas e vegetais) da dieta.
aumento na concentração plasmática de fenilalani-
• Subtrair a quantidade calculada do total de pro-
na, prolina, serina, treonina e tirosina; diminuição
teína da prescrição.
na concentração plasmática de colesterol, déficit de
crescimento em crianças e perda de peso em adultos. • Suplementar o restante da proteína necessária com
a fórmula de aminoácidos isenta de metionina.
Cistina
A recomendação da ingestão de cistina deve manter Cistina
a concentração plasmática em níveis adequados de • Calcular a quantidade de cistina proveniente da fór-
tratamento. A cistina somente deve ser suplementa- mula infantil e da fórmula metabólica e verificar se
da além da fórmula metabólica se os níveis plasmáti- está de acordo com a recomendação de tratamento.
cos estiverem fora da recomendação de tratamento. • A cistina somente deverá ser suplementada se as con-
A deficiência de cistina pode elevar as concentra- centrações plasmáticas estiverem abaixo do normal.
ções plasmáticas de homocisteína e promover a dimi-
Energia
nuição das concentrações de cistina, a deficiência de
crescimento em crianças e a perda de peso em adultos. • Calcular a quantidade de energia proveniente da
fórmula infantil ou do leite materno, da fórmula
Proteína metabólica e de outros alimentos (frutas e vege-
A recomendação de proteína é maior que a RDI, tais), caso já tenham sido introduzidos na dieta.
quando a maior fonte protéica provém de L-aminoá-
• Subtrair essa quantidade do total de energia prescri-
cidos, em virtude da rápida absorção, do rápido cata- ta e suplementar o déficit calórico com polímeros de
bolismo e do possível decréscimo na absorção total. glicose e gordura e alimentos livres de proteínas.
Ingestão inadequada de proteína resulta em dé-
ficit de crescimento em crianças, perda de peso em Vitaminas e minerais
adultos, osteopenia, perda de cabelo e diminuição Devem ser suplementados quando não atingirem as
na tolerância de metionina. recomendações nutricionais.

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Protocolo Brasileiro de Dietas

Sugestão de monitoramento Prescrição dietética


clínico-laboratorial Metionina 118 mg/dia
Cisteína 1.180 mg
• Avaliação clínica a cada três meses.
Proteína 35 g/dia
• Dosagem sérica de homocisteína a cada três meses. Energia 1.100 kcal

• Dosagem sérica de proteínas totais e frações, pré- Líquidos 1.593 ml

albumina, cálcio, fósforo, hemograma e fosfatase Met Cis Energia


Produto Quantidade Prot (g)
alcalina a cada seis meses. (mg) (mg) (kcal)
Fórmula
• Densitometria óssea anual. metabólica
108 g – 690 27 334

Açúcar 30 g – – – 120
Exemplo de dieta
Água 1.000 ml – – – –
Criança de 3 meses de idade com homocistinúria, Total/dia 0 690 27 454
pesando 5.400 g.
Outros alimentos que compõem a dieta
Recomendação diária de nutrientes Met Cis Prot Energia
Alimento Porções
(mg) (mg) (g) (kcal)
Metionina 15 mg/kg
Cereais e
Cisteína 300 mg/kg 2 60 40 4,0 180
tubérculos
Proteína 3 g/kg Legumes 4 32 40 1,8 180
Energia 120 kcal/kg Vegetais 2 8 30 0,6 10

Prescrição da dieta Frutas 3 15 30 1,8 120

Metionina 81 mg/dia Óleo 20 ml - - 0 180

Cisteína 1.620 mg Total - 115 120 8,2 670

Proteína 16,2 g Obs.: Suplementar cisteína somente se necessário, de acordo com a concentração plasmática.

Energia 648 kcal


Grupos de alimentos – Equivalente protéico
Met Cis Proteína Energia Porções de frutas Porções de verduras
Produto Quantidade
(mg) (mg) (g) (kcal)
Abacate – 30 g Acelga – 10 g
Fórmula
52 g – 410 13 160 Abacaxi – 150 g Agrião – 15 g
metabólica
Ameixa Vermelha – 150 g Alface – 25 g
Fórmula infantil
32 g 81 74 3,6 161
1o semestre Amora – 50 g Almeirão – 15 g
Maltodextrina 40 g – – – 156 Banana-maçã – 40 g Escarola – 15 g
Óleo 20 ml – – – 180 Banana-nanica – 45 g Pepino – 40 g
* l-cisteína 114 ml – 1.136 – – Caju – 70 g Repolho – 20 g
Água 800 ml – – – – Caqui – 100 g
Total/dia 81 1.620 16,6 657 Goiaba – 50 g
* Preparar suspensão de l-cisteína de 10 mg/ml. Jabuticaba – 100 g
Suplementar somente se as concentrações plasmáticas estiverem abaixo do normal.
Laranja-pêra – 100 g
Exemplo de prescrição dietética para Maçã – 170 g
criança com 2 anos de idade com Mamão – 120 g
homocistinúria, pesando 11.800 g Manga – 150 g
Melancia – 120 g
Recomendação diária de nutrientes
Melão – 75 g
Metionina 10 mg/kg
Nêspera – 150 g
Cisteína 100 mg/kg
Pêra – 100 g
Proteína ≥ 30 g/dia
Tangerina – 75 g
Energia 900-1.800 kcal
Uva (média) – 40 g
Líquidos 135 ml/kg (cont.)

42

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Homocistinúria

Porções de legumes Porções de cereais e tubérculos


Abóbora – 100 g Arroz branco cru – 25 g
Abobrinha – 120 g Batata – 100 g
Berinjela – 120 g Batata-doce – 90 g
Beterraba – 40 g Mandioca – 100 g
Cebola – 70 g Mandioquinha – 120 g
Cenoura – 100 g
Chuchu – 50 g
Couve-flor – 50 g
Tomate – 100 g

Recomendação diária de nutrientes para portadores de homocistinúria


Met Cis Proteína Energia Líquidos
Idade
(mg/kg) (mg/kg) (g/kg) (kcal/kg) (ml/kg)
0 < 3 meses 15-30 300 3,5-3,0 120 (145-95) 150-125
3 < 6 meses 10-25 250 3,5-3,0 115 (145-95) 160-30
6 < 9 meses 10-25 200 3,0-2,5 110 (135-80) 145-125
9 < 12 meses 10-20 200 3,0-2,5 105 (135-80) 135-20
Meninos e meninas (mg/kg) (mg/kg) g/dia (kcal/dia) (ml/dia)
1< 4 anos 10-20 100-200 ≥ 30 1.300 (900-1.800) 900-1.800
4 < 7 anos 8-16 100-200 ≥ 35 1.700 (1.300-2.300) 1.300-2.300
7 < 11 anos 6-12 100-200 ≥ 40 2.400 (1.650-3.300) 1.650-3.300
Mulheres
11 < 15 anos 6-14 50-150 ≥ 50 2.200 (1.500-3.000) 1.500-3.000
15 < 19 anos 6-12 25-125 ≥ 50 2.100 (1.200-3.000) 1.200-3.000
≥ 19 anos 4-10 25-100 ≥ 50 2.100 (1.400-2.500) 1.400-2.500
Homens
11 < 15 anos 6-14 50-150 ≥ 55 2.700 (2.000-3.700) 2.000-3.700
15 < 19 anos 6-16 25-125 ≥ 65 2.800 (2.100-3.900) 2.100-3.900
≥ 19 anos 6-15 25-100 ≥ 65 2.900 (2.000-3.300) 2.000-3.300

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44

OS 3052 EIM.indd 44 10/11/2006 00:00:26


Capítulo 4

Doenças do ciclo
da uréia (DCU)

Introdução um quadro mais brando. A incidência de todos os


defeitos é variável de uma região para outra, tendo
O ciclo da uréia é a via final da excreção de com-
uma variação de 1:8.000 a 1:30.000 nascidos vivos,
postos nitrogenados não utilizados no anabolismo
sendo a OTC a mais freqüente.
em mamíferos. Ela é produzida a partir da amônia
O quadro clínico, em geral, pode ser dividido
no processo conhecido como detoxificação hepáti-
em dois grupos: com manifestação de início neona-
ca. A amônia, que não é excretada pelo rim, é uma
tal ou de início mais tardio, dependendo do grau de
substância normalmente encontrada nos fluidos cor-
deficiência da enzima relacionada.
porais, mas seu aumento de concentração é extre-
mamente danoso e prejudicial ao organismo por sua
Neonatal
grande neurotoxicidade (Brusilow, 2001).
Normalmente são crianças nascidas a termo sem in-
A amônia é transformada em uréia num processo
tercorrência e, em torno do primeiro ao quinto dia
que utiliza seis enzimas: carbamoil fosfato sintetase
(CPS), ornitina transcarbamilase (OTC), argini- de vida, passam a apresentar diminuição da aceitação
nosuccinato sintetase (AS), argininosuccinato liase alimentar, vômitos freqüentes, letargia, hipotonia e
(AC), arginase (A) e N-acetilglutamato sintetase hiperventilação. O diagnóstico de sepse é freqüente-
(NAGS). Um bloqueio no ciclo da uréia pode ocor- mente considerado, mas os exames não evidenciam
rer como resultado de uma deficiência em quaisquer infecção. Podem evoluir para tremores, convulsões,
dessas reações enzimáticas ou por depleção dos ami- apnéia, coma, aumento da pressão intracraniana e
noácidos essenciais para a função normal, em decor- óbito. Ao exame físico, podem também apresentar
rência de um defeito no transporte de aminoácidos hepatomegalia, e os exames laboratoriais revelam
dibásicos (intolerância à proteína com lisinúria, aumento dos níveis plasmáticos de amônia, leve au-
IPL), defeito de transporte de membrana mitocon- mento das enzimas hepáticas e alcalose respiratória.
drial (hiperornitinemia, hiperamonemia com ho-
mocitrulinúria, HHH) e defeito do transportador
Apresentação tardia
dependente de cálcio da mitocôndria (citrulinemia Os primeiros sinais podem aparecer com meses a
tipo 2) (Summar et al., 2001). anos de vida. Mais comumente ocorrem em surtos
As doenças do ciclo da uréia (DCU) têm herança nos quais os sintomas são devidos ao aumento da
autossômica recessiva, com exceção da deficiência da amônia: perda de apetite, vômitos, letargia, altera-
ornitiltranscarbamilase, que é ligada ao X. Mulheres ções de comportamento, irritabilidade, confusão,
afetadas pela deficiência de OTC podem apresentar cefaléia, ataxia, distonia, coreoatetose, convulsões e

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Protocolo Brasileiro de Dietas

sinais neurológicos focais. Em quadros crônicos são Diagnóstico


descritas insônia, alucinações e psicoses.
A avaliação laboratorial de um paciente com sus-
Algumas dessas doenças têm particularidades em
peita de defeito do ciclo da uréia inclui: dosagem
relação aos sintomas:
plasmática de amônia, gasometria, dosagem de ami-
• hiperargininemia – quadriplegia ou diplegia espástica
noácidos no sangue, ânion gap, glicemia e ácidos
progressiva e retardo mental, ataxia e coreoatetose;
orgânicos na urina com dosagem de ácido orótico.
• HHH – quadriplegia e despigmentação retiniana;
Ensaios enzimáticos específicos ou análise molecular
• LPI – glomerulonefrite, pneumonia intersticial e também são recomendados (Tabela 1).
osteoporose; Em pacientes com quadro clínico compatível, o
• acidúria argininosuccínica – tricorrexe nodosa e encontro de níveis de amônia acima de 150 µM/l, as-
fragilidade capilar. sociado a ânion gap e glicemia normais, é altamente
indicativo da presença de DCU (Wilcken, 2004).
Em adolescentes e adultos o achado mais comum O nível normal de amônia em adultos sadios é de
é a encefalopatia. Sintomas agudos podem ocorrer até 100 ug/dl (100 µM/l). Em recém-nascido (RN),
como conseqüência de um estresse metabólico. é aceitável um nível de até 150 ug/dl (150 µM/l).

Via metabólica

Ciclo da uréia 1. Carbamilfosfato sintetase


1 4. Argininosuccinatoliase
4

2. Ornitina transcarbamilase
2 5. Arginase
5
Degradação de proteínas
Fenilbutirato
3. Argininosuccinato sintase
3 6. N-acetilglutamato sintetase
6

Fenilacetato
Fenilacetatilglutamina
Glutamina
Alanina
Aspartato Benzoato Benzoil-CoA
Glicina Hipurato
Glutamato

6
acetilCoA
NH3
Aspartato
N-acetilglutamato Ácido
1
orótico
Citrulina Citrulina
Orotidina
Carbamilfosfato 3 Argininosuccinato

Arginina Fumarato
2 5

Ornitina Ornitina
Uréia

Urina

Mitocôndria Citosol

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Doenças do ciclo da uréia (DCU)

De maneira geral, crianças com defeitos no ciclo da uréia ou 25%, num total de 150 a 200 kcal/kg/dia. O uso de
apresentam valores plasmáticos acima de 400 ug/dl. benzoato de sódio oral ou intravenoso na dose de 500
Entre os cuidados na coleta de amostras para dosa- mg/kg/dia ou de fenilbutirato de sódio na dose de 600
gem de amônia, recomenda-se centrifugar o sangue co- mg/kg/dia cria uma rota alternativa, diminuindo con-
letado e congelar o plasma, se não for ser dosado na mes- sideravelmente os níveis plasmáticos de amônia (ver
ma hora, pois hemólise mínima já altera os resultados, ciclo). Cada molécula de benzoato de sódio depura
portanto aconselha-se a realização de várias dosagens. uma molécula de amônia, enquanto cada molécula de
fenilbutirato consegue depurar duas de amônia.
Tabela 1. Quadro-resumo com as alterações É contra-indicado o uso de corticóides no edema
mais comuns do ciclo da uréia
cerebral secundário à hiperamonemia, enquanto o
Enzima Doença Aminoácidos
Ácido de manitol é discutível. A melhora se dá 12 horas
orótico
↑ Glutamina e alanina
após a diminuição dos níveis de amônia plasmática
CPS Def. de CPS Normal
↓ Citrulina e arginina com as medidas mencionadas.
↑ Glutamina e alanina
OTC Def. de OTC ↑↑
↓ Citrulina e arginina

AS Citrulinemia
↑↑ Citrulina

Objetivos da terapia nutricional
↓ Arginina
↑ Citrulina • Estabilizar as alterações metabólicas.
Acidúria
AC ↑ Ác. argininosuccínico ↑
Argininosuccínica
↑ Arginina • Evitar o catabolismo protéico.
Arginase Def. Arginase ↑↑ Arginina Normal
• Evitar agravos neurológicos.

Diagnóstico diferencial deve ser feito com outros • Suprir as recomendações de nutrientes e energia
erros inatos do metabolismo que aumentam os níveis para garantir o crescimento e o desenvolvimento
de amônia, como as acidúrias orgânicas e doenças em crianças e a manutenção de peso em adultos.
mitocondriais.
Tratamento a longo prazo
Fase aguda A terapia nutricional dos defeitos do ciclo da uréia
O objetivo do tratamento das DCU é fazer a depura- tem como objetivo principal manter a concentração
ção da amônia, levando seus níveis para concentra- plasmática de amônia o mais próximo possível do
ções não-tóxicas. Pode-se dividir o tratamento em normal, por meio de dieta adequada em proteína,
duas situações: emergencial e crônico. aminoácidos e outros nutrientes essenciais.
Recém-nascido ou criança gravemente enferma e
Restrição dietética de proteína
com nível de amônia igual ou acima de 600 µg/dl ne-
cessita de suspensão imediata das proteínas da dieta e A restrição de proteína na dieta deve atender à to-
de diálise peritoneal, hemodiálise ou hemofiltração. lerância individual, evitando a hiperamonemia e o
A suplementação de L-arginina (300 mg/kg/dia) e catabolismo protéico e propiciando o crescimento e
L-carnitina (200 mg/kg/dia) é recomendada até a o ganho de peso adequado para crianças e a manu-
definição diagnóstica. tenção de peso em adultos.
Na presença de descompensação metabólica, reco-
menda-se suspender as proteínas da dieta por 48 a 72 Concentração plasmática de aminoácidos
horas. A reintrodução deve ser lenta e progressiva com Manter a concentração plasmática de duas a quatro ho-
0,25 a 0,5 g/kg/dia. A manutenção do aporte calórico ras pós-prandial, nas concentrações abaixo ou nas quan-
por via parenteral central deve ser com glicose 10% tidades normais determinadas pelo laboratório local.

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Protocolo Brasileiro de Dietas

Aminoácidos mg/dl • A quantidade necessária vai depender da tole-


Arginina 1,75-2,60 rância individual e da concentração plasmática.
Ácido aspártico 0,18-0,67
• Arginina: na maioria dos casos, a quantidade
Citrulina 0,52-2,24
prescrita é de 100 a 500 mg/kg de peso/dia.
Glutamina 4,90-11,04
Glicina 0,75-1,28 • Citrulina: a quantidade inicial prescrita é de 170
Serina 1,05-1,79 mg/kg de peso/dia.

Suplementação de vitaminas e minerais


Prescrição de aminoácidos essenciais A suplementação de vitaminas e minerais pode ser
O suporte nutricional dos defeitos do ciclo da uréia necessária em conseqüência da restrição dietética e
da administração de benzoato de sódio, fenilacetato
requer a restrição da ingestão de nitrogênio e conse-
de sódio ou fenilbutirato de sódio. A suplementação
qüente necessidade de suprir de um terço à metade da
deve levar em conta a dieta orientada, o consumo
recomendação de proteína na forma de aminoácidos
alimentar e a avaliação nutricional.
essenciais, por meio de fórmula metabólica específica
para o manejo dessas doenças. Doença
Defeito Nutriente Tratamento
metabólica
enzimático restrito dietético
hereditária
Suplementação de L-carnitina
Ciclo da uréia
Em virtude da restrição de proteína da dieta, pode ser ne- Restrição
cessária a suplementação de 50 a 100 mg/kg de peso/dia protéica,
suplementação
Deficiência da
de L-carnitina. A suplementação também colabora para carbamoilfosfato
Carbamoilfosfato
Proteína
de aminoácidos
sintase essenciais
sintase
a diminuição da concentração plasmática de amônia. (fórmula
metabólica) e
citrulina
Prescrição de benzoato e fenilbutirato de sódio
Restrição
• Benzoato de sódio: 250 a 500 mg/kg/dia (1 molé- protéica,
Deficiência suplementação
cula elimina 1 molécula de nitrogênio, unindo-se da ornitina Ornitina carbamoil
Proteína
de aminoácidos
carbamoil -transferase essenciais
à glicina). transferase (fórmula
metabólica) e
• Fenilbutirato de sódio: 250 a 650 mg/kg/dia (1 citrulina
Restrição
molécula elimina 2 moléculas de nitrogênio), protéica,
mais bem tolerado. suplementação
Argininosuccinato de aminoácidos
Citrulinemia Proteína
sintase essenciais
O excesso de benzoato leva à perda de apetite, (fórmula
metabólica) e
vômitos, acidose metabólica, hiperventilação e co- arginina

lapso cardiopulmonar – níveis plasmáticos maiores Restrição


protéica,
que 2 nM/l –, com quadro clínico semelhante ao da suplementação
Acidúria Argininosuccinato de aminoácidos
hiperamonemia. Devem-se propiciar caminhos me- argininosuccínica liase
Proteína
essenciais
(fórmula
tabólicos alternativos e diminuir a concentração de metabólica) e
arginina
precursores tóxicos.
Restrição
protéica,
Suplementação de arginina ou citrulina suplementação
Argininemia Arginase Proteína de aminoácidos
• A suplementação de arginina ou citrulina é ne- essenciais
(fórmula
cessária em todos os defeitos de ciclo da uréia, metabólica)
com exceção da deficiência de arginase. Fonte: Batshaw ML, MacArthur RB, Tuchman M. J Pediatrics 2001; 138 (suppl.): S46-61.

48

OS 3052 EIM.indd 48 10/11/2006 00:00:31


Doenças do ciclo da uréia (DCU)

Energia Exemplos de dietas


A quantidade energética recomendada pode ser
Exemplo 1 – Deficiência da ornitina
maior que a sugerida para crianças e adultos saudá- carbamoiltransferase
veis a fim de propiciar substratos para a síntese de
Criança do sexo feminino, com 3 meses de idade, 58
aminoácidos não-essenciais.
cm de estatura e peso de 5.000 g.
Proteínas
A quantidade de proteína recomendada deve propi- Recomendação diária de nutrientes e energia

ciar a normalização metabólica e o crescimento ade- Idade


L-citrulina* Proteína Energia
(mg/kg/dia) (g/kg/dia) (kcal/kg/dia)
quado. A necessidade pode ser aumentada se benzoa-
170 mg/kg
3 a < 6 meses 2,00-1,15 108
to de sódio, fenilacetato de sódio ou fenilbutirato de (dose inicial)

sódio forem administrados. Fonte: Elsas e Acosta (1999); Leonard (2001).

Carboidratos
Energia: 550 calorias/dia
A quantidade de carboidratos não deve propiciar Proteína: 10 g/dia
mais que 50% do total de energia, pois freqüen- L-citrulina: 850 mg/dia
temente é encontrado aumento de triacilglicerol
plasmático. A fórmula metabólica e a fórmula láctea para a
idade devem atender à restrição de proteína na die-
Água
ta, considerando a tolerância individual e evitando a
A dieta deve proporcionar a quantidade de água re-
hiperamonemia e o catabolismo protéico.
comendada para crianças e adultos saudáveis.

Exemplo 2 – Deficiência da ornitina


Idade/doença Proteína Energia carbamoil transferase
(g/dia) (kcal/kg) Criança do sexo masculino com 1 ano e 6 meses de
0 a 3 meses 2,20-1,25 150-125
idade, 85 cm de estatura e peso de 12.000 g.
3 a 6 meses 2,00-1,15 140-120
6 a 9 meses 1,80-1,05 130-115
9 a 12 meses 1,60-0,90 120-110 Recomendação diária de nutrientes e energia
(mg/kg) (kcal/dia) Idade L-citrulina* Proteína Energia
(mg/kg/dia) (g/dia) (kcal/dia)
1 a 4 anos 8-12 945-1.890
1 a 4 anos 170 mg 8 a 12 g 1.230
4 a 7 anos 12-15 1.365-2.415 (dose inicial)
7 a 11 anos 14-17 1.730-3.465 Fonte: Elsas e Acosta (1999); Leonard (2001).
Mulheres
11 a 15 anos 20-23 1.575-3.150 Energia: 1.230 calorias/dia
15 a 19 anos 20-23 1.260-3.150 Proteína: 10 g/dia
≥ 19 anos 22-25 1.785-2.625
L-citrulina: 2.000 mg/dia
Homens
11 a 15 anos 20-23 2.100-3.885
15 a 19 anos 21-24 2.200-4.095
≥ 19 anos 23-32 2.625-3.465

49

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Protocolo Brasileiro de Dietas

Alimentos Quantidade
Fórmula metabólica 13 g Outros tratamentos
Açúcar e/ou maltodextrina 100 g
Anticonvulsivantes são necessários, muitas vezes, mas
Amido de milho 10 g
Óleo de soja 15 ml
não se deve utilizar valproato de sódio, pois pode levar
Água 1.000 ml a uma descompensação fatal. Transplante hepático é
Rendimento: 5 mamadeiras de 220 ml/dia contra-indicado em caso de presença de lesão neuroló-
Água ............................... 20 ml gica grave e irreversível e em outras condições clínicas
L-citrulina (pó) .............. 2.000 mg desfavoráveis, como imunodeficiência adquirida.
Modo de preparo: misturar a fórmula em água fervida e fria.
Cereais e tubérculos 1 porção/dia
Legumes 2 porções/dia
Acompanhamento
Verduras 2 porções/dia Controles com consultas médicas, nutricionais e exa-
Frutas 4 porções/dia mes subsidiários devem ser realizados a cada três meses,
Óleo vegetal 10 g/dia como rotina; nas intercorrências, seguir o recomenda-
Porções de frutas Porções de Verduras do da fase aguda. Os exames subsidiários incluem he-
Abacate – 30 g Acelga – 10 g mograma, gasometria venosa, eletrólitos, função renal
Abacaxi – 150 g Agrião – 15 g
e hepática, ácido orótico, dosagem sérica de proteína
Ameixa vermelha – 150 g Alface – 25 g
(incluindo pré-albumina) e imagens de sistema nervo-
Amora – 50 g Almeirão – 15 g
so central ou abdominal, quando necessário.
Banana-maçã – 40 g Escarola – 15 g
Banana-nanica – 45 g Pepino – 40 g
Caju – 70 g Repolho – 20 g
Bibliografia
Caqui – 100 g Tomate – 25 g
1. Batshaw ML, MacArthur RB, Tuchman M. Alternative
Goiaba – 50 g
pathway therapy for urea cycle disorders: twenty years
Jabuticaba – 100 g later. J Pediatri 2001;138(Suppl):S46-55.
Laranja-pêra – 100 g
2. Berry GT, Steiner RD. Long-term management of patients with
Maçã – 170 g urea cycle disorders. J Pediatri 2001;138(Suppl):S56-61.
Mamão – 120 g
3. Brusilow SW, Horwich AL. Urea cycle enzymes in scriver. In:
Manga – 150 g Beaudet CR, Sly L, Valle D. The metabolic and molecular
Melancia – 120 g bases of inherited disease. New York, McGraw Hill, 2001.
Melão – 75 g 4. Brusilow SW, Maestri NE. Urea cycle disorders: diagnosis,
Nêspera – 150 g pathophysiology, and therapy. Adv Pediatri 1996;43:127-70.
Pêra – 100 g 5. Burtons BK. Pediatric Liver: helping adults by treat-
Tangerina – 75 g ing children: urea cycle disorders. Clinics in Liver Disease
Uva (média) – 40 g 2000;4(4).
Porções de legumes Porções de cereais e tubérculos 6. Colombo MC, Cornejo VE, Raiman EB. Erroes innatos em el
Abóbora – 50 g Arroz branco cru – 25 g metabolismo del niño. 2 ed. 2003.
Abobrinha – 60 g Batata – 100 g 7. Elsas LJ, Acosta FB. Nutritional support of inherited me-
Berinjela – 60 g Batata-doce – 90 g tabolic disease. In: Shils ME. Modern nutrition in heal-
th and disease. 9 ed. Philadelphia, Lea & Febinger, pp.
Beterraba – 20 g Mandioca – 100 g
1003-56, 1999.
Cebola – 35 g Mandioquinha – 120 g
8. Fernandes J, Saudubray JM, Van den Berghe G. Inborn
Cenoura – 50 g
metabolic diseases diagnosis and treatment. 3 ed. 2000.
Chuchu – 25 g
9. Leonard JV. The nutritional manangement of urea cycle
Couve-manteiga – 40 g
disorders. J Pediatri 2001;138(Suppl):S40-6.
Couve-flor – 25 g
10. Maestri NE, Clissold D, Brusilow SW. Neonatal onset orni-
Escarola – 35 g
thine transcarbamylase deficiency: a retrospective analy-
Espinafre – 20 g
sis. J Pediatri 1999;134(3):255.

50

OS 3052 EIM.indd 50 10/11/2006 00:00:33


Doenças do ciclo da uréia (DCU)

11. National Research Council. Dietary reference intakes for 15. National Research Council. Dietary reference intakes for
calcium, phosphorus, magnesium, vitamin d, and fluori- vitamin c, vitamin e, selenium, and carotenoids. USA, Na-
de. USA, National Academy Press, 1997. tional Academy Press, 2000.
12. National Research Council. Dietary reference intakes for 16. Summar M, Tuchman M. Proceedings of a consensus
energy, carbohydrate, fiber, fat, fatty acids, cholesterol, conference for the management of patients with urea
protein, and amino acids (macronutrients). USA, National cycle disorders. J Pediatri 2001;138(Suppl):S6-10.
Academy Press, 2002. 17. Summar M. Current strategies for the manangement of ne-
13. National Research Council. Dietary reference intakes for onatal urea cycle disorders. J Pediatri 2001;138:S30-9.
iron, vitamin a and K, arsenic, boron, chromium, copper, 18. Thoene JG. Treatment of urea cycle disorders. J Pediatr
iodine, manganese, molybdenum, nickel, silicon, vana- 1999;134(3):255-6.
dium, and zinc. USA. National Academy Press, 2001.
19. Wilcken B. Problems in the manangement of urea
14. National Research Council. Dietary Reference Intakes for cycle disorders. Molecular Genetics and Metabolism
Thiamin, Riboflavin, Niacin, Vitamin B6, Folate, Vitamin 2004;81(Suppl):S86-91.
B12, Pantothenic Acid, Biotin, and Choline. USA. Natio-
nal Academy Press, 2000.

51

OS 3052 EIM.indd 51 10/11/2006 00:00:33


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Capítulo 5

Leucinose: doença do
xarope de bordo

Introdução leucina plasmática, o crescimento adequado, a preven-


ção da deficiência de isoleucina, valina e aminoácidos
A leucinose ou doença do xarope de bordo (maple
neutros, além de controle do catabolismo durante as en-
syrup urine disease – MSUD) foi descrita pela primeira fermidades intercorrentes. É importante ressaltar que, se
vez em 1954 por Menkes. Trata-se de uma aminoa- o paciente recebe tratamento dietético por toda a vida,
cidopatia caracterizada por aumento acentuado na com bom controle, espera-se que ele tenha crescimento e
concentração dos aminoácidos essenciais da cadeia desenvolvimento normais. Entretanto, a função neuroló-
ramificada leucina, isoleucina e valina. gica pode deteriorar-se rapidamente na descompensação
A incidência estimada da doença é de 1:500.000 metabólica aguda por causa de infecções e traumatismos.
nascidos vivos, embora na população de judeus me- Após a idade de 4 anos, quando as infecções se tornam
nonitas, por efeito fundador, seja de 1:200. Seu me- menos freqüentes, é provável que exercícios e fadiga mus-
canismo de herança é autossômico recessivo. cular, combinados com um consumo calórico inadequa-
Como essa doença não é rotineiramente investigada do, sejam a principal causa de intoxicação metabólica em
nos testes de triagem neonatal, torna-se necessário reco- criança com leucinose.
nhecê-la clinicamente. O ideal é que seja feito o diagnósti- Ao contrário do que ocorre em outras encefalopa-
co precoce da doença que se manifesta como encefalopatia tias metabólicas, como acidemias glutárica, propiônica
metabólica. Os pacientes apresentam cheiro caramelado, e metilamônica, deficiência da desidrogenase piruvira-
adocicado, característico de xarope de bordo, tão logo se to, defeitos no transporte de elétrons e hiperbilirrubi-
iniciam os sintomas neurológicos. O diagnóstico se faz por nemia indireta, os sinais neurológicos e as alterações
meio da análise de aminoácidos no plasma. observadas na ressonância nuclear magnética do encé-
O gerenciamento clínico da doença do xarope de bor- falo na intoxicação aguda são completamente reversí-
do envolve metas para manter a concentração normal de veis em pacientes com leucinose.

Via metabólica
Leucina Isoleucina Valina

Ácido 2-oxoisocapróico Ácido 2-oxo-metil-N-valérico Ácido 2-oxoisovalérico

Complexo enzimático desidrogenase


Bloqueio enzimático
de cetoácidos de cadeia ramificada

Isovaleril-CoA 2-metilbutiril-CoA Isobutiril-CoA

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Protocolo Brasileiro de Dietas

Classificação clínica Forma responsiva à tiamina

Forma clássica Os pacientes têm de 30% a 40% da atividade residual


de desidrogenase de cetoácidos de cadeia ramificada.
Os pacientes têm menos de 2% da atividade normal
É similar à forma intermediária, embora mais rara.
de desidrogenase de cetoácidos de cadeia ramificada.
Crises metabólicas agudas ocorrem na infância e os
É a forma mais grave e mais comum. Os sintomas ge-
pacientes são previamente assintomáticos ou apresen-
ralmente surgem entre 4 e 7 dias de vida, com letargia,
tam atraso no desenvolvimento. Os níveis elevados
sucção débil, ingesta deficiente, perda de peso, sinto-
de aminoácidos de cadeia ramificada são observados
mas neurológicos, alternando-se hipotonia e hipertonia
apenas nas crises agudas. Os pacientes são responsivos
muscular, postura distônica em extensão dos membros
à tiamina na dose diária de 100 a 150 mg.
superiores semelhante à observada na descerebração e
cetose. Também constatam-se teste do dinitrofenil-hi-
Forma por deficiência de
drazina (DNPH) positivo na urina, odor de xarope de
diidrolopil-desidrogenase (E3)
bordo na urina e na cera do ouvido, convulsões, coma,
fontanela abaulada e edema cerebral, levando à morte. A diidrolopil-desidrogenase (E3) é parte do com-
Hipoglicemia é pouco freqüente. plexo desidrogenase de cetoácidos de cadeia rami-
ficada e sua deficiência é muito rara. Clinicamente,
Forma intermediária é similar à forma intermediária. Os sintomas podem
Os pacientes têm de 3% a 30% da atividade normal surgir no período neonatal ou mais tarde. Ocorre
de desidrogenase de cetoácidos de cadeia ramificada. acidose lática grave.
É uma forma menos grave e menos comum que a
forma clássica. Os sintomas surgem mais tarde, e ge-
Diagnóstico
ralmente as crianças têm o diagnóstico entre 5 meses
e 7 anos de idade, quando avaliadas para atraso do O quadro clínico, conforme já descrito, e o resultado
desenvolvimento neuropsicomotor e/ou convulsões, positivo no teste DNPH ao teste de triagem urinário
podendo ser observado o odor clássico de xarope de levam à suspeita de leucinose. O diagnóstico final é
bordo. A encefalopatia aguda ocorre raramente. realizado por dosagem de aminoácidos no plasma por
cromatografia líquida (HPLC), com a presença dos me-
Forma intermitente tabólitos específicos em quantidades anormais, ou seja,
Os pacientes têm de 5% a 20% da atividade normal elevação dos aminoácidos de cadeia ramificada – leu-
de desidrogenase de cetoácidos de cadeia ramificada. cina, isoleucina e valina – e aumento da aloisoleucina.
É uma forma menos grave e menos comum que a for- Se for realizada a espectometria de massa em tandem,
ma clássica. Crises metabólicas agudas ocorrem em o diagnóstico pode ser confirmado pela leucina e ala-
pacientes previamente assintomáticos, inicialmen- nina. Trabalhos realizados em neonatos demonstraram
te entre 5 meses e 2 anos de idade, caracterizadas que, para uma relação normal de leu/ala de 0,1 a 0,4, os
por desequilíbrio na marcha, alterações no compor- neonatos afetados apresentavam uma relação de 1,3 a
tamento, cheiro de xarope de bordo na urina, po- 12,4 (Morton et al., 2002).
dendo evoluir para convulsões e coma. Cetoacidose O diagnóstico também pode ser confirmado em
pode ocorrer. Os níveis elevados de aminoácidos de dosagem de ácidos orgânicos na urina – cetoacidú-
cadeia ramificada são observados apenas nas crises ria de cadeia ramificada (alfa-cetoisocaproato, alfa-
agudas. ceto-beta-metilisovalerato, alfa-cetoisovalerato).

54

OS 3052 EIM.indd 54 10/11/2006 00:00:35


Leucinose: doença do xarope de bordo

Diagnóstico pré-natal pela diferença entre a necessidade de proteína total cal-


culada e a tolerância à leucina da proteína natural.
Pode ser realizado pela análise e cultura de células do
Necessidades calóricas diárias: a tolerância à
vilo corial ou de líquido aminiótico, com medida de
leucina de um paciente é também fortemente in-
atividade do complexo desidrogenase de cetoácidos
fluenciada pelo consumo calórico diário e consumo
de cadeia ramificada. energético. Se a necessidade calórica diária não for
suprida, os substratos de reserva, incluindo as prote-
Diagnóstico diferencial
ínas endógenas, são catabolizados.
O principal diferencial são as acidúrias orgânicas com
quadro de descompensação no período neonatal. Tratamento da crise aguda
A crise aguda ocorre no período neonatal ou em situações
Tratamento de catabolismo, infecções e desequilíbrio dos aminoáci-
dos de cadeia ramificada. O objetivo principal é atingir o
O tratamento é geralmente dietético, mas se deve
controle dos níveis de leucina com o fornecimento ade-
tentar o uso de tiamina 10 mg/kg/dia como prova
quado de calorias e de fórmula especial específica para
terapêutica para a forma responsiva à tiamina.
evitar o catabolismo. Atualmente, dá-se preferência ao
Existem três fatores básicos a serem considerados
tratamento hipercalórico, que mostra resultados superio-
no controle da dieta de leucinose: tolerância à leu-
res à utilização de diálise feita no passado.
cina, necessidade de proteína total requerida para
A monitoração dos níveis de aminoácidos de
crescimento normal, necessidades calóricas diárias.
cadeia ramificada deve ser feita, se possível, a cada
Tolerância à leucina: a tolerância à leucina é de-
12 horas para direcionar o tratamento. Devem ser
finida como a quantidade de leucina na dieta natural
interrompidas todas as fontes de proteína natural,
que permite níveis séricos normais desse aminoáci-
incluindo o leite materno. Uma dieta isenta de ami-
do. A tolerância é individual e varia nas diferentes
noácidos de cadeia ramificada deve ser iniciada e, se
idades: os recém-nascidos com leucinose clássica to-
não for possível a utilização da via oral por causa da
leram de 70 a 90 mg/kg/dia, que diminui para 40 mg/
sucção débil, utiliza-se sonda nasogástrica.
kg/dia aos 6 meses de idade e para 20 a 30 mg/kg/ dia
A leucina deverá ser adicionada à dieta somente
entre os 18 e 24 meses. A diminuição à tolerância de
após a normalização dos seus níveis. Outros aminoá-
leucina na infância reflete o decréscimo gradual na
cidos devem ser fornecidos, entre eles a isoleucina, a
velocidade de crescimento. Depois dos 18-24 meses
valina e a tirosina, com a finalidade de proteger o cére-
de idade, essa tolerância permanece em torno de 15 a
bro dos altos níveis de leucina, em virtude do equilíbrio
25 mg/kg/dia, até alcançar a altura e o peso adulto, e,
existente entre os aminoácidos. Além disso, a posição
após parar o crescimento, permanece em 10 a 15 mg/
em opistótono está associada a níveis baixos de tirosina.
kg/dia. A tolerância à leucina é um valor relativo.
A reposição de glutamina e alanina é fundamental para
Mudanças na tolerância ocorrem em conseqüência
a normalização dos níveis de neurotransmissores que se
da saúde e do estado nutricional do paciente. Quando
encontram diminuídos quando a leucina está elevada.
o paciente está doente ou a dieta não é suficiente em
calorias ou nutrientes para permitir um crescimento Nutrição na crise
normal, então essa tolerância diminui. • Ingestão calórica total: 120 a 140 kcal/kg/dia.
Necessidade de proteína total requerida para cres-
• Lípides: 40% a 50% das calorias.
cimento normal: a proteína natural contém 4% a 7% de
leucina. A quantidade de proteína fornecida mediante • Proteínas como aminoácidos essenciais e não-es-
fórmula metabólica, com base em mistura de aminoáci- senciais: 3 a 4 g/kg/dia.
dos livre de leucina, isoleucina e valina, é determinada • Isoleucina e valina: 80 a 120 mg/kg/dia.

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Protocolo Brasileiro de Dietas

• Suplementação de tirosina, histidina e treonina, • fornecer maior quantidade de calorias;


conforme a necessidade, para manter os níveis • tratar as doenças associadas (por exemplo, usar
plasmáticos normais. antibióticos para as infecções);
• Glutamina e alanina: 250 mg/kg/dia cada. • utilizar antiemético não-sedativo para controle de
náuseas e vômitos (cloridrato de ondansetrona);
Para controle do edema cerebral
• monitorar os níveis de aminoácidos diariamente.
1. NaCl 5% no soro venoso: 5 a 10 mEq/kg/dia
- monitorar o sódio sérico duas vezes ao dia: man- Tratamento a longo prazo
ter a concentração de sódio sérico entre 140 e
145 mEq/l; Tratamento dietético
- repor as perdas de sódio na urina. Objetivos do suporte nutricional
2. Furosemida: 0,5 a 1 mg/kg, a cada seis horas, para • Restringir isoleucina, leucina e valina da dieta
prevenir a retenção de água nas quantidades toleradas pelo paciente, man-
tendo os níveis plasmáticos de acordo com as re-
- monitorar as concentrações de sódio e potássio comendações de tratamento.
séricos e a osmolaridade sérica;
• Promover o crescimento adequado em crianças e
- manter o volume urinário de 2 a 4 ml/kg/hora, a manutenção do peso em adultos.
com osmolaridade urinária baixa (< 300-400
• Manter um estado nutricional adequado.
µosm/l) e densidade urinária < 1.010;
- pesar a criança de 12/12 horas; • Prevenir o catabolismo protéico.
- avaliar a tensão da fontanela e medir o períme-
tro cefálico para verificar as alterações da pres- Recomendações na prescrição dietética
são intracraniana do lactente; Isoleucina, leucina e valina
- fazer balanço hídrico de 12/12 horas; A recomendação desses aminoácidos depende da ativi-
- manter sinais vitais estáveis; dade enzimática de cada paciente, idade, crescimento,
estado de saúde e adequação de energia e proteína.
- providenciar exames de sangue (íons, aminoá- A deficiência de isoleucina pode levar à perda
cidos no plasma) e monitorar perdas de sódio de peso ou ao não-ganho, a vermelhidão na mucosa
urinário e densidade urinária a cada 12 horas. da boca, fissuras no canto da boca, tremores nas ex-
3. Manitol: 0,5 g/kg EV tremidades, redução no colesterol plasmático e nas
- avaliar seu uso, se houver aumento da pressão intra- concentrações de isoleucina, aumento plasmático de
craniana que cause risco de morte (herniação), geral- lisina, fenilalanina, serina, tirosina e valina, e desca-
mente 12 a 16 horas após o início do tratamento. mação da pele.
Já a deficiência de leucina pode ocasionar perda
4. Reiniciar dieta oral ou por gavagem tão logo quan-
de apetite, apatia, irritabilidade, perda de peso ou
to possível, acrescentando NaCl na fórmula da
pouco ganho, redução na concentração plasmática
dieta, 6 mEq/kg/dia (o sal de cozinha comum tem de leucina, aumento plasmático de isoleucina, me-
17 mEq de sódio por grama). tionina, serina, treonina e valina.
E a deficiência de valina gera perda de apetite, ir-
Tratamento em dias de doença (sick day) ritabilidade, redução de peso ou pouco ganho e de-
Nos dias em que os pacientes estiverem doentes, créscimo na concentração plasmática de albumina.
deve-se fazer um plano especial de tratamento: Proteína
• utilizar aportes extras de isoleucina e valina, além A recomendação de proteína é maior que a Dietary
das fórmulas especiais; Recomended Intake (DRI) quando a maior fonte pro-
• suspender o fornecimento de leucina na dieta natural; téica provém de L- aminoácidos, em virtude da rápida

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Leucinose: doença do xarope de bordo

absorção, do rápido catabolismo e possível decrésci- Alimentos Quantidade


mo na absorção total. Fórmula metabólica 72 g
A ingestão inadequada de proteína resulta em dé- Açúcar 105 g
ficit de crescimento em crianças, redução de peso em Fórmula láctea infantil 13,7 g
adultos, osteopenia, perda de cabelo e baixa concen- Água 850 ml
tração plasmática de albumina e pré-albumina. Rendimento: 5 mamadeiras de 200 ml/dia
Cereais e tubérculos 1 porção/dia
Energia
Legumes 2 porções/dia
A recomendação energética deve ser suficiente para
Verduras 4 porções/dia
manter adequado ganho de peso em crianças e ma-
Frutas 3 porções/dia
nutenção de peso em adultos. Calorias inadequadas
Óleo vegetal 10 g/dia
resultam em déficit de crescimento, perda de peso e
menor tolerância aos aminoácidos, elevando assim
as concentrações de leucina, isoleucina e valina. Grupos de alimentos – equivalente protéico

Exemplo 1 – Leucinose Porções de frutas Porções de verduras

Criança do sexo masculino com 3 meses de idade, Abacate – 30 g Acelga – 10 g


Abacaxi – 150 g Agrião – 15 g
estatura 60 cm e peso de 6 kg.
Ameixa vermelha – 150 g Alface – 25 g
Recomendação diária de nutrientes e energia Amora – 50 g Almeirão – 15 g
Isoleucina Leucina Valina Proteína Energia Banana-maçã – 40 g Escarola – 15 g
Idade
(mg/kg) (mg/kg) (mg/kg) (g/kg/dia) kcal/kg/dia
Banana-nanica – 45 g Pepino – 40 g
3a<6
30-50 50-85 35-60 3,5-3,0 108 Caju – 70 g Repolho – 20 g
meses
(Acosta PB, 1997). Caqui – 100 g Tomate – 25 g
Goiaba – 50 g
Energia: 650 calorias/dia
Jabuticaba – 100 g
Proteína: 18 g/dia
Laranja-pêra – 100 g
Leucina: 300 mg/dia
Maçã – 170 g
Alimentos Quantidade
Mamão – 120 g
Fórmula metabólica 35 g
Manga – 150 g
Maltodextrina 45 g
Melancia – 120 g
Fórmula lacteal infantil 27 g
Melão – 75 g
Água 1.080 ml
Nêspera – 150 g
Rendimento: 6 mamadeiras de 180 ml/dia
Pêra – 100 g
Tangerina – 75 g
Exemplo 2 – Leucinose Uva (média) – 40 g
Criança do sexo feminino com 2 anos e 4 meses de Porções de legumes Porções de cereais e tubérculos
idade, estatura 88 cm e peso de 11.700 g. Abóbora – 50 g Arroz branco cru – 25 g
Recomendação diária de nutrientes e energia Abobrinha – 60 g Batata – 100 g
Isoleucina Leucina Valina Proteína Energia Berinjela – 60 g Batata-doce – 90 g
Idade
(mg/dia) (mg/dia) (mg/dia) (g/dia) kcal/kg/dia
Beterraba – 20 g Mandioca – 100 g
1a4
165-325 275-535 190-375 ≥ 30 102 Cebola – 35 g Mandioquinha – 120 g
anos
( Acosta PB, 1997). Cenoura – 50 g
Chuchu – 25 g
Energia: 1.200 calorias/dia
Couve-manteiga – 40 g
Proteína: 30 g/dia
Couve-flor – 25 g
Isoleucina: 310 mg/dia
Escarola – 35 g
Leucina: 480 mg/dia
Espinafre – 20 g
Valina: 350 mg/dia

57

OS 3052 EIM.indd 57 10/11/2006 00:00:38


Protocolo Brasileiro de Dietas

Bibliografia Gibson KM, Elpeleg ON, Morton H, Wappner R. Disorders of


leucine metabolism. In: Duran M, Gibson KM. Physicians
Acosta PB, Yannicelli S. Nutrition Support Protocols – Ross guide to the laboratory diagnosis of metabolic diseases.
Metabolic Formula. Columbus: Ross Laboratories, 1997.
2 ed. Germany: Springer-Velarg, 2003, pp. 165-90.
Baulny HO, Saudubray JM. Brabched-Chain. Organic acid-
Morton H, Strauss KA, Robinson DL, Puffenberger EG, Kelley
urias. In: Saudubray JM, Van den Berghe G. Inborn meta-
RI. Diagnosis and treatment of mapple syrup disease: a
bolic diseases: diagnosis and treatment. 3 ed.New York:
Spring-Velarg, 2000, pp. 197-212. study of 36 patients. Pediatrics 2002;109:999-1008.

Chuang DT, Shih VE. Maple syrup urine disease. In: Scriver Serra JD. Enfermidade de orina de jabre arce. In: Sanjurjo P,
CR, Beaudet AL, Sly WS, Valle D. The metabolic & mo- Baldellou A. Diagnóstico y tratamiento de las enfermida-
lecular bases of inherited disease. 8 ed. International edi- des metabólicas hereditárias. Madrid: Eddiciones Ergon,
tion. New York: McGraw-Hill, 2001, pp. 2971-2006. 2001, pp. 239-46

58

OS 3052 EIM.indd 58 10/11/2006 00:00:39


Capítulo 6

Acidemias propiônica,
metilmalônica e isovalérica

Introdução decorrência de deficiências enzimáticas nas diferen-


tes etapas do metabolismo dos aminoácidos de ca-
As acidúrias orgânicas podem ser definidas como
deia ramificada leucina, isoleucina e valina.
distúrbios metabólicos que se associam ao aumento Assim como a maioria dos erros inatos do meta-
dos ácidos orgânicos em fluidos biológicos. As AIV, bolismo, essas doenças apresentam herança autossô-
APP e AMM são as mais conhecidas e ocorrem em mica recessiva.

Via metabólica
Leucina Isoleucina Valina

Ácido 2-oxoisocapróico Ácido 2-oxo-metil-N-valérico Ácido 2-oxoisovalérico

Complexo enzimático desidrogenase


de cetoácidos de cadeia ramificada

Isovaleril-CoA 2-metilbutiril-CoA Isobutiril-CoA

3-metilcrotonil-CoA

3-OH-3-metilglutaril-CoA 2-metil-acetoacetil-CoA Semialdeído metilmalônico

Acetil-CoA Propionil-CoA
Acetoacetato

1 Isovaleril-CoA desidrogenase Malonil-CoA Metilmalonil-CoA

2 Propionil-CoA carboxilase 3

3 Metilmalonil-CoA mutase Succinil-CoA

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Protocolo Brasileiro de Dietas

Acidemia isovalérica mutase), uma enzima mitocondrial vitamina B12


A acidêmia isovalérica é causada pela deficiência da dependente. Essa enzima é um dímero e é codificada
enzima isovaleril-CoA desidrogenase (dentro da via pelo gene MCM localizado no cromossomo 6p21.
de degradacão da leucina) que metaboliza o isovale- Em torno de 50% dos pacientes são identificadas
ril-CoA a 3-metilcrotonil-CoA. mutações no gene MCM. Os demais pacientes apre-
Essa enzima é codificada pelo gene IVD localizado sentam defeitos relacionados à cobalamina, ou seja,
no cromossomo 15q14-q15. Em 2004, Ensenauer et mutações em genes relacionados a co-fatores da co-
al. realizaram um estudo molecular em 19 pacientes balamina. A incidência é de 1:50.000, tanto para as
com IVA identificados por exames de triagem neo- formas leves como graves.
natal. Foi detectada uma mesma mutação em 47% Como conseqüência da deficiência enzimática
dos alelos analisados (932C > T). Em seis irmãos as- ocorre o acúmulo de metilmalonil-CoA e do ácido
sintomáticos o mesmo genótipo foi observado. Esses metilmalônico na urina e no plasma.
achados apontam para a existência de um fenótipo
leve e/ou assintomático de IVA.
A deficiência da enzima leva a um acúmulo de Manifestações clínicas
derivados da isovaleril-CoA em líquidos biológicos
Essas três acidúrias orgânicas apresentam diferentes
(ácido isovalérico, ácido 3-hidroxivalérico e N-iso-
formas clínicas de acordo com a gravidade do defeito
valerilglicina).
enzimático, o momento de início da descompensa-
A presença do ácido isovalérico confere aos pacien-
ção, assim como por outros fatores ainda não conhe-
tes um odor característico de “pé suado” ou “queijo”.
cidos. Os sintomas são muito semelhantes nessas três
Acidemia propiônica formas de acidúrias.
A acidemia propiônica é causada pela deficiência de pro- Forma neonatal grave: corresponde a 70% a 80% dos
pionil-CoA carboxilase. Essa é uma enzima mitocondrial casos e caracteriza-se pelo início dos sintomas durante a
biotina-dependente e sua deficiência leva a um acúmulo primeira semana de vida, após um intervalo assintomá-
de propionil-CoA. Ela é uma proteína heteropolimérica, tico. Os pacientes apresentam sintomas inespecíficos de
composta de duas subunidades, alfa e beta, codificadas, intoxicação, tais como recusa alimentar, sucção débil,
respectivamente, pelos genes PCCA e PCCB que se lo- vômitos, perda de peso, distensão abdominal e sinais de
calizam nos cromossomos 13q32 e 3q21-q22. Diferentes disfunção neurológica (letargia, hipotonia, tremores e
mutações nesses dois genes foram identificadas como convulsões). Podem evoluir com dificuldade respirató-
causa dessa forma de acidemia orgânica. A incidência ria, bradicardia, apnéia, hipotermia e coma.
dessa doença é menor que 1:100.000.
Do ponto de vista bioquímico, a acidemia propiô- Forma crônica intermitente: pode-se apresentar
nica caracteriza-se pela presença de altas concentra- com sintomas digestivos como vômitos cíclicos, dé-
ções de propionato livre no sangue e na urina. Entre- ficit de crescimento e comprometimento do estado
tanto, por ser volátil, esse não é um metabólito útil geral associado a manifestações neurológicas, como
para o diagnóstico, enquanto os metabólitos metilci- sinais extrapiramidais, depressão do sensório, letar-
trato, 3-OH-propionato e propionilcarnitina são os gia progressiva e coma. De forma geral, os sintomas
mais úteis para essa finalidade. são precipitados por quadros infecciosos banais ou
por excesso de ingesta protéica. É comum encontrar
Acidemia metilmalônica acidose metabólica associada a hiperamonemia, ce-
A acidemia metilmalônica é causada por uma de- tonúria e pancitopenia. Pacientes com esses sintomas
ficiência de metilmalonil-CoA mutase (MM-CoA freqüentemente apresentam aversão a proteínas.

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Acidemias propiônica, metilmalônica e isovalérica

Forma lentamente progressiva: caracteriza-se • acidose metabólica: pH < 7,25;


por sintomas digestivos, atraso do desenvolvimento • cetonemia/cetonúria;
neuropsicomotor e de crescimento ponderoestatu-
• hiperamonemia (às vezes > 500 µM/l);
ral, associados a sintomas extrapiramidais e déficit
• neutropenia, trombocitopenia e/ou anemia;
cognitivo progressivo. Alguns pacientes podem ser
oligossintomáticos, apresentando vertigem intermi- • glicose normal ou elevada;
tente, ataxia de tronco e distúrbios visuais, ou even- • lactato normal ou moderadamente aumentado
tualmente podem permanecer assintomáticos. (> 3,5 µM/l);
Algumas complicações podem ser observadas a • cálcio normal ou ligeiramente diminuído;
longo prazo, tais como: • função hepática normal;
Neurológica: síndrome extrapiramidal, como • triagem urinária – teste do p-nitroanilina (ácido
conseqüência do comprometimento de núcleos da metilmalônico).
base, pode ser observada tanto na acidemia propiô-
nica como na metilmalônica. Os achados de neuroi- Testes bioquímicos específicos
magem podem revelar, além das lesões nos núcleos
da base, atrofia cerebral e atraso de mielinização. 1. Análise de ácidos orgânicos em
fluidos biológicos por cromatografia
Renal: acidose tubular renal e hiperuricemia de gases/espectrometria de massa
podem ser observadas em pacientes com acidemia com padrão característico em cada
metilmalônica. A lesão renal é uma nefrite túbulo- forma de acidemia orgânica:
intersticial associada à acidose tubular. A evolução • acidemia isovalérica: presença de isovalerilglici-
é lenta, mas pode progredir para insuficiência renal, na. Acumulam-se também 3-OH-isovalerato e
com necessidade de transplante renal. isovalerato (por ser muito volátil, não é obser-
Pele: descamação superficial, alopecia e úlcera de vado na urina). Durante os episódios agudos de
córnea podem ser observadas. Deve-se lembrar que cetoacidose, podem-se acumular outros metabó-
a deficiência de isoleucina pode ser conseqüência da litos: metilsuccinato, 4-OH-isovalerato, metilfu-
restrição protéica, manifestando-se com lesões cutâ- marato, 3-OH-iso-heptanoato e outros conjuga-
dos (isovalerilglutamato, isovalerilglucurónido);
neas e diarréia.
• acidemia propiônica: presença de metilcitrato
Miocardiopatia: insuficiência cardíaca secundária
e 3-OH-propionato. Podem também ser en-
ao comprometimento do miocárdio pode ocorrer em
contrados: tiglilglicina, propionilglicina e os
pacientes com acidemia propiônica e metilmalônica.
corpos cetônicos derivados do propionato, 3-
OH-valerato, 3-cetovalerato, 2-metil-3-ceto-
Diagnóstico valerato, assim como propionato no plasma;
• acidemia metilmalônica: presença de ácido
O diagnóstico dessas condições baseia-se na suspeita
metilmalonato e metilcitrato (presente sem-
clínica, em exames de triagem e testes bioquímicos es-
pre na urina dos pacientes). Podem ainda ser
pecíficos. A confirmação do diagnóstico pode ser feita
vistos 3-OH-propionato e propionilglicina na
por meio de estudos enzimáticos e análise molecular.
urina e metilmalonato no plasma.
Exames de triagem 2. Análise quantitativa de aminoácidos
A triagem inicial dos pacientes revela mais freqüen- no plasma e na urina:
temente as seguintes alterações: • perfil normal não exclui o diagnóstico;

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Protocolo Brasileiro de Dietas

• aumento discreto de glicina no plasma (espe- • Suspender o aporte protéico e evitar o catabolismo
cialmente na acidemia propiônica); mediante maior aporte calórico.
• a acidemia metilmalônica pode estar associada • Forçar a diurese: utilizar soluções glicosadas a
à homocistinúria. 10%, com eletrólitos (150 a 200 ml/kg/dia), com
ou sem diuréticos.
3. Análise de carnitina livre e esterificada:
• diminuição da carnitina livre e aumento de • Tratamento das infecções intercorrentes.
acilcarnitinas; • Eliminação de toxinas de forma rápida: se a diu-
• acidemia isovalérica – aumento de isovaleril- rese forçada não for suficiente, pode-se utilizar
carnitina; exsangüinotransfusão, diálise ou hemofiltração.
• acidemia propiônica – aumento de propionil- • Prova terapêutica:
carnitina.
- carnitina: 100 a 400 mg/kg/dia

Diagnóstico enzimático - biotina: 20 mg/dia


- riboflavina: 100 a 200 mg/dia
Acidemia isovalérica:
• oxidação de (2-C) leucina a CO em fibroblasto; - tiamina: 300 mg/dia

• incorporação de (1-C) isovalerato a proteínas em - hidroxicobalamina: 1 mg/dia


fibroblastos.
Medidas em caso de confirmação
Acidemia propiônica:
de acidemia orgânica
• determinação da atividade de propionil-CoA
carboxilase em fibroblastos e linfócitos. Medidas especiais
Acidemia metilmalônica: • AMM e APP: - L-carnitina – 150 mg/kg/dia
• determinação da atividade de metilmalonil-CoA - metronidazol – 20 mg/kg/dia durante 10 dias
mutase em fibroblastos; consecutivos, uma vez por mês
• incorporação de (1-C) propionato em fibroblas- - biotina – 20 mg/dia (algumas formas de APP)
tos em presença e ausência de hidroxicobalamina
em meio de cultivo. No início do tratamento da AMM é importante ava-
liar a resposta a altas doses de vitamina B12 que atuaria
Tratamento como co-fator. Iniciar com dose de 1 a 2 mg/dia de hidro-
xicobalamina durante cinco a sete dias. Será considerada
O tratamento das acidemias orgânicas pode ser di-
uma resposta favorável se houver diminuição de 25 a 500
vidido em duas etapas: medidas em caso de supeita
de acidemia orgânica e medidas após confirmação mg da eliminação do ácido metilmalônico em 24 horas.
do diagnóstico.
Seguem também algumas orientações para trata- • AIV: - glicina – 250 mg/kg/dia em três doses
mento em dias de descompensações agudas. - L-carnitina – 100 mg/kg/dia

Medidas em caso de suspeita Monitorização do tratamento dietético


de acidemia orgânica Durante o tratamento dietético, é importante acom-
• Suporte hemodinâmico e ventilatório, se necessário. panhar o estado nutricional com parâmetros clínicos,
• Correção da acidose de pH < 7,20. tais como curva de peso, tônus e trofismo muscular,

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Acidemias propiônica, metilmalônica e isovalérica

e com parâmetros laboratoriais, como a dosagem de • determinar a cetonúria a cada micção; se positiva,
proteínas totais. controlar a ingesta protéica e aumentar o aporte
Além disso, deve ser feito um controle bioquími- calórico. Se necessário, usar sonda nasogástrica de-
co regular por meio dos seguintes exames: vido à anorexia;

• Dosagem de ácidos orgânicos: em nenhuma das • aumentar doses de carnitina até 400 mg/kg/dia;
três acidemias os metabólitos que definem o diag- • hospitalização, se houver piora clínica.
nóstico desaparecem totalmente. Recomendam
manter os seguintes níveis: Para os pacientes que apresentarem sinais de de-
sidratação, cetoacidose e níveis aumentados de amô-
- APP – propionato no plasma < 0,05 µM/l;
nia, medidas mais rigorosas devem ser instituídas:
- AMM – metilmalonato na urina < 2.000 µM/
mol creatinina; • suspender aporte protéico por 24-48 horas;
- AIV – isovalerilglicina < 2.000 µM/mol creatinina. • quando a amônia estiver em torno de 80 µM/l,
reintroduzir a fórmula metabólica e acompanhar
• Dosagem quantitativa de aminoácidos no plas-
a tolerância;
ma e na urina: é importante monitorar os níveis
• fornecer glicose e bicarbonato (manter pH em
de aminoácidos restringidos na dieta para evitar
7,25 com reserva alcalina maior que 12 mEq);
suas deficiências.
• insulina e alanina podem ser úteis para evitar o
Esses exames bioquímicos devem ser repetidos catabolismo protéico;
periodicamente com base na estabilidade clínica e
• se necessário, introduzir alimentação parenteral.
idade do paciente. Em pacientes com menos de 2
anos, recomendam-se controles mensais e, nos com
Tratamento dietoterápico nas acidemias
idade acima de 2 anos, os exames podem ser feitos
propiônica e metilmalônica: fase crônica
a cada trimestre, desde que a criança não apresente
O tratamento dietético tem como objetivo reduzir
sinais de descompensação.
a produção de propionato mediante a restrição dos
aminoácidos precursores, isoleucina, metionina,
Tratamento dietoterápico treonina e valina, além de evitar o jejum para limi-
tar a oxidação dos ácidos graxos de cadeia ímpar.
Tratamento dietoterápico nas acidemias É importante ressaltar que aproximadamente
propiônica e metilmalônica: fase aguda 50% do propionato é formado pelo catabolismo da
Os pacientes portadores de acidemias orgânicas isoleucina, metionina, treonina e valina; 25% são
podem apresentar descompensações agudas. Esses produzidos pelas bactérias aeróbicas do intestino e,
episódios são freqüentemente desencadeados por provavelmente, 25% provêm da oxidação dos ácidos
infecções, imunizações, febre, vômitos, anorexia, graxos de cadeia ímpar.
cirurgia e uso de fármacos, como o propionato de A restrição dos aminoácidos envolvidos na pato-
eritromicina. logia é realizada com dieta restrita em proteína. A
Os sintomas iniciais sugestivos de uma descom- dieta deve ser suplementada com fórmula metabóli-
pensação aguda são anorexia, vômitos, sonolência, ca isenta de isoleucina, metionina, treonina e vali-
hipotonia e taquipnéia. na, mas enriquecida de vitaminas e minerais. A dieta
Algumas medidas podem ser iniciadas diante des- deve ser fracionada de três a quatro horas, durante o
sas situações, tais como: dia, e, à noite, pode ser utilizado amido de milho cru

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Protocolo Brasileiro de Dietas

na dose de 1,5 a 1,75 mg/kg para minimizar a lipólise quadas resultam em déficit de crescimento, perda de
(dose única que dura 6 horas). peso e aumento nas concentrações de ácidos graxos
de cadeia ímpar.
Recomendações na
prescrição dietética Ácidos graxos de cadeia curta
Devem ser evitadas as fontes desses ácidos graxos
Isoleucina, metionina, treonina, valina
como: manteiga, creme, óleo de oliva, banha e ex-
A recomendação dos aminoácidos é individualizada
cesso de ácidos graxos poliinsaturados.
e depende da idade do paciente, do seu peso corpo-
ral, do crescimento, da adequação do valor energéti- Jejum
co e da proteína e do estado de saúde. Longos períodos de jejum devem ser evitados para
limitar a produção de propionato pela oxidação dos
Deficiências
ácidos graxos de cadeia curta. A mobilização dos áci-
Isoleucina: perda de peso, vermelhidão da mucosa
dos graxos deve ser evitada, oferecendo refeições a
da boca, fissuras no canto da boca, tremores nas ex-
cada três ou quatro horas, inclusive durante a noite,
tremidades, diminuição plasmática de colesterol e
ou com a utilização de amido cru.
isoleucina, aumento de lisina, fenilalanina, serina,
tirosina e valina e descamação da pele.
Metionina: diminuição das concentrações plasmáti- Prescrição dietética
cas de metionina, colesterol, e aumento de fenilala- As proteínas naturais (fórmula infantil, frutas e vege-
nina prolina, serina treonina e tirosina. tais) devem ser oferecidas entre 0,8 e 1,5 g/kg/dia e,
para lactentes, de 1,2 a 1,7 g/kg/dia, complementando
Treonina: pouco ganho de peso, glossites, vermelhi-
dão da mucosa da boca e redução nos níveis plasmá- a recomendação com fórmula metabólica sem os qua-
ticos de treonina e globulinas. tro aminoácidos, em um total de 2,5 a 3 g/kg/dia.
Deve ser calculada a quantidade de isoleucina, va-
Valina: redução do apetite, irritabilidade excessi-
lina, treonina e metionina dos alimentos, adequan-
va, perda de peso, sonolência e queda na concen-
do-os às recomendações. Calcular a quantidade de
tração de albumina.
energia proveniente da fórmula infantil, fórmula me-
tabólica e de outros alimentos (frutas e vegetais), caso
Proteína
já tenham sido introduzidos na dieta. Suplementar o
A recomendação de proteína é maior que a RDI,
déficit calórico com polímeros de glicose, açúcar ou
quando a maior fonte protéica provém de L-aminoá-
outros alimentos isentos de proteína.
cidos, em razão de rápida absorção, rápido catabolis-
mo e possível decréscimo na absorção total.
Exemplos de dietas
A ingestão inadequada de proteína resulta em dé-
ficit de crescimento em crianças, perda de peso em Criança de 3 meses de idade, pesando 5.400 g
adultos, osteopenia, perda de cabelo e diminuição na Recomendação diária de nutrientes
tolerância à isoleucina, metionina, treonina e valina. Isoleucina 90 mg/kg
Metionina 35 mg/kg
Energia Treonina 75 mg/kg
A recomendação energética deve ser suficiente para Valina 85 mg/kg

manter adequado ganho de peso em crianças e para Proteína 3,5 g/kg


Energia 130 kcal/kg
a manutenção de peso em adultos. Calorias inade-

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Acidemias propiônica, metilmalônica e isovalérica

Prescrição da dieta Porções de frutas Porções de verduras


Isoleucina 486 mg Abacate – 30 g Acelga – 10 g
Metionina 189 mg Abacaxi – 150 g Agrião – 15 g
Treonina 405 mg Ameixa vermelha – 150 g Alface – 25 g
Valina 459 mg Amora – 50 g Almeirão – 15 g
Proteína 18,9 g Banana-maçã – 40 g Escarola – 15 g
Energia 702 kcal Banana-nanica – 45 g Pepino – 40 g
Caju – 70 g Repolho – 20 g
Alimentos Quantidade
Caqui – 100 g Tomate – 25 g
Fórmula metabólica 44 g
Goiaba – 50 g
Maltodextrina 40 g
Jabuticaba – 100 g
Fórmula infantil 83 g
Laranja-pêra – 100 g
Água 800 ml
Maçã – 170 g
Rendimento: 8 mamadeiras de 100 ml por dia
Mamão – 120 g
Manga – 150 g
Criança com 4 anos e 10 meses de Melancia – 120 g
idade, sexo feminino, pesando 15 kg
Melão – 75 g
Recomendação diária de nutrientes Nêspera – 150 g
Isoleucina 630-960 mg Pêra – 100 g
Metionina 255-510 mg Tangerina – 75 g
Treonina 540-780 mg Uva (média) – 40 g
Valina 720-1.080 mg Porções de legumes Porções de cereais e tubérculos
Proteína ≥ 35g Abóbora – 50 g Arroz branco cru – 25 g
Energia 1.300-2.300 kcal Abobrinha – 60 g Batata – 100 g
Berinjela – 60 g Batata-doce – 90 g
Beterraba – 20 g Mandioca – 100 g
Prescrição da dieta
Cebola – 35 g Mandioquinha – 120 g
Isoleucina 761 mg
Cenoura – 50 g
Metionina 255 mg
Chuchu – 25 g
Treonina 622 mg
Couve-manteiga – 40 g
Valina 771 mg
Couve-flor – 25 g
Proteína 35 g
Escarola – 35 g
Energia 1.400 kcal
Espinafre – 20 g

Alimentos Quantidade
Fórmula metabólica 70 g Tratamento dietoterápico na
Açúcar 40 g acidemia isovalérica: fase aguda
Fórmula infantil 62 g
Amido de milho 20 g
Durante a fase aguda, deve ser proporcionado um
Gordura vegetal 10 ml tratamento nutricional intensivo com o objetivo de
Água 600 ml corrigir a acidose metabólica:
Rendimento: 3 copos de 200 ml • por via parenteral oferecer 120 a 150 kcal/kg/dia de
Cereais e tubérculos 4 porções/dia
soro glicosado a 15%; havendo resposta à glicose,
Legumes 2 porções/dia
Verduras 4 porções/dia
após 2 a 3 dias, adicionar 2 a 4 g/kg/dia de lipídeos;
Frutas 3 porções/dia • por via enteral dar L-glicina 150 a 300 mg/kg/dia,
Óleo vegetal 10 ml/dia
para que se una ao ácido isovalérico, formando

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Protocolo Brasileiro de Dietas

um complexo não-tóxico (isovalerilglicina) que Bibliografia


será excretado pela urina;
1. Baulny HO, Saudubray JM. Branched-chain organic aci-
• suplementar 100 a 300 mg/kg/dia de L-carnitina, durias. In: Saudubray JM, Van den Berghe G. Inborn me-
tabolic disease. Diagnosis and treatment. 3 ed. Berlin,
distribuídos em três vezes ao dia para prevenção
Springer, 2000, pp. 195-212.
de sua deficiência.
2. Boveda MC, Couce ML, Lluch MD, Merinero B, Campistol
J. Protocolo de diagnóstico y tratamento de la acidemia
Tratamento dietoterápico na propiônica, metilmalônica e isovalérica. Ann Pediatric
acidemia isovalérica: fase crônica 1996;89(Suppl):16-21.

O objetivo nutricional nessa fase é manter as pro- 3. Cornejo.V. Raimann E. Hiperfenilalaninemias en errores
innatos en el metabolismo del ninõ. 2 ed. 1999, pp. 71-9.
teínas naturais em 1,2 a 1,5 g/kg/dia em lactentes
e 1 g/kg/dia em crianças maiores, devendo a reco- 4. Ensenauer R, Vockley J, Willard J-M et al. A common mu-
tation is associated with a mild, potentially asymptomatic
mendação protéica ser complementada com fórmula
phenotype in patients with isovaleric acidemia diagnosed
de aminoácidos isenta de leucina. A introdução de by newborn screening. Am J Hum Genet 2004;75:1136-42.
leucina deve ser iniciada quando os níveis estiverem 5. Fenton WA, Gravel RA, Rosenblatt DS. Disorders of pro-
entre 50 e 100 µM/l, com oferta de leite materno ou pionate and methylmalonate metabolism. In: Scriver CR,
fórmula infantil. Beaudet AL, Sly W, Valle D. The metabolic & molecular
bases of inherited disease. 8 ed. New York: McGraw-Hill,
2001, pp. 2165-94.
Tabela 1. Recomendação diária de nutrientes
da acidemia isovalérica 6. Pérz-Cerdá C, Merinero B. Acidemia isovalérica y otras
alteraciones en el catabolismo de leucina y valina. Déficit
Idade Leucina Proteína Energia Líquidos múltiple de carboxilases. In: Sanjurjo P, Baldellou A. Diag-
(mg/kg) (g/kg) (kcal/kg) (ml/kg)
nóstico y tratamiento de las enfermidades metabólicas
0-3 meses 80-150 3,5-3,0 120 (145-95) 150-125
hereditárias. Madrid: Ediciones Ergon, 2001, pp. 263-74.
3-6 meses 70-140 3,5-3,0 115 (145-95) 160-130
7. Sanjurjo Crespo P. Acidemias metil-malónica e propióni-
6-9 meses 60-130 2,5-3,0 110 (135-80) 145-125
ca. In: Sanjurjo P, Baldellou A. Diagnóstico y tratamiento
9-12 meses 50-120 2,5-3,0 105 (135-80) 135-120
de las enfermidades metabólicas hereditárias. Madrid:
(mg/dia) g/dia (kcal/dia) (ml/dia) Ediciones Ergon, 2001, pp. 247-56.
1 < 4 anos 500-600 ≥ 30 1.300 (900-1.800) 900-1.800
8. Sweetman L, Willians JC. Branched chain organic aci-
4 < 7 anos 600-900 ≥ 35 1.700 (1.300-2.300) 1.300-2.300
durias. In: Scriver CR, Beaudet AL, Sly W, Valle D. The
7 < 11anos 700-900 ≥ 40 2.400 (1.650-3.300) 1.650-3.300
metabolic & molecular bases of inherited disease. 8 ed.
Fonte: Acosta PB, Yannicelli S. New York: McGraw-Hill, 2001, pp. 2125-64.

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Capítulo 7

Acidúria glutárica tipo I

Introdução Fisiopatologia
A acidúria glutárica tipo 1 (AG-1) é um distúrbio do A glutaril-CoA desidrogenase é uma enzima intra-
metabolismo da lisina, hidroxilisina e triptofano cau- mitocondrial que utiliza os dinucleotídeos adenina e
sado pela deficiência da glutaril-CoA desidrogenase. flavina, catalisando tanto a desidrogenização da glu-
É de herança autossômica recessiva e sua incidência taril-CoA como a descarboxilização da glutaconil-
mundial é de 1:30.000 a 1:40.000 nascidos vivos. No CoA para crotonil-CoA. Sua deficiência, portanto,
entanto, apresenta particularmente uma freqüência leva ao acúmulo de glutaril-CoA, que, em parte, é
muito maior entre a comunidade amish na Pensilvâ- esterificado pela carnitina, causando, assim, uma
nia, Estados Unidos (1:400 nascidos vivos). deficiência secundária de carnitina, provavelmente
sendo esse um fator importante nas crises metabóli-
Via metabólica cas apresentadas pelos pacientes.
Ocorre também um acúmulo de ácidos dicarbo-
xílicos, o que leva à alteração da função mitocon-
Lisina
drial e da oxidação de ácidos graxos. O mecanismo
de destruição das estruturas cerebrais tem sido ainda
Ácido
motivo de grande discussão.
aminoadípico

Quadro clínico
Ácido
Triptofano
cetoadípico A evolução das manifestações clínicas da AG-1 é va-
riável, podendo-se dividi-las em quatro categorias:

Ácido 1. Cerca de 70% dos casos apresentam macrocefa-


Glutaril-CoA Carnitina Glutarilcarnitina
glutárico
lia no período neonatal, leves sinais neurológicos
FAD como hipotonia, axial, irritabilidade e dificuldade
Riboflavina Glutaril-CoA desidrogenase para alimentação, sendo esses sintomas neuroló-
gicos reversíveis. Durante a fase pré-sintomática,
FAD-2H
podem apresentar coleções subdurais crônicas ou
hematomas. Entre 6 e 18 meses de vida, esse grupo
Crotonil-CoA
de pacientes desenvolve uma crise encefalopática
aguda associada a infecções respiratórias ou gas-
2-acetil-CoA
trointestinais ou a algum procedimento cirúrgico.
Depois dessa crise as crianças apresentam involu-
Adaptado de Colombo MC, Cornejo VE, Raiman EB. Erroes
innatos em el metabolismo del niño. 2 ed. pp. 100-2003. ção do desenvolvimento motor de forma aguda,

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Protocolo Brasileiro de Dietas

com hipotonia grave e movimentos coreoatetói- Diagnóstico molecular


des, podendo desenvolver convulsões, alterações
O gene responsável pela enzima glutaril-CoA de-
em gânglios da base, atrofia do núcleo caudado sidrogenase é chamado de GCDH e localiza-se no
e putâmen. Dias ou semanas após a crise, podem cromossomo 19p13.2. Já existem 104 mutações dife-
surgir perda neuronal e gliose dos mesmos núcleos rentes descritas no gene; na população caucasiana a
como parte da neurotoxicidade da AG-1. mutação mais freqüente, R402W, é responsável por
2. Em crianças que apresentam período de desen- 10% a 20% dos casos.
volvimento normal, observa-se crise aguda com
os achados neurológicos semelhantes aos do pri-
Diagnóstico pré-natal
meiro grupo, mas com evolução lenta e progres- Atividade da enzima ou pesquisa de mutação em vilo
siva, com episódios recorrentes de vômitos com corial ou aminiócitos.
cetose, hepatomegalia e encefalopatia relaciona-
Diagnóstico diferencial
da a episódios de infecções, principalmente.
Outras acidúrias orgânicas com manifestação neurológi-
3. Aproximadamente 25% das crianças apresentam ca ou lesões de SNC semelhantes às de outras etiologias,
atraso do desenvolvimento neuropsicomotor, hipo- incluindo as doenças mitocondriais.
tonia, distonia e discinesia, desde os primeiros anos
de vida, mas sem nenhuma crise aguda aparente.
Suporte na fase aguda
4. Indivíduos que podem ser totalmente assintomá- Durante doenças intercorrentes que levem a crises
ticos sem nenhuma crise e com desenvolvimento metabólicas e/ou encefalopáticas, deve-se fazer ali-
neuropsicomotor normal – constatou-se em estu- mentação fracionada, evitando jejum prolongado
dos com população amish que 5% dos indivíduos com altas doses de carboidratos, sem proteína. Caso
com deficiência da enzima não apresentavam sin- necessário, realizar infusão intravenosa de glicose (8 a
tomas em idade adulta. 15 mg/kg/min com insulina, se for preciso, para man-
ter normoglicemia) e L-carnitina (200 mg/kg/dia).
Na ressonância magnética de crânio é comum
também o encontro de atrofia frontotemporal e alar- Suporte nutricional
gamento do espaço subaracnóideo. É importante prevenir o estado catabólico em pe-
ríodos de doença, como infecções, normalmente
acompanhada de pouco apetite e período de jejum.
Diagnóstico
Deve-se utilizar o regime de emergência para pre-
O diagnóstico é realizado com a cromatografia de venção de danos neurológicos. O objetivo é for-
ácidos orgânicos, demonstrando um aumento do necer energia exógena para redução da produção
ácido 3-hidroxiglutárico, podendo existir também de metabólitos do catabolismo protéico. O regime
aumento do ácido glutárico. Pela espectometria de consiste em oferecer uma solução de polímeros de
massa em tandem, encontra-se aumento da glutaril- glicose como principal fonte de energia por ser sim-
carnitina, além de diminuição de carnitinas totais. ples de administrar e bem tolerados. A concentra-
A confirmação diagnóstica se faz pela atividade da ção do carboidrato e do volume depende da idade
enzima glutaril-CoA desidrogenase em cultura de fi- da criança. Soluções muito concentradas podem ser
broblastos e leucócitos. hiperosmolares e causar diarréia.

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Aciduria glutárica tipo I

Para redução do período de jejum e adequação da AG-1. Existem grupos realizando estudos comparati-
necessidade de energia, a solução deve ser dada ini- vos dessa evolução, mas, pela diversidade de apresen-
cialmente a cada duas ou três horas durante o dia e à tação clínica, é difícil a comparação de tratamento.
noite. O regime de emergência não deve permanecer Quando se opta pela introdução do tratamento die-
por longos períodos, pois não oferece uma nutrição tético, este deve proporcionar 50% dos requerimentos
adequada (Tabela 1). de proteínas provenientes de alimentos naturais (1
a 1,5 mg/kg/dia) e 50% de uma fórmula metabólica
Tabela 1. Regime de emergência
isenta de lisina e triptofano. Mantém-se o triptofano
Concentração do
Idade (anos)
polímero de glicose
Volume do dia plasmático entre 55 e 65 µM/l, pois restrições extremas
0-0,5 10% 150-200 ml/kg causam efeitos colaterais, como sonolência, irritabili-
0,5-1 12% 120-150 ml/kg dade e inapetência. A lisina deve permanecer entre 45
1-2 15% 1.200 ml e 90 µM/l (Colombo et al., 2003).
2-6 20% 1.200-1.600 ml
6-10 20% 1.600-2.000 ml
> 10 25% 2.000 ml Bibliografia
Colombo MC, Cornejo VE, Raiman EB. Erroes innatos em el me-
tabolismo del niño 2 ed. 2003. Santiago, Editorial Universi-
Tratamento a longo prazo tária, págs 82-85

Medicamentos Corral I, Martinez CJC, Martinez-Pardo M, Gimeno A. Gluta-


ric aciduria type 1: diagnosis in adulthod and phenotypic
A suplementação oral de L-carnitina (100 mg/kg/ variability. Neurologia 2001;16(8):377-80.
dia) e riboflavina (200 mg/dia) parece diminuir as
Fernandes J, Saudubray JM, Van den Berghe G. Inborn meta-
crises metabólicas. bolic diseases diagnosis and treatment. 3 ed. Berlin: Springer-
Para o quadro distônico, o uso de baclofeno em 1 Verlag, 2000.
a 2 mg/kg/dia ou benzodiazepínicos em 0,1 a 1 mg/ Goodman SI, Frerman FE. Organic acidemia due to defects
kg/dia reduz os movimentos involuntários e melho- in lysine oxidation: 2-ketoadipic acidemia and glutaric ac-
ademia. In: Scriver C, Beaudet AL, Sly W, Valle D (eds.).
ram a função motora (Fernandes et al., 2000).
The metabolic and molecular basis of inherited disease. 8 ed. New
A presença de movimentos involuntários de York, McGraw-Hill, 2001, pp.2195-204.
músculos orofaciais pode ser grave e causar grande
Gordon N. Glutaric aciduria types I and II. Brain Dev 2006;
dificuldade de alimentação, podendo, portanto, ha- 28(3):136-40.
ver a necessidade de realização de gastrostomia para Martinez Granero MA, Garcia Perez A, Martinez-Pardo M,
o fornecimento adequado de calorias e água para os Parra E. Macrocephaly the first manifestation of glutaric
pacientes a fim de melhorar seu estado nutricional. aciduria type I: the importance of early diagnosis. Neurolo-
gia 2005;20(5):255-60.

Tratamento dietético Przyrembel H. Disorders of ornithine, lysine and tryptophan.


In: Duran M, Gibson KM. Physicians guide to the laboratory di-
Não está clara até hoje a resposta à utilização de res- agnosis of metabolic diseases. 2 ed. Germany: Springer-Vel-
trição a lisina e triptofano na dieta de pacientes com arg, 2003, pp. 275-99.

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Capítulo 8

Glicogenoses

As glicogenoses (GSD) são um grupo de doenças • síndrome de Fanconi-Bickel.


metabólicas causadas por deficiências enzimáticas na
Outras cinco formas de glicogenose também já
síntese ou degradação do glicogênio. São classifica-
foram descritas, mas são extremamente raras e apre-
das por números de acordo com sua época de descri-
sentam manifestação apenas muscular (deficiência
ção, sendo atualmente conhecidas as seguintes:
da fosfoglicerato quinase muscular, deficiência da
• glicogenose tipo O; fosfogliceromutase, deficiência da lactato desidro-
• glicogenose tipo I (doença de Von Gierke) ; genase, deficiência da piruvato quinase muscular e
• glicogenose tipo II (doença de Pompe); deficiência da fosfoglucoisomerase).
Sua incidência total é de 1:20.000 – 1:25.000
• glicogenose tipo III;
nascidos vivos, e a dos tipos I, II, III, VI e IX res-
• glicogenose tipo IV (amilopectinose);
ponde por 90% desses casos (Chen, 2001).
• glicogenose tipo V (McArdle); Serão abordadas neste capítulo apenas as formas
• glicogenose tipo VI; em que o tratamento dietético é importante, ou seja,
• glicogenose tipo IX; os tipos I, II , III, O e Fanconi-Bickel.

Glicogênio
amilopectina Ligações ramificadas
5
6
4
Glicose -UDP Glicose - 1-P 7

1 3 2
GLUT 2 Glicose Glicose - 6-P Glicose GLUT 2 1
1. Glicoquinase-hexoquinase
Via das pentoses
2
2. Glicose-6-fosfatase
Ribose- 5-P
Glicolise Gliconeogenese
3
3. Fosfoglucomutase

Ácido úrico 4. Glicogênio sintetase


4
Alanina Piruvato Lactato
5
5. Enzima ramificadora
Acetil-CoA Ácidos graxos
6
6. Glicogênio fosforilase

7
7. Enzima desramificadora
Ciclo do ácido tricarboxílico Triglicérides

Figura 1. Síntese e degradação do glicogênio

Glicogenose tipo I (GSD I) tivamente, devidas à deficiência da enzima glicose-6-


fosfatase (veja ciclo metabólico) e ao sistema de trans-
Introdução porte microssomal da glicose-6-fosfato. Em ambos os
Essa forma da doença de herança autossômica recessiva casos, como conseqüência há um excessivo acúmulo de
é subdividida ainda em “a” e “b”, sendo estas, respec- glicogênio no fígado, rins e mucosa intestinal.

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Protocolo Brasileiro de Dietas

Fisiopatologia com o tratamento adequado, como: retardo da pu-


berdade, sintomas de gota, pancreatite, aumento da
Além da hipoglicemia causada pela deficiência da
adesividade eritrocitária e arteriosclerose, diminuição
liberação da glicose-6-P, ocorre um acúmulo desta,
de agregabilidade plaquetária, adenomas hepáticos
inibindo a quebra do glicogênio. A ativação da via
glicolítica aumenta a quantidade de piruvato e, con- (podendo ocorrer malignização destes e hemorragias),
seqüentemente, de lactato e alanina. A manutenção, hipertensão pulmonar, osteoporose (incluindo fratu-
a longo prazo, desse estado leva também à hiperurice- ras em idade adulta), proteinúria, hipertensão arterial
mia pelo desvio da G-6-P pela via das pentoses. sistêmica, litíase renal, nefrocalcinose, acidose tubu-
O aumento na síntese de acetil-CoA tem como lar renal e até insuficiência renal.
conseqüência o aumento da produção de triglicérides,
Diagnóstico
VLDL e LDL. O hipoinsulinismo decorrente da baixa
de glicose livre contribui para o aumento dos lipídeos O diagnóstico se faz pela associação do quadro clíni-
circulantes e depositados por inibir a lipólise periférica. co já descrito e a utilização de testes com tolerância
oral de glicose, mediante dosagem de glicose sérica e
Quadro clínico lactato. Também é empregado o teste com glucagon
Os pacientes portadores de GSD I podem apresentar ou epinefrina, no qual não há normalização da gli-
já no período neonatal hipoglicemia e acidose láctica. cemia após injeção endovenosa dessas drogas, com
Mas o quadro mais comum é a presença, por volta aumento importante do lactato.
do terceiro ao quarto mês de vida, de hepatomega- O diagnóstico histológico, por meio da biópsia he-
lia, fácies de boneca, aumento do tamanho dos rins, pática, também pode levar ao diagnóstico definitivo
hipoglicemia (podendo levar a convulsões), acidose pela dosagem da atividade enzimática nesse tecido.
metabólica, hiperlacticemia, hiperlipemia e aumen- Apenas a análise do DNA diferencia os tipos “a”
to de transaminases hepáticas. Se a doença não for e “b” e permite o diagnóstico futuro, sendo um mé-
diagnosticada e o paciente não receber tratamento todo menos invasivo.
adequado, poderá apresentar baixa estatura, hipotro-
fia de músculos, com extremidades afiladas e abdome
Tratamento
protuberante, diarréia intermitente e hiperuricemia. Fase aguda
A histologia do fígado é caracterizada pela dis- Ao diagnóstico ou em casos de necessidade de jejum
tensão de hepatócitos pela presença de glicogênio e mais prolongado (como em cirurgias), deve-se man-
gordura, sendo associada à pouca fibrose. ter o aporte calórico e hídrico por meio da infusão
A diferença entre os tipos “a” e “b” é a adição endovenosa de solução glicosada, mais adequada-
no tipo b, ao quadro acima descrito, de neutropenia mente a 10%. Não deve ser utlizada a solução de
e diminuição da função neutrofílica, resultando em Ringer-lactato (Chen, 2001).
infecções bacterianas de repetição, sendo comuns A utilização de dieta por sonda nasogástrica, às ve-
também lesões ulcerosas de mucosa oral e intestinal, zes, é necessária na fase inicial até a adaptação à dieta
além de doença intestinal inflamatória crônica. via oral, mas não a recomendamos para o tratamento
Todas as alterações metabólicas podem levar às domiciliar pelas dificuldades de manuseio e riscos.
complicações agudas já descritas que, se não forem
diagnosticadas e tratadas precocemente, levam ao Terapia nutricional
óbito. A longo prazo, podem ocorrer complicações Objetivos da terapia nutricional
crônicas, que também são passíveis de ser prevenidas • Prevenir a hipoglicemia.

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Glicogenoses

• Normalizar os níveis de lipídeos séricos. de todas as dificuldades técnicas e do desconforto na


• Estabilizar as alterações metabólicas. utilização de sonda, não recomendamos o uso dessa
técnica (Wolfsdorf, 1999; Visser et al., 2002).
• Suprir as recomendações de nutrientes e energia
Caso necessário, a dieta por sonda noturna deve
para garantir o crescimento e o desenvolvimento ser iniciada uma hora após a última refeição e termi-
em crianças e a manutenção de peso em adultos. nada meia hora antes da retirada da sonda. Deve-se
ter muito cuidado na fixação do sistema (sonda, equi-
Para cumprir esses objetivos, utilizam-se dieta
po e frasco), pois existe descrição de conseqüências
fracionada e suprimento exógeno de carboidrato na
fatais pela sua desconexão. A quantidade calórica da
forma de amido de milho cru ou infusão nasogástrica
dieta noturna deve equivaler a 35% do total do dia,
contínua de glicose. em 12 horas, para crianças de 1 a 3 anos e a 30% para
• Dieta fracionada as de 6 a 14 anos (Fernandes et al., 2000).

- Refeições fracionadas, com alto teor de carboi- Medicamentos


drato complexo, devem ser oferecidas durante Como a utilização de amido de milho cru em crianças
o dia, intercalando com a administração do com menos de 2 anos tem resposta variável, pela me-
amido cru. nor produção de amilase pelo pâncreas nessa idade,
conforme a evolução, pode ser necessária a utilização
• Amido cru exógena de amilase. O alopurinol é indicado quando
- Menores de 2 anos: diluir 1,65 g/kg de peso/dose os níveis de ácido úrico estiverem acima do normal.
de amido de milho em 1:2 partes de água à tempe- Na glicogenose tipo Ib com neutropenia e clíni-
ratura ambiente, em intervalos de quatro horas. ca importante de infecções ou doença inflamatória
intestinal, utiliza-se com bons resultados o fator es-
- Maiores de 2 anos: diluir 1,75 a 2,5 g/kg de peso/
timulante de colônias de granulócitos (Moses, 2002;
dose de amido de milho em 1:2 partes de água à Latger-Carnar et al., 2002).
temperatura ambiente, em intervalos de seis horas.
Outros tratamentos
• Restrição de frutose, sacarose, lactose e galactose Transplante hepático é indicado quando existem
- Alimentos e medicamentos que contenham es- adenomas hepáticos, pois há grande possibilidade
ses carboidratos devem ser restritos, pois podem de transformação maligna, além de representar um
contribuir para o aumento de lactato sérico e/ou pobre controle metabólico. Já o transplante renal é
aumento da concentração de triacilglicerol. recomendado em caso de evolução para insuficiên-
cia renal crônica.
• Suplementação de vitaminas e minerais
Dieta
- A suplementação de vitaminas e minerais pode • Energia
ser necessária em conseqüência da restrição
- A dieta deve proporcionar a quantidade ener-
dietética (Rake, 2002). A suplementação deve
gética recomendada para crianças e adultos sau-
considerar a dieta orientada, o consumo ali-
dáveis (DRIs, 2002).
mentar e a avaliação nutricional.
- A quantidade de energia deve ser individuali-
Vários trabalhos demonstram que a utilização da zada, considerando o peso, a estatura, a idade
terapia de amido cru e da infusão noturna de dieta por e a atividade física, visando estabilizar a glice-
sonda nasogástrica tem o mesmo efeito. Em virtude mia, proporcionar o crescimento e desenvolvi-

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Protocolo Brasileiro de Dietas

mento adequado em crianças e a manutenção • Energia total: 650 calorias/dia


do peso em adultos. • Amido cru: 10 g/dose de 4/4 horas
- A distribuição da energia diária deverá ser de • 1/3 das calorias/dia de amido cru
dois terços para as refeições, e um terço será for-
• 2/3 das calorias/dia de isolado protéico de soja
necido pelo amido cru.
sem lactose e sacarose
• Lipídeos • Intercalar a oferta de amido cru e isolado protéi-
- A dieta deve proporcionar 20% a 25% do valor co durante as 24 horas
energético na forma de lipídeos, preferencial-
mente em óleos vegetais para a adequada inges- Exemplo 2 – Criança do sexo masculino com 3
tão de ácido linoléico. anos e 10 meses, 98,5 cm e peso de 15.700 g. Fator
atividade: ativo.
• Proteínas
Recomendação diária de nutrientes e energia
- A dieta deve proporcionar 10% a 15% do valor
Amido cru Energia*
energético na forma de proteínas (Chen, 2001; Idade
(g/kg/dose)
Carboidratos Lipídeos Proteína
(kcal/kg/dia)

Rake, 2002). 20% a 10% a


1,75 g/kg/ 60% a 65% 25% do 15% do
>2
dose de do total de total de total de 1.600
anos
• Carboidratos 6/6 horas calorias/dia calorias/ calorias/
dia dia
- A quantidade de carboidrato deve variar de 60% * DRIs (2002).
Fonte: Scriver CR. The metabolic and molecular bases of inherited disease, 2001.
a 65% do total de energia da dieta. Utilizar pre-
ferencialmente carboidratos complexos com me-
• Energia total: 1.600 calorias/dia
nor índice glicêmico (Chen, 2001; Rake, 2002).
• Amido cru: 27,5 g/dose de 6/6 horas
• Vitaminas e minerais
• Energia da dieta: 1.200 calorias/dia
- A dieta deve proporcionar a quantidade de vi-
• Carboidrato: 64%
taminas e minerais recomendada para crianças
e adultos saudáveis (DRIs, 2002). • Proteína: 15%
• Lipídeos: 21%
• Água
- A dieta deve proporcionar a quantidade de água Alimentos Quantidade Substituições

recomendada para crianças e adultos saudáveis. 6 horas


Amido cru 27,5 g –

Exemplos de dieta Água 55 ml –


Café da manhã
Exemplo 1 – Criança do sexo masculino com 6 me-
Isolado protéico de soja 8,8 g
ses, 60 cm e peso de 6.000 g. Água 100 ml

Recomendação diária de nutrientes e energia 4 unidades de bolacha


Pão francês 1 unidade de água e sal sem
Amido cru Energia* margarina
Idade Carboidratos Lipídeos Proteína
(g/kg/dose) (kcal/kg/dia)
2 xícaras
20% a 10% a Margarina sem leite Margarina sem leite
(chá) rasa
1,65 g/kg/ 60% a 65% 25% do 15% do
>6
dose de do total de total de total de 108 12 horas
meses
4/4 horas calorias/dia calorias/ calorias/
dia dia Amido cru 27,5 g –
Água 55 ml –
Fonte: Scriver CR. The metabolic and molecular bases of
inherited disease. New York: McGraw-Hill, 2001. (cont.)

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Glicogenoses

Almoço • A cada seis meses: ultra-som abdominal.


4 colheres
Arroz
(sopa) cru
Macarrão • Anual: dosagem sérica de alfa-fetoproteína deve
2 colheres ser realizada.
Batata Mandioca, cará
(sopa) cheias

Carne, frango
3 colheres Carne de boi magra No caso da GSD Ib, o controle de hemograma
(sopa) ou pescada
inicialmente deve ser mensal e o de mielograma,
1 pires raso
Espinafre Acelga, escarola
(cru) anual (Visser et al., 2002).
1 colher (chá)
Margarina sem leite Margarina sem leite
rasa
Lanche I Glicogenose tipo II
Isolado protéico de soja
Água
8,8 g
100 ml
(doença de Pompe)
Bolacha de água e sal 4 unidades
1 unidade de pão francês A glicogenose do tipo II, chamada doença de Pompe ou
com margarina sem leite
deficiência da maltase ácida, resulta de deficiência da
18 horas
Amido cru 27,5 g –
hidrolase lisossômica alfa-glicosidase ácida em todos os
Água 55 ml – tecidos, levando ao depósito de glicogênio no lisossomo
Jantar e, conseqüentemente, à destruição do tecido muscular.
Macarrão
4 colheres
Arroz A doença tem herança autossômica recessiva.
(sopa) (cru)
2 colheres Carne de frango ou
As manifestações clínicas da doença de Pompe
Carne boi magra
(sopa) pescada variam de acordo com a idade de início dos sintomas,
1 pires raso
Escarola
(cru)
Acelga, espinafre grau de comprometimento muscular e dos outros ór-
1 colher (chá) gãos envolvidos. São classificados na forma precoce
Margarina sem leite Margarina sem leite
rasa
(< 2 anos de idade) e forma tardia (> 2 anos de idade).
24 horas
Os exames complementares geralmente revelam o
Amido cru 27,5 g –
envolvimento do tecido muscular esquelético. A do-
Água 55 ml –
Lanche II
sagem de enzimas musculares mostra resultados variá-
Isolado protéico de soja 8,8 g veis. Na forma precoce, freqüentemente, observam-se
Água 100 ml aumentos significativos da creatinofosfoquinase (até
Amido de milho
15 g 2.000 IU/l), enquanto em pacientes com a forma adul-
(engrossar)
ta essa enzima pode se mostrar normal. A eletromio-
Acompanhamento grafia evidencia um padrão miopático. Nesse exame,
o achado de descargas miotônicas sem correspondên-
O acompanhamento clínico deve ser realizado com con-
cia clínica é muito sugestivo de glicogenose. A biópsia
sultas completas (médica e nutricional) a cada três meses.
muscular com estudo histoquímico revela a presença
Nos pacientes com menos de 2 anos de idade o acompa-
de miopatia vacuolar com acúmulo de glicogênio (PAS
nhamento mensal faz com que a adesão ao tratamento positivo). Nota-se ainda uma grande reatividade na rea-
e controle metabólico sejam melhores. A realização dos ção com a fosfatase ácida, que é indício de alteração da
exames subsidiários de controle deve seguir a freqüência: atividade lisossomal nas fibras musculares.
• A cada três meses: transaminases hepáticas, gama Nos pacientes com comprometimento cardíaco,
GT, gosfatase alcalina, glicemia, gasometria ve- na chamada forma clássica, observa-se cardiomega-
nosa, lactato, ácido úrico, colesterol, triglicérides, lia à radiografia de tórax. O eletrocardiograma mos-
microalbuminuria, uréia, creatinina, atividade de tra diminuição do intervalo PR e complexo QRS au-
protombina. mentado e alargado. O ecocardiograma revela espes-

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Protocolo Brasileiro de Dietas

samento da parede com obstrução do fluxo de saída A fraqueza muscular está relacionada ao compro-
de VE. metimento do tecido muscular esquelético, mas tam-
A confirmação do diagnóstico pode ser feita pelo bém pode ser decorrente do envolvimento das célu-
estudo da atividade da enzima alfa-glicosidase em fi- las do corno anterior da medula, simulando a forma
broblastos, leucócitos e, mais recentemente, em go- tipo I da amiotrofia espinhal progressiva (doença de
tas de sangue seco em papel-filtro. Werdnig-Hoffmann). A diferenciação dessas duas
A forma infantil clássica caracteriza-se pelo iní- condições pode ser feita de acordo com alguns acha-
cio precoce dos seguintes sintomas: cardiomegalia, dos do exame físico que estão resumidos na tabela 1.
hipotonia acentuada associada a fraqueza muscular
progressiva, macroglossia e hepatomegalia. Os pa- Tabela 1. Diagnóstico diferencial entre doença
de Pompe e AEP tipo I
cientes com essa forma apresentam-se como “bebês
AEP tipo I Doença de Pompe
hipotônicos”, podendo mostrar um período inicial de
Músculos da Musculatura Musculatura acessória
desenvolvimento normal ou sintomas desde o nas- respiração envolvidos acessória e diafragma
cimento. Apesar da acentuada hipotonia e fraqueza Tórax em sino Presente Ausente

muscular, os músculos mostram-se hipertróficos e com Musculatura facial Poupada Presente


Atrofia e
consistência aumentada. Os reflexos osteotendíneos Musculatura da língua
fasciculação
Macroglossia

freqüentemente são hipoativos. O comprometimento Miocardiopatia


Musculatura cardíaca Normal
hipertrófica
da musculatura da face é evidente, caracterizando-se
Hepatomegalia Ausente Presente
por hipomimia facial associada à macroglossia com
protrusão da língua. Destacam-se ainda dificuldade
de deglutição e anormalidades no padrão respiratório Outras doenças também devem ser consideradas
que são exacerbadas por infecções pulmonares. no diagnóstico diferencial da forma infantil da doen-
Em levantamento recente (Hout et al., 2003), foram ça de Pompe, tais como doenças mitocondriais, mio-
observados 20 pacientes originais holandeses e 133 da cardiopatia hipertrófica idiopática, miocardite, bem
literatura sobre a evolução da forma infantil precoce. como outras formas de glicogenoses.
Os primeiros sintomas apareceram com idade média A forma de início tardio ou juvenil caracteriza-se
de 1,6 mês; a idade de hospitalização foi 2,8 meses nos pelo início dos sintomas após os 2 anos de idade, com
pacientes originais e 4 meses nos da literatura; e o diag- predomínio do comprometimento da musculatura
nóstico foi de 5,3 meses e 4,5 meses, respectivamente. esquelética. Os pacientes com essa forma apresen-
Em ambos os grupos a média de tempo do diagnóstico tam uma fraqueza muscular progressiva de predomí-
até a morte foi de 2 meses. A média de idade no óbito nio proximal associada à lordose e/ou cifoescoliose
foi de 7,7 meses no grupo holandês e 6 meses nos pa- e pseudo-hipertrofia da musculatura. O comprome-
cientes descritos na literatura. A maioria dos pacientes timento da musculatura respiratória, especialmen-
descritos na literatura foi a óbito antes de 1 ano de ida- te do diafragma, pode ser causa de hipoventilação
de (109 de 119) e somente 2 pacientes morreram com noturna, com repercussões diurnas como: sonolên-
idade superior a 1 ano e 6 meses. cia, cefaléia matinal e desânimo. Podem-se observar
Do ponto de vista neurológico, ressalta-se que os macroglossia, cardiomegalia e hepatomegalia, porém
portadores da doença de Pompe apresentam desen- são achados infreqüentes.
volvimento cognitivo normal associado a hipotonia O diagnóstico diferencial dessa forma deve ser
e fraqueza muscular progressivas. O relato de retardo feito com as distrofias musculares progressivas, prin-
mental nessa doença é esporádico e não se mostra cipalmente com as formas de cinturas, a distrofia tipo
maior que a incidência na população normal. Duchenne e a distrofia fascioescapuloumeral. Outras

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Glicogenoses

formas de glicogenoses (tipos III, IV e V) também suplementação e de alimentos pelos pacientes e con-
devem ser consideradas no diagnóstico diferencial. seqüente, ganho de peso excessivo, levando à piora
O óbito ocorre por volta da terceira década de da função respiratória.
vida, geralmente devido à insuficiência respiratória. Recentemente, foi observada a diminuição do re-
A forma adulta da doença de Pompe caracteriza-se querimento energético em repouso e do catabolismo
por um quadro de fraqueza muscular apendicular pro- protéico com a suplementação de L-alanina durante
gressiva associada ou não à insuficiência respiratória. quatro semanas, quando comparados com os de um
O comprometimento da musculatura cardíaca não é grupo-controle.
descrito nessa forma. Os sintomas podem surgir entre a As controvérsias sobre os resultados no tratamen-
segunda e a sexta década de vida. Em um terço dos ca- to dietético da glicogenose II sugerem uma avaliação
sos predominam os sintomas associados ao comprome- cuidadosa e individualizada para definir o procedi-
timento da musculatura respiratória. O principal diag- mento adequado.
nóstico diferencial dessa forma é o com polimiosite.

Tabela 2. Principais manifestações clínicas nas formas de


Glicogenose tipo III (GSD III)
início precoce e tardio da doença de Pompe
Introdução
Forma de início precoce Forma de início tardio
Fraqueza muscular Fraqueza muscular progressiva Os pacientes portadores dessa forma da GSD apresen-
progressiva global em tronco e membros inferiores
tam deficiência da enzima desramificadora do glicogê-
Macroglossia e
protrusão de língua
Intolerância ao exercício nio (veja ciclo metabólico). Esse tipo de glicogenose
Cardiomegalia Hipoventilação noturna também é de herança autossômica recessiva.
Insuficiência respiratória Insuficiência respiratória
Dificuldade de deglutição Sonolência, cefaléia, desânimo
Fisiopatologia
Hipomimia facial Cifoescoliose Não havendo quebra das ligações 1,6-ramificadas
Arreflexia osteotendínea Reflexos inicialmente preservados entre as moléculas de glicose do glicogênio hepático
e/ou muscular, há acúmulo de glicogênio de estrutu-
Tratamento ra anormal.

O tratamento de suporte e o acompanhamento multi- Quadro clínico


disciplinar fazem-se necessários em todos os pacien- Semelhante ao do tipo I, podendo ser de início mais
tes. Existem estudos clínicos com terapia de reposi- tardio e com sintomas mais leves. Não há aumento
ção enzimática (Genzyme Corporation), tratamento de lactato e do ácido úrico nessa forma. Durante a
específico com resultados promissores, principal- infância, seus quadros clínicos são considerados in-
mente na forma clássica, que obteve aprovação do distinguíveis, não existindo nesta o aumento de ta-
Food and Drug Administration (FDA) nos Estados manho dos rins.
Unidos, no segundo trimestre de 2006. É subdividida em tipos “a” e “b”, com ou sem
comprometimento muscular respectivamente, sendo
Tratamento dietético mais rara a tipo “b” – cerca de 5% dos pacientes com
O tratamento dietoterápico para portadores de gli- GSD III. Na tipo “a” o comprometimento muscular
cogenose tipo II (Pompe) é controvertido. Alguns costuma ser leve na infância, surgindo evidências
autores referem melhora da função muscular com lentas e progressivas a partir da terceira ou quarta
uma dieta hiperprotéica (25% a 30%), porém estu- década com fraqueza muscular. A tipo “a” também
dos posteriores relatam dificuldade na ingestão de pode apresentar miocardiopatia.

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Protocolo Brasileiro de Dietas

Diagnóstico Outras terapias


O diagnóstico definitivo é realizado com a demons-
Dieta
tração de glicogênio de conformação anormal (pe-
• Energia, lipídeos, vitaminas e sais minerais
queno e sem ramificações) e deficiência da enzima
- Semelhante aos da GSD I.
desramificadora no fígado e músculo (Chen, 2001).
Em fibroblastos ou linfócitos pode ser demons- • Proteínas
trada a diminuição da atividade enzimática ou as - A dieta deve proporcionar 20% a 25% do valor
mutações existentes, fazendo-se assim também a di- energético na forma de proteínas, pois pode ser
ferenciação entre os subtipos. Mas a associação do usada como substrato da gliconeogênese, auxi-
quadro clínico e laboratorial compatíveis e a biópsia liando o controle de glicemia, no caso de com-
hepática e muscular, na ausência de disponibilidade prometimento muscular (GSD IIIa), podendo
de outros exames, confirmam o diagnóstico, autori- até mesmo melhorar a tolerância ao exercício,
zando o início do tratamento com o objetivo de di- os achados eletromiográficos e aumentar a
minuir a possibilidade de complicações e melhorar o massa muscular.
prognóstico do paciente. • Carboidratos
- A quantidade de carboidrato deve variar de
Tratamento 45% a 50% do total de energia da dieta. Utili-
Fase aguda zar preferencialmente carboidratos complexos
O tratamento é semelhante ao do tipo I. com menor índice glicêmico, entretanto não é
necessária a restrição de frutose e lactose.
Terapia nutricional
Exemplos de dieta
Objetivos da terapia nutricional
Exemplo 1 – Criança do sexo masculino com 2 meses,
• Os mesmos da GSD I.
56 cm e peso de 5.500 g.
• Para esses objetivos, utilizam-se dieta fracionada
Recomendação diária de nutrientes e energia
e suprimento exógeno de carboidrato na forma
Energia*
Amido cru
de amido de milho cru ou infusão nasogástrica Idade
(g/kg/dose)
Carboidratos Lipídeos Proteína (kcal/kg/
dia)
contínua de glicose. 25% a 20% a
1,65
45% a 50% 30% do 25% do
<6 g/kg/dose
do total de total de total de 108
• Dieta fracionada meses de 4/4
calorias/dia calorias/ calorias/
horas
dia dia
- Refeições fracionadas, normoglicídicas e hiper-
Fonte: Scriver CR. The metabolic and molecular bases of
protéicas devem ser oferecidas durante o dia, in- inherited disease, New York: McGraw-Hill, 2001.

tercalando-as com a administração do amido cru.


• Energia total: 600 calorias/dia
• Amido cru e suplementações vitamínicas
• Amido cru: 9 g/dose de 4/4 horas
- Mesmas orientações da GSD I.
• 1/3 das calorias/dia de amido cru
Medicamentoso • 2/3 das calorias/dia de isolado protéico de soja
Apenas a mesma observação da GSD quanto ao uso sem lactose e sacarose
de amilase em crianças com menos de 2 anos de idade. • Intercalar a oferta de amido cru e isolado protéi-
Não existe a indicação dos demais medicamentos. co durante as 24 horas

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Glicogenoses

Exemplo 2 – Criança do sexo masculino com 10 anos, Lanche II


132 cm e peso de 27.500 g. Fator atividade: ativo Pão francês ½ unidade
2 unidades bolacha
de água e sal
Recomendação diária de nutrientes e energia Maionese caseira 5g Margarina
Energia* Carne de boi, pescada,
Amido cru
Idade Carboidratos Lipídeos Proteína (kcal/kg/ Carne de frango 25 g
(g/kg/dose)
dia)
presunto de peru

25% a 20% a Pêra 60 g Maçã, goiaba, mamão


1,75
45% a 50% 30% do 25% do 18 horas
7 a 10 g/kg/dose
do total de total de total de 1.900
anos de 6/6
calorias/dia calorias/ calorias/ Amido cru 48 g –
horas
dia dia
Água 100 ml –
* DRIs (2002)
Jantar
2 colheres
Arroz cozido Macarrão
• Energia total: 1.900 calorias/dia (sopa)
Batata 50 g Mandioca, cará
• Amido cru: 48 g/dose de 6/6 horas Carne de frango Carne de boi, pescada
100 g
sem pele ou ovos
• Energia da dieta: 1.250 calorias/dia
Salada de alface 1 pires Outras folhas
• Carboidrato: 45% Óleo ou azeite ½ xícara
(tempero para salada) (chá)
• Proteína: 25% Lanche III

• Lipídeos: 30% Pão francês ½ unidade


2 unidades de bolacha
de água e sal
Margarina 5g Maionese caseira
Alimentos Quantidade Substituições
Leite desnatado 100 ml Iogurte natural
6 horas
24 horas
Amido cru 48 g –
Amido cru 48 g
Água 100 ml –
Água 100 ml
Café da manhã
2 unidades de bolacha
Pão francês ½ unidade
de água e sal
Margarina 5g Maionese caseira Acompanhamento
Leite desnatado 100 ml Iogurte natural
O acompanhamento médico e nutricional também
Café 50 ml
deve ser feito a cada três meses com exames labora-
Lanche I
2 unidades de bolacha
toriais semelhantes, não necessitando de controles
Pão francês ½ unidade
de água e sal de lactato, ácido úrico e função renal, mas adicio-
Margarina 5g Maionese caseira
nando-se a dosagem de creatininoquinase semestral
Queijo prato
Queijo frescal 1 fatia média
(1 fatia pequena) e eletrocardiograma e ecocardiograma anuais.
12 horas
Amido cru 48 g –
Água 100 ml – Glicogenose 0
Almoço
Defeito do glicogênio sintetase, doença rara de heran-
3 colheres
Arroz cozido
de sopa
Macarrão ça autossômica recessiva, em que não há redução na
Carne de boi magra 100 g
Carne de frango, síntese do glicogênio hepático, sendo, portanto, cau-
pescada ou ovos
sa de hipoglicemia cetótica no jejum, hiperglicemia
Lentilha, grão-de-
Feijão cozido ½ concha
bico, ervilha com aumento de lactato e alanina no pós-prandial.
Salada de escarola 1 pires cru Outras folhas O fígado pode ser pouco aumentado com esteatose.
Óleo ou azeite ½ xícara
(tempero para salada) (chá) O tratamento consiste em dieta com alimentação
(cont.) freqüente, rica em proteína, com diminuição de car-

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Protocolo Brasileiro de Dietas

boidratos de rápida absorção; durante o dia, evitan- DRIs - Institute of Medicine, Food and Nutrition Board. Di-
etary Reference Intakes for Energy, Carbohydrates, Fi-
do as alterações pós-prandiais, e amido cru à noite
bers, Fat, Fatty Avids Cholesterol, Protein, and Amino
prevenindo a hipoglicemia. Orientações nutricionais Acids (Macronutrients). Washington DC: National Acad-
semelhantes às da GSD IIIa (Chen, 2001). emy Press, 2002.
Fernandes J, Saudubray JM, Van den Berghe G. Inborn meta-
bolic diseases diagnosis and treatment. 3 ed. Berlin: Springer
Síndrome de Fanconi-Bickel Verlag, 2000.
Hout HMP, Hop W, Diggelens OP et al. The natural course of
Na realidade essa doença não é uma enfermidade de infatile Pompe’s disease: 20 original cases compared with
depósito de glicogênio por alteração de enzimas de seu 133 cases from the literature. Pediatrics 2003;112:32-340.
ciclo, e sim um defeito no transportador de dissacarí- Kiechl S et al. Different clinical aspects of debrancher deficien-
deos chamado GLUT 2, presente em fígado, pâncreas, cy myopathy. J Neurol Neurosurg Psychiatry 1999; 67:364-8.

intestino e rins. Apresenta hipoglicemia de jejum e hi- Latger-Carnar V et al. Neutrophil adherence receptor deficien-
cy regressing with granulocyte-colony stimulating factor
perglicemia pós-prandial, assim como tubulopatia com therapy in a case of glycogen storage disease type Ib. Eur
quadro de síndrome de Fanconi renal (Chen, 2001). J Pediatr 2002;161:87-93.
O tratamento dietético é semelhante ao da GSD Moses SW. Historical highlights and unsolved problems in gly-
I. Há necessidade de utilização de medicações, prin- cogen storage disease type 1. Eur J Pediatr 2002;161:S2-9.

cipalmente pela alteração renal e conseqüente ra- National Research Council. Dietary reference intakes for en-
ergy, carbohydrate, fiber, fat acids, cholesterol, protein,
quitismo. Indicam-se: reposição de água, eletrólitos, and amino acid (macronutrients). National Academy
vitamina D e cálcio (Santer et al.,1998). Press, 2002.
Rake JP, Visser G, Labrune P et al. Guindelines for manage-
ment of glycogen storage disease type I – European
Bibliografia Study on Glycogen Storage Disease Type I. Eur J Pediatr
2002;161:S112-9.
Bodamer OA et al. L-alanine supplementation in late infan-
tile glycogen storage disease type II. Pediatric Neurology Santer R et al. Fanconi-Bickel syndrome – The original
2002:(27):145-6. patient and his natural history steps leding to the pri-
Bodamer OA, Halliday D, Leonard JV. Dietary treatment mary defect, and a review of the literature. Eur J Pediatr
in late-onset acid maltase deficiency. Eur J Pediatric 1998;157:783-97.
1997;156(Suppl 1):s39-42. Slonim AE et al. Reversal of debrancher deficiency my-
Bodamer OA, Halliday D, Leonard JV. The effects of l-alanine opathy by the use of high-protien nutrition. Ann Neurol
supplementation in late-onset glycogen storage diseasa 1982;11(4):420-2.
type II. Neurology 2000;55:710-2.
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Colombo MC, Cornejo VE, Raiman EB. Errores innatos em el me- failure in debrancher enzyme deficiency: improvement
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inherited disease. 8 ed. New York: McGraw-Hill, 2001. Metabol Clin 1999;28(4):801-24.

80

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Capítulo 9

Galactosemia

Introdução de zinco e ferro estabilizam sua estrutura. O mecanismo


pelo qual a deficiência da GALT causa doença não está
A galactosemia é um erro inato do metabolismo da ga-
lactose de herança autossômica recessiva. A principal via bem definido. Há evidências, no entanto, do envolvi-
metabólica da utilização da galactose pelo organismo en- mento da galactose-1-fosfato (gal-1-P) em um ciclo de
volve três enzimas: galactose-1-fosfato-uridiltransferase fosforilação, apresentando redução dos níveis de ATP,
(GALT), galactoquinase (GALK) e uridil-difosfato- CTP e GTP. Outras hipóteses propostas incluem defei-
galactose-4’-epimerase (GALE), todas elas relacio- to na incorporação da gal-1-P em compostos “galacto-
nadas a doenças clinicamente reconhecíveis, sendo a silados” (Gitzelman, 1995; Jakobs et al., 1995).
galactosemia clássica a principal representante desse Sua prevalência na forma clássica foi estimada pelos
grupo (Figura 1).
resultados dos programas de triagem neonatal e é de
A enzima deficiente responsável pela galactosemia
1 caso para 30.000 nascidos vivos. Porém, quando se
clássica é a GALT, que catalisa a produção de glicose-
1-fosfato a partir d e galactose-1-fosfato e a produção de utilizam parâmetros de atividade da GALT abaixo de
uridil-fosfato (UDP)-galactose a partir de UDP-glicose 5% e concentração de GALT eritrocitária a partir de 2
(Figura 1). É uma metaloproteína Zn/Fe na qual os íons mg/dl, a prevalência chega a 1 caso para cada 10.000.

GALE
UDP-glicose UDP-galactose
GALK
Galactitol
+ +
+ ATP GALT
GALACTOSE Galactose-1-fosfato Glicose-1-fosfato
+P
Galactonato
UDP-galactose UDP-glicose
GALE

Glicoproteínas
Glicolipídeos

Figura 1. Via metabólica (simplificada) da galactose.


Fonte: Modificado de Holton et al., 2001.

Descrição clínica cemia, alterações hepatocelulares, diátese hemorrágica,


icterícia e hiperamonemia. Se não for tratada adequada-
Galactosemia clássica mente, a descompensação metabólica pode evoluir para
Após alguns dias de ingesta de leite materno ou fórmu- hiperamonemia, sepse por E. coli, choque e morte.
las contendo lactose, as crianças afetadas começam a Apesar de a catarata no período neonatal ser
apresentar sucção débil, baixo ganho ponderal, hipogli- classicamente considerada uma de suas manifesta-

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Protocolo Brasileiro de Dietas

ções principais, esse sinal ocorre apenas em 10% dos Quando a atividade enzimática ocorre em níveis in-
pacientes nessa idade, e sua visualização só é possível termediários, o indivíduo é assintomático e não ne-
com o uso de lâmpada de fenda para detecção das cessita de restrição dietética.
alterações características, na forma de lesões punc- A deficiência acentuada de GALE caracteriza-se
tuadas no núcleo do cristalino. por atividade de menos de 10% em fibroblastos e ainda
Crianças que sobrevivem ao período neonatal e se menor em leucócitos e eritrócitos. Nesses casos, possui
mantêm em dieta inadequada desenvolvem retardo clínica idêntica à forma clássica da galactosemia, por
mental e alterações corticais e cerebelares. Mesmo isso deve ser considerada em pacientes com quadro clí-
quando a terapia é iniciada precoce e corretamente, nico de galactosemia clássica, nos quais a atividade da
o seguimento prospectivo dessas crianças tem mos- GALT esteja normal. O tratamento deve ser realizado
trado que elas podem apresentar catarata, apraxia nos mesmos moldes da galactosemia clássica.
verbal, déficit ponderoestatural, baixo rendimento
escolar e déficits neurológicos, predominantemente
Diagnóstico
alterações piramidais e ataxia, além de falência ova-
riana (Waggoner et al., 1990). Triagem neonatal
A triagem neonatal para a galactosemia não é ofe-
Deficiências parciais da GALT
recida na rede de saúde pública do Brasil. Alguns
Diminuição parcial da atividade da GALT (conheci- laboratórios privados oferecem a triagem ampliada
da como variante Duarte), entre 5% e 20%, está rela- para erros inatos do metabolismo, que pode abran-
cionada clinicamente a catarata precoce, retardamen- ger a galactosemia. O exame utiliza uma pequena
to mental leve com ataxia, retardo de crescimento e quantidade de sangue em papel de filtro e consiste
alterações de fala. Nas mulheres, pode ser observada na quantificação da galactose e galactose-1-fosfato
ainda amenorréia ou menopausa precoce. na mesma amostra.

Deficiência de galactoquinase Diagnóstico enzimático e bioquímico


A GALK é a primeira enzima da via metabólica de ga- Crianças que apresentam triagem neonatal positiva,
lactose, cujo gene (GK1) está mapeado no cromosso- sinais e sintomas compatíveis, ou a associação de cli-
mo 17p24. Sua apresentação clínica usual é a catarata nitest (Benedict) positivo com reação de glicofita (fita
bilateral detectável nas primeiras semanas de vida, de impregnação de glicose oxidase) negativa, devem
apesar de já ter sido descrita em fetos de 20 semanas ser submetidas à cromatografia de glicídeos na urina.
de gestação. A ocorrência de pseudotumor cerebral Tais exames são considerados de triagem e orientam
descrita em alguns casos de deficiência de galactoqui- a investigação laboratorial a seguir. Além dos testes
nase é considerada uma complicação da doença. Seu que detectam excreção aumentada de açúcares na uri-
tratamento deve ser realizado nos mesmos moldes da na, outros exames laboratoriais de rotina podem estar
galactosemia clássica, e o seguimento bioquímico fei- alterados e apresentar albuminúria, hipofosfatemia,
to mediante medida do galactitol urinário. hipocalemia e aminoacidúria generalizada.
A confirmação do diagnóstico deve ser realizada
Deficiência de uridil-difosfato- pelo ensaio enzimático para estimativa da atividade
galactose-4’-epimerase de GALT. A galactosemia clássica possui atividade
A GALE é a terceira das enzimas do metabolismo menor que 5% e na variante Duarte a atividade en-
da galactose associada a uma doença metabólica. contra-se entre 5% e 20%.

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Galactosemia

Existem ainda outros ensaios bioquímicos que po- Diagnóstico diferencial


dem ser usados para diagnóstico e parâmetros terapêu-
No diagnóstico diferencial da hepatotoxicidade neo-
ticos. A dosagem de galactose-1-fosfato em eritrócitos
natal, devem ser consideradas as doenças infeccio-
mostra níveis alterados em indivíduos não-tratados,
sas, obstrução biliar e outras doenças metabólicas
com concentração excedendo 2 mg/dl. Ela também
como Niemann-Pick tipo C e doença de Wilson.
pode ser usada para monitorar a efetividade da terapia.
A ocorrência de sepse não deve descartar a galacto-
Já o galactitol, produto de uma via alternativa do meta- semia por ser complicação comumente encontrada.
bolismo da galactose, pode ser medido na urina. Se for
maior que 78 µMl/ml de creatinina, está alterado. Diagnóstico pré-natal
Recém-nascidos em risco para galactosemia, como
Diagnóstico molecular
irmãos de pacientes que tenham tido previamente
O gene da enzima galactose-1-fosfato-uridil-transfe- o diagnóstico, não devem ingerir galactose até que
rase é denominado GALT e está localizado no cro- a doença seja excluída. Nesses casos, deve ser dis-
mossomo 9p13. cutida com o casal a possibilidade da realização de
Um dos métodos mais utilizados é a pesquisa di- diagnóstico pré-natal, que pode ser feita por:
reta das seis mutações mais comuns (Q188R, S135L,
K285N, L195P, Y209C, F171S). Observou-se que • coleta da vilosidade coriônica, entre a 11a e a 13a
71% dos pacientes apresentam diferentes combina- semanas de gestação, para análise da atividade da
ções dessas seis mutações e 10% são heterozigotos GALT, ou em famílias previamente genotipadas
compostos para uma dessas mutações comuns, asso- para análise molecular para GALT;
ciada a outra rara. • amniocentese, a partir da 14a semana de gestação,
A mutação Q188R está presente em aproxima- para análise da atividade da GALT, espectrome-
damente 70% da população caucasiana do norte da tria de massa para identificação de galactitol ou,
Europa. Quando em homozigose, a atividade enzimá- se previamente genotipado, a análise molecular
tica fica completamente suprimida. Estudos recentes para GALT em amniócitos;
apontam para um pior prognóstico em pacientes com • cordocentese, a partir da 20a semana de gestação,
essa mutação, a qual também está associada ao maior para ensaio enzimático, espectrometria para ga-
risco de falência ovariana precoce e dispraxia de fala. lactitol ou análise molecular.
Outra mutação, K285N, é prevalente no sul da
Alemanha, na Áustria e na Croácia e confere prog- Tanto para os procedimentos de análise enzimá-
nóstico ruim em homozigose ou se forma heterozigo- tica como molecular, a amniocentese requer cultu-
to composto com a Q188R. ra dos amniócitos, retardando em pelo menos mais
O alelo S135L é o mais comum na África. Em uma semana o resultado.
homozigose ou mesmo em heterozigose confere bom
prognóstico e não ocasiona hepatotoxicidade neo-
natal ou problemas crônicos.
Condutas e suporte
A variante Duarte (N314D) confere instabilidade nutricional na fase aguda
para a GALT. Em homozigotos, a atividade enzimática Crianças gravemente comprometidas no momento
está reduzida em apenas 50%. Heterozigotos compostos do diagnóstico requerem medidas de suporte avan-
que apresentam essa mutação têm bom prognóstico e çado que incluem a administração de vitamina K e
usualmente não necessitam de intervenção dietética. plasma fresco congelado para prevenir ou corrigir

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Protocolo Brasileiro de Dietas

distúrbios de coagulação. A coagulopatia pode estar mia, apesar de sua limitada eficácia na prevenção de
presente mesmo sem evidências de doença hepática, complicações a longo prazo. Apesar de a maioria dos
devendo ser solicitado coagulograma antes de pro- pacientes adultos não seguir corretamente as orien-
cedimentos invasivos. Hiperbilirrubinemia direta tações dietéticas, não se observaram evidências de
(não-conjugada) não costuma ser grave o suficiente doença hepática e/ou renal.
para indicar fototerapia e/ou exsangüinotransfusão, Nas gestantes de fetos sob risco de desenvolver
no entanto, crianças com galactosemia têm maior galactosemia não houve vantagens em relação a
risco de Kernicterus se os níveis de albumina esti- complicações precoces ou tardias quando as mães fo-
verem baixos em decorrência da doença hepática. ram tratadas com restrição de lactose ou galactose.
Além disso, para prevenir resultados falso-negativos
em análises enzimáticas, deve-se coletar sangue an-
tes de procedimentos hemoterápicos. Tratamento
A ocorrência de sepse por E. coli com curso fulmi-
Aspectos gerais
nante sugere que pacientes com galactosemia apre-
sentam uma inibição da atividade bactericida dos O tratamento de portadores de galactosemia deve
leucócitos (Holton et al., 2001). Assim, presume-se ser feito em centros especializados, preferencial-
que o paciente está em sepse por Gram-negativo e mente com equipe multidisciplinar constituída por
deve-se iniciar antibioticoterapia endovenosa. pediatra, hepatologista, endocrinologista, geneticis-
Se o estado da criança estiver comprometido a ta, nutricionista, fonoaudióloga, psicóloga e assis-
ponto de ela não tolerar alimentação enteral por tente social.
mais de um ou dois dias, deve ser considerada a nu- Quando houver suspeita clínica de galactosemia,
trição parenteral, que tem de ser prescrita com cau- ou em casos assintomáticos com triagem neonatal
tela se houver doença hepática e trombocitopenia. positiva, a lactose deve ser removida da dieta mesmo
Quando em condições clínicas de nutrição ente- antes da confirmação bioquímica do diagnóstico.
ral, se houver doença hepática significativa, devem Quando há atividade da GALT menor que 10%
ser usadas, até melhora do quadro, fórmulas com tri- do controle normal, está indicada intervenção die-
glicérides de cadeia média contendo hidrolisado de tética imediata. Como o leite humano contém 6%
proteína sem galactose. a 8% de lactose, o leite de vaca tem 3% a 4% e as
Após a estabilização do quadro clínico, especial- fórmulas lácteas convencionais apresentam 7%, eles
mente das alterações hepáticas, são recomendáveis devem ser substituídos por fórmula livre de lactose,
as fórmulas de soja com adição de cálcio, que são as como fórmula de soja com adição de cálcio.
mais apropriadas no manejo dietético. Cuidado especial deve ser tomado em relação ao
Após exclusão da galactose da dieta, a maioria uso de medicamentos com lactulose em sua formu-
das crianças apresenta melhora clínica global. He- lação (por conter lactose) no tratamento de hipera-
patomegalia, alteração da função hepática e doença monemia associada a doença hepática.
tubular renal resolvem-se usualmente em uma a duas Diversas outras medicações contêm lactose e isso
semanas. Algumas crianças que apresentam catara- deve ser considerado ao prescrevê-las aos pacientes
ta nessa fase podem demorar mais para apresentar com galactosemia. Entretanto, a quantidade pode
melhora do quadro, mas em sua maioria as seqüelas ser insignificante, principalmente se o medicamento
regridem completamente. for usado por tempo restrito.
A restrição dietética de galactose permanece As restrições dietéticas devem continuar por toda
como o único tratamento efetivo para galactose- a vida. Por esse motivo, deve ser prescrita suplemen-

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Galactosemia

tação com cálcio, na dose de 500 mg/dia no primeiro Nos primeiros anos, o seguimento deve ser a cada
ano de vida e 1.200 mg/dia após essa idade. quatro meses, passando a semestral. Deve ser monito-
Além dos cuidados nutricionais, alguns experi- rado o desenvolvimento físico e estatural, idade ós-
mentos apontam para a possibilidade de novas es- sea, e realizada a ecografia pélvica para acompanhar
tratégias terapêuticas, particularmente em pacientes as dimensões uterinas anualmente, além da medida
que têm atividade residual de GALT, como o uso de de pressão arterial a cada consulta. No caso de uso de
progesterona, pois trabalhos experimentais em ratos reposição hormonal, deve-se ter um cuidado especial
e humanos indicaram a possibilidade de aumento da com história familiar de trombose venosa, acidente
oxidação da galactose, em parte pelo aumento na vascular encefálico, sobrepeso e fumantes.
atividade da GALT, com o uso de progesterona, na
dose de 10 a 20 mg/dia. Além dela, o uso do ácido
fólico pode aumentar a atividade da GALT. Terapia nutricional
Embora a galactose seja necessária para a produção
Manejo da falência ovariana
de galactolipídeos e cerebrosídeos, estes podem ser
A maioria das pacientes com galactosemia desenvol- produzidos por uma via alternativa, mesmo que toda
ve falência ovariana precoce, podendo-se manifestar a galactose seja omitida dos alimentos ingeridos.
como amenorréia primária, amenorréia secundária, Como a lactose é precursora da galactose, o leite e
oligomenorréia e hipogonadismo hipergonadotrófico. seus derivados, incluindo o leite humano, bem como
O reconhecimento e o tratamento dessas com-
alimentos que contenham lactose, são estritamente
plicações devem ser incluídos no seguimento das
proibidos. Alguns estudos sugerem, inclusive, a res-
pacientes com galactosemia, com acompanhamen-
trição de frutas e vegetais que contêm quantidades
to endocrinológico a partir de 10 anos. FSH, LH e
significativas de galactose, como tâmaras, mamão
estradiol devem ser solicitados aos 6 meses, 10 e 12
papaia, caqui, tomate e melancia, que contém mais
anos de idade e, se necessário, anualmente.
de 10 mg de galactose por 100 g de produto fresco
De acordo com o recomendado pela British
(Gross e Acosta, 1991).
Society for Paediatric Endocrinology and Diabetes,
A efetiva restrição de galactose torna essencial
a terapia de reposição hormonal deve-se iniciar em
a cuidadosa leitura de rótulos de todos os alimentos
pacientes com gonadotrofinas basais elevadas e ní-
produzidos. Leite é adicionado a muitos produtos e
veis de estradiol baixos aos 12 ou 13 anos se a crian-
ça ainda não alcançou uma altura razoável. É sugeri- lactose aparece com freqüência, revestindo os table-
do o protocolo descrito na tabela 1. tes de medicamentos.
Quando os alimentos sólidos são introduzidos na
Tabela 1. Protocolo de tratamento de reposição dieta dos lactentes, deve-se tomar cuidado ao ler os
hormonal em mulheres com galactosemia
rótulos de produtos contendo lactose, como leite seco
Ano de
tratamento
Conduta sólido não-gorduroso, caseína, soro de leite ou soro de
Etinilestradiol 2 mg/dia (se o avanço puberal for leite sólido. Alimentos contendo lactato, ácido lácti-
1o
muito lento, passar para nova fase após 6 meses)
co e lactoalbumina são seguros para incluir na dieta.
2o Etinilestradiol 5 mg/dia
Etinilestradiol 10 mg/dia (nessa fase podem
3o ocorrer sangramentos vaginais, sendo Objetivos do suporte nutricional
indicado progestágeno no início do mês)
Anticoncepcional oral contendo aproximadamente Medidas gerais
20 mg de etinilestradiol e progestágeno, prescrito
4o em diante
usualmente (se houver sangramento no meio do 1) Prover suporte para crescimento e desenvolvi-
ciclo, considerar ACO com 30 mg de etinilestradiol)
mento normais em bebês e crianças e manter o

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Protocolo Brasileiro de Dietas

peso para a estatura adequado para o adulto (Elsas Exemplos de dieta


e Aorta, 1994; Segal, 1995).
1) Para uma criança do sexo feminino de 1 mês de idade,
2) Dar suporte para o desenvolvimento de bebês e com peso de 3,5 kg: utilizar formulação de soja com
crianças (DRIS, 1997 a 2002). adição de cálcio isenta de galactose e lactose, adequa-
3) Manter o estado nutricional normal. da para as necessidades de crianças de 0 a 5 meses.
2) Para uma criança do sexo feminino, com 3 anos e 11
Na deficiência de galactoquinase meses de idade, estatura de 100 cm e peso de 15.100 g:
1) Manter o sangue e a urina livres de galactose e energia de 1.450 calorias (ver cardápio a seguir).
galactitol.
2) Prevenir a catarata. Tabela de alimentos

Alimentos Quantidades Substituições


Na deficiência de GALT, variantes com
Café da manhã
atividade da enzima menor que 35%
Fórmula de soja 150 ml
1) Manter a concentração de galactose-1-fosfato Sacarose 10 g

menor que 2 mg/dl, medida em eritrócitos, por Pão francês sem leite (um terço) unidade
Margarina sem leite 5g
duas a quatro horas no período pós-prandial. Pa-
Lanche I
cientes bem tratados com galactosemia mantêm
Fórmula de soja 150 ml
níveis menores que 3 g/dl (Pennington, 1989). Amido de milho 10 g

2) Reduzir a concentração, a níveis aceitáveis em uri- Sacarose 10 g


Pão sem leite ½ unidade Bolacha sem leite
na e sangue, de galactitol (Wat e Gibson, 1996).
Geléia de fruta
5g
3) Prevenir o retardo mental e os distúrbios de fala permitida
Almoço
(Nelson, 1995; Schweiter et al., 1993).
Arroz 1 ½ colher (sopa) Macarrão sem leite
4) Evitar a deterioração neurológica. Carne de frango 5 colheres (sopa)
Carne de boi, peixe
ou 2 ovos
5) Reduzir o risco de falência ovariana. Alface 50 g
Óleo de milho 5 ml
Gelatina 15 g
Dieta
Lanche II
1) Restringir alimentos que contenham galactose e Fórmula de soja 200 ml

lactose. Sacarose 10 g
Cereal sem leite 50 g Bolacha sem leite
2) Proteína: a ingestão recomendada é a mesma para Jantar
bebês, crianças e adultos saudáveis (DRIS, 2002). Arroz 1 ½ colher (sopa) Macarrão sem leite
Carne de boi, peixe
3) Energia: a recomendação energética é a mesma para Carne bovina 5 colheres (sopa)
ou 2 ovos
bebês, crianças e adultos saudáveis. A ingestão deve Beterraba 50 g

ser suficiente para manutenção do ganho de peso Óleo de milho 5 ml


Melão 15 g
normal em bebês e crianças e para manter o peso
Lanche III
adequado para estatura em adultos (DRIS, 2002).
Fórmula de soja 100 ml

4) Líquidos: a quantidade prescrita deve suprir os Amido de milho 10 g


Sacarose 10 g
requerimentos de água.

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Galactosemia

Tabela 2. Teor de galactose em diferentes alimentos Frutas e sucos

Alimentos Alimentos Apricot e abacate Maçãs Figo seco


Alimentos excluidos Suco de maçã Salada de frutas
permitidos controlados 5-20 Cherries e
> 20 mg GAL/100 g não-permitidas
< 5 mg GAL/100 g mg GAL/100 g coquetel de frutas Banana
permitidas: manga, Tâmara Uvas
Bebidas grapefruit, nectarina, Uva verde Uvas européias
melão, laranja
Cerveja, café, Suco de maçã Leite materno, leite Kiwi e suco Limão, laranja-lima
chá, vinho Suco de laranja animal e derivados, Melão e melancia Melão
Bebidas manteiga Suco de laranja
Suco de pêra Mamão
carbonatadas Cafés instantâneos Pêssego
Caqui
Bebidas sem lactose Pêra
Bebidas com leite Suco de melancia
Bebidas com frutas Abacaxi
Bebidas com caseinato Morango
sem maçã, banana,
de cálcio ou de sódio
laranja, papaia e Grãos
suco de pêra Ovomaltine e
bebidas maltadas Milho, arroz, Todos os produtos
Fórmula à base de
macarrão sem industrializados
soja sem lactose Bebidas tratadas com
leite, trigo que contêm grãos
lactobacillus acidophilus
misturados com leite
Suco de mamão
Oleaginosas e sementes
Sucos em pó
com lactose Castanha brasileira Feijões Todos os tipos de feijão
Proteína isolada Semente da vagem Feijão-soja
Suco de melancia
de soja Lentilha
Pães e cereais Amendoim Missô, vagem,
Pães e bolachas Biscoitos, muffins, Manteiga de semente de abóbora,
sem leite panquecas e waffles amendoim sem leite semente de gergelim,
que contenham leite farinha de soja, tofu
Cereais sem leite
Cereais secos com leite Açúcares

Queijos e produtos com leite Mel Geléia e Geléia de maçã


Geléias e marmelada com Geléia e marmelada
Nenhum Todos os tipos de queijo marmelada com frutas permitidas contendo frutas
Iogurte, nata frutas permitidas excluídas
Lactoalbumina Adoçante com
sacarina
Lactoglobulina
Vegetais e sucos
Creme de leite
Frescos, enlatados Qualquer vegetal Tomate cru
Queijos de soja ou congelados com adição de
com caseinato de lactose durante o
Aspargo
cálcio ou de sódio processamento
Broto de bambu
Sobremesas Beterraba Brócolis
Bolos, cookies Qualquer sobremesa Repolho Couve-de-bruxelas
e pudins sem com chocolate ou leite Couve-flor Cenoura
leite, gelatina, Salsão
Sorvetes com leite Berinjela
sorvetes e tortas
Sobremesa com caqui, Milho Cebola
Preparadas com
mamão ou melancia Pepino Abóbora
água ou proteína
isolada de soja Alface
Sobremesas Batata-doce
preparadas com Folhas de mostarda
Água e sorvetes de Sopa de tomate
frutas preparados manteiga ou margarina Azeitona verde
Nabo
com frutas permitidas Rabanete
Batata branca
Ovos
Espinafre
Todos Omeletes, suflês e Abobrinha
outras preparações
com leite INGREDIENTES

Gorduras Lactato, ácido Gomas vegetais Alimentos dietéticos


láctico acácia, ágar com leite
Gordura animal, Creme
Azeitona Drogas, minerais e
bacon, margarina Creme de leite
Glutamato preparações com
sem leite
monossódico vitaminas com lactose
Maionese sem leite Proteína hidrolisada
Gomas guar e arábica
Óleos vegetais, Toffee
azeitonas
e: Gropper S. Free galactose in fruits and legumes. s/d. Gross K et al. J Food
(cont.) Comp Anal 1995; 8: 319. Van calcar S. Free galactose in foods. s/d.

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Protocolo Brasileiro de Dietas

Monitoramento bioquímico 5) Manter peso, estatura e peso entre os percentis


10 e 90.
1) Dosagem de galactose-1-fosfato em eritrócitos é
o método mais usado para se estimar a aderência 6) Se o peso ou a estatura e o peso estiverem abaixo
ao tratamento. Após o diagnóstico, apesar do se- do crescimento usual, aumentar a prescrição de
guimento correto, pode-se levar até um ano para proteína e energia de 5% a 10% e reavaliar men-
que a dosagem de gal-1-P alcance níveis aceitá- salmente. Se a relação peso–estatura ou o peso
veis. Em diferentes unidades, os valores aceitá- permanece baixo, repetir o processo anterior até
veis propostos seriam de 150 µM/l de eritrócitos, retomar o canal de crescimento.
50 µg/ml de eritrócitos, 5 mg/100 ml eritrócitos e
0,5 µM/g de Hb. A dosagem de gal-1-P deve ser
Bibliografia
trimestral no primeiro ano de vida, semestral até
Elsas LJ, Acosta PB. Nutrition support of inherited metabolic
14 anos e anual após essa idade. diseases. In: Shils ME et al. (eds.). Modern nutrition in health
and disease. 8 ed. Philadelphia: Lea & Fiber, 1994.
2) Hemograma semestral.
Friedman JH, Leny HL, Boustamy RM. Late onset of distinct
3) Concentração de albumina plasmática: se abaixo neurologic syndromes in galactosemia siblings. Neurology
dos níveis normais, indica aumento na prescrição 1989;39:741-2.

de proteína em 5% a 10%, devendo-se reavaliar Gross KC, Acosta, PB. Fruits and vegetables are a search of
galactose: implications in planning the diets of patients
após um mês e repetir o aumento do aporte até a with galactosaemia. J Inher Metab Dis 1991;14:253-8.
normalização. Esse seguimento deve ser semestral Holton JB, Walter JH, Tyfield LA. Galactosemia. In: Scriver
até o primeiro ano de vida e depois anual. CR, Beaudet AR, Sly W, Valle D (eds.). The metabolic and
molecular bases of inherited disease. 8 ed. New York: McGraw-
4) Ferritina plasmática: se abaixo dos níveis normais, Hill, 2001.
deve-se aumentar o aporte de ferro com 2 mg/kg Jakobs C, Schweitzer S, Dorland B. Galactitol in galactose-
mia. Eur J Pediatr 1995;154(7Suppl 2):S50-2.
de sulfato ferroso até normalizar. Deve ser dosada
de rotina no 6o, no 9o e no 12o meses de vida e, a National Research Council. Dietary reference intakes for
energy, carbohydrate, fiber, fat acids, cholesterol, pro-
cada seis meses, após o segundo ano de idade. tein, and amino acid (macronutrients), National Acade-
my Press. 2002.
5) Como parte do monitoramento endocrinológico
Nelson D. Verbal dyspraxia in children with galactosemia. Eur
nas meninas, FSH, LH e estradiol devem ser soli- J Pediatr 1995:154(Suppl):56-7.
citados aos 6 meses de idade, aos 10 e 12 anos e, Pennington JAT. Food values of portions commonly used. 5
se necessário, anualmente. ed. New York: Harper and Row, 1989.
Schweiter S, Shin Y, Bodehl J. Long term outcome in 134 pa-
tients with galactosemia. Eur J Pediatr 1993;152:36-43.
Monitoração do crescimento Segal S. Disorders of galactose metabolism. In: Scriver CH
et al. The metabolic and molecular basis of inherited disease. 7 ed.
1) Verificar mensalmente o peso e o comprimento New York: McGraw-Hill, 1995.
até 1 ano de idade. Segal S. Galactosaemia today: the enigma and the challen-
ge. J Inher Metab Dis 1998;455-71.
2) Fazer essa verificação a cada três meses até 4 anos.
Waggoner DD, Buist NR, Donnell GN. Long-term prognosis
3) Continuar verificação de peso e comprimento a in galactosemia: results of a survey of 350 cases. J Inherit
Metab Dis 1990;13:802.
cada seis meses após 4 anos.
Wat R, Gibson JB. Update: newborn screening for galactose-
4) Colocar os dados na curva de normalidade (NCHS). mia. J Arkansas Med Scri 1996;92:539.

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Capítulo 10

Frutosemia

Introdução Frutose é um carboidrato muito comum na natu-


reza. Como monossacarídeo, é encontrado em frutas e
Frutosemia, ou intolerância hereditária à frutose
vegetais, bem como no mel. Como dissacarídeo (saca-
(MIM 229600), é um distúrbio autossômico recessi-
rose), está presente em diversos nutrientes. Pode tam-
vo caracterizado por comprometimento na utilização
bém constituir trissacarídeo (rafinose), tetrassacarídeo
da frutose pelo organismo. Sua causa é a deficiência
(estaquiose) e polímeros (inulina), presentes em vege-
da enzima frutose 1,6-bifosfato aldolase, também
tais e nas sementes das leguminosas. A frutose também
chamada aldolase B. Além dessa, outras enzimas
é comumente utilizada como adoçante e está presente
participam do metabolismo da frutose, como a fruto-
em diversos produtos industrializados, como refrigeran-
quinase e a frutose 1,6-bifosfatase (Figura 1).
tes, sucos de frutas e doces (Rumessen, 1992).
A real freqüência da deficiência de aldolase B
não é conhecida. Ocorre predominantemente em
caucasóides e a incidência na Suíça e na Grã-Breta- Fisiopatologia
nha pode atingir 1:20.000. Não há dados referentes Quando ingerida por via oral, a frutose é absorvida
à população brasileira. sem alteração no intestino delgado e é rapidamente
utilizada pelo organismo quando atinge a corrente
GLICOGÊNIO
sangüínea. O metabolismo da frutose ocorre princi-
palmente no fígado, nos rins e no intestino delgado
Glicose-1-fosfato
por uma combinação de três enzimas – frutoquina-
se, aldolase B e trioquinase – que a convertem em
GLICOSE Glicose-6-fosfato
intermediários do metabolismo glicolítico-glucone-
ogênico, visando, portanto, à transformação final da
Frutose-6-fosfato
frutose em glicose (Steinmann et al., 2001).
Frutose
SORBITOL
1,6-bifosfatase Indivíduos com deficiência da aldolase B, quan-
Frutose-1,6-bifosfato do ingerem frutose na dieta, não conseguem fazer o
transporte adequado de toda a frutose pela membra-
frutoquinase aldolase B
na intestinal. Isso faz com que o excesso de frutose
FRUTOSE Frutose-1-fosfato Diidroxiacetona-fosfato
não-absorvida atue como um agente osmótico que
adsorve água para o lúmen intestinal. Além disso,
Gliceraldeído Piruvato quando atinge o cólon, a frutose não-absorvida sofre
Lactato
Ciclo de Krebs
fermentação pela flora colônica anaeróbia e produz
excesso de hidrogênio, metano, dióxido carbônico e
Figura 1. Via metabólica simplificada do
metabolismo da frutose. outros gases (Choi et al., 2003). Clinicamente, esse
Fonte: Modificado de Steinmann et al., 2001. processo se traduz por sintomas de desconforto gas-

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Protocolo Brasileiro de Dietas

trointestinal, tais como vômitos, diarréia, distensão tares considerados estranhos e não compreendidos
abdominal e flatulência. por outras pessoas. Além disso, é curioso notar que
Quanto à frutose efetivamente absorvida, o organis- muitos adultos com frutosemia são completamente
mo consegue utilizar apenas determinadas quantidades, livres de cáries e que o diagnóstico dessa condição é
pois o excesso pode ser tóxico mesmo em indivíduos freqüentemente suspeitado pelo dentista.
normais, causando hiperuricemia e acidose láctica. Em outros casos, indivíduos com intolerância à
Isso ocorre porque a frutose-1-fosfato não-clivada so- frutose recebem infusões intravenosas de frutose ou
fre acúmulo e inibe a frutoquinase, causando elevação sorbitol, por exemplo, durante procedimentos cirúr-
da frutose sangüínea, o que altera a razão celular da gicos, e podem falecer em decorrência da intoxicação
ATP/AMP com aceleração da produção de ácido úri- aguda. Por essa razão, pacientes com intolerância à
co. Além disso, a competição entre urato e lactato pela frutose ou seus responsáveis legais devem informar à
excreção pelos túbulos renais faz com que ocorram aci- equipe médica sobre sua condição para evitar o uso de
demia láctica e acidose tubular proximal, complicada soluções contendo frutose, sorbitol ou açúcar inverti-
por aminoacidúria, glicosúria e fosfatúria. A disfunção do. Tal medida pode diminuir o número de iatroge-
hepática, de outro lado, deve ser decorrente de toxici- nias, incluindo lesão hepática e até mesmo óbito.
dade celular e degeneração citoplasmática.

Diagnóstico
Quadro clínico
Triagem neonatal
Clinicamente, a deficiência da aldolase B causa sin-
tomas como hipoglicemia, choque e intoxicação he- A triagem neonatal para intolerância hereditária à
pática (com hepatomegalia, icterícia, ascite, melena frutose não é realizada na maioria dos países em razão
e hematêmese, além de tremores, edema e palidez) e da baixa prevalência desse distúrbio e ao fato de que
renal (com oligúria, anúria e raquitismo), bem como o quadro clínico, embora potencialmente grave, não
dificuldade em ganhar peso e baixa estatura. caracteriza urgência nos primeiros meses de vida.
A hipoglicemia não tende a ser tão exacerbada
Exames de triagem
nem duradoura, passando muitas vezes despercebida
por toda a infância. Na ausência da ingestão de fru- Além do quadro clínico, o diagnóstico de frutosemia
tose, esses indivíduos são assintomáticos e saudáveis. pode ser considerado quando exames de triagem mos-
Por essa razão, bebês alimentados com leite materno trarem a presença de substâncias redutoras na urina,
tendem a não apresentar sintomas até a introdução detectáveis por testes como Benedict ou Seliwanoff.
de papinhas de vegetais e frutas. De outro lado, os Tais exames, entretanto, não são específicos para a
recém-nascidos que recebem fórmulas lácteas que frutose e podem ser positivos para qualquer outro
contenham frutose podem desenvolver doença gra- açúcar, devendo ser feito diagnóstico diferencial,
ve com risco de morte. Quanto menor a idade do principalmente com diabetes, pela utilização conco-
indivíduo e quanto maior a quantidade de frutose, mitante de uma tira reagente para glicose (glicose
mais graves tendem a ser os sintomas. Os pacientes oxidase ou glicofita). A reação de Benedict pode ser
desenvolvem aversão a alimentos doces. positiva também com ácido homogentísico e com-
Muitas crianças e seus pais acabam descobrindo, postos fenólicos, assim como diversos medicamen-
por tentativa e erro, quais alimentos podem ser con- tos como PAS, isoniazida, estreptomicina (usados
sumidos e quais devem ser evitados. Por essa mesma no tratamento da tuberculose), salicilatos (como a
razão, muitas crianças desenvolvem hábitos alimen- aspirina comum) e ácido ascórbico (vitamina C),

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Frutosemia

além de vários antibióticos e quimioterápicos, como al., 2001), FRLP (Paolella et al., 1987) ou por PCR
cefalosporinas, penicilinas e ácido nalidíxico. A rea- (Kullberg-Lindh et al., 2002).
ção de Seliwanoff também pode ser falso-positiva em
amostras de urina com pH alcalino. Diagnóstico pré-natal
Em indivíduos que apresentam teste de Benedict po- O diagnóstico pré-natal só é disponível por estudo
sitivo com glicofita negativa, a investigação prossegue molecular porque a aldolase B começa a se expressar
com a distinção da frutose em relação aos demais açúca- nos primeiros meses de vida, não sendo possível fazer
res por técnicas de cromatografias em amostras de urina, ensaios enzimáticos em células fetais.
direcionando a investigação laboratorial a seguir.
É importante mencionar que a frutosúria depende Diagnósticos diferenciais
do tempo e da quantidade de frutose ingerida, sendo, Clinicamente, a frutosemia deve ser diferenciada de
portanto, um evento inconstante. Por essa razão, um re- outras causas de desconforto gastrointestinal, como tu-
sultado negativo em exames de triagem por testes para
mores intestinais, obstrução do intestino delgado, in-
substâncias redutoras ou cromatografias não deve ser
suficiência pancreática, síndromes mal absortivas e sín-
totalmente desconsiderado. Testes de sobrecarga de fru-
dromes dispépticas, bem como a intolerância à lactose
tose por via oral ou intravenosa apresentam risco de hi-
(Choi et al., 2003). No primeiro ano de vida é freqüen-
poglicemia grave e, se houver a opção por esse método,
te que os pacientes sejam encaminhados para investi-
devem ser feitos em ambiente hospitalar. Laboratorial-
gar vômitos de causa indeterminada, refluxo gastroe-
mente pode ocorrer diminuição da glicemia e da potas-
semia e elevação de magnésio, uréia, alanina, lactato e sofágico e intoxicação exógena. Em crianças maiores,
ácidos graxos não-esterificados, bem como proteinúria, é freqüente o encaminhamento por hepatomegalia ou
aminoacidúria, aumento das transaminases hepáticas e retardo de crescimento. Em muitos casos são conside-
de bilirrubinas, que podem perdurar por vários dias. rados os diagnósticos de hepatite, infecção congênita,
septicemia, tumor hepático, galactosemia, tirosinoses e
Diagnóstico enzimático doença de Wilson (Steinmann et al., 2001).
O diagnóstico bioquímico de confirmação é feito pela
dosagem da atividade enzimática em tecido hepáti-
Suporte na fase aguda
co, mostrando sua redução, variando de 0,13 a 0,82
UI/g (para valores normais de 2,07 a 3,79 UI/g). Do- Além de retirar as fontes de frutose e sacarose, as
sagem da atividade da aldolase B também pode ser medidas de suporte para os comprometimentos re-
feita em amostras de mucosa jejunal ou córtex renal nal e hepático devem ser instaladas rapidamente. A
(Steinmann et al., 2001). recuperação das funções hepáticas e renais pode le-
var alguns dias, especialmente nas crianças menores,
Diagnóstico molecular mas, uma vez restabelecidas, o indivíduo tem desen-
O gene da aldolase B está localizado no cromosso- volvimento intelectual e somático normal.
mo 9q22.3. Mais de 20 mutações diferentes foram
descritas, porém estudos moleculares demonstraram
Tratamento para deficiência
que três mutações (A149P, A174D e N334K) são
responsáveis pela maioria dos alelos anômalos. Desse
de aldolase B
modo, mais de 95% dos casos de intolerância heredi- Objetivos do suporte nutricional:
tária à frutose são passíveis de detecção rápida e se- 1. Prover suporte para crescimento e desenvolvi-
gura com o uso de um painel de ASO (Steinmann et mento em bebês e crianças.

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Protocolo Brasileiro de Dietas

2. Manter peso para estatura adequado nos adultos e mg/kg de peso/dia (Mock et al., 1983). A tolerân-
manter o estado nutricional normal. cia é individual e deve ser monitorada por ava-
3. Manter os índices laboratoriais normais de bicar- liação do crescimento, indicativos laboratoriais e
bonato, fatores de coagulação, lactato, glicose, função hepática e renal.
enzimas hepáticas, metionina, tirosina, fósforo, 2. Suplementação de vitaminas e minerais: a suple-
potássio, proteínas e uratos. mentação de vitamina C (ácido ascórbico) é ne-
4. Manter normais as funções hepática e renal. cessária em conseqüência da restrição dietética.
Outras suplementações devem levar em conta a
A terapia nutricional consiste na restrição de fru- dieta orientada, o consumo alimentar e a avalia-
tose e exclusão de sacarose e sorbitol da dieta. Quando ção nutricional (DRIS, 2002).
a dieta é estabelecida, usualmente ocorre uma dramá-
3. Energia: a ingestão calórica recomendada é a mes-
tica melhora dos sintomas. O pronto tratamento na
ma para bebês, crianças e adultos saudáveis. A in-
infância pode evitar agressões viscerais permanentes,
gestão deve ser suficiente para manter o ganho de
assim a dieta deve ser introduzida sempre que ocorre a
peso normal para bebês e crianças e manter o peso
suspeita diagnóstica (Steinmann et al., 2001).
para estatura adequado para adultos (DRIS, 2002).
• Para assegurar a restrição de frutose, é necessária
4. Líquidos: a quantidade a ser prescrita deve suprir
a eliminação de todas as frutas e da maioria dos
os requerimentos de água. Em situações anormais,
alimentos vegetais.
deve ser ofertado no mínimo 1,5 ml para neona-
• A dieta foge do padrão habitual de nutrição em
tos para cada kcal ingerida.
crianças, visto que os hábitos alimentares infantis e
a introdução de alimentos sólidos para os lactentes Exemplo de dietas
contêm elevadas quantidades de frutose e sacarose. 1. Criança do sexo feminino, com 1 mês de idade e
• A adesão à dieta depende basicamente da cons- peso de 3,5 kg: se utilizado aleitamento materno,
cientização dos pais e demais familiares para a real livre demanda até 6 meses de idade. Na impossi-
necessidade da restrição, bem como o conheci- bilidade de aleitamento materno, utilizar fórmula
mento sobre os alimentos que fornecem frutose. láctea para a idade, sem frutose e sacarose.
• O aleitamento materno é seguro e deve ser en- 2. Criança do sexo feminino, com 3 anos e 11 meses
corajado. Atenção especial na introdução de fór- de idade, 100 cm de estatura e peso de 15.100 g:
mulas infantis, pois muitas acrescentam frutose e ver cardápio a seguir.
sacarose como fonte de carboidratos.
Alimentos Quantidades Substituições
• A frutose pode entrar na dieta “escondida”, por me-
Café da manhã
dicamentos industrializados e remédios caseiros. O
Leite 150 ml Iogurte natural
sorbitol é freqüentemente encontrado na formula-
Dextrose 15 g
ção de produtos dietéticos e medicamentos. Pão francês 1/3 unidade
Queijo prato 10 g
Dieta Margarina a gosto
Lanche I
1. Frutose: os alimentos que representam fontes de
Leite 100 ml Iogurte natural
frutose devem ser excluídos em crianças com me- Amido de milho 20 g
nos de 3 anos. A partir dos 3 anos a quantidade Dextrose 20 g
de frutose tolerada pode ser em torno de 10 a 20 (cont.)

92

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Frutosemia

Almoço Deficiência hereditária de


Arroz 1,5 colher (sopa) Macarrão frutose 1,6-bifosfatase
Carne de boi,
Carne de frango 5 colheres (sopa)
peixe ou 2 ovos Também de herança autossômica recessiva, caracteri-
Óleo de milho 5 ml za-se por episódios de hiperventilação, apnéia, hipo-
Lanche II
glicemia, cetose e acidose láctica, tendo uma evolução
Iogurte natural 200 ml (1 copo) Leite
grave e potencialmente letal no recém-nascido, com
Dextrose 20 g
Jantar
irritabilidade, sonolência, hipotonia, taquicardia e
Arroz 1,5 colher (sopa) Macarrão coma. Nas crianças maiores, não ocorrem aversão aos
Carne de boi 5 colheres (sopa)
Carne de frango, doces ou vômitos após a ingestão de frutose, porém
peixe ou 2 ovos
sintomas como os descritos acima podem ser precipi-
Óleo de milho 5 ml
Lanche III
tados por períodos de jejum prolongado ou infecções
Leite 100 ml Iogurte natural acompanhadas de febre. Hepatomegalia e fraqueza
Amido de milho 20 g muscular costumam estar presentes. Passadas essas fa-
Dextrose 20 g ses da infância, os indivíduos afetados tendem a se de-
Recomendação diária de frutose e energia
senvolver normalmente. O diagnóstico confirmatório
Frutose Energia* também é feito pela dosagem da atividade enzimática
Idade
(mg/kg/dia) kcal/dia
em tecido hepático ou por teste molecular. O trata-
1 a 4 anos 10-20 1.300
mento nas crises agudas consiste na correção da hi-
Fonte: Mock, 1983; * DRIS, 2002.
Energia: 1.300 calorias/dia; frutose: 270 mg/dia. poglicemia e da acidose. Fora das crises, a prevenção
Obs: A dieta da deficiência de aldolase B, em virtude da restrição de alimentos
de origem vegetal, torna-se monótona e é, muitas vezes, difícil alcançar as
consiste em limitar (mas não eliminar totalmente) as
calorias adequadas à criança, sendo necessária a orientação de receitas
modificadas, utilizando produtos isentos de frutose como o amido de milho. fontes de frutose e sacarose da dieta. Sua incidência
ainda é desconhecida (Steinmann et al., 2001).

Outros distúrbios metabólicos Tratamento para deficiência de


frutose 1,6-bifosfatase
envolvendo a frutose
Objetivos do suporte nutricional:
Deficiência de frutoquinase 1. Normalizar as alterações metabólicas.
Herdada de forma autossômica recessiva, causa uma 2. Evitar a hipoglicemia.
anomalia metabólica assintomática e benigna, sendo 3. Suprir as recomendações de nutrientes e energia
ainda conhecida por sua denominação antiga: frutosúria para garantir o crescimento e o desenvolvimento
essencial. Ocorrem hiperfrutosemia e frutosúria na au- em crianças e a manutenção de peso em adultos.
sência de outros sintomas ou danos metabólicos, sendo,
portanto, na maioria das vezes, um achado laboratorial. O tratamento poderá ser estipulado por meio de
É considerado um distúrbio raro, porém muitos casos po- dieta fracionada e por suprimento exógeno de car-
dem passar indetectados ou mesmo não-publicados. O boidratos na forma de amido cru.
diagnóstico pode ser suspeitado pelos testes de triagem • Refeições fracionadas evitando jejum prolonga-
e o diagnóstico confirmatório é feito pela dosagem da do (Steinmann et al., 2001).
atividade da enzima frutoquinase em tecido hepático ou • A dieta deve garantir a ingestão adequada de
por teste molecular (Steinmann et al., 2001). Não há nutrientes e energia recomendados para a idade,
necessidade de tratamento específico, porém a absten- com a restrição de frutose na quantidade tolerada
ção de frutose na dieta elimina os achados bioquímicos. (frutose, sacarose e sorbitol).

93

OS 3052 EIM.indd 93 10/11/2006 00:01:11


Protocolo Brasileiro de Dietas

• A frutose pode entrar na dieta “escondida” por medica- livre demanda até 6 meses de idade. Na impossi-
mentos e remédios caseiros (Bell e Sherwood, 1987). bilidade do aleitamento materno, utilizar formu-
• O sorbitol é freqüentemente encontrado na for- lação láctea para a idade sem frutose ou sacarose.
mulação de produtos dietéticos e medicamentos. Utilizar amido cru entre as mamadas somente a
• Introduzir, se necessário, amido cru para o con- partir do 4º mês de idade se necessário.
trole da glicemia na dose de 1,75 a 2,5 g/kg de 2) Criança do sexo feminino, com 4 anos e 2 meses
peso na proporção de 1:2 partes de água à tempe- de idade, 100 cm de estatura e peso de 16.000 g:
ratura ambiente. ver cardápio a seguir.

Dieta Alimentos Quantidades Substituições


Café da manhã
1. Frutose: não é necessária a drástica restrição de
Leite 150 ml
frutose, sacarose e sorbitol na deficiência de fru-
Café 30 ml
tose 1,6-bifosfatase como ocorre na deficiência da
4 unidades de
Pão francês 1 unidade
aldolase B (Steinmann et al., 2001). bolacha de sal
Margarina 2 colheres (chá) rasa
2. Suplementação de vitaminas e minerais: a die-
Lanche I
ta deve proporcionar quantidade de vitaminas e Iogurte natural 200 ml Leite
minerais recomendadas para crianças e adultos Bolacha de 1 pão com margarina
4 unidades
água e sal (unidade)
saudáveis (DRIS, 2002).
Almoço
3. Proteína: a dieta deve proporcionar 10% do valor Arroz 4 colheres (sopa) cru Macarrão
energético. Carne de boi
Carne de frango 3 colheres (sopa)
magra ou peixe
4. Energia: a quantidade de energia deve ser individua-
Óleo de milho 1 colher (chá) rasa Margarina
lizada, considerando o peso, a estatura, a idade e a Espinafre 1 pires raso cru Acelga ou escarola
atividade física, visando proporcionar crescimento Lanche II
e desenvolvimento adequados em crianças e a ma- Leite 100 ml

nutenção do peso em adultos (DRIS, 2002). Café 30 ml


4 unidades de
5. Lipídeos: a dieta deve proporcionar de 20% a Pão francês 1 unidade
bolacha de sal
25% do valor energético. Margarina 2 colheres (chá) rasa
Jantar
6. Carboidratos: a dieta deve proporcionar a quanti-
Batata 6 colheres (sopa) crua Mandioca ou cará
dade de carboidratos recomendada para crianças
Carne de frango
Carne de boi magra 2 colheres (sopa)
e adultos saudáveis (DRIS, 2002). Utilizar fontes ou peixe

de carboidratos na forma de polissacarídeos (ami- Óleo de milho 1 colher (chá) rasa Margarina
Escarola 1 pires raso cru Acelga ou espinafre
do), evitando e/ou excluindo fontes de mono e
Amido cru 30 g + água 60 ml por dose
dissacarídeos (sacarose, frutose e sorbitol).
7. Líquidos: a dieta deve proporcionar a quantidade Idade
Amido cru
Lipídeos Proteína
Energia*
(g/kg/dose) kcal/dia
de água recomendada para crianças e adultos sau-
20% a 25% 10% do
1,75
dáveis (DRIS, 2002). 3 a 8 anos
(6/6 horas)
do total de total de 1.400
calorias/dia calorias/dia
Fonte: Mock, 1983); *DRIS, 2002.
Exemplo de dietas
1) Criança do sexo feminino, com 1 mês de idade e Energia: 1.400 calorias/dia
peso de 3,5 kg: se utilizado aleitamento materno, Amido cru: 30 g/dose

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Frutosemia

Carboidrato: 66% Bibliografia


Proteína: 10% Bell L, Sherwood WG. Current practices and improved recom-
mendations for treating Hereditary fructose intolerance.
Lipídeos: 24% J Amer Diet Assoc 1987;87:721-8.
Obs: A dieta da deficiência de frutose 1,6-bifosfatase, em virtude da restrição de Choi YK, Johlin Jr FC, Summers RW, Jackson M, Rao SSC.
alimentos de origem vegetal, torna-se monótona e é, muitas vezes, difícil alcançar
as calorias adequadas à criança, sendo necessária a orientação de receitas Fructose intolerance: an under-recognized problem. Am J
modificadas, utilizando produtos restritos em frutose e hipogordurosos. Os pacientes
não desenvolvem aversão ao sabor doce como relatado na deficiência de aldolase
Gastroenterol 2003;98(6):1348-53.
B, assim alimentos dietéticos podem ser introduzidos na dieta. Cabe ressaltar a
necessidade de informações detalhadas dos fabricantes sobre a composição dos Kullberg-Lindh C, Hannoun C, Lindh M. Simple method for
produtos, pois frutose e sorbitol são normalmente utilizados como edulcorantes. detection of mutations causing hereditary fructose intole-
rance. J Inherit Metab Dis 2002;25:671-5.
Mock DM, Perman JA,Thaler M, Morris RC. Chronic fructose
Monitoramento do tratamento intoxication after infancy in children with hereditary fructo-
se intolerance. N Engl J Med 1983;309:764-70.
Avaliação clínica e nutricional a cada três meses é
National Research Council. Dietary reference intakes for ener-
recomendada. gy, carbohydrate, fiber, fat, fat acids, cholesterol, protein,
Os seguintes exames laboratoriais são utilizados and amino acids (macronutrients). National Academy Press.
2002.
para monitorar o tratamento de indivíduos com fru-
Paolella G, Santamaría R, Buono P, Salvatore F. Mapping of
tosemia, visando avaliar as funções hepática e renal:
a restriction fragment length polymorphism within the hu-
• gasometria; man aldolase B gene. Hum Genet 1987;77:115-7.
Rumessen JJ. Fructose and related food carbohydrates.
• fatores de coagulação; Sources, intake, absorption, and clinical implications.
• glicose, lactato; Scand J Gastroenterol 1992;27:819-28.
Steinmann G, Gitzelmann R, Van den Berghe G. Disorders
• enzimas hepáticas; of fructose metabolism. In: Scriver CR, Beaudet AR, Sly
• metionina e tirosina; W, Valle D (eds.). The metabolic and molecular bases of inheri-
ted disease. 8 ed. New York: McGraw-Hill, 2001 pgs.1489
• fósforo e potássio; - 1520

• proteínas; Van den Berghe G. Hereditary fructose intolerance. In: Schaub


J et al (eds.). Inborn errors of metabolism. New York: Raven
• uratos. Press, 1991, pp. 181-96.

95

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OS 3052 EIM.indd 96 10/11/2006 00:01:13
Capítulo 11

Adrenoleucodistrofia
ligada ao X

Introdução peroxissomo e a primeira enzima a agir é a Acil-CoA


sintetase, cuja atividade está deficiente na X-ALD. Ini-
A adrenoleucodistrofia ligada ao X (X-ALD) é a doen-
cialmente, pensou-se que mutações nessa enzima seriam
ça peroxissomal mais freqüente, com incidência apro-
responsáveis pela doença, mas o gene ABCD1 é um
ximada de 1:17.000 (Suzuki Y et al., 2001), de heran-
membro da família de transportadores de ácidos graxos
ça ligada ao X recessiva e associada a níveis elevados
e sua relação com a atividade da Acil-CoA sintetase
de ácidos graxos de cadeia muito longa (VLCFA). A
ainda está em estudo (McGuiness et al., 2003).
manifestação clínica é bem variada, com quadros de
diferentes graus de gravidade em uma mesma família.
Quadro clínico
Bioquímica Há vários fenótipos clínicos distintos atribuídos à X-
ALD. A forma infantil é a mais comum e mais grave.
Os peroxissomos são organelas intracelulares de Os meninos afetados têm desenvolvimento neuropsi-
apenas uma membrana presente na maioria das comotor (DNPM) normal dos 5 até por volta dos 10
células eucarióticas e estão envolvidos em muitas anos, quando ocorre o início das manifestações neuro-
vias metabólicas vitais, incluindo a β-oxidação dos lógicas, como dificuldade escolar, distúrbio de déficit
VLCFA, biossíntese do plasmalogênio, oxidação do de atenção ou alterações comportamentais, seguidas
H2O2, α-oxidação do ácido fitânico, síntese de áci- de comprometimento visual e quadriplegia, sendo as
dos biliares e biossíntese do colesterol. convulsões sintomas geralmente mais tardios, e cerca
Os VLCFA são definidos como ácidos graxos satu- de 90% têm insuficiência da adrenal (Scriver, 2001).
rados e insaturados com cadeias com mais de 22 átomos O segundo tipo mais comum é a adrenomielopatia.
de carbono. Normalmente, os VLCFA estão presentes Homens jovens com esse fenótipo apresentam por vá-
em altas concentrações nos lipídeos da mielina e na es- rias décadas paraparesia progressiva e distúrbio esfinc-
fingomielina das hemácias. O C26:00 corresponde a 1% teriano secundário ao comprometimento medular. A
a 5% dos ácidos graxos totais no cérebro e sulfatidas. insuficiência adrenal está presente em cerca de dois
A principal anormalidade bioquímica na X-ALD são terços dos casos. Fenótipos menos comuns incluem
os altos níveis de VLCFA saturados não-ramificados, insuficiência adrenal sem comprometimento de siste-
principalmente o hexacosanoato (C26:00) nos tecidos ma nervoso, disfunção cerebral progressiva em adul-
e fluidos corpóreos. Esse excesso é mais notável nas fra- tos e alterações bioquímicas em pessoas assintomáti-
ções éster de colesterol e gangliosídeos da substância cas. Cerca de 10% a 15% das mulheres heterozigotas
branca e córtex adrenal. Os VLCFA são oxidados no apresentam manifestações neurológicas semelhantes

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Protocolo Brasileiro de Dietas

O às da adrenomielopatia e mais de 50% das heterozigo-


R–CH2–CH2–C–O
tas têm alterações neurológicas leves (Scriver, 2001).
1
ATP+HSCoA As manifestações radiológicas são lesões simétri-
AMP+PPi
cas cerebrais na tomografia computadorizada (TC)
O ou na ressonância nuclear magnética (RNM), com-
R–CH2–CH2–C–O–SCoA prometendo substância branca nos lobos posteriores
e occipitais com progressão caudorrostral.
Alterações de comportamento associadas a compro-
Via independente Via dependente
de carnitina de carnitina
metimento visual podem ser inicialmente diagnostica-
das erroneamente como manifestações psiquiátricas.

Proteína transportadora
de VLCFA para o interior Diagnóstico
do peroxissoma
Deficiente na X-ALD
O diagnóstico é feito por meio de ensaios bioquí-
micos que demonstram níveis anormalmente eleva-
dos de VLCFA saturados em cultura de fibroblastos,
O2 NAD
2 5 leucócitos, hemácias, plasma, amniócitos e cultura
H2O2 NADH+H
de células musculares (conforme demonstrado na
O O tabela 1). Se os três índices dos níveis de VLCFA
R–C–CH2–C–SCoA R–C–CH2–C–SCoA
(C26:00; C26:00/C22:00 e C24:00/C22:00) apre-
H2O H2O sentam apenas um desvio-padrão do valor de con-
3 6
trole, está afastado o diagnóstico de X-ALD apenas
OH O OH O com base no ensaio enzimático plasmático. Se o in-
R–C–CH2–C–SCoA R–C–CH2–C–SCoA divíduo tem alto risco devido ao quadro ou histó-
ria familiar e apresenta VLCFA na faixa duvidosa,
NAD NAD
3 7 orienta-se estudo em cultura de fibroblastos.
NADH+H NADH+H
Tabela 1. Níveis séricos de VLCFA nos diferentes
O O O O fenótipos da X-ALD (média ± desvio-padrão)
R–C–CH2–C–SCoA R–C–CH2–C–SCoA
C26:00 C26:00/ C24:00/
u/ml C22:00 u/ml C22:00 u/ml
CoASH CoASH Infantil cerebral 1,36 ± 0,48 0,066 ± 0,025 1,57 ± 0,25
4 8
Adrenomielopatia 1,39 ± 0,59 0,061 ± 0,025 1,58 ± 0,23

O O O O Adolescente
1,19 ± 0,45 0,054 ± 0,016 1,51 ± 0,21
cerebral
R–C–SCoA+CH3–C–SCoA R–C–SCoA+CH3–C–SCoA
Adulto cerebral 1,36 ± 0,52 0,067 ± 0,033 1,57 ± 0,35
Insuficiência
1,18 ± 0,4 0,062 ± 0,023 1,52 ± 0,24
adrenal isolada
1.
1 Acil-CoA sintetase 5.
5 Fatty acil-CoA Pré-sintomático 1,41 ± 0,6 0,074 ± 0,033 1,58 ± 0,21
desidrogenase
2.
2 Acil-CoA oxidase Assintomático 1,23 ± 0,045 0,063 ± 0,024 1,53 ± 0,25
6.
6 Enoil-CoA hidratase Controle 0,24 ± 0,16 0,014 ± 0,0056 0,81 ± 0,09
3 Bifuncional enoil-CoA
3.
hidratase/3-hidroxiacil-CoA 7 3-hidroxiacil-CoA
7.
desidrogenase desidrogenase
Diagnóstico molecular
4 β-cetotiolase
4. 8 β-cetotiolase
8.
O gene ABCD1 (ou ALDP) está localizado no cromos-
Figura 1. β-oxidação nos peroxissomos e mitocôndria. somo Xq28 e codifica uma proteína transportadora, da

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Protocolo Brasileiro de Dietas

Energia 1700 Kcal Bibliografia


carboidratos 70 %
1. Aubourg P et al. A two-year trial of oleic and erucic
proteína 20 % (“Lorenzo´s Oil”) as treatment for adrenomyeloneuropa-
lipídeos 10 % thy. N Engl J Med 329:745-752, 1993.
Óleo de lorenzo 60 ml/dia 2. Aubourg P, Adamsbaum C, Lavallard-Rousseau MC,
Rocchiccioli F. A two-year trial of oleic and erucic acids
Alimentos Quantidade (Lorenzo’s oil) as treatment for adrenomyeloneuropathy.
N Eng J Med 1993;329(11):745-52.
Desjejum
3. Colombo MC, Cornejo VE, Raiman EB. Erroes innatos em
Leite desnatado 250 ml
el metabolismo del niño. 2 ed. Santiago de Chile: Editorial
Amido de milho 10 g Universitária, 2003, pp. 160-72.
Açúcar 15 g 4. Colombo MC, Cornejo VE, Raiman EB. Erroes innatos em
Mamão 100 g el metabolismo del niño. 1 ed. Santiago de Chile: Editorial
Óleo de lorenzo® 20 ml Universitária, 1999, pp. 167-74.
Colação 5. Fernandes J, Saudubray JM, Van den Berghe G. Inborn
metabolic diseases daignosis and treatment. 3 ed. Berlin/New
banana 70 g
York: Heidelberg/Springer-Verlag, 2000, pp. 423-32.
Almoço
6. Kawahara K et al. Hexacosanoate Contents in Japanese
arroz cozido 60 g
Common Foods. J Nutr Sci Vitaminol 34:613-639, 1988.
feijão 20 g
7. MacDonald A. Adrenoleukodystrophy. IN: Lawson M,
peito de frango 50 g Shaw V (eds.). Clinical Pediatrics Dietetics. Oxford Black-
cenoura 30 g well Science, pp 345-348, 2001.
espinafre 50 g 8. Malm G, Ringden O, Anvret M et al. Treatment of adre-
cebola 20 g noleukodystrophy with bone marrow transplantation. Acta
Paediat 1997;86:484-92.
óleo de girassol 2g
9. McGuiness et al. Role of ALDP (ABCD1) and mitochon-
*óleo de peixe 1g
dria in X-linked adrenoleukodystrophy. Mol Cel Biology
melancia 100 g 2003;2(2):744-53.
Lanche 10. Moser H, Duby P, Fatemi A. Progress in X-linked adreno-
Iogurte natural desnatado 180 g leukodystrophy. Curr Opin Neurol 2004;17:263-9.
Açúcar refinado 20 g 11. Moser HW. Adrenoleukodystrophy: phenotype, genetics,
Pão francês 25 g pathogenesis and therapy. Brain 1997;120:1485-508.
Geléia de frutas 10 g 12. Moser HW, Smith, K.D., Watkins, P.A., Powers, J., Moser,
Óleo de lorenzo® 20ml
A. B.in Scriver CR, Beaudet L, Sly WS, Valle D. The meta-
bolic and molecular bases of inherited disease, 2001. 8 ed. pgs-
Jantar 20:00
3257-3301
arroz cozido 60 g
13. Shapiro E, Krivit W, Lockman L et al. Long-term effect of
feijão 20 g bone-marrow transplantation for childhood-onset cerebral
atum na água 50 g X-linked adrenoleukodystrophy. Lancet 2000;356:713-4.
tomate 90 g 14. Suzuki Y, Imamura A, Shimozawa N, Kondo N. The clini-
berinjela 34 g cal course of childhood and adolescent adrenoleukodys-
trophy before and after Lorenzo’s oil. Brain and Development
cebola 20 g
2001;23:30-3.
óleo de girassol 2g
15. The Human Gene Mutation Database. http.://archive.
*óleo de peixe 1g uwcm.ac.uk
morango 50 g 16. Van Geel BM, Assies J, Haverkort EB, Koelman JHT. Pro-
Ceia gression of abnomalities in adrenomyeloneuropathy and
Leite desnatado 250 ml neurologically asymptomatic X-linked adrenoleukodystro-
phy despite treatment with Lorenzo’s oil. J Neurol Neurosurg
Amido de milho 10 g
Psychiatry 1999;67:290-9.
Açúcar 15 g
17. Van Geel MB, Assies J, Wanders RJA, Barth PG. X linked
Óleo de lorenzo® 20 ml adrenoleukodystrophy: clinical presentation, diagnosis,
*o óleo de peixe deve conter 18% de eicosapentenoico e 12% de docosahexanoico. and therapy. J Neurol Neurosurg Psychiatry 1997;63:4-14.

100

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Adrenoleucodistrofia ligada ao X

mesma categoria das proteínas transportadoras, como co bioquímico. Além dessa indicação, há ainda a situa-
CFTR e MDR, com 662 mutações descritas atualmente. ção do preparo dos casos de pré-transplante, os quais
também costumam receber o óleo de Lorenzo.
Diagnóstico diferencial O transplante de medula óssea está indicado em
Nos quadros de deterioração intelectual na infância pacientes pouco sintomáticos, no início da doença.
deve ser feito diagnóstico diferencial com outras en- O racional para esse tratamento reside no fato de que
cefalopatias involutivas, como mucopolissacaridose a medula óssea contém células precursoras da oligo-
tipo 3, doença de Niemann-Pick tipo C, doença de dendróglia, que migrariam ao SNC do afetado, onde
Wilson, panencefalite subaguda esclerosante, escle- seriam capazes de metabolizar os VLCFA acumula-
rose múltipla e neurolipofucsinose ceróide. dos. Esse procedimento somente é indicado em pa-
cientes que tenham: (a) alterações sutis no seu exa-
me neurológico; (b) QI de execução superior a 80 e,
Tratamento preferencialmente, superior a 90; e (c) evidências de
O tratamento da alteração da função supra-renal deve desmielinização na ressonância nuclear magnética ce-
ser considerado desde o início com a substituição de hor- rebral, desde que se tenha certeza de que o fenótipo
mônios esteróides. Foi demonstrada a possibilidade de em questão envolve o encéfalo. As lesões desmieli-
normalização dos níveis de VLCFA com o tratamento nizantes também não devem ser extensas, existindo
dietético, no qual se utiliza uma mistura de ácidos graxos uma forma de quantificá-las, pelo índice de Loes.
monoinsaturados (oléico e erúcico), pois estes competi- O uso de outras medicações já estudadas demonstrou:
riam com os precursores saturados, evitando o alonga- • lovastatina em início levou à diminuição dos ní-
mento das cadeias até os VLCFA (Colombo, 2003). veis de VLCFA, além da ação antiinflamatória,
A mistura dos dois ácidos graxos, oléico e erú- mas estudos mais recentes não comprovaram ne-
cico, na proporção de 4:1, respectivamente, é co- nhuma eficácia (Moser et al., 2004);
nhecida com o nome de óleo de Lorenzo e utilizada • butirato de arginina (endovenoso) reduz níveis
na quantidade de 1 a 2,5 mg /kg/dia do óleo oléico. de C26:00, mas nada altera no quadro clínico;
Cada 100 ml do óleo de Lorenzo contém 73,9 mg de • Estudos sobre terapêuticas continuam existindo,
oléico. Além disso, a dieta dever ser restrita, no má- mas requerem um melhor entendimento da pro-
ximo, em 10% a 20% de gordura do total de energia dução defeituosa do produto do gene e da pato-
e suplementada com ácidos graxos poliinsaturados gênese da diferença de velocidade de progressão
ômega 6 e 3 na razão 4:1 até 10:1. dos fenótipos (Moser et al., 2004).
Embora o uso do óleo de Lorenzo corrija as con-
centrações plasmáticas dos VLCFA, os estudos clí- Além disso, preconizam-se a investigação e o
nicos descritivos até agora realizados demonstraram aconselhamento genético para a família de todo e
que tal medida não foi eficiente para modificar o curso qualquer afetado detectado, pois somente essa inves-
clínico dos indivíduos clinicamente comprometidos. tigação será capaz de detectar os meninos em risco de
desenvolverem a grave forma cerebral em tempo.
Apenas nos meninos ainda assintomáticos, em geral
diagnosticados no curso da investigação de uma famí- Exemplo de dieta para
lia, o óleo de Lorenzo modificou efetivamente a ex- adrenoleucodistrofia ligada ao X
pectativa de início dos sintomas (Moser et al., 2004). Idade: 7 anos
Por isso, seu uso é preconizado para essa categoria de Peso: 24 kg
indivíduos: meninos assintomáticos e com diagnósti- Estattura:124cm

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Capítulo 12

Defeito de oxidação
de ácidos graxos

Defeitos do ciclo de ß-oxidação PLASMA CITOSOL


Triglicérides
Ácidos
Acil-CoA graxos
Introdução graxos livres

A oxidação de ácidos graxos intramitocondrial é


responsável por 80% da produção de energia do or- Ácido graxo de Ciclo da
Acil-CoA graxo
cadeia média carnitina
ganismo e é composta de quatro etapas: ciclo da car- 1

nitina, ciclo da ß-oxidação, transferência de elétrons


Ácido graxo Transferência
e síntese de corpos cetônicos. de cadeia
Acil-CoA graxo
de elétrons
3
Os ácidos graxos são liberados a partir do teci-
do adiposo; uma vez dentro do citosol, os de cadeia Ciclo de
β-oxidação
longa ligam-se à coenzima A para atravessar a mem- 2 Mitocôndria
brana por meio do ciclo da carnitina (formando os
Síntese de Acetil-CoA
chamados esteres de carnitina). Já os ácidos graxos CO2+H2O
cetonas
4
de cadeia média e curta entram na mitocôndria sem
necessidade da carnitina. cetonas Ciclo TCA

Dentro da mitocôndria ocorrem os quatro passos CO2+H2O


da ß-oxidação que, seqüencialmente, cortam dois Ciclo de β-oxidação
carbonos de cada vez da cadeia dos ácidos graxos Acil-CoA
VLCAD
até a produção de acetil-CoA. Esta será utilizada LCAD
FAD

no fígado para a produção de corpos cetônicos ou, MCAD FADH


SCAD
entrando no ciclo do ácido tricarboxílico, produzirá
Enoil-CoA
ATP nos músculos esquelético e cardíaco, além de LC-hidratase H2O
no próprio fígado. A transferência de elétrons tam- Crotonase

3-OH-acil-CoA
bém produzirá ATP levando-o à cadeia respiratória, LCAD NAD
o que ocorrerá em todas as células. SCHAD NADH

Todos os defeitos da oxidação de ácidos graxos 3-ceto-acil-CoA


LC-Tiolas
são de herança autossômica recessiva, não tendo
SC-Tiolase
uma estatística de sua incidência globalmente, mas Acetil-CoA
o defeito mais freqüente de todos, deficiência da
Figura 1. Ciclo da oxidação de ácidos
acil-CoA desidrogenase de cadeia média (MCAD), graxos e da ß-oxidação.
ocorre entre 1:9.000 e 1:60.000 nascidos vivos. Fonte: Modificado de Fernandes et al., 2000.

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Protocolo Brasileiro de Dietas

Quadro clínico Deficiências de SCHAD e SCAD podem ocasio-


nar quadros variados de hipoglicemia, rabdomiólise
O quadro clínico de todos os defeitos da oxidação
e suas conseqüências. As demais (MCKT e DER)
de ácidos graxos é semelhante, apresentando alguns
são extremamente raras, com poucos casos descritos
maior comprometimento hepático e outros, muscu-
com quadros semelhantes aos das anteriores.
lar ou cardíaco. A partir de agora serão descritos mais
especificamente os defeitos do ciclo de ß-oxidação,
que se divide em defeitos da acil-CoA desidrogena- Diagnóstico
se de cadeia muito longa (VLCAD), de cadeia longa
O diagnóstico deve ser suspeitado com o quadro clí-
(LCAD), de cadeia média (MCAD), de cadeia curta
nico descrito e alterações laboratoriais característi-
(SCAD), da 3-hidroxiacil-CoA desidrogenase de ca-
cas de hipoglicemia hipocetótica, acidose metabóli-
deia longa (LCHAD), de cadeia curta (SCHAD), da
ca (principalmente no período de descompensação),
3-cetoacil-CoA triolase de cadeia média (MCKT) e
da 2,4-dienoil-CoA-redutase (DER). hiperlacticemia (no jejum, havendo queda deste no
O comprometimento hepático inclui hepatomega- pós-prandial) e discreto aumento de amônia.
lia, aumento de transaminases, diminuição dos fatores Exames mais específicos levam ao diagnóstico de-
de coagulação, hipoglicemia hipocetótica, podendo finitivo. O principal é o perfil de acil-carnitinas sé-
levar ao diagnóstico de síndrome de Reye. A hipogli- ricas e urinárias no qual se encontra o aumento dos
cemia hipocetótica pode ser desencadeada por jejum intermediários anteriores ao bloqueio existente. A
prolongado ou quadros de estresse como as infecções. dosagem de carnitina plasmática mostra deficiência
Na MCAD os primeiros sintomas ocorrem mais co- secundária de carnitina livre, mas a carnitina total
mumente entre os 4 e 24 meses de vida, com letargia, pode estar normal em quase todos os tipos de defeitos
náuseas, vômitos e até coma, secundários à hipoglice- da ß-oxidação. Na dosagem de ácidos orgânicos na
mia, encontrando-se nesse momento aumento dos áci- urina será encontrada alteração apenas nas fases de
dos graxos livres. Cerca de 20% a 25% dos pacientes descompensação, com excreção aumentada de ácidos
vão a óbito nesse primeiro episódio. Os sobreviventes dicarboxílicos, e a dosagem de acil-glicinas na urina
podem apresentar-se totalmente assintomáticos entre pode demonstrar conjugados de glicina anormais.
os períodos de crise. O comprometimento muscular
esquelético leva à hipotonia, podendo ocorrer crise de Tabela 1. Marcadores metabólicos nos defeitos
de ß-oxidação de ácidos graxos
rabidomiólise e mioglobinúria. E o comprometimento
Acil-carnitina Acil-glicina Ácidos orgânicos
de músculo cardíaco leva à cardiomiopatia. Defeito
plasmática urinária urinários
Deficiência de VLCAD e de LCAD manifesta-se VLCAD Tetradecenoil-
como fraqueza muscular, cardiomiopatia crônica e Hexanoil-
Otanoil-
MCAD Suberil-
até coma em episódio de jejum prolongado. Decenoil-
Fenilpropionil-
Pacientes com deficiência da LCHAD apresentam SCAD Butiril- Butiril- Etilmalônico
quadro hepático semelhante ao de MCAD e envol- 3-hidroxi-palmitoli-
LCHAD 3-hidroxi-oleoil- 3-hidroxidicarboxílico
vimento muscular e cardíaco como o da VLCAD, 3-hidroxilinoleonil-
além da possibilidade de comprometimento retiniano DER Dodecadienoil-
degenerativo e neuropatia periférica. Algumas mães Fonte: Adaptado de Fernandes et al., 2000.

heterozigotas para a LCHAD apresentam sintomas


durante a gestação, com risco inclusive de síndrome Na deficiência da MCAD existe aumento espe-
HELLP (hemólise, enzimas hepáticas elevadas e bai- cífico de ácidos graxos de cadeia média, o que pode
xa contagem de plaquetas). ser usado para diagnóstico. Também ensaios enzi-

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Defeitos de oxidação de ácidos graxos

máticos em fibroblastos demonstram deficiência en- • evitar jejum prolongado;


zimática específica em alguma das etapas da espiral • manter a glicemia na normalidade;
da ß-oxidação. Na MCAD, 90% dos casos na po-
• evitar o depósito de gordura no fígado, músculos
pulação européia apresentam a mesma mutação em
e coração.
homozigose ou heterozigose: A985G.

Tratamento Prescrição dietética


Energia: conforme as recomendações normais (DRIS),
Fase aguda
garantindo normal ganho de peso em crianças e ma-
No período agudo de descompensação, deve-se man- nutenção de peso em adultos; ingestão inadequada de
ter a glicemia em torno de 100 mg/dl, inclusive para energia resulta em déficit de crescimento.
estimular a secreção de insulina, impedindo a libera- Proteína: prescrever quantidade que supra de 10%
ção de ácidos graxos do tecido adiposo. Para tanto, a 12% do total de energia; ingestão inadequada de
utiliza-se infusão endovenosa de soluções de glicose proteína resulta em déficit de crescimento.
em torno de 10 mg/kg/min ou mais se necessário. Gorduras: nos defeitos da acil-CoA desidrogena-
Assim que possível, iniciam-se as orientações nu- se de cadeia muito longa (VLCAD) e na acil-CoA
tricionais da fase crônica, com a utilização de L-car- desidrogenase de cadeia longa (LCAD):
nitina 100 mg/kg/dia, devendo ser evitada nas defi-
• prescrever aproximadamente até 30% de gordura
ciências da LCAD, LCHAD e VLCAD, por produzir
do total de calorias – 50% da gordura na forma de
metabólitos miocardiotóxicos.
triglicérides de cadeia média (TCM) e o restante
com gorduras dos demais alimentos;
Fase crônica
• atingir os requerimentos de 3% do total de energia
Tratamento dietético em ácido linoléico e 1% em ácido alfa-linolênico;
Suporte nutricional
• o ácido docosahexaenóico (DHA) é essencial
O suporte nutricional na ß-oxidação de ácidos graxos nesses defeitos, sendo necessária a suplementa-
visa principalmente prevenir a hipoglicemia. A dieta ção com 65 mg/dia em lactentes e 130 mg/dia em
deve ser caloricamente adequada, fracionada, evitan- crianças com mais de 20 kg, com o objetivo de
do assim períodos de jejum. Na alimentação noturna é prevenir deficiências de DHA, essencial para a
recomendada a utilização de amido cru na quantidade formação de cérebro e retina.
de 1,5 a 2 g/kg/dia para manutenção da glicemia. Em
crianças com menos de 1 ano, o jejum não deve ultra- No defeito da acil-CoA desidrogenase de cadeia
passar quatro horas e, nas crianças maiores, não deve média (MCAD), está indicada a restrição de lipídeos:
ser superior a seis horas, enquanto em adultos não se • prescrever de 15% a 25% do total de calorias;
recomenda mais de oito horas em jejum.
Os objetivos do suporte nutricional são: • atingir os requerimentos de 3% do total de energia
• promover crescimento adequado em crianças e em ácido linoléico e 1% em ácido alfa-linolênico.
manutenção de peso em adultos;
Carboidratos: prescrever o restante das calorias
• manter o estado nutricional adequado; na forma de carboidratos; manter a L-carnitina da
• prevenir o catabolismo; mesma forma que indicada na fase aguda.

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Protocolo Brasileiro de Dietas

Acompanhamento parto geralmente têm curso normal. O quadro pode


ser precipitado por jejum, infecção, sobrecarga pro-
Deve ser feito por consultas médica e nutricional a
cada três meses. Indica-se realizar controles labora- téica e transição feto–neonato. Podem-se observar
toriais de glicemia, gasometria venosa, transamina- anormalidades na glicemia e no pH de moderada a
ses hepáticas, lactato e creatinino-quinase (CK) a grave (por exemplo: glicemia não-detectável, pH
cada seis meses, se não existirem descompensações, < 7,0 e bicarbonato < 6,0), além de hiperamonine-
além de avaliação cardíaca anual com eletrocardio- mia e aumento de transaminases (Figura 1).
grama e ecocardiograma. O quadro clínico cursa com episódios de vômi-
tos, letargia, taquipnéia, hepatoesplenomegalia mo-
derada, odor peculiar na urina (acúmulo de 3-ácido
Deficiência de HMG-CoA-liase metilcrotônico), intercalado com períodos de nor-
malidade e exame físico sem alterações. Durante os
Introdução
episódios de hipoglicemia, os danos ao SNC podem
Os corpos cetônicos acetoacetato (AcAc) e R-3-
ser graves. O risco de retardo mental e epilepsia está
hidroxibutirato (3HB) são importantes vetores de
diretamente relacionado com a gravidade da hipo-
transporte de energia das mitocôndrias dos hepató-
glicemia e duração da crise. Anormalidades podem
citos para tecidos extra-hepáticos durante o jejum
ser vistas na tomografia computadorizada e ressonân-
e outros estresses lipolíticos. Eles são produtos da
cia magnética de SNC. Macrocefalia é comumente
cetogênese de ácidos gordurosos e de aminoácidos
constatada nos casos com maior comprometimento
como a leucina. Esse processo é mediado por duas
de SNC e pode ser conseqüência dos danos neuroló-
enzimas mitocondriais: HMG-CoA sintetase (mHS)
gicos ou ser um fator desencadeante de hipoglicemia
e HMG-CoA-liase(HL).
por maior consumo devido ao tamanho do cérebro.
Deficiência das enzimas cetogênicas (mHS) e
Outros sinais neurológicos podem ocorrer. Achados
(HL) levam ao quadro de erros inatos da cetogênese
esporádicos de cardiomegalia, pancreatite, surdez e
que se caracteriza, principalmente, por um quadro
de hipoglicemia hipocetótica freqüentemente acom- retinite pigmentosa têm sido descritos em deficiência
panhada de coma. Essas desordens são transmitidas de HL, assim como em outras acidemias orgânicas.
por herança autossômica recessiva.
Anatomia patológica
A HMG-CoA-liase (HL) catalisa o último de-
grau da cetogênese e da degradação de leucina. Esta Os achados não são específicos, mas infiltração gor-
enzima foi mapeada no locus 1p35.1-36.1 e é expres- durosa no fígado pode ser observada. Biópsia de cé-
sa em todos os tecidos estudados até hoje. A deficiên- rebro de um paciente mostrou gliose, espongiose e
cia de (HL) foi inicialmente descrita em 1971 e é aumento de glicogênio nos astrócitos.
bem tolerada, exceto pelos episódios de hipoglice-
mia hipocetótica e acidose que podem levar a lesões
Diagnóstico
do SNC.
A deficiência de HL deve ser considerada em pa-
cientes com quadro de hipoglicemia hipocetótica e
Esquema metabólico e quadro clínico acidose e em crianças com quadro clínico sugestivo
O início do quadro clínico é geralmente bastante pre- de síndrome de Reye e síndrome da morte súbita na
coce, da primeira semana de vida até 1 ano de idade. infância. Usualmente, a análise de ácidos orgânicos
É excepcional o início após os 2 anos. A gravidez e o na urina confirma o diagnóstico com aumento de

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Defeitos de oxidação de ácidos graxos

Proteína dietética Proteína

Transaminase L-leucina

Ácido isovalérico
Ácido 2-Ceto-isocapróico Isovalerilglicina
Ácido 3-hidroxisovalérico
Ácido 4-hidroxisovalérico
Branched-chain Ácido mesacônico
α-cetoácido desidrogenase Metilsuccínico
Isovaleril-CoA
Isovalerilglucuronida
Ácido isovalerilglutâmico
Isovaleril-CoA desidrogenase Isovalerilalanina
Isovalerilsarcosina
Ácido 3-hidroxiso-hepatônico
Isovalerilcarnitina

Ácido 3-metilcrotônico
3-metilcrotonil-CoA 3-metilcrotonoglicina
Ácido 3-hidroxisovalérico

3-metilcrotonil-CoA carboxilase

Ácido 3-metilglutacônico
3-metilglutaconil-CoA Ácido 3-metilglutárico
3-metilglutarilcarnitine

3-metilglutaconil-CoA hidratase

3-hidroxi-3-metilglutaril-CoA Ácido 3-hidroxi-3-metilglutárico

Ácido 3-hidroxi-3-metilglutárico 3-hidroxi-3-metilglutaril-CoA redutase

Ácido acetoacético Acetil-CoA Ácido mevalônico

Ácido mevalônico
(mevalonolactona)

Colesterol

Sítios de defeito enzimático

Figura 2. Esquema metabólico e quadro clínico

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Protocolo Brasileiro de Dietas

excreção urinária de ácido 3-hidroxi-3-metilglutárico e adolescentes e 40 a 50 kcal/kg para adultos) e


e metabólitos relacionados. Esse exame deve ser reali- aporte adequado de líquidos.
zado o mais próximo possível do início do quadro, pois • Dependendo do estado clínico e da idade do pa-
há normalização progressiva com as medidas emergen- ciente, iniciar alimentação oral, por sonda na-
ciais de suporte. Nas raras crianças que têm acidúria sogástrica, nutrição parenteral, ou combinando
orgânica típica e atividade normal da HL, o diagnósti- esses métodos.
co deve ser confirmado com avaliações de enzimas.
Testes com jejum e sobrecarga de leucina usual-
Pacientes comatosos severos
mente são desnecessários para o diagnóstico, mas
podem ser úteis para avaliar tolerância ao jejum e as • Iniciar fórmula metabólica isenta de leucina por
proteínas. Esse teste envolve riscos de descompensa- sonda nasogástrica, equilibrando a oferta de ener-
ção e só deve ser feito com supervisão adequada. gia e proteína de acordo com as necessidades do
Diagnóstico enzimático: a dosagem de HL é fei- paciente (Tabela 2).
ta por espectrofotometria, podendo ser realizada em • Iniciar infusão intravenosa de glicose a 10%, L-car-
fibroblastos, leucócitos, plaquetas, amniócitos e vi- nitina (100 a 300 mg/kg).
losidade coriônica. • Fornecer de 20% a 25 % da energia sob a forma
Diagnóstico pré-natal: também é possível pela de lipídeos.
demonstração do ácido 3-hidroxi-3-metilglutárico
• Adicionar LEU (Tabela 2) à alimentação quan-
na urina materna, mas não se conhece a sensibilida-
do a concentração plasmática estiver nos limites
de do método.
de normalidade (2,35 mg/dl).
Diagnóstico molecular: detecção da mutação por
amplificação de éxons e análise de polimorfismo ou • Utilizar fórmula infantil com composição de ami-
amplificação e seqüenciamento de cDNA. A análise noácidos, conhecida como fonte de LEU, após a
de mutação é muito importante para confirmação de compensação e o início da dieta contendo esse
heterozigose do casal. Já foram descritos 11 muta- aminoácido.
ções do gene de HL.

Objetivos do suporte nutricional


Suporte nutricional na fase aguda
A intervenção dietética nos pacientes com distúr-
Durante a fase aguda da doença deve-se iniciar ime- bios no metabolismo da LEU por deficiência de
diatamente a intervenção dietética, não devendo HMG-CoA-liase tem como finalidade:
aguardar confirmação diagnóstica, e realizar avalia-
1) Garantir o controle dos níveis plasmáticos de LEU:
ção plasmática de leucina (LEU) e presença de áci-
dos orgânicos na urina diariamente. - manter a concentração plasmática de LEU, após
jejum de duas a quatro horas, na faixa de 0,66 a
Pacientes sem comprometimento 1.31 mg/dl, quando medida por método quanti-
neurológico grave tativo, e entre 2 e 4 mg/dl, quando medida por
• Fornecer fórmula metabólica isenta de leucina inibição de crescimento bacteriano;
com alto valor energético (120 a 150 kcal/kg, - manter a concentração plasmática de GLI, após
para lactentes e crianças com menos de 2 anos, jejum de duas a quatro horas, entre 1,5 e 3 mg/dl,
80 a 100 kcal/kg para crianças com mais de 2 anos quando medida por método quantitativo.

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Defeitos de oxidação de ácidos graxos

2) Garantir o perfeito crescimento, desenvolvimen- Tratamento


to e estado nutricional:
Devem-se evitar fatores que produzam catabolismo da
- favorecer uma adequada mineralização óssea leucina ou da oxidação de ácidos graxos, como infec-
(pode ocorrer osteopenia independentemente
ções, cirurgias, jejum prolongado e dieta cetogênica.
do tratamento);
O tratamento é feito com base em uma dieta com ade-
- oferta adequada de macro e micronutrientes, a quada oferta protéica, com cerca de 20% a 25% das
fim de garantir uma taxa de crescimento normal calorias na forma de gordura, e a suplementação de
para as crianças e uma adequação de peso em L-carnitina 100 a 200 mg/kg/dia apresenta um exce-
relação à altura (IMC) para os pacientes adoles-
lente resultado. A maioria dos pacientes tem desen-
centes e adultos;
volvimento psicomotor normal; há relatos de danos
- manter um adequado estado nutricional; neurológicos em pacientes com graves descompensa-
- prevenir o catabolismo (evitando longos perío- ções neurológicas. Nesses pacientes devem-se avaliar
dos de jejum); periodicamente ácidos orgânicos e carnitina livre.
- manter uma concentração sangüínea normal de
hemoglobina, leucócitos e plaquetas; Dieta
- manter a concentração urinária de ácidos orgâ-
nicos nos valores normais; Requerimentos de LEU
Os requerimentos de LEU variam de um indivíduo
- prevenir alopecia.
para outro, dependendo da atividade da enzima HMG-
CoA-liase, além de fatores como idade, taxa de cresci-
Todos os pacientes devem ser avaliados a cada
mento, adequação da ingestão de energia e proteína e
consulta quanto à evolução ponderoestatural (aferi-
estado de saúde do paciente. Para realizar a prescrição
ção de peso e estatura) para sua faixa etária a fim de
dietética, seguem-se as recomendações para pacientes
identificar e corrigir falhas no crescimento. A Or-
com desordens do metabolismo da LEU (Tabela 2),
ganização Mundial da Saúde (OMS), bem como o
de acordo com as necessidades para a faixa etária, ga-
Ministério da Saúde (MS), preconiza a utilização das
rantindo um aporte adequado de energia e proteínas,
curvas de crescimento desenvolvidas pelo National
bem como de LEU. Deve-se realizar monitoramento
Center for Health Statistics (NCHS) como referên-
dos níveis plasmáticos de LEU e da excreção urinária
cia para avaliação e acompanhamento do desenvol-
de ácidos orgânicos para avaliar o impacto, bem como
vimento individual de crianças e adolescentes. Para
os ajustes da dieta estabelecida.
os pacientes, o cálculo do índice de massa corporal
(IMC), que avalia a relação entre peso e altura (IMC Deficiência
= P/H2), continua sendo um bom indicador do esta- É preciso lembrar que uma inadequada ingestão de
do nutricional do paciente adulto. LEU pode levar à perda de peso ou insatisfatório ga-
nho ponderal, exantema cutâneo com progressiva
3) Manter o perfeito desenvolvimento mental e es- descamação, queda de cabelos, concentrações de LEU
tado neurológico; abaixo dos valores de normalidade, perda do apetite,
- prevenir atraso no desenvolvimento e retardo irritabilidade, apatia e aumento da concentração de
mental. isoleucina, metionina, serina, treonina e valina.

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Protocolo Brasileiro de Dietas

Requerimentos de proteína de energia resulta em perda ou insatisfatório ganho


ponderal e redução da tolerância à LEU.
A proteína é fornecida em quantidades maiores do que
as Recomendações Dietéticas (RDAs), pois, quando a
Requerimentos de L-carnitina
maior parte da proteína é fornecida sob a forma de L-
aminoácidos, isso resulta em uma rápida absorção dos A carnitina deve ser preservada em quantidade su-
aminoácidos, rápido aumento do pico de aminoácidos ficiente para manter a concentração plasmática de
no plasma, acelerado metabolismo dos aminoácidos e carnitina ≥ 30 µM/l. A maioria dos pacientes requer
possível diminuição da absorção total dos aminoácidos. entre 100 e 300 mg/kg.

Deficiência Requerimentos de água


Inadequada ingestão resulta em perda ou insatisfa- Prescrever quantidade suficiente que atenda aos reque-
tório ganho ponderal, exantema cutâneo, baixas rimentos. Sob condições normais, deve-se fornecer um
concentrações plasmáticas de proteínas (albumina e mínimo de 1,5 ml de líquidos para neonatos e 1 ml para
pré-albumina) e redução da tolerância à LEU. crianças e adultos para cada kcal ingerida.

Requerimentos de energia
Prescrição dietética
O fornecimento adequado de energia é de fundamental
importância para garantir a manutenção das funções A fim de manter uma adequada oferta de macro e mi-
básicas do organismo, favorecendo o perfeito cresci- cronutrientes e ao mesmo tempo limitar a ingestão de
mento e desenvolvimento infantil. Os requerimentos LEU dos pacientes, deve-se utilizar fórmula metabólica
energéticos variam amplamente e podem ser maiores específica para os distúrbios do metabolismo da leucina
que o normal quando a maior parte da proteína dieté- (isenta desse aminoácido), que irá garantir um adequa-
tica é fornecida sob a forma de L-aminoácidos. Uma do aporte protéico, facilitando a adequação da dieta em
vez estabelecida a dieta, deve-se garantir que as calorias relação à quantidade de leucina e proteína.
não-protéicas sejam fornecidas em quantidades sufi-
Tabela 2. Recomendação diária de nutrientes
cientes a fim de evitar que as proteínas sejam desviadas
Leucina Proteína Energia Líquidos
da sua função (crescimento e formação de tecidos) para Idade
(mg/kg) (g/kg) (kcal/kg) (ml/kg)
a produção de energia, por isso se recomenda realizar 0-3 meses 80-150 3,5-3 120 (145-95) 150-125
o cálculo da relação calorias/nitrogênio (kcal/N2) da 3-6 meses 70-140 3,5-3 115 (145-95) 160-130

dieta. Essa relação deve manter-se entre 200 e 300 kcal 6-9 meses 60-130 2,5-3 110 (135-80) 145-125

para cada grama de nitrogênio da dieta . 9-12 meses 50-120 2,5-3 105 (135-80) 135-120
(mg/dia) g/dia (kcal/dia) (ml/dia)
No diagnóstico e durante a acidose metabólica
1 < 4 anos 500-600 ≥ 30 1.300 (900-1.800) 900-1.800
precipitada por um quadro infeccioso ou trauma, as
4 < 7 anos 600-900 ≥ 35 1.700 (1.300-2.300) 1.300-2.300
necessidades energéticas dos pacientes podem estar 7 < 11 anos 700-900 ≥ 40 2.400 (1.650-3.300) 1.650-3.300
aumentadas em torno de 25% a 40% dos valores re- Fonte: Acosta PB e Yannicelli S, 2000.

comendados. Nesses pacientes, a energia fornecida


pelos lipídeos deve estar restrita entre 20% e 25%.
Acidúria glutárica tipo 2
Deficiência
Manter uma adequada oferta de energia é essencial Introdução
para garantir um crescimento adequado e prevenir A acidúria glutárica tipo 2 é uma doença metabólica
catabolismo, uma vez que a ingestão inadequada da oxidação dos ácidos graxos. A anomalia primá-

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Defeitos de oxidação de ácidos graxos

ria é a deficiência na transferência de elétrons das Aspectos clínicos


desidrogenases NAD-dependentes para a cadeia
São conhecidas três apresentações clínicas:
respiratória. Envolve disfunção em uma das duas
a) Uma variante neonatal, muito grave, associada a
proteínas codificadas pelo núcleo celular: flavopro-
dismorfias faciais e malformações congênitas. Os
teína de transferência de elétrons (ETF) ou, mais
pacientes apresentam fronte alta, hipertelorismo
freqüentemente, da ETF-coenzima Q oxidorreduta-
se (Frerman e Goodman, 2001). Em ambos os casos, ocular, baixa implantação dos pavilhões auriculares,
o defeito afeta o fluxo de elétrons de todas as reações anomalias da musculatura da parede abdominal, pés
de acil-desidrogenases mitocondriais e resulta em “em mata-borrão”, anomalias genitais em pacientes
deficiência de múltiplas acil-CoA desidrogenases. do sexo masculino (hipospádia e chordée), hepato-
Como conseqüência, ocorre acúmulo e excreção de megalia e doença renal cística, que pode estar pre-
produtos de oxidação de substratos que normalmente sente já no período fetal (Whitfield et al., 1996).
seriam oxidados pela flavina mitocondrial contendo Os sinais clínicos incluem hipotonia, taquipnéia,
acil-CoA desidrogenases. Alterações à neuroimagem vômitos, letargia e, por vezes, convulsões. As altera-
incluem hipoplasia simétrica dos lobos temporais, já ções bioquímicas mais marcantes são acidose meta-
constatada com uma semana de vida (Stockler et al., bólica, hipoglicemia hipocetótica, hiperamonemia
1994; Takanashi et al., 1999); agenesia de vermis ce- e excreção de acil-carnitinas com diminuição dos
rebelar (Takanashi et al., 1999) e alteração de sinal níveis de carnitina livre. A maioria dos pacientes
em substância branca cerebral e cerebelar, sugerindo desse grupo falece na primeira semana de vida.
leucodistrofia (Uziel et al., 1995). b) Há outra variante neonatal sem alterações faciais
Desde a descrição original, em 1976, numerosos ou malformações, mas com quadros neurológico e
casos com variadas origens étnicas e geográficas fo- metabólico também graves e prognóstico reservado
ram relatados. A doença não está incluída em pro- com hipotonia. O perfil laboratorial é semelhante
gramas de triagem neonatal e a literatura carece de ao da variante anteriormente citada. Nessa forma
dados confiáveis quanto à sua incidência. Acredi- da doença, os poucos pacientes que ultrapassaram
ta-se que não seja excepcionalmente rara, podendo a primeira semana de vida, apesar de terem diag-
mesmo estar entre os erros inatos do metabolismo
nóstico rápido e instituição de medidas terapêuti-
mais comuns (Frerman e Goodman, 2001).
cas em fase muito precoce, vieram a falecer dentro
O padrão de herança em todas as variantes da do-
de alguns meses. Na maioria dos casos, o motivo
ença é autossômico recessivo.
do óbito foi miocardiopatia grave. Há ainda relatos
de alguns poucos casos que tiveram como manifes-
Via metabólica
tação inicial hipoglicemia no período neonatal e,
posteriormente, desenvolveram episódios seme-
Cadeia respiratória
e
lhantes aos da síndrome de Reye. Em alguns dos
casos descritos, as formas precoces e graves foram
ETF-DH(OX) ETF-DH (red)
associadas a um odor marcante e desagradável de
pés suados, semelhante ao observado em lactentes
ETF-DH (red) ETF-DH(OX)
com acidemia isovalérica (Clarke, 2002).
c) Finalmente, há uma variante com manifestações
ACD (ox) ACD(red)
mais tardias e/ou mais leves, caracterizada por
Acil-CoA Enoil-CoA episódios agudos de acidose metabólica, déficit

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Protocolo Brasileiro de Dietas

de crescimento, hipoglicemia, hiperamonemia, A forma mais leve e/ou tardia pode ser de diagnósti-
quadros de encefalopatia (que pode ser progres- co muito mais difícil, pois em algumas fases da vida do
siva) e de miopatia proximal que pode iniciar na paciente, acidose metabólica, que é o achado básico que
infância ou adolescência (Frerman e Goodman, geralmente leva à pesquisa de ácidos orgânicos em urina,
2002). Há pelo menos um relato de manifestações pode não estar presente. Além disso, a acidúria orgânica
extrapiramidais nessa forma clínica (Loehr et al., é menos pronunciada, podendo ter padrão intermitente,
1990). Pancreatite aguda (Coskun et al., 1997) observável somente em períodos de acutização.
ou recorrente (Liang et al., 2004) pode ocorrer Embora de difícil obtenção e raramente realizados
nessa variante. Na forma leve os ácidos orgânicos (não disponíveis rotineiramente em nenhum cen-
urinários podem estar normais entre os episódios tro), estudos do metabolismo de compostos radioati-
de descompensação metabólica (Clarke, 2002). vos (oxidação de compostos marcados pelo carbono
14) em fibroblastos podem ter valor pelo menos para
programas de pesquisa.
Aspectos patológicos O diagnóstico específico, uma vez que há duas
causas para a doença, só pode ser estabelecido pela
A alteração patológica básica presente em todas as
demonstração da deficiência de ETF ou ETF-QO
variantes é a infiltração gordurosa, envolvendo co-
em fibroblastos ou outro tecido apropriado. Tais de-
ração, fígado e rins. Nos pacientes submetidos à au-
monstrações tampouco são realizadas na investiga-
tópsia, observaram-se, em todos os casos relatados,
ção rotineira. Várias mutações patogênicas em am-
alterações degenerativas gordurosas microvesicula-
bas as proteínas já são conhecidas.
res acometendo parênquima renal, túbulos renais
proximais e miocárdio. Alterações patológicas des- Diagnóstico pré-natal
critas em cérebros de afetados incluem displasias
O diagnóstico pré-natal é possível por meio da de-
focais do córtex cerebral; redução do número de gi- tecção de concentrações elevadas de ácido glutári-
ros em lobos frontais, temporais e parietais; além de co em líquido amniótico (Mitchell et al., 1983), na
evidências microscópicas de anomalias de migração urina materna ou pela oxidação deficiente do subs-
neuronal (Lyon et al., 1996). trato por amniócitos. A detecção de perfil anormal
das acil-carnitinas em líquido amniótico também
Diagnóstico foi proposto como método de diagnóstico pré-natal
(Shigematsu et al., 1996).
Como nas demais acidemias orgânicas, é o perfil ca-
racterístico de ácidos orgânicos na urina do paciente
que estabelece o diagnóstico de acidemia glutárica Tratamento
tipo 2. Em geral, a pesquisa é realizada em neonato Tratamento oral com riboflavina (100 a 300 mg/dia),
ou lactente com acidose metabólica e hipoglicemia. L-carnitina, glicina (100 a 150 mg/kg/dia) e dietas
São observados aumentos de ácidos glutárico e etil- hipoprotéicas e com restrição de lipídeos podem
malônico (mais característicos da doença), além de trazer importante benefício aos pacientes com va-
elevações na concentração urinária dos ácidos lác- riantes mais benignas. Essas medidas não mostraram
ticos, dicarboxílicos e outros ácidos orgânicos de efeito significativo nos casos mais graves de início
menor significado na doença. Secundariamente, há precoce (Lyon et al., 1996). O D-3-hidroxibutirato
deficiência de carnitina livre urinária e a excreção foi recentemente introduzido de forma experimental
de acil-carnitinas é normal ou aumentada. (Zschocke e Hoffmann, 2004).

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Defeitos de oxidação de ácidos graxos

Tratamento dietético na triptofano e valina; ingestão inadequada de proteína


acidúria glutárica tipo 2 resulta em déficit de crescimento.
Gorduras: prescrever na quantidade de 20% a
Suporte nutricional 25% do total de energia; atingir os requerimentos de
O tratamento dietético na acidúria glutárica tipo 2 3% do total de energia em ácido linoléico e 1% em
consiste em: ácido alfa-linolênico com utilização de óleo de soja
• restringir a oferta de lipídeos em 20% a 25% do
ou canola. A ingestão inadequada de ácido linoléico
total de calorias, dos quais 3% devem ser ácido
e alfa-linolênico pode ocasionar deficiência de áci-
linoléico e 1% alfa-linolênico (com utilização de
óleo de soja ou canola). A ingesta inadequada de dos graxos essenciais.
ácido linoléico e alfa-linolênico pode levar à defi- Glicina: prescrever 100 a 150 mg/kg/dia para
ciência de ácidos graxos essenciais; manter o equilíbrio metabólico.
• dieta hipoprotéica (cerca de 1,5 g/kg/dia), com a
finalidade de reduzir a oferta de isoleucina, leuci- Exemplo de dieta para paciente
na, lisina, valina e triptofano, sem exceder a to- com 2 anos de idade
lerância individual desses aminoácidos. Ingestão Cardápio Quantidades Substituições
inadequada de proteína resulta em descompensa- 6h – Desjejum
ção metabólica ou déficit de crescimento; Água 180 ml

• prover energia para ganho de peso e crescimento ade- Fórmula infantil 4 medidas

quados e prevenção do catabolismo protéico. Prescre- Amido de milho 15 g

ver conforme as recomendações normais (DRIS); Maltodextrina 16 g


9h – Colação
• evitar jejum prolongado, não devendo ultrapassar
Banana-nanica 90 g Porções
quatro horas em lactentes, seis horas em crianças
12h – Almoço
e oito horas em adultos.
Arroz 3 colheres (sopa) 1½ porção do grupo IV
Feijão 2 colheres (sopa) Lentilha/ervilha
Objetivos do suporte nutricional
Abóbora 25 g ½ porção do grupo III
• Promover crescimento adequado em crianças e
Espinafre 20 g 1 porção do grupo II
manutenção de peso em adultos.
Óleo de canola 1 ml
• Manter o estado nutricional adequado. Cebola
• Manter a glicemia na normalidade. Sal

• Prevenir o catabolismo protéico. Laranja 50 g ½ porção do grupo I


15h – Lanche
• Evitar o depósito de gordura no fígado e músculos.
Água 200 ml
• Evitar sinais de descompensação metabólica: Fórmula infantil 4 medidas
acidose metabólica, hiperamonemia e excreção Amido de milho 15 g
anormal de ácidos orgânicos na urina. Maltodextrina 16 g
18h – Jantar
Arroz 3 colheres (sopa) 1½ porção do grupo IV
Prescrição dietética Feijão 2 colheres (sopa) Lentilha/grão-de-bico
Energia: prescrever conforme as recomendações normais Abóbora 25 g ½ porção do grupo III
(DRIS), garantindo normal ganho de peso em crianças e Couve 20 g 1 porção do grupo III
manutenção de peso em adultos; ingestão inadequada de Óleo de soja 1 ml
energia resulta em déficit de crescimento. Cebola
Proteína: prescrever em quantidade que promo- Sal
va crescimento normal (1,5 a 2 mg/kg/dia), sem que Mamão 120 g 1 porção do grupo I

exceda a tolerância de isoleucina, leucina, lisina, (cont.)

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Protocolo Brasileiro de Dietas

21h – Mingau Bibliografia


Água 150 ml Acosta PB, Yannicelli S. The Ross Metabolic Formula Sistem, Nutrition
Fórmula infantil 3 medidas support protocols. 4 ed , USA: Ross Products Division, 2000.
Amido de milho 10 g
Bakker HD, Wanders RJA, Schutgens RBH et al. 3-hydroxy-
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Maltodextrina 10 g symptoms due to a self-imposed dietary fat and protein
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24h – Mingau
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Amido de milho 10 g
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sitária, 2003, p. 91.
Maltodextrina 10 g Colombo MC, Cornejo VE, Raiman EB. Erroes innatos em el me-
4h tabolismo del niño. 2 ed. Santiago de Chile: Editorial Univer-
sitaria, 2003, pp. 160-72.
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Amido de milho cru
de água
Coskun T, Gogus S, Akcoren Z, Tokatli A, Ozalp I. Acute pan-
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Ameixa vermelha – 150 g Alface – 25 g D (eds.). The metabolic and molecular bases of inherited
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Amora – 50 g Almeirão – 15 g
Liang WC, Tsai KB, Lai CL, Chen LH, Jong YJ. Riboflavin-res-
Banana-maçã – 40 g Escarola – 15 g ponsive glutaric aciduria type II with recurrent pancreati-
tis. Pediatr Neurol 2004;31(3):218-21.
Banana-nanica – 45 g Pepino – 40 g
Loehr JP, Goodman SI, Frerman FE. Glutaric acidemia type
Caju – 70 g Repolho – 20 g II: heterogeneity of clinical and biochemical phenotypes.
Caqui – 100 g Pediatr Res 1990;27(3):311-5.
Goiaba – 50 g
Lyon G, Adams RD, Kolodny EH. Neurology of hereditary metabolic dis-
eases of children. 2 ed. New York: McGraw-Hill, 1996.
Jabuticaba – 100 g Mitchell G, Saudubray JM, Benoit Y et al. Antenatal diagnosis
Laranja-pêra – 100 g of glutaricaciduria type II. Lancet 1983:1(8333):1099.
Maçã – 170 g
Roe CR, Ding J. Mitochondrial fatty acid oxidations disorders. In:
Scriver CR, Beaudet L, Sly WS, Valle D. The metabolic
Mamão – 120 g and molecular bases of inherited disease. New York: Mc-
Graw-Hill, 2001.
Manga – 150 g
Scriver CR, Beaudet L, Sly WS, Valle D. The metabolic and molecu-
Melancia – 120 g lar bases of inherited disease. New York: McGraw-Hill, 2001.
Melão – 75 g Shigematsu Y, Hata I, Nakai A et al. Prenatal diagnosis of or-
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Nêspera – 150 g
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Pêra – 100 g Snyderman SE, Roitman EL, Boyer A et al. The essential ami-
Tangerina – 75 g no acid requirements of infants: Leucine. Am J Dis Child
1961;102:157-62.
Uva (média) – 40 g
Stockler S, Radner H, Karpf EF, Hauer A, Ebner F. Symmetric
Porções de legumes Porções de cereais e tubérculos hypoplasia of the temporal lobe in an infant with glutaric
aciduria type II (multiple acyl-coenzyme A dehydroge-
Abóbora – 100 g Arroz branco cru – 25 g
nase deficiency). J Pediatr 1994;124(4):601-4.
Abobrinha – 120 g Batata – 100 g Takanashi J, Fujii K, Sugita K, Kohno Y. Neurordiologic findings in
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Uziel G, Garaviglia B, Ciceri E, Moroni I, Rimoldi M. Ribofla-
Beterraba – 40 g Mandioca – 100 g
vin-responsive glutaric aciduria type II presenting as a
Cebola – 70 g Mandioquinha – 120 g leukodystrophy. Pediatr Neurol1995;13(4):333-5.
Cenoura – 100 g Whitfield J, Hurst D, Bennett MJ, Sherwood WG, Hogg R,
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Chuchu – 50 g with glutaric acidemia type II: an inborn error of energy
Couve-flor – 50 g metabolism. Am J Perinatol 1996;13(3):131-4.
Zschocke J, Hoffmann G. Vademecum Metabolicum. 2 ed. Fried-
Tomate – 100 g
richsdorf: Schattauer, 2004.

112

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Capítulo 13

Deficiência do complexo
piruvato desidrogenase

Introdução Piruvato Lactato Alanina

A deficiência do complexo piruvato desidrogenase PC PDH


(PDH) é a causa mais comum de acidemia láctica, ten-
do sido já descritos mais de 200 casos na literatura. Esse Oxalacetato Acetil-CoA

complexo é formado por três componentes catalíticos:


piruvato desidrogenase (E1), diidrolipoamida aciltrans- Citrato
ferase (E2) e diidrolipoamida desidrogenase (E3); duas Ciclo de Krebs

proteínas reguladoras: PDH quinase e PDH fosfatase,


existindo ainda a proteína adicional E3 e a proteína res- Complexo
PDH
tritiva (E3BP), conhecida como proteína X.
Diidrolipoamida
O defeito mais comum é o do componente E1 que aciltransferase

pode apresentar quadro clínico de gravidade variá-


α-cetoácido E2
vel. Como o componente E1-alfa é produzido por desidrogenase
Diidrolipoamida
um gene localizado no cromossomo Xp22.1-22.2, a E1 desidrogenase
maioria dos portadores de deficiência do complexo E3
PDH apresenta herança ligada ao X .
Figura 1. Quadro bioquímico
A incidência ainda é desconhecida em nosso
meio e pouco informativa, considerando os dados da
gênico alanina. Após sua entrada na mitocôndria, é
literatura internacional. Isso se deve provavelmente
convertido em acetil-coenzima A (Acetil-CoA) pelo
à dificuldade na obtenção do diagnóstico definitivo.
complexo piruvato desidrogenase (PDH), seguido de
A deficiência do complexo PDH interfere no
oxidações que ocorrem no ciclo de Krebs (ciclo de
desenvolvimento fetal, levando o recém-nascido a
ácidos tricarboxílicos – CK). O piruvato pode tam-
pouco ganho de peso e geralmente com Apgar baixo.
bém entrar na rota gliconeogênica pela subseqüente
Na maioria dos casos afeta o SNC (Figura 1).
conversão em oxalacetato pela enzima piruvato car-
boxilase, enquanto a Acetil-CoA é também formada
Fisiopatologia pela oxidação dos ácidos graxos ou utilizada pela li-
pogênese. O objetivo final desse processo é a geração
Introdução à bioquímica geral de formas reduzidas de nicotinamida adenina dinu-
O piruvato é formado a partir da glicose e outros mo- cleotídeo (NAD+) e de flavina adenina dinucleotídeo
nossacarídeos, do lactato e do aminoácido gliconeo- (FAD+H), que serão utilizadas no transporte de elé-

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Protocolo Brasileiro de Dietas

trons na cadeia respiratória mitocondrial (CRM), ge- Quadro clínico


rando energia para o funcionamento celular na forma
As formas clínicas variam muito, começando no pe-
da molécula de ATP (Morone et al., 2002).
ríodo neonatal, com grave acidose metabólica e ca-
Bioquímica do complexo PDH sos de apresentação mais tardia, e no início da idade
adulta com função cognitiva normal e ataxia inter-
O componente E1 é um tetrâmero de duas proteínas
mitente. A forma grave neonatal apresenta acidose
alfa e duas proteínas beta, que são reguladas pela fosfo-
láctica importante, hipotonia generalizada e irrita-
rilação/desfosforilação; enquanto a E1 fosfatase ativa,
bilidade com óbito geralmente antes dos 6 meses de
a E1 quinase inativa. O componente E2, além de ser-
vida. Há uma forma intermediária com alterações
vir de core estrutural para o complexo, liga-se ao ácido
ácido-básicas por curtos períodos (geralmente em vi-
lipóico que será utilizado como substrato por todo o
gência de infecções). Os pacientes apresentam atraso
complexo. O componente E3 possui uma estrutura e
do desenvolvimento neuropsicomotor (ADNPM) e,
algumas proteínas idênticas às enzimas cetoácidos de-
posteriormente, podem ocorrer involução das aqui-
sidrogenase (cadeia de metabolização dos aminoácidos
sições motoras e cognitivas, presença de hipertonia,
de cadeia ramificada deficientes na doença da urina do
hiper-reflexia, movimentos anormais e crises epilépti-
xarope de bordo). Esse componente liga-se à proteína
cas. Na forma leve, há ataxia crônica ou intermitente
X, importante na ligação ao core do componente E2. induzida por ingesta de carboidrato, associada a um
Todo esse complexo requer os co-fatores tiamina piro- lactato pouco elevado. O desenvolvimento pode estar
fosfato, alfa-ácido lipóico, FAD, NAD+ e CoA. normal ou apresentar deficiência mental (DM). Essa
Na presença de oxigênio e uma função mitocon- forma ocorre no sexo masculino.
drial normal, o piruvato é oxidado em acetil-CoA Nas deficiências da PDH, crises epilépticas po-
via complexo PDH e complexo PC, sendo este o dem inaugurar o quadro, sem qualquer alteração
principal “caminho” para a oxidação completa dos neurológica prévia, embora isso não seja comum. Os
carboidratos pelo ciclo de Krebs, gerando-se carrea- pacientes podem apresentar crises parciais motoras
dores de elétrons para a formação de ATP na CRM. e complexas, generalizadas tônicas, ausências e es-
Sem a oxidação mitocondrial, o piruvato é redu- pasmos infantis (síndrome de West). A síndrome de
zido em lactato. A conversão da glicose em lactato West, na deficiência de PDH, é mais freqüente no
gera apenas 1/10 do ATP disponível normalmente sexo feminino (Naito et al., 2001).
pela oxidação completa via CK e CRM. Com isso, a Uma parte dos pacientes pode desenvolver a
deficiência do complexo PDH interfere na produção síndrome de Leigh (encefalopatia necrotizante su-
de ATP, pela impossibilidade de ocorrer a oxidação baguda), que é uma entidade neuropatológica carac-
dos carboidratos, e a acidemia láctica torna-se mais terizada por focos simétricos de necrose incomple-
grave com o elevado consumo de carboidratos. ta (degeneração espongiforme) no tronco cerebral,
A deficiência de PDH, em contraste com a de- gânglios da base, tálamo, cerebelo, medula espinal e
ficiência dos complexos da CRM, impede a redução nervo óptico (Canafoglia et al., 2001).
do NADH, mas não a sua oxidação. Como a relação As anormalidades clínicas são variadas, depen-
lactato/piruvato é o reflexo da relação NADH/NAD, dendo da região mais acometida. As alterações mais
a deficiência de PDH é caracterizada por uma relação freqüentes são hipotonia, distúrbios oculomotores,
L/P normal, enquanto a deficiência dos complexos I, alterações respiratórias, letargia, sinais piramidais,
II, IV é geralmente relacionada a uma elevada rela- dificuldades alimentares (disfagia) e vômitos. Tam-
ção L/P em razão da falha na oxidação do NADH. bém observam-se alterações dismórficas variadas

114

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Deficiência do complexo piruvato desidrogenase

como bossa frontal, ponte nasal alargada, narinas do lactato e piruvato no líquor (e se possível de áci-
antevertidas, filtro longo e apagado, lembrando sín- dos orgânicos), pois pode haver um desequilíbrio en-
drome fetal-alcoólica. tre metabólitos séricos e no líquor em pacientes com
Casos com fenótipo mais grave podem ocorrer em doença primária de SNC.
pacientes com deficiência de PDH associada a defeitos O padrão-ouro para o diagnóstico definitivo é a
de cadeia respiratória. Entretanto, esse achado é raro. determinação da atividade enzimática da PDH por
Os pacientes com deficiência de PDH podem meio da cultura de fibroblastos (Robisson, 2001). Essa
apresentar malformações do SNC, sendo a princi- metodologia não é simples e até o momento está dis-
pal delas agenesia parcial ou total do corpo caloso. ponível apenas no exterior. Portanto, apesar de ser
Há relatos de polimicrogiria cortical difusa. Outras necessária a confirmação do diagnóstico pela dosagem
alterações encontradas à ressonância magnética de enzimática, o tratamento pode ser iniciado baseando-
crânio (RM) são cistos hemisféricos, atrofia cortical, se nos exames laboratoriais de triagem descritos ante-
anormalidades simétricas em gânglios da base e tron-
riormente (Clarke, 2002; Kerr et al., 2000).
co cerebral, além do envolvimento difuso e simétri-
co da substância branca. À espectroscopia por RM, Tabela 1. Alterações laboratoriais na deficiência da PDHC
é possível encontrar o pico de lactato e há relato da
Exame laboratorial
Freqüência (% dos casos)
presença de pico de piruvato associado. alterado (aumentado)
Lactato sérico > 75%
Relação L/P < 25%
Diagnóstico Alanina plasmática 25%-75%
Amônia plasmática normal
O exame laboratorial mais importante para a iden-
Ácido lático na urina 25%-75%
tificação de possíveis portadores de deficiência da Ácido 2-cetoglutárico na urina < 25%
PDH é a dosagem de lactato e piruvato no plasma. Outros ácidos tricarboxílicos na urina < 25%
A dosagem de lactato e piruvato no líquor e a análi- Hipoglicemia ausente

se de aminoácidos plasmáticos e de ácidos orgânicos Cetose ausente

na urina também auxiliam o diagnóstico (Tabela 1).


No plasma, o lactato, piruvato e alanina têm valores Diagnóstico molecular
normais intermitentes, mas um aumento importante
Todos os componentes do complexo PDH são codifi-
é esperado após a ingestão de carboidratos. Embora
cados por genes nucleares e sintetizados no citoplasma
a relação sérica lactato:piruvato (L/P) seja tipica-
mente normal, pode ser encontrada uma relação L/P como proteínas precursoras e, então, importadas para
aumentada nos casos de pacientes com doença agu- a mitocôndria, onde proteínas maduras são agrupadas
da, dificuldade técnica na obtenção de amostra de num grande complexo enzimático. Embora muitos
sangue, ou se a análise do piruvato (que é instável) dos genes que codificam várias subunidades sejam
não foi realizada adequadamente. A solução prática autossômicos, o gene da unidade E1α está localiza-
para essas variáveis é a obtenção de várias amostras do no cromossomo Xp22.1-22.2. Mutações no gene
de sangue e urina em diferentes condições (duran- somático no cromossomo X respondem pela grande
te intercorrência infecciosa aguda, em jejum e no maioria de casos de PDH em meninos. Assim, a maio-
período após dieta rica em carboidratos). A hipogli- ria dos casos de deficiência de PDH é ligada ao X,
cemia não é uma alteração esperada na deficiência com manifestações mais graves no sexo masculino e
PDH. Caso não se consiga documentar um aumento manifestações clínicas mais variáveis no sexo femini-
do lactato sérico, sugere-se que seja feita a dosagem no em virtude da inativação variável dos dois alelos.

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Protocolo Brasileiro de Dietas

Até o momento foram descritas cerca de 78 mutações mente existem 12 proteínas Glut responsáveis pelo
que incluem deleções, inserções e mutações de ponto. transporte de monossacarídeos em diversos tecidos.
A maioria ocorre nos éxons 10 e 11. O quadro clínico dessa síndrome é secundário à
baixa quantidade de glicose no líquido cefalorraqui-
Diagnóstico pré-natal diano e, portanto, no cérebro. Consiste em encefa-
Não há muito sucesso na tentativa de diagnóstico pré-na- lopatia epiléptica de início na infância associada a
tal das deficiências do complexo PDH. Alguns trabalhos atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, desace-
relatam medidas da atividade enzimática em vilo coriô- leração do crescimento do perímetro cefálico, levan-
nico e/ou cultura de aminiócitos (Kerr et al., 2000). do à microcefalia, incoordenação e espasticidade.
Os primeiros pacientes foram descritos por De
Vivo et al., em 1991; por esse motivo, a enfermidade
Tratamento e prognóstico era chamada de doença de De Vivo. Como, além
Apesar de o prognóstico para pacientes com deficiên- dos sintomas descritos, os pacientes apresentavam
cia de PDH ser limitado e o tratamento pouco eficaz, níveis de glicose e lactato baixos no líquor com gli-
este deve ser empregado na tentativa temporária de cemia normal, os autores sugeriram a existência da
melhora dos sintomas. Contudo, não há nenhum es- deficiência de transporte que apenas foi comprovada
tudo prospectivo que demonstre que a dietoterapia por Wang et al., em 2005.
altere o dano cerebral progressivo. O gene consiste em 10 éxons e 9 íntrons locali-
A tiamina deve ser administrada em altas doses zados no cromossomo 1p34.2, pertencendo à família
(500 a 2.000 mg/dia), pois alguns pacientes apresen- dos 12 genes SCL2A, designada assim pelo HUGO
tam aparente melhora clínica e diminuição de lacta- Gene Nomenclature Committe.
to sérico. O uso de tiamina não é eficaz nos casos de Wang et al., em 2005, descreveram 16 pacientes
deficiência do componente E1. e propuseram a classificação em cinco fenótipos di-
A principal estratégia para tratar deficiência de ferentes, conforme uma hipotética função residual
PDH é a dieta cetogênica. A oxidação dos ácidos do Glut-1, sendo:
graxos, 3-hidroxibutirato e acetoacetato é uma al- 1. fenótipo mínimo (75% a 100% de função resi-
ternativa para formar acetil-CoA não-derivada da dual): associado com uma mutação missense, so-
rota do piruvato. Alguns estudos mostram melhora mente tendo sintomas com estresses, como febre
dos sintomas, contudo, a longo prazo, não é susten- e outros fatores (algumas medicações, como eta-
tável para o organismo. O principal objetivo do tra- nol e cafeína, entre outras, poderiam diminuir a
tamento é a manutenção de uma cetose significativa atividade do Glut-1);
(4 a 6 mM), porque os ácidos graxos não cruzam a 2. fenótipo leve (50% a 75% de atividade residual):
barreira hematoencefálica. mutação missense;

Síndrome da deficiência do Glut-1 3. fenótipo moderado clássico (50% de função resi-


dual): mutações nonsense, frameshift e splice-site;
Doença causada pela deficiência no transporte de
glicose por meio da barreira hematoencefálica, que é 4. fenótipo grave (25% a 50% de atividade resi-
realizado por um transportador chamado de Glut-1. dual): mutação em trans;
Apresenta herança autossômica dominante. 5. letal embriônico (0% a 25% de função residual):
O Glut-1 foi o primeiro transportador de glicose fenótipo devastador causado por mutação em
a ter sua seqüência de aminoácidos descrita. Atual- homozigose.

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Deficiência do complexo piruvato desidrogenase

Em 2002, Klepper et al. propuseram o tratamen- Como calcular a dieta


to dessa síndrome com dieta cetogênica, tendo bons
Composição da unidade dietética
resultados no controle das convulsões e efeitos cola-
Razão gordura/ Calorias do Calorias
terais limitados, mas poucos efeitos sobre os sintomas carboidrato +
Calorias da
gordura
carboidrato mais por unidade
proteína proteína dietética
cognitivos (Wang et al., 2005).
2:1 2 g x 9 kcal/g = 18 1 g x 4 kcal/g = 4 18 + 4 = 22
A tentativa de tratamento com aumento dos ní- 3:1 3 g x 9 kcal/g = 27 1 g x 4 kcal/g = 4 27 + 4 = 31
veis glicêmicos (dietas ricas em carboidratos e agentes 4:1 4 g x 9 kcal/g = 36 1 g x 4 kcal/g = 4 36 + 4 = 40

hiperglicemiantes) mostrou não ter eficácia, obser- 5:1 5 g x 9 kcal/g = 45 1 g x 4 kcal/g = 4 45 + 4 = 49

vando-se complicações como a obesidade.


Energia
• Deve ser aproximadamente 75% das calorias re-
Tratamento dietético comendadas de acordo com a idade e o peso ideal
da criança em relação a sua estatura.
Dieta cetogênica
• Calorias por quilograma:
A dieta cetogênica consiste aproximadamente em
75% a 90% do total de calorias fornecidas pelas gor- - idade abaixo de 1 ano – 80 kcal/kg
duras, sendo o restante proteínas mais carboidratos. - idade abaixo de 1 a 3 anos – 75 kcal/kg
Existem dois principais tipos de dieta cetogênica: a - idade abaixo de 4 a 6 anos – 68 kcal/kg
clássica, que leva à produção de corpos cetônicos pela - idade abaixo de 7 a 10 anos – 68 kcal/kg
limitação da ingestão de proteínas e carboidratos, e - acima de 10 anos – 40 a 50 kcal/kg ou menos
a dieta cetogênica de triglicérides de cadeia média, Proteína
que utiliza essa gordura para produção de corpos ce- • Deve conter no mínimo 1 g/kg de peso corporal
tônicos. A dieta cetogênica clássica, habitualmente para suprir as necessidades de reposição de teci-
mais utilizada, apresenta uma razão cetogênica-não- dos, mecanismos de defesa e crescimento.
cetogênica (relação de gordura para proteína mais
carboidrato) que pode ser de 5:1; 4:1; 3:1 e 2:1. Nor- Gordura
malmente, inicia-se a dieta na razão 4:1, exceto em • Deve conter de 75% a 90% do total de calorias.
crianças menores de 15 meses ou obesas, nas quais se
deve iniciar na razão 3:1 ou 3,5:1. Líquidos
• Devem ser aproximadamente 65 ml por quilogra-
Objetivos da dieta
ma por dia ou 1 ml por caloria da dieta, distribuí-
• Promover o crescimento adequado em crianças e dos ao longo do dia.
manter o peso adequado para a estatura em adultos.
• Propiciar melhora no desenvolvimento mental, Exemplo de como calcular a dieta
diminuição dos episódios de crise convulsiva e Paciente do sexo feminino com 4 anos de idade pe-
melhora da qualidade de vida. sando 15 kg, no percentil 50 para idade e estatura.

• Manter a normoglicemia. Dieta na razão 4:1

• Assegurar corpos cetônicos na urina em níveis 1. Total de calorias – Determinar o total de calorias
desejados (pelo menos ++ ou 4 a 6 µM). multiplicando o peso da criança pelas calorias re-
comendadas para a idade.
• Garantir concentrações normais de lactato, ala-
nina e piruvato. 68 x 15 = 1.020 calorias por dia

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Protocolo Brasileiro de Dietas

2. Unidade dietética – Dividir o número de calorias 8. Fracionamento das refeições – Dividir a quanti-
de cada unidade dietética para determinar o nú- dade de gordura, proteína e carboidratos do dia
mero de unidades dietéticas permitidas no dia. em três ou quatro refeições. É essencial que a ra-
Razão 4:1 = 40 calorias zão exata de gordura para proteina + carboidrato
seja mantida para cada refeição.
1.020 calorias dia ÷ 40 =
9. Recomendação dietética do dia e por refeições
25,5 unidades dietéticas por dia
Diária Por refeição (4 refeições)
Proteína 15 g 3,75 g
3. Gordura – Multiplicar o número de unidades die- Gordura 102 g 25,5 g
téticas do dia pela unidade de gordura prescrita Carboidrato 10,5 g 2,62 g

na razão cetogênica para determinar as gramas de Calorias 1.020 calorias 255 calorias

gordura permitidas no dia.


10. Líquidos – Multiplicar o peso da criança por 65
Razão 4:1
ml para determinar o volume de líquido permiti-
25,5 x 4 = 102 g de gordura no dia do. O volume máximo de líquidos do dia não deve
ultrapassar o número de calorias permitido no dia.
4. Proteína + carboidrato – Multiplicar o núme- Os líquidos não devem conter calorias (utilizar
ro de unidades dietéticas do dia pela unidade de água, refrescos diet ou chás descafeinados).
proteína mais carboidrato prescrita na razão ce- Neste caso a dieta deverá ter de 975 ml (15 kg x
togênica para determinar a quantidade de carboi- 65 ml) a 1.020 ml de líquidos no dia.
drato mais proteína do dia.
Razão 4:1 11. Plano alimentar – A dieta, após calculada, deve
ser feita com base em seis planos de refeições:
25,5 x 1 = 25,5 g de proteína + carboidrato
a) carnes, fruta, gordura e creme

5. Proteína – Na razão 4:1 a quantidade de proteína e b) queijo, fruta, gordura e creme


de, no mínimo, 1 g por quilograma de peso por dia. c) ovo, fruta, gordura e creme
Peso de 15 kg d) carnes, vegetais, gordura e creme
e) queijo, vegetais, gordura e creme
15 kg x 1 g de proteína = 15 g de proteína no dia
f) ovo, vegetais, gordura e creme

6. Carboidrato – Determinar a quantidade de carboi-


dratos subtraindo a proteína do total de carboidra- 12. A dieta cetogênica pode ser de consistência lí-
to + proteína permitida no dia. quida, pastosa ou sólida, conforme a necessida-
de de cada paciente, podendo ser utilizada por
Carboidrato + proteína = 25,5 g
via oral nasogástrica ou por gastrotomia.
25,5 g – 15 = 10,5 g de carboidrato por dia
Dificuldades para manter a cetose:
7. Vitaminas e sais minerais – A dieta é deficiente - ingestão de alimentos não-permitidos na dieta;
na maioria dos nutrientes, devendo, portanto, ser - ingestão de alimentos em quantidade maior
suplementada. O medicamento deverá ser mani- que a prescrita;
pulado sem açúcar. - preparo de alimentos de forma incorreta;

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Deficiência do complexo piruvato desidrogenase

- ganho de peso além do esperado; 20 g de chuchu 10 g de acelga

- informação nutricional incorreta dos alimentos; 13 g de couve-flor 15 g de agrião


23 g de berinjela 10 g de espinafre
- inadequação da dieta;
20 g de abóbora
- intercorrência infecciosa.
30 g de tomate
20 g de pimentão
Sugestão de monitoramento clínico-laboratorial
Obs.: Todas as refeições devem ter a mesma proporção de nutrientes.
• Dosagem de cetonúria semanal no momento da
instituição da dieta.
• Após obtenção de cetonúria desejada, fazer pes-
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